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Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas

(Lc 3, 1-6)

No décimo quinto ano do império de Tibério César, quando Pôncio Pilatos era
governador da Judeia, Herodes administrava a Galileia, seu irmão Filipe, as
regiões da Itureia e Traconítide, e Lisânias a Abilene; quando Anás e Caifás eram
sumos sacerdotes, foi então que a palavra de Deus foi dirigida a João, o filho de
Zacarias, no deserto. E ele percorreu toda a região do Jordão, pregando um
batismo de conversão para o perdão dos pecados, como está escrito no Livro das
palavras do profeta Isaías: "Esta é a voz daquele que grita no deserto: 'preparai o
caminho do Senhor, endireitai suas veredas. Todo vale será aterrado, toda
montanha e colina serão rebaixadas; as passagens tortuosas ficarão retas e os
caminhos acidentados serão aplainados. E todas as pessoas verão a salvação de
Deus'".
São João Batista "percorreu toda a região do Jordão, pregando (κηρύσσων) um
batismo de conversão para o perdão dos pecados" (v. 3). Ele chamava as
pessoas a um "batismo de conversão" (βάπτισμα μετανοίας) – isto é, a um
arrependimento de coração –, preparando o povo para o "perdão dos pecados"
(ἄυεσιν ἁμαρτιῶν), que Jesus, o próprio Deus feito homem, viria trazer à
humanidade.

Essa mesma sequência é notável na estrutura do sacramento da Penitência: a


primeira parte são os atos do penitente, que, arrependido de seus pecados,
implora a misericórdia divina; a segunda, os atos do confessor, que, atuando em
nome de Cristo, perdoa as faltas ao pecador.

Os atos do penitente são o principal objeto de exame deste Testemunho de Fé.


Podem ser separados em três partes, como consta no Catecismo da Igreja
Católica, § 1450:

"A penitência leva o pecador a tudo suportar de bom grado: no coração, (1)
a contrição; na boca, (2) a confissão; nas obras, toda a humildade e (3)
frutuosa satisfação."
1. Em primeiro lugar, portanto, vem a contrição. Com a inteligência, o penitente
reconhece que pecou – é o exame de consciência; com a vontade, detesta o que
fez – é a contrição propriamente dita; com essa mesma vontade, promete não
mais pecar – é o propósito de emenda.

Para saber se algo é pecado, não é necessário fazer um curso de ética (muito
embora um conhecimento básico da chamada "teologia moral" seja vivamente
recomendado a todos os cristãos); basta ter fé no Deus que revela o que é bom
e o que é mau, nos Dez Mandamentos, por exemplo.
Ilustra bem essa lição um episódio da vida de São José de Anchieta. Atendendo,
no leito de morte, a uma índia conversa à fé cristã, ele perguntou-lhe se tinha ela
um último pedido a fazer, antes de partir à vida eterna. A resposta da índia foi
cômica: o que ela queria mesmo era uma sopa de dedinho de criança, a qual,
porém, ela renunciava de bom grado, por não agradar a Deus. Mesmo tendo
crescido a vida inteira acostumada às práticas canibais de sua tribo, essa
indígena abandonou-as todas, só para contentar a Deus. Do mesmo modo, por
exemplo, ainda que a um olhar viciado as drogas ou a prostituição pareçam boas
ou agradáveis, pela fé sobrenatural, o penitente é levado a reconhecer que o seu
termo é a perdição e a morte.

Para arrepender-se, não é necessário que se sintam externamente grandes


abalos ou que se derrame um rio de lágrimas pelo que se fez; basta que, com
uma vontade determinada, o penitente deteste profundamente os seus pecados
e esteja disposto a jamais cometê-los de novo. Na verdade, da firmeza desse
propósito depende a própria validade da Confissão sacramental. Sem uma
determinação de abandonar o pecado firme, eficaz – isto é, "o penitente deve
estar decidido a empregar todos os meios possíveis e indispensáveis para evitar
o pecado" – e universal – ou seja, que se estenda a todos os pecados mortais,
de uma só vez e para sempre –, não há absolvição que restitua a graça à alma
[1].

Além disso, a graça que se recebe na Confissão é proporcional ao


arrependimento que tem o penitente, como explica o Pe. Royo Marín:

"A intensidade do arrependimento, nascido sobretudo dos motivos da contrição


perfeita, estará em razão direta com o grau de graça que a alma receberá com a
absolvição sacramental. Com uma contrição intensíssima, a alma poderia obter
não somente a remissão total de suas culpas e da pena temporal que teria de
pagar por elas nesta vida ou no purgatório, mas também um aumento
considerável de graça santificante, que a faria avançar a passos largos nos
caminhos da perfeição. Tenha-se bem presente que, segundo a doutrina do
Doutor Angélico, ao recobrar a graça no sacramento da penitência (ou fora dele,
pela contrição perfeita com propósito de confessar-se), o pecador nem sempre a
recebe no mesmo grau de antes, senão em igual, maior ou menor, de acordo
com as suas disposições atuais (cf. S. Th., III, q. 89, a. 2). É da maior
importância, pois, procurar a máxima intensidade possível no arrependimento e
contrição para lograr recuperar o mesmo grau de graça ou quiçá maior que o que
se possuía antes do pecado. Essa mesma doutrina vale também para o aumento
da graça quando a alma se aproxima do sacramento já em possessão da
mesma. Nada, pois, há de procurar com tanto empenho a alma que queira
santificar-se como esta intensidade de contrição nascida do amor de Deus, da
consideração de sua infinita bondade e misericórdia, do amor e sofrimentos de
Cristo, da monstruosa ingratidão do pecado para com um Pai tão bom, que nos
tem cumulado de incompreensíveis benefícios etc." [2]
Isso explica por que tantas pessoas, mesmo se confessando frequentemente,
estejam decaindo cada vez mais na vida da graça, até o ponto de abandonarem
a Igreja. Elas se confessam sim, mas com tanto desleixo, que, pouco a pouco,
vão "esfriando" e perdendo até o que tinham (cf. Mt 13, 12).

2. Em segundo lugar, parte-se à acusação dos pecados. O termo "acusação"


não é casual. O sacramento da Penitência é como um tribunal, no qual o
pecador é, ao mesmo tempo, réu e promotor – não advogado. O penitente,
portanto, não deve escusar-se, tentando "livrar a sua pele" ou diminuir a sua
culpa. Como um promotor, ele simplesmente acusa o que fez, sem desculpas –
deixando nas mãos do misericordiosíssimo Juiz a parte da sentença.

A acusação que se faz deve ser íntegra, i.e., "o fiel tem obrigação de confessar,
na sua espécie e número, todos os pecados graves, de que se lembrar após
diligente exame de consciência, cometidos depois do batismo e ainda não
diretamente perdoados pelo poder das chaves da Igreja nem acusados em
confissão individual" [3]. Não é necessário revelar todas as circunstâncias em
que se deram os pecados, prolongando desmesuradamente a confissão, mas
tão somente aquelas que mudam a espécie do pecado. Explica o Pe. Del Greco:

"Os pecados devem ser acusados de acordo com a espécie ínfima: deve-se
declarar seu nome e explicar a espécie; assim, não basta dizer: pequei
gravemente, nem: pequei gravemente contra a castidade, sem explicar de que
espécie foi o pecado. (...) Devem ser acusados de acordo com o número exato,
se for lembrado, ou conforme um número aproximado, dizendo por exemplo:
cometi este pecado por tantas vezes. Se mais tarde houver um esclarecimento
acerca do número exato do pecado cometido, não há obrigação de nova
confissão e de corrigir o erro, salvo no caso em que o número declarado seja
notavelmente inferior ao verdadeiro. Se o penitente estava habituado à prática de
algum pecado, será mais vantajoso que diga quantas vezes, mais ou menos,
costumava pecar por dia, por semana, por mês. Assim, por exemplo, uma
meretriz deve acusar-se da frequência da fornicação, por semana ou por dia. (...)
Devem ser especificadas de modo particular: a) as circunstâncias que mudam a
espécie da moralidade, por exemplo, se se fez uma obra boa, ou mesmo
indiferente, com fim mau; b) as circunstâncias que mudam a espécie do pecado:
que acrescentam ao pecado uma nova e grave malícia, especificamente diversa;
por exemplo: roubar um objeto sacro; c) as circunstâncias que mudam a espécie
teológica, isto é, que tornam mortal um pecado venial." [4]
3. Por fim, chega-se à etapa da satisfação, que consiste em reparar o dano que
se causou com o pecado cometido. Normalmente, as penitências impostas pelo
sacerdote são simples, como rezar um Pai-Nosso, uma Ave-Maria ou um Salmo
penitencial. O fiel, porém, pode generosamente acrescentar outras práticas
penitenciais que o ajudem a viver em contínuo espírito de arrependimento.
Depois disso, o sacerdote traça sobre o fiel o sinal da cruz e, agindo in persona
ipsius Christi, perdoa-lhe os pecados. É a grande alegria do tribunal da
Penitência: todo réu que arrependido nele entra, jamais é condenado, mas
sempre absolvido. Graças sejam dadas a Cristo por Sua infinita misericórdia!

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