Este resumo apresenta o documento "Blood and Boundaries: The Limits of Religious and Racial Exclusion in Early Modern Latin America" de Stuart Schwartz:
1) O livro investiga como os princípios de inclusão e exclusão mudaram de ênfase na primeira modernidade e na colonização das Américas, examinando a experiência de grupos marginalizados.
2) O autor analisa três grupos: mouriscos (muçulmanos convertidos), conversos (judeus convertidos) e mestiços (resultado de uniões inter-raciais).
3) Ao
Este resumo apresenta o documento "Blood and Boundaries: The Limits of Religious and Racial Exclusion in Early Modern Latin America" de Stuart Schwartz:
1) O livro investiga como os princípios de inclusão e exclusão mudaram de ênfase na primeira modernidade e na colonização das Américas, examinando a experiência de grupos marginalizados.
2) O autor analisa três grupos: mouriscos (muçulmanos convertidos), conversos (judeus convertidos) e mestiços (resultado de uniões inter-raciais).
3) Ao
Este resumo apresenta o documento "Blood and Boundaries: The Limits of Religious and Racial Exclusion in Early Modern Latin America" de Stuart Schwartz:
1) O livro investiga como os princípios de inclusão e exclusão mudaram de ênfase na primeira modernidade e na colonização das Américas, examinando a experiência de grupos marginalizados.
2) O autor analisa três grupos: mouriscos (muçulmanos convertidos), conversos (judeus convertidos) e mestiços (resultado de uniões inter-raciais).
3) Ao
SCHWARTZ, Stuart. Blood and Boundaries: The Limits of Religious and
Racial Exclusion in Early Modern Latin America. Waltham: Brandeis University Press, 2020. 187 p.
Stuart Schwartz é certamente um compõem uma obra vasta e plural,
dos mais importantes autores da mas coesa; uma obra comprometida historiografia atual sobre o mundo com o estudo crítico da sociedade e ibérico na primeira modernidade. de expressões da resistência popular. Para simplificar, podemos definir Em um novo livro, publicado este campo como o dos estudos sobre em 2020 pela Brandeis University Portugal e Espanha, além de seus Press (a sair no Brasil pela editora domínios e espaços de interesse entre Companhia das Letras), Schwartz os séculos XV e o XIX. Schwartz retoma sua investigação sobre as raízes tem pesquisado sobre as dimensões modernas da discriminação religiosa da vida econômica, social, política e étnica, que iniciara (de uma certa e cultural, com atenção para a forma) pelo caminho inverso no seu formação econômica, as instituições estudo sobre a tolerância religiosa e os do poder e da justiça, a luta social, caminhos alternativos para a salvação. formas de resistência e negociação, Com efeito, no livro All Can Be Saved assim como aspectos da cultura (publicado no Brasil em 2009 como política, intelectual e religiosa dos Cada um na sua lei pela Companhia povos imersos e submersos nesse das Letras), o historiador trouxe à luz espaço dos impérios português e atitudes de tolerância, de aceitação e espanhol. Seus livros, artigos e textos abertura para a diversidade religiosa
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que confrontavam a sociedade territórios limiares das sociedades ibérica, profundamente marcada pela ibéricas, nos fazer compreender brutalidade da ortodoxia católica, como a colonização – resultante da pela violência da inquisição e pelo violenta conquista e domínio de terras controle do pensamento e dos compor- e povos – confrontou e construiu tamentos. Este livro – fortemente realidades sociais de transição e que, inspirado, como bem notou Yosef nos marcos da ortodoxia religiosa, Kaplan, na obra de Carlo Ginzburg, eram exclusivistas e segregadoras. que havia estudado no seu Queijos e Como Ginzburg, Schwartz apresentou os Vermes (1976) as ideias relativistas suas pesquisas na prestigiosa série das e tolerantes de Menocchio – foi uma Menahem Stern Lectures, abrigadas incursão no lado mais solar do na Sociedade Histórica de Israel. pensamento ibérico, na busca Desde 1993, quando foram instituídas de experiências, pensamentos e em memória do professor Stern, atitudes que confrontavam a opressiva grandes historiadores são convidados sociedade ibero-americana. para apresentar três conferências Já em Blood and Boundaries o ao público, que são publicadas em historiador toma um caminho mais seguida. Stuart Schwartz esteve sombrio e difícil. O livro, formado em Israel em 2019 e este novo livro é por três ensaios que estão profun- o resultado dessas conferências. damente interligados, investiga a Inicialmente centradas nas exclusão racial e religiosa na América dimensões religiosas ou étnicas, Latina colonial. Sua proposta é os limites da exclusão moveram-se examinar como, nas sociedades para o fenótipo, ou o que podemos ibéricas, princípios de incorpo- chamar de discriminação racial. ração ou exclusão foram mudando Desta forma, seu estudo nos ajuda a de ênfase no curso da primeira apreender a construção do fenômeno modernidade e, em particular, contemporâneo do racismo nas suas nas experiências sociais da coloni- raízes modernas e coloniais. O assunto, zação. Diferentemente do estudo como sabemos, já foi abordado anterior, o autor quer agora, de forma por ampla bibliografia. Blood and sintética e impactante, revelar esses Boundaries, contudo, é inovador
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porque seu olhar, como Schwartz políticos” (p. 10). Neste particular, revela na introdução, não foi capturado seu estudo procura, então, revelar a “pelo estudo das leis e instituições que resistência e os limites deste mesmo buscaram fazer cumprir as exclusões processo de marginalização. e reforçar a hierarquia social, ou no O livro está organizado em três discurso e padrões do pensamento capítulos, cada um dedicado ao estudo genealógico que buscaram distinguir de uma dessas condições de fronteira. pureza e contaminação” (p. 5). Nos dois primeiros, o historiador Por uma opção deontológica, mais que volta-se para o grupo de conver- metodológica, o historiador orienta tidos ao cristianismo: os mouriscos, seu interesse para a compreensão da que eram os muçulmanos convertidos experiência dos indivíduos, das pessoas ao catolicismo; e os conversos ou que concretamente vivenciaram as “cristãos-novos”, como se chamavam situações e condições de restrição e os judeus convertidos em Espanha que, pela ação das estruturas sociais e e em Portugal. Esses dois grupos, políticas, pelas instituições do Estado apesar de formalmente integrados e da Igreja católica, foram margina- às sociedades ibéricas, eram margi- lizadas, perseguidas e violentadas. nalizados e sofriam várias formas O livro tem como objetivo compreender de controle, podendo mesmo como um sistema de exclusões operava ser proibidos de migrar ou fixar definindo parâmetros de vida para residência na América, por exemplo. grupos específicos, mas sobretudo No terceiro capítulo, o historiador revelar como essas restrições e desvan- estuda a figura do “mestiço”, tagens, “quando vistas através das termo que designava originalmente experiências de vida de famílias ou um indivíduo resultado da união, indivíduos”, poderiam ser “contornadas, em geral violenta, entre europeus negociadas, ignoradas”, e mesmo e indígenas americanos, e que será terem fracassado como medidas de ampliado para englobar os descen- marginalização social, “embora tenham dentes de brancos com negras, sido relativamente bem-sucedidos particularmente africanas escravi- em enfraquecer esses grupos como zadas. As categorias de mourisco atores corporativos com interesses e conversos estão referenciadas à
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relação da cristandade com as outras de mouro. Na América, no trato duas grandes religiões monoteístas; com os grupos indígenas e mestiços, já a categoria de mestiço, mais ampla o uso da analogia da fronteira e polissêmica, refere-se, sobretudo, cultural e religiosa do Mediterrâneo, a um dos resultados do processo de identificando os povos resistentes colonização – a conquista e a escra- ou irredentos como “corsários”, vização dos povos indígenas e o renegados da fé, mouros… persistiu tráfico e a escravização dos africanos. como metáfora. Afinal, nas palavras Estes são processos implicados na de Schwartz, “o medo de uma violência da dominação; os mestiços ação militar muçulmana hostil nas seriam, então, o resultado do estupro, Índias, sempre algo fantástico, concubinato e mesmo uniões formais havia diminuído para uma preocu- (nos padrões cristãos). pação distante no século XVII”. O primeiro capítulo, sobre os Para a maioria das pessoas na mouriscos, procura revelar a América espanhola e portuguesa, existência, imaginária ou real, “os únicos mouros que tocavam desses muçulmanos (mouros) suas vidas diárias eram os das convertidos de maneira forçada, lendas da sensual moura encantada, por ordem dos reis católicos de expressões como trabalhar como Espanha em 1502 e, depois de um mouro (mourejar), ou os dança- um século, expulsos dali por rinos mascarados nas encenações Filipe III, em 1609. Nas Américas, de moros y cristianos…” (p. 38). sua presença – quase nunca Contudo, o historiador nos alerta confirmada – era sobretudo imagi- que, no amanhecer do século XIX, nária, em razão do preconceito e “a analogia mudou para a realidade”. do ódio religiosos, que traçavam as O “antigo inimigo quintessencial” fronteiras da fé, que os identificavam das sociedades ibéricas cristãs havia como os reais inimigos da cristandade. chegado na América, mas não eram Uma categoria sobretudo utilizada “turcos otomanos ou corsários nas disputas políticas e sociais, berberes”, mas africanos escravi- quando se projetava no inimigo ou zados – como os fulanis, bornus, desafeto a condição estigmatizada haussás e iorubás – que utilizaram
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suas “associações étnicas e religiosas de forma elegante, sintetiza neste para acabar com seu cativeiro e, ensaio muitas das questões formu- de certa forma, para manter suas ladas, e por vezes respondidas, culturas e crenças” (p. 39). por uma vasta bibliografia sobre No capítulo segundo, o histo- o tema. Em pauta a presença riador estuda a situação dos “mestiços dos cristãos-novos nas Américas; da fé”, ou seja, os conversos ou sua situação particular no Brasil, onde, cristãos-novos – judeus que haviam ao contrário da Hispanoamérica, sido batizados como católicos, a Inquisição não implantou um mas eram sempre suspeitos de apos- tribunal; seu protagonismo nas posi- tasia. A expulsão dos judeus ou a sua ções mais elevadas do comércio e das conversão forçada, resultara em que, finanças, que condicionava e limi- no início do século XVI, não havia tava, por vezes, o controle, mas não mais em Portugal ou Espanha uma impedia a marginalização e, frequen- comunidade judaica que, ao menos temente, a cruel perseguição. de forma pública, pudesse professar O último ensaio, mais amplo, sua fé. Contudo, mantinham-se ali é dedicado aos mestizos, uma categoria “milhares de indivíduos ou famílias criada pelo “contato sexual e cultural” que eram ostensivamente cristãos dos europeus com povos nas na religião, mas permaneciam étnica Américas. Um fenômeno que “levou e culturalmente vinculados à nação à mudança de distinções baseadas na hebraica” (p. 41). Esse senso de religião para uma sociedade aparente- pertencimento era, ao mesmo mente baseada na cor, ou no fenótipo, tempo, uma forma de resistência, ou, como muitos argumentaram, mas também um traço que ampliava a deve ser chamado de raça” (p. 73). paranoia de uma sociedade e de insti- Com efeito, segundo Schwartz, tuições intolerantes; dessa maneira, se com o tempo “surgiram taxonomias fica claro que os novos conversos raciais”, “o processo de mestiçagem eram discriminados com base em nunca foi simplesmente biológico”: regras de “limpeza de sangue”, “as circunstâncias sociais e históricas o que impedia – paradoxalmente – sempre determinam os parâmetros das sua plena assimilação. Schwartz, categorias dos povos e suas variadas
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definições ao longo do tempo” O livro não se fecha. São ensaios (p. 73). Essas são, afinal, categorias que podem ser lidos de forma instáveis e conjunturais, criadas em autônoma, a depender do interesse cada espaço e tempo no complexo do leitor. Não são, por isso mesmo, processo da colonização, que é o da exaustivos, nem pretendem abarcar formação dos impérios ibéricos. toda a vasta historiografia sobre o Esse é, certamente, o ensaio assunto, tão ampla para temas tão mais difícil do livro, pela dimensão complexos. É claro que o assunto ampla e incerta do objeto. Com efeito, não se encerra nesses ensaios e nos nas palavras do autor, “o processo recortes propostos. Mas não é algo de conquista e colonização europeia que possamos exigir do autor – criou uma miríade de novas categorias pelo contrário! Entre os muitos humanas e supostas afiliações das quais proveitos do livro de Schwartz se a miscigenação sexual ou reprodutiva, encontra a sugestão de novos estudos, a ‘mistura de sangue’, era apenas novas leituras, para compreender uma dimensão de uma miríade as vivências dos marginalizados, de contatos culturais e físicos”: desses grupos constituídos e excluídos Amas de leite africanas ou pela violenta modernidade europeia, nativas americanas amamen- na sua dimensão ibérica e colonial. tavam crianças nascidas de Cabe uma outra consideração. mães espanholas, os europeus às Alguém poderia dizer que Schwartz vezes se tornavam eles mesmos ‘nativos’, os chefes indígenas contribui, com este ensaio, para uma procuravam brasões espanhóis, nova história global que se pretende os indígenas pobres costumavam escrita a partir de uma perspectiva se vestir como espanhóis ou mestizos para evitar o pagamento desprendida dos constrangimentos de de tributos e os mestizos podiam projetos historiográficos nacionais. alegar ser indígenas para evitar O estudo dos mecanismos de exclusão a jurisdição da Inquisição. Havia intermediários (passeurs) aqui estudados ultrapassa as fronteiras culturais de muitos tipos. dos impérios português e espanhol O próprio processo de conquista e se apresenta em um território mais provavelmente foi a força mais transformadora de todas na criação amplo. A noção de um mundo de novas categorias. (p. 74). ibérico – não mais comprometido
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com as narrativas unionistas e reacio- Estes ensaios podem ser lidos nárias do fascismo espanhol ou como uma reflexão sobre uma luso-brasileiro – estão sendo agora das mais angustiantes aporias do revisitado, reativado por uma histo- contemporâneo: a exclusão social e a riografia interessada em comparar discriminação racial que ainda definem e conectar histórias, compreender nossas sociedades. Condições que dimensões estruturais que atravessam parecem se reforçar no nosso tempo, os impérios português e espanhol, em paralelo a novas religiões que confrontar diferenças e encontrar revelam sua índole para a intolerância semelhanças. Mas, sobretudo, perceber e o fanatismo, corrompendo os avanços processos que são análogos. dos direitos da pessoa humana, Não creio, contudo, que a em particular da liberdade e autonomia novidade esteja nas novas perspectivas, das crenças (religiosas ou não). novas abordagens. Pelo contrário, Nas palavras de Schwartz, “antigas Schwartz e outros historiadores há sombras da exclusão – limpieza de muito têm percorrido um território sangre, a difamação do indigenismo, historiográfico solidamente consti- as desvantagens impostas às origens dos tuído. Seu livro é parte de uma densa escravos e os legados e manchas concei- literatura interessada na dimensão tuais de casta e mestizaje” (p. 110) global do processo de colonização; ainda pesam nas vidas e experiências processo que, ao mesmo tempo que de muitos indivíduos e coletividades. inventa uma América, inventa e trans- Compreender a construção dessas forma uma Europa conflagrada. violências é um passo para superá-las.