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Episódio de Inês de Castro, Os Lusíadas (Canto III est.

118-137)

118 De noite, em doces sonhos que mentiam,

Passada esta tão próspera vitória, De dia, em pensamentos que voavam;

Tornado Afonso à Lusitana terra, E quanto, enfim, cuidava e quanto via

A se lograr da paz com tanta glória Eram tudo memórias de alegria.

Quanta soube ganhar na dura guerra, 122

O caso triste, e dino da memória De outras belas senhoras e Princesas

Que do sepulcro os homens desenterra, Os desejados tálamos enjeita,

Aconteceu da mísera e mesquinha Que tudo, enfim, tu, puro amor, desprezas

Que depois de ser morta foi Rainha. Quando um gesto suave te sujeita.

120 Vendo estas namoradas estranhezas,

Estavas, linda Inês, posta em sossego, O velho pai sesudo, que respeita

De teus anos colhendo doce fruto, O murmurar do povo e a fantasia

Naquele engano da alma, ledo e cego, Do filho, que casar-se não queria,

Que a Fortuna não deixa durar muito, 123

Nos saudosos campos do Mondego, Tirar Inês ao mundo determina,

De teus formosos olhos nunca enxuto, Por lhe tirar o filho que tem preso,

Aos montes ensinando e às ervinhas Crendo co sangue só da morte indina

O nome que no peito escrito tinhas. Matar do firme amor o fogo aceso.

121 Que furor consentiu que a espada fina

Do teu Príncipe ali te respondiam Que pôde sustentar o grande peso

As lembranças que na alma lhe moravam, Do furor Mauro, fosse alevantada

Que sempre ante seus olhos te traziam, Contra ua fraca dama delicada?

Quando dos teus formosos se apartavam;


124 Pois te não move a culpa que não tinha.

Traziam-a os horríficos algozes 128

Ante o Rei, já movido a piedade; E se, vencendo a Maura resistência,

Mas o povo, com falsas e ferozes A morte sabes dar com fogo e ferro

Razões, à morte crua o persuade. Sabe também dar vida com clemência

Ela, com tristes e piedosas vozes, A quem pera perdê-la não fez erro.

Saídas só da mágoa e saudade Mas, se to assim merece esta inocência,

Do seu Príncipe e filhos, que deixava, Põe-me em perpétuo e mísero desterro,

Que mais que a própria morte a magoava, Na Cítia fria ou lá na Líbia ardente,

125 Onde em lágrimas viva eternamente. 

Pera o céu cristalino alevantando, 129

Com lágrimas, os olhos piedosos Põe-me onde se use toda a feridade,

(Os olhos, porque as mãos lhe estava Entre liões e tigres, e verei
atando
Se neles achar posso a piedade
Um dos duros ministros rigorosos);
Que entre peitos humanos não achei.
E depois nos mininos atentando,
Ali, co amor intrínseco e vontade
Que tão queridos tinha e tão mimosos,
Naquele por quem mouro, criarei
Cuja orfindade como mãe temia,
Estas relíquias suas, que aqui viste,
Pera o avô cruel assim dizia:
Que refrigério sejam da mãe triste.»
127
130
Ó tu, que tens de humano o gesto e o peito
Queria perdoar-lhe o Rei benino,
(Se de humano é matar ua donzela,
Movido das palavras que o magoam;
Fraca e sem força, só por ter sujeito
Mas o pertinaz povo e seu destino
O coração a quem soube vencê-la),
(Que desta sorte o quis) lhe não perdoam.
A estas criancinhas tem respeito,
Arrancam das espadas de aço fino
Pois o não tens à morte escura dela;
Os que por bom tal feito ali apregoam.
Mova-te a piedade sua e minha,
Contra ua dama, ó peitos carniceiros, A branca e viva cor, com a doce vida.

Feros vos amostrais - e cavaleiros? 136

132 Não correu muito tempo que a vingança

Tais contra Inês os brutos matadores, Não visse Pedro das mortais feridas,

No colo de alabastro, que sustinha Que, em tomando do Reino a governança,

As obras com que Amor matou de amores A tomou dos fugidos homicidas;

Aquele que depois a fez Rainha, Do outro Pedro cruíssimo os alcança,

As espadas banhando, e as brancas flores, Que ambos, imigos das humanas vidas,

Que ela dos olhos seus regadas tinha, O concerto fizeram, duro e injusto,

Se encarniçavam, férvidos e irosos, Que com Lépido e António fez Augusto.

No futuro castigo não cuidosos. 137

134 Este castigador foi reguroso

Assim como a bonina, que cortada De latrocínios, mortes e adultérios;

Antes do tempo foi, cândida e bela, Fazer nos maus cruezas, fero e iroso,

Sendo das mãos lacivas maltratada Eram os seus mais certos refrigérios.

Da minina que a trouxe na capela, As cidades guardando, justiçoso,

O cheiro traz perdido e a cor murchada: De todos os soberbos vitupérios,

Tal está, morta, a pálida donzela, Mais ladrões castigando, à morte deu,

Secas do rosto as rosas e perdida Que o vagabundo Alcides ou Theseu.

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