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OS LUSÍADAS

Episódio de Inês de Castro - Canto III

 Estrofe 118
Depois desta grande vitória. E regressado D. Afonso IV a Portugal para gozar
em paz a glória que soube ganhar na guerra, aconteceu o caso, digno de
memória, da mísera e mesquinha que depois de morta foi Rainha.

Notas: V.5-6: Memória, que do sepulcro os homens desenterra – a


celebridade. V.7: Mísera e mesquinha – Camões refere estes atributos a
Inês de Castro, que pertencia a uma das mais nobres famílias da Galiza. Por
via bastarda, era bisneta de Sancho IV de Castela e parenta da casa real
portuguesa. V.8: D. Inês foi executada por ordem de D. Afonso IV em 1355.
D: Pedro subiu ao trono em 1357 e em 1360 fez a declaração solene de ter
secretamente casado com D. Inês.

 Estrofe 119
Só o Amor deu causa à morte de Inês, como se fosse pérfido inimigo dela.
Dizem que a sede de amor não se satisfaz com lágrimas: ele exige sacrifícios
humanos nos seus altares.

 Estrofe 120
Estavas Inês vivendo tranquilamente os anos da tua juventude e o seu
sonho de amor, chorando nos campos do Mondego lágrimas de saudade e
repetindo, aos montes e às ervinhas, o nome do seu amado.

Notas: V.1: Posta em sossego – alheia aos perigos. V.2: de teus anos –
referência à juventude; Inês veio servir D. Constança em 1340; à data da
morte não teria menos de 30 anos. V.3: Engano de alma, ledo e cego – o
amor cego. V.5: Nos saudosos campos do Mondego – Inês residia, ao tempo
da morte, no paço que a Rainha Santa Isabel construíra junto do Mosteiro
de Santa Clara, à beira do Mondego.

 Estrofe 121
Às lembranças que tem do seu príncipe respondem as saudades que o
príncipe sente, quando está longe dela: de noite vê-a em doces sonhos; de
dia, em pensamentos, que voam. Quando pensava e quando viu, tudo eram
memórias de alegria.

 Estrofe 122
Pedro recusou-se a casar com belas senhoras e princesas, porque o amor
tudo desprezava quando um rosto amado nos domina. Vendo esta conduta
apaixonada e estranha, o velho pai, considerando o murmurar do povo e
atitude do filho que não queria casar...

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Notas: v.2. os desejados tálamos enjeita – recusa-se a casar. Tálamo:
significa leito. V.5: Estranhezas – conduta anormal, procedimento invulgar.
V.6: Que respeita – que toma atenção. V.7: A fantasia – imaginação,
pensamento sem base, capricho.

 Estrofe 123
...decide a morte de Inês para desse modo libertar o filho, que preso a ela,
julgando que o sangue de uma morte infamante pode apagar o fogo de
amor. Que loucura foi essa, que permitiu que a mesma espada que
combateu os mouros se levante agora contra uma dma delicada?

Notas: v.3: Morte indina – infamante; morte em consequência de uma


condenação. V.5: Que furor – que loucura.

 Estrofe 124
Os algozes trazem Inês ante o rei, que já se inclina a perdoar; mas o povo,
com falsa e ferozes razões, exige a morte. Ela, com palavras inspiradas mais
pela dor de deixar os filhos e o seu príncipe que pelo receio da própria
morte...

Notas: v.1. horríficos algozes – referência aos assassínios de Inês; membros


do conselho real e fidalgos de alta nobreza. A profissão de algoz era
reputada torpe e exercida por criminosos cuja a pena era comutada a troco
de exercerem o ofício. V.3 – Mas o povo – as fontes não revelam
movimentação popular na morte de Inês. É uma intriga política no seio da
lata nobreza, relacionada com a desejada intervenção de D. Pedro na
guerra civil espanhola, à qual D. Afonso IV se oponha.

 Estrofe 125
Inês levantava os olhos ao céu (só os olhos, porque as mãos já lhe estava
atando um dos cruéis servidores executadores) e, depois de olhar
comovidamente os filhos que tinha junto de si, dizia ao Rei.

Notas: v.5: Mininos – crianças; os filhos de D. Pedro e D. Inês, os infantes D.


João. D. Dinis e D. Beatriz. Atentando – olhando.

 Estrofe 126
Se até nos animais ferozes, que a própria natureza fez cruéis, e nas aves
selvagens, que só pensam na rapina, vemos haver piedade para com as
pequenas crianças, como aconteceu com a mãe de nino, e com os irmãos
fundadores de Roma.

Nota: v.1. mente – índole.

 Estrofe 127
Tu, que és humano (se é próprio de humanos matar uma donzela fraca e
sem força, só por amar a quem também a ama), tem em consideração estas

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criancinhas, decide com compaixão delas e minha, pois não impressiona a
minha inocência.

Notas: v.1: gesto - atitude, aparência exterior. Peito. – ânimo, alma; o


sentido do verso é : tu, que (ao contrário dos animais que protegiam as
crianças) és do género humano.

 Estrofe 128
Na guerra com os Mouros mostraste que sabes dar a morte; sabe também
dar a vida, a quem nada fez para a perder. Mas, se achas que assim o
merece a minha inocência, desterra-me para a fria Cítia, ou África ardente,
onde em lágrimas viva eternamente.

Notas: v.1: Maura resistência – guerra com os mouros; alusão à batalha do


Salado. V.2. fogo e ferro – a fero e fogo, que significa com violência. V.4: A
quem para perdê-la não fez erro – a quem não cometeu nenhum acto pelo
qual mereça perder a vida. V.5: mas, se to assi merece esta inocência – o
sentido é : mas, se me queres castigar estando eu inocente.

 Estrofe 129
Manda-me para onde haja tigres e leões, e vereis se lá encontro a piedade
que entre humanos não achei; e aí, com profundo amor e o pensamento
posto naquele que amo, criarei esta relíquias suas, que serão a consolação
da triste mãe.

 Estrofe 130
O rei queria perdoar, impressionado por palavras que o comovem; mas o
pertinaz povo e o destino não perdoam. Os eu aconselharam a morte
desembainham as espadas. É contra uma dama que vos mostrais valentes e
cavaleiros?

 Estrofe 131
Do mesmo modo que Pirro prepara o ferro para matar a jovem Policena,
que se oferece ao sacrifício, com os olhos fixos em sua mãe, de quem era a
única consolação...

 Estrofe 132
... assim os algozes de Inês, sem se preocuparem com o futuro castigo, se
encarniçavam contra ela, cortando –lhe o pescoço que sustinha o lindo
rosto que fez apaixonar aquele que, depois de morta, a fez rainha, e
banhando com o sangue dela as espadas e as flores que ela, com lágrimas,
tinha regado.

Notas: v.2: colo de alabastro – pescoço alvo; Inês teve a alcunha de “colo
de garça”, por ter um pescoço formoso. V.3; obras são as feições, os olhos,
os traços de formosura.

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 Estrofe 133
Bem puderas, sol, não ter brilhado par eles naquele dia, como aconteceu no
sinistro banquete em que Atreu deu a comer a Tiestes os filhos deste. E vós,
côncavos vales, que ouvistes o nome de Pedro, na sua voz agonizante, por
longo tempo o repetistes.

Notas: v.1: Da vista destes – da vista dos matadores de Inês; o sentido é


aquele dia não devia ter existido para eles. V.3: seva – cruel; V.6: voz
extrema – últimas palavras, no momento da morte.

 Estrofe 134
Assim como uma flor campestre arrancada por uma criança para enfeitar os
cabelos, perde o perfume e depressa murcha, assim o corpo de Inês perde
as rosas do rosto e a cor clara, para ser possuído pela lividez cadavérica.

 Estrofe 135
As filhas do Mondego recordam essa triste morte longo tempo e
transformaram em fonte as lágrimas que Inês chorou, esse nome lhe
puseram e ainda hoje dura, as lágrimas são a água, e a fonte a dos amores.

Nota: v.5: o nome lhe puseram, que inda dura – o local é a quinta das
lágrimas, onde se viam nas pedras da fonte líquenes avermelhados, que a
tradição relacionava com o sangue de Inês.

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