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Os Lusíadas, de Luís de Camões

❖ Episódio “Inês de Castro” (canto III, estâncias 118 a 135) – Plano da História de Portugal

É Vasco da Gama (narrador) quem conta ao rei de Melinde (narratário) esta


trágica história que começa com o regresso vitorioso de D. Afonso IV, o Bravo, da
Batalha do Salado. Desta forma, é mais um episódio da História de Portugal que
se encontra encaixado no Plano da Vigem.

Neste episódio lírico, o tom otimista e eufórico da epopeia é deixado de lado.


O narrador interpela o Amor acusando-o de ser responsável pela tragédia, sendo
a inconformidade do “eu” poético expressa ao longo de todo o episódio, bem
como a repulsa pela morte de Inês, chorada até pela natureza. Esse repúdio é
ainda visível na comparação do caso de Inês com outros atos cruéis e aberrantes,
bem como na ironia que subjaz à questão “Contra hua dama, ó peitos carniceiros,
/ Feros vos mostrais e cavaleiros?”.
D. Inês de Castro,
do pintor Costa Pinheiro
Camões altera a verdade histórica e orienta o episódio para uma intensa
poetização. O poeta insiste na inocência de Inês como vítima do amor, mais do que vítima de razões políticas ou
de estado.

Este episódio tem características trágicas que o aproximam da tragédia clássica. Assim, é possível dividi-
lo nas seguintes partes: exposição (introdução), conflito (peripécias e momentos-chave) e desenlace (desfecho).

➢ Exposição - estâncias 118 a 121

Trata-se de uma breve introdução ao episódio. Vasco da Gama localiza a história no tempo (“Passada tão
próspera vitória…” – após a Batalha do Salado) e no espaço (“ …Lusitana Terra…” – Portugal, Coimbra), apresenta
brevemente o caso que vai narrar e atribui as responsabilidades da tragédia ao Amor, personificando-o e
adjetivando-o negativamente de força “crua”, “fero”, “áspero e tirano”, um devorador da alegria humana.
Para além disso, é-nos apresentado o amor de Inês e Pedro, um amor feliz, despreocupado e correspondido,
embora apareçam já alguns indícios trágicos como sinais de alerta: “Naquele engano da alma, ledo e cego,/Que
a fortuna não deixa durar muito…” e “em doces sonhos que mentiam”.

➢ Conflito - estâncias 122 a 131

Estas estrofes apresentam-nos:


▪ as causas da oposição do rei D. Afonso IV (recusa de D. Pedro em casar-se de acordo com a
conveniência do reino; o murmurar do povo);
▪ a sua decisão de condenar Inês à morte;
▪ o discurso de defesa de Inês: referência aos filhos e à sua futura orfandade; relação crueldade/
humanidade; fragilidade e inocência; pedido de clemência; sugestão de exílio;
▪ a reação positiva do rei através da hesitação que demonstra perante as súplicas de Inês;
▪ a interferência do povo e do destino e a manutenção da sentença.

➢ Desenlace - estâncias 132 a 135

Nesta terceira parte, deparamo-nos com o assassínio de Inês de Castro; as considerações de Vasco da
Gama/do Poeta sobre a sua morte e as reações da natureza.
Discurso argumentativo de Inês de Castro (estâncias 126 a 129)

No seu discurso, Inês de Castro apresenta vários argumentos tendentes à sua salvação, procurando suscitar
a piedade e a clemência para si e para os seus filhos:

1. Pedido de clemência, por comparação com outros


casos: Inês de Castro apela à piedade do rei, afirmando que até os
animais ferozes e as aves de rapina demonstram, em várias situações,
piedade em relação às situações (est. 126). Ela dá o exemplo das aves
de rapina que criaram a “mãe de Nino” (Semíramis) e da loba que
alimentou Rómulo e Remo (os fundadores de Roma), animais que
mostraram piedade para com os seres humanos.
Súplica e morte de Inês de Castro,
do pintor Karl Briullov
2. Apelo ao lado humano e à condição de avô:
. Inês apela à humanidade do rei para que a perdoe, pois não é humano matar uma donzela fraca só por
esta se ter apaixonado por quem a conquistou (est. 127, vv. 2-4).
. Apela igualmente à piedade e ao respeito do rei pelos seus filhos, que são, em simultâneo, netos do
monarca (est. 127, vv. 5-8).
. Pede clemência ao rei, que, tal como soube dar a morte aos mouros, deve saber dar a vida, poupando-a
da trágica sentença (est. 128, vv. 1-4).

3. Apresentação de uma proposta alternativa: se, apesar da sua inocência, o rei a quiser castigar, implora-
lhe o desterro para um lugar longínquo e inóspito (uma região gelada ou tórrida ou para junto de feras), mas
que lhe poupe a vida, de forma a poder continuar a amar D. Pedro e a criar os seus filhos (est. 129). Nesta parte
final do seu discurso, Inês recupera e reforça uma das ideias já antes apontadas: ela sugere que poderá encontrar
nas feras a piedade que não encontra entre os seres humanos, aludindo novamente aos animais selvagens.

Em conclusão, com este discurso, Inês de Castro procura, por um lado, suscitar a piedade e a clemência de
D. Afonso IV, para si e para os seus filhos, e, por outro, despertar nele o sentido de justiça e levá-lo a reconhecer
que a sua condenação à morte é cruel e injusta.

Reações ao discurso de Inês de Castro (estância 130)

Após o discurso de Inês de Castro, D. Afonso IV emociona-se e comove-se com


as suas palavras e “Queria perdoar-lhe” (v. 1), “Movido das palavras que o magoam”
(v. 2). O adjetivo “benino” para o caracterizar é revelador da simpatia do narrador
para com a figura do monarca. Aliás, ao longo de todo o episódio, é clara a intenção
do narrador de aligeirar a responsabilidade do rei na morte de Inês de Castro.

Porém, o “pertinaz” povo e o destino de Inês, há muito traçado, não permitem


que o rei reveja a sua decisão inicial (est. 130, vv. 3-4).

Historicamente, D. Afonso IV não pôde perdoar Inês por razões de Estado: os


seus conselheiros convenceram-no de que Inês de Castro representaria um perigo
para a independência de Portugal, caso casasse com D. Pedro.

Súplica de D. Inês de Castro,


do pintor Vieira Portuense
Recursos Expressivos
Perífrases:
“O caso triste e dino da memória” (= morte de Inês) (est.118, v.5)
“Que depois de ser morta foi Rainha” (= Inês) (est.118, v.8)

Hipérbole:
“Que do sepulcro os homens desenterra” (est. 118, v.6)

Apóstrofe:
“Tu, só tu, puro amor” (est.119, v.1)
“fero Amor” (est.119, v.5)

“Puro e fero” formam uma antítese.

Personificação do Amor:
“É porque queres, áspero e tirano / Tuas aras banhar em sangue humano” (est.119, vv.7 e 8)

Apóstrofe:
“Linda Inês”

Metáfora:
“De teus anos colhendo doces frutos” (metáfora de juventude) ( est.120, v.2)

Perífrase:
“Naquele engano da alma, ledo e cego” (=amor) (est.120, v.3)
“O nome que no peito escrito tinhas” ( = Pedro) (est.120, v.8)

Eufemismo:
“Tirar Inês ao mundo determina” (= matá-la) (est.123, v.1)

Metáfora:
“Matar do firme amor o fogo aceso” (Amor/ paixão = fogo) (est.123, v.4)

Sinédoque:
“Que pôde sustentar o grande peso / Do furor Mauro” (1 mouro = todos os mouros) (est.123, vv5,6)
“E se vencendo a Maura Resistência” ( est.128, v,1)

Pleonasmo (ideia redundante, repetitiva):


“Contra uma fraca dama delicada” ( est.123, v.8) (fraca= delicada : repetição de uma mesma ideia para
reforçar a fragilidade da dama)

Anáfora:
“Põe-me” ( x2: est.128, v.6 + est. 129, v.1)

Apóstrofe:
“ó peitos carniceiros” (est.130, v.7)

Comparação: “Qual…. / Tais” (est.131 e 132) comparação entre a história de Policena (princesa troiana)
e a história de Inês

Perífrase:
“Aquele que depois a fez Rainha” (est.132, v. 4) = Pedro

(dupla) Adjetivação: “férvidos e irosos” ( est.132, v7) Comparação e adjetivação : est. 134

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