Relativamente à estrutura interna do poema, este episódio situa-se na Narração e
integra-se no plano narrativo da História de Portugal. É um dos episódios que Vasco da Gama conta ao Rei de Melinde; Vasco da Gama é, pois, o narrador, e o Rei de Melinde o narratário. Vasco da Gama atribui desde logo a culpa do acontecido a Inês de Castro ao Amor («Tu, só tu, puro Amor…» - recurso estilístico: apóstrofe). Este é apresentado como uma entidade cruel («com força crua»), feroz («fero Amor»), implacável («áspero e tirano»), injusto («deste causa à molesta morte sua/Como se fora pérfida inimiga»), opressivo («Que os corações humanos tanto obriga«), exige sacrifícios («Tuas aras banhar em sangue humano«); contudo, é também «puro». Inês, por seu lado, é uma mulher bela («linda Inês»; «fermosos olhos») e jovem («de teus anos colhendo o doce fruto»). Encontramo-la «nos saudosos campos do Mondego», ou seja, em Coimbra, tranquila («posta em sossego»), recordando apaixonadamente o seu amado («Naquele engano de alma/Ledo e cego»). Nesse tempo, Inês era feliz («eram tudo memórias de alegria»). Por estar também apaixonado por Inês, que nunca lhe sai do pensamento, D. Pedro recusa casar-se com «outras belas senhoras e princesas», que seriam mais adequadas ao herdeiro do trono. Ora isto não agrada ao Povo, que começa a murmurar, não aceitando que D. Pedro não queira casar-se, e pressiona D. Afonso IV, o «velho pai sesudo», que até respeitava o capricho do filho, a tomar uma posição. O Rei resolvem então mandar matar Inês, não só por causa do murmurar do Povo, mas também porque achava que, se a matasse, o amor de Pedro e Inês acabaria e o filho aceitaria casar-se («Por lhe tirar o filho, que tem preso,/Crendo co sangue só da morte indina/ Matar do firme amor o fogo aceso»). D. Afonso IV sente piedade por Inês; para mais, Inês, chorando, suplica-lhe pela vida com os olhos cheios de lágrimas. Para demover o Rei, Inês argumenta que até os animais ferozes dão provas de serem sensíveis ao sofrimento das crianças, e ela tem filhos pequenos que precisam do amor da mãe, crianças inocentes que vão sofrer com uma perda que ninguém pode remediar. Inês pretende despertar no Rei sentimentos de piedade e de respeito, por ela e pelas crianças , vítimas inocentes. Visa também despertar-lhe o sentido de justiça e aceitar que esta condenação à morte, para além de cruel, é injusta. De facto, Inês é inocente, e reafirma a sua inocência nos seguintes versos: «Se de humano é matar uma donzela/Fraca e sem força, só por ter sujeito/O coração a quem soube vencê-la?»; «Mova-te a piedade sua e minha/Pois te não move a culpa que não tinha»; «Mas, se to assi merece esta inocência…». E propõe que, em alternativa, seja desterrada para qualquer lugar, por mais inóspito e perigoso que seja, mas que lhe poupe a vida para poder continuar a amar D. Pedro e, por ele e para ele, criar os seus filhos. O Rei comove-se, mas não lhe perdoa porque a teimosia do Povo e o próprio destino de Inês, que já está traçado, não o deixam fazê-lo (Mas o pertinaz Povo e o seu destino/(Que desta sorte o quis) lhe não perdoam»). Na estrofe , Inês é comparada a Policena com o objectivo de reforçar o seu estatuto de vítima inocente, que partilha com essa filha do Rei de Tróia; os olhos de ambas, na hora da morte, revelam piedade e ternura pelos familiares que deixam. E assim, os «brutos matadores», cavaleiros indignos dessa condição pela ferocidade que mostram contra uma dama indefesa, matam Inês. O narrador, indignado, apostrofa o Sol e os vales, dizendo ao primeiro que bem podia ter desaparecido nesse momento, horrorizado, fazendo com que não fosse visto o horror que estava a acontecer; o narrador considera os vales testemunhas apiedadas do último instante de Inês, pois fizeram ecoar a sua última palavra. Inês, já morta, é então comparada a uma flor do campo (bonina) que foi colhida e maltratada por uma menina que a colheu para a pôr na sua coroa. Tal como a flor, Inês era cândida e bela e morreu ainda jovem. Morta, lembra uma flor murcha e sem cor. Com esta comparação, realça-se a tragédia de Inês, morta injustamente em plena juventude e beleza. Face à morte de Inês, a Natureza, sua antiga confidente, exprime os seus sentimentos através do som das águas do Mondego, a que associa o som do choro, e através da criação da fonte dos Amores, cujas águas são as próprias lágrimas choradas pela Natureza. Ao saber da morte de Inês, o futuro rei sente-se ferido de morte («mortais feridas»). Ao subir ao trono, pouco tempo depois, vinga-se, castigando, com a ajuda de D. Pedro de Castela, os assassinos de Inês. A partir daí, tornou-se conhecido por castigar «ladrões» e «maus».