Despedidas em Belém (Canto IV)
83
"Foram de Emanuel remunerados,
Porque com mais amor se apercebessem,
E com palavras altas animados
Para quantos trabalhos sucedessem.
Assim foram os Mínias ajuntados,
Para que o Véu dourado combatessem,
Na fatídica Nau, que ousou primeira
Tentar o mar Euxínio, aventureira.
84
"E já no porto da ínclita Ulisseia
C'um alvoroço nobre, e é um desejo,
(Onde o licor mistura e branca areia
Co'o salgado Neptuno o doce Tejo)
As naus prestes estão; e não refreia
Temor nenhum o juvenil despejo,
Porque a gente marítima e a de Marte
Estão para seguir-me a toda parte.
85
"Pelas praias vestidos os soldados
De várias cores vêm e várias artes,
E não menos de esforço aparelhados
Para buscar do mundo novas partes.
Nas fortes naus os ventos sossegados
Ondeam os aéreos estandartes;
Elas prometem, vendo os mares largos,
De ser no Olimpo estrelas como a de Argos.
86
"Depois de aparelhados desta sorte
De quanto tal viagem pede e manda,
Aparelhamos a alma para a morte,
Que sempre aos nautas ante os olhos anda.
Para o sumo Poder que a etérea corte
Sustenta só coa vista veneranda,
Imploramos favor que nos guiasse,
E que nossos começos aspirasse.
87
"Partimo-nos assim do santo templo
Que nas praias do mar está assentado,
Que o nome tem da terra, para exemplo,
Donde Deus foi em carne ao mundo dado.
Certifico-te, ó Rei, que se contemplo
Como fui destas praias apartado,
Cheio dentro de dúvida e receio,
Que apenas nos meus olhos ponho o freio.
Os marinheiros e soldados foram
recompensados por D.Manuel I para que se
sentissem mais motivados para tão perigosa
viagem e foram animados com palavras para
que conseguissem superar as dificuldades
que encontrassem. Assim se conseguiram
juntar navegantes suficientes para buscarem
a Índia; se o conseguissem, seriam os
primeiros a fazê-lo, como Na Antiguidade
foram os Mínias os primeiros a aventurar-se
no mar Euxínio para procurarem o Velo de
Ouro.
E em Lisboa, no estuário do Tejo
(«Onde o licor mistura e branca areia
Co'o salgado Neptuno o doce Tejo») , em
Belém, as naus estão prontas, e já se sente a
agitação; nenhum medo põe travão à juvenil
ousadia, porque os Portugueses, os
guerreiros e os marinheiros, estão dispostos a
seguir-me para toda a parte.
Pelas praias vêm os soldados de várias
especialidades vestidos de muitas cores e
preparados para darem o máximo esforço na
descoberta de novas partes do mundo.
Os ventos suaves fazem ondular as
bandeiras das naus; parece que as
embarcações prometem tornar-se imortais,
como a de Argos, que foi transformada em
constelação de estrelas após a conquista do
Velo de Ouro.
Depois de estar preparado tudo o que
é preciso para uma viagem como esta,
preparámos a alma para a morte, pois os
navegadores correm sempre perigo de vida.
Assim, foi celebrada uma missa, e todos
comungámos.
Pedimos a Deus Todo Poderoso que
nos guiasse e ajudasse.
Deixámos em procissão a igreja de
Santa Maria («santo templo/Que nas praias
do mar está assentado»), que se ergue junto
à parai, na terra que tem o nome da terra
onde Jesus nasceu – Belém («Que o nome
tem da terra, para exemplo,
Donde Deus foi em carne ao mundo dado»), e
dirigimo-nos para o sítio onde estavam as
naus.
Asseguro-te, ó Rei, que ao recordar a
forma como parti de Portugal, cheio de
dúvidas e de medo, tenho de me conter para
não chorar («Que apenas nos meus olhos
ponho o freio» = travão).
88
"A gente da cidade aquele dia,
(Uns por amigos, outros por parentes,
Outros por ver somente) concorria,
Saudosos na vista e descontentes.
E nós coa virtuosa companhia
De mil Religiosos diligentes,
Em procissão solene a Deus orando,
Para os batéis viemos caminhando.
89
"Em tão longo caminho e duvidoso
Por perdidos as gentes nos julgavam;
As mulheres c'um choro piedoso,
Os homens com suspiros que arrancavam;
Mães, esposas, irmãs, que o temeroso
Amor mais desconfia, acrescentavam
A desesperarão, e frio medo
De já nos não tornar a ver tão cedo.
A gente da cidade estava toda na
praia, ou porque eram amigos ou porque
eram parentes do que partiam, ou por
simples curiosidade. Estavam já cheios de
saudade e tristeza («Saudosos na vista e
descontentes»).
Nós, que na nossa procissão estávamos
acompanhados por muitos religiosos, fomos
caminhando e rezando em direcção às naus.
As pessoas julgavam que estávamos
perdidos, que íamos morrer, e por isso as
mulheres choravam e os homens suspiravam.
Particularmente sofredoras eram as Mães, as
Esposas e as Irmãs: porque gostavam muito
de nós, estavam mais desconfiadas - «que o
temeroso/ Amor mais desconfia»- , e
encontravam-se desesperadas com o medo
de não nos tornarem a ver.