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Partida das Naus

Estrofe 84
Já no porto de Lisboa, onde o doce Tejo mistura as águas e areias com o mar, as naus
já estão prontas para partir. Nenhum temor refreia o juvenil entusiasmo; tanto os
marinheiros como os militares estão dispostos a acompanhar-nos a toda a parte.

Estrofe 85
Veem-se pelas praias os soldados vestidos de várias maneiras e cores e também
preparados para buscar novas partes do mundo. A aragem dá nos estandartes das naus, e
fá-las ondular; os navios prometem ser estrelas do Céu como a Argos foi.

Estrofe 86
Depois de preparados com tudo o que uma viagem como esta exige, preparámo-nos
também para a morte, que sempre anda ante os olhos dos mareantes; e implorámos a
Deus que nos guiasse e favorecesse o início da viagem.

Estrofe 87
Partimo-nos do templo, construído na praia, que, para exemplo, tem o nome da terra
em que Deus veio ao mundo. Quando recordo esses momentos da partida, cheio de
dúvidas e receios, dificilmente contenho as lágrimas.

Estrofe 88
Naquele dia a população de Lisboa afluiu à praia, uns para verem amigos e parentes,
outros apenas para verem.
Nós, acompanhados por numerosos religiosos em solene procissão, caminhando e
rezando, dirigimo-nos aos batéis.

Estrofe 89
A viagem era de tal modo longa e perigosa que toda a gente nos dava por perdidos; as
mulheres choravam, os homens não escondiam a comoção. Mães, irmãs e esposas, a
quem o amor mais faz temer o futuro, agravavam o desespero e o medo de não nos
voltar a ver.
Estrofe 90
Umas gritavam: Filho, único amparo desta minha já cansada velhice, que vai acabar em
pranto e amargura, porque me deixas, mísera e mesquinha? Porque me abandonas para
ficares sepultado na água, onde serás alimento dos peixes?
Estrofe 91
Outras, com os cabelos descobertos, bradavam: Ó doce esposo, sem o qual não posso
viver! Porque vais arriscar essa vida, que me pertence? Queres que o nosso amor, o
nosso vão contentamento, seja levado pelo mesmo vento que leva as velas da nau?
Estrofe 92
Essas doridas exclamações eram repetidas pelos velhos e pelas crianças, que, pela sua
idade, ainda ou já não tinham força para dominar a emoção. Os ecos dos montes
próximos respondiam ao clamor da multidão; as lágrimas eram tantas como as areias da
praia.
Estrofe 93
Nós caminhávamos sem levantar os olhos do chão, para não vermos mães e esposas,
porque isso nos poderia emocionar e fazer desistir. Dei ordem para que não houvesse as
habituais despedidas, costume virtuoso, mas que magoa muito os que partem e os que
ficam.

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