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INÊS DE CASTRO

Apesar de ser um episódio pertencente ao Plano da História de Portugal, não se trata de um


episódio épico, mas sim de um episódio trágico e lírico.

Trágico – porque contempla momentos característicos de uma tragédia clássica:

- a paixão entre Pedro e Inês é um desafio ao poder real, por Inês representar um perigo para o
reino;

- a punição, a decisão de matar Inês;

- a piedade, presente no discurso de Inês quando tenta demover o rei;

- a catástrofe quando se consuma a morte de Inês.

Lírico – porque o narrador interpela o Amor acusando-o de ser responsável pela tragédia,
expressando ao longo de todo o episódio a inconformidade do “eu” poético, bem como a
repulsa pela morte trágica de Inês, que compara à morte da natureza.

ESTRUTURA DO EPISÓDIO (DIVISÃO EM PARTES)

1.ª parte – Exposição (estrofes 118 e 119)

Trata-se de uma breve introdução ao episódio. Vasco da Gama localiza a história no tempo e no
espaço, apresenta brevemente o caso que vai narrar e atribui as responsabilidades ao amor.

Considerações iniciais do poeta (119)

O episódio começa com considerações do poeta sobre o Amor acusando-o de ser o causador
da morte de Inês.

2.ª parte – Conflito (estrofes 120 a 132)

A felicidade de Inês (120 – 121)

Inês vivia tranquilamente nos campos do Mondego, rodeada por uma natureza alegre e
amena, gozando a felicidade do seu amor por D. Pedro.

O narrador, no entanto, vai introduzindo indícios de que essa felicidade não será duradoira e
terá um fim cruel:

“Naquele engano da alma, ledo e cego,” (120, v.3);

“Que a fortuna não deixa durar muito,” (120, v. 4);

“De noite, em doces sonhos que mentiam,” (121, v. 5).

Condenação de Inês (122 – 125)

D. Afonso IV, vendo que não conseguia casar o filho em conformidade com as necessidades do
Reino, decide mandar matar Inês.

Os algozes trazem-na à presença do rei.

O rei vacila, apiedado, quando a vê surgir com os filhos, mas as razões do Reino levam-no a
prosseguir.
Discurso de Inês (126 – 129)

Inês inicia a sua defesa, apelando à piedade do rei através:

- do exemplo das feras e aves de rapina que se humanizaram ao cuidarem de crianças


indefesas:

“Se já nas brutas feras” (126, v. 1);

“Com pequenas crianças viu a gente” (126, v. 5);

“Terem tão piedoso sentimento” (126, v. 6);

- da afirmação da sua inocência;

- do respeito devido às crianças (seus filhos, netos de D. Afonso IV);

- do apelo ao desterro.

Sentença e execução da morte (130 – 132)

O rei mostra-se sensibilizado mas, uma vez mais, as razões do Reino soam mais fortes e a sua
determinação mantém-se. Inês é executada.

3ª parte – Desenlace (estrofes 133 a 137)

Considerações finais do poeta (133 – 135)

O poeta compara esta atitude a outras atrocidades conhecidas. Repudia a sua morte, aliando-a
à morte da natureza e eternizando-a na Fonte dos Amores.

Vingança de D. Pedro (136 – 137)

Quando D. Pedro sobe ao trono, concretiza a vingança, mandando matar os carrascos de Inês.

Inês de Castro (Canto III, est. 118 a 135)

PARÁFRASE – EPISÓDIO DE INÊS DE CASTRO

118 O rei D. Afonso IV voltou a Portugal, depois da vitória contra os mouros, esperando obter
tanta glória na paz quanto obtivera na guerra. Então aconteceu o caso triste e memorável, que
até os mortos revolta, daquela infeliz que depois de ser morta foi rainha.

119 Foi o Amor, somente ele, quem causou a morte de Inês, como se ela fosse a sua pior
inimiga. Dizem que o Amor feroz, cruel, não se satisfaz com as lágrimas, com a tristeza, mas
exige, como um deus severo e tirânico, banhar seus altares com sangue humano: exige
sacrifícios humanos.

(Repara que a palavra "pérfida", n’Os Lusíadas, refere-se geralmente aos Mouros inimigos.
Neste verso 4, parece indicar que Inês foi morta com a mesma crueldade que se usava contra
eles).
120 Inês estava em Coimbra, sossegada, desfrutando da felicidade enganadora (“engano da
alma, ledo e cego”) e breve (“Que a Fortuna não deixa durar muito”) da juventude. Nos
campos do Mondego, com os belos olhos húmidos com lágrimas de saudade, repetia o nome
do seu amado aos montes e às ervinhas (confessava à natureza o amor que sentia por D.
Pedro).

121 Quando o seu amado se ausenta para participar em longas caçadas, Inês socorre-se das
lembranças: de noite em sonhos, de dia em pensamentos.

Para ela, isto eram memórias de alegria.

122 Pedro recusa-se a casar com outras belas senhoras e princesas, porque o amor rejeita tudo
que não seja o rosto amado a quem está sujeito.

Vendo esta conduta apaixonada e estranha e a atitude do filho que não se queria casar, o pai,
D. Afonso IV, atende ao murmurar do povo...

123 … decide matar Inês, para libertar o filho daquele amor. O pai acredita que só o sangue da
morte apagará o fogo do amor. Que loucura foi essa que fez com que a espada que combateu
os Mouros fosse levantada contra uma dama delicada?

124 Quando os horríveis e cruéis carrascos trouxeram Inês perante o rei, este já estava
compadecido e arrependido. No entanto, o povo persuadia, incitava o rei a matá-la. Inês,
então, com palavras ou com a voz triste, sentindo mais pela dor e saudade do príncipe e dos
filhos do que pela própria morte…

125 ... levanta os olhos ao céu (somente os olhos, porque um carrasco prendia-lhe as mãos) e
depois de olhar comovidamente os filhinhos que estavam junto de si, disse para o rei, o cruel
avô:

126 - Se até os animais ferozes, que a natureza fez cruéis e as aves selvagens que só pensam
em caçar, têm piedade para com crianças pequenas como aconteceu com a mãe de Nino e com
Rómulo e Remo, fundadores de Roma.

(Semíramis, rainha da Assíria e mãe de Nino, foi abandonada num monte, sendo alimentada
por pombas. Rômulo e Remo, fundadores de Roma, foram abandonados quando crianças e
amamentados por uma loba).

127 ... tu que és humano (se é humano matar uma donzela fraca e sem força, só por amar
quem a ama), tem respeito a estas criancinhas. Tem piedade por elas e por mim, já que não me
queres perdoar de uma culpa que não tenho. (Inês considerava-se inocente)

128 E se na guerra contra os Mouros soubeste dar a morte, sabe, agora, dar a vida a quem não
cometeu nenhum erro para a perder.

Mas mesmo assim, se achas que a minha inocência merece castigo, desterra-me para a fria
Cítia ou a Líbia ardente onde viverei em sofrimento para sempre.
129 Manda-me para onde haja tigres e leões (animais selvagens) e verei se encontro entre eles
a piedade que não encontrei entre os homens. Aí criarei estas criancinhas, recordações do pai,
a minha única consolação.

130 O rei bondoso queria perdoar-lhe, impressionado com aquelas palavras, mas o povo
obstinado e o seu Destino não lhe perdoam.

Os que aconselharam a morte de Inês desembainharam as espadas.

É contra uma dama indefesa que vos mostrais valentes e cavaleiros?

131 Do mesmo modo que Pirro prepara a espada para matar a jovem Policena, que se oferece
ao sacrifício, com os olhos postos em sua mãe enlouquecida de dor, de quem era a sua única
consolação...

(Aquiles, herói da guerra de Troia, era invulnerável por ter sido mergulhado, logo ao nascer, na
água da lagoa Estígia (Lagoa da Morte). Personagem da Ilíada de Homero, morreu durante a
guerra de Troia, quando foi atingido por uma seta no calcanhar, o único ponto vulnerável do
seu corpo. Pirro, filho de Aquiles, teria sido aconselhado pelo fantasma (“sombra”) do pai a
matar Policena, noiva do herói morto. Matou-a quando esta se encontrava sobre o túmulo de
Aquiles).

132 ... assim os algozes de Inês, sem se preocuparem com a vingança de D. Pedro, se
enfureciam contra ela, espetando as espadas no colo de alabastro, que sustinha as obras que
fizeram Pedro apaixonar-se por ela, e banhando em sangue o colo de alabastro já regado com
as suas lágrimas.

133 Bem puderas, ó Sol, não ter brilhado naquele dia, como aconteceu com o sinistro
banquete em que Atreu deu a comer a Tiestes os filhos deste, para não ver tão terrível crime.

E vós, côncavos vales, que ouvistes o nome de Pedro, na sua voz agoniante, por muito tempo o
repetiste em eco.

(Camões iguala a crueldade da morte de Inês à da história de Atreu e Tiestes. Tiestes era filho
de Pélops e irmão de Atreu. Seduziu a esposa do irmão. Atreu deu a comer a Tiestes os filhos
que nasceram daquela união).

134 Assim como a flor que é cortada antes do tempo por uma menina travessa, para colocá-la
numa grinalda, fazendo com que a flor murche rapidamente, assim está Inês, pálida, pois
perdeu a cor e a vivacidade da pele.

135 As ninfas do Mondego, durante muito tempo, lembraram, chorando, a morte de Inês. E,
para eternizá-la, as lágrimas transformaram-se numa fonte chamada “dos amores de Inês”,
acontecidos ali. A fonte que rega as flores é refrescante porque é feita de lágrimas e de amores.

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