A história dos jogos remonta ao passado da civilização e
suas origens acabam sendo, muitas vezes, incertas. Além de
servirem como uma forma de entretenimento, os jogos acabam por capturar ideias e culturas, que são passadas de gerações em gerações, até chegarem ao que conhecemos hoje. Diferente dos jogos de tabuleiro, com origens que datam por volta de 4000 anos antes da era comum (A.E.C), os jogos de cartas são mais recentes. A mais antiga referência a esse tipo de jogo que se tem guardada, remonta ao século IX, durante a Dinastia Tang (618-907), na China, como descrito pelo sinólogo britânico e colecionador de cartas William Henry Wilkinson, em seu artigo Chinese Origin of Playing Cards. Em outro texto do século IX, é citada a Coleção de Miscelânea em Duyang, escrita por Su E, que descreve a princesa Tongchang, filha do Imperador Yizong de Tang, jogando a “folha jogo” com outras pessoas em 868, sendo este um dos textos mais antigos que referencia os jogos de cartas .
História
O historiador da dinastia Song, Ouyang Xiu, observou que as
cartas que conhecemos hoje surgiram em conexão com um formato de pergaminho, além de ser possível jogar com ladrilhos, ossos ou outros materiais, como visto no artigo The Game of Leaves: An Inquiry Into the Origin of Chinese Playing Cards, de Andrew Lo, publicado em 2000 E.C. Um belo exemplo disso é o Dominó. Wilkinson ainda sugere, em Chinese Origin of Playing Cards, que as primeiras cartas podem ter sido feitas de papel-moeda real, que serviam tanto como ferramentas de jogo quanto de apostas. Todavia, usar papel-moeda naquela época era inconveniente e arriscado, por isso foram substituídos por dinheiro de mentira, conhecido como “cartões de dinheiro”. No século XI, as cartas começaram a se espalhar por toda Ásia e mais tarde chegaram ao Egito, como contam Joseph Needham e Tsuen-hsuin no Volume 5 de Science and Civilization in China. As mais antigas registradas são quatro fragmentos encontrados na Coleção Keir, uma das maiores coleções de arte islâmica do pós-guerra, e um fragmento no Museu Benaki, na Grécia. Esses fragmentos são datados por volta do século XII e são descritos no livro The Game of Tarot, de Michael Dummett. Já um dos primeiros jogos usando cartas descoberto foi o dos povos sarracenos (mulçumanos árabes), chamado Naib. Além disso, outro baralho da época é um de origem mameluca, semelhante aos fragmentos citados, que foi descoberto por Leo Aryeh Mayer no Palácio de Topkapi em Istambul, no ano de 1939, citado em seu artigo Mamluk Playing Cards. O baralho foi encontrado quase completo, possuindo 52 cartas com um design oriental, com naipes de bastões de pólo, taças, espadas e moedas.
As cartas de baralho em si surgiram na Europa no final do
século XIV. Os primeiros registros de cartas foram a proibição desse tipo de jogo na cidade de Berna em 1367, por acreditarem que seriam jogos imorais, como falado por Michael Dummett, no já citado The Game of Tarot. Os primeiros padrões de cartas eram derivados dos naipes mamelucos (taças, moedas, espadas e bastões de pólo) que ainda são usados nos baralhos latinos tradicionais. Por volta de 1418, de acordo com o livro The Oxford guide to card games: a historical survey, de David Parlett, começaram a surgir os primeiros baralhos impressos na região onde hoje é a Alemanha. A maioria das imagens eram xilogravuras, muitas vezes até mesmo feitas à mão. Conforme as cartas começaram a se espalhar pela Itália e países germânicos, os naipes latinos foram substituídos por folhas, corações, sinos e bolas. Uma combinação de naipes latinos e germânicos resultou em naipes de trevos, telhas, corações e lanças. Por volta do século XVIII, começaram a surgir os baralhos de tarot, o que foi relatado por Donald Laycock em seu livro Skeptical, a Handbook of Pseudoscience and the Paranormal. As imagens das cartas tornaram-se populares na cartomancia e evoluíram para baralhos “esotéricos”, usados principalmente para leitura de sorte. Ainda segundo David Parlett, os naipes franceses foram introduzidos por volta de 1480, substituindo os antigos naipes. Os novos eram mais simples e de uma única cor, simplificando drasticamente a produção dos baralhos, que usavam arte colorida exclusiva para cada carta do baralho. Os naipes franceses tornaram-se populares nas cartas de baralho inglesas no século XVI, e foram introduzidos nas colônias britânicas. De acordo com o site da International Playing-Card Society, uma organização composta por colecionadores de cartas e historiadores, ainda no final do século XIV, os europeus mudaram as cartas mamelucas para representar a realeza, através de um rei, um marechal superior e um marechal inferior. Na Inglaterra, a carta mais baixa da corte era chamada de “patife”, que representava o príncipe, filho do rei e da rainha, como aponta Daines Barrington no oitavo volume de seu livro Archaeologia, Or, Miscellaneous Tracts, Relating to Antiquity. Já as rainhas apareceram em 1377, na região onde hoje é a Alemanha. Embora o povo daquela região tenha abandonado a rainha antes de 1500, os franceses a pegaram permanentemente. Assim, eram comuns pacotes de 56 cartas contendo rei, rainha, cavaleiro e “patife”. Em 1628, surgiu em Londres, através de uma carta real de Carlos I, a Worshipful Company of Makers of Playing Cards, uma empresa criada para regular e controlar a importação de cartas de baralho e para proteger os fabricantes de cartas, com taxas que iam para a realeza.
Tipos de Jogos de Carta
Com essa grande variação de número de faces e tipos de naipes, as cartas promoveram a existência de centenas de jogos diferentes e ainda favorecem a criação de muitos mais. Eles são usualmente divididos em categorias, de acordo com o modo de jogar. Algumas categorias são: Jogos de truque: em cada rodada, cada jogador joga uma única carta de sua mão e, com base nos valores das cartas jogadas, um jogador ganha ou “pega” o truque. O objetivo específico varia a cada jogo e pode incluir fazer tantas vazas (descartes) possíveis, tirar tantas cartas de pontuação ou fazer um número exato de truques. Alguns exemplos são o Bridge, Spades e jogos de cartas de Tarot. Muitos consideram esse tipo de jogo como a categoria originária do Truco. Jogos de correspondência: o objetivo é adquirir grupos específicos de cartas iguais antes que um oponente possa fazê-lo. Alguns exemplos são Caixeta e Canastra. Jogos de derramamento: o objetivo é ser o primeiro jogador a descartar todas as cartas de sua mão. Alguns exemplos são o Rummy e o Uno, que podem usar baralhos específicos para seu tipo de jogo, não se limitando ao baralho tradicional. Jogos de pegar e coletar: o objetivo se opõe ao tipo anterior, que é adquirir todas as cartas do baralho. Exemplos são jogos que envolvem bater em uma pilha de descarte. Jogos de comparação: são aqueles em que os valores das mãos são comparados para determinar o vencedor, também conhecidos como jogos de “competição”. Clássicos exemplos são o Pôquer e o Truco, que sofrem com os estigmas de terem sido atribuídos à categoria denominada de jogos de azar. Jogos de paciência: são projetados para serem jogados por um jogador. A maioria começa com um layout específico de cartas, chamado de quadro, e o objetivo é então construir um layout final mais elaborado ou limpar o quadro, usando todas as cartas do baralho. Jogos de beber: são jogos de cartas nos quais o objetivo do jogo é beber ou forçar outras pessoas a beberem. Muitos jogos são simplesmente jogos de cartas comuns com o estabelecimento de regras, em que determinada jogada ou carta faz o jogador beber algo. Jogos colecionáveis: são jogos com cartas próprias, em que cada carta tem diferentes efeitos, custos e artes. A obtenção de diferentes cartas torna o jogo colecionável e as cartas são vendidas ou negociadas no mercado, muitas vezes sendo trocadas entre os jogadores. Clássicos exemplos são as cartas de Yu-Gi-Oh!, Magic the Gathering, ou os famosos “cards” temáticos de desenhos animados, filmes ou séries, com os quais as crianças costumam brincar nas escolas, apostando e fazendo trocas. Além desses tipos de jogos, existem vários jogos de tabuleiro que usam cartas ou fichas para complementarem a jogada, o que não os classifica como Jogos de Carta, mas que também não deixam de usá-las. Alguns exemplos mais conhecidos são Perfil, War, Banco Imobiliário, Detetive e Imagem e Ação. Desse modo, é possível perceber como as cartas possuem uma versatilidade. Elas permitem fazer jogos por si só e, ao mesmo tempo, complementam a mecânica de outros tipos de jogos, como os de tabuleiro já citados. Indo além do jogo, elas possuem funções essenciais em outras áreas, como na cartomancia e tarot, ou até mesmo como forma de entretenimento, como acontece nos truques de mágica. Entender essa versatilidade, história e diferentes usos das cartas não é algo fácil. Com as ferramentas e estudos da Gamegesis, é possível compreender melhor as diversas funções e mecânicas, analisando os vários tipos de jogos e aplicações que são possíveis de serem feitas com os baralhos.