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As relações
Brasil - Espanha
na perspectiva da política
externa brasileira
(1945 – 2005)

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As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

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apresentação

As relações
Brasil - Espanha
na perspectiva da política
externa brasileira
(1945 – 2005)

Bruno A yllón Pino


Ayllón

Tradução
Daniela Alves

São Paulo
2006
emblema

3
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

Copyright © by Bruno Ayllón Pino

Capa e Projeto Gráfico MARCOS GIANELLI


Impressão Digital MATTY

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


SP,, Brasil)
(Câmara Brasileira do Livro, SP
Pino, Bruno

Índices para catálogo sistemático:


1.

[2006]

emblema idéias visuais


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Brasil
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apresentação

Aos que amam


Aos que amo
Aos que se foram
Aos que virão

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As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

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apresentação

Apresentação

PARTE I
ARTE
A PERSPECTIVA BRASILEIRA D
PERSPECTIVA AS RELAÇÕES
DAS
INTERNA CIONAIS
INTERNACIONAIS

Capitulo 1 A inserção internacional do Brasil: eixos e princípios


conceituais da política externa brasileira
1.1.- A construção histórica da identidade internacional do Brasil.
1.2.- Eixos e princípios conceituais da política externa brasileira.
1.3.- A diplomacia universal do Brasil.
1.4.- O regionalismo na política externa brasileira: a integração

Capítulo 2 A política externa brasileira de Goulart a Lula (1961 – 2005)


2.1.- A política externa de Goulart a Figueiredo (1961 – 1984).
2.2.- A política externa da Nova República (1985 – 1989)
2.3.- A política externa no período Collor e Franco (1990 – 1994)
2.4.- A política externa na etapa Cardoso (1995 – 2002)
2.5.- A política externa do Governo Lula (2003-2005)

PARTE II
ARTE
AS RELAÇÕES ENTRE BRASIL E ESPANHA: D
ESPANHA: A MÚTU
DA A
MÚTUA
IRRELEVÂNCIA Á ASSOCIAÇÃO OU P AR
PARCERIA
ARCERIA
ESTRA TÉGICA.
ESTRATÉGICA.

Capítulo 3 A Espanha na história da política externa brasileira (1945-


1979)
4.1.- Uma explicação para o baixo perfil das relações hispano-brasileiras.
4.2.- A ausência de conflitos numas relações amistosas: a mútua irrelevância
4.3.- O lugar marginal da Espanha na política externa do Brasil
4.4.- Temas tradicionais na agenda bilateral: política,comércio e emigração.
4.5.- A convergência de estratégias desenvolvimentistasentre a Espanha e o Brasil

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As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

Capítulo 4 A intensificação das relações hispano-brasileiras (1979 –


1995)
5.1.- A materialização dos interesses comuns: redemocratização, integração e
estabilidade econômica.
5.2.- As relações políticas: dos militares à redemocratização.
5.3.- As relações econômicas: comércio e investimentos
5.4.- As relações sociais, culturais e de cooperação.

Capítulo 5 A associação ou parceria hispano-brasileira: de Cardoso a Lula


(1995 – 2005)
6.1.- Relações privilegiadas e prioritárias.
6.2.- As relações políticas e a construção da parceria bilateral.
6.3.- As relações econômicas: equilíbrio comercial e liderança dos investimentos
espanhóis no Brasil.
6.4.- As relações sociais, culturais e de cooperação.
6.5.- As relações hispano-brasileiras na etapa Lula

Bibliografia

Lista de siglas

Lista de gráficos

Sobre o autor

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apresentação

Apresentação

O estudo das relações entre o Brasil e a Espanha constitui uma


das lacunas mais destacadas nas historiografias brasileira e espa-
nhola das relações internacionais. Esta obra inaugura uma inova-
dora linha de pesquisa que nos aproxima às razões que explicam o
baixo perfil destas relações, até aproximadamente 1990, e sua pos-
terior intensificação e fortalecimento, a partir de 1995.
Pesquisam-se exaustivamente as relações hispano – brasilei-
ras (políticas, econômicas, sociais, culturais e de cooperação) en-
tre 1945 e 2005, com um enfoque original que outorga preferência
ao papel da Espanha no contexto da política externa do Brasil nos
últimos sessenta anos. A perspectiva científica dominante neste
livro para o seu conhecimento é a oferecida pela disciplina das
Relações Internacionais, que abrange “o conjunto de relações so-
ciais que configuram a sociedade internacional, tanto as de caráter
político como as econômicas e culturais (…) tanto as que se pro-
duzem entre os Estados como as que têm lugar entre outros atores
da sociedade internacional e entre estes e os Estados”. 1
Com um caráter pioneiro, este livro é o resultado de três anos
de pesquisas nos arquivos históricos do Ministério brasileiro de
Relações Exteriores de Brasília e do Rio de Janeiro e também nos
arquivos do Ministério espanhol de Assuntos Exteriores. O materi-
al recopilado configura a base empírica da obra e oferece elemen-
tos, até agora desconhecidos, para dimensionar a evolução das re-
lações hispano-brasileiras, num momento em que os dois países se
encontram estreitamente vinculados em função dos interesses eco-
nômicos e das crescentes afinidades no âmbito político, social e
cultural.

1
ARENAL, Celestino del: Introducción a las Relaciones Internacionales, Madri, Tecnos, 1990, pág.23

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As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

O autor foi o primeiro pesquisador espanhol que obteve autori-


zação para consultar os arquivos brasileiros do Itamaraty – o pres-
tigioso Ministério de Relações Exteriores do Brasil – o que lhe
permitiu realizar um estudo revelador que, partindo de um enfoque
multidisciplinar, aborda os aspectos históricos, políticos, econô-
micos e culturais que ajudam a explicar a mútua irrelevância que
caracterizou historicamente as relações hispano-brasileiras assim
como a superação desta circunstância através da confluência de
vários fatores contemplados nesta obra.
A primeira parte do livro, A perspectiva brasileira das relações
internacionais, está dividida em dois capítulos. O primeiro capí-
tulo
tulo, A inserção internacional do Brasil: eixos e princípios conceituais
da política externa brasileira, parte da consideração dos problemas
históricos do Brasil para sua inserção no sistema internacional.
Com uma perspectiva de longo prazo examina-se a construção his-
tórica da identidade internacional do país e são analisados os eixos
e princípios conceituais que organizam a política externa brasilei-
ra. Aborda-se o conceito de “universalismo”, traço característico
da presença internacional do Brasil, abarcando duas dimensões
fundamentais: a bilateral e a regional. Desta forma se determinam
em que coordenadas e sob que prisma devem ser consideradas as
relações hispano-brasileiras.
No segundo capítulo
capítulo, A política externa brasileira de Goulart a
Lula (1961 – 2005), apresenta-se uma visão de conjunto segundo
um critério cronológico, e se repassa a política externa brasileira
entre 1961 e 2005, desde a formulação da política externa inde-
pendente até a política externa “ativa e altiva” do Governo Lula.
A segunda parte do livro, As relações entre Brasil e Espanha:
da mútua irrelevância à associação ou parceria estratégica, está
estruturada em três capítulos. No terceiro capítulo
capítulo, A Espanha na
história da política externa brasileira (1945 – 1979), identifica-se
o lugar que ocupa a Espanha no conjunto das relações bilaterais do
Brasil. Desde uma perspectiva histórica se pretende achar respos-
tas para algumas das perguntas principais que tenta responder este
livro: Que razões explicam o baixo perfil que, historicamente, ca-
racterizou as relações hispano – brasileiras? Como compreender a
indiferença, o distanciamento e o desconhecimento mútuo entre

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apresentação

nossos dois países até a entrada da última década do século XX?


Que fatores estão dotados da suficiente força explicativa para in-
terpretar a mútua irrelevância das relações hispano-brasileiras e o
lugar marginal da Espanha na política externa do Brasil?
O capítulo quarto
quarto, A intensificação das relações hispano-brasi-
leiras (1979 – 1995): democracia, integração e estabilidade econô-
mica, descreve e analisa os três fatores concorrentes que permiti-
ram a intensificação e o fortalecimento das relações bilaterais. Par-
tindo da existência de processos similares (democratização,
integração, estabilidade e abertura econômica) – com pequenas
margens temporais de diferença que podem ser atribuídas aos di-
ferentes ritmos de desenvolvimento e inserção internacional – exa-
minam-se as relações políticas, econômicas, sociais, culturais e a
cooperação no âmbito bilateral.
No quinto capítulo
capítulo, A associação ou parceria hispano – brasi-
leira: de Cardoso a Lula (1995 – 2005), estuda-se a nova fase das
relações bilaterais caracterizada pela constituição de uma parce-
ria ou relação privilegiada, graças à qual Brasil e Espanha se reen-
contram historicamente, realizando com benefício mútuo seus in-
teresses comuns. Conseqüentemente, substitui-se a mútua
irrelevância por um tipo de relação dinâmica, funcional aos objeti-
vos externos do Brasil e da Espanha na última década. Esta nova
realidade se produz durante o Governo Cardoso (1995 – 2002) e se
consolida durante o Governo Lula (2003-2006).

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As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

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capitulo 1
a inserção internacional do Brasil:
eixos e princípios conceituais da política externa brasileira

PARTE I
A Perspectiva
Perspectiva
Brasileira das
Relações Internacionais

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As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

Capitulo 1
A inserção internacional do Brasil: eix os e
eixos
princípios conceituais da política eexterna
xterna
brasileira

1.1.- A construção histórica da identidade internacional do


Brasil.
O Brasil é portador de uma complexa identidade, de múltiplas
caras, possuidor de uma especificidade própria que lhe outorga um
caráter original quando se compara com qualquer outro país. Esta
especificidade, parte integral da identidade internacional brasi-
leira, pode ser entendida como “o conjunto de circunstâncias e
predicados que diferenciam sua visão e seus interesses, como ator
no sistema mundial, dos que caracterizam aos demais países”1. O
objetivo deste primeiro capítulo é identificar, descrever e analisar
estes traços característicos que foram sendo desenhados ao longo
do processo de construção histórica da nação no âmbito externo,
isto é, em sua relação com o mundo. Fundamentam-se assim as
bases para a interpretação das idéias-força e dos eixos da política
externa brasileira, isto é, sua vocação universal, expressada em um
amplo catálogo de relações bilaterais, regionais e multilaterais que
configuram o universalismo próprio de suas relações internacio-
nais. Cumpre-se desta forma com a necessidade apontada por
JOVER, de possuir uma visão integral da história e, neste caso, de
buscar a interconexão entre os diferentes fatores que convergem
na história de uma determinada política externa, considerando-se
a relação existente entre os rigorosos condicionamentos históricos
e o estilo de ação de uma diplomacia dada, tal e como ensinou o
historiador:

“Por trás de cada diplomacia historicamente definida, há sempre


uma determinada concepção de mundo e da história, de guerra e de

1
LAFER, Celso: A identidade internacional do Brasil e a política externa brasileira, São Paulo, Perspectiva,
2001, pág.20.

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capitulo 1
a inserção internacional do Brasil:
eixos e princípios conceituais da política externa brasileira

paz; uma sensibilidade a realidades e utopias, a hegemonias e


equilíbrios temidos ou desejados, que o historiador deve ter muito
presente para ponderar e entender o que foi o trabalho diplomático”.2

Reflexionemos em primeiro lugar sobre os traços característi-


cos próprios da identidade internacional do Brasil para, a seguir,
analisar o papel que coube neste processo a sua diplomacia. A
primeira reflexão parte de uma anotação de caráter geográfico. Efe-
tivamente sabe-se que a política externa está condicionada - além
de pôr o contexto internacional em que se desenvolvem, pela ima-
gem que o país faz de si mesmo e do mundo. Também pelos recur-
sos que dispõe, pelos objetivos internacionais que se fixa, por sua
capacidade para alcançá-los e pelo lugar físico que ocupa no meio
internacional. Este último elemento é relevante desde a perspecti-
va das modalidades de inserção de um país no mundo. Com efeito,
como afirma LAFER, estas modalidades incluem fatores de mu-
dança com relação às transformações do cenário internacional, que
exigem de um país que, na continuidade de sua trajetória, respon-
da às transformações do ambiente, identificando quais são suas
possibilidades de convergência ou divergência com outros Estados
e regiões. Compreendem também certos fatores de persistência dos
que a localização geográfica, sem cair nos determinismos da
geopolítica, é um dos mais importantes3.
A especificidade geográfica do Brasil é sua condição de país
de escala continental. Por seguir a terminologia de KENNAN, o
Brasil está incluído junto aos Estados Unidos (EUA), Rússia, Chi-
na e Índia entre os monster country, de acordo com seus dados ge-
ográficos, demográficos, econômicos, políticos e da magnitude de
seus desafios4. A situação do Brasil na América do Sul, afastado
dos focos centrais de tensão internacional, e seu afã em construir
uma relação de ponto positivo com seus vizinhos, eclipsado apenas
pelo conflito do Paraguai no século XIX, configuram os traços de

2
JOVER, J. Maria: España en la Política Internacional, siglos XVIII-XX, Madri, Marcial Pons, 1999, pág.86.
3
LAFER, Celso: “Reflexões sobre a inserção do Brasil no contexto internacional”, Contexto Internacional, nº
11, maio/junho, 1990, pp.33-43.
4
KENNAN, George F.: Around the Cragged Hill – A Personal and Political Philosophy, New York, 1993,
pág.143.

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As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

um país baleia que, conforme LAFER, não assusta já que optou em


suas relações internacionais por outorgar prioridade ao diálogo e à
negociação frente ao conflito e a guerra. Efetivamente, o conjunto
de relações pacíficas e de cooperação do Brasil com seus dez vizi-
nhos constitui para o país um patrimônio diplomático valioso que,
segundo SEIXAS, é o resultante da ausência de um passivo de “hi-
potecas reais para resgatar no plano internacional”, de não fazer
parte de nenhum conflito, de não ser membro de alianças militares
e do sentimento de satisfação com o próprio território. Em outras
palavras, de não ameaçar nem ser ameaçado, elementos que confi-
guram uma política externa não conflitiva 5.
Como todo país continental, o Brasil apresenta uma tendência
natural à autarquia e à introspecção que deixou marcas permanen-
tes em sua conduta externa e que, de forma repetitiva, retorna como
revival de épocas passadas. Apesar disso, a elite dirigente brasilei-
ra teve historicamente a capacidade de estabelecer freqüentes co-
nexões com o exterior, quebrando desta forma a desconfiança que
podia ameaçar sua inserção internacional. Esta tendência a não
olhar além dos limites da imensa fazenda brasileira, foi também
incentivada por um difuso “sentimento de exclusão” que teve sua
tradução na formulação, na maioria das vezes, e na implementação
menos frequente de projetos de política externa que buscavam, pa-
radoxalmente, manter o país em sua situação de “esplêndido isola-
mento”. O “sentimento de exclusão” foi, pelo menos até a década
de noventa do século XX, uma tendência que encontrou ressonân-
cia na sociedade brasileira e que, como afirma ABDENUR, signi-
ficava uma percepção distorcida sobre o lugar do país no mundo e
sobre sua capacidade de atuação externa. Esta tendência firmava-
se em avaliações sobre a marginalidade do Brasil das principais
correntes políticas e econômicas do cenário internacional. Estes
elementos inibiam sua projeção externa introduzindo um sentimento
de auto limitação na interação internacional que era conseqüência
mais de uma espécie de complexo coletivo, induzido pela

5
SEIXAS CORREA, L. F.: “As relações internacionais do Brasil em direção ao ano 2000”, em FONSECA, G.
e CARNEIRO, V. (org): Temas de política externa brasileira, Brasilia/S.Paulo, IPRI/FUNAG, 1989, pp.219-
254.

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capitulo 1
a inserção internacional do Brasil:
eixos e princípios conceituais da política externa brasileira

vulnerabilidade percebida a partir da consideração das desigual-


dades sociais e da marginalização de parte da população brasilei-
ra, que da real posição do Brasil no mundo.6 Esta auto-exclusão foi
uma tendência significativa na história brasileira do final do sécu-
lo XIX e boa parte do século XX e, segundo VALLADÃO, em um
texto que por sua capacidade explicativa se reproduz apesar de sua
relativa extensão, teve sua tradução com freqüência na política
externa:

“Durante um século de vida republicana, o Brasil viveu como uma


imensa ilha tropical, olhando o próprio umbigo, longe das tempestades
e furores da história mundial, alheio até de seus vizinhos sul-
americanos – com exceção da rivalidade geopolítica, de baixa
intensidade, com a Argentina. O motor implícito de sua diplomacia
sempre foi: para viver feliz, não colocar a mão no cesto dos outros. A
receita, claro, era mais sofisticada. Tratava-se de garantir fronteiras
estáveis (...) de defender com intransigência o princípio de não
interferência, de lutar pelo Direito Internacional – um mundo feito de
regras que limitassem quanto mais possível a pressão das nações mais
poderosas – e tudo isso com um único objetivo: que nos deixem em
paz em nosso (imenso) canto. Cunhada de “autonomia pela distância”
esta política externa fincava suas raízes no velho sonho dourado dos
colonos portugueses e, posteriormente, dos latifundiários bem
brasileiros: ser um senhor de terras e de pessoas que não depende de
nada e de ninguém exterior à fazenda. “Sentar-se em cima do muro” e
ver o mundo rodar não significa, no entanto, fechar-se em uma atitude
autista. (...) o Brasil sempre soube perceber os momentos chave nos
quais era necessário envolver-se em (...) as grandes decisões
internacionais para garantir a própria tranqüilidade. Participar para
não ter de participar. Foi esta visão do mundo, administrada com grande
competência por um punhado de diplomatas profissionais, que
soçobrou com o aprofundamento da interdependência entre os Estados
(...) A aspiração a um desenvolvimento quase autárquico bateu de
frente na parede da dívida, no arcaísmo produtivo e na baixa
produtividade (...) e na profunda desigualdade social em um país

6
ABDENUR, Roberto: “A política externa brasileira e o ‘sentimento de exclusão’”, em FONSECA Jr., Gelson
e CASTRO, Sérgio Henrique Nabuco de (orgs.): Temas de política externa brasileira II, vol.1, 2ª edição, São
Paulo/Brasília, Paz e Terra/FUNAG-IPRI, 1997, pp.31-46.

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As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

fechado cuja maioria de recursos acabavam sempre na bolsa de uma


pequena minoria encastelada no poder”. 7

Este esclarecedor texto torna manifesto que a política externa


brasileira segue um fio condutor enraizado no mais profundo de
sua história e de sua própria identidade que é preciso percorrer
para descobrir a lógica de suas condutas internacionais. A
historiografia brasileira estabeleceu três grandes fases nas rela-
ções internacionais do Brasil: a primeira fase, a colonial, alcança
até 1808 e se caracteriza pela delimitação do espaço nacional; a
segunda, começa na independência em 1822 e se encerra com o
final da gestão do Barão de Rio Branco em 1912, estando presidi-
da pela consolidação do espaço nacional; a terceira e última, che-
ga até nossos dias e ostenta em sua fachada o lema da diplomacia
brasileira: o desenvolvimento do espaço nacional. Unidade
territorial, grandeza física e crença no futuro são, respectivamente,
as idéias-força que sintetizam cada uma destas fases e individuali-
zam a experiência histórica brasileira frente à América espanho-
la8.
Ainda que o “sentimento de exclusão” e a tendência ao
ensimesmamento estiveram presentes, com maior ou menor inten-
sidade, nestas três fases, o Brasil exibiu ao mesmo tempo uma sur-
preendente capacidade de articulação com o exterior demonstran-
do a conexão entre o processo de construção do Estado nacional e
as interações internacionais. No período colonial, esta interação se
manifestou na luta pela expansão e definição territorial frente às
grandes potências da época, através da superação das limitações
impostas pelos Tratados de Tordesilhas (1494) e de Madri (1750).
No período da independência nacional, em um primeiro momento
que vai até 1912, o objetivo que guiava as ações da política externa
brasileira apontava para a consolidação do território mediante uma
política de limites, com a aquiescência dos Estados Unidos, que

7
VALLADÃO, Alfredo: “Política externa: o legado da autonomia pela participação”, O Mundo em português,
ano IV, nº 38, 2002, pp.15-17.
8
SEIXAS CORREA, Luís F.: “Diplomacia e história: política externa e identidade nacional brasileira”,
Política Externa, vol.9, nº 1, jun/jul/ago, 2000, pp.22-32.

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capitulo 1
a inserção internacional do Brasil:
eixos e princípios conceituais da política externa brasileira

coincide em seu apogeu com a época dourada do Barão de Rio


Branco e cuja finalidade era a constituição de um todo indivisível
consagrado no valor da unidade, base para a futura grandeza do
Brasil. Podem-se observar neste percurso os elementos de um pro-
cesso dialético entre expansão e consolidação que, para SEIXAS,
representa um dado significativo da formação histórica brasileira,
ao obrigar o país a desenvolver sucessivamente políticas externas
ativas de revisão e políticas conservadoras de manutenção do status
quo.
É neste processo de formação nacional que surge a contradi-
ção-chave configuradora de um dos traços específicos da identida-
de internacional do Brasil. Paradoxalmente, ao mesmo tempo em
que o esforço nacional e das elites se dirigia à consecução de um
Estado forte, grande, pujante, potente e com projeção de futuro –
tal e como reflete a bela letra do hino nacional de 1890 escrita pelo
Duque de Estrada, “Gigante pela própria natureza, és belo, és for-
te, impávido colosso, e o teu futuro espelha essa grandeza” – se
cultivava no seio da sociedade brasileira o germe da desigualdade
e da injustiça responsável pelo passivo social que, até hoje, o país
não conseguiu resgatar. Desta contradição, isto é, da falta de cor-
respondência entre a relativa simplicidade do modelo de política
externa do Brasil – fundamentado em síntese na afirmação de sua
base territorial, no aperfeiçoamento de seu patrimônio diplomático
e no recrutamento de recursos externos para o desenvolvimento
nacional – e da complexidade das questões internas sem resolver
(desequilíbrios sociais e regionais, desigualdades, vulnerabilidades
econômicas, problemas de governabilidade, incapacidade para gerar
políticas públicas alheias à contenda partidária, corrupção, etc.)
brotam as inconsistências e vacilações que se manifestam em uma
atitude reativa, defensiva e ambígua frente ao mundo, traço atávico
da política externa brasileira e de sua identidade internacional.
Esta “crise de identidade”, como a denomina SEIXAS, se re-
flete internacionalmente no plano declarativo, “como si o Brasil
não se encontrasse à vontade no mundo”, em uma indefinição que
o acompanha no cenário internacional. Um país ambíguo com uma
identidade internacional dual, que o situa simultaneamente entre
o Primeiro e o Terceiro Mundo, e que o faz comportar-se como “o

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As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

mais rico dos pobres e o mais pobre dos ricos, satisfeito e insatis-
feito, conservador em certos campos e reformista em outros, desa-
fiando simplificações e atuando ocasionalmente no âmbito externo
de maneira surpreendente para seus sócios”9.
A ambigüidade da identidade internacional do Brasil e suas
conseqüências sobre as condições de inserção no sistema interna-
cional chegaram a ser explicitadas durante os Governos militares
dando origem à doutrina da dupla inserção internacional, tentativa
de superação - na opinião de MARQUES - da aparente dicotomia
estabelecida, fugindo assim da opção simplista e ignorante da com-
plexidade da tessitura internacional10. Esta foi a solução pragmáti-
ca e realista encontrada para superar o debate entre “ocidentalistas”
e “terceiro-mundistas”. Também foi adotada por relevantes inte-
lectuais, como Hélio Jaguaribe, para quem era inegável que o Bra-
sil estava inserido de forma dupla no Terceiro Mundo, ao que unia
a solidariedade sócio-política, e no Ocidente, ao que vinculavam
elementos como a solidariedade cultural, mas do que lhe distanci-
ava a brecha do subdesenvolvimento econômico, social e político e
a dependência estrutural.
Só a partir da década de noventa, introduziram-se no discurso
diplomático conceitos diferentes para tentar re-caracterizar a polí-
tica externa do Brasil e suas novas modalidades de inserção inter-
nacional a partir da consideração das credenciais que o país julga-
va possuir. Entre todas elas, destacam a condição do Brasil como
um global player – um dos poucos países em desenvolvimento que,
por seu tamanho e agenda, possuem presença universal -, como
regional player – por representar 50% da economia, território e
população da América do Sul -, como global trader – por seu pa-

9
SEIXAS CORREA, L.F.: “As relações internacionais do Brasil em direção ao ano 2000”, em FONSECA, G.
e CARNEIRO, V. (org): Temas de política externa brasileira, Brasília/São Paulo, IPRI/FUNAG, 1989, pp.219-
254; O mesmo autor comenta: “O Brasil é um país que se apresenta frente a si mesmo e frente ao mundo em
fragmentos contraditórios, em imagens freqüentemente desconectadas. Um país que é como um quebra-
cabeça, em busca de uma visão integral capaz de revelar o sentido profundo de suas diferentes realidades” em
SEIXAS CORREA, L. F.: “O Brasil e o mundo no limiar do novo século: diplomacia e desenvolvimento”,
Revista Brasileira de Política Internacional, vol.1, nº 42, 1999, pp.5-29.
10
MARQUES MOREIRA, Marcilio: “Uma nova política externa”, Política e Estratégia, Centro de Estudos
Estratégicos, vol.III, nº 1, jan-mar, 1985, pp.42-43

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capitulo 1
a inserção internacional do Brasil:
eixos e princípios conceituais da política externa brasileira

drão de relações comerciais diversificadas e equilibradas mundi-


almente – e como honest broker – pela capacidade e habilidade
mediadora do país.11 Apesar destas novas formulações, o Brasil
continua carregando o traço da ambigüidade em sua atuação no
âmbito internacional.
A idéia da dupla inserção representa, segundo LAFER, a
especificidade brasileira de ser um “Outro Ocidente”, mais pobre,
enigmático e problemático, mas não por isso menos Ocidente12.
Este dado é um dos componentes mais destacados da identidade
do Brasil e projeta suas luzes e sombras sobre sua projeção exter-
na. Frente a este panorama de sua inserção no mundo e do processo
de construção de sua identidade internacional cabe perguntar-se
pelo papel que desempenhou a diplomacia brasileira, como insti-
tuição que opera a conexão entre “o interno” e “o externo”, para
realizar através de uma avaliação pragmática dos recursos de po-
der, a tradução das necessidades internas em possibilidades exter-
nas.
O Brasil é, sem dúvida, um produto da diplomacia. Esta afir-
mação encontra sua base empírica em sua própria história e na
constatação da presença, ativa e permanente, da diplomacia nas
principais etapas de formação do Estado e a nacionalidade brasi-
leira. Efetivamente, nos principais episódios deste processo histó-
rico, desde a negociação da Independência com Portugal até a de-
finição dos eixos principais de suas relações internacionais, pas-
sando pela definição do território e a fixação de seus limites, en-
contra-se o rastro de uma burocracia estatal com uma visão do
mundo que projeta globalmente o país na busca de uma inserção
equilibrada no sistema internacional.13 A contribuição da diplo-
macia não limitou à promoção dos interesses estatais no exterior.
Foi também decisiva para o fortalecimento do aparato do Estado.

11
BARBOSA, R.: “O lugar do Brasil no mundo”, Política Externa, São Paulo, vol. 5, nº 2, setembro, 1996,
pp.69-82.
12
LAFER, Celso: A identidade internacional do Brasil e a política externa brasileira, São Paulo, Perspectiva,
2001, pág.20.
13
DANESE, Sérgio: “Diplomacia e Estado nacional em época de mudança”, O Estado de São Paulo, 14 de
fevereiro de 2002.

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As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

Assim, diplomacia, história e formação do Estado nacional encon-


tram-se estreitamente vinculadas.
Se em um primeiro momento a diplomacia esteve orientada,
pelo menos até 1912, para a consolidação do território, a partir de
1930 embarcou plenamente no grande projeto mobilizador do Bra-
sil: o desenvolvimento. Como afirma DANESE, o Itamaraty assu-
miu a partir de então a condição de instrumento do desenvolvi-
mento nacional no plano exterior, consolidando esse papel em cin-
co dimensões: 1.- Na integração física e energética com os vizi-
nhos da área do Prata e do Amazonas; 2.- Na negociação de me-
lhores condições para a cooperação e intercâmbio econômico-co-
mercial com os principais sócios. 3.- Na presença do Brasil nos
foros de natureza econômica e de promoção do desenvolvimento.
4.- Na integração regional. 5.- No apoio à estabilização econômica
do país em sua dimensão internacional. Resumindo, em um papel
instrumental sintetizável em sua contribuição à construção da nacio-
nalidade na dimensão relacionada com o projeto de desenvolvi-
mento em suas derivações externas14.
Foi se configurando assim uma diplomacia econômica a servi-
ço do desenvolvimento que foi capaz de realizar a operação de
“transcriação” das necessidades internas em possibilidades exter-
nas, empregando a formulação de LAFER, esquadrinhando as con-
dições, ambigüidades e evolução do sistema internacional para
aproveitar as oportunidades abertas em um esforço por promover
os interesses econômicos e políticos do Brasil no mundo15. Sobram
na história recente do país os exemplos desta “transcriação”: o
trabalho da diplomacia na etapa Getúlio Vargas em busca de recur-
sos para o processo de industrialização, o lançamento da Operação
Pan-americana em uma tentativa de comprometer os EUA no de-
senvolvimento latino-americano nos anos sessenta ou a diploma-
cia político-econômica da Política Externa Independente (1961-
1963) buscando aprofundar o processo de industrialização por subs-

14
DANESE, Sérgio: “A diplomacia no processo de formação nacional do Brasil”, Política Externa, vol.8, nº
1, junho, 1999, pp.98-117.
15
LAFER, Celso: A política externa brasileira: três momentos, São Paulo, Fundação Adenauer, Papers, nº 4,
1993, pp.41-49.

22
capitulo 1
a inserção internacional do Brasil:
eixos e princípios conceituais da política externa brasileira

tituição das importações. Em resumo, uma diplomacia que não se


limitava às tarefas tradicionais de representar e defender os inte-
resses do país, mas que exercia uma intensa atividade no campo
econômico, fortalecida, a partir dos anos 50, com a entrada no
Itamaraty de uma geração de jovens diplomatas formados em Eco-
nomia.
O papel do Itamaraty na história da política externa brasileira
é inseparável do institution builder desta corporação diplomática:
José da Silva Paranhos Júnior, o Barão de Rio Branco (1845-1912).16
A principal contribuição do Barão não foi apenas a conclusão do
processo de delimitação das fronteiras, mas a afirmação da autori-
dade e a legitimidade do Itamaraty no conjunto da sociedade bra-
sileira e no processo de construção de sua identidade internacio-
nal. A preservação desta auctoritas ao longo dos anos, foi possível
graças ao cultivo do “mito do Barão”, à memória histórica da insti-
tuição e à afirmação da “excelência do Itamaraty”. Rio Branco e
suas políticas constituem, definitivamente, a fonte simbólica do
sprit de corps do Itamaraty17. Sua autoridade vem do exercício com-
petente de suas funções desde o mesmo momento do ato de funda-
ção do país, por constituir uma expressão da soberania e por res-
ponder aos desafios específicos que a vida internacional foi im-
pondo, conectando institucionalmente o Brasil com o exterior. Uma
competência que foi exercida, como demonstra LAFER, através de
uma tripla e complementar representação do Brasil no mundo: uma
representação política em forma de presença contínua dos interes-
ses nacionais no âmbito internacional; uma representação jurídi-
ca, condensada na vinculação internacional do país através de Tra-
tados; uma representação simbólica que expressa o que o Brasil
significa para os outros países. No que se refere à legitimidade,
constitui um elemento central da ação externa do Brasil. FONSE-
CA vinculou esta questão à escassez de recursos de poder do país,

16
Um semblante da vida e obra de Rio Branco em: CARDIM, Carlos H. e ALMINO, João (orgs): Rio Branco.
A América do Sul e a modernização do Brasil, Rio de Janeiro, Brasília, EMC, 2002.
17
Estas fontes simbólicas, a introdução de uma racionalidade weberiana no Itamaraty, sua rejeição pelo corpo
diplomático e os canais de socialização nesta instituição em BARROS, Alexandre: “A formulação e
implementação da política externa brasileira: o Itamaraty e os novos atores” em TULCHIN, J. e MUÑOZ, H.:
América Latina e a Política Mundial, São Paulo, Convívio, 1986, pp.29-41.

23
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

o que conduz a sua diplomacia a operar no sistema internacional


através de uma persuasão baseada no conhecimento da situação e
sensibilidade do outro, e da convicção e habilidade em apresentar
os argumentos esgrimidos. Esta legitimidade construi-se também
com base na confiança depositada no país no cumprimento dos
compromissos assumidos e pela tradição principista da diploma-
cia brasileira que atua de acordo às normas internacionais18.
O Barão estabeleceu um estilo peculiar à diplomacia brasilei-
ra que permanece até hoje19. Na definição de LAFER, os estilos
diplomáticos são “modalidades de atuação que estabelecem recur-
sos de competência e habilidade que, quando são bem empregados
e combinados, reforçam – e quando mal utilizados comprometem –
a ação estratégica de um país no sistema internacional”.20 Favore-
cido também pelo profissionalismo de seus quadros diplomáticos,
o Brasil desenvolveu um estilo próprio em sua conduta internacio-
nal. Seu traço característico convencionou-se em chamar de “mo-
deração construtiva”, isto é, um estilo desdramatizador da agenda
de política externa que consiste na redução dos conflitos e das cri-
ses ao leito diplomático, evitando sua exploração por interesses
conjunturais e optando preferencialmente pela negociação e a
prevalência da solução diplomática21. Deste espírito de “modera-
ção construtiva” procedem outros traços que configuram o estilo
do Itamaraty e fazem parte do patrimônio diplomático brasileiro
como o pragmatismo e a flexibilidade na abordagem das questões
internacionais; a rejeição a modismos, precipitações ou soluções
circunstanciais que façam perigar a credibilidade do país; a pree-
minência da visão de futuro sobre o imediato; a atuação fundada
em valores permanentes evitando recorrer a decisões de impacto, a
flutuações ideológicas ou a movimentos pendulares que compro-
metam a confiança internacional22. A atuação do Brasil na Améri-

18
FONSECA,G.: A legitimidade e outras questões internacionais, São Paulo, Paz e Terra, 1998, pp.355-359.
19
JOVER referindo-se à obra de H. Nicholson, Diplomacy, refletiu sobre a forma em que os caracteres
nacionais determinam os estilos e comportamentos da diplomacia. Ver JOVER, J.M.: Op.cit, pág.85.
20
LAFER, Celso: “Política Exterior brasileira: balanço e perspectivas”, Dados, nº 22, 1979, pág.55
21
FONSECA.G.: Op.cit, pp.355-359.
22
REGO BARROS, Sebastião: “A execução da política externa brasileira: um balanço dos últimos 4 anos”,
Revista Brasileira de Política Internacional, vol. 2, nº 42, 1998, pp.18-28.

24
capitulo 1
a inserção internacional do Brasil:
eixos e princípios conceituais da política externa brasileira

ca do Sul, durante o século XX, constitui um bom exemplo do exer-


cício deste estilo diplomático, sem alimentar suspeitas
hegemônicas, com ênfase nos princípios de não-intervenção e re-
solução pacífica dos conflitos.

1.2.- Eix os e princípios conceituais da política eexterna


Eixos xterna
brasileira
Quais foram as “permanências” que constituem as “tradições
da política externa” do Brasil? Na linha deste conceito, JOVER
argumentou que estas tradições devem ser rastreadas, mais além
dos imperiosos condicionamentos geográficos ou dos desenvolvi-
mentos da história diplomática, “no conjunto de atitudes, motiva-
ções e formas de percepção presentes em uma sociedade como se-
dimento de uma longa experiência histórica23. No âmbito acadêmi-
co brasileiro, CERVO utilizou a expressão “acumulado histórico,
padrões de conduta e princípios e valores inerentes à política ex-
terna” para referir-se ao conjunto de princípios e valores de con-
duta dos Estados que permitem, uma vez identificados e descritos,
abrir o caminho para o estudo das tendências da política externa.
Por sua vez estas tendências proporcionam a base para a determi-
nação do maior ou menor grau de previsibilidade da política exter-
na dos países, conforme estes tenham sido capazes, ou não, de de-
finir um conjunto de princípios para orientá-la e dotá-la de funcio-
nalidade. No caso do Brasil, o grau de previsibilidade de sua polí-
tica externa é, em termos comparativos, muito elevado ao ter cons-
tituído ao longo de sua história um acervo amplo e consolidado de
princípios.24 Junto à consideração destes princípios se examinam
neste apartado os eixos gravitatórios da política externa brasileira.
Finalmente se introduzem reflexões sobre a dicotomia clássica no
estudo histórico da política externa – continuidade / ruptura –
aplicada ao caso do Brasil desde a perspectiva das mudanças de
paradigma registrados em suas relações internacionais.

23
JOVER, J.M.: España en la Política Internacional, siglos XVIII-XX, Madri, Marcial Pons, 1999, pág.252.
24
CERVO, Amado (org).: O desafio internacional. A política externa brasileira de 1930 à nossos dias, Brasília,
UNB, 1994, pp.9-58.

25
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

A política externa do Brasil contêm princípios e valores ine-


rentes que orientam sua atuação através do tempo, lhe outorgam
permanência e previsibilidade e constituem um acervo diplomáti-
co permanente do Estado brasileiro. Estes princípios vão mais além
de inflexões e de eventuais mudanças de política. São um conjunto
de normas e atitudes consideradas pelo Itamaraty como um
patrimônio histórico que está intrinsecamente associado ao com-
portamento internacional do país25. A identificação e estudo destes
princípios não é questão de menor importância já que permite uma
melhor compreensão das “permanências” presentes na história das
relações internacionais e da política externa brasileira. O grupo de
historiadores, cientistas políticos e internacionalistas da Universi-
dade de Brasília agrupados em torno da figura do professor Cervo
foram quem de forma mais rigorosa abordaram o estudo deste “acu-
mulado histórico”. Identificam com caráter geral, três princípios
norteadores da política externa brasileira e um vetor que transver-
salmente a recorre nos últimos setenta anos. Estes princípios são o
pacifismo, o juridicismo e o realismo-pragmatismo. Junto a eles, o
desenvolvimento constitui o vetor, a força motora, que orienta as
ações da política externa brasileira e lhe confere sua racionalidade.
A base conceitual do pacifismo se encontra no caráter não-
confrontacionista da política externa brasileira que desde a Guerra
do Paraguai (1864-1870) levou o país a conviver em paz com seus
vizinhos. Conseqüentemente, a diplomacia brasileira perseguiu a
busca de soluções pacíficas e negociadas para os conflitos regio-
nais, defendendo o respeito aos princípios de autodeterminação e
não-intervenção e condenando o uso da força, o expansionismo
militar e as guerras de conquista. Junto aos fatores de ordem polí-
tica que explicam a adoção do pacifismo, pode-se identificar uma
série de fatores sócio-culturais que explicam esta opção filosófica
tais como a satisfação com o território, a abundância de recursos
naturais, a heterogeneidade cultural e racial ou a tolerância social.
O juridicismo constitui o segundo elemento do acumulado his-

25
MELLO E SILVA, Alexandra de: “Idéias e política externa: a atuação brasileira na Liga das Nações e na
ONU”, Revista Brasileira de Política Internacional, Brasília, vol.2, nº 41, 1998, pág.142.

26
capitulo 1
a inserção internacional do Brasil:
eixos e princípios conceituais da política externa brasileira

tórico da diplomacia brasileira. Um elemento que esteve influen-


ciado pela formação jurídica da grande maioria dos membros do
Itamaraty e que interpretava os tratados como manifestações sa-
gradas da vontade nacional ou multilateral. A origem desta tradi-
ção encontra-se nas concessões realizadas pelo país às grandes
potências no século XIX quando, para realizar sua inserção inter-
nacional, a diplomacia se viu obrigada a firmar tratados sem
contrapartidas. Desde então foi se afirmando a idéia de que os tra-
tados são instrumentos mais favoráveis às potências, que convêm
evitar assiná-los entre desiguais e que é melhor assinar poucos e
cumprí-los.
O terceiro princípio ou tradição da política externa brasileira,
o realismo, pode se encontrar desde os tempos do Império, no perí-
odo da consolidação do Estado nacional (1822-1912), à mercê da
atuação de políticos ousados e realistas. Com o passar dos anos, o
realismo se converteu em pragmatismo, uma versão contemporâ-
nea daquele que se incorporou como elemento característico da
prática diplomática brasileira no século XX. O estilo e a substân-
cia da política externa do Barão de Rio Branco ou de Vargas
correspondem plenamente a este princípio que induzia a uma ade-
quação eficiente dos interesses nacionais aos constrangimentos
internacionais26. Para LAFER, o paradigma do realismo, da políti-
ca do poder, informa parcialmente a análise brasileira da conjun-
tura internacional. O Itamaraty tende a interpretar as iniciativas
dos demais atores, em função do que supõe sejam os interesses
desses atores. É um realismo como ponto de partida - um realismo
defensivo coerente para um país que não tem excedentes de poder
– mas nunca como ponto de chegada posto que a leitura brasileira
das relações internacionais está antes informada pelas lições de
Grocio sobre o potencial de sociabilidade e solidariedade da soci-
edade internacional27. Em outras palavras, apesar da diplomacia

26
LESSA, A.: “A diplomacia universalista do Brasil: a construção do sistema contemporâneo das relações
bilaterais”, Revista Brasileira de Política Internacional, ano 41, especial 40 anos, 1998, pág.31.
27
LAFER, Celso: “Brasil: forjando um novo papel nas relações internacionais”, Debates, Fundação Adenauer,
nº 13, São Paulo, 1997, pp.11-22.

27
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

brasileira considerar as realidades da política de poder, isso não


implica que as considerações de ordem ética estejam ausentes de
sua prática, como reflete o fato do país preferir o “poder da diplo-
macia” à “diplomacia do poder”. Por isso, o Itamaraty sempre afir-
mou que a mais importante credencial do Brasil no plano interna-
cional é sua história de nação pacífica cuja atuação externa se pau-
ta pela coerência no respeito ao princípio da não-intervenção, na
igualdade entre os Estados e na solução pacífica das controvérsi-
as.28
O pragmatismo da política externa brasileira se manifesta, se-
gundo CERVO, na preocupação por fazer prevalecer o resultado
sobre o conceito, os ganhos concretos e materiais sobre os valores
políticos e ideológicos, a oportunidade sobre o destino, a liberdade
de ação sobre o empenho do compromisso, o universalismo sobre
as camisas de força dos particularismos, a aceitação sobre a resis-
tência aos fatos. Para o mesmo autor, junto ao pacifismo e ao
juridicismo, o pragmatismo produziu dois resultados históricos na
política externa do Brasil: o abandono da idéia de construção e uso
da potência para obter ganhos externos e a despolitização ou
desideologização, salvo em curtos e contados períodos. Esses re-
sultados produziram também conseqüências importantes: a preo-
cupação em reforçar por outras vias o poder nacional e a orienta-
ção para uma espécie de diplomacia econômica. Princípios, resul-
tados e estilos de atuação diplomática perfilaram as característi-
cas fundamentais das relações internacionais do Brasil, isto é, uma
baixa densidade política e uma alta densidade econômica29.
Ao pacifismo, juridicismo e realismo/pragmatismo acrescenta-
se a consideração do vetor que constitui o Norte da atuação inter-
nacional do Brasil, um país que não podemos esquecer, arrasta uma
imensa dívida social e concentra oceanos de miséria em meio a
ilhotas de riqueza. O desenvolvimento, autêntico leitmotiv da di-
plomacia brasileira, surge a partir da revolução de 1930, como

28
ABDENUR, Roberto: “Projeção externa do Brasil depende do poder da diplomacia”, Carta Internacional,
nº 19, setembro, 1994, pág.3.
29
CERVO, A.: Op.cit, pp.27-28.

28
capitulo 1
a inserção internacional do Brasil:
eixos e princípios conceituais da política externa brasileira

resultado de uma reinterpretação do interesse nacional vinculada


a uma modalidade de inserção internacional perseguida através da
política externa, como instrumento para conseguir o intercâmbio
de produtos ou a obtenção de insumos externos para o desenvolvi-
mento. Isso não significa que, até então, o Itamaraty não se preocu-
passe com a questão. Na realidade, o desenvolvimento passou a
ser o objetivo central da diplomacia brasileira no momento em que
conseguiu despreocupar-se dos problemas territoriais e quando,
além disso, se modificava o perfil das relações econômicas inter-
nacionais do país, até então reduzidas à exportação do café e de
produtos primários. O compromisso do Itamaraty com o desenvol-
vimento do país se sintetizou em duas grandes linhas de atuação
complementares. Com um sentido mais prático e imediato, na de-
fesa dos interesses externos nos foros multilaterais de natureza
econômica (FMI, GATT, OMC); Com uma perspectiva de longo pra-
zo, ressaltando o tema do desenvolvimento na agenda internacio-
nal através do incentivo ao debate mundial sobre a necessidade de
criar condições globais propícias ao desenvolvimento dos países
pobres.30
Junto aos princípios gerais que orientaram a ação externa do
Brasil - que se identificam a grandes traços com a busca de solu-
ções pacíficas para as controvérsias, o respeito à independência e
a soberania, a primazia do direito e a não-intervenção nos assuntos
de outros Estados - autores como SEITENFUS remarcaram a exis-
tência de princípios específicos de atuação internacional
construídos pelo país ao longo de sua história independente, entre
os que destaca o princípio do uti possidetis que permitiu a justifi-
cação e formalização do reconhecimento das fronteiras nacionais31.
A importância deste princípio fica manifesto no apego do Itamaraty,
ainda em tempos de globalização, aos princípios de soberania e
não-intervenção, fundamento da política oficial do Brasil desde a
independência. Uma política de perfil ratzeliano segundo

30
ABDENUR, Roberto: “Política externa e desenvolvimento”, Política Externa, São Paulo, vol.3, nº 3, de-
zembro-fevereiro, 1994-1995, pp.57-71.
31
SEITENFUS, Ricardo: Para uma nova política externa brasileira, Porto Alegre, Livraria do Advogado,
1994, pp.29-30.

29
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

VIZENTINI, que toma o território como valor permanente do qual


dependem a segurança e a independência do país, pautando assim
o núcleo central da definição do interesse nacional desde a demar-
cação territorial no início do século XX.32
Desde uma perspectiva diferente, ALMEIDA refletiu sobre a
existência de velhos princípios na política externa brasileira que
costumam ser reafirmados de tempos em tempos: a independên-
cia, o interesse nacional e a cooperação internacional, o status de
país em desenvolvimento, a integração regional, a política de pres-
tígio e a imagem internacional do Brasil, e a definição dos objeti-
vos nacionais permanentes. Estes últimos se identificam com a
preservação da integridade do território e com a segurança ante as
ameaças externas; com a defesa do interesse do país; com a proje-
ção internacional do Estado brasileiro; com a consolidação de seu
potencial econômico e militar fazendo do Brasil uma sociedade
mais justa e humana. De acordo com estes objetivos a função da
política externa brasileira seria coadjuvar o processo de desenvol-
vimento nacional. Os critérios orientadores da diplomacia seriam
a busca do interesse público e a promoção do progresso material e
cultural da sociedade.33
Vinculados a estes princípios, outros autores analisaram os
objetivos primordiais que encontram-se presentes nos últimos cin-
qüenta anos de política externa do Brasil. Nesta linha GUILHON
sustenta que, desde 1945 até hoje, estes objetivos permaneceram
invariáveis agrupados ao redor de duas premissas fundamentais:
garantir um ambiente internacional favorável ao desenvolvimento
econômico do Brasil e evitar uma dependência excessiva dos EUA
e das grandes potências.34 Em resumo, dois objetivos primordiais,
um de natureza econômica e outro de natureza política. O primei-
ro, e mais importante foi funcional à definição das metas e ações

32
VIZENTINI, Paulo.: “O Brasil e as noções de soberania e não intervenção”, em FUNDAÇÃO KONRAD
ADENAUER: “Segurança e Soberania”, Cadernos Adenauer, nº 5, ano II, 2001, pp.55-67.
33
ALMEIDA, Paulo R.: Relações Internacionais e Política Externa do Brasil, Porto Alegre, UFRGS, 1998,
pp.159-163.
34
GUILHON, J.A.: “From dependency to globalization: Brazilian Foreign Policy in the cold war and post-cold
war”, Draft Paper prepared for the forthcoming book: MORA, Frank and HEY, Jeanne A.K: Latin American
and Caribbean Foreign Policy, Rowman and Littlefield Publishers, 2001.

30
capitulo 1
a inserção internacional do Brasil:
eixos e princípios conceituais da política externa brasileira

da política externa. O segundo serviu para construir e manter uma


imagem de autodeterminação e autonomia. Estes objetivos, salvo
em curtos períodos (o primeiro Governo militar entre 1964 e 1967
e o Governo Collor) seguiram orientando permanentemente as po-
líticas bilaterais, regionais e multilaterais do país35. O paradigma
da política externa à serviço do desenvolvimento se orientou à con-
secução de uma série de objetivos fundamentais entre os quais se
contam a busca de recursos em suas diferentes modalidades e a
concertação internacional para garantir regras favorecedoras do
acesso a esses insumos.
A história das relações internacionais do Brasil estruturou-se
sobre a base de dois eixos gravitatórios, em torno dos quais sempre
girou a política externa brasileira: um eixo assimétrico e outro si-
métrico. No eixo assimétrico incluem-se as relações mantidas com
aqueles países que têm um significativo diferencial de poder, isto
é, as relações desiguais estabelecidas com as grandes potências
européias (bilateralmente consideradas ou, no âmbito multilate-
ral, através das relações Brasil- UE) e com os EUA no século XX.
No eixo simétrico se consideram os vínculos com aqueles Estados
possuidores de recursos de poder similares aos do Brasil, especial-
mente, os vizinhos latino-americanos e os países do Terceiro Mun-
do.36 O eixo simétrico representa a linha de ação da política exter-
na orientada para a união e boa vizinhança do Brasil com os países
sul-americanos, enquadrando-se no campo da relativa igualdade
entre os parceiros. Constitui a linha representativa do conceito clás-
sico da ação diplomática segundo o qual os países devem procurar
fazer a melhor política de sua geografia. Neste eixo a atuação bra-
sileira esteve dirigida, no século XIX e começo do XX, para a solu-
ção pacífica das disputas fronteiriças e a partir de então à organi-
zação de um espaço sul-americano com um ambiente favorável à
concórdia e ao desenvolvimento37. Nas duas últimas décadas, as

35
GUILHON, J.A.: “A política externa do governo Fernando Henrique”, Seminário NUPRI-USP, (não publi-
cado), 24 de maio de 2002, pág.2.
36
RICUPERO, R.: “O Brasil, a América Latina e os EUA desde 1930: 60 anos de uma relação triangular”,
em GUILHON, José Augusto (org): Crescimento, Modernização e política externa. 60 anos de política externa
brasileira (1930-1990), vol.1, São Paulo, Cultura editores/NUPRI-USP, 1996, pág.37.
37
Ibidem, pág.54 e 64.

31
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

relações do Brasil com o eixo simétrico se desdobraram por meio


das estratégias regionalistas iniciadas com base na aproximação à
Argentina.
Os dois eixos encontram-se intimamente relacionados de for-
ma que o eixo simétrico com sua dinâmica própria coexiste com as
correlações de força do eixo assimétrico que se manifestam no ní-
vel político, militar, econômico e tecnológico. Como lembra LAFER,
por mais distante que se encontrassem os países da América do
Sul da dinâmica do funcionamento do centro político e econômico
do sistema internacional, as interações do Brasil e seus vizinhos
com as grandes potências não deixariam de ter um grande impac-
to38. Em alguns momentos estas interações levaram a subordina-
ção do eixo simétrico ao eixo assimétrico e, mais concretamente, a
dependência das relações do Brasil com América Latina às relaci-
ones preferenciais com os Estados Unidos.
No eixo assimétrico, com vistas a preservar suas margens de
manobra, o Brasil fez da autonomia uma de suas aspirações funda-
mentais. Superando o âmbito estritamente bilateral, o eixo
assimétrico possui também uma dimensão multilateral relevante.
Neste último âmbito, a diplomacia brasileira participou ativamen-
te em diferentes foros, consciente dos efeitos protetores que têm
para os países que como o Brasil não desfrutam de excedentes de
poder, as normas e os tratados que suavizam as políticas unilate-
rais das grandes potências. A necessidade de trabalhar estas rela-
ções no eixo assimétrico, através da preservação de um espaço de
autonomia próprio para o Brasil, surge com nitidez precursora no
discurso diplomático brasileiro a partir da participação do país na
Conferência de Haia de 1907. Neste momento, quase a ponto de se
concluir o processo de consolidação jurídica do espaço nacional, é
quando o Itamaraty, desembaraçado da concentração exclusiva nas
questões de limites fronteiriços, começa manifestar a insatisfação
brasileira com a gestão dos assuntos internacionais pelas grandes
potências, orientando sua atuação multilateral no futuro por uma

38
LAFER, Celso: A identidade internacional do Brasil e a política externa brasileira, São Paulo, Perspectiva,
2001, pp.65-66.

32
capitulo 1
a inserção internacional do Brasil:
eixos e princípios conceituais da política externa brasileira

constante busca dos espaços de autonomia que lhe são necessári-


os, conforme a já citada leitura grociana da realidade internacio-
nal.
O exame da dicotomia clássica mudança–continuidade ocu-
pou um lugar de relevância na historiografia brasileira das rela-
ções internacionais e na análise dos paradigmas orientadores da
política externa do Brasil39. O estudo dos elementos de continuida-
de e ruptura na formulação e execução da política externa brasilei-
ra esteve intimamente vinculado à necessidade de determinar a
existência ou não de um paradigma dominante neste âmbito. Os
autores brasileiros não chegam em um acordo a este respeito, ape-
sar de existir pontos de coincidência para realizar uma série de
afirmações em torno da permanência ou não de linhas de inovação
ou de continuidade. Afirmações que, não obstante, devem ser cali-
bradas em função dos matizes que cada autor introduz no exame
das dinâmicas de mudança e continuidade. Em geral, existe con-
senso ao afirmar que a política externa brasileira se caracteriza
pela preservação histórica de seus traços de continuidade, por sua
organização e tradição singular no âmbito latino-americano e por
sua relativa segurança perante mudanças radicais ou circunstân-
cias de instabilidade política. São contados os momentos nos quais
se operam rupturas substantivas nas formulações teóricas e nas
linhas de ação práticas, mais além dos reajustes habituais devido a
circunstâncias internas (alternância de governos, golpes de Esta-
do, etc.) ou às acomodações próprias que se produzem ante as trans-
formações do sistema internacional. As razões expostas para a ex-
plicação deste fenômeno se concentram nas condições permanen-
tes do Brasil (tamanho continental, quantidade de vizinhos, afasta-
mento dos centros de poder internacional) que impuseram, junto
ao desenvolvimento de linhas de comportamento característicos
no modelo de relação com o exterior, a configuração de elementos
peculiares na política externa brasileira, entre eles, a continuida-
de40.

39
Uma das primeiras análises sobre esta questão em BURNS, Bradford: “Tradition and Variation in Brazilian
Foreign Policy”, Journal of Interamerican Studies, vol.IX, nº 2, april,1967, pp.195-212.
40
LINS DA SILVA, Carlos: “ Política e Comércio Exterior”, em LAMOUNIER, Bolivar e FIGUEIREDO,
Rubens (orgs): A era FHC, um balanço, São Paulo, Cultura associados, 2002, pág.295

33
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

Entre todos os fatores explicativos que se assinalaram na lite-


ratura dedicada a esta questão, o forte componente institucional na
formação da política externa e a existência de um poder burocráti-
co relativamente autônomo em sua formulação e execução, o
Itamaraty, é o mais destacado41. Efetivamente, o papel da diploma-
cia brasileira como defensora das essências e as tradições exterio-
res do país provem de sua autonomia, sua coesão, seu isolamento
burocrático, seu profissionalismo e homogeneidade fruto de sua
preparação ad hoc e sua ampla coerência corporativa de forma que,
com caráter geral, se lhe atribui a responsabilidade pela continui-
dade histórica das orientações da política externa do Brasil42. A
necessidade de preservar a continuidade nas tradições internacio-
nais do país se transmite de geração em geração de diplomatas, tal
e como formulou explicitamente São Tiago Dantas, ministro das
Relações Exteriores em 1961:

“Continuidade é requisito indispensável a toda política externa,


pois se com relação aos problemas administrativos do país, são menores
os inconvenientes resultantes da rápida liquidação de uma experiência
(...), com relação à política externa é essencial que a projeção da
conduta do Estado no seio da sociedade internacional revele um alto
grau de estabilidade e assegure crédito aos compromissos assumidos.
A política externa do Brasil respondeu a essa necessidade de coerência
no tempo. Mesmo que os objetivos se transformem sob a evolução
histórica (...), a conduta internacional do Brasil foi a de um Estado
consciente dos próprios fins, graças à tradição administrativa da qual
tornou-se depositária a Chancelaria brasileira, tradição que nos valeu
um justo conceito nos círculos internacionais”.43

Nos poucos momentos em que se produziram modificações na


política externa, a tradição diplomática brasileira aplicou o que
LAFER qualifica como a “mudança dentro da continuidade”, um

41
SOARES DE LIMA, Maria Regina: “Instituições democráticas e política exterior”, Contexto Internacional,
Rio de Janeiro, vol. 22, nº 2, julho-dezembro, 2000, pp.265-303.
42
Ver CHEIBUB, Zairo: “Diplomacia, diplomatas e política externa: aspectos do processo de institucionalização
do Itamaraty”, Tese de Mestrado, IUPERJ, 1984; SOARES LIMA, María R.: “Enfoques analíticos de política
exterior: el caso brasileño”, em RUSSELL, R.(org.): Enfoques teóricos y metodológicos para el estudio de la
política exterior, Buenos Aires, GEL, 1992, pp.53-83
43
DANTAS, San Tiago: Política Externa independente, Civilização brasileira, Rio de Janeiro, 1962, pág.17.

34
capitulo 1
a inserção internacional do Brasil:
eixos e princípios conceituais da política externa brasileira

estilo diplomático representativo de um acervo de credibilidade


que permite a cada Governo acrescentar algo de qualidade na con-
tinuação de uma tradição como é o processo de construção da polí-
tica externa do Brasil.44 Esta relação entre passado e futuro, entre
tradição e renovação na formulação e estilo de execução da políti-
ca externa, com o Itamaraty como protagonista principal da preser-
vação do patrimônio diplomático consolidado pelo país, nos leva à
identificação dos paradigmas dominantes nas relações exteriores
do Brasil e à consideração dos momentos em que se produziram
alterações significativas em seus padrões. Por paradigma diplomá-
tico se entende “as teorias de ação diplomática formadas pelo con-
junto de idéias que constituem a visão da natureza do sistema in-
ternacional por parte dos formuladores de política de cada épo-
ca”.45
Desta perspectiva, os paradigmas existentes desde Rio Bran-
co, considerados sob o ângulo das estratégias e orientações geográ-
ficas prioritárias para a política externa brasileira, podem ser re-
duzidos a dois: o paradigma americanista ou da “aliança especial”
e o paradigma universalista ou globalista. O primeiro concebia os
EUA como o eixo da política externa sob o prisma do aumento dos
recursos de poder e da capacidade negociadora do Brasil. O se-
gundo identificava na diversificação das relações a condição para
o aumento do poder de negociação no mundo, a partir da premissa
da autonomia, do não-alinhamento e do repúdio às opções
excludentes. Se os paradigmas são considerados desde a perspec-
tiva da conexão entre política externa e modelo econômico, se iden-
tificam novamente dois paradigmas: o paradigma nacional-
desenvolvimentista ou de concepção associada do desenvolvimen-
to e o paradigma neoliberal. No primeiro caso, caberia ao Estado a
condução do processo de desenvolvimento e a subordinação da
política externa a este objetivo com o estabelecimento preferencial
de um perfil internacional de “terceira posição” que concedesse à
diplomacia um papel ativo. No segundo, o Estado deveria abster-

44
LAFER, Celso: “Brasil: forjando um novo papel nas relações internacionais”, Debates, Fundação Adenauer,
nº 13, São Paulo, 1997, pp.11-22.
45
PINHEIRO, Letícia: “Traídos pelo desejo: um ensaio sobre a teoria e prática da política externa brasilei-
ra”, Contexto Internacional, Rio de Janeiro, vol.22, nº 2, julho-dezembro, 2000, pp.305-335.

35
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

se de intervir na economia, submeter a estrutura interna da econo-


mia aos padrões internacionais e ao Consenso de Washington e
transformar-se em um Estado normal sintonizado com a única po-
tência mundial, os Estados Unidos. À diplomacia, esvaziada de
competências a favor dos ministérios econômicos, lhe restaria um
papel ornamental.46
Em quais momentos da história da política externa brasileira
se teriam produzido rupturas nítidas de paradigma ou, com mais
exatidão, descontinuidades? Desde o enfoque dos paradigmas como
orientações geográficas prioritárias deve advertir-se a falta de con-
senso. SOARES, por exemplo, identifica três momentos de
descontinuidade clara: o primeiro Governo militar (1964-1967),
com sua aliança incondicional com os EUA, rompendo a linha
universalista; o “pragmatismo responsável” da etapa Geisel (1974-
1979) que retoma a tradição globalista; e o breve período de Collor
(1990-1992), voltando à relação especial com Washington47. FON-
SECA, no entanto, considera que a Política Externa Independente
(1961-1964), fundamentada na universalização das relações exte-
riores, supôs a ruptura mais profunda ao fazer do distanciamento
uma atitude sistemática48, enquanto CERVO e ARAÚJO negam
que houvesse alguma inovação referente à etapa Kubitschek (1956-
1960)56. Em resumo, como pode-se observar, existe um movimento
pendular na política externa brasileira bastante regular, isto é, os-
cilações sistemáticas entre o paradigma americanista da aliança
especial com os EUA e o paradigma globalista.
Desde a perspectiva da relação entre política externa e modelo
econômico as tendências no juízo sobre a inovação ou a continui-
dade são muito mais consensuais, centrando-se o debate eventual-
mente, na determinação do caráter dos Governos de Cardoso e Lula
como rompedores ou continuadores da tradicional linha do modelo

46
A transição paradigmática do modelo desenvolvimentista ao modelo neoliberal na década de noventa é
uma das tendências mais relevantes nos estudos recentes das relações internacionais da América Latina. No
Brasil, o professor Cervo, na Universidade de Brasília, foi seu impulsor. Ver CERVO, Amado: “Sob o signo
neoliberal: as relações internacionais da América Latina”, Revista Brasileira de Política Internacional, Brasília,
vol.43, nº 2, 2000, pp-5-27.
47
SOARES DE LIMA, Maria Regina: “Instituições democráticas e política exterior”, Contexto Internacional,
Rio de Janeiro, vol. 22, nº 2, julho-dezembro, 2000, pp.265-303.
48
FONSECA, G.: A legitimidade e outras questões internacionais, São Paulo, Paz e Terra, 1998, pág.302.

36
capitulo 1
a inserção internacional do Brasil:
eixos e princípios conceituais da política externa brasileira

desenvolvimentista. O consenso se impõe ao identificar no Gover-


no Collor o responsável pela instauração de um novo modelo ou
paradigma neoliberal. Até então as avaliações coincidem em atri-
buir à política externa brasileira uma tendência à manutenção das
orientações básicas do paradigma desenvolvimentista. Não obstante,
como precaução metodológica, convém pensar na possível coexis-
tência de paradigmas conforme a observação de BUZAN. Para ele
os paradigmas não são mutuamente excludentes em sua totalidade,
ainda que seus respectivos núcleos centrais sejam diferentes.49

1.3.- A diplomacia universal do Brasil


Junto aos princípios conceituais que guiaram sua política ex-
terna, existem uma série de estratégias e orientações geográficas
desenvolvidas pela diplomacia brasileira com a dupla finalidade
de criar um ambiente externo favorável ao desenvolvimento nacio-
nal e de garantir a inserção autônoma e independente do país no
sistema internacional. São periódicas no discurso diplomático do
Itamaraty as referências aos conceitos de “universalismo seleti-
vo”, “parcerias estratégicas”, “opção preferencial pelo
bilateralismo” e “estratégias regionalistas”. Estes rótulos sinteti-
zam os movimentos para o exterior – as “órbitas gravitatórias” se-
gundo LESSA – ao redor das quais o país deslocou seu afã por
construir um sistema de relações internacionais funcional aos ob-
jetivos de sua política externa ao serviço do desenvolvimento.
Junto ao pacifismo, juridicismo e realismo, o universalismo
constitui o quarto princípio da moldura conceitual da prática di-
plomática brasileira.50 As dimensões continentais do país fazem
de sua presença universal uma necessidade, enquanto sua própria
formação social caracterizada por uma presença significativa de

49
CERVO, A. (org): O desafio internacional. A política externa brasileira de 1930 à nossos dias, Brasília,
UNB, 1994, pág.39; ARAÚJO, Braz: “A política externa no governo de Jânio Quadros”, em GUILHON, José
Augusto (org): Crescimento, Modernização e política externa. Sessenta anos de polític.a externa brasileira
(1930-1990), vol.1, São Paulo, Cultura editores/NUPRI-USP, 1996, pág.264.
50
O autor utiliza como exemplo que alguns realistas e liberais incluíam a tradição grociana como parte de
seus paradigmas, ver BUZAN, Barry: “The Timeless Wisdom of Realism?”, em SMITH, S; BOOTH, K;
ZALEWSKI, M.(eds.): International Theory: Positivism and Beyond, Cambridge, Cambridge University Press,
1996, pág.56.

37
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

emigrantes, sua composição étnica e cultural e a diversidade de


vínculos externos de todo tipo, representam os fatores explicativos
que reforçam sua vocação universalista. O Brasil se configura, con-
seqüentemente, como um dos poucos países em desenvolvimento
com uma presença global, orgulhando-se de possuir uma política
externa universal e com interesses em todos os quadrantes. Agora
sim: O que representa o “universalismo” na política externa brasi-
leira? A quais motivações responde? Como se torna operativo e
para quais objetivos se dirige? Quais são seus resultados e desdo-
bramentos? Em quais orientações se concretiza?
Existe uma tendência histórica no discurso diplomático brasi-
leiro em recorrer a conceitos e categorias que tornam a explicação
da política externa do Brasil mais acessível. O universalismo é um
deles. A formulação do universalismo na política externa brasilei-
ra começa no período posterior à Segunda Guerra Mundial com a
constatação, primeiro, do excessivo peso dos EUA no padrão das
relações exteriores do país e, posteriormente, da necessidade de
buscar alternativas para a obtenção de recursos para o desenvolvi-
mento frente à progressiva deterioração das relações brasileiro-
estadunidenses. Tratava-se da acentuação de uma tendência laten-
te baixo o manto da aliança especial com Washington e que se con-
cretizou no estabelecimento de relações “multidirigidas” para com-
pensar a perda relativa de peso das relações com os EUA.51 A atu-
ação internacional do Brasil desde 1945 pauta-se, conseqüente-
mente, pela construção paulatina do universalismo em um proces-
so que chega a seu apogeu na segunda metade da década de 70 e
ao término do qual foi constituido um significativo acervo de rela-
ções diversificadas, preferencialmente bilaterais, com os países da
Europa Ocidental, América Latina, África e Oriente Médio52.

51
Sobre o universalismo ver: LESSA, Antônio: “Da apatia recíproca aos entusiasmos de emergencia: as
relações Brasil-Europa ocidental no governo Geisel (1974-79)”, Revista anos 90, Porto Alegre, vol.5, 1996,
pp.89-106; “Os ‘relacionamentos excludentes’ e o universalismo da política exterior do Brasil (de 1967 aos
nossos dias)”, em LUBISCO BRANCATO, Sandra (org): Anais do III Simposio internacional Estados ameri-
canos: relações continentais e intercontinentais – 500 anos de História, Porto Alegre, EDIPUCRS, 2000,
pp.111-122; A parceria bloqueada. As relações entre França e Brasil (1945-2000), Tese de doutorado, Brasília,
Universidade de Brasília, Instituto de Ciências Humanas/Depto. de História, 2000.
52
RICUPERO, Rubens: “O Brasil e o mundo no século XXI”, Revista Brasileira de Política Internacional,
vol.29, nº 115-116, julho-dezembro, 1986, pp.5-20.

38
capitulo 1
a inserção internacional do Brasil:
eixos e princípios conceituais da política externa brasileira

No núcleo central do universalismo encontram-se os desejos


de autonomia e a rejeição aos alinhamentos automáticos. Ao termo
“universalismo” acrescenta-se rapidamente o qualificativo de “se-
letivo”. Na opinião de ALTEMANI, a formulação do universalismo
seletivo surge da desproporção entre a universalidade dos interes-
ses do Brasil e a moderação de seus recursos, fazendo-se urgente
evitar tanto as presunções de desenvolver uma política externa su-
perior aos escassos meios como atitudes paroquiais que afastas-
sem o país da atuação internacional. O universalismo seletivo se
apresenta como um método para definir as regiões, países e assun-
tos de maior prioridade para a política externa brasileira.53 Desta
forma, a seletividade do universalismo lhe proporciona
instrumentalidade e o renova ante as mudanças e dinâmicas do
sistema internacional, facilitando a inserção do Brasil no mundo.
O universalismo seletivo buscava: obter no plano internacional
investimentos, empréstimos, tecnologias e mercados, isto é, os ele-
mentos indispensáveis para a expansão econômica; diversificar as
relações do Brasil e integrar-se na economia internacional; aumen-
tar sua influência nos temas globais e enfrentar sua
vulnerabilidade54.
O universalismo seletivo se configurou em duas vertentes his-
tóricas. Num primeiro momento, entre 1945 e 1990, como uma
válvula de escape, isto é, como mecanismo para escapar das pres-
sões e estreitamentos nas margens de manobra do Brasil, propicia-
dos pela dinâmica do sistema internacional. Nesta etapa se conso-
lida a “opção européia” do universalismo com a constituição de
parcerias estratégicas de caráter reativo como defesa às excessivas
vinculações com os EUA. A parceria com a República Federal da
Alemanha, na década de 70, é o exemplo mais contundente. Num
segundo instante, a partir de 1990, o universalismo seletivo apare-
cerá como novo instrumento para a inserção competitiva do Brasil

53
Sobre as preferências pelo bilateralismo ver: VIEIRA, C.: “Bilateralismo e multilateralismo na política
externa brasileira: diferenças e conexões”, http://www.ilea.ufrgs.br/nerint; LAFER, C.: “Política Exterior
Brasileira: balanço e perspectivas”, Relações Internacionais, nº 4, 1979, pp.52-53
54
ALTEMANI, Henrique: “A política externa brasileira: a ciência e a tecnologia nos esforços da industriali-
zação”, Cadernos de relações internacionais”, UNB, nº 9, outubro 1999, pp.16-17.

39
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

em um mundo no qual se substitui a lógica estritamente ideológica


e militar pela lógica econômica. Neste período se consagra a noção
de parcerias estratégicas depois de um processo de revisão das
relações exteriores do país que leva a privilegiar os contatos sob
uma visão predominantemente econômica. Descartam-se as rela-
ções excludentes e parte-se para a definição dos cinco eixos
prioritários de atuação geográfica: o eixo regional Caracas-Buenos
Aires, com a constituição de uma parceria privilegiada com Argen-
tina;55 o eixo norte-americano centrado em Washington; o eixo eu-
ropeu que incorpora na segunda metade dos anos noventa parceri-
as renovadas com a Espanha e Portugal, deslocando a tradicional
orientação para Alemanha; o eixo do Pacífico, com base em Tókio;
o eixo das potências regionais em torno do quadrilátero Rússia-
China-Índia-África do Sul56.
O universalismo não é, nem mais nem menos, que um princí-
pio transformado em estratégia para proporcionar instrumentalidade
ao sistema de relações bilaterais do Brasil. Sua concretização efe-
tiva se realiza através das parcerias estratégicas, definidas como
“relações políticas e econômicas prioritárias reciprocamente pro-
veitosas construídas a partir de um patrimônio de relações bilate-
rais universalmente configuradas”. Assim, as parcerias poderiam
ser consideradas formas “dinamizadas” de relações bilaterais. Por
outro lado, esta propensão do universalismo pelas parcerias não se
encontra em oposição às tendências regionalistas da política exter-
na brasileira nos anos noventa, pelo contrário, as reafirma porque
é com base naquelas – o melhor exemplo é a parceria com Argen-
tina – que se expressa o universalismo como busca do espaço de
autonomia do Brasil. Definitivamente, o universalismo e sua mani-
festação na constituição de parcerias estratégicas foram plenamente
instrumentais para a promoção do desenvolvimento do país. Neste

55
LESSA, A.: “A estratégia de diversificação de parcerias no contexto do nacional-desenvolvimentismo (1974-
79)”, Revista Brasileira de Política Internacional, Brasília, vol.38, nº1, 1995, pp.24-39.
56
Sobre a parceria Brasil-Argentina: LAFER, C.: “Relações Brasil-Argentina: Alcance e significado de uma
Parceria Estratégica”, Contexto Internacional, Rio, vol.19, nº 2, jul/dez, 1997, pp.249-265; COSTA, Alcides:
“Parcerias estratégicas no contexto da política exterior brasileira: implicações para o Mercosul”, Revista
Brasileira de Política Internacional, ano 42, nº 2, 1999, pp.52-80; JAGUARIBE, H.: “Argentina e Brasil
diante de suas alternativas históricas”, Política Externa, vol.9, nº 3, dez/fev, 2000, pp.25-41.

40
capitulo 1
a inserção internacional do Brasil:
eixos e princípios conceituais da política externa brasileira

sentido, é possível concluir, da mesma forma que SEIXAS, lem-


brando que a busca de parcerias capazes de viabilizar e suprir as
políticas interiores de desenvolvimento é, indiscutivelmente, uma
constante histórica na relação externa do Brasil57.

As relações com os Estados Unidos e Europa


As duas grandes prioridades que existiram para o Brasil em
seu padrão histórico de relações exteriores, dentro do eixo
assimétrico já mencionado, foram os Estados Unidos e os países da
Europa Ocidental, considerados nesta análise desde a perspectiva
de sua integração na Comunidade Econômica Européia (CEE) ao
ser além da dimensão bilateral, país por país, onde se caracterizam
melhor os elementos da assimetria deste eixo.
No que se refere às relações do Brasil com os EUA, o traço
histórico mais significativo é o de sua relevância e assimetria58. O
marco adequado para análise desta questão dever passar pela con-
sideração de um dado estrutural, isto é, a inserção geopolítica e
econômica do Brasil e da América Latina na área de influência dos
EUA e, em conseqüência, a subordinação desta relação aos dois
objetivos constantes perseguidos por Washington em sua política
para o continente: excluir do hemisfério todos os rivais
extracontinentais ou poderes hostis e assegurar o domínio e a pre-
sença política e econômica dos EUA na região. Historicamente, as
relações brasileiro-estadunidenses evolucionam em função de duas
ordens de fatores que as fazem oscilar entre a intensidade e a ex-
pectativa. Segundo SEIXAS, se por um lado as fases de maior apro-
ximação coincidem com períodos onde a rigidez do sistema inter-
nacional conduz o Brasil a uma política de blocos e à subordinação
de suas relações internacionais à confrontação ideológica, (por
exemplo, no começo da Guerra Fria com o “alinhamento automáti-
co” ou, depois da crise dos mísseis, com a “aliança especial” do
primeiro Governo militar), por outro lado, a intensidade da relação

57
LESSA, A.:”A diplomacia universalista do Brasil: a construção do sistema contemporáneo das relações
bilaterais”, Revista Brasileira de Política Internacional, especial 40 anos, 1998, pp.29-41.
58
SEIXAS CORREA, Luiz F.: “As relações internacionais do Brasil em direção ao ano 2000”, em FONSECA,G.
e CARNEIRO,V.(org): Temas de política externa brasileira, Brasilia/São Paulo, IPRI/FUNAG, 1989, pág.251.

41
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

bilateral é variável sempre que existem no Brasil propostas de de-


senvolvimento que suscitam a expectativa de um apoio dos EUA
(por exemplo, em 1958, com a Operação Pan-americana).
Podem-se observar estas relações em três fases diferentes:
Desde a etapa Rio Branco (1902-1912) até a entrada do Brasil na
Segunda Guerra Mundial; As relações Brasil-EUA durante a Guerra
Fria (1947-1989); As relações brasileiro-estadounidenses no pós-
guerra fria (1989-2000). Os antecedentes das relações Brasil-EUA
devem ser buscados no início do século XX, quando o Barão de
Rio Branco realiza a “americanização” da política externa brasi-
leira deslocando o eixo prioritário das relações internacionais do
Brasil, de Londres a Washington. Aqui começa o paradigma
“americanista” cujos elementos foram definidos pelo Barão, per-
durando de forma predominante na política externa do Brasil du-
rante cinco décadas. Rio Branco partiu de uma inteligente análise
diplomática e de uma sagaz visão de futuro sobre as relações inter-
nacionais no mundo, percebendo a emergência no continente ame-
ricano de um novo poder decisivo. Em seu cálculo entrava a inten-
ção de realizar uma tripla jogada diplomática que permitisse dimi-
nuir a influência européia na América Latina, reafirmar a aliança
especial com os EUA e consolidar, com o beneplácito de Washing-
ton, as fronteiras nacionais, especialmente naquelas zonas – como
Acre – onde existiam interesses privados estadunidenses. O obje-
tivo primordial ao que se subordinava toda esta operação diplo-
mática era o aumento da capacidade de negociação do Brasil e,
não menos importante, evitar a ameaça latente da formação de um
bloco hispano-americano liderado pela Argentina. Para evitar este
extremo, Rio Branco contava com o apoio estadunidense e com
uma íntima articulação com o Chile, os dois pilares da estratégia
para a contenção da Argentina59.
59
Para uma análise detalhada das relações Brasil – EUA pode-se consultar: HIRST, Mônica (org): Brasil-
Estados Unidos na transição democrática, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1985; HIRST, M.:”Brasil-Estados
Unidos: de la diferencia al conflicto”, em HIRST, Mônica (comp.): Continuidad y cambio en las relaciones
América Latina – Estados Unidos, Buenos Aires, GEL, 1987, pp. 63-109; TACHINARDI, María H.: “Bra-
sil-EUA, uma relação em busca de novos caminhos”, Política Externa, São Paulo, vol.5, nº 4, vol.6, nº 1,
março-agosto, 1997, pp.17-24; SARDENBERG, Ronaldo M.: “As relações Brasil-Estados Unidos”, Carta
Internacional, São Paulo, NUPRI-USP, nº 68, outubro, 1998, pp.6-10; LEVITSKY, Melvyn: “O novo Brasil:
um parceiro viável para os Estados Unidos”, Parcerias estratégicas, nº 5, setembro, 1998, pp.139-159;
BANDEIRA, Moniz: Brasil – Estados Unidos; a rivalidade emergente (1950-1988), Rio de Janeiro, Civiliza-
ção brasileira, 1990.; do mesmo autor: Relações Brasil – EUA no contexto da globalização II: rivalidade
emergente, São Paulo, SENAC, 1999;

42
capitulo 1
a inserção internacional do Brasil:
eixos e princípios conceituais da política externa brasileira

Os elementos básicos do paradigma americanista de Rio Bran-


co foram três. O primeiro, a “convergência ideológica”, isto é, a
convicção dos dirigentes brasileiros de compartilhar com os norte-
americanos valores, aspirações e percepções sobre os critérios de
legitimidade internacional, por exemplo no apoio ao Corolário
Roosevelt. O segundo, com o ponto de partida no reconhecimento
do diferencial de poder, foi a disposição de tentar colocar o poder
dos EUA a serviço dos objetivos brasileiros ou pelo menos
neutralizá-lo. O terceiro, a prioridade conferida à relação com os
EUA e a inevitável subordinação da América Latina60. Rio Branco
consagrou, definitivamente, uma aliança tácita, a “aliança não es-
crita” com os EUA, ancorada em um vínculo pragmático: o apoio
às posições de Washington no cenário americano em troca da ajuda
estadunidense na realização dos objetivos brasileiros61. Ao contrá-
rio do que se possa pensar, Rio Branco não foi nem “entreguista”
nem “imperialista”. Foi, sim, um homem pragmático e realista, re-
presentante de um paradigma de ação política baseado em um co-
nhecimento profundo da Geografia e da História, que tentou frear
o caráter unilateral da política externa estadunidense baseada na
Doutrina Monroe para reconduzi-la ao âmbito multilateral, medi-
ante o fomento do Pan-americanismo e sua inclusão em um
incipiente Direito Internacional Público americano. Como afirmou
Lincoln GORDON, o Barão enxergava nessa aliança o melhor meio
de promover os interesses do Brasil sem aconselhar porém a ade-
são incondicional à política estadunidense. O Brasil devia estar
com os EUA e não a seu reboque.
Nas décadas seguintes, a política externa brasileira seguiu ori-
entando-se pelos postulados do paradigma americanista62. Apesar
dos devaneios de Getúlio Vargas com a Alemanha nazista, a parti-
cipação do Brasil na Segunda Guerra Mundial – o único país da

60
Rio Branco explorou a rivalidade chileno-argentina em benefício do Brasil. A frase que o atribui – o Brasil
só tem dois amigos no Continente: Estados Unidos no Norte e o Chile no Sul – expressa o caráter estratégico
destos dois países na política externa brasileira do século XIX e parte do século XX.
61
RICUPERO, R.: “O Brasil, a América Latina e os EUA desde 1930: 60 anos de uma relação triangular”,
em GUILHON, José Augusto (org): Crescimento, Modernização e política externa. 60 anos de política externa
brasileira (1930-1990), vol.1, São Paulo, Cultura /NUPRI-USP, 1996, pp.37-60.
62
A obra clássica para o estudo das relações Brasil-EEUU é: BURNS, Bradford: The unwritten alliance: Rio
Branco and Brazilian-American Relations, N.York, Columbia University Press, 1966

43
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

América Latina que enviou tropas a Europa - abriu as portas para


uma nova fase nas relações brasileiro-estadunidenses, ao mesmo
tempo em que plantava a semente dos futuros desentendimentos
bilaterais. O motivo eram as esperanças que o Brasil havia deposi-
tado em que seu alinhamento com Washington, nos anos da guerra,
tivesse como consequência o estabelecimento de relações especi-
ais que derivassem em recursos para colocá-los ao serviço do pro-
jeto de desenvolvimento nacional.
A orientação prioritária dos EUA para o teatro europeu e a su-
bordinação das relações com o Brasil e com América Latina às
dinâmicas da Guerra Fria, produziram uma grande frustração entre
as elites brasileiras à vista de que Washington não dedicaria esfor-
ços ao desenvolvimento latino-americano. Esta percepção ficou mais
patente com o fracasso da Operação Pan-americana do presidente
Kubitschek, que ratificou a convicção brasileira de que os EUA
somente se envolveriam em temas de segurança. Conseqüentemente,
segundo SOUTO, a diferença entre as preocupações básicas das
duas nações continha o germe de um conflito de interesses dificil-
mente superável que, apesar da cordialidade aparente das rela-
ções bilaterais, se manifestou com inusitada freqüência63. A reali-
dade naqueles anos era que, o contexto da Guerra Fria e da exces-
siva dependência brasileira dos EUA (capitais, empresas
multinacionais instaladas no Brasil, dependência tecnológica e
militar, etc.) não deixava margem para outras alternativas. Só a
partir do início dos anos 70, em um contexto internacional de
distensão, os militares brasileiros vão buscar outras possibilidades
através de projetos de corte autonomista – o “pragmatismo respon-
sável” – que implicarão uma redefinição das relações com os EUA
e que por fim inaugurarão, a partir de 1982, uma fase de confron-
tação, concorrência e agravamento das tensões bilaterais ante o
sistemático desprezo da Administração Reagan pelos temas funda-
mentais da política externa brasileira. A complexidade crescente é

63
O período de 1912 até a adesão brasileira ao bloco aliado foi dividido por MOURA em 2 fases: a primeira
até 1930 se caracteriza pela acentuação da americanização e do alinhamento automático; a segunda, pelo
processo pragmático de negociação pendular, entre o alinhamento com Alemanha ou com os EUA. Este
movimento tático foi qualificado pelo autor como “eqüidistância pragmática”. Ver MOURA, G.: Autonomia
na Dependência: a PEB de 1935 a 1942, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1980.

44
capitulo 1
a inserção internacional do Brasil:
eixos e princípios conceituais da política externa brasileira

o rótulo que melhor define esta fase das relações bilaterais. No


último termo, como destaca MOURA, a causa da discrepância en-
tre Brasil e EUA se localizava na tentativa brasileira de exercer um
papel distinto nas relações internacionais do que lhe havia sido
outorgado por Washington que preferia a manutenção dos antigos
padrões64.
O final da Guerra Fria coincide com a chegada ao poder no
Brasil de Collor de Melo. Suas primeiras atuações, em pró de polí-
ticas neoliberais e seu afã em desenvolver uma política externa
“primeiro mundista”, com ênfase nas relações especiais com os
EUA, gerarão em um primeiro momento uma articulação positiva
entre os dois países que, não obstante, mudará aos poucos frente à
linha seguida por Itamar Franco, aprofundando o fosso de
desencontros entre Brasil e EUA, tanto no que se refere à composi-
ção da agenda bilateral quanto na abordagem de temas específi-
cos65. Já no período Cardoso, ocorreu uma reorientação positiva
para os EUA, já que o novo Governo conferiu alta prioridade às
relações com a grande potência hemisférica procurando, no âmbi-
to regional, vinculá-las aos interesses dos vizinhos sul-americanos
e, no âmbito global, acompanhando as posições de Washington nos
grandes temas sem referendar posturas unilaterais. Desde a pers-
pectiva dos EUA, fazia-se preciso assentar sobre bases mais sóli-
das sua hegemonia continental, constituindo neste sentido o proje-
to da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) o principal
desafio das relações com o Brasil. Em resumo, o último terço do
século XX viu crescer a interdependência econômica e tecnológica
entre Washington e Brasília situando, apesar da assimetria carac-
terística das relações bilaterais, o país do Norte no centro das rela-
ções econômicas internacionais do Brasil.66

64
SOUTO MAIOR, Luiz A.: “Brasil-Estados Unidos: desafios de um relacionamento assimétrico”, Revista
Brasileira de Política Internacional, Brasília, nº 44, vol.1, 2001, pp.55-68.
65
MOURA, G. citado por RICUPERO, R.: “O Brasil, a América Latina e os EUA desde 1930: 60 anos de
uma relação triangular”, em GUILHON, José Augusto (org): Crescimento, Modernização e política externa. 60
anos de política externa brasileira (1930-1990), vol.1, São Paulo, Cultura/NUPRI-USP, 1996, pp.37-60.
66
SOARES DE LIMA, Maria R. e HIRST, M.: “O Brasil e os Estados Unidos: dilemas e desafios de uma
relação complexa”, em FONSECA Jr., G. e CASTRO, Sérgio H. (orgs.): Temas de política externa brasileira II,
vol.2, 2ª edição, São Paulo/Brasília, Paz e Terra/FUNAG-IPRI, 1994, pp.43-64.

45
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

O segundo elemento do eixeixoo assimétrico: as relações com a


Europa
O segundo elemento do eixo assimétrico da política externa do
Brasil está constituído historicamente pelas relações com a Euro-
pa Ocidental e mais específicamente com a CEE, por representar
as relações com o bloco a assimetria que as caracteriza67. Não é
gratuito que alguns autores brasileiros tenham utilizado a catego-
ria de “eixo do conflito”, para qualificar as relações de Brasil com
o projeto europeu de integração já que explica as sérias limitações
exibidas por relações que, se no âmbito político apresentam cará-
ter cooperativo e positivo, no âmbito comercial, expõem contradi-
ções ameaçadoras para a política externa brasileira. Antes do Bra-
sil e a CEE estabelecer relações formais, existia uma grande tradi-
ção nos contatos brasileiros com países europeus. O grande volu-
me de emigrantes italianos, portugueses ou espanhóis, a influência
cultural francesa, os investimentos e os contatos comerciais com a
Inglaterra ou os vínculos com a Alemanha são alguns exemplos da
presença européia no Brasil. A “opção européia” representava uma
alternativa à dependência de Washington, constituindo uma cons-
tante na história da política externa do Brasil de modo que, sempre
que se desejava escapar da força centrípeta exercida pelos EUA, a
diplomacia brasileira dirigia sua vista à Europa.
Quando em 1957 foi assinado o Tratado de Roma, e iniciou-se
o Mercado Comum Europeu (MCE), puderam tornar-se evidentes
no Brasil todo tipo de reações sintetizáveis em dois grandes gru-
pos: as daqueles que viram na criação do MCE uma grande amea-
ça para o Brasil e para América Latina e as daqueles outros que,
tentando seguir o ideal integracionista europeu, impulsionaram ini-
ciativas semelhantes – mutatis mutandi – como forma de alcançar
a inserção da região na economia internacional. A diplomacia bra-
sileira teve desde as origens da CEE uma grande preocupação re-
ferente ao que se percebia como a fortaleza européia68. O Brasil

67
ALMEIDA, P.R. e BARBOSA, R. (org.): As relações Brasil-Estados Unidos: assimetria e interdependência,
São Paulo, Saraiva, 2003.
68
Se utiliza neste capítulo o termo Comunidade Econômica Européia (CEE) nas relações até 1992, data em
que a raíz do Tratado da União Européia empregará a denominação União Européia.

46
capitulo 1
a inserção internacional do Brasil:
eixos e princípios conceituais da política externa brasileira

não reconheceu imediatamente o Tratado de Roma, alegando a exis-


tência de uma possível incompatibilidade entre suas disposições e
as contidas no artigo XXIV do Acordo Geral sobre Tarifas e Comér-
cio (GATT). A posterior criação da Política Agrícola Comum (PAC)
em 1962 e sua repercussão nas exportações brasileiras vão confi-
gurar umas relações iniciais marcadas por uma acentuada dimen-
são problemática e uma agenda de caráter eminentemente negati-
vo. Mas os problemas não acabavam aqui. Desde a perspectiva bra-
sileira, junto da incompatibilidade do Tratado de Roma com o GATT
e à implementação da PAC, existia um motivo de maior preocupa-
ção: o caráter preferencial que se outorgava às relações com os
países de Ultramar, os futuros países da África, Caribe e Pacífico
(ACP). As preferências comerciais outorgadas aos países ACP afe-
tariam às exportações de cacau, açúcar e café do Brasil, por citar
só alguns produtos. O Brasil considerou inaceitáveis os efeitos do
tratamento preferencial concedido aos ACP e o Itamaraty se mobi-
lizou para denunciar nos foros internacionais um modelo de
integração que não estava baseado em um conceito altruísta e po-
sitivo, mas em uma proposta egoísta e negativa. Apesar deste co-
meço problemático, o Brasil exibiu vontade de diálogo ao solicitar
formalmente, em 1958, a constituição de um mecanismo perma-
nente de consulta e ao ser o primeiro país latino-americano a esta-
belecer relações diplomáticas com a Comissão da CEE, no dia 24
de maio de 1960. A inicial postura de oposição ao MCE foi poste-
riormente tingida de pragmatismo ao enfrentar-se a diplomacia bra-
sileira com o fato consumado de sua implementação.69
Na década de setenta e até meados da década de oitenta, as
relações entre o Brasil e a CEE vão continuar sem mudanças signi-
ficativas, sem menosprezar uma gradual intensificação concretiza-
da na negociação de um acordo comercial de primeira geração70
em 1973. Os poucos resultados deste acordo levaram à negociação
de um novo acordo de segunda geração, caracterizado pela supera-

69
Ver BUENO, Clodoaldo: “A Diplomacia brasileira e a formação do Mercado Comum Europeu”, Revista
Brasileira de Política Internacional, Brasília, ano 36, n° 2, 1993, pp. 93-100.
70
Para uma exposição das relações entre o Brasil e a CEE ver CAVALCANTI, Geraldo: “O Brasil e a CEE: 30
anos de relações”, em GUILHON, J. A. (org): Sessenta anos de política externa brasileira (1930-1990)
Diplomacia para o desenvolvimento, São Paulo, Cultura /NUPRI-USP, 1996, pp.169-199

47
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

ção dos contidos comerciais e incorporando elementos políticos e


cooperativos71. No entanto, produziu-se um paradoxo. O Brasil foi
excluído das políticas de cooperação ao desenvolvimento da CEE
em um primeiro momento, pois, segundo os critérios estabeleci-
dos, os europeus não consideravam o Brasil como país em vias de
desenvolvimento. Na verdade, por trás do argumento europeu se
escondia o temor de que o Brasil utilizasse as ajudas comunitárias
para aplicá-las a subvenções a suas exportações. Não obstante, o
acordo não satisfez as aspirações do Brasil pois, mesmo que
incluisse um número significativo de campos de cooperação, des-
cuidava da eliminação das barreiras que, na prática, encontravam
os produtos brasileiros para sua entrada no mercado comunitário.
Estas limitações foram criando, certa decepção no Itamaraty e uma
percepção que foi se difundindo entre segmentos políticos, acadê-
micos e empresariais do Brasil de que a CEE seria, por muito tem-
po, uma fortaleza impenetrável. O bloco europeu, segundo esta vi-
são, apresentaría um discurso ambíguo pregando, por um lado, o
livre comércio no âmbito multilateral nos setores que lhe eram pro-
pícios e resistindo, por outro, a uma liberalização em setores qua-
lificados de “sensíveis”, como o agrícola.
A partir de 1986, a redemocratização no Brasil, a entrada da
Espanha e Portugal e as novas orientações na política desenvolvi-
da pela CEE para América Latina serão fatores de decisiva impor-
tância na consolidação das relações Brasil-CEE. Produz-se nesses
anos um notável aumento do diálogo político a mercê do sucesso
da iniciativa do Grupo do Rio e do tímido início de processos de
integração no marco sub-regional. Duas questões foram prioritárias
na agenda brasileira em Bruxelas no começo dos anos noventa: o
tema habitual do acesso a mercados e o reconhecimento internaci-
onal do MERCOSUL. O surgimento do MERCOSUL e o Acordo
Marco de Cooperação entre a CEE e o Brasil, de 1992, inauguram
uma nova etapa nestas relações que se verá completada com as
propostas para negociar um Acordo Marco inter-regional de Coo-
peração (AMIC) culminadas com sua assinatura em 1995. As mo-

71
ARENAL, C: “Los acuerdos de cooperación entre la UE y América Latina (1971-1997): evolución, balan-
ce y perspectivas”, Revista Española de Desarrollo y Cooperación, nº 1, outono, 1997, pp.115-116

48
capitulo 1
a inserção internacional do Brasil:
eixos e princípios conceituais da política externa brasileira

tivações dos europeus para negociar um acordo de cooperação amplo


com o MERCOSUL incluíam evitar a repetição do ocorrido com a
entrada em vigor do Tratado de Livre Comércio da América do Norte
(NAFTA) e seus impactos negativos no campo político e nos efei-
tos de desvio comercial. Neste sentido, desde instâncias acadêmi-
cas brasileiras, se manteve a hipótese de que o processo de inten-
sificação das relações entre a UE e o MERCOSUL avança em fun-
ção dos resultados e das expectativas que se geram nas negocia-
ções comerciais impulsionadas pelos Estados Unidos para a cria-
ção da ALCA. A partir da assinatura do AMIC pode se detectar
uma intensificação das relações não só entre blocos ou no âmbito
bilateral país por país, mas também entre o Brasil e a UE.72 Desde
a perspectiva oficial brasileira, a integração européia desempenha
um papel central na sua política externa e na sua política econômi-
ca ao ser a UE o primeiro sócio comercial do Brasil e o principal
investidor no país e no MERCOSUL. Estas relações se contem-
plam desde Brasília com a expectativa esperançosa de uma associ-
ação estratégica que supere a assimetria e os conflitos comerciais
que limitaram quarenta anos de contatos e interações. O modelo
de integração da UE é um desafio para o MERCOSUL e para o
Brasil. Não como uma tentativa de transplante automático do mo-
delo europeu mas como uma referência positiva para não cometer
erros.
O aprofundamento das relações UE-MERCOSUL constitui uma
oportunidade para intensificar a relação bilateral Brasil-UE em
um momento em que os interesses mútuos, não só no nível gover-
namental mas entre as sociedades civis, estão mais consolidados
que nunca e se perfilam como estrategicamente decisivos para ga-
rantir o desenvolvimento econômico brasileiro. Pode-se falar de
uma estranha combinação de expectativa e frustração ao tentar
extrair conclusões sobre estas relações. Se por um lado o Brasil vê
na UE um ator internacional que pode equilibrar suas relações ex-
ternas para evitar uma excessiva dependência dos Estados Unidos,
por outro sente certa frustração ao constatar que, ao mesmo tempo
em que a Europa consolida profundas transformações institucionais

72
Acordo Marco de Cooperação entre a CEE e o Brasil, 18 de setembro de 1980.

49
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

redesenhando a dinâmica das relações internacionais, a UE não se


revela efetivamente como o sócio privilegiado que o Brasil espera.
Quase cinqüenta anos depois do começo das relações oficiais entre
o Brasil e a CEE as circunstâncias mudaram. Alguns dos limites
que ofereciam estas relações se modificaram. O Brasil é uma com-
plexa economia industrial que fortaleceu sua base agrícola. As pos-
sibilidades aumentaram na medida em que os países membros da
UE se comprometeram com os processos de reforma econômica e
privatização que o Brasil vem implementando nos últimos anos e
na medida em que a diplomacia brasileira luta por equilibrar sua
agenda internacional, alegando sempre a existência de uma opção
européia.
Existe um interesse estratégico do Brasil em manter o
paralelismo nas negociações comerciais na ALCA e com a UE, ra-
zão pela qual não se deseja a vinculação exclusiva a um bloco co-
mercial como se afirma desde o Itamaraty:

“O sucesso das negociações entre o MERCOSUL e a UE constitui


para o Brasil objetivo da maior relevância estratégica. Diante da
perspectiva de aceleração das negociações para a criação da ALCA, o
Brasil deseja manter o padrão de equilíbrio de nossa inserção na
economia internacional. Trata-se de assegurar que as negociações no
marco hemisférico não impliquem na diminuição de nossos fortes e
tradicionais vínculos com a Europa. Dessa forma, é desejável a
coincidência de um saudável paralelismo entre ambos processos
negociadores”.73

Desta forma, o país mantém seu padrão histórico de equilíbrio


relativo, o que contribui à preservação da autonomia de sua políti-
ca externa e à garantia de uma ampla margem de manobra nas
negociações econômicas internacionais.

73
Uma visão completa do Acordo Marco de 1995 e da perspectiva brasileira em AYLLON, Bruno: “Perspec-
tivas de una asociación interregional UE-MERCOSUR, una visión desde Brasil”, Revista Electrónica de
Estudios Internacionales, n° 2, 2001, http://www.reei.org.

50
capitulo 1
a inserção internacional do Brasil:
eixos e princípios conceituais da política externa brasileira

1.4.- O regionalismo na política eexterna


xterna brasileira: a
integração
Na década de noventa ganha força no discurso diplomático bra-
sileiro a idéia de que a integração – e o MERCOSUL como seu
melhor expoente – é o projeto mais importante da política externa
do Brasil. A evolução positiva do MERCOSUL como elemento cen-
tral do quadro político de cooperação entre os países do Cone Sul,
o aumento dos fluxos de comércio intra-regionais e a atração de
investimentos estrangeiros, sua funcionalidade para a promoção
do desenvolvimento dos países membros e, no plano mundial, seu
papel como plataforma para a inserção internacional autônoma da
sub-região são as credenciais que para o Itamaraty justificavam
sua consideração como uma das mais bem sucedidas iniciativas
diplomáticas na história da América do Sul.74 No entanto, nas três
décadas anteriores, a política externa brasileira não tinha conside-
rado a integração regional como uma de suas prioridades mais re-
levantes. Cabe perguntar-se pelas razões que explicam esta guina-
da “integracionista” desde a perspectiva dos fatores que influem
nesta inflexão da política externa do país, em gestação desde a
segunda metade da década dos 80 e, principalmente, pelo signifi-
cado que adquire a nova estratégia brasileira no conjunto dos obje-
tivos permanentes perseguidos pela sua diplomacia.
O estudo da evolução da posição brasileira em matéria de
integração regional deve partir da prioridade outorgada, até a me-
tade da década de cinqüenta, às relações multilaterais com os pa-
íses latino-americanos no quadro mais geral das relações especi-
ais com os Estados Unidos e do Pan-americanismo como mecanis-
mo organizador das relações regionais. Nesta época as relações
regionais se encontravam mediadas pelo conflito Leste/Oeste, dentro
das dinâmicas próprias da Guerra Fria. A colocação do pensamen-
to cepalino nos anos cinqüenta - com sua ênfase na criação de
mercados regionais como mecanismo de ampliação do tamanho dos
mercados internos e como parte dos projetos para o desenvolvi-

74
Prólogo do embaixador Marcelo Jardim ao livro de KINOSHITA, Fernando; AYLLÓN, Bruno; HENKES,
Silviana: Guía de fuentes bibliográficas y de recursos para la investigación en Internet de las relaciones entre el
MERCOSUR y la Unión Europea, Rio de Janeiro, Papel Virtual, 2001.

51
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

mento dos países latino-americanos, a partir da estratégia de in-


dustrialização por substituição de importações – vai inspirar o
surgimento em 1960 da Associação Latino-americana de Livre
Comércio (ALALC). Previamente, o presidente Kubitschek, tinha
tentado com pouco sucesso, a implementação de sua Operação Pan-
americana (OPA), uma iniciativa multilateral dirigida à captação
de recursos provenientes dos EUA para o desenvolvimento latino-
americano.
O Brasil aderiu com pouco entusiasmo à ALALC, entre outras
razões porque a Política Externa Independente iniciada em 1961
imprimia uma orientação universalista aos contatos internacionais
do país que perdurou até o golpe de Estado de 1964. Por sua vez, o
primeiro governo militar (1964-1967) qualificou a opção
integracionista como uma iniciativa “utópica” e mesmo mantendo
o país como parte integrante da ALALC, a reorientação da política
externa para Washington acarretou uma visão da integração sob o
prisma da Organização os Estados Americanos (OEA) e da Aliança
para o Progresso. Até a primeira metade dos anos oitenta não hou-
ve grandes modificações neste panorama. O apoio brasileiro aos
processos de integração durante os restantes governos militares foi
morno, sem articulação e carregado de cautelas baseadas em argu-
mentos como o caráter estritamente mercantilista de ALALC em
uma região onde o comércio era escasso. Ainda deve mencionarse
a ênfase brasileira, naqueles anos, no processo de industrialização
nacional, razão que levava a protelar o modelo de desenvolvimento
integracionista toda vez que não apresentava funcionalidade para
os interesses domésticos.75
Na década de oitenta germinarão percepções diferentes sobre
a integração, em função de fatores de ordem interna e das velo-
zes transformações no sistema internacional. No âmbito domés-
tico, o retorno de governos civis e democráticos favorecerá a
aproximação brasileiro -argentina, núcleo central do
MERCOSUL e matriz da integração regional sul-americana. A

75
SEIXAS CORRÊA, L.F.: “La visión estratégica brasileña del proceso de integración”, em CAMPBELL,
Jorge (ed.): Mercosur: entre la realidad y la utopía, Buenos Aires, CEI/Nuevohacer, 1999.

52
capitulo 1
a inserção internacional do Brasil:
eixos e princípios conceituais da política externa brasileira

integração será considerada um elemento fortalecedor da de-


mocracia e um fator dissipador das desconfianças e disputas
hegemônicas características da história das relações internaci-
onais no Cone Sul.
Surge também a idéia de mudança na tradicional atitude
brasileira no concernente a sua relação com os vizinhos, de uma
postura de independência absoluta – a síndrome do “habitante
solitário da planície” segundo BARBOSA -, para outra de acei-
tação de uma relativa interdependência regional. Neste senti-
do, a opção pelo MERCOSUL representava uma mudança
paradigmática nos fundamentos conceituais das relações inter-
nacionais do Brasil76. No âmbito externo, se estava gestando
um reordenamento da economia internacional e uma tendência
mundial para o regionalismo, conseqüência e reação ao mesmo
tempo ao galopante processo de globalização. Este processo afe-
tou também às concepções da integração na América Latina das
que o MERCOSUL representava uma nova geração de processo
integrador cujo fundamento não era já o modelo
desenvolvimentista de ALALC e sim o modelo de “regionalis-
mo aberto” ·.
Desde a perspectiva brasileira, o novo modelo de integração
se apresentava como complementar do também novo projeto de
desenvolvimento econômico, de inspiração neoliberal, que Collor
tentou implementar no começo dos anos noventa e que sintonizava
com as orientações econômicas de seu colega Menem na Argen-
tina. Neste enfoque o MERCOSUL era o mecanismo capaz de
impulsionar as transformações em marcha nas economias do-
mésticas, o fator legitimador que obrigaria os países em moder-
nização a sua adaptação aos novos ventos da globalização, a
liberalizar suas economias, a abrir unilateralmente seus mer-
cados, a privatizar e transformar suas estruturas produtivas. Por
outro lado, o sucesso do MERCOSUL abriria a porta de acesso

76
Para o estudo da perspectiva brasileira sobre a integração latino-americana entre 1960 e 1990: CERVO,
A.: “Multilateralismo e Integración: evolución del pensamiento diplomático brasileño”, Ciclos, ano VIII, nº
14-15, 1998, pp.205-226; GOMES, M.: “O Brasil frente aos processos de integração regional nos anos 90”,
em LUBISCO, S. (org): Anais do III Simposio internacional Estados americanos: relações continentais e inter-
continentais – 500 anos de História, P.Alegre, EDIPUCRS, 2000, pp.343-352.

53
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

aos mercados externos e serviria como pólo de atração dos in-


vestimentos estrangeiros. Definitivamente, o MERCOSUL re-
presentaria a convergência entre as estratégias de integração e
as reformas econômicas de cunho liberal a serem
implementadas.
Desde a perspectiva específica da política externa do Bra-
sil, o MERCOSUL também seria um instrumento prioritário para
a ação internacional do país. Este aspecto é fundamental e não
pode separar-se do panorama que a diplomacia brasileira ob-
servava ao longe, isto é, da ameaça crescente que se intuía po-
diam representar os projetos de integração hemisférica propos-
tos pelos EUA a partir da Iniciativa para as Américas. Como
sustenta GOMES, em termos políticos o MERCOSUL foi con-
cebido pelo Brasil como um elemento de reforço da capacidade
de negociação que permitiria ao país reforçar seu papel no con-
texto latino-americano, consolidar sua posição negociadora com
terceiros Estados e proporcionar-lhe maior peso na areia inter-
nacional. Portanto o MERCOSUL seria plenamente funcional
ao objetivo brasileiro de construir sua legitimidade internacio-
nal favorecendo a projeção externa dos países membros e a do
Brasil. No âmbito político latino-americano, o MERCOSUL pro-
porcionaria à diplomacia brasileira uma melhor localização no
espaço regional, mais estabilidade e a substituição das dispu-
tas hegemônicas com a Argentina por uma nova dinâmica de
cooperação e interdependência regional. No âmbito comercial,
o MERCOSUL abriria o caminho para a formação de uma Área
de Livre Comércio da América do Sul (ALCSA) a partir da soma
dos esforços integradores do Cone Sul e os países andinos como
plataforma negociadora, com posições comuns e fortalecidas,
desde as que enfrentar os projetos hegemônicos dos EUA atra-
vés da ALCA.
Definitivamente, os objetivos explícitos do MERCOSUL fo-
ram definidos como um compromisso amplo de cooperação po-
lítica e como instrumento para a abertura das economias, inter-
na e externamente. Entre os objetivos implícitos, a Argentina
pretendia acumular recursos de credibilidade para uma futura
integração na economia dos Estados Unidos, via acordos

54
capitulo 1
a inserção internacional do Brasil:
eixos e princípios conceituais da política externa brasileira

NAFTA+1, enquanto o Brasil perseguia proteger sua economia


contra um aumento indesejado da interdependência com a eco-
nomia norte-americana evitando ao mesmo tempo seu isolamento
na região no caso de prosperar a integração de seus vizinhos
com os Estados Unidos77.
Na etapa Cardoso, o MERCOSUL foi caracterizado no dis-
curso diplomático como o destino do Brasil - um mecanismo
que empregava a regionalização como o instrumento mais
adequado para tratar com a dinâmica da globalização78 - en-
quanto a ALCA e a integração hemisférica se apresentavam como
mera opção, como algo que convinha adiar o máximo possível
até que se garantissem as condições de simetria negociadora
desejáveis, o acesso ao mercado norte-americano e a sobrevi-
vência dos esquemas de integração sub -regionais 79 .
Concomitantemente, se tomaram especiais cuidados desde o
Itamaraty para que a integração não representasse uma divisão
ou cessão de soberania a favor das instituições de caráter
supranacional. Como afirma GOMES, em termos institucionais, o
MERCOSUL respondeu integramente às preocupações da diplo-
macia brasileira no que se refere a manutenção da soberania80. As
alegações por escrito contra a “supranacionalização” do

77
BARBOSA, Rubens: “A integração regional e o Mercosul”, Política Externa, São Paulo, vol.1, nº 2, setem-
bro, 1992, pp.132-137.
78
GUILHON, J.A.: “A integração regional e a agenda multilateral pós- Seattle”, Papers, São Paulo, NUPRI-
USP, 16 de junho de 2000, http://www.usp.br/relint
79
Sobre o Mercosul no contexto das prioridades da política exterior brasileira: GUILHON, José A.: “Mercosul:
integração regional pós-guerra fria”, Política Externa, São Paulo, vol.1, nº 2, setembro, 1992, pp.112-121;
BRESSER, Luis C. e THORSTENSEN, Vera: “Do Mercosul a integração americana”, Política Externa, São
Paulo, vol.1, nº 3, dezembro, 1992, pp.122-143; BERNAL MEZA, Raúl: “Os dez anos de Mercosul e a crise
argentina: a necessidade de revisar o modelo de integração”, Política Externa, São Paulo, vol.10, nº 4, mar/
abr/mai/, 2002, pp.7-46; CAMPOS, Flávia: “Política externa brasileira e os blocos internacionais”, São
Paulo em perspectiva, vol.16, nº 1, 2002, pp.37-43; GIAMBIAGI, F. e MARKWALD, R.: “A estratégia de
inserção do Brasil na economia mundial: Mercosul ou “Lonely Runner”?”, Revista Brasileira de Comércio
Exterior, Rio de Janeiro, Funcex, nº 71, 2002, pp.14-31.
79
Sobre a integração hemisférica e a política externa do Brasil: GUILHON, J.A.: “As relações Brasil-EUA e
a integração continental”, Política Externa, São Paulo, vol.5, nº 1, junho, 1996, pp.3-19; GUILHON, J.A.(org.):
Relações Internacionais e sua construção jurídica: aspectos históricos, jurídicos e sociais da ALCA, vol.1, São
Paulo, FTD, 1998; ALTEMANI DE OLIVEIRA, Henrique (org.): Relações Internacionais e sua construção
jurídica: a ALCA e os blocos internacionais,, vol.2, São Paulo, FTD, 1998; ONUKI, J.(org.): Relações Interna-
cionais e sua construção jurídica: a ALCA e os intereses nacionais, vol. 3, São Paulo, FTD, 1998.
80
GOMES, Miriam: “El Mercosur como una prioridad de la política exterior brasileña”, América Latina Hoy,
nº 14, outubro, 1996, pág.58.

55
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

MERCOSUL encontravam eco também entre destacados especia-


listas brasileiros de relações internacionais que argumentavam que
a necessidade de instituições supranacionais partia de uma apre-
ciação equivocada baseada em comparações descontextualizadas
entre a UE e o MERCOSUL. Segundo esta perspectiva, os países
latino-americanos e os do MERCOSUL em particular, possuíam
uma cultura política com fortes raízes presidencialistas e as insti-
tuições supranacionais eram alheias a suas tradições constitucio-
nais. Além disso, um passo neste sentido seria percebido como
uma renúncia de soberania que os Estados grandes não permitiri-
am, sem ser compreendido pelas opiniões públicas. O Brasil pre-
feria, em conseqüência, manter uma estrutura intergovernamental
que não comprometesse sua autonomia e capacidade para falar com
voz própria no mundo, buscando no MERCOSUL apenas um am-
plificador, um efeito multiplicador de sua atuação internacional.
Em conclusão, a estratégia regionalista da política externa brasi-
leira, principalmente nos anos noventa, foi concebida como uma
tentativa de criação de um novo modelo de inserção internacional
através de uma ferramenta chamada MERCOSUL, com o qual en-
frentar as ameaças de uma “anexação” – segundo o discurso mais
radical – ou uma “integração assimétrica” – em uma linguagem
mais moderada – com a economia dos Estados Unidos. O Brasil
procurou a manutenção de sua autonomia com a adoção de uma
estratégia de integração sub-regional que fosse funcional a seus
interesses e lhe gerasse dividendos políticos no cenário internaci-
onal. Em outras palavras, MERCOSUL foi um instrumento de
realpolitik para a política externa brasileira.

56
capítulo 2
A política externa brasileira de Goulart a Lula (1961 – 2005)

Capítulo 2
A política eexterna
xterna brasileira de Goulart a Lula
(1961 – 2005)

2.1.- A política eexterna


xterna brasileira de Goulart a
Figueiredo (1961 – 1984)
Neste capítulo se apresentam as principais orientações, li-
nhas de ação e metas da política externa do Brasil nos últimos
quarenta anos. Pretende-se oferecer os elementos de análise
que permitam uma adequada contextualização das relações
hispano-brasileiras. Na medida em que o Brasil e a Espanha
intensificam suas relações, a consideração da evolução da polí-
tica externa brasileira se faz necessária como instrumento para
uma melhor compreensão das dinâmicas de cooperação desen-
volvidas entre os dois países.
Pode-se estabelecer alguns períodos na política externa bra-
sileira a partir de 1961. Esta data representa, efetivamente,
um divisor de águas como momento chave de uma das contadas
rupturas na predominante linha de continuidade existente. É
nesse momento, no Governo de Quadros/Goulart, bruscamente
interrompido pelo golpe militar de 1964, que se formula a Polí-
tica Externa Independente (PEI) cujo fundamento foi a
universalização das relações internacionais do Brasil. A PEI
foi concebida como instrumento para evitar o influxo hegemônico
dos Estados Unidos e como meta final para alcançar a autono-
mia no sistema internacional. As noções de “autonomia pela
distância”, “independência na atuação internacional”,
“desvinculação das dinâmicas da Guerra Fria”, “emancipação”,
“desarmamento, desenvolvimento e descolonização” estavam na
matriz teórica que oferecia sustento a esta formulação de polí-
tica externa através da qual os novos governantes brasileiros
pretendiam a ampliação do leque de suas opções exteriores, a
intensificação das relações Sul-Sul, a revalorização da dimen-
são latino-americana do país e, em resumo, a superação dos
constrangimentos que produzia a presença hegemônica da

57
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

grande potência norte-americana no âmbito regional 1. Se-


gundo ALTEMANI, a PEI teria como objetivo reorientar a polí-
tica externa brasileira, deslocando-a do eixo de Washington para
um modelo de inserção mais internacional. Se bem, seu campo
natural de atuação seria o regional, se assentou a percepção segun-
do a qual a presença hegemônica dos EUA impunha limites que só
poderiam ser superados com a “universalização” da política exter-
na entendida como “a multiplicação de contatos internacionais e a
diminuição das possibilidades de pressão hegemônica”. Ao procu-
rar afastar-se da dependência norte-americana, a PEI buscava ser
um instrumento da política nacional de desenvolvimento, graças à
ampliação de parcerias com países desenvolvidos ou em vias de
sê-lo. Desta forma, a PEI introduziria os dois principais temas da
política externa brasileira: a universalização e a autonomia2.
A “Revolução” de 1964 suporá um retrocesso ao alinhamento
automático com os EUA que tinha caracterizado a política externa
brasileira na fase posterior à segunda Guerra Mundial, no Governo
do general Dutra (1946-1951). Para RICUPERO, a etapa do Go-
verno do general Castelo Branco (1964-1967) representou a “se-
gunda vida” do velho paradigma do Barão de Rio Branco ao res-
suscitar a “aliança especial” com os EUA, em sua vertente ideoló-
gica e pragmática3. Neste triênio se reintroduzirão no discurso di-
plomata brasileiro termos como “fronteiras ideológicas”, “ameaça
comunista”, “segurança nacional” e se substituirá a “independên-
cia” referente à potência do Norte pela “interdependência” que, a
seguir, deveria reger esta relação. No entanto, a partir de 1967, se
produzirá uma reorientação gradual da política externa do regime

1
As referências fundamentais para aprofundar no significado da PEI (1961-1964) são: DANTAS, San Tiago:
Política Externa Independente, Rio, Civilização brasileira, 1962; FONSECA Jr., G.: Mundos diversos, argu-
mentos afins: Notas sobre aspectos doutrinarios da PEI e do pragmatismo responsável, Brasilia, s/ed, s/data,
mimeografado; QUADROS, Jânio: “Brazil´s New Foreign Policy”, Foreign Affairs, vol. XL, nº 1, october,
1961, pp.19-27; PINTO, Alvaro: Política Externa Independente, Rio, Civilização brasileira, 1965; ALVA-
RES, Vera C.: “Reflexões sobre o surgimento da PEI na gestão de Jânio Quadros”, Brasília, Cadernos IPRI,
nº 2, 1989, pp.79-87; CRUZ, José H.: “Aspectos da evolução da diplomacia brasileira no período da PEI
(1961-1964)”, Brasília, Cadernos do IPRI, nº 2, 1989, pp.65-78; VIZENTINI, P.: O Nacionalismo e a
Política Externa Independente (1951-1964), Rio, Vozes, 1995;
2
ALTEMANI, H.: Política Exterior Brasileña, Integração Regional, São Paulo, NUPRI-USP, 2000-2001.
3
RICUPERO, Rubens: “O Brasil, a América Latina e os EUA desde 1930: 60 anos de uma relação triangu-
lar”, en GUILHON ALBUQUERQUE, J.A (org.): Crescimento, modernização e política externa, 60 anos de
política externa brasileira, vol.1, São Paulo, Cultura/USP, 1996, pp.47-48

58
capítulo 2
A política externa brasileira de Goulart a Lula (1961 – 2005)

militar cuja redefinição explícita será uma realidade, a partir de


1974, com a formulação do “pragmatismo responsável”.4 Foi nos
anos 70, o momento do “milagre econômico” brasileiro, quando se
forja o conceito de “Brasil potência” que coloca a política interna-
cional do país a serviço do objetivo primordial da neutralização de
todos os fatores exteriores que pudessem contribuir à limitação do
“Poder Nacional”. Foi exatamente no processo de industrialização
e nas altas taxas de crescimento – a economia do Brasil cresceu
entre 1968 e 1973 a uma meia de 11% ao ano - onde se encontram
os elementos explicativos do aumento do poder brasileiro.
Não obstante, a vulnerabilidade do modelo econômico e suas
limitações já eram patentes quando o general Geisel (1974-79)
chega ao poder. O alto nível de endividamento externo e o choque
do petróleo, matéria-prima impulsora do processo de industriali-
zação brasileiro, assim como a estrutura diversificada da produção
do país obrigarão à uma reinterpretação do modelo de inserção
internacional que, além disso, deveria adaptar-se rapidamente para
encontrar seu espaço em um sistema internacional dinâmico e em
mutação. Surge assim com Geisel, um novo paradigma conceitual
de política externa, o “pragmatismo responsável e ecumênico”, uma
reinterpretação da realidade internacional cujas conseqüências
serão a sistematização e articulação dos diversos componentes da
política externa brasileira na configuração de uma nova estratégia
de inserção internacional do país5. Se denominou “pragmatismo
responsável” devido ao destaque da idéia de uma política externa
sem compromissos com princípios ideológicos que estabelecessem
limites “aos interesses nacionais”. Ao termo “pragmatismo res-
ponsável” foi adicionado o adjetivo “ecumênico” porque se perse-

4
É impossível refletir a multiplicidade de aspectos e os matizes que este processo contém. A professora
Maria Regina Soares é quem melhor aborda esta questão. Ver nesta autora “Ejes analíticos y conflicto de
paradigmas en la política exterior brasileña”, América Latina internacional, FLACSO-Argentina, vol.1, nº 2,
otono-inverno, 1994, pp.27-46; “Enfoques analíticos de política exterior: el caso brasileño” em RUSSELL,
Roberto (ed.): Enfoques teóricos y metodológicos para el estudio de la política exterior, Buenos Aires, GEL,
1992, pp.53-83; Também MARTINS, Carlos E.: “A evolução da política externa brasileira na década 64/74”,
Estudos Cebrap, nº 12, 1975, pp.53-97; Com caráter geral, o pensamento dos militares brasileiros na políti-
ca externa em VARGAS, E.: “O pensamento dos militares em política internacional (1961-1989)”, Revista
Brasileira de Política Internacional, vol.40, nº 1, 1997, pp.18-40.
5
CAMPOS, Flávia de: Regionalismo e inserção internacional: continuidade e transformação da Política Ex-
terna Brasileira nos anos 90, São Paulo, FFLCH-USP, Depto. de Ciência Política, 2000, pág.40.

59
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

guia a implementação de uma política externa universal, que não


discriminasse nenhuma opção para a ampliação das relações in-
ternacionais do país. Alguns autores defenderam que o
“pragmatismo responsável” foi a versão brasileira da doutrina de
Kissinger, que substituía o fator “ideologia” na política mundial
pelo princípio da realpolitik. Segundo este argumento, o
“pragmatismo” seria o oposto ao dogmatismo, sem visões imutá-
veis da situação mundial, uma visão relativista do curso da história
e da convicção de que as relações entre países são complexas e
dinâmicas. Seria também “responsável” por respeitar os compro-
missos políticos assumidos e os direitos das demais nações. Sua
tradução em termos operativos seria uma política externa menos
sintonizada com os EUA; a reorientação para o palco latino-ameri-
cano com a assinatura em 1976 do Pacto Amazônico; o apoio à
África negra; a busca na Europa ocidental e no Japão de um con-
trapeso para a dependência dos EUA.6
O “pragmatismo responsável” procurava assegurar uma pre-
sença internacional própria para o Brasil, com vistas a aumentar a
capacidade de influência do país em questões globais e como for-
ma de enfrentar a situação de vulnerabilidade gerada pela cres-
cente dependência dos fatores exteriores. A idéia central dessa
política consistia na afirmação da renúncia a princípios rígidos e
na inclusão de considerações pragmáticas7. Esta estratégia se foi
forjando desde meados da década de 70 e se materializou em uma
política externa que permitia ampliar os espaços de atuação inter-
nacional do Brasil ao mesmo tempo que obteve a consolidação de
um perfil exterior mais diversificado nos campos econômico e po-
lítico. De forma paralela, se processava no plano internacional, um
enfraquecimento do poder de negociação brasileiro perante sua
notável vulnerabilidade econômica8. O “pragmatismo responsável”
se baseava em três premissas básicas: o fim do alinhamento com

6
SEITENFUS,R.:”A política externa brasileira: da marginalidade à responsabilidade (1930-1990)”, em
MARCOVITCH, J.(org.): Cooperação Internacional:estratégia- gestão, São Paulo,EDUSP,1994,pp.117-148.
7
SOARES, Maria Regina e MOURA, Gerson: “A trajetória do Pragmatismo – uma análise da política externa
brasileira”, Dados, Río de Janeiro, vol.25, nº 3, 1982, pp.349-363.
8
HIRST, Mônica: “Governos militares (1964-1985)” em MENDES, Raul e BRIGAGÃO, Clóvis (orgs.):
História das Relações Internacionais do Brasil, Rio de Janeiro, CEBRI, 2002, pp.137-161.

60
capítulo 2
A política externa brasileira de Goulart a Lula (1961 – 2005)

os EUA, o desmantelamento dos condicionamentos ideológicos da


Guerra Fria e a identidade com o Terceiro Mundo. Com Geisel, se
consumará o afastamento do “alinhamento automático” com os EUA
e se enfatizarão a diversificação dos contatos internacionais e o
desenvolvimento das relações com a Europa Ocidental9, o que acar-
retaria benefícios para as relações hispano-brasileiras10.
Os motivos das redefinições operadas na política externa bra-
sileira na década de setenta devem ser procuradas nas alterações
produzidas no campo econômico. A diversificação das relações
econômicas exteriores proporcionou a base material para a
redefinição política das relações internacionais do Brasil11. Para
FONSECA, o contexto da conjuntura adversa no palco econômico
internacional obrigou a deixar de empregar na retórica oficial ex-
pressões como “potência emergente” e a encostar o projeto de “Bra-
sil potência”. No entanto, os componentes fundamentais do
paradigma de política externa foram mantidos, consolidados e
aprofundados nos anos 80. A mudança se afirmou na transição do
Governo Geisel ao de Figueiredo. Sua característica principal re-
sidia na continuação e aprofundamento das linhas de atuação in-
ternacional do país iniciadas em 1974, dando seguimento à idéia
força do pragmatismo, sob a forma do não-alinhamento automático
e da inexistência de aliados preferenciais. O novo conceito ia além
ao incorporar duas vertentes de inserção do Brasil no plano inter-
nacional: as relações com os países desenvolvidos no Norte e as
relações com os países em desenvolvimento do Sul12.

9
WILHELMY, Manfred: “Brasil: cambio político y continuidad internacional” em MUÑOZ, Heraldo (comp.):
Las políticas exteriores latinoamericanas frente a la crisis, Buenos Aires, GEL, 1985, pp.13-29.
10
Para aprofundar na política externa dos governos militares ver REIS DA SILVA, André: “A política externa
do governo Castelo Branco (1964-1974)”, Núcleo de Estudos de Relações Internacionais/UFRGS, http://
www.ilea.ufrgs.br/nerint ; do mesmo autor “Interdependência, segurança e desenvolvimento na política ex-
terna do governo Castelo Branco (1964-1967)”, Cena internacional, ano 2, nº 2, dez, 2000, pp.137-164;
MARTINS, Rodrigo: “A diplomacia da prosperidade: a política externa do Governo Costa e Silva (1967-
1969)”, Núcleo de Estudos de Relações Internacionais/UFRGS, http://www.ilea.ufrgs.br/nerint; VIEIRA SOUTO,
Cintia: “A diplomacia do interesse nacional: o governo Médici e a política externa brasileira (1964-1974)”,
Núcleo de Estudos de Relações Internacionais/UFRGS, http://www.ilea.ufrgs.br/nerint.; BARROS, Alexandre
de S.C.: “El retorno a los cuarteles: ¿una opción para los militares brasileños?”, en VV.AA.: Los militares ¿el
retorno a los cuarteles?, Buenos Aires, GEL, 1985, pp.67-82.
11
HIRST, Mônica: “Pesos y medidas de la política exterior brasileña”, em PUIG, Juan Carlos (comp.):
América Latina: políticas exteriores comparadas, Buenos Aires, GEL, 1984, pp.176-197.
12
FONSECA. G.: A legitimidade e outras questões internacionais, São Paulo, Paz e Terra, 1998, pág.302

61
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

Formalmente, depois de Geisel, o rótulo “pragmatismo respon-


sável” deixou de ser empregado, procedendo-se a sua substituição
pelo “universalismo”. Conceitualmente, este termo incorporava as
duas vertentes da inserção do Brasil no plano mundial e acrescen-
tava às duas premissas informadoras da política externa brasileira
na etapa Geisel – o não-alinhamento automático e a inexistência
de aliados preferenciais – uma terceira com relação aos meios li-
mitados com os quais o Brasil contava para sua atuação exterior13.
A universalização da política externa brasileira teve como princi-
pal resultado, já durante o período Geisel, a ampliação dos conta-
tos internacionais do Brasil e a formalização de proveitosas parce-
rias.14 A multiplicação destas representava a concretização do pro-
cesso de universalização, contribuindo ao objetivo de diminuir a
pressão hegemônica exercida pelos EUA. Por outra parte, o
“universalismo” representou um esforço por manter a autonomia
do Brasil em um palco internacional crescentemente desfavorável
(crises da dívida, ajuste estrutural, dificuldades no diálogo Norte-
Sul, recrudescimento dos conflitos comerciais com a administra-
ção Reagan, etc.) conservando fortes traços de continuidade com o
pragmatismo responsável. A dimensão multilateral da política ex-
terna brasileira não foi descuidada, levando à diplomacia do
Itamaraty a atuar em foros internacionais em convergência com o
Movimento dos Não alinhados, mesmo que sem ser membro efetivo
do grupo, denunciando as estruturas políticas e econômicas inter-
nacionais que obstaculizavam o desenvolvimento do Terceiro Mun-
do15.
O Governo de Figueiredo continuou as tímidas manobras
aberturistas que puderam ser sentidas no Governo de Geisel, na
direção de uma progressiva redemocratização. Ocorreu, conseqüen-
temente, uma evolução do regime militar em direção a uma transi-
ção negociada, precedida pelo desmantelamento dos aparatos mais
diretamente responsáveis pelas transgressões dos direitos huma-

13
SOARES, Maria Regina e MOURA, Gerson: Op.cit, pp.351-352.
14
A estabelecida com Alemanha foi a mais destacada. Seu momento auge foi a assinatura do Acordo de
Cooperação Nuclear de 1974.
15
VIZENTINI, P.F.: A política externa do regime militar brasileiro, Porto Alegre, UFRGS, 1998, pp-271-364.

62
capítulo 2
A política externa brasileira de Goulart a Lula (1961 – 2005)

nos16. Em matéria de política externa não houve grandes mudan-


ças. Sob o governo de Figueiredo se produziram mais modificações
de estilo que mudanças nas orientações gerais. As primeiras eram
claramente visíveis no desenvolvimento de uma diplomacia menos
secreta, mais aberta à sociedade e mais dialogante com o Congres-
so Nacional. Nas segundas, só foram perceptíveis pequenos ajus-
tes, mais na ênfase que nos conteúdos. Na realidade, a ruptura já
se teria realizado antes, quando aconteceu a formulação do
“pragmatismo responsável”, de modo que Figueiredo só consoli-
dou uma estratégia previamente articulada e coerente17. A nomea-
ção de Saraiva Guerreiro como Chanceler, depois de ter ocupado o
posto de secretário-geral do Itamaraty com o anterior ministro de
relações exteriores, Azeredo da Silveira, outorgou continuidade ao
conjunto de idéias que foram levadas à prática pela mesma gera-
ção de diplomatas18.
Foi Saraiva quem denominou a sua política externa como
“universalista”, entendendo como tal a adaptação da política ex-
terna brasileira à tendência para a mundialização do sistema inter-
nacional. O elemento determinante que explicava um diálogo
universalizado do Brasil, reflexo de nação-síntese e elo de ligação
entre os dois mundos, era sua “bifacética identidade”, isto é, a
ambivalência de seu perfil internacional – a cavalo entre o Primei-
ro e o Terceiro mundo -19. A diversificação dos contatos internaci-
onais do Brasil era a conseqüência lógica destas premissas:

“O universalismo é o componente interno aos objetivos de paz, que


orientam a política externa brasileira. Um perfil universalista, para
não ser um artifício, deve partir da aceitação da diversidade. Deve
admitir a diferença de tendências e entender que os laços sólidos
entre países estão construídos em plena percepção dessa diferença e,
em certos casos, até com base nelas”.20

16
SEIXAS CORREA, L.F.: “A política externa de José Sarney” em GUILHON ,J.A.(org.): Crescimento, mo-
dernização e política externa. 60 anos de política externa brasileira, São Paulo, Cultura/NUPRI-USP, 1996,
pp.362-363.
17
SILVA, Wilson da e MIYAMOTO, Shiguenoli: “Os militares na política externa brasileira: 1964-1984”,
Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol.6, nº 12, 1993, pp.211-246.
18
HIRST, Mônica: “Governos militares (1964-1985)” em MENDES SILVA, Raul e BRIGAGÃO, Clóvis
(orgs.): História das Relações Internacionais do Brasil, Rio de Janeiro, CEBRI, 2002, pág.153.
19
SILVA, Wilson da e MIYAMOTO, Shiguenoli: Op.cit, pp.211-246.
20
Discurso do ministro das Relações Exteriores do Brasil, Ramiro Saraiva Guerreiro, na Escola Superior de
Guerra, Río de Janeiro, 13 de julho de 1979.

63
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

A diversificação operada pelo marco conceitual do


“universalismo” conduziu o Governo Figueiredo a redefinir a polí-
tica externa brasileira a partir de três eixos: 1.- a busca de uma
relação bilateral mais autônoma referente aos EUA. 2.- o desen-
volvimento de relações alternativas com a Europa Ocidental, os
países socialistas e as nações em vias de desenvolvimento do Ter-
ceiro Mundo. 3.- A revitalização das relações com os países vizi-
nhos da América Latina em duas dimensões fundamentais: a in-
tensificação da cooperação com os países assinantes do Pacto Ama-
zônico e a resolução dos desencontros históricos com a Argentina.
No tocante ao primeiro eixo, as relações com os EUA, a escalada
conflitiva da segunda Guerra Fria entre as grandes potências vai
limitar o espaço de atuação do Brasil. O aprofundamento das di-
vergências e as não-identificações com o governo de Reagan terão
reflexo nas diferenças políticas (críticas brasileiras à atuação na
América Central, oposição à proposta de uma Organização do Tra-
tado do Atlântico Sul com participação argentina e sul-africana e
evolução negativa da cooperação militar bilateral no tema da trans-
ferência de tecnologia) e econômicas, das que o endurecimento da
política comercial norte-americana e suas implicações nas rela-
ções bilaterais com o Brasil (conflito pela reserva de mercado bra-
sileira no setor de informática e desentendimentos no âmbito do
GATT) serão um claro expoente. O distanciamento dos EUA efetu-
ado pela diplomacia brasileira nesses anos não será, nem mais nem
menos, que uma conseqüência lógica da implementação do
“universalismo”, um fato estrutural e não conjuntural, como bem
aponta ALTEMANI, resultado da perda de complementaridade com
a economia norte-americana, da intensificação das relações com a
CEE e do aumento dos intercâmbios comerciais com os países do
Terceiro Mundo21. O segundo eixo, estará intimamente vinculado
aos desenvolvimentos deste primeiro. Efetivamente, se a relação
com a Europa Ocidental, Ásia/Japão, Terceiro Mundo ganhou em
autonomia nestes anos foi devido à independência cada dia maior
destas regiões aos EUA. Resulta especialmente importante desta-
car neste ponto, que estas reorientações da política externa do Bra-

21
ALTEMANI, Henrique de: Op.cit.

64
capítulo 2
A política externa brasileira de Goulart a Lula (1961 – 2005)

sil, a partir de 1979, são fundamentais para entender a nova fase


das relações hispano-brasileiras, dentro do contexto mais amplo
do apogeu das relações bilaterais extra-hemisféricas do Brasil. Ain-
da incluído neste segundo eixo, o compromisso brasileiro com a
África se materializou na política para Angola e Moçambique. Da
mesma forma que os laços diplomaticos com os países da Europa
Oriental, o Oriente Médio, a Ásia, o Japão, estes contatos consoli-
davam a predicada diversificação do Universalismo. Quanto ao ter-
ceiro eixo, é certo que a política externa brasileira se
“latinoamericanizou” a partir de 1979, outorgando maior impor-
tância ao âmbito regional, enfatizando o uso cuidadoso das rela-
ções bilaterais mais importantes, deslocando gradualmente a polí-
tica competitiva de matriz geopolítica do “equilíbrio de poderes” e
outorgando predomínio à cooperação sobre o conflito nas relações
com Argentina22. Neste último aspecto, a solução das controvérsi-
as argentino-brasileiras em torno da administração de recursos
hídricos supôs, junto à “neutralidade ativa” do Brasil no conflito
das Malvinas, o marco mais destacado de uma nova fase nas rela-
ções bilaterais caracterizada pelo esquecimento das rivalidades e
o reforço dos mecanismos de cooperação.23
O balanço do período Figueiredo para a presença internacional
do Brasil no mundo foi relevante. O país ganhou grande respeito na
cena internacional, destacadamente entre os países do Terceiro
Mundo, favorecido certamente pela conclusão de seu processo de
redemocratização. Entre 1979 e 1985, o Brasil assistiu ao apogeu
e declínio do modelo nacional-desenvolvimentista de inserção in-
ternacional, não tanto pelas suas próprias limitações mas pela nova
fase do processo de reestruturação do capitalismo mundial que eli-
minava grande parte do espaço existente para um projeto de de-
senvolvimento relativamente autônomo para um país do peso do
Brasil. Em contraste com sua melancólica gestão econômica, o
Governo Figueiredo tinha conquistado notáveis triunfos internaci-

22
WILHELMY, Manfred: “Brasil: cambio político y continuidad internacional” em MUÑOZ, Heraldo (comp.):
Las políticas exteriores latinoamericanas frente a la crisis, Buenos Aires, GEL, 1985, pp.13-29.
23
Uma análise destas rivalidades em ATKINS, Pope A.(ed.): Sudamérica en la década de 1990, Buenos
Aires, GEL, 1990, pp.91-123.

65
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

onais especialmente, como assinala JAGUARIBE, o desfrute de


uma política externa bem concebida e formulada e competente-
mente implementada, cujo fundamento repousava em três premis-
sas básicas: 1.- Uma lúcida compreensão da realidade brasileira
no contexto internacional. 2.- Uma clara identificação dos princi-
pais interesses do país no palco internacional. 3.- Uma realista
identificação e avaliação dos meios de ação do país, com relação a
seus interesses e possibilidades.24 Universalismo e autonomia fo-
ram os pontos cardeais que orientaram exteriormente os militares
brasileiros nos seus últimos dez anos ao comando dos destinos do
Brasil. Para as relações hispano-brasileiras, a virada universalista
e diversificada da política externa a partir de 1974 foi positiva,
figurando como um dos principais triunfos da gestão de Saraiva
Guerreiro à frente do Itamaraty, tal e como este recolhia em um
balanço de final de mandato:

“A aproximação com o Ocidente desenvolvido foi um dos principais


triunfos do Universalismo, ao alcançar dois objetivos: as relações iguais
e o abandono dos conteúdos paternalistas e condescendentes que
existiam nas relações do Brasil com as potências ocidentais”. 25

2.2.- A política eexterna


xterna da Nova R epública (1985 – 1989)
República
O final do regime militar não significou a interrupção da
estratégia do “pragmatismo responsável e ecumênico” nem do
“universalismo”. Pelo contrário, o perfil da política externa brasi-
leira nos primeiros anos da nova República, será o de uma potên-
cia média de alcance planetário26. O governo de Sarney tinha de
enfrentar dois desafios. No âmbito interno, consumar o retorno à
democracia e dominar a descontrolada marcha da economia imersa
na crise e em uma perigosa espiral inflacionária. No âmbito exteri-
or, digerir as profundas alterações do cenário internacional, no fi-

24
JAGUARIBE, Hélio: “A Nova República e a política exterior”, Política e Estratégia, Centro de Estudos
Estratégicos, vol.III, nº 1, jan-mar, 1985, pp.9-23.
25
Conferência do ministro de Relações Exteriores do Brasil, Ramiro Saraiva Guerreiro, na Escola Superior
de Guerra, Ro de Janeiro, 31 agosto de 1984.
26
VIZENTINI, P.: Relações Internacionais do Brasil. De Vargas a Lula, São Paulo, Perseu Abramo, 2003,
pág.12.

66
capítulo 2
A política externa brasileira de Goulart a Lula (1961 – 2005)

nal da Guerra Fria, e definir neste novo contexto o lugar que o


Brasil deveria ocupar no mundo. Desde a perspectiva dos
paradigmas que regeram a história da política externa brasileira, o
período Sarney se situava na intersecção do paradigma nacional
desenvolvimentista do regime militar, já nos seus últimos estertores,
e do paradigma neoliberal próprio da globalização econômica as-
sumido no começo da década de noventa no Governo Collor.
As fases iniciais da Nova República foram certamente agita-
das. O único momento de desfrute da tarefa do Governo de Tancredo
Neves, na sua qualidade de presidente eleito, foi no âmbito da po-
lítica externa, no contexto das viagens que desenvolveu entre ja-
neiro e fevereiro de 1985. Como destacou LAFER, este breve mo-
mento teve um alcance importante já que indicou no nível interna-
cional o significado das transformações internas ocorridas no Bra-
sil com a chegada da Nova República. Tancredo Neves afirmou,
com a autoridade de quem soube dirigir a transição brasileira, que
a democracia no plano interno tinha conseqüências no plano inter-
nacional.27 Superado o trauma nacional da morte de Tancredo, o
novo governo democrático presidido por José Sarney se entregou à
tarefa de impulsionar mudanças de natureza interna que teriam
repercussões decisivas na política externa brasileira. O primeiro
deles, e certamente um dos mais significativos, teve a ver com a
constitucionalização das relações internacionais, tal e como foi plas-
mada nos trabalhos da Assembléia Constituinte28. A Constituição
de 1988, recolhia em seu artigo 4 os princípios que regiam as rela-
ções internacionais do Brasil: a independência nacional; a priori-
dade dos Direitos Humanos; a autodeterminação dos povos; a não-
intervenção; a igualdade entre os Estados; a defesa da paz; a solu-
ção pacífica dos conflitos; o repúdio ao terrorismo e ao racismo; a
cooperação entre os povos para o progresso da Humanidade; a con-
cessão de asilo político. Acrescentava-se além disso um parágrafo
único estabelecendo a busca da integração econômica, política,

27
LAFER, Celso: “Perspectivas de política externa. O legado diplomático da viagem presidencial de Tancredo
Neves”, Contexto Internacional, ano I, nº 2, jul-dez, 1985, pp.13-19.
28
Sobre a constitucionalização das relações internacionais no Brasil ver o trabalho de DALLARI, Pedro:
Constituição e Relações Internacionais, São Paulo, Saraiva, 1994.

67
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

social e cultural dos povos da América Latina e a proposta da for-


mação de uma comunidade latino-americana de nações como um
dos objetivos prioritários a ser perseguidos pelo Brasil. O signifi-
cado destas disposições deve ser procurado no compromisso da
Nova República com a democracia e a tolerância, valores aos que
correspondiam no plano externo um internacionalismo de vocação
pacífica dirigido pelos preceitos de coexistência e cooperação com
os membros da sociedade internacional. Desta forma, a Nova Re-
pública inaugurava uma convergência entre o processo interno e
sua proposta exterior de democratização das relações internacio-
nais.29
Porém, esta convergência não podia ficar relegada exclusiva-
mente ao campo dos princípios e das declarações de intenções.
Impunha-se uma correção de rumos respeito às orientações e atu-
ações da política externa do regime militar. Em outras palavras,
havia que retificar algumas linhas da política praticada sob a pre-
eminência de visões de inspiração militar, sem depreciar o ele-
mento positivo representado pela recuperação democrática do país.30
O contexto internacional não era certamente o mais propício mas,
ao mesmo tempo, as esperanças abertas pelo final da Guerra Fria
concitavam as atenções dos países em desenvolvimento, anelantes
de uma nova ordem internacional mais justa e igualitária. Uma
série de linhas de transformação no âmbito exterior vão condicionar
a política externa brasileira. No contexto regional se produz a
redemocratização da maioria dos países latino-americanos e a cri-
se da dívida deflagra um ciclo de estancamento econômico. Às duas
vertentes deste quadro regional, democratização e crise econômi-
ca, acrescentam-se no contexto da macro-estrutura internacional
os primeiros sinais indicativos de grandes mudanças nas relações
entre as duas superpotências, com conseqüências significativas para
a inserção internacional de países como o Brasil, especialmente

29
LAFER, Celso: “Novas dimensões da política externa brasileira”, Revista Brasileira de Ciências Sociais,
ANPOCS, nº 3, vol.1, fevereiro, 1987, pp.73-82.
30
SEIXAS CORREA, L.F.: “A política externa de José Sarney” en GUILHON, J.A.(org.): Crescimento, moder-
nização e política externa. 60 anos de política externa brasileira, São Paulo, Cultura/NUPRI-USP, 1996,
pp.362-363.

68
capítulo 2
A política externa brasileira de Goulart a Lula (1961 – 2005)

sensíveis às dinâmicas de incentivos positivos e negativos que ge-


ravam as disputas estratégicas entre os EUA e a URSS.31 Por outro
lado, dentro do campo das relações econômicas internacionais, a
formação de mega-blocos e o impulso que o multilateralismo co-
mercial receberia com o lançamento da rodada Uruguai do GATT,
constituirão tendências relevantes nas quais devem ser emoldura-
das algumas das iniciativas brasileiras em matéria de política ex-
terna.
A política externa de Sarney esteve marcada por uma tentativa
de ampliação da base do poder nacional que buscava o fortaleci-
mento do eixo simétrico de cooperação com a finalidade de
redimensionar a inserção internacional do Brasil32. Para isso se
desenvolveram duas linhas principais de atuação: uma política de
aproximação regional aos países latino-americanos e um
reposicionamento frente aos Estados Unidos procurando diminuir
o caráter conflitivo que tinha caracterizado as relações com a po-
tência do Norte nos primeiros anos da década de oitenta. Nas duas
linhas, se manifestou o caráter democrático do novo Governo bra-
sileiro, tanto no discurso diplomático como nas políticas regionais
e multilaterais. Os valores democráticos sustentavam os principais
objetivos de sua ação exterior e permitiam superar as desconfian-
ças que, em décadas de Governos militares, tinham-se levantado
contra o Brasil em temas tão espinhosos como a proteção dos Di-
reitos Humanos.
Na política para a América Latina, a democratização foi igual-
mente decisiva para a intensificação destas relações presididas por
novas orientações. No âmbito regional, destacam as mudanças qua-
litativas do Governo Sarney com relação aos vizinhos latino-ameri-
canos com iniciativas como o restabelecimento das relações com
Cuba, a presença no Grupo de Apoio de Contadora, a participação
no Grupo dos oito e no Grupo do Rio, a condenação à invasão do
Panamá pelos EUA, a promoção da primeira reunião dos presiden-
tes de Países Amazônicos, as visitas presidenciais à Colômbia, a

31
SEIXAS CORREA, Luis F.: Op.cit, pág.363.
32
DANILEVICZ, Ana L.: “A Nova República diante do reordenamento internacional: rupturas e continuida-
des na política externa do governo José Sarney (1985-1990)”, Núcleo de Estudos de Relações Internacionais/
UFRGS, (consulta: 12 de julho de 2002), http://www.ilea.ufrgs.br/nerint

69
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

Bolívia, o Equador, a Venezuela, a aproximação com o Suriname e


a Guiana e a reativação do Tratado de Cooperação Amazônica com
a Declaração da Amazônia que reafirmava a soberania dos países
da área sobre a selva. Destaque à parte merecem os entendimentos
com a Argentina e, em geral, com os vizinhos mais próximos do
Brasil no âmbito sub-regional do Cone Sul.
Esta foi a linha principal e mais duradoura da política externa
de Sarney. Graças ao exercício de uma intensa atividade de diplo-
macia presidencial, o novo Governo estimulou a fraternidade polí-
tica com a Argentina, o Uruguai, o Paraguai e a Bolívia, não só com
gestos simbólicos mas com projetos de desenvolvimento de infra-
estruturas, como o da construção da hidrovia Paraguai-Paraná, e
com a definição de compromissos claros em matéria de integração.
Recolhiam-se nestes anos os frutos das primeiras aproximações
argentino-brasileiras, no final da década dos setenta, cujo resulta-
do foram os Acordos de Itaipú-Corpus. Em um contexto político
radicalmente diferente, se conseguiu construir um espaço prefe-
rencial de entendimento democrático e de integração econômica
que desembocou no MERCOSUL. O Brasil e a Argentina contem-
plaram no respectivo vizinho um fator adicional de apoio a sua
própria estabilidade política de modo que a nova relação ultrapas-
saria o âmbito estritamente comercial para alcançar o da confiança
política, traduzindo-se em níveis de coordenação inéditos na his-
tória dos dois países.33 O momento simbólico que resumia este novo
clima das relações bilaterais foi a assinatura pelos presidentes
Alfonsín e Sarney do Pacto de Iguaçu, em novembro de 1985, e sua
continuação na negociação do Programa de Integração e Coopera-
ção Econômica (PICE de 1986) e no Tratado Geral de Integração,
Cooperação e Desenvolvimento (1988) que contemplava a criação
de um mercado comum no prazo de dez anos.
A segunda linha de atuação do governo Sarney se centrou na
superação das dificuldades nas relações com os Estados Unidos
para o qual era fundamental conseguir a redução da extrema
vulnerabilidade econômica do Brasil, aguçada nos últimos anos da

33
SEIXAS CORREA, Luis F.: Op.cit, pág.363.

70
capítulo 2
A política externa brasileira de Goulart a Lula (1961 – 2005)

etapa militar. A agenda negativa das relações bilaterais incluía te-


mas como a dívida externa, as ações norte-americanas contra a
política brasileira de proteção a sua indústria informática, o meio
ambiente e as sanções comerciais aplicadas pelos EUA em repre-
sália pela legislação de patentes que impediam às empresas far-
macêuticas norte-americanas impor suas regras no mercado brasi-
leiro. A visita de Sarney a Washington, em 1986, tentou aplacar os
maus ventos que sopravam nas relações Brasil-EUA. Apesar das
esperanças depositadas no diálogo bilateral, as expectativas brasi-
leiras se viram frustradas pela incompreensão da administração
republicana que devia considerar-se no quadro mais amplo da re-
lativa indiferença dos EUA para a América Latina, exceção feita
dos temas que afetavam a sua segurança nacional como o
narcotráfico ou as ameaças à estabilidade democrática, especial-
mente no Caribe e na América Central.
Outras questões presentes na atuação internacional do Brasil
desses anos, além das duas linhas prioritárias indicadas, foram as
negociações da dívida externa, a nova disposição do país diante da
crescente marginalização do terceiro mundo e a busca de novas
parcerias para a ampliação da margem de manobra do país,
destacadamente na articulação de novos projetos de cooperação
fora do eixo Norte-Sul (países socialistas, países árabes, África,
Ásia). Um balanço da diplomacia do Governo Sarney aponta para a
manutenção das linhas de continuidade da política externa brasi-
leira consolidando, sob o signo do equilíbrio, as características fun-
damentais de sua inserção no mundo criando, como afirma SEIXAS,
as condições para as subseqüentes adaptações que o Brasil enfren-
taria nas grandes mudanças do final da década dos anos oitenta e
começo dos anos noventa.

xterna no período Collor e F


2.3.- A política eexterna Franco
ranco (1990-
1994) 34
As transformações radicais no cenário internacional, a partir

34
Apesar de ser um período pouco estudado existem algumas obras de referência: CRUZ Jr. A.; CAVALCAN-
TE, A.; PEDONE, L.: “Brazil´s Foreign Policy under Collor”, Journal of Interamerican Studies and World

71
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

de 1989, nas suas dimensões política e econômica, impactaram


decisivamente na América Latina e no Brasil ao longo dos anos
noventa, obrigando a uma redefinição de rumos da política externa
e a uma adaptação à nova ordem global em vigência35. No entanto,
no caso brasileiro, foram adotadas orientações confusas, contradi-
tórias e inconsistentes sem um padrão de comportamento definido.
A resposta dada por vários países latino-americanos aos desafios
impostos pela globalização foi a adoção a-crítica do modelo
neoliberal e, em alguns casos, a busca de “relações carnais” com a
“superpotência solitária” do Norte, como no caso argentino. No
Brasil, o processo político conduziu, em 1990, a Fernando Collor
de Mello à presidência da República até que, acusado pelas de-
núncias de corrupção e pela pressão popular, apresentou a renún-
cia ao cargo em 1992.
Apesar de sua brevidade, o Governo Collor introduziu modifi-
cações de fundo calado no Brasil, seja no âmbito doméstico seja no
perfil internacional do país. No âmbito interno foram iniciadas re-
formas econômicas liberalizadoras cuja base era a abertura, a re-
gularização e a privatização que perseguiam a configuração de uma
economia competitiva internacionalmente. A política externa se
colocaria a serviço de um duplo objetivo: a instrumentalização do
processo de reformas e da abertura econômica e a restauração da
credibilidade exterior junto aos países desenvolvidos, rompendo
com o perfil terceiro-mundista e de país subdesenvolvido do Bra-
sil36. Esta ruptura na linha tradicional da atuação internacional do

Política Externa, São Paulo , vol. 1, nº 4, março 1993, pp.95-105; NOGUEIRA, Paulo:”A política externa de
Collor: modernização ou retrocesso?”, Política Externa, São Paulo, vol. 1, nº 4, março 1993, pp.106-135;
CARDOSO, Fernando H.: “Política Externa: fatos e perspectivas”, Política Externa, São Paulo, vol. 2, nº 1,
junho 1993, pp.3-10; CERVO, A.: “Sob o signo neoliberal: as relações internacionais da América Latina”,
Revista Brasileira de Política Internacional, Brasília, vol.43, nº 2, 2000, pp-5-27; MUXAGATA DE CARVA-
LHO, Marco A.: “Idéias e Instituições: uma reflexão sobre a política externa brasileira no início da década de
90”, Contexto Internacional, Río, vol.23, nº 2, julho/dezembro, 2001, pp.245-293; AZAMBUJA, Marcos C.
de: “A política externa do governo Collor”, São Paulo, IEA-USP, Estudos Avançados, coleção documentos, nº
10, junho, 2001; DANILEVICZ, Ana L.: “A política externa do governo Collor: a transição para a nova ordem
internacional”, Núcleo de Estudos de Relações Internacionais, (consulta: 12 de julho de 2002), http://
www.ilea.ufrgs.br/nerint; PERRONE, Samir: “Política externa do governo Itamar Franco (1992-1995)”, Núcleo
de Estudos de Relações Internacionais, (consulta: 12 de julho de 2002)
35
As repercussões deste processo na América Latina em CERVO, A.: Relações Internacionais da América
Latina, velhos e novos paradigmas, Brasília, IBRI, 2001, pp.279-301.
36
COSTA VAZ, Alcides: “Parcerias estratégicas no contexto da política exterior brasileira: implicações para
o Mercosul”, Revista Brasileira de Política Internacional, Brasília, ano 42, nº 2, 1999, pág.65.

72
capítulo 2
A política externa brasileira de Goulart a Lula (1961 – 2005)

país, com relação às décadas anteriores e ao modelo nacional-


desenvolvimentista vigente até então, encontra sua explicação em
vários fatores concorrentes, entre os que destacam causas domés-
ticas (esgotamento do modelo de crescimento autárquico) e causas
exteriores (o reordenamento internacional ao finalizar a Guerra Fria
e o processo de globalização econômica). A modificação profunda
do perfil internacional que Collor pretendia imprimir encontrou,
no entanto, notáveis resistências no Itamaraty em função da exis-
tência de um importante núcleo de diplomatas opostos ao projeto
governamental que, além disso, se mostravam reticentes e cautelo-
sos ante o estilo impetuoso e irreflexivo do jovem Presidente. Per-
cebendo as resistências da corporação diplomática, Collor proce-
deu através da nomeação de Francisco Rezek, um homem alheio à
Casa de Rio Branco, a esvaziar de competências o Itamaraty e a
transferir importantes parcelas decisórias ao Ministério da Econo-
mia e Fazenda, marginalizando ao Ministério das Relações Exteri-
ores no design da nova política externa.
As metas estabelecidas pelo Governo Collor em matéria de
política externa foram a atualização da agenda internacional do
país, a construção de uma agenda positiva com os EUA e a
descaracterização do perfil terceiro-mundista do Brasil37. Existe
consenso entre os especialistas brasileiros ao assinalar que o perí-
odo Collor significou a ruptura do paradigma universalista que ti-
nha guiado a política externa do Brasil pelo menos desde 1974. No
entanto, o objetivo de “levar o Brasil ao Primeiro Mundo” da mão
da reativação do paradigma da aliança especial com os EUA não
implicava forçadamente o abandono do objetivo do desenvolvimento
do horizonte da política externa brasileira. Apenas supunha que o
desenvolvimento deixava de constituir o elemento de sua
racionalidade, entre outras razões, porque a estratégia do ciclo
desenvolvimentista teria conduzido à crise da dívida, à hiperinflação
e ao estancamento econômico38. Em conseqüência, fazia-se neces-

37
HIRST, Mônica e PINHEIRO, Letícia: “A política externa do Brasil em dois tempos”, Revista Brasileira de
Política Internacional, Brasília, vol.1, nº 38, 1995, pág.6.
38
CERVO, A. e BUENO, C.: História da política exterior do Brasil, Brasília, UNB, 2002, pp.457-458.

73
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

sário a adoção de outro modelo de desenvolvimento de corte


“modernizador” que permitisse a inserção competitiva do Brasil
na economia internacional. A política externa continuaria vincula-
da ao modelo de desenvolvimento vigente mas, nesta ocasião, ori-
entada a suscitar o apoio exterior às reformas econômicas e ao novo
projeto39.
As pretensões de alcançar uma “relação especial” com os EUA
mediante a “coincidência de aspirações” rapidamente se frustra-
ram como resultado da reversão das expectativas que a relação bi-
lateral experimentou a partir do estalido da Guerra do Golfo, em
1991. A atitude ambígua e morna do Brasil, que optou por não
enviar tropas, e a negativa evolução da conjuntura nacional no con-
texto das dificuldades políticas e econômicas do Governo Collor
que obrigaram a concentrar-se nos assuntos internos, pesaram sig-
nificativamente na opção por Washington. Pelo que se refere ao
âmbito das realizações concretas deste projeto “de vôo curto” que
representou o Governo Collor, devem destacar-se as iniciativas bra-
sileiras de protagonismo no campo multilateral com a organização
e condução diplomática da Conferência das Nações Unidas sobre
Meio Ambiente e Desenvolvimento celebrada no Rio de Janeiro,
em junho de 1992, e o desenvolvimento de um intenso programa
de visitas internacionais na linha da “diplomacia presidencial”,
cujo exercício seria privilegiado por Collor em numerosas ocasiões
em tão curto período de tempo (EUA, Espanha, Portugal,
Tchecoslováquia, Japão, Suécia, Itália, Noruega, Argentina, Méxi-
co, Angola, Moçambique, Namíbia). No âmbito regional,
potencializaram-se os encontros com presidentes latino-america-
nos e se consagrou definitivamente a principal prioridade bra-
sileira em matéria de política externa, com a assinatura do Tra-
tado de Assunção que constituía o MERCOSUL.
A primeira vista, o aprofundamento da integração poderia
parecer contraditório com os principais objetivos da política
externa de Collor. No entanto uma análise mais detalhada das

39
GOMES, M.: “La política exterior brasileña en búsqueda de un paradigma”, Meridiano CERI, nº 15, junho,
1997, pp.22-26.

74
capítulo 2
A política externa brasileira de Goulart a Lula (1961 – 2005)

motivações que levaram à criação do MERCOSUL permite sus-


tentar a plena funcionalidade da iniciativa no contexto das metas
exteriores do Governo brasileiro naqueles anos. Com efeito, o
contexto da assinatura do Tratado de Assunção, estava forte-
mente influenciado por um conjunto de determinantes de natu-
reza doméstica, internacional, política e econômica, que não
podem ser esquecidos. A integração sub-regional foi um movi-
mento tático dos Governos da Argentina e do Brasil, com um
caráter defensivo, frente aos impactos potenciais que a tendên-
cia mundial à regionalização e à formação de blocos econômi-
cos poderia ocasionar. Este temor se redobrava ante os avanços
da negociação do NAFTA e pelos efeitos negativos que se adi-
vinhavam para o Brasil e Argentina, mas sobretudo pela Inicia-
tiva para as Américas lançada pelo presidente Bush, no dia 27
de junho de 1990. A proposta de longo prazo para conformar
uma área de livre comércio “do Alasca a Terra de Fogo”, preo-
cupou especialmente o Itamaraty que receava de “uma reação
desordenada dos países envolvidos no processo de formação do
mercado comum no nível sub-regional” . Em conseqüência ur-
gia concretizar o MERCOSUL e suas regras para poder negoci-
ar mais tarde, desde uma posição conjunta, com os EUA. É nes-
se momento quando se configura a estratégia, em matéria de
integração e nos seus diferentes níveis, da diplomacia brasilei-
ra que, a grandes traços, seria posteriormente desenvolvida pelo
Governo Cardoso em torno de três principais objetivos: a) evi-
tar a deserção de algum dos sócios do MERCOSUL – especial-
mente a Argentina – que fosse tentado a negociar bilateralmen-
te com os EUA; b) transformar a natureza essencialmente unila-
teral da proposta da Iniciativa das Américas; c) trabalhar pela
elaboração de uma posição conjunta dos países do MERCOSUL
que fortalecesse seu poder negociador frente aos EUA; 40

40
Ver SOARES LIMA, M.R.: “Brazil´s Response to the New Regionalism”, em MACE, G. e THÉRIEN,
J.P.(orgs.): Foreign Policy and Regionalism in the Americas, Londres, Lynne Rienner, 1996, pág.149; MAGA-
LHÃES, F.S.: Cúpula das Américas de 1994: o papel negociador do Brasil, Brasília, Instituto Rio Branco/
FUNAG/CEE, 1999, pág.83.

75
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

O outro ponto chave para a compreensão do fervor


integracionista do Governo de Collor reside na consideração do
MERCOSUL como instrumento que permitia vincular e conectar
as políticas externas à reestruturação e às reformas econômicas
domésticas iniciadas. Como afirma BERNAL, o MERCOSUL era
uma peça intermediária de abertura, o trânsito menos traumático
entre uma economia fechada e outra mais na linha das tendências
predominantes no capitalismo global. Além disso, constituía-se em
instrumento para a obtenção de benefícios econômicos com a ex-
tensão do mercado, dado o peso considerável da estrutura produti-
va brasileira e, por acréscimo, permitiria o aumento de sua
competitividade.41 O Governo Collor possuía uma perspectiva pro-
fundamente instrumental da integração para, por um lado, conse-
guir a aceleração do processo de liberalização da economia brasi-
leira e, por outro, alcançar maiores ganhos nas negociações que
resultariam das iniciativas de Washington no seu projeto de
integração hemisférica.
Depois da renúncia de Collor, assumiria a Presidência da Re-
pública Itamar Franco, que procedeu ao resgate de certas dimen-
sões de soberania e interesse nacional42. Frente à ênfase na
implementação de reformas liberalizadoras da economia do biênio
anterior, Franco – um político sui generis pelo seu estilo imprevisível
com um perfil mais nacionalista – pisou o freio das reformas em
um contexto doméstico desfavorável, frágil politicamente e dese-
quilibrado no âmbito macroeconômico. De volta ao passado, o novo
presidente colocou na direção do Itamaraty um diplomata de car-
reira, Celso Amorim, de modo que o Ministério de Relações Exte-
riores recuperou a autonomia perdida na etapa Collor, podendo
empenhar-se na reformulação do marco conceitual de referência
da política externa do Brasil.
No biênio Franco (1992-1994), a política externa brasileira
esteve marcada por traços de continuidade referentes ao passa-

41
BERNAL MEZA, Raul: Sistema mundial y Mercosur. Globalización, Regionalismo y Políticas Exteriores
comparadas, Buenos Aires, Nuevo hacer/GEL, 2000, pág.354.
42
VIZENTINI, P.F.: Relações Internacionais do Brasil. De Vargas a Lula, São Paulo, Perseu Abramo, 2003,
pág.12.

76
capítulo 2
A política externa brasileira de Goulart a Lula (1961 – 2005)

do mas retomando o perfil próprio de país em desenvolvimento


que Collor tinha pretendido ocultar. Porém, de acordo com as
evidentes turbulências e divergências interiores, se apreciaram
tendências oscilantes entre as orientações vinculadas ao
neoliberalismo e aquelas outras cimentadas no
desenvolvimentismo43. Entre as premissas que guiaram o pro-
jeto de inserção internacional nessa etapa destaca a caracteri-
zação do Brasil como global trader, com interesses em todo o
mundo, o que devolvia o caráter universalista a sua política
externa – relegado por Collor a favor de uma opção excludente
pelos EUA -, a aproximação aos “países baleia” – Índia e Chi-
na – e o aprofundamento da integração regional.
Neste último aspecto, ganharam grande relevância – pelo
menos no discurso da diplomacia, não no campo das realiza-
ções concretas – as propostas de criação de uma Área de Livre
Comércio da América do Sul (ALCSA). Datam daquele momen-
to outras propostas como a Iniciativa Amazônica para a negoci-
ação de acordos de complementação econômica com os países
do Tratado de Cooperação Amazônica e a negociação e assina-
tura do Protocolo de Ouro Preto que - no âmbito do MERCOSUL
- acelerava a formação de uma União Aduaneira, fixava sua es-
trutura institucional e lhe conferia personalidade jurídica in-
ternacional.
Em conclusão, as premissas da política externa de Fran-
co se basearam em um projeto de inserção exterior de um
país continental em um cenário internacional descontínuo.
O Brasil se apresentou como um sócio importante na
regionalização da América Latina aprofundando sua
integração com a Argentina no MERCOSUL. Por outro lado,
a diplomacia brasileira procurou a aproximação a novos só-
cios (China e Índia) e atuou de forma ativa nos foros multi-
laterais.

43
GOMES SARAIVA, Miriam: Op.cit, pág.23.

77
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

xterna na etapa Cardoso (1995 – 2002) 44


2.4.- A política eexterna
Durante a etapa Cardoso, a política externa brasileira viveu
importantes mudanças tanto no perfil internacional do país como
na sua presença no cenário mundial e regional graças, entre outros
fatores, ao selo próprio que a diplomacia presidencial imprimiu e
cujos resultados foram um maior protagonismo do Brasil nos tabu-
leiros diplomaticos45. A política internacional do Governo Cardoso
se sustentou em quatro pilares: a continuidade das premissas es-
senciais da política externa; o impacto da estabilidade econômica;
a projeção da democracia; as novas oportunidades geradas pela
diplomacia presidencial. Não existe consenso nas avaliações sobre
a etapa Cardoso no âmbito da política externa. As posturas oscilam
entre aqueles que adotam uma atitude benigna ou benévola com
tendência a um ajuizamento positivo e aqueles que, pelo contrário,
assumem uma atitude crítica e negativa a respeito do balanço des-
tes oito anos em matéria de política externa46.
No âmbito doméstico, a estabilização econômica e as reformas
estruturais constituíram o núcleo programático do Governo Cardo-
so enquanto que no âmbito internacional o objetivo principal foi a
inserção competitiva do Brasil na economia globalizada. Nesta li-
nha GUILHON sustenta que com a ascensão à presidência de Car-
doso, serão acrescentados aos dois objetivos tradicionais da políti-
ca externa brasileira - criação de um ambiente exterior favorável
ao desenvolvimento nacional (objetivo econômico) e autonomia no
que se refere aos EUA (objetivo político) - duas importantes orien-
tações: 1.- ao objetivo econômico se acrescenta a dimensão de es-
tabilidade macroeconômica; 2.- ao objetivo político se acrescenta
o evitar uma integração crescente com a economia dos EUA47. Sem

44
Referências para o aprofundamento do significado desta etapa em: LAMPREIA, Luiz F.: “A política externa
do governo FHC: continuidade e renovação”, Revista Brasileira de Política Internacional, vol.2, nº 42, 1998,
pp.5-17; REGO, Sebastião: Política Externa em tempo real, Brasília, FUNAG, 1999; LAMPREIA, Luiz F.:
Diplomacia brasileira. Palavras, contextos e razões, Rio de Janeiro, Lacerda Editores, 1999; REGO, Sebasti-
ão: “A execução da política externa brasileira: um balanço dos últimos 4 anos”, Revista Brasileira de Política
Internacional, vol.2, nº 42, 1998, pp.18-28.
45
DANESE, S.: “Política externa de consenso”, Archivos del Presente, Bs. Aires, nº 28, 2002, pp.105-120.
46
Entre os “benévolos” pode-se citar a Alfredo Valladão, José Augusto Guilhon e Shiguenoli Miyamoto;
Entre os “críticos” se destacam Amado Cervo e Paulo Vizentini.
47
GUILHON, J.A.: “A política externa do governo Fernando Henrique”, Seminário NUPRI-USP, (não publi-
cado), 24 de maio de 2002.

78
capítulo 2
A política externa brasileira de Goulart a Lula (1961 – 2005)

dúvida, os resultados positivos do Plano Real renderam benefícios


ao Brasil em termos de recuperação de credibilidade e prestígio
internacional. Esta ênfase da política externa de Cardoso, em apre-
sentar o Brasil ante o mundo como um país no qual se podia confi-
ar, isto é, que tivesse uma performance macroeconômica de acordo
com os padrões de ortodoxia determinados pelo establishment in-
ternacional, encontra-se intimamente ligada às orientações que o
Presidente transmitiu a seus ministros de Relações Exteriores, Luiz
Felipe Lampreia (1995-2001) e Celso Lafer (2001-2003): acabar
com os resquícios terceiro-mundistas na política externa, desmon-
tar as articulações do Brasil com outros países em desenvolvimen-
to e inserir o país na corrente principal (mainstream) internacio-
nal48. A idéia subjacente a estas orientações era que o avanço da
globalização tinha esvaziado definitivamente o eixo Norte-Sul da
política internacional, impondo restrições ao projeto nacional de
política externa e, por isso, se fazia necessário proceder a novas
formulações sobre as interações do Brasil com o mundo. Conforme
estas orientações o modelo implementado pela diplomacia brasi-
leira foi denominado de “autonomia pela integração”, em detri-
mento de uma autonomia que tivesse por objetivo o isolamento ou
a auto-suficiência49.
Este modelo apresentava várias vertentes, seja no campo dos
valores, dos objetivos perseguidos, das ações concretas, das priori-
dades geográficas da política externa e dos instrumentos a serem
utilizados para sua consecução. Sem pretender esgotar o exame da
questão podem ser destacados vários elementos. Em primeiro lu-
gar, o protagonismo presidencial nesta nova fase da política exter-
na brasileira. Esta sorte de “ativismo presidencial” operou através
de uma diplomacia de visitas e de presença nos foros internacio-
nais mais relevantes, onde Cardoso transmitia ao mundo a visão
brasileira das relações internacionais, denunciando os perigos de
uma globalização assimétrica, os riscos do protecionismo dos paí-

48
LINS DA SILVA, Carlos E.: “ Política e Comércio Exterior”, em LAMOUNIER, B. e FIGUEIREDO, R.
(orgs): A era FHC, um balanço, São Paulo, Cultura associados, 2002, pp.295-330.
49
GOMES, Miriam e TEDESCO, Laura: “Argentina e Brasil: políticas externas comparadas depois da Guerra
Fría”, Revista Brasileira de Política Internacional, vol.2, nº 44, 2001, pp.126-150;

79
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

ses desenvolvidos e as ameaças de um sistema financeiro interna-


cional que não era um instrumento de financiamento do desenvol-
vimento e sim um estímulo à especulação desordenada50. Na opi-
nião de HIRST, a influência do governante brasileiro na condução
dos assuntos internacionais outorgou grande relevância à diploma-
cia presidencial como conduta da política externa que originou uma
agenda de contatos e visitas sem precedentes na história do Brasil.
Além disso, a diplomacia presidencial se transformou em instru-
mento para aumentar as relações de alto nível com os países in-
dustrializados, configurar novas parcerias estratégicas, consolidar
o MERCOSUL, aprofundar os vínculos com a América do Sul e
gerar um diálogo positivo com Washington51. Mas não existe coin-
cidência ao avaliar os resultados da diplomacia presidencial de
Cardoso. Assim, enquanto para uns este periodo se caracterizou
por mostrar desde o primeiro momento como era importante a polí-
tica externa para o desenvolvimento nacional, rendendo dividen-
dos ao país graças à busca incessante de recursos e ao aumento do
peso do Brasil no mundo alcançando sua inserção favorável no con-
texto mundial, para outros foi considerada um sinal de vaidade
pessoal do presidente que não contribuía com nada positivo, além
de envernizar a imagem do país em alguns círculos52.
Em segundo lugar, na linha da eliminação das reminiscências
terceiro-mundistas, o Governo Cardoso procedeu a uma revisão de
algumas atitudes e políticas desenvolvidas por Governos anterio-
res, retirando da agenda brasileira questões pertencentes a outras

50
CARDOSO, F.: “Governança progressiva para o século XXI”, Política Externa, São Paulo, vol.8, nº 3,
dezembro-fevereiro, 2000, pp.173-185; “Discurso del Presidente Fernando Henrique Cardoso em sessão
solene na Assembléia Nacional da França”, París, Assembléia Nacional francesa, 30 de outubro de 2001; “A
política externa do Brasil no inicio de um novo século”: uma mensagem do presidente da República”, Revista
Brasileira de Política Internacional, vol. 44, nº 1, 2001, pp.5-12; “La globalización y los desafios de la
democracia en el plano internacional”, Foreign Affairs en español, vol. 2, nº 1, primavera, 2002.
51
HIRST, Mônica: “História da Diplomacia Brasileira”, Ministerio das Relações Externas, (consulta: 2 outu-
bro de 2002), http://www.mre.gov.br/acs/diplomacia/portg/h_diplom/menu_hd.htm.
52
Sobre a diplomacia presidencial de Cardoso: DANESE, S.: Diplomacia presidencial: história e crítica, Rio
de Janeiro, Topbooks, 1999; CERVO, A.: “Diplomacia presidencial cultiva parcerias estratégicas”, Carta
Internacional, NUPRI-USP, nº 35, janeiro, 1996, pág.10; GUILHON, J.A.: “A presidencia na linha de frente
da diplomacia”, Carta Internacional, NUPRI-USP, nº 35, janeiro, 1996, pág.10 e “O alcance da diplomacia
presidencial”, Carta Internacional, NUPRI-USP, nº 47, jan, 1997, pág.8; Uma análise crítica em GENOINO,
José: “O declínio da diplomacia presidencial”, Carta Internacional, NUPRI-USP, nº 71, janeiro, 1999, pág.7.

80
capítulo 2
A política externa brasileira de Goulart a Lula (1961 – 2005)

matrizes de política externa, incluindo novos temas como defesa


da democracia, direitos humanos, meio ambiente e política nucle-
ar. Neste último ponto, aconteceu uma revisão substancial da polí-
tica brasileira reticente à aceitação dos compromissos em matéria
de limitação nuclear, ratificando-se em 1998 o Tratado de Não-
Proliferação (TNP). Ao aderir-se ao TNP, cumpria-se um dos obje-
tivos prioritários da política externa de Cardoso, isto é, o resgate
das hipotecas que ainda pesavam sobre a credibilidade exterior do
país. No campo da promoção da democracia e da defesa dos direi-
tos humanos as realizações foram muito significativas. Para
SANTISO, neste âmbito se impulsionou o fortalecimento do com-
promisso normativo com a democracia e se consolidou sua promo-
ção e proteção como âncora da política externa brasileira na Amé-
rica Latina. O compromisso do Governo Cardoso com a democra-
cia transpassou as fronteiras do Brasil e se manifestou na lideran-
ça para o fortalecimento dos fundamentos democráticos do sistema
interamericano, no empenho pela inclusão de cláusulas democrá-
ticas nos acordos regionais e na luta contra as ameaças à democra-
cia na região (Paraguai, Peru, Venezuela, Equador). No entanto,
não deixa de ser paradoxal que o Brasil se abstivesse – ao amparo
do princípio de não-intromissão nos assuntos internos – de conde-
nar oficialmente a violação dos direitos humanos em Cuba, China
ou Irã.53
Em terceiro lugar, a “autonomia através da integração”, supu-
nha uma autonomia articulada com o meio internacional através
do estabelecimento de uma série de prioridades. A principal prio-
ridade, nas palavras de LAMPREIA, supunha uma trabalhosa en-
genharia de realização da autonomia através da integração desde a
perspectiva da construção de espaços não concorrentes e comple-
mentares à formação da ALCA, como o MERCOSUL, a criação de
um espaço sul-americano ou o acordo de livre comércio em nego-
ciação com a UE.54 Entre todos estes, não deve se passar por alto,

53
SANTISO, Carlos: “Promoção e proteção da democracia na política externa brasileira”, Contexto Interna-
cional, Rio de Janeiro, vol.24, nº 2, jul/dez, 2002, pp.397-431.
54
LAMPREIA, Luiz F.: “A política externa do governo FHC: continuidade e renovação”, Revista Brasileira de
Política Internacional, Brasília,vol.2, nº 42, 1998, pp.5-17

81
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

em função de sua relevância futura, a centralidade que as relações


com os países sul-americanos adquiriam na retórica e na prática
diplomática do Itamaraty. Foi Cardoso, na sua qualidade de minis-
tro de Relações Exteriores durante um breve período no Governo
Franco (outubro 1992 - maio 1993), quem desenvolveu os funda-
mentos teóricos que, com o passar dos anos, serviriam para substi-
tuir o termo “América Latina” por “América do Sul”, mais funcio-
nal economicamente para a viabilidade do projeto neo-
desenvolvimentista brasileiro e politicamente para a ampliação das
cotas de poder internacional do país.55 Segundo esta análise, o con-
ceito “América Latina” se teria transformado, depois da constitui-
ção do NAFTA e da inclusão do México e a provável absorção do
istmo centro-americano, em uma noção geopolítica que já não era
operativa. Foi exatamente para contrapor a noção de “América do
Sul” ao conceito de “América Latina”, que Cardoso convocou a
seus colegas do subcontinente para a reunião de Brasília, em 2000.
A perspectiva da diplomacia brasileira contrastava com a da Ar-
gentina que via como a noção de “América do Sul” resultava incô-
moda, preferindo trabalhar com dois termos: “América Latina” no
qual estaria incluído o México, com capacidade para atenuar o poder
brasileiro, e o termo MERCOSUL, no qual brasileiros e argentinos
se encontravam em pé de igualdade.
A liderança que o Brasil de Cardoso pretendia exercer na Amé-
rica do Sul respondia ao novo modelo de inserção estratégica do
país no plano internacional com base em dois pilares fundamen-
tais: a demarcação da região sul-americana como área de influên-
cia através da integração regional e o multilateralismo como ele-
mento de contraponto à hegemonia hemisférica norte-americana56.

55
HIRST, M.: “La política de Brasil hacia las Américas”, Foreign Affairs en español, vol.1, nº 3, otono-
inverno, 2001, pp.141-155.
56
Sobre a liderança brasileira na América do Sul na etapa Cardoso: PFEIFER, Alberto: “O Brasil assume a
liderança da América do Sul”, Carta Internacional, ano VI, nº 63, maio, 1998, pág.6; LAMPREIA, Luiz F.:
“Cúpula da América do Sul”, Carta Internacional, ano VIII, nº 87, maio, 2000, pp.1-2; LINS DA SILVA,
Carlos E.: “A Cúpula Sul-Americana”, Carta Internacional, ano VIII, nº 90, agosto, 2000, pág.14; SOUTO
MAIOR, Luiz A.: “Cupula da América do Sul: rumo a um novo regionalismo?”, Carta Internacional, ano
VIII, nº 91, sept, 2000, pp.3-4; BARBOSA, Rubens: “Um novo ator global na América do Sul”, Valor
Econômico, 6 de outubro de 2000; SEIXAS CORREA, Luiz F.: “Unir as divergencias”, O mundo em portugu-
ês, 13 de outubro de 2000; MOREIRA, Carlos: “América del Sur: ¿un nuevo concepto político”, Política
Exterior, nº 78, nov/dic, 2000, pp.99-109; GUILHON, José A.: “Unidade Sulamericana para qué?, Carta

82
capítulo 2
A política externa brasileira de Goulart a Lula (1961 – 2005)

Consumava-se um giro na política externa brasileira com uma “sul-


americanização” que gravitaria em torno de dois eixos: o platino e
o andino-amazônico 57. O discurso diplomático brasileiro das pre-
tensões de liderança na América do Sul enfatizava o fato de que o
subcontinente fosse a circunstância geográfica do Brasil, a área
onde o país se projetava como potência regional e onde encontrava
seu locus ideal. Ao mesmo tempo, a liderança brasileira constituía
uma expressão contemporânea da constante idéia-força da política
externa do Brasil orientada a garantir a paz e o estímulo ao desen-
volvimento na América do Sul58.
A outra prioridade do projeto de “autonomia pela integração”
consistia no encaminhamento das problemáticas relações com o
“parceiro” ou sócio histórico do Brasil: os Estados Unidos. Estas
relações se encontraram, no último lustro do século XX, intima-
mente vinculadas aos temas referentes à integração continental. A
estratégia escolhida foi a “desdramatização” da agenda bilateral,
apesar das divergências existentes e da lembrança dos confrontos
em décadas anteriores, procurando o desenvolvimento de uma re-
lação positiva. O próprio Cardoso definiu esta nova etapa das rela-
ções Brasil-EUA como uma “parceria” sem subordinações nem
ressentimentos. Apesar da boa vontade na distensão das relações,
em particular nas áreas de propriedade intelectual e tecnologias
sensíveis, e das freqüentes visitas bilaterais que reafirmaram a dis-
posição em desenvolver uma agenda positiva, a permanente pre-
sença das divergências nos temas de organização do comércio in-

Internacional, ano VIII, nº 90, agosto, 2000, pág.16; DANESE, Sergio: “O Brasil e a América do Sul: apon-
tamentos para a historia de uma convergencia”, Política Externa, São Paulo, vol.9, nº 4, mar/maio, 2001,
pp.49-71; LOHBAUER, C.: “O papel do Brasil como líder sul-americano”, Valor Econômico, 16 de março de
2001; LINS DA SILVA, Carlos E.: “Un callejón sin salida: el liderazgo de Brasil amenazado”, Foreign Affairs
en español, primavera, 2001, versão eletrônica: http://www.foreignaffairs-esp.org; DANESE, S.: “¿Liderazgo
brasileño?”, Foreign Affairs en español, vol.1, nº 3, inverno, 2001, pp.157-179; VIGEVANI, T.: “Os limites
para uma política sul-americana”, Panorama da Cojuntura Internacional, Gacint-USP, nº 15, ano 4, out/nov,
2002, pp.1-3; HOFMEISTER, W.: O Brasil e seus vizinhos. Reivindicação de liderança regional na América
do Sul, Rio de Janeiro, F. Adenauer, Análises e Informações, nº 13, setembro, 2003;
57
SENNES, R.; ONUKI, J.; OLIVEIRA, A.: “La política exterior brasileña y la seguridad hemisférica” en
ROSAS, María C. (coord): Cooperación y conflicto en las Américas. Seguridad hemisférica: un largo y sinuoso
camino, México, UNAM, 2003, pp.183-206.
58
BARBOSA, R.: “O lugar do Brasil no mundo”, Política Externa, São Paulo, vol. 5, nº 2, setembro 1996,
pp.69-82;LAFER,C.:”Política externa brasileira: origens e linhas de continuidade no século XX – implica-
ções para as prioridades externas no século XXI”, Negocios Estrangeiros, nº 2, setembro, 2001, pp.11-23.

83
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

ternacional, do protecionismo dos países desenvolvidos e do proje-


to da ALCA fizeram aflorar o potencial de agitação inerente à rela-
ção brasileiro-estadunidense. O Governo Cardoso preservou um
dos traços distintivos da política externa brasileira ao manter sua
autonomia frente às grandes potências, especialmente na posição
de independência frente aos EUA no processo de negociação da
ALCA. A estratégia utilizada, até a Cúpula de Quebec de abril de
2001, foi a postergação baseada em uma tripla negação: a ALCA
não deve existir; se existisse só traria prejuízos para o Brasil; em
consequência a única defesa é a procrastinação59. Enquanto Wa-
shington mostrava pressa em concluir a ALCA, o Brasil preferia
atrasar sua conclusão se concentrando nas experiências sub-regio-
nais.
Apresentar conclusões de uma etapa de Governo tão recente
não é fácil. Os próprios analistas brasileiros não se põem de acordo
na hora de processar os resultados da política externa do Brasil na
etapa Cardoso. No entanto, pode afirmar-se a importância da he-
rança desses oito anos que representaram, na história de suas rela-
ções internacionais, um dos períodos mais férteis e ativos da pre-
sença do Brasil no mundo. Uma herança que, segundo VALLADAO,
significou uma dolorosa revolução mental, uma vertiginosa mudança
de perspectiva para um país que nessa fase tomou consciência que
seu futuro estava irremediavelmente vinculado aos destinos de seus
vizinhos, em particular, e aos da humanidade, em geral60. O Brasil
venceu as tentações de isolamento que tão belamente aparecem
refletidas em seu hino nacional – “Deitado eternamente em berço
esplendido” –.

2.5.- A política eexterna


xterna do Governo Lula (2003-2005)
Um mês antes das eleições de 2002, um diplomata brasileiro
refletia sobre as bases conceituais que deviam presidir o consenso

59
A análise da estratégia da política externa brasileira, antes e depois de Quebec, pode encontrar-se em
GUILHON, J.A.: “A ALCA na política externa brasileira”, Política Externa, São Paulo, vol. 10, nº 2, setem-
bro-novembro, 2001, pp.7-20.
60
VALLADÃO, Alfredo: “Política externa: o legado da autonomía pela participação”, O Mundo em português,
ano IV, nº 38, 2002, pp.15-17.

84
capítulo 2
A política externa brasileira de Goulart a Lula (1961 – 2005)

na política externa do Brasil, à margem de discussões de caráter


dispersivo ou ideológico61. Na sua opinião, qualquer proposta ou
ação em matéria de política externa deveria ser julgada de acordo
com dez princípios que expressariam sua coerência com o
patrimônio diplomático brasileiro e com as premissas que definem
a defesa do interesse nacional. Estes princípios eram a vinculação
estreita entre a diplomacia e o país real; a consciência que uma
boa política externa não substitui as políticas interiores; a consci-
ência de ser uma política de Estado, suprapartidária; o caráter não
excludente em temas, sócios e processos negociadores; a vocação
de ser uma diplomacia multidirecional capaz de incluir diferentes
esferas de interesses da sociedade brasileira; seu caráter pragmá-
tico e não ideológico; seu caráter reflexivo, não errático, contrário
a sensacionalismos; a importância da memória histórica; a consci-
ência de ser uma diplomacia de um país em desenvolvimento e
sul-americano; a necessidade de contar com projetos diplomáticos
de longo prazo.
Quatro anos depois qualquer avaliação rigorosa da política ex-
terna do Governo Lula deveria cotejar cada uma de suas ações com
o anterior decálogo. Nesta tarefa haveria discrepâncias na inter-
pretação das orientações e metas que guiaram o Brasil neste perí-
odo mas poderiam ser alcançados pontos de encontro, mesmo que
permanecessem em aberto questões como a mudança ou a conti-
nuidade na política externa referente à etapa Cardoso, os ganhos
concretos, seu caráter retórico e a dilapidação ou preservação do
capital diplomático brasileiro.
Não há dúvida que a política externa de Lula foi considerada
um dos aspectos de mais êxito na sua tarefa de governo destacan-
do-se o grande ativismo presidencial que se concretizou em via-
gens, visitas, discursos e articulações diplomáticas por todo o mun-
do. No discurso oficial, o ministro de Relações Exteriores, Celso
Amorim, recalcou desde o princípio a necessidade de desenvolver
uma política externa “ativa” e “altiva” - em oposição ao que teria
sido uma política externa “passiva” e “servil” no período Cardoso

61
DANESE, Sérgio: “Dez pontos para uma política externa de consenso”, Carta Internacional, NUPRI-USP,
São Paulo, número 115, setembro, 2002, pp.7-10.

85
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

- que defendesse uma postura do país mais afirmativa em concor-


dância com as preferências expressadas pelos brasileiros nas ur-
nas. Isso implicaria a defesa do interesse nacional com determina-
ção assim como o estabelecimento de novas prioridades na política
externa62.
A principal prioridade no discurso e na prática da política ex-
terna na etapa Lula foi a América do Sul – até aqui nenhuma dife-
rença com a política externa de Cardoso – mas desde uma ótica
diferente segundo a qual o desenvolvimento da região encontra-se
estreitamente vinculado ao desenvolvimento do Brasil, converten-
do a política externa ao mesmo tempo em expressão e elemento
estruturante de uma nova concepção de desenvolvimento, segundo
a formulação de Marco Aurélio Garcia, assessor de Lula em temas
internacionais. Colheram-se sucessos, como o acordo entre o
MERCOSUL e a Comunidade Andina ou a participação do Banco
Nacional de Desenvolvimento (BNDES) no financiamento de pro-
jetos de integração física, mas paradoxalmente a nenhum analista
lhe escapa que o MERCOSUL agoniza rumo a uma perigosa
“aladificação”, sendo cada vez mais numerosas as vozes que re-
clamam que, ante os continuados conflitos comerciais entre o Bra-
sil e a Argentina e ante as assimetrias destes dois países com o
Paraguai e o Uruguai, o bloco recue para consolidar primeiro uma
zona de livre comércio.63
As primeiras semanas de dezembro de 2004 foram prolixas
em manifestações e sinais de que o MERCOSUL afundava e que a
estratégia de Lula para a América do Sul encontrava resistências
em Buenos Aires e entre os setores empresariais brasileiros impa-
cientes com a ausência de resultados concretos, pois as negocia-
ções da ALCA estavam bloqueadas, as conversas com a UE não
avançavam e as perspectivas de progredir na Organização Mundial
do Comércio (OMC) pareciam ainda bastante distantes. Kirchner

62
Entrevista a Celso Amorim, Carta Capital, 28 de maio de 2003.
63
O termo “aladificação” foi adotado por Felix Peña, analista argentino, e faz referência ao processo pelo qual
o MERCOSUL vai caminhando nos ultimos anos para uma situação de irrelevância com respeito a agenda
crítica de alguns dos seus membros, a semelhança do que aconteceu com a Associação Latinoamericana de
Integração (ALADI).

86
capítulo 2
A política externa brasileira de Goulart a Lula (1961 – 2005)

decidiu ausentar-se da Cúpula de Presidentes da América do Sul


que se realizou em Cusco, no dia 7 de dezembro de 2004, aduzindo
pela boca do chanceler argentino Bielsa que essas reuniões “eram
um pouquinho ociosas”, prometendo não ceder no seu empenho
para que, no futuro, fossem instituídas salvaguardas comerciais na
relação bilateral com o Brasil. Esta situação levou ao diretor-exe-
cutivo da Confederação Nacional da Indústria brasileira, José
Augusto de Castro, a manifestar que o grande negócio do momento
seria comprar o MERCOSUL pelo que valia e vendê-lo pelo que
muitos na Europa e no Japão pensam que vale.
A segunda prioridade pode ser definida como a constituição de
uma relação especial com as potências emergentes, dentro de um
modelo de cooperação Sul-Sul, onde entrariam a Índia, a China, a
África do Sul e a Rússia, com uma dupla finalidade. Por um lado,
uma finalidade política cuja principal contribuição seria o estabe-
lecimento de um sistema internacional multipolar que fosse funci-
onal para o Brasil e permitisse a construção de uma ordem mundi-
al com capacidade para resistir os processos de globalização e a
supremacia dos EUA. Por outro lado, uma finalidade econômica,
resumida na frase de Lula “queremos mudar a geografia comercial
do mundo”, que persegue preservar um espaço de independência,
crescimento e autonomia para a economia nacional. Para isso se
deveria articular uma ampla rede de coligações entre países em
desenvolvimento que permitisse alcançar vitórias nos foros inter-
nacionais onde se elucidam os temas que preocupam o governo
brasileiro, especialmente na OMC, onde o Brasil alcançou um gran-
de sucesso na constituição do G-20 (um grupo de países exporta-
dores agrícolas que demandam uma maior liberalização do comér-
cio da agricultura e o fim dos subsídios que distorcem o mercado
mundial de alimentos). Ao mesmo tempo, deveria multiplicar-se o
comércio com os grandes mercados do futuro.
A aproximação China-Brasil é um bom exemplo desta última
estratégia. Só no ano 2003 o intercâmbio comercial bilateral au-
mentou 78 %, se comparado com o ano 2002, com cifras próximas
aos 8.000 milhões de dólares, com grandes expectativas para o
aumento da venda de soja brasileira. Esperam-se também investi-
mentos chineses no setor das infra-estruturas na América do Sul e

87
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

o desembarque de empresas brasileiras no mercado chinês como a


companhia de automóveis Marco Polo, a mineraria Vale do Rio Doce,
a empresa de compressores do Brasil ou a aeronáutica Embraer
que estabeleceu uma sociedade mista no nordeste chinês, em
Harbin, onde se estão produzindo aviões regionais para a South
China Airline. A cooperação espacial é outro campo promissor ao
contar os dois países com um programa bilateral que, entre 1999 e
2003, lançou dois satélites de recursos terrestres.
Se estas foram, em linhas gerais, algumas das prioridades da
política externa do Governo Lula, quais são as avaliações que se
realizam no Brasil sobre os resultados alcançados e sobre as metas
previstas? Os que aprovam o Governo destacam os sucessos na
busca de uma nova dinâmica de inserção internacional que assu-
me uma postura mais enfática em torno da defesa da soberania
nacional; as inéditas iniciativas tomadas no campo político, diplo-
mático e econômico no cenário internacional entre as quais a luta
contra a fome representa o exemplo paradigmático que assinala a
construção de um modelo sócio-econômico alternativo que Lula
quer impulsionar como resposta à crise da globalização neoliberal;
o acento latinoamericanista adotado que prioriza o MERCOSUL e
dificulta a agenda da ALCA ao mesmo tempo em que reinsere Cuba
na região, e oferece legitimidade para a resolução democrática dos
conflitos da Venezuela e a Colômbia e faz viável a assinatura de
acordos comerciais e de financiamento de projetos com os vizi-
nhos; as firmes posições contra o unilateralismo dos EUA e a de-
terminação de não se submeter aos interesses de Washington nas
negociações da ALCA; a aposta pela reforma das Nações Unidas e
a busca de apoios para alcançar um posto permanente no Conselho
de Segurança; a articulação de um eixo econômico Brasil- África
do Sul- Índia- Rússia - China frente ao G-7 e a formação do G-20
que, a partir da Conferência de Cancun, em setembro de 2003,
estariam contribuindo à mudança da geografia comercial do mun-
do; a diminuição da vulnerabilidade exterior do Brasil contra o
capital financeiro, a crítica ao protecionismo do primeiro mundo e
a construção de uma liderança internacional por parte do Presi-
dente Lula.
Os que criticam a política externa de Lula ressaltam o que con-

88
capítulo 2
A política externa brasileira de Goulart a Lula (1961 – 2005)

sideram suas debilidades. A saber: a adoção de um padrão


discursivo e retórico, distanciado de conseqüências práticas e do
pragmatismo tradicional da diplomacia do Brasil; sua ausência de
novidade nos conteúdos e sua grande continuidade com à política
externa de Cardoso; a profusão de atitudes simbólicas, sensacio-
nalistas que dilapidam o principal ativo internacional do Brasil,
isto é, o de ser um país confiável e previsível que procura de forma
pragmática as condições que favoreçam o desenvolvimento nacio-
nal; o perfil terceiro-mundista que levou a priorizar relações com
países que tem pouco a oferecer ou com os quais o Brasil compete
em termos econômicos em terceiros mercados; o viés ideológico
que impediu avanços nas negociações comerciais na OMC ou na
ALCA ou ainda a quebra de princípios consagrados na prática di-
plomática brasileira como a não intervenção na política interna de
outros países a exemplo, dizem os detratores, do sucedido na
Venezuela.
O anterior ministro de Relações Exteriores, Celso Lafer, é um
dos críticos mais ferozes da política externa de Lula ao acusá-la de
“política espetáculo”, dirigida para a platéia e utilizada para a sa-
tisfação ideológica interna, isto é, uma política externa destinada a
satisfazer a necessidade doméstica que teria o governo de demons-
trar que, pelo menos em algo, é radical e rompe com a anterior
administração. Em resumo, parece difícil e prematuro avaliar a
política externa de Lula sem ceder à tentação de uma análise
maniqueísta. A prudência recomenda seguir com atenção sua evo-
lução e aguardar a resultados concretos para verificar se o Brasil
ganhou ou perdeu peso e autonomia no cenário internacional e se
os cidadãos brasileiros se beneficiaram em termos de um maior
bem-estar, toda vez que a política externa deveria servir ao objeti-
vo de traduzir e compatibilizar as necessidades internas em possi-
bilidades externas através de uma avaliação pragmática dos recur-
sos de poder do país.

89
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

90
capítulo 3
a Espanha na história da política externa brasileira (1945-1979)

PARTE II
As R elações entre
Relações
Brasil e Espanha:
da Mútua Irrelevância à
Associação ou P arceria
Parceria
Estratégica

91
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

Capítulo 3
A Espanha na história da política eexterna
xterna
brasileira (1945-1979)

3.1.- Uma eexplicação


xplicação para o baix
baixoo perfil das relações
hispano -brasileiras.
hispano-brasileiras.
Na introdução desta obra apontava-se a mútua irrelevância e a
ausência de interesses comuns como fatores explicativos para en-
tender a história das relações hispano-brasileiras. Estas caracte-
rísticas percorrem a história das relações bilaterais até, pelo me-
nos, a década dos anos 80 do século XX. O fator da mútua
irrelevância não significa carência de relações. Pelo contrário, não
se nega sua existência nem a proliferação de contatos entre dois
países que, além do mais, compartilham significativos vínculos
históricos e sociais. O que se pode afirmar é que as relações entre
o Brasil e a Espanha apresentaram, durante quase um século e
meio, um perfil de baixa intensidade que não configuravam um
padrão relacional de relevância na perspectiva dos objetivos das
respectivas políticas externas.
Neste capítulo se oferecem explicações plausíveis sobre as ca-
racterísticas históricas das relações hispano-brasileiras, em espe-
cial, a mútua irrelevância. Oferece-se, em primeiro lugar, uma
panorâmica geral dos principais marcos históricos das relações
bilaterais caracterizados pela ausência de conflitos numas rela-
ções essencialmente amistosas. Em um segundo momento se ana-
lisam alguns argumentos que buscam estabelecer os fatores
determinantes das relações hispano-brasileiras centrando-se o foco
nas respectivas políticas exteriores e na existência de um triângulo
Espanha-Portugal-Brasil que condicionou as relações bilaterais até
a entrada dos dois países ibéricos na CEE.
Em terceiro lugar se examinam os temas tradicionais das rela-
ções hispano-brasileiras, isto é, os assuntos recorrentes na agenda
bilateral. Identificam-se três vertentes significativas: a política,
iniciando à análise na deterioração das relações bilaterais na dé-
cada dos anos 30, especialmente, com o impacto negativo da Guer-
ra Civil espanhola; a comercial, verdadeira pedra de toque das re-

92
capítulo 3
a Espanha na história da política externa brasileira (1945-1979)

lações hispano-brasileiras, que introduz tensões significativas e


supõe a principal dimensão conflitiva bilateral, pelo menos até a
consecução do equilíbrio da balança comercial a partir de 1995; a
social, que abarca o referente às diferentes ondas migratórias de
espanhóis para o Brasil, tema constante na agenda hispano-brasi-
leira até o último quarto do século XX. É importante constatar que,
junto às implicações da política espanhola para América Latina,
estas vertentes temáticas constituem os eixos gravitatórios ao re-
dor dos quais vão girar as relações hispano-brasileiras. Para fechar
o leque de temas estudados se apresentam reflexões sobre a espe-
cial significação da visita de Juscelino Kubitschek a Espanha e
sobre a convergência das estratégias desenvolvimentistas entre o
Brasil e a Espanha nos anos 60 e em boa parte dos anos 70 do
século XX.

3.2.- A ausência de conflitos nas relações amistosas: a


mútua irrelevância
Como caracterizar a história das relações hispano-brasileiras?
Do exame da correspondência diplomática disponível no Rio de
Janeiro, Brasília e Madri, se pode constatar que não existiram pro-
priamente problemas específicos no campo das relações entre Bra-
sil e Espanha, já que o único interesse político permanente da di-
plomacia brasileira e espanhola foi manter o clima de cordialida-
de. Não existiram nos últimos cinqüenta anos problemas ou áreas
de conflito político resenháveis1. Si tal quadro não conduziu ao
surgimento de desavenças bilaterais de importância, tampouco es-
timulou aproximações em profundidade, delineando-se umas rela-
ções, sem substancia, carentes de conteúdos importantes e, em
consequência, irrelevantes. Por outro lado, as relações hispano-
brasileiras estiveram pautadas, durante boa parte do século XX,
pela afluência de emigrantes espanhóis ao Brasil e pelos proble-
mas derivados dos intercâmbios comerciais. Estas questões não
conformavam situações conflitivas pois tão logo surgiam discre-
pâncias, se encontravam normalmente soluções amistosas. As re-

1
Ofício confidencial nº 999/920, 26 de dezembro de 1961, do encarregado de negócios do Brasil em Madri
para MRE, AHIB, pasta “relações políticas e diplomáticas”, 920(42)(00) .

93
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

lações bilaterais sempre conservaram - no âmbito estritamente


político – seu caráter tradicional de menor densidade relativa, como
conseqüência das distintas motivações regionais e geopolíticas e
das diferentes direções prioritárias das projeções externas espa-
nhola e brasileira2.
Na realidade, o baixo perfil das relações entre a Espanha e o
Brasil é compreensível desde a consideração dos interesses que
cada país tinha no outro. Depois da Segunda Guerra Mundial, o
regime franquista perseguia como principal objetivo sua aceitação
no sistema internacional. Toda vez que, politicamente, a influência
do regime de Franco no mundo era quase nula e que, economica-
mente, a situação espanhola era de debilidade e dependência, foi
sobre tudo no campo cultural e, principalmente, no que se refere à
América Latina que Franco procurou alcançar seus objetivos. No
entanto, a Espanha sempre teve problemas na América de coloni-
zação lusa porque a política cultural desenhada para os países de
língua hispânica encontrava obstáculos, resistências e tropeços
operacionais para sua implementação no Brasil. A atividade espa-
nhola na América Latina despertava dúvidas e desconfianças nos
diplomatas brasileiros e constituiu sempre um motivo latente de
conflito com capacidade de prejudicar o geral bom estado das rela-
ções bilaterais. Apesar dos receios brasileiros, pelas interferênci-
as que a Espanha pudesse criar no sistema interamericano e por
suas repercussões econômicas e comerciais, estes medos não con-
seguiram turvar as relações hispano-brasileiras, caracterizando-se
estas, em linhas gerais, pela cordialidade conseqüência da amiza-
de tradicional que unia os dois povos à que, sem dúvida, contri-
buía a existência de um patrimônio cultural comum e a presença
de um importante componente espanhol na formação do povo bra-
sileiro3.

2
Ofício confidencial nº 300.2 (F4) ,14 de janeiro de 1982, AHIB, caixa 257.
3
Escritório de Informação Diplomática do Ministério de Assuntos Exteriores da Espanha, “República Fede-
rativa do Brasil”, Madri, junho de 2000, pág.24.

94
capítulo 3
a Espanha na história da política externa brasileira (1945-1979)

A presença espanhola no Brasil e as relações hispano


hispano-brasilei-
-brasilei-
ras até 1930
A existência de um componente hispânico na história do Bra-
sil, assim como a presença de algumas características de origem
espanhola em certos traços da sociedade e da cultura brasileiras, é
evidente4. O certo é que, esfumaçados pelo implacável passo do
tempo ou relegados ao esquecimento pelo desinteresse dos pesqui-
sadores ou das autoridades públicas, o substrato espanhol aflora
na história brasileira com apenas repassar alguns episódios que
revelam estas afinidades históricas e culturais.
Possivelmente a presença dos espanhóis na história do Brasil
inicia-se antes do descobrimento oficial do país pelo navegador
português Pedro Álvares Cabral, em 22 de abril de 1500. Alguns
historiadores mantiveram que Vicente Yánez Pinzón, descobriu o
Brasil quando, em 26 de janeiro de 1500, avistou terra na ponta
Macuripe, recorrendo depois o litoral do que hoje são os Estados
do Ceará, Piauí, Maranhão, Pará e Amapá5. Outros afirmaram que
a presença da Espanha no Brasil é anterior à de Portugal6. Mais
além das polêmicas sobre a paternidade do descobrimento, o ras-
tro dos espanhóis encontra-se no descobrimento do Amazonas por
Francisco de Orellana ou das Cataratas de Iguaçu por Alvar Núñez
Cabeza de Vaca; na fundação da cidade de São Paulo, em 25 de
janeiro de 1554, pelo sacerdote jesuíta de origem canário, José de
Anchieta; nos 60 anos de dominação espanhola sobre Portugal e
Brasil, entre 1580 e 1640, que deixaram uma profunda marca nas
instituições jurídicas, políticas e administrativas locais através das
Ordenações Filipinas; em produções literárias e obras de arte, como
a peça teatral de Lope de Vega, O Brasil restituído, ou no imponen-

4
Para o intelectual brasileiro Gilberto Freire, “o passado brasileiro inclui um tempo o período espanhol. e
esse tempo deixou marcas saudáveis na memória do Brasil, que vão desde sulcos na história política a influ-
ências no folclore (...)O Brasil pode considerar-se duplamente hispânico ou ibérico em sua formação. A única
nação da América com essa significativa experiência”, em “Os Reis da Espanha em um país hispano-tropi-
cal”, Folha de São Paulo, 7 de junho de 1983; Ver também FREIRE, G.: O brasileiro entre os outros hispanos,
Rio de Janeiro, Ed.José Olympio, 1975.
5
VARELA MARCOS, Jesús: “Vicente Yánez Pinzón descubridor del Brasil”, Quaderni Ibero-Americani,
gennaio-dicembre, nº 85-86, 1999, pp.40-49
6
GARCÍA MOREJÓN, Julio: “Presencia histórica de España en Brasil”, Viaje a Brasil de SS.MM. los Reyes
de España, Câmara Oficial espanhola de Comércio no Brasil, maio, 1983, pp.15-19.

95
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

te quadro de Juan Bautista Maíno, Recuperação da Bahia do Bra-


sil, exposto no Museu do Prado, ambas datadas respectivamente
em 1625 e 1634, que glosam a façanha de D.Fadrique de Toledo
quando, em 1624, expulsou os holandeses da cidade da Bahia no
Nordeste brasileiro; no protagonismo social de famílias espanho-
las de origem ilustre que se estabeleceram no Brasil, como os
Ramírez, os Godoy, os Martínez Bonilla, os Toledo ou os Bueno, um
de cujos membros, Amador Bueno, foi aclamado popularmente “Rei
de São Paulo”, em 1641; Em fim, em tantos episódios históricos
demonstrativos de uma realidade inegável: a existência de fortes
laços históricos e culturais que unem espanhóis e brasileiros e cons-
tituem o substrato psico-social sobre o que se assentam nossas re-
lações tradicionais de amizade. 7

As relações entre o Brasil e a Espanha (1822-1889)


Em 1822, exatamente em 7 de setembro, ocorre a independên-
cia do Brasil, com o famoso grito de D. Pedro I, o então Príncipe
regente e logo coroado Imperador, à margem do rio Ipiranga: “In-
dependência ou Morte”8. A história das relações entre a Espanha e
o Brasil, stricto sensu, como Estados soberanos e independentes,
nasce exatamente nesse momento. Um primeiro problema se apre-
senta para o Governo da Espanha, que resistia a reconhecer a in-
dependência brasileira de Portugal, receosa de que seu gesto sig-
nificasse a legitimação dos movimentos independentistas das ex -
colônias espanholas, apesar da semelhança na forma de governo,
pois os dois países eram monarquias. Entre 1822 e 1834, o Consu-
lado espanhol no Rio de Janeiro se destacará como um posto fun-
damental para as ações da Espanha na América do Sul: como cen-

7
GONZÁLEZ, Elda: Guía de fuentes manuscritas para la historia del Brasil conservadas en España, Madri,
Fundação Mapfre Tavera/Ministério da Cultura, 2002; MELO NETO, João Cabral de: O Arquivo das Índias e
o Brasil-Documentos para a História do Brasil existentes no Arquivo de Índias de Sevilha, Rio de Janeiro,
Ministério das Relações Exteriores, 1966.; NÚÑEZ ARCA, P.: O Brasil restituido: os Tres Felipes da Espanha
que foram Reis do Brasil. A ação da Espanha filipina no Brasil e na América 1580-1640, São Paulo, Edigraf,
1957; SOUTO MAIOR, Pedro: “Nos arquivos de Hespanha: relação de documentos que interessam ao Bra-
sil”, Revista do Instituto Histórico e Geográphico ao Brasil, Rio de Janeiro, vol.81, 1918; VARNHAGEN,
Francisco Adolfo de: Cópia do diário dos documentos sacados do Arquivo Geral de Simancas para F.A.Varnhagen,
Autorizado por R.O.em 7 de agosto de 1864. Manuscrito, Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, Divisão de
Manuscritos, I-48,3,11;

96
capítulo 3
a Espanha na história da política externa brasileira (1945-1979)

tro de fornecimento de armas para a resistência realista do Alto


Peru e politicamente, para protestar ante o Governo brasileiro por
qualquer aliança que pudesse estabelecer-se em apoio dos
insurretos da América, assim como para proteger os emigrados
políticos a procura de refúgio9.
Por sua parte, o Brasil decidiu em 1826 enviar D.Duarte da
Ponte Ribeiro como cônsul a Madri, com o encargo de acelerar o
reconhecimento da independência brasileira e reativar o comércio
bilateral em decadência. Perante suas infrutuosas gestões, e devi-
do à obstinação do Governo espanhol em não reconhecer o Brasil
independente, foram passadas do Rio ordens a Ponte Ribeiro para
que se retirasse a Lisboa, em setembro de 1827, à espera dos acon-
tecimentos10. Depois de anos de tensas negociações, entreveradas
pelos acontecimentos do processo de independência, o primeiro
encarregado dos negócios da Espanha no Brasil, José Delavat y
Rincón, foi quem transmitiu em nome do Governo da Rainha Isa-
bel II, em 13 de dezembro de 1834, o reconhecimento oficial do
Brasil imperial. No dia 6 de fevereiro de 1835, a regente Maria
Cristina, recebia as credenciais de Pedro Afonso de Carvalho como
representante do Brasil em Madri. A Espanha foi o último país
europeu a reconhecer a independência do Brasil, em 1834. Como
afirma MOREIRA, o Triênio Liberal (1820-1823) foi hostil à mo-
narquia brasileira e desta linha de conduta não desentoou a “Dé-
cada Ominosa” (1823-1833) podendo ser identificados três fato-
res que desbloquearam o reconhecimento do Império brasileiro pela
Espanha: a morte de Fernando VII, o retorno de D.Pedro I a Portu-
gal e a conclusão da luta pelo poder nos dois reinos11.

8
Uma descrição do processo de independência em FAUSTO, Boris: História do Brasil, São Paulo, EDUSP,
2000, pp.129-176.
9
MOREIRA, Earle M.: “Delavat y Rincón: primeiro encarregado de negócios da Espanha no Império do
Brasil”, em LUBISCO BRANCATO, Sandra(org.): Anais III Simpósio Internacional Estados Americanos: re-
lações continentais e intercontinentais, Porto Alegre, EDIPUCRS, 2000, pp.75-84.
10
Para todas as implicações do complicado processo e das delicadas relações hispano-brasileiras nessas datas
ver: VASCONCELLOS, Mário de: Motivos de historia diplomática do Brasil, Rio de Janeiro, Imprensa Naci-
onal, 1930, pp.131-151; também CALÓGERAS, Pandiá: A política externa do Imperio, vol.II, primeiro rei-
nado, Brasília, Senado Federal, Edic.Facsímil, 1989, pp.386-391.
11
MOREIRA, Earle M.: “Espanha e Brasil: problemas de relacionamento (1822-1834)”, Estudos
Iberoamericanos, Porto Alegre, vol. III, nº 1, julho, 1977, pp.7-92.

97
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

A partir desse momento, e até a proclamação da República no


Brasil, em 1889, as relações bilaterais se caracterizaram pela ges-
tão dos temas rotineiros (reclamações comerciais pela restituição
de direitos aduaneiros, questões consulares, primeiras entradas de
emigrantes espanhóis, etc.) e pela assinatura de uma série de con-
vênios que regularam assuntos importantes. Destacam-se os con-
vênios que fixaram os direitos, privilégios e imunidades recíprocas
no âmbito diplomático e outros que estabeleceram o marco legal
de referência para as reclamações pendentes de brasileiros e espa-
nhóis, regularam a mudança de correspondência entre os dois pa-
íses o disciplinaram a extradição de cidadãos procurados pela Jus-
tiça 12. No âmbito das relações culturais, vai se destacar a presença
no Brasil, entre 1851 e 1853, do escritor e diplomata espanhol
Juan Valera, que será destinado à legação da Espanha no Rio de
Janeiro. O autor de Pepita Jiménez, ao que se pode considerar o
pioneiro dos brasilianistass espanhóis, 13 deixará uma interessante
obra que transmitirá imagens sobre seus anos no Brasil como Da
Poesia do Brasil, Gênio e Figura e a correspondência trocada com
Serafín Estébanez Calderón, onde desfilam personagens da corte
imperial como D. Pedro II, Varnhagen, a baronesa de Sorocaba,
magos, escravos...todos eles dissecados pelo olhar de Valera14.
O único conflito resenhável naqueles anos, ainda que não se
chegou a materializar em um enfrentamento, foi a tensão nas rela-
ções bilaterais como conseqüência da atuação espanhola em dife-
rentes conflitos com as recém nascidas repúblicas sul-americanas.
Em 1864, as forças navais espanholas se apoderaram das Ilhas de
Chincha, pertencentes ao Peru que era apoiado pelo Chile. Ainda
que o conflito se solucionou amistosamente, o Brasil, que havia
oferecido seus bons ofícios a Espanha, Peru e Chile para que “não
prevalecessem princípios ofensivos à autonomia e aos legítimos
interesses dos Estados do continente sul-americano”, ameaçou

12
Uma pormenorizada lista destos convênios encontra-se em CARDOSO DE OLIVEIRA, José M.: Atos
Diplomáticos do Brasil, Brasilía, Senado Federal, Edição Fac-similar, Tomo I e II, 1997.
13
Assim opina Valverde, que dedica suas pesquisas a presença de Valera no Brasil, ver PIÑERO VALVERDE,
Maria C.: Juan Valera y Brasil: un encuentro pionero, Madri, Qüásyeditorial, 1995.
14
Ver PIÑERO, María C.: Juan Valera: A poesia do Brasil, Madri, La Factoría, 1996 e “D. Juan Valera y el
indianismo romántico brasileño”, Cuadernos Hispanoamericanos, Madri, nº 570, dez. 97.

98
capítulo 3
a Espanha na história da política externa brasileira (1945-1979)

depois em romper sua neutralidade, ao bombardear a esquadra


espanhola a cidade de Valparaíso, em 1866. Por meio de um enér-
gico despacho do Governo Imperial, enviado à legação brasileira
em Madri para sua transmissão ao Governo de Isabel II, o conse-
lheiro Saraiva manifestou que a Espanha havia quebrado “práticas
salutares da moderna civilização” ao atacar uma cidade inofensiva
prejudicando interesses neutros. Em conseqüência, se anunciava
a hipótese da ruptura da neutralidade do Império brasileiro na guerra
da Espanha com as Repúblicas do Chile e Peru, devido à presença
de barcos de guerra espanhóis no Rio, se estes optassem por voltar
ao Pacífico para retomar as hostilidades15.

As relações entre a R epública dos Estados Unidos do Brasil e


República
Espanha (1889-1930)
Que impacto teve nas relações hispano-brasileiras a procla-
mação da República no Brasil, em 1889? Que tipo de relação se
estabeleceria entre dois países com formas de governo diferentes,
nos quais relações amistosas tradicionais atribuíveis, entre outros
fatores, à existência de uma solidariedade monárquica, podiam ver-
se afetadas? 16 Mesmo que o impacto simbólico17 da queda de D.
Pedro II pudesse estremecer o bom estado das relações hispano-
brasileiras, o pragmatismo que imprimia a existência de interesses
espanhóis no Brasil, num momento em que os emigrantes chega-
vam abundantemente, evitou as tentações que existiram a favor de
uma ruptura das relações diplomáticas. Estava ainda recente na
lembrança dos políticos espanhóis, a visita de D. Pedro II, em 1887,
e as agradáveis impressões que seu encontro com Sagasta, assim
como suas visitas a entidades culturais e ao Congresso e ao Sena-

15
CARDOSO DE OLIVEIRA, José M.: Actos Diplomáticos do Brasil, Brasília, Senado Federal, Edição Fac-
similar, Tomo I e II, 1997, pp.383-384.
16
Algumas respostas em LUBISCO BRANCATO, Sandra María: Las relaciones hispano-brasileñas a fines del
siglo XIX, Tese de doutorado, Universidade Complutense de Madri, 1983; “A Espanha e a implementação da
República no Brasil, reações entre os políticos espanhois”, Estudos Iberoamericanos, PUC-RS, vol. XI, nº 2,
dezembro, 1985, pp.25-38; “A proclamação da República brasileira na imprensa madrilenha”, anais da VI
reunião, Sociedade Brasileira de Pesquisa Histórica, São Paulo, 1987.
17
Deve-se pensar na delicada situação política espanhola e no regozijo dos republicanos espanhóis ante a
proclamação da República no Brasil, posta como exemplo a seguir na Espanha.

99
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

do, haviam deixado.18 A diferença da demora no reconhecimento


da Independência brasileira, o Governo da Espanha foi relativa-
mente ágil na tramitação da aceitação da nova realidade política.
Mais de um ano depois da proclamação da República, em 6 de
dezembro de 1890, a Espanha reconhecia a República dos Esta-
dos Unidos do Brasil,19 ainda que a chegada do primeiro represen-
tante ao Rio com categoria de ministro plenipotenciário, José
Llabería e Hertzberg, não se produzisse até 1896.
A proclamação da República no Brasil motivou poucas modifi-
cações no perfil das tradicionais relações com a Espanha. A situa-
ção dos emigrantes espanhóis e as questões comerciais seguiram
ocupando um destacado espaço na agenda bilateral, já que os por-
tos brasileiros aumentavam em importância para os interesses
mercantis da Espanha, diretamente ou como ponto de distribuição
para outros destinos20. Por outra parte, se introduziram elementos
positivos nas relações econômicas bilaterais como a assinatura, em
14 de abril de 1890, do Protocolo da Conferência Internacional de
Madri para a proteção da propriedade industrial, da qual os dois
países fizeram parte e a manutenção do status quo aduaneiro exis-
tente, mediante troca de notas, em quanto não se celebrasse um
ajuste comercial.
Foi no âmbito político onde as relações entre Espanha e Brasil
se deterioraram em relação aos períodos anteriores, dentro das
margens habituais de cordialidade. A causa foi o impacto dos con-
flitos das Antilhas nas relações bilaterais, devido às suspeitas es-
panholas ante as atitudes do Brasil. Em outubro de 1895, o Gover-
no brasileiro, em resposta às reclamações da legação espanhola
relativas à publicação de notícias favoráveis à revolução de Cuba
em jornais do Rio, tinha recusado as petições espanholas de expul-
são dos redatores, limitando-se a prometer sua intervenção oficio-
sa. Este fato e as posteriores declarações de vários partidos políti-

18
D.Pedro II, amante das viagens, visitou em várias ocasiões a Espanha. Em Agosto de 1877, El Imparcial,
noticiava a visita “de riguroso incógnito” do Monarca ao Museu do Prado. Quando seu féretro foi trasladado
da Francia a Lisboa, em 1891, recebeu uma homenagem oficial póstuma na Estação do Norte de Madri.
19
MRE/PUC-RS: Arquivo diplomático do reconhecimento da República, Vol.II, Brasília, 1993, pp.71-89
20
Segundo dados do Instituto Geográfico e Estatístico de Madri, em 1891, a emigração espanhola ao Brasil já
alcançava a cifra de 10.000 emigrantes.

100
capítulo 3
a Espanha na história da política externa brasileira (1945-1979)

cos favoráveis aos EUA demonstravam que parte da opinião públi-


ca brasileira era contrária à presença espanhola em América.
Ante o estouro da Guerra de Cuba, em fevereiro de 1898, o
Brasil declarou oficialmente sua “rigorosa neutralidade”, mas não
duvidou em vender aos Estados Unidos, em março, navios de guer-
ra como o Amazonas e o Almirante Abreu. Anos depois, em 1902, o
ministro plenipotenciário do Brasil em Washington, Assis Brasil,
em um ofício reservado, revelava que, por ocasião da guerra com a
Espanha, o Brasil foi o único país latino que teve real simpatia
pelo sucesso dos Estados Unidos, como a única nação do mundo
que vendeu navios de guerra aos norte-americanos nas vésperas do
conflito21. Se no âmbito político as relações bilaterais saíram
enfraquecidas pela atitude brasileira, no âmbito comercial, o Bra-
sil se beneficiou da guerra hispano-americana de 1898, ao desviar
a Espanha parte das transações comerciais que realizava nas Anti-
lhas para o mercado brasileiro22.
Entre 1900 e 1930, algumas questões diplomáticas menores
romperam a parcimônia das relações hispano-brasileiras ainda que
não conseguiram alterar suas características históricas e o baixo
perfil das mesmas que seguiam concentradas nas questões migra-
tórias e comerciais23. Em 1910, o Governo da Espanha contrarian-
do os desejos do brasileiro, decidiu proibir a emigração de espa-
nhóis com destino ao Norte do Brasil. As razões expostas no decre-
to de 20 de agosto de 1910 se amparavam nos relatórios recebidos
por um agente do Conselho Superior da Emigração, muito desfavo-
ráveis ao Brasil, denunciando as más condições de salubridade.
Em 1911, levantou-se a proibição, mas se mantiveram as restri-
ções para a zona onde se construía a linha férrea de Madeira-
Mamoré.24 As relações políticas prosseguiram a tônica amistosa

21
BUENO, Clodoaldo: A República e sua Política Exterior (1889-1902), São Paulo/Brasilía, UNESP/FUNAG,
pp.150-152.
22
Uma análise do impacto da Guerra de Cuba nas relações bilaterais em SANCHEZ ANDRES, Agustín: “La
crisis del 98 en el contexto de las relaciones hispano-brasileñas”, em CAMACHO NAVARRO, Enrique
(coord.): Siete vistas de Cuba. Interpretaciones de su independencia, México D.F, UNAM, 2002, pág.155.
23
LUBISCO BRANCATO, Sandra M.: “Estado libre de Counani: una cuestión diplomática entre España y
Brasil en el comienzo del siglo XX”, Estudos Iberoamericanos, vol. XII, nº 1, PUC-RS, 1986, pp.39-68.
24
Ver MRE: Relatório, 1911, pp.28-29; também OZOUVILLE DE BARDOU, Leopoldo d´: Un viaje al
Brasil: información acerca de la situación de los emigrados españoles en los estados de Pará y Amazonas y zona
de trabajos del ferrocarril de Madeira-Mamore, Madri, Conselho de Emigração, 1916.

101
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

com ocasiões para demonstrar a cordialidade habitual. Foi o caso


dos festejos do ano 1922 no Brasil, com motivo do Primeiro Cente-
nário da independência brasileira. O Rei Alfonso XIII enviou um
ministro plenipotenciário às cerimônias que fez entrega de uma
mensagem pessoal ao Presidente da República expressando o inte-
resse espanhol pelo engrandecimento brasileiro e a satisfação com
que “se afiançava a boa inteligência que felizmente existe entre
Brasil e Espanha”25.
A imprensa espanhola dedicava grandes espaços ao Brasil,
destacando as perspectivas de progresso econômico do país e as
possibilidades para o comércio espanhol 26. Entre 1901 e 1926, a
balança comercial foi favorável a Espanha, salvo no período de
1915 a 1918, em que o saldo foi positivo para o Brasil, ainda per-
sistindo os tradicionais obstáculos à exportação de produtos e os
conflitos pelo pagamento de taxas suplementares por moeda de-
preciada.27 Ante a má situação dos intercâmbios, em 1923, o Go-
verno brasileiro propôs ao espanhol a negociação de um entendi-
mento comercial pelo que o Brasil outorgaria a Espanha o trata-
mento de nação mais favorecida, em troca da aplicação da taxa
mínima da tarifa espanhola aos produtos brasileiros. A proposta
não prosperou, mas no ano seguinte, em 29 de fevereiro de 1924,
concluiu-se um acordo comercial provisório que foi substituído em
31 de dezembro de 1925 por um texto definitivo que garantia a
manutenção das taxas mínimas para os produtos de cada país e
abolia, para a quase totalidade de produtos brasileiros, os coefici-
entes de moeda depreciada que eram abonados nas alfândegas es-
panholas. O acordo fazia viável a exportação de madeiras brasilei-
ras e de 500.000 sacas de café a Espanha, passando o Brasil a ser
o primeiro fornecedor desse produto.

25
“Carta credencial do embaixador da Espanha para os atos comemorativos do I Centenário da Independên-
cia do Brasil”, Relatório, Ministério das Relações Externas, Rio de Janeiro, 1923.
26
“Brasil y la fiesta de proclamación de la República”, El Figaro, 15 de novembro de 1918; “Las relaciones
comerciales entre España y Brasil”, El Sol, 8 de abril de 1919; “El Brasil, su importancia, progreso y
porvenir económico”, Revista Económica, 10 de fevereiro de 1921
27
SIXIREI PAREDES, Carlos: El Brasil de Vargas (1930-1945), Tese de doutorado, vol.II, Universidade
Complutense de Madri, 1988, pp.970-972.

102
capítulo 3
a Espanha na história da política externa brasileira (1945-1979)

A revolução de 1930 no Brasil e a proclamação da República


Nova com a chegada ao poder de Getúlio Vargas vão supor uma
modificação política substancial que afetará às relações hispano-
brasileiras, principalmente quando a partir de 14 de abril de 1931,
o novo regime republicano da Espanha, com uma marcada tendên-
cia esquerdista, choque de frente com o regime autoritário e de
direita do Governo brasileiro, exasperando-se este antagonismo com
o Estado Novo surgido em 1937.

3.3.- O lugar mar ginal da Espanha na política eexterna


marginal xterna do
Brasil
A determinação do lugar que ocupava a Espanha nas priorida-
des, objetivos, metas e orientações da política externa brasileira
constitui um elemento fundamental de análise para determinar o
baixo perfil que, historicamente, atribuímos neste livro às relações
hispano-brasileiras. No entanto, esta análise seria insuficiente sem
refletir sobre os traços característicos da política externa espanho-
la. Ao longo do século XIX e durante boa parte do XX, esta se
encontrou marcada e condicionada pela realidade de um país que
experimentou uma traumática contração territorial, ao perder seu
Império americano entre os anos 1825 e 1898. Na Europa do sécu-
lo XIX, marcada pelo fenômeno do Imperialismo e pela partilha de
África na Conferência de Berlim (1884), a Espanha se ruga e dilui
ante os desígnios e atuações das grandes potências européias28.
JOVER oferece uma definição clara e precisa das característi-
cas da política externa do país no século XIX ao afirmar que “no
quadro geral da política mundial do século XIX, Espanha é uma
pequena potência, situada em posição geográfica periférica com
relação aos povos protagonistas, e tão radicalmente introvertida
que neutraliza com uma passividade internacional quase absoluta
a esgotante atividade de suas lutas e tensões internas”29. O histori-
ador estabelece os condicionamentos da realidade internacional

28
MORALES, Victor: España, de pequeña potencia a potencia media, Madrid, UNED, 1991, pág.37.
29
JOVER, José María: “Caracteres de la política exterior de España en el siglo XIX”, en España en la
política internacional, S.XVIII-XX, Madri, Marcial Pons, 1999, pp.111-112

103
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

da Espanha e de sua posição no mundo ao redor de dois eixos


gravitatórios: a primazia do conflito interior e a marginalização da
Espanha dos conflitos internacionais (neutralidade e “recolhimen-
to”)30. Encontra-se nesta definição um elemento de reflexão inte-
ressante que pode ajudar a encontrar respostas às razões pelas quais
a Espanha não manteve relações intensas com o Brasil: o isola-
mento, o recolhimento, a introversão nas questões internacionais.
O predomínio da política interior sobre a política externa na histó-
ria da Espanha contemporânea foi um fenômeno que se denominou
“tibetização”, expressão que marca com força o traço caracterizador
da presença/ausência espanhola no mundo. Com estes elementos –
isolamento, recolhimento, predomínio do fator interno e neutrali-
dade – se pode, seguindo a JOVER, desenhar o marco geral das
características da política externa da Espanha até a entrada do sé-
culo XX: sua condição de pequena potência mundial, débil econô-
mica, política e militarmente; a marginalidade territorial da Pe-
nínsula em relação aos centros de decisão e de poder da política
mundial; a passividade político-internacional espanhola como ta-
lante coletivo-social, em contraste com a atividade desdobrada
durante os três séculos precedentes; a projeção da situação interi-
or, com a carência de um Estado solidamente estabelecido, regido
por minorias.
Em conseqüência, Espanha se constitui em ator passivo no palco
mundial; o país se poupa em ver-se envolvido nos conflitos mundi-
ais ao custo de dissipar-se do sistema internacional. A esta evidên-
cia se acompanha o determinante fundamental da atividade exteri-
or da Espanha: a presença constante do fator endógeno, a primazia
do conflito interno que absorverá e polarizará todo o interesse de
dirigentes e opinião pública. Deste panorama se deriva a radical
passividade e o isolamento com que a Espanha se situa na política
mundial, explicável pela sua pobreza essencial, sua crise política
permanente e sua tardia incorporação à Revolução Industrial.31 Só
a superação deste secular isolamento e de sua radical introversão,

30
JOVER, J.M.: “La percepción española de los conflictos europeos: notas históricas para su entendimiento”,
em España en la política internacional, S.XVIII-XX, Madri, M.Pons, 1999, pp.225-255.
31
MORALES, Victor: op.cit, pp-39-43.

104
capítulo 3
a Espanha na história da política externa brasileira (1945-1979)

prolongada na etapa franquista, graças à participação no processo


de integração europeu permitiu a Espanha encontrar seu lugar no
mundo e dirigir sua vista para outros horizontes que favoreceram e
alentaram a recente intensificação das relações com Brasil.32

A ausência de instrumentalidade: o eix


eixoo sentimental e as
preferências brasileiras na Europa
Entre as tentativas explicativas por caracterizar as relações do
Brasil com os países da Europa Ocidental, destacaram-se nos últi-
mos anos um conjunto de pesquisas que colocaram a ênfase na
construção do sistema brasileiro de relações bilaterais e no con-
ceito de parcerias, (associações estratégicas), no contexto mais
amplo da universalidade como vetor da política externa brasileira.
Segundo estes autores, a lenta e gradual constituição de um im-
pressionante acervo de contatos bilaterais é um dos patrimônios
mais sólidos da política externa do Brasil. A diversidade desses
contatos, espalhados pelos cinco continentes, expressados em la-
ços mais ou menos efetivos entre sociedades aproximadas por cir-
cunstâncias políticas, econômicas e culturais, serviram em diver-
sos momentos à sociedade brasileira para a realização de seu inte-
resse nacional.33
Considerando que a política externa do Brasil na segunda me-
tade do século XX, teve como principal objetivo à realização de
seu projeto de desenvolvimento nacional autônomo, é de supor que
os contatos internacionais do país se contemplassem desde a pers-
pectiva da consecução desse objetivo. Assim, o Brasil mantinha
um interesse primordial no estabelecimento de relações com paí-
ses que pudessem propiciar o acesso aos insumos dos que carecia

32
Com caráter geral se deve consultar, entre outras obras, para obter um panorama completo da história,
condicionantes e cenários da política externa espanhola: PEREIRA, Juan Carlos (coord.): La política exterior
de España (1800-2003), Barcelona, Ariel, 2003; TUSELL, J.;AVILÉS, J.;PARDO, R.(eds.): La política exte-
rior de España en el siglo XX, Madrid, Biblioteca Nueva/UNED, 2000; CALDUCH, Rafael (coord..): La
política exterior española en el siglo XX, Madri, Ciencias Sociales, 1994.
33
Ver LESSA, A.: “A diplomacia universalista do Brasil: a construção do sistema contemporâneo de relações
bilaterais”, Revista Brasileira de Política Internacional, Brasília, ano 41, nº especial, 1998, pp. 29-41;
COSTA, Alcides: “Parcerias estratégicas no contexto da política exterior brasileira: implicações para o
Mercosul”, Revista Brasileira de Política Internacional, Brasília, ano 42, nº 2, 1999, pp. 52-80; LESSA, A.:
“A estratégia de diversificação de parcerias no contexto do Nacional-desenvolvimentismo (1974-1979)”,
Revista Brasileira de Política Internacional, Brasília, ano 38, nº 1, 1995, pp.24-39.

105
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

para dinamizar seu desenvolvimento em forma de tecnologias, ca-


pitais, mão de obra qualificada e apoios políticos34. Este interesse
primordial passava por concretizar-se em associações estratégicas
e relações privilegiadas com países da Europa Ocidental que pos-
suíssem a capacidade suficiente de recursos para oferecer insumos
ao desenvolvimento brasileiro. Desta perspectiva a Espanha não
podia ocupar na pirâmide de preferências do Brasil um lugar privi-
legiado.35. Por esta razão, as relações bilaterais se mantiveram em
níveis modestos com uma agenda tradicional de baixo perfil.
Estas relações especiais que o Brasil estabeleceu com os paí-
ses que podiam colaborar no desenvolvimento do país, receberam
o nome de parcerias supondo que existia uma relação mutuamente
benéfica na qual ganhavam as duas partes: o Brasil conseguia ace-
der a recursos escassos e seus parceiros (sócios) se apoderavam de
parcelas do mercado brasileiro36. Como se enquadrariam então as
relações hispano-brasileiras que, presididas por uma tradicional
amizade e cordialidade, não ofereciam possibilidade de
concretização no terreno dos interesses econômicos ou das estraté-
gias de desenvolvimento do Brasil? As características mais gerais
das relações do Brasil com os países europeus podem considerar-
se sobre a base de quatro grandes eixos: o eixo da indiferença, o
eixo do conflito, o eixo instrumental e o eixo sentimental, no qual
se incluem as relações hispano-brasileiras.
O eixo da indiferença está formado pelas relações bilaterais do
Brasil com aqueles países europeus com os quais não existem qua-
se contatos. As sociedades se desconhecem e as relações econômi-

34
LESSA, A.: A parceria bloqueada. As relações entre França e o Brasil (1945-2000), Tese de Doutorado,
Universidade de Brasília, 2000.
35
Entre 1945 e 1989, a Espanha participava com 0,39 % de todos os investimentos mundiais dirigidas ao
Brasil enquanto Alemanha o fazia com 13,20 % (2º investimento mundial no Brasil), e países como Bélgica
(0,68%), Suécia (2,09 %) ou Holanda (5.59%) contribuiam com investimentos substancialmente importan-
tes em relação a suas escassas relações políticas ou culturais com o Brasil.( Dados do Banco Central do
Brasil)
36
Na realidade o termo parcerias expressa em português uma idéia mais intensa de relação que a expressada
em espanhol pelo termo associação. Por esta razão usaremos neste livro o termo português parceria, entenden-
do que implica uma relação de interesses comuns cuja virtude principal viria do fato de enfatizar a atuação
motivada por interesses comuns, ao contrário da relação pautada pelo conflito e a concorrência. A respeito
consultar VALARELLI, Leandro L.: “Parcerias: noções gerais”, Apoio á gestão, Rio de Janeiro, 1999, (con-
sulta: 12 de setembro de 2001), http://www.rits.org.br

106
capítulo 3
a Espanha na história da política externa brasileira (1945-1979)

cas por serem escassas são inócuas para a realização de interesses.


Encontram-se nesta categoria as relações do Brasil com os Países
Escandinavos, Bélgica, Países Baixos, Reino Unido e França.
O eixo do conflito se constitui - mais que com determinados
países – pelas relações do Brasil com o projeto europeu de
integração. Desta perspectiva, as relações do Brasil com a UE ofe-
recem sérias limitações para as ambições comerciais do país, seja
no âmbito regional ou em foros multilaterais, em função das práti-
cas protecionistas européias que se materializam na PAC como ele-
mento principal de discórdia.
O eixo instrumental está formado pelas relações do Brasil com
Itália e com Alemanha. Como características destas relações me-
recem destaque a existência de uma forte simpatia estrutural entre
os povos e a presença de importantes contingentes de emigrantes
com grande influência econômica. Por definição é o eixo no qual
historicamente se realizaram os interesses brasileiros na Europa
Ocidental e foram, por muitos anos, as relações mais dinâmicas e
efetivas da “vertente européia brasileira”.
Por último, o eixo sentimental apresenta uma explicação plau-
sível sobre o lugar que ocupa a Espanha no sistema de relações
bilaterais do Brasil. Existiria na vertente européia da política ex-
terna do Brasil um poderoso eixo sentimental que incluiria as rela-
ções com a Espanha e Portugal. Suas características seriam a forte
simpatia entre os povos e a identidade cultural primária. O ele-
mento psico-social presente neste eixo se nutre dos contingentes
de emigrantes chegados ao Brasil, que no caso espanhol alcançari-
am 750.000 pessoas. Da perspectiva econômica e da contribuição
à estratégia de desenvolvimento do Brasil, as relações hispano-
brasileiras, incluídas neste eixo, apresentavam poucas possibili-
dades para a realização de interesses econômicos se comparadas
com os índices de outros sócios europeus. Na medida em que a
orientação evidentemente pragmática e ao serviço do desenvolvi-
mento nacional da política externa brasileira procurava identificar
e interessar-se por estabelecer relações intensas com os países do
denominado eixo instrumental, os países que formavam o eixo sen-
timental se viam relegados a um segundo plano e à tessitura de
manter relações de baixo perfil, isto é, irrelevantes. No entan-

107
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

to, a partir de 1995, as características das relações hispano-


brasileiras mudaram para adaptar-se a novas realidades que
permitiram a substituição do eixo da sentimentalidade pelo eixo
da instrumentalidade.

O triângulo Espanha – P Portugal


ortugal – Brasil como fator
explicativo
O conceito de triangulação foi enfatizado em recentes pes-
quisas realizadas na Espanha no âmbito das relações internaci-
onais. As implicações conceituais deste modelo de análise le-
vam, na opinião de MONTOBBIO, a considerar a triangulação
como as relações, na realidade e nas percepções, entre os três
vértices de um triângulo37. Se estas relações são contempladas
no âmbito do sistema internacional, entre três atores ou grupos
de atores. A triangulação supõe a utilização por parte de um
ator de suas relações com outro dos atores e vértice do triângu-
lo - ou outras fora do triângulo de outros atores e sua posição no
sistema internacional global - para relacionar-se com o outro
vértice do triângulo. Partindo das considerações e implicações
deste tipo de análise, se estabelece a existência de um triângu-
lo Espanha-Portugal-Brasil em vários planos, fundamentalmente
no político e no cultural, que condicionou, pelo menos até 1986,
as relações hispano-brasileiras.
As combinações dos tipos de relações estabelecidas entre
os vértices do triângulo (Brasil – Portugal - Espanha) compre-
endem as relações Brasil-Portugal38, as relações Espanha-Portu-
gal e as relações Brasil-Espanha. Estas possíveis combinações se
vêem ampliadas pelas relações de cada um destes países no con-
junto de suas relações e de sua posição no sistema internacional.
Interessa destacar as relações Espanha-Portugal-Brasil no conjun-
to das relações estabelecidas pela Espanha e Portugal para os paí-

37
MONTOBBIO, Manuel: “Una aproximación al análisis de la triangulación España – América Latina – Asia
Pacífico”, em BUSTELO, Pablo e SOTILLO, José Ángel (comps.): La cuadratura del círculo: posibilidades y
retos de la triangulación España – América Latina – Asia Pacífico, Madri, IUDC-UCM/La catarata, 2002,
pág.13.
38
Sobre as relações entre Brasil e Portugal, consultar CERVO, A. e MAGALHÃES, José Calvet de: Depois
das caravelas: as relações entre Portugal e Brasil, 1808-2000, Brasília, UNB, 2000.

108
capítulo 3
a Espanha na história da política externa brasileira (1945-1979)

ses ibero-americanos e que se concretizaram mais recentemente


em duas iniciativas principais: a Comunidade Ibero-americana de
Nações e a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.
Neste parágrafo se sustenta que a ação espanhola no Brasil
esteve conscientemente limitada pelos responsáveis do Palácio da
Santa Cruz, o “Itamaraty” espanhol, na medida em que as relações
entre Madri e Lisboa constituíam a opção prioritária para a Espanha.
Não interessava, em conseqüência, indispor aos portugueses com
iniciativas e políticas desenvolvidas pela Espanha no Brasil que
pudessem comprometer o bom estado das relações com o sócio ibé-
rico. Somente, a partir do final das duas ditaduras e mais direta-
mente quando os dois países ingressam na CEE, se produzirá uma
convergência e um paralelismo de interesses estratégicos que per-
mitirão traçar um caminho complementar nas relações com Amé-
rica Latina. A idéia da subsidiariedade da política externa espa-
nhola no Brasil em relação à desenvolvida para Portugal, junto da
consciência das acentuadas diferenças culturais entre a Espanha e
o Brasil, estarão presentes no discurso e na ação exterior espanho-
las. Assim, por exemplo, em 1922, o representante espanhol no
Rio de Janeiro ressaltava a necessidade de proceder a uma consi-
deração diferenciada e específica da idiossincrasia brasileira, des-
tacando as dificuldades para que o hispano-americanismo fosse
uma realidade no Brasil, onde os obstáculos eram maiores que no
resto do continente:

“O Brasil (...) não é país de nossa origem, pelo menos direto. Domina
na sua opinião pública uma grande imprensa de extensa circulação,
quase toda ela em mãos e da propriedade dos portugueses, que ao
afastar-se de sua pátria o mesmo que os espanhóis residentes nas
demais Repúblicas americanas sentem mais fundo seu patriotismo
que os que ficam nela e, portanto, adicionam mais no seu
pensamento o chamado “Perigo Espanhol” e aproveitam quantas
ocasiões se apresentam para colocar-nos em posição difícil”. 39

39
Despacho nº 121, de 12 de julho de 1922, do representante espanhol no Rio de Janeiro, Antônio Benítez
para o ministro de Estado, AMAE, dossiê 4164, exp.9.

109
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

Mais de trinta anos depois, os efeitos da assinatura do Tra-


tado de Amizade e Consulta entre Portugal e Brasil, de 1953,
inquietaram certamente em Madri, pelas suas repercussões nos
desenvolvimentos da política de Hispanidade no Brasil e pelos
receios que podiam ocasionar em Lisboa. As avaliações que se
realizaram na Espanha por causa da assinatura do Tratado luso-
brasileiro de 1953, destacavam a tardança portuguesa para
enfocar construtivamente a relação de aliado natural com o Bra-
sil, as grandes possibilidades, pelo seu caráter retórico, em que
a aplicação do convênio ficasse em papel molhado, as oportu-
nidades que se abriam para que Portugal utilizasse o
estreitamento de suas relações com o Brasil como trampolim na
sua política para os países hispano-americanos e as vantagens
que a aproximação entre Lisboa e Rio ofereciam para Madri.
Desde o Palácio da Santa Cruz, em nota informativa, um diplo-
mata anônimo comentava:

“(...)mesmo que a importância do acordo seja por enquanto


teórica (...) nada do que faça Portugal, tanto em política interna
como externa, é indiferente para nós (...) Desde o ponto de vista
espanhol (...) e de toda nossa ação na Hispanoamérica, não acho
que devemos ver com desgosto que Portugal tenha aberto fogo
nesse terreno (o da equiparação de direitos entre brasileiros e
portugueses). A comunidade luso-brasileira é muito mais fácil de
fazer que a comunidade hispânica com vinte povos divididos entre
si.” 40

Tomás Suñer y Ferrer (1954-1959) foi, entre todos os diploma-


tas espanhóis que ocuparam a Embaixada no Brasil, quem melhor
explicitou os necessários cuidados que a política externa da Espanha
para o Brasil devia contemplar para evitar os ciúmes e receios de
Portugal frente à crescente presença espanhola em sua ex- colônia.
Para o diplomata, qualquer design da estratégia espanhola no Bra-
sil devia contemplar o valor da presença portuguesa, não só em sua

40
Nota informativa sobre o “Tratado de Amizade e Consulta entre Portugal e Brasil”, Madri, 28 de novembro
de 1953, AMAE/R, dossiê 3849, exp.35.

110
capítulo 3
a Espanha na história da política externa brasileira (1945-1979)

ex-colônia, mas também na Iberoamérica. Pensar no que Portugal


significava no mundo americano implicava fixar-se prioritariamente
no Brasil e, com este ponto de partida, analisar os pontos fortes e
fracos do vizinho ibérico. Entre as fragilidades de Portugal em sua
política para o Brasil, Suñer realçava que Lisboa tinha demorado
em ver a utilidade e a facilidade de uma ação comum luso-brasi-
leira. O país se havia concentrado sobre si mesmo, organizando
suas reservas políticas e sociais apoiando-se nos territórios africa-
nos em prejuízo de sua dimensão americana. Este erro estratégico,
ao orientar-se para um cenário africano talvez porque os resulta-
dos eram mais imediatos, teve conseqüências nefastas para os in-
teresses portugueses no Brasil, entre outros, “perder a possibilida-
de permanente na política e em muitos aspectos econômicos que o
Brasil representa para Portugal” e que “ao separar sua atenção do
luso brasileirismo se perdia o poderoso instrumento de penetração
que é o Brasil em relação aos países hispano-americanos”41. Entre
as fortalezas da ação portuguesa no Brasil, se comparadas com a
espanhola no país e nos Estados hispano-americanos, se deviam
reconhecer as vantagens portuguesas por seu ascendente histórico
e sentimental e pela facilidade de ter um só interlocutor, enquanto
a Espanha dialogava com vinte países que demandavam, cada um,
fórmulas especiais.
A complexidade do panorama não isentava a Espanha de re-
nunciar a suas aspirações no Brasil. E da Embaixada espanhola no
Rio apontavam-se os caminhos que se abriam aproveitando os tro-
peços operacionais e os erros de cálculo de Portugal na América de
raiz lusa. Em primeiro lugar, desde a representação espanhola se
considerava sem rodeios que a ação espanhola foi mais profunda
que a lusitana no Brasil. Em segundo lugar, apesar das condições
mais favoráveis de Portugal para uma estreita colaboração com o
Brasil, a Espanha não viveu de espaldas a América e, pelo menos,
desde 1940, se tinha voltado para essa região na sua política exter-
na. Pelo contrário, o regime de Salazar tinha dedicado um esforço

41
Despacho nº 246, de 23 de fevereiro de 1959, do embaixador da Espanha no Brasil, Tomás Suñer y Ferrer,
para o ministro de Assuntos Exteriores, AMAE/R, dossiê 5444, exp.9.

111
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

ao Brasil notoriamente desproporcionado, pela sua inferioridade,


ao dirigido para a África. Em terceiro lugar, a debilitação do fator
luso no Brasil prejudicava a Espanha, que invocava razões simila-
res às portuguesas (históricas, sentimentais) em defesa do prestí-
gio espanhol no mundo hispânico. Conseqüentemente, a Espanha
podia obter sucessos palpáveis no Brasil que não estivessem diri-
gidos contra os interesses lusos, de modo que Portugal não visse no
“crescente prestígio espanhol no Brasil uma tendência hostil,
emulatória (...), mas uma força neutralizadora de ingerências es-
tranhas ao ibérico”42.
Por todos estes fatores, Suñer sabia que, por exemplo, a atua-
ção no Brasil do Instituto de Cultura Hispânica criava embaraços
nas relações bilaterais com Portugal. De fato, o projeto de celebra-
ção em 1956 de um congresso de Institutos Hispânicos no Rio de
Janeiro, provocou o enérgico protesto do embaixador português no
Brasil ante a qual Suñer informava a Madri nos seguintes termos:

“Meu colega português me colocou (...) que seu Governo veria com
desgosto que fora precisamente no Rio onde se realizasse um congresso
de Institutos Hispânicos e que nem ele nem Lisboa poderiam nunca
compreender por que razão se tinha escolhido o Rio de Janeiro, de
não existir atrás da reunião objetivos políticos que não se lhe
alcançavam”. 43

Em conseqüência, toda cautela e prudência eram poucas e des-


tes pressupostos fazia-se urgente repensar as possibilidades políti-
cas e culturais das relações hispano-brasileiras. Para Suñer, se-
gundo recolhia nos seus relatórios, era verdade que a presença es-
panhola no Brasil tinha a vocação de aumentar a cada dia em pro-
porção direta à superação do isolamento internacional do regime e
ao “crescente prestígio nacional e internacional” da Espanha. Mas
quando se considerava a questão no contexto mais amplo dos códi-
gos da política externa espanhola e de suas prioridades, “nas quais

42
As reflexões destos parágrafos estão extraídas do Despacho nº 246, de 23 de fevereiro de 1959, do embai-
xador da Espanha no Brasil, Tomás Suñer, para o ministro de Assuntos Exteriores, AMAE/R, dossiê 5444,
exp.9, pp.8-10.
43
Despacho nº 720, de 26 de junho de 1956, do embaixador da Espanha no Brasil, Tomás Suñer, para o
ministro de Assuntos Exteriores, AMAE/R, dossiê 6187, exp.33.

112
capítulo 3
a Espanha na história da política externa brasileira (1945-1979)

o aspecto peninsular tem tão eminente significação”, não havia


causa que justificasse acudir a expedientes conflitivos com Lis-
boa44. Entre os motivos do embaixador, as considerações sobre os
fundamentos dos receios portugueses condensavam os elementos
para mais uma análise exata e sentavam as bases, limites e instru-
mentos a partir dos quais a Espanha devia operar no Brasil:

“(...)Antes da Grã-Bretanha, o Brasil é para Portugal o número um


de sua política externa. A colônia portuguesa aqui residente vê com
desagrado (...) o que já qualificou como ‘penetração’ espanhola (...)
por tudo isso devo recomendar ponderação, que em modo algum
significa desinteresse; uma ação constante, mas discreta, confinada
ao livro, aos conferencistas, ao intercâmbio de bolsistas e professores,
aos diários contatos da Embaixada (...), mas nada estridente, ruidoso,
nem atitudes públicas que convidem a suspeitas que não queremos
provocar. Em síntese: o Brasil não só não deve ser ponto de discórdia,
mas nem sequer de receio português respeito de nós”.45

A perspicácia e a visão de conjunto de Suñer não devem ser


consideradas ligeiramente. Nas linhas e entrelinhas de seus rela-
tórios, se refletia uma concepção da política externa da Espanha
para o Brasil que considerava o vértice português do triângulo, ofe-
recendo suficientes elementos explicativos para compreender por
que, aparentemente, à margem das limitações pela escassez de re-
cursos de poder, econômicos ou de outra natureza que
condicionavam a ação exterior espanhola, faltavam de Madri arro-
jo e vontade decidida para apostar por mais uma presença audaz
no Brasil. Efetivamente, a Espanha devia evitar dar pábulo aos
que, projetando receios e ambições no Brasil, queriam enfrentar às
comunidades lusa e hispânica. A prioridade número um se fixaria
em não entrar nesse jogo da discórdia já que “a tarefa da Espanha
e Portugal na defesa da cultura ocidental, como porta-estandartes
da luta anticomunista, não podia tolerar fissuras (...) e de modo
algum no Brasil deviam suscitar-se receios portugueses pela cres-

44
Despacho nº 789, 9 de julho de 1956, do embaixador da Espanha no Brasil, Tomás Suñer, para o ministro
de Assuntos Exteriores em Madri, AMAE/R, dossiê 6187, expediente 33.
45
Ibidem, pp.10-11.

113
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

cente expansão da Espanha” 46 . Em conseqüência, como afirmava


Suñer, o acessório brasileiro não podia danar o principal, isto é, a
concórdia que tinha que reinar no bloco peninsular entre a Espanha
e Portugal.
Resulta difícil determinar a influência que as considerações
de Suñer tiveram na política desenvolvida pela Espanha para o
Brasil, mesmo que certos ecos de suas reflexões voltassem
freqüentemente na retórica e na prática diplomática espanhola dos
seguintes anos. Três décadas depois, as circunstâncias mudaram
radicalmente. O fator determinante para a superação das limita-
ções da política externa espanhola para o Brasil foi, como afirma
RODRÍGUEZ-SPITERI47, a aceleração histórica que sofreram as
relações bilaterais hispano-lusas a partir de um fato determinante
de fundo calado e com ramificações cruciais para as relações
hispano-brasileiras: a entrada da Espanha e Portugal na Comuni-
dade Econômica Européia em 1986. Esta percepção nítida que a
relação fluente entre o vértice português e o espanhol, no triângulo
hispano-luso-brasileiro, foi um dos fatores de ordem político
desencadeantes na intensificação das relações entre Brasil e
Espanha é um elemento dotado de forte capacidade explicativa que
se registra nesta obra. Confirmam esta perspectiva, as considera-
ções vertidas pelo embaixador brasileiro em Madri, em 1990, no
momento em que se negociavam as cláusulas do Tratado Geral de
Amizade e Cooperação entre a Espanha e o Brasil:

“(...) Não acho que nossa especial relação com Portugal possa ser
considerado um elemento que limite uma mais ampla relação com a
Espanha. A nova realidade comunitária, na qual os dois países ibéricos
são sócios atuantes, e a proximidade da relações bilaterais nesta
península mudaram o clima tradicional da relação entre estes dois
vizinhos, desinibindo comportamentos e propiciando iniciativas
inéditas”.48

46
Despacho nº 629, de 18 de junho de 1957, do embaixador da Espanha no Brasil para ministro de Assuntos
Exteriores, AMAE/R, dossiê 4678, exp.26.
47
RODRÍGUEZ-SPITERI, José: “España y Portugal: balance de una amistad”, España-Portugal horizonte
2001, Fundação Rei Afonso Henriques/Política Exterior, Madri, 2001, pp.23-24.
48
Ofício confidencial nº 325, 14 de dezembro de 1990, do embaixador do Brasil na Espanha Lindolfo Collor,
para a SERE, AHIB, caixa 363.

114
capítulo 3
a Espanha na história da política externa brasileira (1945-1979)

Entre todas estas iniciativas, o projeto da Espanha democráti-


ca para criar uma Comunidade Ibero-americana de Nações, que
incluísse a Portugal e o Brasil como membros destacados, não ti-
vesse sido alcançado, ou tivesse estado orientado para um cenário
exclusivamente hispânico, se a aproximação hispano-portuguêsa
não fosse uma realidade no discurso e na prática. A ênfase de-
monstrada pela Espanha e Portugal para apresentar-se como
valedores dos interesses latino-americanos no seio da Comunida-
de Européia constitui um sobressalente exemplo desta mudança
de perspectivas. Os empecilhos que durante décadas balizaram a
ação exterior da Espanha no Brasil se iam sorteando sucessiva-
mente, colocando-se ao mesmo tempo as bases para o fortaleci-
mento das relações hispano-brasileiras. A confluência de diferen-
tes fatores positivos, entre os que destacam especialmente a supe-
ração do antagonismo hispano-português permitiu uma fluente
interação entre os vértices do triângulo Brasil-Portugal-Espanha
que foi depois determinante na constituição da parceria hispano-
brasileira.

3.4.- T emas tradicionais na agenda bilateral: política,


Temas
comércio e emigração.
Existe uma linha de continuidade nas relações hispano-brasi-
leiras que se manifesta em três vertentes que compõem o panora-
ma de sua história: a vertente política, a comercial e a social. A
vertente política se revela na sua dimensão conflitiva entre a déca-
da dos anos trinta e os anos setenta do século XX, em função do
signo político dos diferentes Governos. Estas tensões percorrem às
relações bilaterais, oscilando entre o conflito e a sintonia das soci-
edades e dos Governos dos dois países, no fragor do debate ideoló-
gico motivado, primeiro, pela ascensão do fascismo e do comunis-
mo no cenário internacional e, posteriormente, pela ordem inter-
nacional bipolar da Guerra Fria. Estes embates afetarão o bom es-
tado das relações hispano-brasileiras. A vertente comercial supõe
a existência de um fator que deteriorou, de forma constante, a agenda
hispano-brasileira, independentemente do signo político dos su-
cessivos Governos ou da situação positiva das relações político-
diplomáticas. Este fator se aguçará pelas diferentes conjunturas

115
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

econômicas em cada país, manifestando-se no objetivo de alcan-


çar o equilíbrio nos intercâmbios bilaterais, para o qual era funda-
mental conseguir a eliminação dos obstáculos e as causas que im-
pediam o nivelamento da balança comercial. Por último, mas não
menos importante, a vertente social, se condensa nos problemas e
nas iniciativas de cooperação desenvolvidas bilateralmente com a
finalidade de regular os fluxos migratórios da Espanha para o Bra-
sil. Os vínculos estabelecidos entre os dois países, como conseqü-
ência das interações sociais que resultam das dinâmicas próprias
da emigração, constituirão um fator altamente positivo para a con-
solidação das relações hispano-brasileiras.

A vertente política: T
Tensão bilate--
ensão e deterioração das relações bilate
rais nos anos 30. O impacto da Guerra Civil espanhola
Os anos trinta são um dos períodos mais intensos em cerca de
dois séculos de relações hispano-brasileiras. A partir de 1930, no
contexto do surgimento dos fascismos e autoritarismos na Europa e
na América Latina, se reproduzem em nossas relações todas as
contradições e conflitos que se manifestaram no cenário internaci-
onal. O Brasil – com a ascensão de Vargas – e a Espanha - com a
Guerra Civil e o triunfo de Franco- registrarão experiências de ca-
ráter nacionalista que marcarão suas respectivas histórias afetan-
do as tradicionais relações de amizade. Os sucessos políticos des-
ses anos no Brasil (Revolução de 1930, Revolução Paulista de 1932,
processo constituinte de 1933) e na Espanha (proclamação da II
República) foram seguidos de perto pelas opiniões públicas. A
imprensa espanhola e brasileira informavam de acontecimentos
como a vitória de Vargas, a participação do coronel espanhol
Cabañas na Revolução de 1930, o afundamento do navio alemão
“Badeur” no Rio onde faleceram 26 espanhóis, a situação da colô-
nia emigrante no Brasil, a constituição do Governo do almirante
Aznar, a despedida de Alfonso XIII e as primeiras medidas da Re-
pública espanhola49.

49
Ver Heraldo de Madrid, 23 de fevereiro de 1931; ABC, 2 de abril de 1931; ABC, 30 de abril de 1931; El
Imparcial, 10 de maio de 1931; El Debate, 10 de maio de 1931; El Liberal, 10 de maio de 1931

116
capítulo 3
a Espanha na história da política externa brasileira (1945-1979)

As relações hispano-brasileiras passaram, no período compre-


endido entre 14 de abril de 1931 e 18 de julho de 1936, de um
primeiro momento de congratulações pela coincidência na forma
republicana dos dois Estados, a uma segunda fase em que se pré-
anunciavam as primeiras tensões entre o Brasil de Vargas - que
derivava progressivamente para o autoritarismo e o visceral
anticomunismo - e a II República espanhola, para concluir na de-
terioração evidente das relações como consequência das medidas
do Governo brasileiro que decretavam o fechamento dos Centros
Republicanos no Brasil ao tempo que se permitia a atividade polí-
tica de elementos falangistas. A primeira fase destas relações posi-
tivas teve um primeiro momento auspicioso no rápido reconheci-
mento da II República pelo Governo provisório de Vargas. Em 17
de abril de 1931, Alejandro Lerroux enviava ao ministro de Rela-
ções Exteriores do Brasil, Afrânio de Mello Franco, um telegrama
que notificava a proclamação da República na Espanha e solicita-
va o urgente reconhecimento pela parte brasileira50. Rio de Janeiro
reconheceu imediatamente o Governo provisório da República dan-
do-lhe as boas-vindas à família das democracias51. Outros gestos
marcaram a ascensão do Brasil na escala de prioridades exteriores
do Governo da II República. Assim, a Constituição republicana de
1931, mencionava expressamente o Brasil, em seu artigo 24.2, dan-
do a possibilidade de concessão de cidadania “aos naturais de Por-
tugal e países hispânicos da América, incluído o Brasil”.
A legação brasileira em Madri interpretou esta disposição cons-
titucional como uma confirmação do reconhecimento espanhol do
lugar que competia ao Brasil, “sem estar anonimamente confundi-
do com as Repúblicas hispano-americanas”52. A elevação da re-
presentação oficial espanhola no Rio de Janeiro à categoria de
Embaixada, mediante um Decreto publicado na Gazeta de Madri,
de 6 de dezembro de 1933, e a nomeação de Vicente Sales Mausoles

50
Ofício nº 47, da legação do Brasil em Madri para MRE, 20 de abril de 1931, AHRJ, ofícios/Madri/1931-
março 1932, ref.30/1/10.
51
Ofício nº 52, do ministro plenipotenciário do Brasil em Madrid, Luis Guimarães para MRE, 23 de abril de
1931, AHRJ, ofícios/Madri/1931-março 1932, ref.30/1/10.
52
Ofício nº 58, do Ministro plenipotenciário do Brasil, Luis Guimarães, para MRE, 2 de maio de 1931,
AHRJ, ofícios/Madri/1931-março 1932, ref.30/1/10.

117
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

como primeiro embaixador da Espanha indicavam a importância


que o Governo republicano concedia ao Brasil em sua política
americana53. Também existiram momentos de tensão nos que se
perfilaram os primeiros desencontros que, em diante, caracteriza-
riam as relações entre o Governo de Vargas e o da II República. Da
representação brasileira em Madri, seguiram-se de perto as medi-
das do Governo republicano, alertando-se especialmente para o
aspecto esquerdista de algumas leis como a de reforma agrária,
que “não deixava de trazer em suas linhas lampejos de doutrinas
comunistas”54. A denúncia dos roteiros pelos que caminhava a po-
lítica na Espanha e o clima de tensão social estiveram permanen-
temente presentes nas comunicações entre a legação brasileira em
Madri e o Governo de Vargas. Algum conflito destacado serviu tam-
bém de desculpa à espiral de suspeitas na que ia entrando, paula-
tinamente, a dinâmica das relações bilaterais. O projeto de expedi-
ção do capitão Iglesias ao Amazonas, indignou os brasileiros ao
descobrir-se a existência de um verdadeiro arsenal na relação de
materiais que pretendia introduzir a equipe científica no Brasil,
suspeitando-se que seu destino final fossem os elementos subver-
sivos comunistas e que, entre outros, o objetivo oculto da missão
dos pesquisadores fosse alimentar a cobiça internacional sobre a
Amazônia55.
Ante a opinião pública brasileira, o aparato propagandístico de
Vargas foi progressivamente apresentando a República espanhola
como “um modelo a ser evitado”56. Terminou-se de forjar esta idéia
depois do fracasso do levantamento comunista do Rio de Janeiro
de 1935, apresentando o Governo brasileiro o “exemplo espanhol”
para prosseguir reforçando seu autoritarismo, evitando que o Bra-

53
PEREIRA, J.C. e CERVANTES, A.: Relaciones diplomáticas entre España y América, Madrid, Mapfre,
1992, pág.44; EGIDO LEÓN, M.A.: La concepción de la política exterior española durante la 2ª República,
Madrid, UNED, 1987, pp.173-182; também El Liberal e El Debate, 10 de maio de 1931.
54
Oficio nº 66, da legação brasileira em Madri para MRE, 15 de maio de 1931, AHRJ, oficíos/Madri/1931-
março 1932, ref.30/1/10.
55
FERREIRA REIS, Arthur C.: “A que vinha a expedição Iglesias?”, em A Amazônia e a cobiça internacio-
nal, São Paulo, Companhia Editora Nacional,, 1960, pp.190-201.
56
Esta é a tese central de IZEPE DE SOUZA, Ismara: República espanhola: um modelo a ser evitado, São
Paulo, Arquivo do Estado/Imprensa Oficial, 2001.

118
capítulo 3
a Espanha na história da política externa brasileira (1945-1979)

sil se convertesse em outra Espanha.57 Do lado espanhol, a opinião


pública seguiu com vivo interesse a sublevação do Rio, especial-
mente a raiz da campanha de apoio ao líder comunista Luis Carlos
Prestes, feito prisioneiro na revolta. Desde o mês de março de 1936,
a Embaixada do Brasil na Espanha informava ao Itamaraty das
manifestações a favor de Prestes, das ameaças recebidas e da che-
gada a Madri da mãe e a irmã do líder brasileiro para participar na
Plaza de Toros de las Ventas de um encontro popular, com a presen-
ça de Dolores Ibarruri, exigindo sua rápida liberação58. A conseqü-
ência lógica deste clima enrarefeito foi a progressiva deterioração
das relações hispano-brasileiras, que não faria senão piorar depois
de 18 de julho de 1936.

O impacto da Guerra Civil nas relações bilaterais


“Espanha no coração:
no coração de Neruda,
no vosso e em meu coração.
Espanha da liberdade,
não a Espanha da opressão...
A Espanha de Franco, não!
Espanha republicana:
noiva da revolução!
Espanha atual de Picasso,
de Casals, de Lorca
irmão assassinado em Granada!
Espanha no coração!”
(Manuel Bandeira, No vosso e em meu coração)59

57
Ver SEBE-BOM MEIHY, J.C.: “O Brasil no contexto da Guerra Civil espanhola”, O Olho da história,
UFBA, vol.2, nº 2, 1996, pp.117-118.; Sobre o levantamento de 1935 e sua incorporação na história
política do Brasil ver PINHEIRO, Paulo S.: Estratégias da ilusão: a revolução mundial e o Brasil: 1922-
1935, São Paulo, Companhia das Letras, 1992.
58
Ver El Heraldo de Madrid y El Socialista, de 13 de maio de 1936; El Liberal, 16 de maio de 1936.
59
BANDEIRA, Manuel: Poesia completa e prosa, Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 1990, pp.278-279.

119
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

“Aos navios que regressam marcados da negra viagem,


Aos homens que neles voltam com cicatrizes no corpo ou de
corpo mutilado
Peço noticias da Espanha...Ninguém as dá.
O silêncio sobe mil braças e fecha-se entre as substancias mais
duras.
Hirto silêncio de muro, de pano abafando a boca, de pedra es
magando ramos,
E seco e sujo silêncio em que se escuta vazar como no fundo da
mina
Um caldo grosso e vermelho...cansado de vã pergunta, farto de
contemplação,
Quisiera fazer do poema não uma flor: uma bomba e com essa
bomba romper
O muro que envolve a Espanha”
(Carlos Drummond de Andrade, Noticias de Espanha)60

Os poemas de Bandeira e Drummond mostram até que extremo


a Guerra Civil Espanhola esteve presente na sociedade brasilei-
ra61. Em virtude dos paralelismos existentes com a situação políti-
ca do Brasil e da afinidade ideológica existente, o Governo de Ge-
túlio Vargas não duvidou em tomar partido pelos golpistas de Mar-
rocos. Do exame da correspondência diplomática das respectivas
representações no Rio de Janeiro e em Madri, pode-se concluir
que as relações hispano-brasileiras entre 1931 e 1939 estiveram
mediadas pelo conflito civil na Espanha e pelas perseguições do
Governo Vargas aos republicanos espanhóis no Brasil, sobre os que
pesarão as suspeitas de “serem conspiradores e comunistas”. As
detenções e expulsões de emigrantes leais à República espanhola
no Brasil e o fechamento de seus Centros Republicanos são moti-
vos constantes das queixas e protestos da Embaixada espanhola no

60
DRUMMOND DE ANDRADE, Carlos: Poesia e prosa, Rio, Nova Aguilar, 1979, pp.252-253
61
Uma amostra no interessante artigo de TUCCI CARNEIRO, Maria Luiza: “La Guerra Civil Española a
través de las revistas ilustradas brasileñas: imágenes y simbolismos”, Estudios Interdisciplinarios de América
Latina y el Caribe, Tel Aviv University, vol. 2, nº 2, jul-dic, 1991, (consulta: 23 de setembro de 2002), http:/
/www.tau.ac.il/eial

120
capítulo 3
a Espanha na história da política externa brasileira (1945-1979)

Rio de Janeiro. Em novembro de 1937, ocorre o fechamento dos


Centros Republicanos de Santos e Sorocaba, ao amparo das nor-
mas ditadas pela Superintendência de Ordem Político e Social, que
estabeleciam o fechamento de associações estrangeiras. A clausura
destes locais, onde se arrecadavam fundos e se enviavam medica-
mentos à zona republicana, foi justificada por constituir “células
comunistas”. Nem os representantes diplomáticos da República
se livraram da fúria repressora da polícia política de Vargas. Em
um relatório policial de 1937, se reclamavam medidas enérgicas
para que cessassem a agitação e propaganda comunistas desenvol-
vidas pelo cônsul espanhol em São Paulo, Rodríguez Barbeito, e
em Santos, Fernando Morales, “porque ambos estão exercendo ati-
vidades comunistas e fazendo propaganda do credo vermelho nes-
te Estado”62.
Quando em 1936 estoura a Guerra Civil, a representação di-
plomática brasileira em Madri, sob a direção do embaixador
Alcebíades Peçanha, se vê transbordada por pedidos de asilo e re-
fúgio de cidadãos temerosos de represálias na fúria do caos na qual
o país se viu envolvido. A Embaixada do Brasil se converteu no
objeto de atentados, boicotes e bloqueios de milícias que tentavam
evitar que “desordeiros e elementos fascistas” alcançassem o refú-
gio diplomático. Desde o Itamaraty, tentou-se fazer prevalecer o
princípio da inviolabilidade diplomática e o das pessoas asiladas
na sede da Embaixada do Brasil, o que prejudicou ainda mais as já
deterioradas relações bilaterais, ao entender o Governo republica-
no que a sede diplomática se havia convertido em um refúgio de
facciosos. Estes episódios vão marcar negativamente as relações
hispano – brasileiras ao longo do período da Guerra Civil. Junto a
estes incidentes, o golpe de Getúlio Vargas de 1937 colocará mais
lenha na fogueira destas perturbadas relações. A clara tendência
ao autoritarismo do político gaúcho, a perseguição anticomunista
que desata e o apoio ao governo nacionalista de Franco com sede
em Burgos foram os elementos que definitivamente envenenaram

62
Relatório policial sobre as atividades subversivas de sociedades espanholas do Estado de São Paulo, 4 de
novembro de 1937. DEOPS/SP, DAESP.

121
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

as relações entre a Espanha e o Brasil. Como sustenta o historiador


brasileiro SEBE BOM MEIHY, “a prática autoritária tornou evi-
dente a simpatia do Governo Vargas com o modelo nazi fascista
europeu de forma que a República espanhola, nesse contexto, se
apresentava contrária às propostas de Vargas, sendo seu exemplo
avaliado como uma ameaça à configuração de seu projeto políti-
co”63. É certo que Vargas manteve oficialmente o Brasil em posi-
ção de neutralidade frente o conflito, chegando inclusive a enviar
sacos de café à zona republicana, mas o desenvolvimento da Guer-
ra Civil com as vitórias das tropas de Franco aumentou a simpatia
do político gaúcho pelos nacionais. De fato, em 1 de março de 1939,
o Governo de Vargas declarou estar disposto a reconhecer oficial-
mente o Governo nacionalista, “dadas as características de que
este se revestia, às garantias dadas e o respeito prometido aos prin-
cípios do Direito Internacional” e em 31 do mesmo mês, o repre-
sentante brasileiro Argeu Guimarães, recebia ordens do Itamaraty
para viajar até San Sebastián e acreditar-se junto a Franco64.
A participação direta de cidadãos brasileiros na contenda civil
espanhola foi bem escassa. Mais destacadamente no bando repu-
blicano que no nacional, a presença de combatentes brasileiros
pode ser cifrada entorno de quarenta efetivos. A maior parte - mi-
litares exilados e fugitivos da perseguição política desatada por
Vargas a partir da sublevação do Rio - chegaram a Espanha em
1937 e saíram do país entre o final de 1938 e os primeiros meses
de 1939 com destino a França ou a repúblicas sul-americanas vizi-
nhas ao Brasil65. Apesar da distância, a sociedade brasileira da
época seguiu com interesse a Guerra Civil, alinhando-se com um
ou outro grupo em função de sua ideologia. Em linhas gerais, como
afirma SIXIREI, no Brasil a opinião pública era completamente
favorável à causa dos países democráticos e a Espanha era vista

63
SEBE BOM MEIHY, José Carlos: “Prefácio” em IZEPE DE SOUZA, Ismara: República espanhola: um
modelo a ser evitado, São Paulo, Arquivo do Estado/Imprensa Oficial, 2001, pp.11-14.
64
Relatório Ministério das Relações Externas, Rio de Janeiro, 1939, pág.6
65
Um dos estudos mais completos sobre a participação de brasileiros na Guerra Civil em ALMEIDA, Paulo
R. de: “Brasileiros na Guerra Civil Espanhola (1936-1939)”, Sociología e Política, Curitiba, UFPR, ano 4,
nº 12, junho, 1999, pp.35-66; O melhor testemunho pessoal oferece GAY CUNHA, José: Um brasileiro na
Guerra Civil Espanhola, São Paulo, Alfa-Omega, 1986.

122
capítulo 3
a Espanha na história da política externa brasileira (1945-1979)

como identificada com o nazi-fascismo66. Este fator de simpatia


profunda pela defesa da democracia em importantes setores soci-
ais do Brasil permite sustentar a existência de um fator de tensão
constante nas relações hispano-brasileiras, pelo menos até 1964,
ao opôr-se boa parte dos meios de comunicação, partidos políticos,
intelectuais e estudantes brasileiros ao regime de Franco. A Em-
baixada espanhola no Rio e o Consulado em São Paulo, por exem-
plo, serão objeto constante de diferentes manifestações até a déca-
da de 60, celebrando o aniversário da proclamação da II Repúbli-
ca ou reclamando a democratização do país67. A imprensa escrita
se prodigalizaria também em artigos e colunas fustigando os Go-
vernos brasileiros que colaboravam com a Espanha franquista.
Ao finalizar a Guerra Civil em 1939, voltam à agenda diplomá-
tica das relações hispano-brasileiras temas tradicionais como o
intercâmbio comercial ou a emigração. No entanto, o estouro da
Segunda Guerra Mundial e as tentativas de Hitler de atrair para o
eixo Espanha e o Brasil foram o telão de fundo das relações hispano-
brasileiras no primeiro lustro dos anos 40. Segundo o historiador
Ricardo SEITENFUS, em 1942, os três embaixadores do Eixo in-
tervieram ativamente ante o Brasil para conseguir manter sua neu-
tralidade e a do mundo hispano-americano. Igualmente, Espanha
e Portugal foram incumbidas pela Alemanha de tentar convencer a
América Latina a conservar a neutralidade frente ao conflito mun-
dial. O projeto da Wilhemstrasse contemplava que Portugal se ocu-
passe do Brasil e a Espanha dos outros países de raiz hispana. No
entanto, conforme SEITENFUS, as reticências de Oliveira Salazar
e de Franco, considerando “a extrema suscetibilidade dos sul ame-
ricanos”, deram ao traste com o projeto68.
As iniciais simpatias do Estado Novo varguista para o regime
de Franco, derivação lógica de sua admiração pelo fascismo e o
nazismo enquanto regimes antiliberais e anticomunistas, vão evo-

66
SIXIREI PAREDES, Carlos: El Brasil de Vargas (1930-1945), Tese de doutorado, vol.II, Universidade
Complutense de Madri, 1988, pág.1019
67
“Refugiados políticos, rojos españoles en Brasil”, 1951, AMAE/R, dossiê 2830, expediente 72.
68
SEITENFUS, Ricardo: O Brasil de Getulio Vargas e a formação dos blocos (1930-1942), São Paulo,
Ed.Nacional, 1985, pp.370-372.

123
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

luir progressivamente de uma situação de benigna compreensão


para uma outra, muito diferente, de desconfiança pragmática cla-
ramente detectável a partir de 1942. Em efeito, uma vez que os
Estados Unidos entraram na guerra mundial o esforço diplomático
de Washington na Sul-América se dirigiu à consecução do apoio
estratégico do Brasil69. A ruptura do Brasil com o Eixo e a entrada
do país sul-americano no conflito bélico, com a declaração de guerra
contra Alemanha e Itália em agosto de 1942, levarão também apa-
relhado um distanciamento daqueles regimes filo-nazistas com os
quais se mantinham relações cordiais, entre eles destacadamente
a Espanha. Este novo espírito terá sua primeira conseqüência, no
que se refere às relações hispano-brasileiras, nas medidas do Go-
verno de Vargas contra as atividades da Falange Espanhola em solo
brasileiro. Depois de anos de tolerância para o trabalho da Falange,
que operava a favor da causa nacional no Brasil durante a Guerra
Civil, as autoridades brasileiras – ao calor da virada antinazista –
começaram a considerar a periculosidade de que as organizações
nazis fossem substituídas em seus trabalhos de propaganda e in-
formação por elementos falangistas70. Desta forma, na opinião de
LUBISCO, o Governo franquista passará a sofrer uma série de re-
presálias por parte do Governo brasileiro que serão responsáveis
por novas tensões que marcarão as relações bilaterais71.
Nestas tensões jogou um papel protagonista, Raimundo
Fernández Cuesta, destacado líder falangista e embaixador da
Espanha no Brasil entre 1940 e 1944. O Itamaraty recebeu com
apreensão e receio a nomeação de um embaixador falangista sob
cuja direta inspiração se realizou todo o trabalho de organização da
Falange no Brasil72. Para as autoridades policiais brasileiras res-
ponsáveis pela segurança política e social, não existiam dúvidas
de que a Falange constituía um organismo oficial do governo espa-

69
MENDES, Raul e BRIGAGÃO, Clóvis (orgs.): História das Relações Internacionais do Brasil, Rio de
Janeiro, CEBRI, 2002, pág.103.
70
Ver BRISTOL, William B.: Hispanidad in South America, 1936-1945, Tese de doutorado, Pennsylvania
University, 1947; também CHASE, Allan: Falange o exército secreto do eixo na América, Rio de Janeiro, Ed.
Vitoria, 1944.
71
LUBISCO BRANCATO, Sandra: “As relações Brasil/Espanha na transição para o Estado Novo”, Estudos
Iberoamericanos, vol.XIII, nº 2, dezembro, 1987, pág.159.
72
Ver a respeito o ofício confidencial de 14 de julho de 1944, do MRE para o embaixador do Brasil em
Madri, Mário Pimentel Brandão, AHRJ, pasta 600.3 (84) (30).

124
capítulo 3
a Espanha na história da política externa brasileira (1945-1979)

nhol, responsável pelos trabalhos de polícia política do Estado, em


paralelo a sua condição de organização paramilitar segundo os
moldes das milícias nazi-fascistas73. Não obstante, sua existência
formal no Brasil era ignorada pelas autoridades nacionais já que,
em função das medidas adotadas a partir de 1938 pelo Governo
proibindo o funcionamento de organizações políticas estrangeiras
em território brasileiro, Franco havia remetido instruções à Em-
baixada no Rio no sentido de acatar as leis de proibição. No entan-
to, isso não impediu o trabalho secreto dos agentes falangistas ca-
muflados entre os emigrantes espanhóis a favor do regime em as-
sociações do gênero “Lar Espanhol” coordenadas com as Câmaras
Oficiais de Comércio espanholas74. Desde a perspectiva da políti-
ca internacional, o Itamaraty seguia com interesse os reflexos ex-
ternos das atividades da Falange. Junto às repercussões na política
nacional, as teses ideológicas totalitárias e seu filo-nazismo eram
outros dos motivos de prevenção alegados pela diplomacia brasi-
leira. Estes elementos se agravavam pelo combate falangista ao
Pan-americanismo que era considerado nocivo pela organização em
uma dupla perspectiva: como um instrumento de coesão contra o
Eixo e como um reflexo da hegemonia dos Estados Unidos, contrá-
rios à idéia de “hegemonia ibérica” que sonhava a Falange para
América Latina.
No âmbito político, as relações bilaterais por volta de 1941
estavam bastante deterioradas. No âmbito econômico a situação se
enlameava ante as reiteradas negativas do Brasil para atender as
demandas de Fernández Cuesta. O embaixador se empenhava em
negociar um acordo comercial que reativasse os intercâmbios
hispano-brasileiros, apesar do parecer contrário do Banco do Bra-
sil preocupado pela solvência da Espanha. Atrás de tudo isso, o
embaixador falangista via “pressões estranhas” dos Estados Uni-
dos, contrários ao sistema de economia do Eixo baseado na com-

73
Relatório secreto da Superintendência de Segurança Política e Social do Estado de São Paulo sobre as
atividades da Falange, anexo ao oficio confidencial de 14 de julho de 1944, do MRE para o embaixador do
Brasil em Madri, Mário Pimentel Brandão, AHRJ, pasta 600.3 (84) (30).
74
Ofício reservado do MRE para o embaixador do Brasil em Madri, 10 de março de 1943, AHRJ, pasta 600.3
(84)(30).

125
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

pensação de Estado a Estado, o seguido no comércio hispano-bra-


sileiro. Ainda mais grave era, na opinião de Fernández Cuesta, a
orientação da política geral do Brasil, “sob a influência norte-ame-
ricana”, e a ação especuladora dos Estados Unidos em sua busca
de matérias primas como o manganês e a borracha que interessa-
vam a Espanha75.
As repercussões negativas da situação mundial nas relações
hispano-brasileiras alcançaram seu ápice ao finalizar a Segunda
Guerra Mundial, coincidindo, além disso, com a queda de Vargas e
a chegada ao poder do general Dutra, completamente flexível às
exigências dos Estados Unidos no referente à necessidade de cas-
tigar aqueles países simpatizantes dos regimes nazistas ou fascis-
tas. O lento processo de congelamento das relações bilaterais terá
seu momento culminante na interrupção dos contatos diplomáticos
ao mais alto nível, no contexto do debate da “questão espanhola”
na ONU.

A vertente comercial: as dificuldades nos intercâmbios


Ainda sem chegar a ameaçar os contatos políticos bilaterais,
tradicionalmente amistosos, o comércio constituiu um fator de ten-
são permanente, inclusive de conflito, nas relações hispano-brasi-
leiras. Repassando as estatísticas comerciais dos últimos setenta
anos pode se constatar como, salvo em anos pontuais, a tendência
geral foi o desequilíbrio da balança a favor do Brasil. Esta tendên-
cia se reverteu a partir de 1997, ano em que as importações de
produtos espanhóis superam as exportações de mercadorias brasi-
leiras para a Espanha. As dificuldades para alcançar um desejável
equilíbrio entre importações e exportações estiveram sempre pre-
sentes na agenda hispano-brasileira gerando, em ambas partes, a
sensação de que o comércio bilateral se encontra por debaixo de
suas possibilidades reais. Este panorama reforça por sua vez o bai-
xo perfil das relações bilaterais. Junto a esta questão, a necessida-
de de incrementar o fluxo de intercâmbios e a remoção dos obstá-
culos de toda ordem que impediam uma fluida relação comercial

75
Ofícios do embaixador Fernández Cuesta para o MAE, 27 de março, 12 de maio, 26 de julho e 19 de
setembro de 1941, AMAE/R, dossiê 2069, exp.7 e 8.

126
capítulo 3
a Espanha na história da política externa brasileira (1945-1979)

salpicou continuamente as conversas entre os dois lados, algo evi-


dente nas visitas de autoridades, discursos oficiais, trabalhos de
comissões bilaterais ou relatórios dos encarregados do comércio
nas Embaixadas de ambos países.
Podem estabelecer-se duas grandes fases nas relações comer-
ciais entre a Espanha e o Brasil nos últimos setenta anos, com um
claro divisor de águas em maio de 1962. Até essa data, as dificul-
dades comerciais bilaterais eram atribuíveis aos desajustes da
Guerra Civil e da Segunda Guerra Mundial, caracterizando-se os
intercâmbios pela irregularidade quantitativa e a tradição enquan-
to à pauta de produtos exportados, pouco diversificada e concen-
trada em algumas poucas mercadorias. A estas características te-
ria que acrescentar-se o assincronismo nas fases de crescimento e
crise das respectivas economias e sua repercussão na falta de co-
incidência das políticas comerciais76. Para o diplomata brasileiro
CABRAL DE MELO, em 1961, o comércio hispano-brasileiro, como
conseqüência das condições anormais da vida econômica de am-
bos países, apresentava um caráter ocasional, sem continuidade, o
que junto à forte intervenção estatal no comércio exterior espanhol
– que retraía o importador - obrigava que as relações comerciais
tivessem um caráter quase de negociação diplomática77. Com uma
perspectiva similar, outros diplomatas destinados na Espanha, des-
tacavam as debilidades do comércio bilateral, “desequilibrado, com
uma pauta de exportação pálida por ambos os lados, monótona,
com predomínio absoluto de produtos primários em detrimento dos
produtos industriais que poderiam desenvolver proveitosos inter-
câmbios”78. Desta ótica tingida de pragmatismo, o problema mais
urgente para o Brasil era incrementar o comércio com a Espanha
superando os obstáculos derivados do regime do “Comércio de
Estado”, diversificando a pauta exportadora com a venda de pro-
dutos industrializados brasileiros79.

76
“Quando o Brasil adota medidas protecionistas, a Espanha inicia uma política de maior abertura econômi-
ca”, Declarações do chefe da Missão Comercial espanhola ao Brasil, Manuel Fuentes, Diário de Notícias, Rio
de Janeiro, 29 de novembro de 1964.
77
Respostas do primeiro secretário João Cabral de Melo Neto ao questionário da circular nº 4129, de 7 de
novembro de 1961, pp.5-6, AHIB, Pasta 920. (42)(00).
78
Respostas do primeiro secretário Murillo Gurgel ao questionário da circular nº 4129, de 7 de novembro de
1961, pág.12, AHIB, Pasta 920. (42)(00).
79
Ibidem, pp.15-16.

127
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

A partir de 1962, como conseqüência da denúncia do tratado


hispano-brasileiro de comércio por parte do Brasil, as relações
comerciais, que até então se regiam por um regime bilateral, expe-
rimentam o trauma do brusco trânsito a um regime afetado pelo
multilateralismo o que produziu um sensível decrescimento das
transações mercantis80. Em efeito, a participação do Brasil na As-
sociação Latino-americana de Livre Comércio (ALALC), criada em
1960, e sua progressiva entrada em vigor, produzirá um impacto
negativo para a entrada de produtos espanhóis no mercado brasi-
leiro ao sofrer condições desfavoráveis frente aos procedentes de
outros países latino-americanos81. Para o Itamaraty, de todos os
aspectos das relações entre a Espanha e o Brasil nos primeiros
anos da década de sessenta, o que maiores problemas suscitava
era o relativo ao comércio, devido aos índices decrescentes que o
intercâmbio bilateral apresentava desde que fosse extinguido o re-
gime bilateral. Ao mesmo tempo em que entravam em vigor as pre-
ferências da ALALC, motivo da queda das exportações espanholas
para o Brasil, o Governo espanhol apresentava ao brasileiro uma
série de reivindicações concentradas na adoção de medidas favo-
ráveis para os produtos típicos da exportação nacional (azeite, alhos,
azeitonas, uvas passas, etc.)82. Para o Palácio de Santa Cruz, a
integração do Brasil na ALALC era um fato irremediável que não
se podia alterar. Toda vez que o declínio das exportações espanho-
las era um revés inerente ao sistema de diminuições tarifárias
estabelecidas a favor de análogos produtos de países latino-ameri-
canos, os esforços deviam dirigir-se à busca de novos horizontes
exportadores83.
Os desencontros nas relações comerciais hispano-brasileiras
se ampliaram pelo impacto das medidas restritivas à importação
que o Governo espanhol adotou a partir de 1966, com a finalidade

80
Ofício do primeiro secretário da Embaixada do Brasil em Madrid, Murillo Gurgel, para o MRE, 26 de
dezembro de 1962, AHIB, ofícios ostensivos, nov-dez, 1962.
81
Relatório da Direção Gral. de Relações Econômicas sobre o estado das relações econômicas e financeiras
com o Brasil, Paraguai e Argentina, 20 de janeiro de 1967, AMAE/R, dossiê 10032, exp.1
82
MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, Relatório, Brasília, 1965.
83
Instruções da Subsecretaría de Assuntos Exteriores de Madri para a delegação espanhola nas negociações
comerciais com o Brasil, 9 de fevereiro de 1962, AMAE/R, dossiê 10032, exp.1.

128
capítulo 3
a Espanha na história da política externa brasileira (1945-1979)

de reduzir o déficit comercial, oferecendo ao mesmo tempo incen-


tivos à exportação com resultados positivos já no exercício de 1967.
Por outro lado, a supressão das bases bilaterais que regiam os in-
tercâmbios vai supor que as transações comerciais e financeiras
entre os dois países sejam liquidadas em moeda livremente
convertível, ocasionando que o regime de compensação de Estado
a Estado (por exemplo, café em troca de algodão) fosse sucessiva-
mente abandonado, repercutindo negativamente no fluxo dos in-
tercâmbios. Complicando ainda mais o difícil panorama das rela-
ciones comerciais, as restrições que o Brasil encontrava para ex-
portar para a Espanha alguns de seus principais produtos, o café e
o cacau destacadamente, colocava mais lenha na fogueira. Em 1962,
ao negociar-se o Convênio Internacional do Cacau, no marco de
uma conferência promovida pelas Nações Unidas, o Brasil mani-
festou ao Governo de Madri sua preocupação pela situação deste
produto, do que a Espanha era produtor em seus territórios africa-
nos e importador desde a metrópole.84 Apenas dez anos depois o
cacau brasileiro era praticamente varrido do mercado espanhol em
virtude dos acordos assinados entre a Espanha e a Guine Equatori-
al.
Por outro lado, os conflitos comerciais em torno do café impli-
cavam, além disso, questões de caráter simbólico, ao ser este pe-
queno grão um estandarte nacional que representava a qualidade
dos produtos brasileiros no mundo. As compras de café na Espanha
estavam dirigidas desde o final da Guerra Civil pelo Ministério de
Comércio, que as orientava para aqueles países que, como
contrapartida, importassem mercadorias espanholas. Em 1961, o
Itamaraty se queixava de que a intervenção estatal na Espanha
fosse a responsável direta dos baixos índices de consumo de seu
principal produto exportador, pois o café se constituía em fonte de
renda para o Governo espanhol ao carregá-lo com pesados impos-
tos a título de proteção aos cafés africanos. Desde a cessação do
acordo bilateral que regia o comércio hispano-brasileiro, em 1962,

84
Despacho da SERE para a Embaixada do Brasil em Madri, 12 de novembro de 1962, AHIB, Despachos
Madri 1960-1964.

129
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

as exportações brasileiras de café para a Espanha se haviam visto


também prejudicadas pela assinatura de um acordo bilateral
hispano-colombiano que abastecia o mercado espanhol em uma
ampla porcentagem. Assim, o contingente brasileiro ficava estabe-
lecido em torno dos 100.000 sacos de café anuais, ainda que pos-
teriormente e em função do aumento do consumo nos anos setenta,
a participação brasileira no mercado espanhol se cifrasse em 30 %
do total (433.900 sacos em 1974). A vinculação nos anos seguin-
tes da compra de café brasileiro às compras pelo Brasil de máqui-
nas e equipamentos espanhóis não fazia se não emaranhar um tema
que progressivamente envenenava a pauta das negociações da agen-
da hispano-brasileira. O tom das reclamações brasileiras se ele-
vou quando, em 1975, o ministro de Comércio espanhol suspen-
deu totalmente as compras de café do Brasil em função do volumo-
so déficit comercial da Espanha no intercâmbio bilateral e, princi-
palmente, por causa da paralisação da compra de trens elétricos
espanhóis decretada pelo Governo brasileiro85. As gestões pesso-
ais do embaixador da Espanha no Brasil conseguiram um compro-
misso para a aquisição de 78.000 sacos de café em troca de avan-
ços na questão dos trens. O tema do café se encaminhou finalmen-
te ao âmbito multilateral do GATT, contra o desejo expresso da
Espanha que temia, como efetivamente aconteceu, uma resolução
favorável às reclamações brasileiras.
A assinatura, em 29 de julho de 1970, de um Tratado Comerci-
al de caráter preferencial entre a Espanha e a CEE acrescentou
mais motivos para a desconfiança dos brasileiros, temerosos de
que uma associação futura da Espanha ao Mercado Comum Euro-
peu acarretasse conseqüências desvantajosas para seu comércio
exterior. Nas instruções enviadas do Itamaraty para o recém chega-
do embaixador do Brasil em Madri, se incidia na necessidade de
angariar informação sobre a evolução das negociações, a fim de
que se estudassem medidas para neutralizar eventuais efeitos ne-
gativos sobre as exportações brasileiras.

85
Ofício confidencial do embaixador do Brasil em Madri, Sergio A.Frazão, para a SERE, 13 de junho de
1975, AHIB, pasta 842.31 (F4) (B46).

130
capítulo 3
a Espanha na história da política externa brasileira (1945-1979)

O Itamaraty mostrava sua preocupação em três aspectos que


afetavam o comércio bilateral ante o processo de aproximação
hispano-europeu: 1.- o efeito de desvio do comércio já que a
Espanha poderia orientar a países vinculados à Comunidade as
compras de carne e açúcar realizadas até então no Brasil; 2.- as
concessões tarifárias oferecidas pela Espanha aos países da Co-
munidade e a seus associados africanos (ex – colônias francesas
principalmente) que diminuiriam as possibilidades de que o Bra-
sil pudesse introduzir produtos de exportação tropical; 3.- a melhoria
da posição da Espanha como fornecedora de cítricos para o Merca-
do Comum, em detrimento do Brasil, que dirigia 65 % de suas
exportações desses produtos para Europa86. A situação do comér-
cio bilateral, ainda que se incrementando no que ao fluxo de inter-
câmbio se refere, se deteriorou gravemente pelo déficit acumulado
a favor do Brasil, de tal forma que, a partir de 1974, a Embaixada
em Madri alertava ao Itamaraty sobre os efeitos do desequilíbrio
da balança para a saúde dos intercâmbios, tendo o problema a
potencialidade suficiente para criar conflitos sérios com a
Espanha87. Nessa tessitura, preservar o mercado espanhol deveria
ser a matéria prioritária nas preocupações brasileiras, pois era fá-
cil imaginar um cenário em que a manutenção dos níveis das ven-
das do Brasil dependesse da redução do desequilíbrio existente.
Para o embaixador Armando Frazão, o Brasil não podia seguir ar-
gumentando que o crescente número de turistas brasileiros e as
remessas dos emigrantes compensavam parte do déficit comercial,
sendo conveniente realizar alguns gestos de boa vontade em res-
posta aos esforços de promoção de produtos espanhóis, como a eli-
minação da parte alíquota aplicada à importação de alhos88. Para o
Ministério de Comércio da Espanha, o equilíbrio da balança co-
mercial com o Brasil e a reversão do déficit comercial, não deveri-

86
Instruções para o embaixador do Brasil em Madri, Manoel Pereira Guilhon, 2 de dezembro de 1970, AHIB,
caixa 05.
87
Ofício confidencial do embaixador do Brasil em Madri, Manoel Pereira Guilhon, para o MRE, 28 de maço
de 1974, AHIB, caixa 36.
88
Ofício secreto nº 434 do embaixador do Brasil em Madrid, Sérgio A.Frazão, para a SERE, 18 de junho de
1975, AHIB, caixa 31.

131
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

am ser alcançados através da redução das importações espanholas,


mas graças ao incremento do intercâmbio entre os dois paí-
ses. A celebração da Expotecnia 74 em São Paulo, a maior
feira comercial de produtos espanhóis realizada no exterior
até então, respondia exatamente à estratégia exposta de au-
mentar as transações. No entanto, o impacto positivo desta
feira, já visível na balança comercial do ano seguinte, não
teve a característica de sustentabilidade que houvesse sido
desejável, retornando nos anos seguintes à situação prece-
dente.
Nos anos oitenta a necessidade de cumprir os compro-
missos comerciais multilaterais no âmbito do GATT e as ne-
gociações e o posterior ingresso da Espanha na CEE vão
constituir novos fatores de complicação nas relações comer-
ciais hispano-brasileiras. Junto a estes elementos, as dinâ-
micas de conflito vão encontrar-se especialmente presentes
na denúncia efetuada pelo Brasil no GATT pelas tarifas im-
postas na Espanha ao café brasileiro e pelos temores, veri-
ficados com o passar do tempo, de que o ingresso espanhol
no Mercado Comum impactasse negativamente nas exporta-
ções brasileiras. Todas estas questões representam, em di-
ferente grau e medida, a continuação por outras vias de um
fator permanente de deterioração, nas relações hispano-bra-
sileiras. Definitivamente, a vertente comercial se configu-
rava como a pedra de toque, em muitos aspectos, dos escas-
sos conflitos existentes na história das relações entre Brasil e
Espanha.

A vertente social: a emigração espanhola para o Brasil


A questão migratória foi um dos principais fatores que
influenciaram as ações da diplomacia espanhola e brasilei-
ra. Por outro lado, a existência de um forte vínculo entre as
duas sociedades, já entrelaçadas pelos emigrantes, foi de-
cisiva para a manutenção das relações cordiais. Ainda que
a questão perdesse importância na agenda bilateral a partir

132
capítulo 3
a Espanha na história da política externa brasileira (1945-1979)

dos anos setenta, na década de noventa voltou com força, se


bem que no sentido contrário, como conseqüência do pro-
gresso econômico da Espanha que atraiu a um apreciável
contingente de brasileiros.
Entre 1880 e 1930, se originou uma forte afluência de es-
panhóis ao Brasil fugindo da miséria e das escassas perspecti-
vas de futuro. Ainda que as estatísticas variem, parece certo
que pelo menos 500.000 emigrantes espanhóis, elegeram as
oportunidades e facilidades que o Governo brasileiro ofere-
cia a quem quisesse contribuir ao processo de ocupação de
um vasto espaço nacional que começava a delimitar-se e que,
em 1912, estava concluído graças à gestão do Barão de Rio
Branco. O Estado de São Paulo, através de seu porto de
Santos, era o ponto de desembarque de muitos emigrantes e
daí, uma vez superado o período de quarentena, registro e
adaptação se encaminhavam para o interior, às fazendas
cafeeiras que enfrentaram a partir de 1850 problemas de
mão de obra, como conseqüência das diferentes medidas de
abolição da escravatura. Calcula-se que uns 350.000 espa-
nhóis se localizaram no Estado de São Paulo, um dos mais
ricos e pujantes do país. A chegada de emigrantes espanhóis
sofreu uma importante diminuição durante a Primeira Guerra
Mundial, caindo drasticamente entre 1931 e 1945, pelos
acontecimentos da Guerra Civil Espanhola e a Segunda
Guerra Mundial. Entre 1950 e 1964, no contexto do nacio-
nal desenvolvimentismo brasileiro, o país recebeu uma nova
onda de emigrantes espanhóis contratados como mão de obra
especializada para as indústrias automobilísticas e siderúr-
gicas. Depois da colônia italiana e portuguesa, a espanhola
era a mais numerosa, destacando-se por sua origem os gale-
gos e catalães no século XIX, e posteriormente, andaluzes,
estremenhos, bascos e valencianos. Algumas estimativas ci-
fram em 750.000 o número de espanhóis chegados ao Brasil
até a década de 1960.

133
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

Gráfico nº 1
Emigrantes espanhóis chegados no Brasil (1820-1972)

Ano Número de Emigrantes


1820 – 1880 4.764
1881 – 1900 199.193
1901 – 1930 375.198
1931 – 1960 116.585
1961 – 1972 21.684
Total 1820 – 1972 717.424

Fonte: dados extraídos de KLEIN, H: A Imigração Espanhola no Brasil. São Paulo, Ed. Sumaré, 1994

Para o Brasil, era urgente buscar alternativas para abastecer


com mão de obra as imensas plantações cafeeiras, principal pro-
duto de exportação a partir de 1850. O oferecimento de ajudas
para a emigração constituía um incentivo para muitos europeus
que se sentiram fascinados pela propaganda dos fazendeiros
paulistas que apresentavam o Brasil como um paraíso. As facilida-
des brindadas no alojamento, a celebração de um contrato e o pa-
gamento das passagens de barco supunha um forte incentivo. Em
alguns casos, estes emigrantes progrediam, convertendo-se em
pequenos empresários, artesãos, industriais e hoteleiros. Muitos
se integraram na vida política do país, desempenhando um ativo
papel na organização de movimentos trabalhistas e grupos anar-
quistas89. Por outro lado, a capacidade associativa dos espanhóis
frutificou em um número sem fim de agrupações, sociedades re-
creativas de ajudas mútuas e centros regionais (galegos, bascos,
asturianos, etc.) que desenvolveram um amplo programa de ativi-
dades completado com jornais e revistas que, em alguns momen-
tos, chegaram a preocupar às autoridades brasileiras, receosas do
entusiasmo e da agitação política que poderiam ser realizadas nes-
sas instituições90. Estas reservas do Governo brasileiro eram inci-

89
Foi o caso das greves do ano de 1917 em São Paulo, provocadas pela morte do operário espanhol José
Martínez, em enfrentamentos com a polícia frente à fábrica de tecidos Mariângela, no bairro do Brás.
90
O embaixador da Espanha no Brasil, Prat de Nantouillet, se queixava da vida lânquida das sociedades de
espanhóis, “combatidas pelas leis locais que tendem a nacionalizá-las”, Despacho nº 1008 de Prat de

134
capítulo 3
a Espanha na história da política externa brasileira (1945-1979)

tadas pelas campanhas dos Governos da Alemanha, Itália, Portu-


gal ou Espanha para conectar as colônias de emigrantes com a Mãe
Pátria, principalmente no período de entre - guerras, por sua influ-
ência política nos governos locais - o caso dos alemães nos estados
do sul do Brasil – e pela idéia subjacente nestas iniciativas: o au-
mento da influência da Europa no mundo, através dos milhões de
descendentes de europeus espalhados em diferentes latitudes, agru-
pados em comunidades que destacavam os laços de língua, cultura
e sangue sob as denominações de “Italianidade”, “Francofonia”
ou “Hispanidade”.91
A presença de emigrantes espanhóis no Brasil teve logicamente
sua repercussão nas relações bilaterais. Desde o final do século
XIX, o tema achava-se presente na agenda hispano-brasileira. Ain-
da que a questão incorporasse uma dimensão conflitiva - como con-
seqüência das reclamações espanholas pelas péssimas condições
de trabalho e os sucessivos decretos do Governo brasileiro restrin-
gindo o proibindo o desembarque de espanhóis por questões higiê-
nicas ou irregularidades administrativas92 - a realidade é que o
assunto se canalizava normalmente pela via do diálogo e da coope-
ração. Para o Governo espanhol o tema era do maior interesse, como
também o era para o brasileiro dada a importância do trabalho dos
emigrantes no desenvolvimento do país93. Assim, quando em 1950,

Nantouillet para o MAE, 6 de dezembro de 1952, AMAE/R, legajo 2979, exp.15. Em seu despacho relacio-
nava as principais sociedades de espanhóis no Brasil e sua data de constituição: Sociedade hispano brasileira
de socorros mútuos, instrução e recreio, São Paulo, 7 agosto de 1949; Real Sociedade Espanhola de Beneficencia
da Bahia, 10 de dezembro de 1944; Centro Cultural recreativo espanhol, Bahia, 25 de março de 1951;
Sociedade espanhola de socorros mútuos de Porto Alegre, fundada no dia 1 de agosto de 1893; Sociedade
espanhola de Socorros mútuos de Campinas, fundada no dia 25 de julho de 1900.
91
BERTONHA, J.F.: “Os emigrantes e a política externa do Brasil, do Mercosul e da UE. Uma agenda de
pesquisa”, Correio Internacional, http://www.relnet.com.br , (consulta: 13 de setembro de 2003).
92
MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERNAS, Relatório, Rio de Janeiro, 1911, pp. 28-29.
93
Existe uma ampla bibliografía sobre a contribuição espanhola, através da emigração, ao processo de conso-
lidação e crescimento do Brasil. Ver AGUIAR, Cláudio: Os espanhois no Brasil, Rio de Janeiro, Tempo
brasileiro, 1991; BACELAR, Jeferson: Galegos no paraiso racial, Salvador de Bahia, Centro Editorial e
Didático da Universidade Federal da Bahia/Ianama, 1994; ESTEBAN, Lluis de Llera (coord): El último
exilio español en América, Madri, Edições Mapfre, 1996; GARCÍA GUILLÉN, M.: “Permanente presencia
española en Brasil (la gran emigración a Brasil) 1824-1914”, Jornal do Imigrante, outubro, 2000, pp.18-24;
GONZALEZ, Elda: Café e inmigración: los españoles en São Paulo: 1880-1930, Madri, Centro Espanhol de
Estudos da América Latina,1990; GONZÁLEZ, Elda: O Brasil como país de destino para os migrantes
espanhois, em FAUSTO, Boris (org): Fazer a América, São Paulo, EDUSP, 1999; GONZÁLEZ, Elda: “Identidad
y representación colectiva de un grupo inmigrante: los españoles en São Paulo. 1950-1970”, em GONZÁLEZ,
E; MORENO, A.; SEVILLA, R.: Reflexiones en torno a 500 años de historia de Brasil, Madri, Catriel, 2001,

135
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

o embaixador Rubens Ferreira de Mello chega a Madri, o faz com


instruções precisas de seu Governo para negociar um acordo bila-
teral de emigração:

“(...) Seria conveniente que Vª. Excelência estudasse a possibilidade


de realizar um Acordo de emigração com a Espanha, nos moldes dos
que estão sendo elaborados com a Itália, Portugal e Países Baixos. Os
elementos dos que dispõe o Conselho de Emigração e Colonização
mostram haver, de parte de grande número de operários espanhóis,
um manifesto desejo de emigrar para o Brasil”. 94

A necessidade de regularizar as variadas situações derivadas


da afluência de emigrantes espanhóis ao Brasil, aconselhava real-
mente a assinatura de um acordo. Depois de 1946, a corrente mi-
gratória espanhola ao Brasil aumentou lenta e gradualmente, ocu-
pando o terceiro lugar como país preferido. Se até o final da Segun-
da Guerra Mundial, os emigrantes espanhóis eram dirigidos aos
cafezais, a partir de 1946 e até os anos setenta, seu destino foi
contribuir ao sucesso da implantação das as metas
desenvolvimentistas do processo industrial brasileiro, levadas à
prática pelo Governo Kubitschek (1956-1960)95. Entre 1946 e 1959
chegaram no Brasil 91.500 emigrantes espanhóis, e nos nove anos
seguintes, entre 1960 e 1969, o fizeram 32.191. A partir de 1970
e no seguinte decênio somente chegaram 2.074 emigrantes.
As razões desta diminuição, segundo o Instituto Espanhol de
Emigração, residiam em uma tripla causa: 1.- a recuperação e de-
senvolvimento da Europa Ocidental que permitia reorientar o flu-
xo migratório espanhol para o mercado de trabalho europeu; 2.- o

pp.219-238; KLEIN, Hebert S.: “A integração social e econômica dos imigrantes espanhois no Brasil”,
Estudos econômicos, nº 3, vol.19, setembro-dezembro, 1989, pp.457-476; KLEIN, Hebert S: La inmigración
española en Brasil: siglos XIX y XX, Colombres, Asturias, Colección Cruzar el Charco, Fundación Archivo de
Indianos, 1996; SANTOS, Ricardo E.: La emigración española en la bajada santista (1880-1950), Tese de
Doutorado, Universidade Complutense de Madri, 1988; SANTOS, Ricardo E.: Política migratoria España a
Iberoamerica: aporte Brasil (1890-1950), A Coruña, Edicios do Castro, 1996; SOUZA MARTINS, José: La
inmigración española en Brasil y la formación de la fuerza de trabajo en la economía cafetalera, 1880-1930,
em SANCHEZ ALBORNOZ, Nicolás (compilador): Españoles hacia América. La emigración en masa 1880-
1930, Madri, Alianza Editorial, 1988.
94
Oficio confidencial de la SERE, 4 de marzo de 1950, con instrucciones para el embajador en Madrid,
AHRJ, caja 161.
95
AGUIAR, Cláudio: Os espanhois no Brasil, Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1991, pág.177.

136
capítulo 3
a Espanha na história da política externa brasileira (1945-1979)

fechamento definitivo dos países latino-americanos à emigração


espontânea pelo enorme crescimento vegetativo (o Brasil passa de
quarenta milhões de habitantes em 1940 a noventa e cinco mi-
lhões em 1970); 3.- a necessidade de orientar os contingentes
imigratórios à captação de pessoal especializado com a finalidade
de reforçar seus processos de desenvolvimento com a incorporação
de mão de obra qualificada.96 Perante estas novas realidades, já em
1952, o cônsul espanhol em São Paulo alertava sobre a inconveni-
ência da “livre emigração espanhola, como até agora se pratica-
va”97. O Brasil tentou sempre favorecer a chegada de emigrantes
espanhóis pelas suas vantagens e inclusive desde a Embaixada em
Madri, se tentou que o Governo brasileiro evitasse a “fuga” à Eu-
ropa destes trabalhadores já que entre os interesses do país na
Espanha estava a ação direta com o fim de neutralizar a concorrên-
cia crescente dos mercados de trabalho de Europa Ocidental. 98
Em 1960, Brasil e Espanha assinaram um acordo de emigra-
ção que nasceu da necessidade de enfrentar o problema do regula-
mento da emigração, disciplinando a cooperação hispano-brasilei-
ra nesta matéria. No acordo se constatou a complementaridade que
a Espanha e o Brasil apresentavam nesta questão. Enquanto de
uma parte se oferecia técnica e mão-de-obra, da outra se conse-
guia dar continuidade ao processo de desenvolvimento econômico,
com um tipo de emigrante – o espanhol – facilmente assimilável,
acostumado ao trabalho duro, com capacidade de adaptação a em-
presas pioneiras e “qualidades inegáveis de tipo humano que po-
dia dar às pátrias jovens e sonhadoras com um grande futuro”99. O
embaixador espanhol Rojas, realizava valorações muito positivas
do acordo, pois os emigrantes nacionais gozariam do tratamento
que se dispensaria à nação mais favorecida, salvo Portugal, e se

96
INSTITUTO ESPANHOL DE EMIGRAÇÃO, “Relatório sobre a Emigração Espanola no Brasil”, Madri,
IEE, 1980, pág.6.
97
Despacho do cônsul da Espanha em São Paulo, Federico Gabaldón, para o ministro de Assuntos Exteriores,
12 de julho de 1952, AMAE/R, dossiê 2923, exp.16.
98
Ofício confidencial do encarregado de negócios da Embaixada do Brasil em Madri, 26 de dezembro de
1961, AHIB, pasta 920.(42)(00) relações políticas e diplomáticas.
99
Carta o chefe da Missão brasileira de Emigração do serviço brasileiro de seleção de emigrantes na Europa,
Oscar Machado, para o diretor geral de Assuntos Consulares, 20 de dezembro de 1960, AMAE/R, dossiê
6220, exp.90.

137
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

equipararia aos trabalhadores espanhóis com os nacionais brasi-


leiros100. No processo negociador Rojas ressaltou que as autorida-
des brasileiras tinham expressado seu interesse por chegar a um
Convênio de migração, em sintonia com os interesses espanhóis
“como forma de canalizar a corrente migratória, garantindo as con-
dições trabalhistas dos emigrantes mediante um status legal
preestabelecido e regulando sua saída conforme aos interesses po-
líticos e econômicos da Espanha em cada momento”101. O acordo
se completou, em 1969, com um Convênio sobre Previdência Soci-
al que reconhecia o princípio de reciprocidade no que se refere aos
benefícios oriundos dos respectivos regimes.
A partir de 1970, a questão migratória perdeu muita força como
tema relevante na agenda hispano-brasileira. As avaliações que se
realizavam desde Brasília sobre a efetividade do acordo, quase vinte
anos depois de sua assinatura, destacavam que este nunca tinha
chegado a ser implementado, sem apresentar mais interesse do ponto
de vista da política migratória brasileira. Não obstante, era reco-
mendável que o Brasil mantivesse uma atitude de cautela perante
do acordo que se propunha desde a Embaixada da Espanha, em
termos tais que não se criassem dificuldades para outros temas em
andamento nas relações brasileiro-espanholas102. É certo que nos
anos 70 e 80, o retorno dos emigrantes espanhóis e a diminuição
do fluxo para a América, levaram na prática a que o tema fosse
relegado a um segundo plano na agenda bilateral. Porém, ele foi
fundamental, durante muitos anos, como elemento que vinculou
ambas sociedades, criando importantes laços humanos que contri-
buíram à manutenção da amizade tradicional entre a Espanha e o
Brasil. Em conclusão, como sustenta GARCIA, com um dos mais
importantes contingentes de novos povos para a mestiçagem da
população brasileira, a Espanha manteve uma ampla influência
cultural no Brasil através da emigração. Influência que se projeta-

100
Nota do embaixador da Espanha no Brasil para Félix Iturriaga, diretor geral de Assuntos Consulares, 2 de
janeiro de 1961, AMAE/R, dossiê 6220, exp.90.
101
Relatório do embaixador da Espanha no Brasil para a Direção Geral de Assuntos Consulares, 20 de
dezembro de 1960, AMAE/R, dossiê 6220, exp.90.
102
Telegrama urgentíssimo confidencial, do Chefe do DCJ para a SERE, Brasília, 11 de julho de 1978,
AHIB, caixa 272.

138
capítulo 3
a Espanha na história da política externa brasileira (1945-1979)

ria ao longo dos tempos e aproximaria aos dois povos, minimizando


assim os efeitos da distância física entre os dois continentes.103

3.5.- A conver gência de estratégias desenvolvimentistas


convergência
entre a Espanha e o Brasil
Depois do quadriênio em que as relações político-diplomá-
ticas estiveram interrompidas, por força da vigência da resolu-
ção R.39/I da Assembléia Geral das Nações Unidas de 1946, o
Brasil e a Espanha superaram o estado letárgico em que se en-
contravam os contatos bilaterais. O primeiro passo pelo lado
brasileiro, foi o envio de um embaixador. A chegada a Madri de
Rubens Ferreira de Mello, indicou o começo de uma nova etapa
nas relações bilaterais nas que o Brasil, sem olhar para trás,
pretendia “testemunhar ao Governo e à Nação Espanhola seus
sentimentos de extrema amizade e dedicação” entendendo que
seu país tinha demonstrado ser um amigo certo na hora incer-
ta104. De maneira ainda mais lírica, o embaixador espanhol no
Rio, se referia à etapa da interrupção das relações diplomáti-
cas como “aqueles tempos em que entre a Espanha e o Brasil
havia um amor positivo e real, mas clandestino e vergonhoso.
Hoje por fortuna, nossa união amorosa está santificada pela
bênção nupcial”105. As instruções que o novo embaixador do
Brasil levava consigo incidiam na necessidade de retomar a tra-
dicional agenda hispano-brasileira, com especial concentração
na normalização das relações apesar da índole diversa dos re-
gimes políticos. Mereceriam também especial atenção os te-
mas comerciais e migratórios, a observação atenta da política
de amizade entre a Espanha e Portugal, consubstanciada no
Pacto Ibérico, e o seguimento das relações econômicas entre a
Espanha e os países latino-americanos.106

103
GARCÍA MUÑOZ, Dércio: “Economía brasileira. As lições que vem da Espanha”, Seminário Brasil-
Espanha, IPRI-FUNAG, Rio de Janeiro, 7 de abril de 2000, pág.1
104
Ofício confidencial do ministro de Relações Exteriores, Mario Pimentel Brandão, para o embaixador em
Madri, Rubens Ferreira de Mello, 27 de junho de 1953, AHIB, caixa 161.
105
ROJAS Y MORENO, José: Despedida: palavras de adeus do embaixador da Espanha no Rio de Janeiro,
José Rojas y Moreno ao sair do Brasil, Madri, Artegrafia, 1952; José Rojas, Conde de Casas Rojas, foi
embaixador da Espanha no Brasil entre 1946 e 1952.
106
Ofício confidencial do ministro das Relações Exteriores para o embaixador em Madri, 3 de março de
1950, AHIB, caixa 161.

139
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

Pelo lado espanhol, o Governo de Franco se fez representar na


tomada de posse de Getúlio Vargas, em janeiro de 1951, destacan-
do o embaixador Rojas o agradecimento do povo espanhol pela atu-
ação do presidente Vargas quando a Espanha se viu “atormentada
pela Guerra Civil, momento aquele de prova para as amizades ver-
dadeiras”107. Dias depois, Vargas recebia ao embaixador espanhol.
A avaliação de Rojas foi altamente positiva, pois augurava o me-
lhor para a Espanha sob o novo mandato presidencial108. Entre os
assuntos pendentes das relações bilaterais destacavam a negocia-
ção de um convênio sobre imigração, de um acordo cultural e de
um tratado comercial109. Este último tema constituía, na opinião do
diplomata espanhol, o trabalho mais importante dos que podiam
propor-se nas relações bilaterais, pois compreendia a existência
de um interesse mútuo favorecido pela complementaridade das
respectivas economias, se bem que parecia óbvio que os brasilei-
ros podiam oferecer muito mais aos espanhóis110. O Brasil era um
dos países da América que maiores possibilidades oferecia ao co-
mércio espanhol. Porém, o certo é que as exportações diminuiam
de ano em ano, entre outras razões, pela ausência de um convênio
comercial que eliminasse os impedimentos burocráticos e as obs-
truções às operações mercantis empreendidas. As dificuldades das
comunicações marítimas entorpeciam os intercâmbios e as com-
pensações e as equivalências monetárias eram sempre uma dor de
cabeça para qualquer iniciativa comercial. Finalmente, no dia 24
de julho de 1952, se assinou um Acordo de Comércio e Pagamen-
tos que resolveu em alguma medida as obstruções ao comércio bi-
lateral. Não obstante, o tema seguiu figurando entre os principais
pontos da agenda conflitiva hispano-brasileira como conseqüência
do permanente desequilíbrio da balança comercial a favor do Bra-
sil111.

107
Carta remitida pelo embaixador da Espanha no Brasil para o presidente eleito, Getúlio Vargas, 18 de
janeiro de 1951, Rio de Janeiro, AMAE/R, dossiê 2825, exp.13.
108
Despacho nº 36/50 do embaixador da Espanha para o MAE, 31 de janeiro de 1951, AMAE/R, dossiê
2829, exp.74.
109
Despacho nº 346/963/51 do embaixador da Espanha para o ministro de Assuntos Exteriores, 25 de maio
de 1951, AMAE/R, dossiê 2829, exp.74.
110
Despacho nº 473/901/51 do embaixador da Espanha para o ministro de Assuntos Exteriores, 24 de agosto
de 1951, AMAE/R, dossiê 2829, exp.74.
111
As negociações do Acordo e os resultados do comércio hispano brasileiro nesses anos podem ser estudados
em CARBONELL TORTÓS, F.: En torno al futuro acuerdo comercial entre España y el Brasil, Barcelona,
Câmara de Comeécio, Indústria e Navegação Hispano-Brasileira, 1952.

140
capítulo 3
a Espanha na história da política externa brasileira (1945-1979)

Na agenda cultural hispano-brasileira, destacava a fundação,


em 1952, do Instituto Brasileiro de Cultura Hispânica, junto ao
que atuava a cátedra “Isabel la Católica” na Universidade do Rio
de Janeiro. Também foram relevantes as doações de livros espa-
nhóis a bibliotecas do Brasil e a reativação das negociações para
concluir um acordo cultural que estabelecesse, entre outras ques-
tões, as condições para a fundação de uma Casa do Brasil na Cida-
de Universitária de Madri 112. Algumas iniciativas pitorescas des-
pertaram um grande debate antiespanhol no Brasil. Foi o caso das
sucessivas tentativas para introduzir a celebração de touradas no
Rio de Janeiro. Efetivamente, o toureiro Domingo González
“Dominguín”, tinha se empenhado pessoalmente na questão e ti-
nha conseguido envolver o prefeito do Rio, o general Mendes de
Morães, que financiou as gestões e viagens do toureiro à capital
carioca. Não obstante, existiam obstáculos legais para a celebra-
ção de espetáculos taurinos e, sobretudo, uma férrea oposição da
opinião pública brasileira. O artigo 5 do decreto n º 16.590 que
regulava desde 1924, a comemoração de espetáculos públicos proi-
bia taxativamente a realização de festas que ocasionassem dano a
seres vivos. O assunto chegou até o Senado Federal que decidiu, no
dia 16 de outubro de 1950, por 22 votos contra e 14 a favor, rejei-
tar o projeto de lei que devia derrogar o decreto que proibia as
“corridas”. Três anos depois, o general Mendes insistiu em reali-
zar uma novilhada no Rio. A questão começou a adquirir um as-
pecto e um tamanho que preocupou seriamente à Embaixada espa-
nhola no Rio, pois a idiossincrasia brasileira era a antítese do que
representavam as touradas. Sob este pretexto, “a imprensa
antiespanhola que até então mantinha um discreto silêncio, podia
começar uma campanha em regra contra a Espanha (...) que ali-
mentaria a fogueira sem nenhum benefício nem contrapartida”113.

112
Em abril de 1949, o Governo espanhol tinha manifestado ao encarregado de negócios da Brasil em Madri,
que tão logo se resolvera a “questão espanhola” na ONU, a Espanha teria interesse em concluir um Acordo
Cultural com o Brasil chegando a remeter um anteprojeto à Embaixada. Ofícios confidenciais do encarregado
de negócios do Brasil em Madri, Vasco Leitão da Cunha, para ministro das Relações Externas, AHRJ, 9 e 18
de abril de 1949, caixa 250.
113
Despacho nº 37, de 10 de janeiro de 1953, do embaixador da Espanha no Rio, Marqués Prat de Nantouillet,
para o ministro de Assuntos Exteriores, Madri, AMAE/R, dossiê 3174, exp. 37.

141
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

Apenas poucos anos depois do restabelecimento de plenas re-


lações diplomáticas, as relações hispano-brasileiras pareciam per-
feitamente normalizadas e as agendas dos dois países mostravam
uma coincidência surpreendente nas questões mais importantes.
O pragmatismo que a diplomacia brasileira demonstrava foi fun-
damental para superar os empecilhos que a presumível incompati-
bilidade de dois regimes de caráter político diferente poderia su-
por. Não obstante, na Espanha se realizou um seguimento bastante
intenso da evolução da vida política brasileira, ressaltando os mei-
os de comunicação espanhóis o “perigo comunista” que se alastra-
va no Brasil por ocasião das eleições de 1955. Preocupava à im-
prensa espanhola especialmente que o Brasil fosse a plataforma na
América do Sul para a extensão do comunismo a partir das teses de
Luiz Carlos Prestes114.
Igualmente, o suicídio de Vargas e sua “ressurreição” através
de seus herdeiros políticos nas eleições de 1955, a divisão no Bra-
sil e a possibilidade de um golpe militar, os diferentes candidatos
e, entre todos, a sutileza de Juscelino Kubitschek ou o papel de
potência do país no século XXI, foram amplamente noticiados na
Espanha, demonstrando o interesse que suscitavam os temas bra-
sileiros, o que era um bom termômetro da evidente intensificação
das relações bilaterais naquela década115. As bases estavam colo-
cadas para um ressurgir das relações hispano-brasileiras que se
beneficiaram nos anos seguintes dos bons resultados da presidên-
cia de Kubitschek e da lenta recuperação da economia espanhola.
O estado de latência no qual se encontravam as relações ficava
definitivamente superado.

A visita de Juscelino Kubitschek (JK) no conte


Kubitschek xto do Plano de
contexto
Metas
A visita do presidente eleito do Brasil a Espanha, em janeiro
de 1956, constituiu a prova mais evidente da normalização das

114
“Mundo hispánico”, números 81 e 82, dezembro de 1954 e janeiro de 1955.
115
Edições do ABC de 9, 14, 15, 23 de abril de 1955; 22 de maio de 1955; 24 de agosto de 1955; 11, 14 de
setembro de 1955; 1, 2, 5, 7, 14, 21 de outubro de 1955; 12, 13, 22, 23, 24, 25 de novembro de 1955; Ya,
Alcázar, Arriba, Pueblo e Informaciones realizaram também uma ampla cobertura.

142
capítulo 3
a Espanha na história da política externa brasileira (1945-1979)

relações hispano-brasileiras depois da pausa dos anos de isola-


mento internacional. Teve, além disso, a virtualidade de lançar as
bases do que seriam, nas suas linhas fundamentais, as relações
bilaterais nas duas décadas seguintes, no contexto da
implementação dos respectivos planos de desenvolvimento nacio-
nais116. Pode-se falar, sem dúvida, de intensificação nas relações
hispano-brasileiras a partir do momento simbólico da visita de JK.
Contribuíram para esta realização o carisma pessoal do presidente
brasileiro, sua simpatia e a admiração que sua figura despertou na
Espanha117 .
Para o Governo de Franco se tratava de instrumentalizar a visi-
ta e demonstrar à opinião pública que se estava superando defi-
nitivamente a fase do isolamento. Desde a perspectiva brasileira, a
viagem para a Espanha de JK, se emoldurava no contexto mais
amplo do caráter instrumental da política externa do Brasil, em
relação com o Programa de Metas de Desenvolvimento. A viagem
do presidente eleito servia para a finalidade de realizar o marketing
de seu programa de Governo, orientado ao aprofundamento do de-
senvolvimento industrial e a infra-estrutura do país, mostrando a
seus potenciais sócios ou parceiros internacionais que seu projeto
tinha legitimidade e criatividade, dentro das estreitas margens que
as circunstâncias impunham 118. JK retomou a prática das viagens
ao exterior dos presidentes-eleitos, traduzindo estes encontros com
governantes e Chefes de Estado em uma diplomacia econômica
ativa dirigida à luta contra o principal problema do Brasil: o sub-
desenvolvimento. Mesmo que os resultados da visita foram em cur-
to prazo mais retóricos que práticos, a década de sessenta e a in-
tensificação das relações bilaterais hispano-brasileiras confirma-
ram a intuição de Kubitschek no sentido de identificar na Espanha
um sócio potencial que podia cooperar com o Brasil no seu progra-
ma desenvolvimentista.

116
Sobre a implantação dos planos de desenvolvimento na Espanha se pode consultar CARR, Raymond:
Espanha 1808 – 1975, Barcelona, Ariel, pp. 671-691. Para a análise dos planos de desenvolvimento no
Brasil ver VIZENTINI, Paulo: Relações Internacionais e Desenvolvimento, Petrópolis, Vozes, 1995, pág.133.
117
Os diários madrilenhos o qualificavam como “um social-cristão” que tinha jurado não pactuar com os
comunistas. Sobre a admiração que despertou JK consultar as edições de Arriba, 13 a 22 janeiro de 1956;
ABC, 17 a 22 de janeiro de 1956; Ya, 19 a 22 de janeiro e 24 janeiro de 1956.
118
LAFER, Celso: “JK: Dualidade a serviço do Brasil”, Jornal do Brasil, 26 de março de 2001.

143
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

JK soube atrair as simpatias dos governantes espanhóis com


gestos audazes e inteligentes postos em realce pela imprensa espa-
nhola e que chegaram a cativar ao mesmo Franco. Os meios de
comunicação destacavam o proclamado anticomunismo de
Kubitschek – “de raiz social-cristã e não fascista” – e sua mensa-
gem ao Congresso Nacional brasileiro, no qual exortava aos parla-
mentares à elaboração de uma lei que introduzisse o espanhol como
língua obrigatória no ensino secundário do Brasil119. Esta última
questão afetava diretamente à política de expansão cultural espa-
nhola na América Latina, toda vez que a iniciativa de JK dava um
passo efetivo para a amizade do Brasil com o mundo ibero-ameri-
cano, formulado desde o ponto de vista de sua política
panamericanista e do estreitamento das relações de vizinhança com
os Estados limítrofes, todos eles hispano-falantes120.
Em reconhecimento a seu trabalho para o fomento do espanhol
no Brasil, Franco outorgou a JK, o colar da ordem de Isabel la Ca-
tólica 121. Além disso, o ditador enviou a Kubitschek uma carta
pessoal declarando-se “muito grato” ao conhecer a “lisonjeira no-
tícia” do envio ao Congresso de sua “nobre nação” de uma mensa-
gem propondo a obrigatoriedade da língua castelhana nos estudos
secundários. Tentando atrair o Brasil para o âmbito da política de
Hispanidade, a carta concluía expressando a segurança que a uni-
dade e aproximação entre as nações ibero-americanas, que com
tanto entusiasmo Kubitschek promovia, reforçaria este núcleo im-
portantíssimo de países que exerceriam um decisivo influxo no sen-
tido do melhor entendimento de quantos integram o mundo civili-
zado”122. Meses depois, Franco manifestou ao Embaixador brasi-
leiro o desejo de seu Governo de participar do processo de desen-
volvimento industrial do Brasil:

119
A imprensa brasileira também difundiu amplamente esta mensagem, ver “Ensino de Espanhol ajudará a
Operação Panamericana”, O Globo, 25 de setembro de 1958; “Operação Panamericana também no setor
cultural”, Jornal do Brasil, 26 de setembro de 1958; “Espanhol obrigatório no Ginásio para fortalecer a
amizade interamericana”, Ultima hora, 30 de setembro de 1958.
120
Despacho do embaixador da Espanha no Brasil, Tomás Suñer, para o ministro de Assuntos Exteriores, 30
de setembro de 1958, AMAE/R, dossiê 5546, exp.36.
121
ABC, 30 de agosto de 1958; ARRIBA, 9 de setembro de 1958; PUEBLO, 8 de setembro de 1958.
122
ABC, 29 de novembro de 1958.

144
capítulo 3
a Espanha na história da política externa brasileira (1945-1979)

“(...) Em entrevista que mantive com o Generalíssimo Franco (...)


me declarou que a Espanha desejava participar com capitais e técnica,
do surto industrial brasileiro. Citou então, o projeto de construção no
Brasil, de um estaleiro da empresa Elcano, acrescentando que (...) a
execução do projeto estava dependendo apenas de encontrar um local
adequado para sua instalação (...) o Caudilho me falou da recente
visita, a Madri, do presidente Kubitschek, de quem afirmou que guarda
a melhor lembrança e cuja inteligência, personalidade e compreensão
dos problemas públicos muito lhe impressionaram. Aduziu que
conhecia as intenções do presidente Kubitschek de intensificar as
relações econômicas e culturais entre o Brasil e a Espanha e solicitou
transmitir ao sr. Presidente da República que dará seu mais decisivo
apoio a todas as iniciativas neste sentido”123.

A hora da materialização dos interesses comuns hispano-bra-


sileiros que JK impulsionou com sua visita chegaria – no contexto
do desenvolvimentismo - a partir da década dos anos sessenta, de-
clinando com a crise do petróleo de 1973 e com esgotamento do
boom econômico brasileiro a partir de 1974.124

As relações culturais
Se a intensificação das relações econômicas com o Brasil acon-
teceu na seguinte década, a implementação de um ambicioso pro-
grama bilateral cultural não teve de esperar tanto. Desde a pers-
pectiva da diplomacia brasileira, sua política de promoção da cul-
tura nacional na Espanha devia perseguir o objetivo fundamental
de divulgar a terra e as povo brasileiro contribuindo para assegurar
uma presença que, aproveitando a simpatia do povo espanhol pelo
Brasil, fosse funcional para o encaminhamento satisfatório de to-
dos seus demais interesses. Esta concepção da ação cultural do
Itamaraty e do Governo brasileiro foi refinada durante os Governos
militares ao ponto que, em 1966, o representante brasileiro em
Madri reclamava a necessidade de libertar a política cultural exte-
rior de qualquer resquício de academicismo para, partindo da rea-

123
Telegrama confidencial da Embaixada do Brasil em Madri, 23 de julho de 1956, AHIB, caixa 250.
124
Na cronologia final se apresentam as iniciativas comuns que, no contexto do desenvolvimentismo,
implementaram os dois países. Ver anos 1960 a 1973.

145
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

lidade brasileira, impregnar-se de um espírito eminentemente ob-


jetivo e prático, atendendo aos objetivos gerais do desenvolvimen-
to nacional125. Também não era alheia a diplomacia brasileira o
fato de que se detectasse, a partir da segunda metade da década
dos anos 50, uma tentativa do Governo de Franco para conseguir
uma maior aproximação cultural para o Brasil, como parte de uma
estratégia que tentava – depois de anos de ação cultural junto dos
países de língua espanhola na América – atrair aos receosos Go-
vernos brasileiros à causa da Hispanidade. Nessa linha se encon-
trava a política espanhola de criação dos Institutos Brasileiros de
Cultura Hispânica - sete em 1959 - e das sociedades culturais
espanholas no Brasil, assim como o grande sucesso da venda dos
livros espanhóis que, segundo o embaixador espanhol, tinham ba-
tido o recorde no Brasil no ano 1957126.
A partir dos anos cinqüenta foram desenvolvidas, no campo
das relações culturais hispano-brasileiras, duas linhas de ação prin-
cipais: a fundação e instalação da Casa do Brasil em Madri e o
aumento das bolsas de estudos concedidas a estudantes brasileiros
através do Instituto de Cultura Hispânica.
A instalação de uma Casa do Brasil respondia a um duplo inte-
resse. Por parte do Governo brasileiro se tratava de alcançar visi-
bilidade cultural na Espanha. Desde a perspectiva espanhola o
objetivo era atrair o Brasil ao centro cultural do país, Madri. Já em
1949, o ministro de Assuntos Exteriores da Espanha manifestava
ao encarregado brasileiro de negócios em Madri, o interesse do
Governo espanhol em concluir um acordo cultural e estabelecer as
condições da fundação da Casa do Brasil na Cidade Universitária
de Madri.127 Foi preciso esperar até o ano 1959 para iniciar o pro-
jeto. Foi designado pelo Ministério brasileiro de Educação e Cultu-
ra, o arquiteto Luiz Affonso d’Escragnolle Filho, que no mês de
novembro escolheu o terreno doado pelo Governo espanhol para o
edifício. No mês de janeiro de 1961 começaram as obras que se
prolongaram por um período de vinte e um meses. A Casa do Brasil

125
Ofício confidencial da Embaixada do Brasil em Madri, 9 de dezembro de 1966, caixa 63, AHIB.
126
“Se ha triplicado el comercio hispano-brasileño”, ABC, 2 de julho de 1959.
127
Ofício confidencial da Embaixada do Brasil em Madri para o MRE, 9 de abril de 1949, AHRJ, caixa 250.

146
capítulo 3
a Espanha na história da política externa brasileira (1945-1979)

ocupou uma superfície de 10.000 metros quadrados sendo custea-


do o valor da obra – aproximadamente quarenta e cinco milhões de
pesetas – com o produto da venda de 20.000 sacas de café, cedidas
pelo Instituto Brasileiro do Café (IBC). A Casa do Brasil foi consi-
derada pelas autoridades brasileiras um edifício digno de propa-
ganda da cultura do Brasil na Espanha e representativo de suas
tendências arquitetônicas128. Com tudo, ao não cumprir com suas
finalidades originais de difusão da cultura do Brasil na Espanha e
de residência universitária para estudantes de doutorado, o Gover-
no brasileiro pensou em várias ocasiões – ao longo dos anos 70 –
proceder a sua extinção. Se não aconteceu esta medida tão taxativa
foi, em parte, pelo impacto que podia ter nas relações hispano-
brasileiras, já que um eventual fechamento da Casa do Brasil não
deixaria de ser interpretado como o resultado de uma reavaliação
da importância e do alcance das relações entre os dois países e
significaria, para a emotividade espanhola, uma diminuição da
Espanha na escala das prioridades da política externa brasileira.129
Enquanto ao aumento das bolsas de estudos e das oportunida-
des para que estudantes brasileiros se formassem na Espanha, a
visão do Itamaraty era que só no campo das humanidades e das
ciências da cultura se ofereciam algumas possibilidades interes-
santes na Espanha, em quanto eram pouco interessantes no terreno
das ciências puras e das profissões técnicas130. As queixas da Em-
baixada do Brasil se dirigiam, no entanto, à forma de seleção dos
estudantes brasileiros beneficiados com bolsas de estudos pelo
Instituto de Cultura Hispânica, dos que se afirmava que, em geral,
eram elementos que queriam fazer turismo às custas do Governo
espanhol e brasileiro131. Entre 1954 e 1970, a Direção de Inter-
câmbio do Instituto de Cultura Hispânica tinha outorgado bolsas
de estudos a 379 brasileiros, o segundo maior número de conces-

128
Ofício confidencial da Embaixada do Brasil em Madri, 14 de novembro de 1962, vol. 1962, AHIB.
129
Ofício secreto-urgente da Embaixada do Brasil em Madri, 27 de maio de 1975, AHIB, caixa 31.
130
Relatório confidencial do primeiro secretário João Cabral de Melo Neto ao questionário circular nº 4129,
de 7 de novembro de 1961, p. 5, AHIB, pasta 920.(42)(00) relações políticas e diplomáticas.
131
Relatório confidenciais da reunião dos embaixadores do Brasil nos países de Europa Occidental, vol. 5,
setembro de 1966, AHIB.

147
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

sões só atrás dos argentinos (437). Como destacam GONZÁLEZ e


PARDO, estes contatos culturais na década dos 60, entre a Espanha
e os países da América Latina, estiveram presididos pela
desideologização, que no caso do Brasil se demonstrava pelo incrí-
vel aumento do volume de relações com regimes como o de JK,
com exemplos como o projeto de construção da Casa do Brasil em
Madri ou a atuação do Instituto de Cultura Hispânica132.
Um fato importante nas relações hispano-brasileiras foi a assi-
natura do acordo cultural Brasil-Espanha, rubricado no dia 25 de
junho de 1960. Em 1962, se realizou mediante troca de notas, um
acordo de co-produção cinematográfica que atendia ao desejo de
um bom número de produtores brasileiros e espanhóis e que se
concebia como um instrumento para o desenvolvimento das rela-
ções culturais entre os dois países. No entanto, cedo se transfor-
mou em papel molhado pelos problemas que enfrentaram os filmes
brasileiros com a censura espanhola e por numerosos impedimen-
tos burocráticos que impediam uma adequada distribuição dos fil-
mes aos dois lados do Atlântico. O acordo cultural de 1960 desper-
tou uma ampla polêmica no Brasil. Aparentemente, a visita a
Espanha do ministro de Cultura brasileiro, Clóvis Salgado, para
assinar o acordo, foi ocultada à opinião pública. A imprensa brasi-
leira reagiu veementemente ante a assinatura de um acordo cultu-
ral com “um governo fascista pelo qual a opinião democrática do
Brasil sentia a maior e mais justificada repulsa, exigindo a expli-
cação dos conteúdos do Convênio”.133
Para a diplomacia espanhola, as relações culturais com o Bra-
sil eram, nos anos sessenta, um dos aspectos mais transcendentes
que existiam na agenda bilateral e o instrumento para sua constru-
ção era a política de expansão cultural que a Espanha devia desen-
volver ali. Mesmo que se julgasse que o Brasil tinha estado subme-
tido à influência cultural francesa, em declive, e portuguesa, lógi-
co por estar inscrito o país na comunidade lusitana, desde a Em-

132
GONZÁLEZ, E. e PARDO, R.: “De la solidaridad ideológica a la cooperación interesada (1953-1975)”,
em PEREZ, P. e TABANERA, N.: España – América Latina: un siglo de políticas culturales, Madri, AIETI/
OEI, 1992, pp.137-175.
133
“Acordo ‘cultural’”, Ultima Hora, 25 de junho de 1960.

148
capítulo 3
a Espanha na história da política externa brasileira (1945-1979)

baixada no Rio se apreciavam enormes possibilidades para que a


Espanha ocupasse um papel de primeira linha. E tudo isso, com
um volume de esforços e meios menores que os que outras Repre-
sentações deviam empregar, graças à semelhança dos idiomas e à
afinidade de temperamentos e sentimentos. Mas o fator mais im-
portante era, segundo a visão diplomática, o reconhecimento pelos
brasileiros que a Espanha era na Europa uma unidade tão caracte-
rística como podia ser o Brasil na América do Sul, e que ao encon-
trar-se o país como uma ilha rodeada de terras hispânicas, o gover-
no de JK entenderia que uma aproximação espanholista poderia
beneficiar a implementação de uma política de boa vizinhança, e
sua influência econômica e política no contexto latino-america-
no134. Não estranha que, no campo cultural, as iniciativas espanho-
las encontrassem no Brasil uma boa receptividade e que, nas déca-
das seguintes, o tema ganhasse importância nos contatos bilate-
rais.

O golpe dos militares no Brasil


O golpe militar dos generais brasileiros em março de 1964 - a
Revolução de 1964 como a qualificam outros 135 – apresenta a su-
ficiente entidade histórica e política para ser levado em conta, na
medida em que supõe a coincidência nos tipos de regimes políti-
cos vigentes na Espanha e no Brasil entre 1964 e 1975. Com um
marcado caráter anticomunista, privilegiando o desenvolvimento
industrial como estratégia para inserir-se na economia internacio-
nal e tendo ao autoritarismo ditatorial na figura de chefes de Esta-
do militares como fundamento do sistema político e do poder, tudo
apontava para um perfeito entendimento entre a Espanha e o Bra-
sil. Se a boa sintonia e a cooperação na dimensão política se man-
tiveram em todo este período, o verdadeiramente relevante para as
relações bilaterais foi a materialização de interesses econômicos

134
Despacho nº 244 do encarregado de negócios no Rio de Janeiro, Eduardo Gasset para o ministro de
Assuntos Exteriores, 19 de fevereiro de 1960, AMAE/R, dossiê 6540, exp. 11.
135
Para o estudo do golpe de 1964, ver FAUSTO, Boris: História do Brasil, São Paulo, EDUSP, 2000, pp.463-
514; IGLESIAS, Francisco: Historia contemporánea del Brasil, México, FCE, 1994, pp.193-238; SKIDMORE,
Thomas: Uma História do Brasil, São Paulo, Paz e Terra, 1998,pp. 225-247.

149
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

comuns no contexto da convergência das respectivas estratégias de


desenvolvimento.
A Embaixada do Brasil seguiu atenciosamente a evolução da
Espanha no seu processo de industrialização, identificando as pos-
sibilidades que se abriam para o processo de desenvolvimento bra-
sileiro que, em 1967, tinha alcançado as metas do programa de
estabilização136 de 1964. Em conseqüência, a coincidência de um
“milagre” econômico espanhol e brasileiro, parecia em 1968,
desmatar a senda para a cooperação econômica, industrial e co-
mercial bilateral:

“(...)a Espanha vem dando passos positivos no seu desenvolvimento


industrial, apresentando índices dos mais elevados no panorama
mundial (...) no período 1964/1967, o Produto Nacional Bruto teve
um crescimento anual de 7% situando-se em torno de 31% no referido
quadriênio. É digno de nota, ainda, o fato de que o I Plano de
Desenvolvimento teve suas metas ultrapassadas, originando alguns
problemas de ordem desenvolvimentista: demanda superior à produção,
elevação do custo de vida, elevação de salários, etc. (...) o Brasil poderá
conseguir resultados positivos (...) cabe analisar com objetividade o
que a Espanha teria para oferecer”137.

Pelas condições de complementaridade em suas respectivas


fases de desenvolvimento, as relações hispano-brasileiras ofereci-
am nesses anos uma oportunidade única de materializar em inte-
resses econômicos comuns as tradicionais relações bilaterais. No
entanto, este objetivo só se conseguiu em parte como conseqüência
da deterioração da economia internacional no começo dos anos
setenta, das políticas protecionistas aplicadas nas respectivas eco-
nomias, pelos numerosos obstáculos de ordem burocrática que
impossibilitavam a realização dos diferentes projetos e pela maior
competitividade de outros países, rivais diretos da Espanha em
licitações internacionais na área de infra-estruturas, maquinaria,
etc.138.
136
O programa de estabilização iniciado depois do golpe de 1964, reduziu a inflação de 92% a 28% em três
anos e as taxas de crescimento entre 1968 e 1974 cresceram a uma taxa média de 10,9 %; enquanto a
concentração da renda se consolidava como o talão de Aquiles do país. Para o período militar no Brasil, ver
SKIDMORE, Thomas: Uma história do Brasil, São Paulo, Paz e Terra, 1998, pp.225-266.
137
Ofício ostensivo da Embaixada do Brasil em Madri, 22 de julho de 1968, volume 2020 – A, AHIB.
138
Por exemplo, as tentativas espanholas para vender ao Brasil plataformas petrolíferas nos anos setenta.
Apesar do melhor preço da oferta espanhola, o governo brasileiro adjudicou a licitação a empresas japonesas.

150
capítulo 3
a Espanha na história da política externa brasileira (1945-1979)

Depois da visita do ministro espanhol de Comércio, Alberto


Ullastres, em 1961, parecia que a Espanha se encontrava em con-
dições de oferecer acordos favoráveis ao Brasil para o desenvolvi-
mento de infra-estruturas e intercâmbios comerciais. O sucesso do
Plano de Estabilização de 1959, nos preâmbulos do
“desenvolvimentismo”, tinha criado as condições indispensáveis
para o desdobramento de uma nova política de Hispanidade fun-
damentada na cooperação econômica, financeira, comercial e, cer-
tamente, cultural. Neste sentido, em 1966, o ministro López Rodó
se esforçava por apresentar às autoridades brasileiras os resulta-
dos do Plano de Desenvolvimento espanhol e as perspectivas que
se abriam para o intercâmbio bilateral, podendo oferecer a Espanha
equipes para a indústria pesada, assessoria técnica em grandes
obras de engenharia e condições vantajosas de financiamento para
projetos conjuntos de desenvolvimento. A cooperação econômica
foi nesses anos o instrumento para a implementação de uma panóplia
de iniciativas hispano-brasileiras de caráter técnico, cientista,
nuclear com fins pacíficos, de assistência no desenvolvimento da
indústria pesqueira e agro-alimentar, de transferência de tecnologia
e de mão de obra qualificada. Para tramitar todos os assuntos refe-
rentes à cooperação bilateral, se tinha criado em 1961, uma Co-
missão Mista Brasil-Espanha cuja missão era proporcionar aos dois
países informações precisas sobre a evolução das respectivas polí-
ticas econômicas, com o objetivo de permitir maiores níveis de
cooperação.
No âmbito da cooperação técnica se assinou, no dia 1 de abril
de 1971, um Convênio Básico de Cooperação Técnica, que com-
prometia aos dois países a redobrar seus esforços para desenvolver
acordos específicos em ciência e tecnologia. Desde 1965, já se
realizavam importantes projetos como o Convênio entre a associa-
ção de empresas espanholas Tecniberia e a Superintendência para
o desenvolvimento da região sul do Brasil na luta contras as inun-
dações, na luta contra a seca da região Nordeste ou na implantação
de um projeto de engenharia para o planejamento da Amazônia. No
começo dos setenta, existiam uma dúzia de escritórios de engenha-
ria hispano-brasileira, que facilitavam a penetração tecnológica
da Espanha no Brasil. Para a diplomacia espanhola, os resultados

151
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

colhidos no terreno comercial nesses anos eram conseqüência da


lógica imposta pela cooperação técnica. Se segundo o velho dito “à
bandeira segue o comércio”, na opinião do embaixador da Espanha
no Brasil, nos novos tempos “a técnica exportada seguem máqui-
nas compradas”139. A adjudicação a empresas espanholas dos pro-
jetos para a construção de um sistema nacional de centrais de abas-
tecimento do Brasil, os projetos de obras no porto de Santos e as
subseqüentes compras de maquinaria espanhola pareciam respon-
der a esta lógica.
No setor da cooperação industrial e comercial, se constituiu
em 1964 um Grupo Misto hispano-brasileiro para a promoção de
missões comerciais de homens de negócios que estabeleceriam
contatos com os setores interessados e estudariam as possibilida-
des de aumentar o intercâmbio industrial entre os dois países. Em
novembro de 1964, se realizou a primeira destas visitas com o ob-
jetivo de buscar fórmulas de cooperação e assistência técnica ou
criação de empresas mistas. No campo da cooperação das indústri-
as de construção naval e de pesca, se implementou, a partir de
1972, um ambicioso plano que se apresentava como conseqüência
de que a Espanha e o Brasil fossem naturalmente complementares
para o desenvolvimento destas atividades. Pela parte brasileira, as
circunstâncias que suscitavam a cooperação pesqueira com a
Espanha foram a decisão de investir na criação de uma moderna
indústria facilitada pela abundância de mares e espécies economi-
camente aproveitáveis. Por parte espanhola, a motivação se centrava
na capacidade demonstrada pelo país para enfrentar uma operação
de tamanha importância econômica na sua principal atividade de
exportação, a construção naval e suas indústrias auxiliares, onde
se dispunha de alta tecnologia, capacidade ociosa das frotas e
potencialidade investidora140. No Palácio da Santa Cruz, se pensa-
va que o projeto de cooperação vincularia às duas economias con-
tribuindo ao aumento das relações industriais, econômicas e co-

139
Despacho nº 439 do embaixador da Espanha no Brasil, Jaime Alba, para MAE, 17 de junho de 1967,
AMAE/R, dissiê 10060, exp.11.
140
“Nota sobre o Plano de Cooperação com as indústrias do Brasil”, Ofício nº 837 da Embaixada do Brasil
em Madri para SERE, 23 de novembro de 1972, anexo I, AHIB.

152
capítulo 3
a Espanha na história da política externa brasileira (1945-1979)

merciais bilaterais com benefícios mútuos. No entanto, no final de


1977, todos esses assuntos haviam recebido um tratamento inter-
mitente e as propostas não se tinham concretizado. O ponto morto
da questão pesqueira foi colocado pela diplomacia brasileira em
termos de assunto de Estado, por isso não cabia sua abordagem
exclusivamente no terreno comercial ou técnico e se em um con-
texto delimitado pelos interesses globais que os dois Governos ti-
nham na questão. Desde a Embaixada em Madri, se julgava que a
posição negociadora do Brasil tinha melhorado desde a proposta
do plano de 1972, devido às dificuldades que a Espanha encontra-
va em seus cardumes de pesca tradicionais.
No âmbito da cooperação nuclear, desde 1966, os dois países
negociavam um acordo de cooperação no uso pacífico da energia
nuclear. O Acordo foi assinado em Madri, no dia 27 de maio de
1968, entrando em vigor em 1970. Suas principais realizações fo-
ram o envio de urânio concentrado da Espanha ao Brasil, as visitas
efetuadas por técnicos da Empresa Nuclear Brasileira e a Empresa
Nacional do Urânio da Espanha, o intercâmbio de experiências e a
transferência de tecnologias.
No que diz respeito à cooperação social, a Espanha outorgou
bolsas de estudos a operários brasileiros para sua formação em
centros de formação profissional espanhóis e enviou, ao amparo do
Acordo Complementar ao Convênio hispano-brasileiro de coope-
ração social, várias missões técnicas à Universidade do Trabalho
de Porto Alegre com a finalidade de capacitar mão de obra qualifi-
cada. Ainda sob a cobertura do citado Convênio, foram doados equi-
pamentos para os centros de formação profissional de Salvador de
Bahia e Belo Horizonte.
Em conclusão, a cooperação foi intensa, as realizações concre-
tas e os intercâmbios aumentaram na área de instalações industri-
ais completas (fabricação de rações animais, maquinaria têxtil,
locomotivas diesel elétricas, grandes geradores hidroelétricos e
térmicos, máquinas ferramentas, fábricas completas de açúcar,
maquinaria para a indústria de couro, eixos e rodas para trens,
materiais para os trens metropolitanos de São Paulo e Rio de Janei-
ro, navios de pesca), avançando-se positivamente em matéria de
cooperação científica e técnica em setores como engenharia, ener-

153
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

gia nuclear, telecomunicações, indústria aeronáutica, construção


de mercados, cooperação social e trabalhista, agricultura e regadios,
gado e sanidade veterinária, propriedade industrial, turismo e mui-
tos outros141. Os fatores que coadjuvaram para esta multiplicação
de iniciativas de cooperação foram o crescimento meteórico do
Brasil, a necessidade de buscar a colaboração de outros países e a
impossibilidade de contar em tão poucos anos com infra-estrutu-
ras para sustentar o processo desenvolvimentista. Desta perspecti-
va, a Espanha aumentou significativamente sua participação e inau-
gurou uma nova presença no Brasil 142.

A cooperação política entre as ditaduras (1964 - 1975)


Os temas tradicionais da agenda hispano-brasileira ficaram
neste período em segundo plano, mesmo que mantendo-se as ten-
dências apontadas anteriormente no âmbito comercial. Ao analisar
as relações hispano-brasileiras, a partir de 1964 e pelo menos até
1979, se constata a ausência de alterações significativas nas bases
conceituais e operacionais dos contatos bilaterais. No entanto, como
conseqüência da coincidência ideológica entre os dois regimes, a
cooperação política em diferentes foros internacionais e no campo
político-propagandístico foi especialmente intensa.
No que respeita às orientações em matéria de política externa
do regime militar brasileiro, estiveram pautadas pela busca do de-
senvolvimento industrial por substituição de importações e pelo
fortalecimento nacional no plano mundial através da
multilateralização. A partir de 1974 se enfatizou a estratégia
universalista de diversificação de contatos e de constituição de um
amplo leque de parcerias. Para o projeto dos militares brasileiros
que aspiravam transformar o país em uma grande potência, a in-
tensificação das relações com a Espanha respondia plenamente ao
objetivo superior perseguido. No Brasil, se começou a prestar aten-

141
Nota informativa do diretor de Assuntos Gerais e Encarregado da Cooperação com a Iberoamérica, 8 de
novembro de 1972, AMAE/R, dossiê 10548, exp.5
142
Uma síntese da participação espanhola no desenvolvimento brasileiro dos anos 60 em TRILLO, José
Antônio: “La nueva presencia de España en Brasil”, ABC, 17 de outubro de 1972.

154
capítulo 3
a Espanha na história da política externa brasileira (1945-1979)

ção nestes anos à política externa que a Espanha desenvolvia em


determinadas áreas geográficas e nos foros multilaterais aos que se
ia incorporando progressivamente. As razões deste interesse vi-
nham explicadas pela ameaça sentida de um aumento da presença
espanhola na América Latina e pelas veleidades de Madri para
configurar um Mercado Comum Latino-americano no qual a
Espanha fizesse o papel de “ponte” com os países da CEE e da
área do Mediterrâneo143.
O seguimento que o Itamaraty realizava da atividade exterior
espanhola se centrou também nos organismos internacionais de
caráter multilateral onde o Brasil pretendia obter apoios para sua
estratégia de desenvolvimento. No caso da presença dos dois paí-
ses na UNCTAD, as relações entre a Espanha e o Brasil estiveram
mais próximas do conflito que da cooperação. O Brasil obstaculizou
sistematicamente a classificação da Espanha como país em vias de
desenvolvimento especialmente no que se refere a sua inclusão no
grupo de beneficiários do Sistema de Preferências Gerais:

“(...)oferece especial interesse o acompanhamento da ação da


Espanha na UNCTAD, onde não deve ser considerada isoladamente,
mas como parte integrante do grupo B de países desenvolvidos
ocidentais, em virtude da coesão desses países em torno de princípios
muitas vezes opostos aos interesses dos países em desenvolvimento
(...) Vª Excelência deverá manter à Secretária de Estado informada a
respeito da posição da Espanha com relação aos principais temas em
discussão na UNCTAD (...) seria útil explorar sempre a possibilidade
que a Espanha, sob muitos aspectos ainda um país menos desenvolvido
e, por outro lado, mantendo laços especiais com países do mundo em
desenvolvimento, como os países latino-americanos e árabes, atue como
elemento de vinculação entre o grupo B e o grupo dos 77, como ocorreu,
em alguns casos, durante a II UNCTAD” 144.

A pretensão da Espanha para ser considerada país em vias de


desenvolvimento, foi defendida com empenho, mas encontrou um

143
Oficio confidencial da Embaixada do Brasil em Madri para a SERE, 5 de fevereiro de 1969, AHIB, caixa
251.
144
Instruções da Secretaría de Estado das Relações Exteriores para o embaixador do Brasil em Madri, Manoel
Pereira Guilhon, 2 de dezembro de 1970,p.8, caixa 05, AHIB.

155
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

bom grau de ceticismo entre os países desenvolvidos e a frialdade


e hostilidade do grupo dos 77. O Brasil, junto do México e da Ar-
gentina, se opunha ferrenhamente pela concorrência que a Espanha
poderia representar nos mercados latino-americanos145. Em outros
temas que interessavam de forma sobressalentes à Espanha no
âmbito multilateral, os militares brasileiros brindaram seu apoio
ao Governo de Franco. Na questão de Gibraltar o apoio brasileiro
foi explícito. O Governo espanhol se empenhou particularmente
em obter o voto favorável do Brasil para a resolução sobre a ques-
tão de Gibraltar que seria votada no dia 13 de dezembro de 1968,
na Comissão das Nações Unidas encarregada do assunto. O minis-
tro Castiella expressava ao representante brasileiro em Madri a
convicção que o apoio brasileiro forneceria um maior contido polí-
tico à aprovação do projeto, lembrando-lhe que desde a apresenta-
ção do debate sobre Gibraltar nas Nações Unidas, o Brasil tinha se
manifestado consistentemente a favor das teses espanholas146. Igual-
mente, quando no âmbito da IV Comissão das Nações Unidas, a
Espanha solicitou o voto favorável do Brasil para o tema do Saara
ou, pelo menos, a abstenção no Projeto de Resolução que se apre-
sentaria, as pretensões espanholas se viram satisfeitas147. Também
houve coincidência hispano-brasileira nos foros multilaterais nos
debates sobre Direito marítimo: a Espanha aceitou a posição bra-
sileira sobre a delimitação de sua soberania e jurisdição marítima
e o Brasil apoiou o interesse espanhol em manter o regime jurídico
de passagem inocente através dos estreitos148.
Muito mais delicada pelas suas implicações, foi a petição de
apoio realizada pelo Brasil, no dia 1 de setembro de 1972, em tor-
no ao projeto hidroelétrico brasileiro das “Sete Quedas” e seus
efeitos no Rio Paraná. A questão implicava indispor ao Governo
argentino que apresentava divergências de critério importantes. O

145
Relatório do diretor geral de Cooperação para o Desenvolvimento, 19 de novembro de 1972, para o
Secretário Geral Técnico do MAE, AMAE/R, dossiê 10548, exp.5.
146
Ofício confidencial, da Embaixada em Madri para SERE, 12 de dezembro de 1968, AHIB, caixa 251.
147
Despacho reservado do embaixador da Espanha no Brasil, José Pérez del Arco, para o MAE, 8 de dezem-
bro de 1973, AMAE/R, dossiê 11126, exp.5.
148
“Entrevista do ministro espanhol de Assuntos Exteriores López Bravo com o Presidente da República,
general Médici”, Relatório 1971, AHIB.

156
capítulo 3
a Espanha na história da política externa brasileira (1945-1979)

tema se discutiu na Conferência das Nações Unidas sobre Meio


Ambiente que se realizou em Estocolmo, reabrindo-se o debate na
segunda comissão da Assembléia Geral da ONU, onde o Brasil es-
perava contar com as simpatias espanholas. O apoio da Espanha,
finalmente outorgado, não esteve isento de um ponderado cálculo
estratégico. Segundo o Embaixador da Espanha no Brasil existiam
dois grandes problemas na questão: as posturas a priori do Gover-
no de Franco, favoráveis sempre à identidade com o mundo de fala
espanhola e, muito mais importante, o enfoque do tema pela Ar-
gentina exigindo o compromisso por parte dos países com rios in-
ternacionais de subordinar seus projetos de crescimento à opinião
favorável de seus vizinhos149. Este último ponto despertava sérias
dúvidas em Madri. A razão? A Espanha temia, conforme parecer
emitido pela assessoria jurídica internacional de Exteriores, que o
conflito argentino-brasileiro fosse extrapolado ao âmbito peninsu-
lar dando sustento a possíveis reivindicações de Portugal pelos
projetos da transposição dos rios Tajo-Segura. Nesta tessitura, a
Espanha não teve dúvidas em co-patrocinar a proposta de resolu-
ção brasileira, pois defendia o ponto de vista segundo o qual a so-
berania e o direito de cada país a trabalhar em aras de seu próprio
desenvolvimento não podiam ser ameaçados pela necessidade de
prévia aprovação de seus vizinhos150.
No âmbito interno, no terreno político-propagandístico, os Go-
vernos militares do Brasil desenvolveram no mundo inteiro, atra-
vés do Itamaraty, uma intensa campanha com a finalidade de “la-
var” a imagem do golpe militar de 64 e a posterior repressão que
desatou, com sua culminação no Ato Institucional n º 5 que sus-
pendia as funções do Congresso, reforçava ainda mais a censura da
imprensa e abolia o hábeas corpus, suprimindo os direitos políticos
de centenas de cidadãos, ao mesmo tempo em que se outorgavam
poderes quase ilimitados ao Presidente da República. Através da
circular de nº 5254, dirigida a todos os postos diplomáticos brasi-

149
Carta reservada do embaixador da Espanha no Brasil, José Pérez del Arco, para o MAE, 4 de setembro de
1972, AMAE/R, dossiê 11126, exp.8.
150
Despacho reservado nº 580 do embaixador da Espanha no Brasil, José Pérez del Arco, para o MAE, 4 de
setembro de 1972, AMAE/R, dossiê 11126, exp.8.

157
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

leiros, o Itamaraty iniciou uma ofensiva ou “plano de campanha


jornalística para o ajuste da imagem do Brasil no exterior”. Da-
vam-se instruções precisas sobre como se devia atuar ante a divul-
gação de notícias injuriosas que distorcessem a “Revolução de
1964”. No caso espanhol, a imprensa comentou favoravelmente os
eventos políticos do Brasil, especialmente ABC, Arriba, Blanco y
Negro e com “simplificações deformadoras”, o diário Pueblo151.
Nos casos de informações desfavoráveis ao Governo militar brasi-
leiro, as Embaixadas atuavam colocando-se em contato com os
Ministérios de Assuntos Exteriores, denunciando aos correspon-
dentes espanhóis que “interpretavam os fatos segundo um ângulo
de visão própria da extrema esquerda”. A seguir se solicitava ao
Itamaraty a obtenção dos dados do jornalista que tinha divulgado a
informação para transmiti-los ao Governo de Madri. Segundo o
embaixador do Brasil, a maioria das informações pretendiam per-
turbar o clima de bom entendimento vigente nas relações bilate-
rais152.
Desde o Ministério de Informação e Turismo da Espanha, Ma-
nuel Fraga, se transformou em um ativo colaborador da campanha
de imagem do Governo brasileiro, mantendo freqüentes contatos
com o embaixador do Brasil com o objetivo de ter-lhe informado
das tarefas de revisão às que eram submetidos os comentários en-
viados à imprensa espanhola pelos correspondentes no Brasil. Além
disso, Fraga prometeu ao embaixador brasileiro que conseguiria a
publicação de artigos favoráveis ao país servindo-se de sua influ-
ência nos meios jornalísticos, pois confessava que se estava conce-
dendo à imprensa uma considerável lassitude de crítica153. Para o
embaixador do Brasil, a posição favorável do Governo espanhol
frente aos comentários e notícias sobre o destino político do Brasil,
eram conseqüência de que nenhum outro país melhor que a Espanha
tinha condições para compreender medidas como as do Ato
Institucional n º 5, que perseguiam preservar a ordem e fazer fren-

151
Ofício confidencial da Embaixada do Brasil em Madri para a SERE, 29 de abril de 1964, AHIB.
152
Ofício confidencial, Embaixada do Brasil em Madri para a SERE, 7 de abril de 1972, AHIB, caixa 05.
153
Ofício confidencial, Embaixada do Brasil em Madri para a SERE, 25 de maio de 1964, AHIB, caixa 250.

158
capítulo 3
a Espanha na história da política externa brasileira (1945-1979)

te aos atos subversivos da extrema esquerda154. O exame dos docu-


mentos da Embaixada do Brasil em Madri permite afirmar que exis-
tiu uma fluente colaboração entre os dois Governos com a finalida-
de de, por um lado, reprimir qualquer manifestação, informação ou
artigo de imprensa que contivesse opiniões desfavoráveis à ditadu-
ra militar brasileira na Espanha e, por outro lado, perseguir aos
“agitadores comunistas” que esporadicamente desenvolviam suas
atividades na Casa do Brasil. Foi também importante a colabora-
ção das autoridades espanholas para evitar que exilados ou políti-
cos brasileiros de passagem por Madri denunciassem a anormali-
dade do processo político no Brasil155. A partir de 1974, ocorre
uma diminuição na intensidade repressora da ditadura militar. Junto
a outros fatores de índole interna e externa, o Brasil entra a partir
de 1979, sob o controle dos militares, na senda da redemocratização
gradual. É neste período que surge um dos fatores chaves das no-
vas bases das relações hispano-brasileiras: a redemocratização e o
seguimento do processo político espanhol no Brasil.

154
Oficio confidencial nº 115, Embajada de Brasil en Madrid para SERE, 13 de marzo de 1969, AHIB.
155
O embaixador brasileiro Câmara Canto comunicava ao ministro de Relações Exteriores: “Vª Excelência
pode estar sem cuidado, que me encargo de que Brizzola ou qualquer outra pessoa nas mesmas circunstânci-
as, não seja recebido por alguma autoridade espanhola”. Ofício secreto da Embaixada do Brasil em Madri, 18
de maio de 1964, AHIB, caixa 26. Leonel Brizzola, era líder da oposição quando aconteceu o golpe de 64.
Teve de exiliar-se no Uruguay.

159
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

Capítulo 4
A intensificação das relações hispano -brasileiras
hispano-brasileiras
(1979 – 1995)

4.1.- A materialização dos interesses comuns:


redemocratização, integração e estabilidade econômica
Neste capítulo se considera o surgimento gradual de uma série
de processos – a democratização, a integração e a abertura e a
estabilidade econômica - assinalados como processos favorecedores
que, a partir de 1979, propiciaram a intensificação das relações
hispano-brasileiras. Estes três processos foram capitais na medi-
da em que apresentaram três funcionalidades: a primeira
primeira, referi-
da ao âmbito doméstico, permite superar o conflito interno e as
divisões existentes nas respectivas sociedades criando um ambi-
ente propício de estabilidade democrática que constituirá um elo
de união e identidade entre a Espanha e o Brasil no terreno das
idéias e dos valores políticos. É o que sucede com a democrati-
zação da vida política e social espanhola, a partir de 1975, e
com o subseqüente processo de transição que conduz à promul-
gação da Constituição democrática de 1978; é o que sucede
igualmente com a redemocratização da vida política e social
brasileira, a partir de 1974, com a distensão do Governo Geisel
e as primeiras medidas aberturistas de Figueiredo, em um len-
to processo que levará às eleições de 1984 e à retirada dos mi-
litares da direção dos destinos políticos da sociedade brasilei-
ra.
A segunda
segunda, referida ao âmbito internacional, considera os pro-
cessos de integração regional nos quais a Espanha e o Brasil se
embarcam. A Espanha a partir de 1986, com o ingresso na CEE. O
Brasil com a aproximação bilateral à Argentina em 1986
substanciada na assinatura do Protocolo de Integração e Coopera-
ção Econômica (PICE) que desembocará, em 1991, no
MERCOSUL. Os resultados dos processos de integração permiti-
rão superar as características históricas das políticas exteriores de
autarquia, ensimesmamento e isolamento.
A terceira
terceira, de caráter econômico, terá a virtude de sentar

160
capítulo 4
a intensificação das relações hispano-brasileiras (1979 – 1995):
democracia, integração e estabilidade econômica.

as bases para a estabilização econômica do Brasil, convertendo o


país em um mercado confiável para a chegada de investimentos
estrangeiros e integrando-o nas demandas da economia internaci-
onal globalizada. Os instrumentos para isso serão o Plano Real e as
medidas liberalizadoras, privatizadoras e aberturistas que favore-
cem a intensificação das relações econômicas com a Espanha. No
caso espanhol, a superação do secular atraso econômico do país
será promovido por amplas reformas econômicas que reformularão
o papel do Estado, pela entrada na CEE e pelos efeitos positivos
derivados da integração no primeiro bloco econômico mundial. Este
conjunto de fatores dotarão o país de recursos suficientes para ini-
ciar a internacionalização de suas empresas – muitas delas antigas
empresas estatais privatizadas – dirigindo seus investimentos e
negócios, por diferentes razões de ordem estratégica, (oportunida-
de, fatores culturais, saturação do mercado comunitário, etc.) para
o âmbito latino-americano, destacadamente a Argentina, Brasil e
Chile.
Os três processos se encontram mutuamente inter-relaciona-
dos, condicionando-se, atraindo-se e, em certa medida,
retroalimentando-se em um círculo virtuoso favorecedor da dinâ-
mica positiva na qual entram as relações bilaterais. O impacto que
estes processos têm nas relações bilaterais, como elementos que
aproximam aos dois países, vinculando estreitamente a suas elites
políticas, criando canais de conhecimento e de compreensão mú-
tua, eliminando obstáculos, em resumo, dinamizando os contatos
entre a Espanha e o Brasil, explicam a mudança de grau das rela-
ções hispano-brasileiras, desde a irrelevância até o estabelecimento
de uma associação privilegiada.

A redemocratização
A partir de 1979 se observam sinais visíveis de uma mudança
qualitativa nas relações hispano-brasileiras. Estas modificações
indicam a saída do longo túnel da mútua irrelevância no qual as
relações entre os dois países se encontravam. Pela primeira vez em
muitos anos, a Espanha se transformava em referência constante
do discurso político no Brasil. Os dois países começaram – a
Espanha um pouco antes – a andar caminhos convergentes para a

161
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

consolidação de uma ordem democrática e de estabilidade política


em suas respectivas sociedades, onde os militares não fossem os
protagonistas da vida política, compartilhando o mesmo modelo de
transição para a democracia. Este modelo chamado de “transições
pactuadas”1 ou de “transição pela transação ou pela negociação”2
se caracterizou pela sua referência a situações nas quais a substi-
tuição do regime autoritário por um regime democrático ocorria
por iniciativa do primeiro e, por isso mesmo, garantia a seus repre-
sentantes uma posição privilegiada nos rumos da mudança políti-
ca, constituindo-se desta forma em um elemento crucial para a
estabilidade do novo regime3.
A análise desta questão se realiza em dois planos diferentes.
No plano interno
interno, enfatizando o processo brasileiro, seu desenvol-
vimento e a consecução, através de uma série de instrumentos, das
últimas metas desejadas. No plano externo
xterno, examinando em que
forma o sucesso da experiência espanhola de transição democráti-
ca influiu no Brasil, captando atenções e suscitando reações que
incidiam na aplicação do caso espanhol à realidade política e soci-
al brasileira. Desta perspectiva e pelas suas implicações diretas
para as relações hispano-brasileiras, o foco de atenção se projeta
sobre a intensificação especial das relações bilaterais, a partir de
agosto de 1979, momento assinalado como meta e ponto de arran-
que de uma nova etapa entre o Brasil e a Espanha da mão da visita
de Adolfo Suárez ao Brasil, a primeira realizada a terras brasileiras
por um presidente espanhol.

O plano interno: “a transição mais longa do mundo”4


A transição brasileira, ao contrário da espanhola, teve um ca-
ráter mais dilatado e progressivo. A maioria dos autores coincide

1
MALAMUD, Carlos: “Os sistemas políticos espanhol e brasileiro. Uma tentativa de comparação em pers-
pectiva histórica”, Seminário Brasil-Espanha, IPRI-FUNAG, Rio, 7 de abril de 2000, pág.1.
2
SHARE, D. e MAINWARING, S.: “Transição pela transação: Democratização no Brasil e na Espanha”,
Dados – Revista de Ciencias Sociais, Rio de Janeiro, vol.29, nº 2, 1986, pp.207-236; em espanhol na Revista
de Estudios Políticos, Madri, n º 49, 1986, pp. 87-135.
3
PINHEIRO, Letícia: “As políticas exteriores do Brasil e da Espanha: notas sobre os efeitos da transição
democrática”, Seminário Brasil-Espanha, IPRI-FUNAG, Rio, 7 de abril de 2000, pág.2.
4
Ver a respeito STEPAN, Alfredo (org.): Democratizando o Brasil, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988.

162
capítulo 4
a intensificação das relações hispano-brasileiras (1979 – 1995):
democracia, integração e estabilidade econômica.

em assinalar que, a partir de 1974, com a chegada de Geisel ao


poder e graças à estratégia de distensão desenhada pelo chefe do
gabinete civil da presidência, general Golbery5, começou o pro-
cesso de abertura política, “lenta, gradual e segura”6. No plano
exterior, se sucedem modificações na política do regime militar
brasileiro, com a implementação de uma linha de atuação interna-
cional que privilegiava os países da Europa Ocidental no rol de
prioridades do Brasil, buscando um modelo de relações bilaterais
baseado em amplas formas de cooperação econômica e técnico-
científica. O sucessor de Geisel, o general Figueiredo, foi o encar-
regado de culminar o processo de abertura política iniciado, com
avanços e retrocessos, no lustro anterior7. Desta forma, se inaugu-
rou um período que proclamava desde sua origem o compromisso
de “fazer deste país uma democracia” 8 mediante uma transição
política controlada e pactuada cujos principais objetivos foram res-
tabelecer os direitos políticos e as liberdades civis, reformar os
partidos políticos e garantir a competição política e realizar elei-
ções competitivas para Governadores estatais. Estas últimas elei-
ções, realizadas em 1982, abriram o caminho para a eleição de um
civil como presidente, de forma indireta, em 1984. A infeliz morte
de Tancredo Neves deu passagem a José Sarney na Presidência da
República. Mesmo que inacabada e imperfeita, a transição brasi-
leira se encerrou formalmente com a promulgação da Constituição
– que não foi votada pelos cidadãos e sim pelos deputados consti-
tuintes - em 1988. Se pode comprovar que frente à transição espa-

5
A obra mais importante do general foi COUTO, Golbery de: Geopolítica do Brasil, Rio de Janeiro, Jose
Olympio, 1967; Pode-se ver também COUTO, Golbery de: Conjuntura política nacional, o poder executivo,
Rio de Janeiro, José Olympio, 1981; Sobreo papel do general na transição brasileira, a obra de referência é
de ALMEIDA MELLO, Leonel I.: “Golbery revisitado: da abertura controlada a democracia tutelada”, em
MOISES, José A. e GUILHON, J.A. (org): Dilemas da Consolidação da Democracia, Rio de Janeiro, Paz e
Terra, 1989, pp.199-222.; Desde uma perspectiva jornalística, “General Golbery: o mago da abertura”, Veja,
14 de julho de 1980.
6
Com estas palavras Geisel qualificou o processo, ver FAUSTO, Boris: História do Brasil, São Paulo, Edusp,
2000, pp.488-492.
7
O processo brasileiro, desde o autoritarismo até a democracia, com ênfase nas características do regime, sua
crise, e a dinâmica do processo de liberalização em MARTINS, Luciano: “La liberalización del gobierno
autoritario en Brasil”, em O´DONNELL, G; SCHMITTER, P; WHITEHEAD, L (comps): Transiciones desde
un gobierno autoritario, América Latina, vol.2, Barcelona, Paidos, 1989, pp.113-145.
8
Discurso de tomada de posse de João Batista Figueiredo, Brasília, 15 de março de 1979.

163
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

nhola, o processo no Brasil abrange um período de 14 anos (1974-


1988).
Em que medida estes processos aproximaram aos dois países e
que repercussões se deixaram sentir nas relações bilaterais hispano-
brasileiras? A partir de 1978, com os preparativos da visita do
presidente Suárez, verifica-se a influência do processo de transi-
ção espanhola nas bases das relações bilaterais. Por outra parte, na
medida em que a abertura no Brasil se transformava em uma reali-
dade, a imprensa começou a prestar maior atenção ao processo
político espanhol toda vez que se constituía em fonte constante de
inspiração para o processo brasileiro. Esta tese é mantida também
por MARQUES DE MELO, ao afirmar que “a influência política
que a transição espanhola exerceu sobre a brasileira é projetada
pelos meios de comunicação (do Brasil) constantemente desde
1975, quando ascendeu ao poder o Rei Juan Carlos”9.
É exatamente nesses anos que a Espanha, pela segunda vez,
sai da irrelevância histórica na qual estava imersa desde a pers-
pectiva da opinião pública brasileira - o outro momento ja estuda-
do foi a Guerra Civil - para tornar-se objeto de continuada atenção.
O processo político espanhol fez o país conhecido no Brasil pelo
sucesso de sua transição, em comparação à transição brasileira
que, em 1988, era considerado um processo sem fim no qual a
situação política, econômica e social estava longe de encontrar um
quadro estável. O caso espanhol foi apresentado, pela habilidade
dos políticos e da sociedade para construir uma democracia em
pouco tempo e consolidá-la, como motivo de estudo e admiração10.
Neste sentido, primeiro o testemunho do impacto da democratiza-
ção através das notícias publicadas no Brasil11; segundo, a reper-

9
MARQUES DE MELO, José.(org) : Comunicação comparada: Brasil Espanha, São Paulo, Loyola, 1990,
pág.7.
10
Ver GENTILLI, V.: “O ‘Parlamento de Papel’ na Espanha e no Brasil: análise comparativa do papel desem-
penhado pela imprensa no processo de transição democrática”, em MARQUES DE MELO, Jose(org) : Comu-
nicação comparada: Brasil Espanha, São Paulo, Loyola, 1990, pp.65-79.
11
Por exemplo, os Pactos da Moncloa provocaram rios de tinta na imprensa brasileira. Ver: “Um pacto
político formal: Moncloa”, Folha de São Paulo, 9 de julho de 1985 e “Pacto político ao invés de social”, Folha
de São Paulo, 1 de outubro de 1985. Também “A Espanha sem Franco”, Veja, 29 de outubro e 1975; “Espanha,
como chegar á democracia”, Veja, 1 de junho de 1977; “Democracia endógena”, Jornal do Brasil, 24 de julho
de 1979; “Guerreiro exalta Suárez”, Jornal do Brasil, 31 de julho de 1979; “Suárez considera possível
exportar democracia”, Jornal do Brasil, 4 de agosto de 1979; “O roteiro da Espanha rumo á democratização”,

164
capítulo 4
a intensificação das relações hispano-brasileiras (1979 – 1995):
democracia, integração e estabilidade econômica.

cussão que teve esse processo nos anos seguintes, medida em ter-
mos de debate e produção acadêmica 12; e terceiro, as múltiplas
referências ao processo espanhol que se encontram nos debates
parlamentares do Congresso brasileiro 13, permitem defender a hi-
pótese que identifica na democratização um dos processos
favorecedores que propiciam a saída da irrelevância das relações
hispano-brasileiras, pelo menos no âmbito político. Boa prova é
que, vinte e cinco anos depois, o exemplo espanhol continuava pre-
sente na retórica dos discursos, servindo como experiência
vinculativa nas relações bilaterais:

Correio Braziliense, 14 de maio de 1983; “Rei diz que mundo ve com respeito abertura do Brasil”, Jornal do
Brasil, 18 de maio de 1983; “Espanha, como se faz uma transição”, Jornal do Brasil, 6 de março de 1988;
“Espanha tem êxito na implantação da democracia”, Folha de São Paulo, 8 de abril de 1989. Também a
imprensa espanhola dedicou matérias a democratização do Brasil: “Brasil en pocas palabras”, ABC, 19 de
dezembro de 1978; “Apertura en Brasil”, El País, 8 de julho de 1981 e “Democratura a la brasileña”,
Cambio 16, 8 de julho de 1981; “La prensa brasileña hace una similitud entre los procesos políticos brasileño
y español”, El País, 14 de maio de 1983;
12
Ver CHACON, Vamireh: A experiência espanhola, Brasília, UNB, 1979; SCHVARZER, R e LAMOUNIER,
B.(coords.): Como renascem as democracias, São Paulo, Brasiliense, 1985; DUPAS, Gilberto (org): A transi-
ção que deu certo. O exemplo da democracia espanhola , São Paulo, Trajetória cultural, 1989; MARQUES DE
MELO, Jose(org) : Comunicação comparada: Brasil Espanha, São Paulo, Loyola, 1990; MOISES, José Alvaro
e GUILHON, José Augusto (org): Dilemas da Consolidação da Democracia, Rio de Janeiro, Paz e Terra,
1989; MORAES, Reginaldo: A redemocratização espanhola, São Paulo, editora brasiliense, 1983; SANTOS,
W.G. dos: “La apertura brasileña ante las perspectivas de transnacionalización”, em ORREGO, Francisco:
Transición a la democracia en América Latina, Buenos Aires, GEL, 1985, pp.133-143; STEPAN, A.: Os
militares: da abertura a nova República, Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1986; PARAMIO, L.o: “ A transição
pactada: os casos do Brasil e da Espanha”, Seminário organizado pela ANPOCS e a Universidade de São
Paulo, outubro de 1987; PARAMIO, L.: “Agonía y muerte de dos dictaduras: España y Brasil”, Revista de
Estudios e Investigaciones Sociológicas, nº 44, 1988, pp.7-21; STEPAN, Alfred (org): Democratizando o
Brasil, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988; SELCHER, W. (org): A abertura política no Brasil. Dinámica,
Dilemas e perspectivas, São Paulo, Convivio, 1988.; DIEZ DE URÊ, Maria del: O Consenso na Espanha, Tese
de Mestrado, Universidade de Brasília, Brasília, 1990; GUIMARAES, Léa: O paradigma da “transição que
deu certo”, Universidade de Brasilía, Brasília, 1994; COGGIOLA, O. (org): Espanha e Portugal, o fim das
ditaduras, São Paulo, Xama, 1995; SALLUM, B..: Labirintos, dos generais à Nova República, São Paulo,
Hucitec, 1996; MENEGUELLO, R.: “Cambios y continuidades en la transición democrática brasileña”, em
VV.AA.: Huellas de las transiciones políticas. Partidos y elecciones en América Latina, México, Instituto Mora,
1998, pp.84-123.; SANTOS, Fabiano: “Escolhas institucionais e transição por transação: sistemas políticos
de Brasil e Espanha em perspectiva comparada”, Dados, vol.43, nº 4, 2000; ABREU, M..: La transición
democrática en Brasil: una obra inacabada, Ponencias del III Encuentro de Latinoamericanistas españoles,
Casa de América, novembro, 2001, versão CD-Rom.
13
Ver as intervenções dos deputados Marcos Freire (MBD), Diário do Congresso Nacional, 2 de dezembro de
1977, p.7418, Eurico Rezende (ARENA), Diário do Congresso Nacional, 1 de julho de 1978, pág. 3350,
Nelson Carneiro (PMBD-RJ), Diário do Congresso Nacional, 13 de junho de 1981, pág. 2678, Fernando Lyra
(PMBD-PE), Diário do Congresso Nacional, 18 de maio de 1983, pág. 795 Lourival Baptista, Diário do
Congresso Nacional, 19 de abril de 1984, pág. 785, José Fogaça (PMBD-RS), Diário da Assembléia Nacio-
nal, 17 de junho de 1987, pág.. 2715, Wilson Martins (PSDB-MS), Diário do Congresso Nacional, 14 de
dezembro de 1990, pág..8191.

165
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

“(...)Tivemos que esperar até o último quarto do século XX para


que a democracia se consolidasse em nossos países (...) No paralelo
que tentei esboçar com a transição brasileira no prefácio ao livro “A
transição que deu certo”, recorri à imagem de um espelho convexo. A
transição no Brasil foi uma imagem distorcida da espanhola. Mesmo
que a ruína do regime autoritário tenha sido mais rápida entre nós, os
atores políticos ficaram muito longe do objetivo de adequar o Estado e
a economia brasileira aos novos tempos (...) a experiência espanhola
nos estimulou a perseguir essa equação de tanto significado”.14

O plano eexterno:
xterno: a visita de Suárez e seu impacto nas relações
bilaterais.
A visita de Suárez foi o fato simbólico que presidiu as novas
bases que a Espanha democrática queria afiançar nas suas rela-
ções com o Brasil e, em geral, com os países da América Latina.
Como afirma ARENAL, “a política dos Governos centristas com os
países submetidos a regimes autoritários ou em transição à demo-
cracia se baseou na genérica defesa dos direitos humanos, no apoio
aos processos de democratização e, no caso dos países do Cone
Sul, em evitar acusações concretas justificadas na aplicação do
princípio de não-ingerência nos assuntos internos” 15. A visita de
Suárez ao Brasil foi apresentada pelas duas diplomacias como uma
viagem com um marcado caráter econômico, centrado nos proble-
mas derivados do déficit comercial espanhol e nas tentativas
hispano-brasileiras por buscar novas formas de cooperação. No
entanto, foi inevitável que o evento se carregasse de conotações
políticas pela situação interna do Brasil e pelas manobras da opo-
sição e do Governo brasileiro para capitalizar os sucessos da visi-
ta. Nos relatórios prévios elaborados pela Embaixada do Brasil, se
destacava a habilidade de Suárez, seu certeiro instinto tático, sua
segura intuição e sua capacidade política para, por inspiração do
Rei, promover uma transição do autoritarismo à democracia desde
o interior do regime e com base na sua legalidade, em um processo

14
Discurso do Sr. Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, na cerimônia de recepção do título
de Doutor Honoris Causa, da Universidade de Salamanca, Salamanca, 18 de maio de 2002.
15
ARENAL, Celestino del: “La política exterior española en Iberoamérica (1982-1992)” em CALDUCH,
Rafael: La política exterior española en el siglo XX, Madri, Ciencias Sociales, 1994, pp.284-285.

166
capítulo 4
a intensificação das relações hispano-brasileiras (1979 – 1995):
democracia, integração e estabilidade econômica.

gradual e controlado sem rupturas revolucionárias16. Precedeu à


visita, como conseqüência de sua significação em um momento
sensível do processo político brasileiro, um clima rarefeito entre
as duas diplomacias, produzido pelas declarações do Chanceler
brasileiro, Ramiro Saraiva Guerreiro. Este indagado a respeito de
se a visita de Suárez significava um aval do modelo democrático
espanhol para o processo de abertura preconizado pelo presidente
Figueiredo respondeu afirmando que muitos países europeus que-
riam tirar proveito e dizer que foram responsáveis pela democrati-
zação da América Latina, o que manifestava uma “atitude tipica-
mente colonial”. 17
Para superar o mal-estar diplomático gerado pelas declarações,
o Itamaraty convocou ao embaixador da Espanha acordando a dis-
tribuição de um comunicado no qual o ministro de Relações Exte-
riores do Brasil manifestaria “ser uma honra e satisfação a visita
de Suárez para afiançar os tradicionais laços históricos e os laços
significativamente relevantes do ponto de vista da cooperação eco-
nômica entre os dois países”18. A conseqüência imediata do inci-
dente foi um acordo tácito para que Suárez não falasse da política
interna do Brasil nem realizasse comparações sobre a transição
espanhola e o processo brasileiro. Ao mesmo tempo, seus contatos
com a oposição ficariam cingidos ao âmbito do jantar de despedi-
da, do último dia de visita, na Embaixada. O Itamaraty se encarre-
gou, em conseqüência, de maximizar os aspectos econômicos da
visita e minimizar as implicações políticas que da presença de
Suárez se poderiam desprender como foi refletido no comunicado
conjunto final, sem nenhuma menção às palavras “transição” ou
“democracia”. Por sua vez, Suárez se rodeou de cuidados para des-
fazer a impressão de que “estava exportando democracia”19, reti-
rando as alusões à política interna brasileira com frases ambíguas
que louvavam a figura de Figueiredo, “o impulsor da vontade de

16
Embaixada do Brasil, Madri, Estudos preparatórios para a visita ao Brasil do Presidente Suárez, agosto de
1979, AHIB, caixa 84.
17
“Guerreiro exalta Suárez”, Jornal de Brasília, 31 de julho de 1979.
18
Declaração do portavoz do Itamaraty, conselheiro Bernardo Pericás, Brasília, 31 de julho de 1979
19
“Suárez considera possível exportar democracia”, Jornal do Brasil, 4 de agosto de 1979

167
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

mudança que distingue este povo jovem e vigoroso”20. Ante a in-


sistência do Itamaraty para evitar referências à democracia, Suárez
foi orientado pela Embaixada da Espanha para não introduzir nos
seus discursos nenhuma referência genérica à idéia de
redemocratização no Brasil, nem sequer os comentários clássicos
e corriqueiros neste tipo de visitas21. Nos seus encontros com a
imprensa Suárez não se cansava de sublinhar a finalidade de sua
viagem, isto é, o estreitamento das relações bilaterais, deixando
deslizar suas idéias sobre as possibilidades de aplicação do mode-
lo espanhol à experiência do Brasil:

“Talvez as intenções e idéias sim. O resto, não. Os processos políticos


não se transplantam nem se exportam. Cada nação tem suas
características sociológicas, políticas e econômicas próprias. Não vou
ao Brasil para me intrometer em sua política interna, mas para conhecer
um país do qual vivemos distanciados até aqui”.22

Mesmo que o Governo Figueiredo procurasse que não fossem


realizadas comparações entre as duas transições, não houve mais
remédio que elogiar o modelo espanhol. No discurso de despedida,
Figueiredo declarava: “Vossa Excelência, conduz um processo po-
lítico democrático particularmente profundo”. Esta moderação go-
vernamental contrastou com a ampla difusão que realizaram os
meios de comunicação que se encarregaram de explorar as conse-
qüências lógicas que se derivavam da visita, com um caráter radi-
calmente diferente ao mostrado pelas versões oficiais.23 Talvez seja
difícil delimitar a contribuição concreta que supôs a visita de Suárez
ao processo de democratização do Brasil. O certo é que, a partir
desse momento, a Espanha e o Brasil começaram a se compreen-
der um pouco mais desde a consideração de suas semelhanças po-
líticas e da possibilidade de extrair lições com base nas experiên-
cias vividas. Como um conhecido colunista brasileiro destacava:

20
“Exercícios de comparação na visita de Suárez”, Veja, 15 de agosto de 1979.
21
“Suárez evitará falar da política brasileira”, O Estado de São Paulo, 1 de agosto de 1979.
22
“Processo político não se exporta”, Folha de São Paulo, 4 de agosto de 1979.
23
Por exemplo “Democracia foi tema de conversa com empresarios”, Jornal de Brasília, 9 de agosto de 1979;
“Figueiredo gostaria de imitar Adolfo Suárez”, Jornal do Brasil, 9 de agosto de 1979; “Suárez aconselhou
Lula fortalecer base sindical”, Jornal do Brasil, 10 de agosto de 1979;

168
capítulo 4
a intensificação das relações hispano-brasileiras (1979 – 1995):
democracia, integração e estabilidade econômica.

“A Espanha em processo acelerado de democratização vem a


estimular, pela presença de seu Primeiro-ministro, as inclinações
democratizantes do continente americano, tão povoado ainda de
ditaduras militares e caudilhescas. O sr. Suárez pode ficar calado com
relação à situação interna brasileira. A mensagem que tinha de trazer-
nos está na sua própria presença e, por contraste, foi sublinhada pela
nota oficial do Itamaraty”24.

Em boa medida, o processo de democratização brasileiro se


encontrava em 1979 em uma etapa inicial, pouco madura, temen-
do-se as conseqüências de qualquer perda de controle da situação
política. Nesse contexto, a visita de Suárez podia dar lugar a más
interpretações que afetassem de forma contraproducente, pela in-
sistência em extrapolações pouco oportunas devido à conjuntura
do Brasil, ao bom estado geral das relações hispano-brasileiras.
Quatro anos depois, por causa da visita dos Reis da Espanha, quando
o processo de abertura política se encontrava bastante avançado
no Brasil, as hesitações e vacilações presentes na visita de Suárez
se tinham dissipado, confirmando-se desta forma a influência que
a experiência política espanhola teve na transição brasileira em,
pelo menos, três momentos relevantes: a visita de Suárez (1979), a
visita dos Reis (1983) e a visita de Felipe González em pleno deba-
te do processo constituinte brasileiro (1987).
Uma última questão que se lança neste parágrafo, deixando-se
conscientemente em aberto, é a influência da transição e o triunfo
da opção democrática nas respectivas políticas exteriores. Cabe
expor algumas perguntas a respeito que podem se condensar em
uma: a mudança ou a democratização gradual dos regimes provo-
cou mudanças no conteúdo das políticas exteriores do Brasil e da
Espanha que puderam afetar às relações bilaterais?
Pelo lado brasileiro, a resposta seria negativa. Como afirmam
vários autores, não se produziram mudanças efetivas nos contidos
da política externa, em razão da identificação de objetivos de natu-

24
“Democracia endógena”, Coluna do Castello, Jornal do Brasil, 8 de Agosto de 1979

169
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

reza permanente que sobreviveram às modificações constitucio-


nais25. PINHEIRO e LIMA sustentam que a mudança de regime só
implica mudanças no conteúdo da política externa se existe inci-
dência em duas dimensões fundamentais: idéias e interesses. Em
1979, dominado o Brasil pelo conflito político e pelas dificuldades
econômicas internas, a política externa ocupava um lugar secun-
dário nas preocupações do Governo26. A Espanha não constituía
exatamente uma prioridade na hierarquia das relações exteriores
do Brasil, ainda que se começasse a reavaliar o lugar que ocupava
o país nas preferências brasileiras na Europa Ocidental, como pro-
duto do surgimento de interesses comuns que podiam colocar-se a
serviço do desenvolvimento nacional.
Pelo lado espanhol, a redefinição da política externa da Espanha
durante a transição também não afetou substancialmente às rela-
ções hispano-brasileiras. Neste sentido, ALDECOA defende a hi-
pótese que as constantes da política externa espanhola neste perí-
odo tinham sua causa nas mudanças introduzidas na etapa Castiella,
nos anos sessenta27. Por conseguinte, seria preciso buscar nessa
época as possíveis modificações na política externa da Espanha e
suas implicações no que tange ao Brasil. No entanto, se pode pen-
sar que o crescente protagonismo internacional da Espanha duran-
te o Governo Suárez, até 1981, convida a considerar esta nova pre-
sença espanhola no mundo como um fator favorecedor das relações
hispano-brasileiras. O certo é que, naqueles anos, o Brasil escala-
va postos nas prioridades espanholas na América Latina como de-
monstrou a própria visita de Suárez, a intensificação dos intercâm-
bios comerciais e a inclusão do país nos projetos de criação de uma
Comunidade Ibero-americana de Nações.

25
Ver HIRST, Mônica: “Transição democrática e política externa: a experiência do Brasil”, em MUÑOZ, H e
TULCHIN, J.(org.): A América Latina e a política mundial. São Paulo, Convívio, 1986, pp.207-218;
26
LIMA, Maria R.de S.: “Instituições democráticas e política externa brasileira”, Paper apresentado no
Seminário “Política Internacional e Comparada”, Depto. de Relações Internacionais, UNB, Brasília, 11-12
de novembro de 1999; PINHEIRO, L: “As políticas exteriores do Brasil e da Espanha: notas sobre os efeitos
da transição democrática”, Seminário Brasil-Espanha, IPRI-FUNAG, Rio, 7 de abril de 2000.
27
Ver ALDECOA, F.: “Una aproximación a la política exterior de la España democrática: el primer lustro
constitucional (1978-1983)”, em Pensamiento Jurídico y Sociedad Internacional. Estudios en honor del prof.
D.Antonio Truyol, Madri, CECO/UCM, tomo 1, 1986, pp.79-103.

170
capítulo 4
a intensificação das relações hispano-brasileiras (1979 – 1995):
democracia, integração e estabilidade econômica.

A integração
Junto da redemocratização, a integração regional constituiu o
outro pilar e fator explicativo do processo da superação da mútua
irrelevância das relações hispano-brasileiras. Para o Brasil, a par-
tir de 1986, com a implementação do Programa de Integração e
Cooperação Econômica argentino-brasileiro (PICE) e os Acordos
Alfonsín-Sarney28, se começou a configurar uma nova prioridade
em matéria de política externa: o MERCOSUL. Para a Espanha, o
ingresso na CEE, no dia 1 de janeiro de 1986, supôs o começo de
uma etapa de prosperidade econômica que permitiu ao país passar
de receptor de investimentos e de ajuda oficial ao desenvolvimento
a país investidor e doador de fundos de cooperação dirigidos espe-
cialmente para a América Latina29.
Por outro lado, o compromisso espanhol manifestado no mo-
mento da assinatura da Ata de Adesão, de contribuir no seio da
Comunidade Européia para o fortalecimento das relações euro-la-
tino-americanas teve um de seus momentos mais importante na
assinatura do Acordo Marco de Cooperação Interregional (AMIC)
entre UE e MERCOSUL, do qual foi mentor no seio das institui-
ções comunitárias o comissário espanhol, Manuel Marín30. A parti-
cipação em processos de integração outorgou às relações hispano-
brasileiras um valor acrescentado que contribuiu incontestavel-
mente à construção da relação privilegiada. Este momento se es-
tende desde 1986, com a participação do Brasil no PICE e da
Espanha com o ingresso na CEE, até o momento atual, em que os
dois países desenvolvem uma atividade diplomática nos seus blo-
cos com o objetivo de criar uma zona de livre comércio entre a UE
e MERCOSUL. O Brasil sabe que a Espanha é um dos principais
interessados em conseguir vencer as resistências de negociação de
um Acordo amplo que inclua a liberalização do setor agrícola. A
Espanha é consciente – como afirmou o Rei Juan Carlos na sua

28
Estes acordos estabeleceram medidas de construção de confiança bilateral, no âmbito nuclear, cooperação
em políticas setoriais (ciência e tecnologia, transporte, etc.)
29
Ver ESCRIBANO, Gonzalo: “Integración y relaciones exteriores: la experiencia española”, Comercio Exte-
rior, vol. 50, nº 8, México, Agosto 2000, pp.734-744.
30
Assinado em Madri, no dia 15 de dezembro de 1995, quando a Espanha ocupava a presidência da UE.

171
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

última visita ao Brasil - de seu papel para advogar por uma maior
aproximação entre a UE e o MERCOSUL, como um dos objetivos
prioritários da política externa espanhola.31
O impacto que o exemplo da integração da Espanha e Portugal
na Europa teve na experiência integradora do MERCOSUL deve
ser também considerado. Com efeito, muitos líderes e intelectuais
latino-americanos que se tinham familiarizado com os passos da
Espanha para a democracia, contemplaram o papel da integração
como uma forte motivação democratizadora para suas sociedades.
Em conseqüência, um dos efeitos da integração regional procurado
por alguns líderes do MERCOSUL foi melhorar a probabilidade de
aprofundamento da democracia, ou pelo menos, a resistência com
sucesso às ameaças que pairavam sobre as instituições democráti-
cas32. Os efeitos da integração nas relações hispano-brasileiras
devem medir-se desde uma dupla perspectiva: interna e externa.
Em virtude da primeira perspectiva, a integração contribuiu, em
primeiro lugar, à consolidação dos processos democráticos, na
Espanha e no Brasil. Assim a integração se configura como causa e
efeito gerador de estabilidade política. Em segundo lugar, a
integração fortaleceu economicamente os dois países dentro de seus
respectivos blocos. Comercialmente, na medida que os intercâm-
bios entre os países do bloco aumentaram espetacularmente. Fi-
nanceiramente, na medida em que o efeito “atração de investi-
mentos” conseguiu ingentes entradas de capital, em uns casos atra-
vés dos processos de privatização e em outros em forma de fundos
estruturais e de coesão. No caso do MERCOSUL, resultou eviden-

31
Alguns avanços destas negociações en KINOSHITA, F.: “As negociações da zona de livre comércio entre o
Mercosul e a UE: desenvolvimentos recentes”, Carta Internacional, São Paulo, nº 92, outubro, 2000; AYLLÓN,
B: “A agenda européia do Mercosul: un novo panorama”, Carta Internacional, São Paulo, nº 97, março,
2001; EUROPEAN COMMISSION: Mercosur-European Community. Regional Strategy Paper (2002-2006),
Brussels, 10 september, 2002; GIORDANO, Paolo (ed): An Integrated Approach to the European Union-
Mercosur Association, París, Chaire Mercosur de Sciences Politiques, 2002; GIORDANO, P.: “The external
dimension of Mercosur: prospects for North-South integration with the European Union”, Occasional Paper,
nº 19, INTAL, january, 2003.
32
Estes argumentos são desenvolvidos em um contexto mais amplo por GUILHON ALBUQUERQUE, J.A.:
“Integration, democratization and external influence”, Paper apresentado no Pacific Council on International
Policy Meeting, 19 de maio de 2000, pp.12-13; Comenta Guilhon que, curiosamente,os líderes latinoamericanos
não consideraram o argumento no outro sentido, isto é, que a democratização foi um requisito para a integração
na CEE.

172
capítulo 4
a intensificação das relações hispano-brasileiras (1979 – 1995):
democracia, integração e estabilidade econômica.

te a capacidade de atração de capitais pelas perspectivas de um


bloco que integrava 55% da superfície da América Latina, 55% do
Produto Interno Bruto (PIB) da América do Sul, 46% de sua popu-
lação e 60% de suas exportações industriais. Também – desde a
perspectiva interna – porque os processos de integração e coopera-
ção regional, especialmente no caso do MERCOSUL e do Brasil,
proporcionaram para a economia brasileira ganhos de escala e es-
pecialização.
A integração propiciou além disso a adaptação das economias
da Espanha e do Brasil às demandas da economia mundial e à
globalização como principal dinâmica de mudança no atual siste-
ma internacional, exigindo a imersão dos dois países em um pro-
cesso de aprendizagem enriquecedor. Não resulta ocioso destacar
outros efeitos beneficentes da integração perfeitamente aplicáveis
ao objeto de estudo 33: a integração favorece a estabilidade e a con-
vergência econômica obrigando à resolução de rivalidades históri-
cas e cria, graças à abertura econômica na qual se baseiam os pro-
cessos inspirados no regionalismo aberto, condições de
competitividade e eficiência. Mas sem dúvida, o principal papel
da integração, e o que mais interessa neste livro, é sua função
catalisadora para os projetos nacionais de desenvolvimento. Com
efeito, como afirmam LAFER e FONSECA, mediante a ampliação
dos mercados e a diversificação produtiva se geram as condições
para a industrialização, a mudança tecnológica e o surgimento de
vantagens competitivas. Por conseguinte, a consecução dos objeti-
vos de estruturação do tecido social e produtivo, inovação
tecnológica e industrialização aumentariam a capacidade compe-
titiva dos países, contribuindo à implementação das estratégias de
desenvolvimento nacional34.
Desde a segunda perspectiva – a externa –, a integração propi-
ciou o aumento do poder de negociação em outros foros regionais
ou multilaterais, tanto para a Espanha como para o Brasil, contri-

33
Ver a respeito INSTITUTO DE ESTUDOS ESTRATÉGICOS E INTERNACIONAIS: La integración abierta,
la UE y el MERCOSUR y el orden internacional, Informe del III Forum Euro-Latinoamericano, Lisboa, maio,
1995, pp.11-20.
34
III Fórum Euro-Latinoamericano, São Paulo, julho, 1994.

173
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

buindo para conferir aos países um papel de relevância na cena


internacional. Neste sentido, a integração “constitui um marco de
referência para estar no mundo”35. No caso que nos ocupa, o esta-
belecimento e posterior progresso das relações entre a UE e o
MERCOSUL, estas serviram ao objeto de introduzir na agenda
hispano-brasileira a necessidade que cada país defendesse nos seus
âmbitos de integração uma maior aproximação que, evidentemen-
te, repercutiria favoravelmente nas relações bilaterais. A este res-
peito, a Espanha teve de assumir vigorosamente a defesa da neces-
sidade de um acordo amplo com MERCOSUL nos debates no seio
da UE. Um acordo comercial que inclua o âmbito dos produtos
agrícolas mesmo que isso afete à PAC.36 Por outra parte, o segui-
mento dos avanços e retrocessos de cada país nos seus processos
de integração se transformou na tónica habitual dos contatos di-
plomáticos bilaterais, em função das expectativas suscitadas37. A
aceleração da integração da Espanha e do Brasil na UE e no
MERCOSUL, constituiu com toda claridade outro fator chave que
permitiu a intensificação das relações bilaterais abrindo as portas
para a construção da parceria privilegiada que se intensificará no-
tavelmente a partir das reformas introduzidas no Brasil pelo Plano
Real e pelos investimentos das empresas espanholas fazendo coin-
cidir os interesses hispano-brasileiros.

A abertura das economias no conte xto da globalização: o


contexto
Plano R eal
Real
Junto à democratização e integração, existiu outro processo
favorecedor da intensificação das relações hispano-brasileiras: a
estabilidade econômica e a abertura das economias ao exterior.
Estabelece-se assim um trinômio de processos de cuja adição re-
sulta a conformação de bases sólidas nas quais se cimenta a rela-

35
INSTITUTO DE ESTUDOS ESTRATÉGICOS E INTERNACIONAIS: Op.cit., pág.13.
36
Declarações do Secretário de Estado para a Cooperação Internacional, Miguel Ángel Cortés, em O Estado
de São Paulo, 8 de março de 2001.
37
“O processo de inserção de nossos países no mundo passa não somente por relações bilaterais mais sólidas,
como também pela participação do Brasil e da Espanha em exitosos processos de integração econômica e
acordo política (...)”, discurso do presidente Cardoso no almoço oferecido por SS.MM. os Reis da Espanha,
Madri, 18 de maio de 1998, Repertório de Política Exterior, MRE, Brasil

174
capítulo 4
a intensificação das relações hispano-brasileiras (1979 – 1995):
democracia, integração e estabilidade econômica.

ção privilegiada constituída entre a Espanha e o Brasil. A existên-


cia de uma convergência manifesta nas experiências de política
econômica da Espanha e do Brasil, ancorada na necessidade de
responder a desafios similares surgidos principalmente no contex-
to do processo de globalização, se mostra acentuadamente a partir
dos anos 80. Este processo não esteve isento de dificuldades de
adaptação e resistências, mais tenazes no Brasil, fruto sem dúvida
da presença de componentes arraigados nas elites do país,
destacadamente, a defesa do nacionalismo econômico, a interven-
ção do Estado como motor da atividade econômica, o protecionis-
mo às indústrias nacionais ou a tentação autárquica de desenvolvi-
mento endógeno38.
A respeito do caso espanhol, o processo de estabilização e aber-
tura econômica foi iniciada com muitos anos de antecedência em
relação ao caso brasileiro, concretamente em 1959, em pleno regi-
me franquista. É naquele ano quando se inicia um plano de estabi-
lização que, como aponta CARR, perseguia o saneamento da eco-
nomia e o equilíbrio do orçamento e no qual se fazia evidente que
seus principais impulsores tinham sido os organismos internacio-
nais capazes de proporcionar créditos para a obra estabilizadora:
FMI e OCDE39. Nos anos seguintes, de acordo com as etapas pro-
postas por CASTAÑEDA, podem considerar-se três fases no pro-
cesso de estabilização da economia espanhola e nos planos de ajuste
implantados 40. Uma primeira (1975-1984), na qual o país se vê
arrastado pela recessão mundial no contexto da crise do petróleo
com uma reação tardia propiciada pela instabilidade política, su-
perada com a vitória do PSOE e com a implementação de um plano
de ajuste no final de 1982. Uma segunda, entre 1985 e 1990, ca-
racterizada pelo desafio de convergir com a Europa e de orientar a
estratégia do ajuste ao objetivo último da integração. Uma terceira
(1991-1993), de recessão internacional e de forte impacto negati-

38
Ver MALAN, Pedro S.: “Relações Económicas Internacionais do Brasil (1945-1964)” em FAUSTO, B.:
História Geral da Civilização brasileira, São Paulo, Difel, vol.11, 1984, pp.51-106.
39
CARR, R.: Espanha 1808-1975, Barcelona, Ariel, 1990, pág.709.
40
CASTAÑEDA, Juan: “La economía de la democracia española (1975-1993)”, em CALDUCH, Rafael: La
política exterior española en el siglo XX, Madri, Ciencias Sociales, 1994, pp.169-199

175
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

vo na economia nacional. As medidas econômicas de ajuste perse-


guiam o controle da inflação, a reversão do déficit no setor exterior,
a flexibilização e desregularização da economia espanhola e sua
abertura internacional. Tratava-se de dotar de maior eficiência ao
sistema produtivo, flexibilizar os mercados, reformar o setor públi-
co para reduzir as despesas através da venda de empresas estatais
e de criar as condições favoráveis para a internacionalização da
economia espanhola. Tudo isso, como recalca CASTAÑEDA, em
aras da vocação europeísta espanhola que levou às autoridades a
assumir com decisão os riscos de uma abertura econômica radical.
A consideração da situação da economia brasileira na década
de 80, brinda oportunidades para a realização de reflexões sobre
sua semelhança com a situação espanhola a partir dos anos da pri-
meira crise do petróleo. É certo que os governantes do Brasil não
atuaram nas suas primeiras tentativas de estabilizar sua economia
com o incentivo que animava os esforços do Governo da Espanha,
isto é, com a necessidade imperiosa de fazer convergir sua econo-
mia com a de um bloco integrado, fator chave no processo de aber-
tura econômica e de estabilidade.
O processo de abertura econômica foi fundamental para as re-
lações hispano-brasileiras estando estreitamente relacionado com
os outros dois processos assinalados, democratização e integração.
Sem dúvida, a transição à democracia favoreceu a reestruturação
do marco institucional das duas economias e os subseqüentes lu-
cros de estabilidade econômica com o controle da variável inflaci-
onária, o crescimento econômico e a criação de condições para a
eliminação das barreiras e obstáculos de todo tipo que limitavam
as relações econômicas entre o Brasil e a Espanha. Da existência
de fortes interesses econômicos chegou o fortalecimento das rela-
ções políticas ancoradas em bases robustas que foram construídas
nos anteriores cinqüenta anos. Da perspectiva espanhola, seu pró-
prio processo de abertura e estabilidade, favorecido pela integração
plena na Europa, permitiu que o país e suas empresas se lanças-
sem a uma ambiciosa internacionalização econômica, na verdade
uma “latinoamericanização”. Para a Espanha, o processo de aber-
tura e estabilização da economia brasileira, a modificação da le-
gislação em matéria de investimentos e o ambicioso programa de

176
capítulo 4
a intensificação das relações hispano-brasileiras (1979 – 1995):
democracia, integração e estabilidade econômica.

privatizações que se opera a partir do Plano Real, vão constituir,


junto ao fator de atração que supõe a criação do MERCOSUL, um
conjunto de oportunidades únicas para afirmar uma presença de-
cidida no Brasil. Uma aposta realizada pelas grandes multinacionais
espanholas, que depois do processo de conversão de velhos mono-
pólios em empresas com vocação internacional se transformam no
Brasil em porta-estandartes da projeção exterior da economia es-
panhola nos novos mercados a conquistar.
Da perspectiva brasileira, a inauguração de uma etapa de re-
dução e controle da inflação a mínimos históricos, graças ao Plano
Real, suporá a recuperação da credibilidade na economia do país,
no interior e no exterior. As reformas estruturais que leva a cabo o
Governo Cardoso (1995-2002), principalmente as tendentes à
privatização de empresas estatais e à abertura comercial, terão um
impacto incalculável nas relações econômicas com a Espanha. Na
sua vertente investidora, porque a participação espanhola no pro-
cesso de privatização foi “um importante fator de estabilidade para
a economia brasileira”.41 Na sua vertente comercial, porque o equi-
líbrio na balança de intercâmbios bilaterais se acelera por causa
da liberalização e da abertura da economia brasileira.

O Plano R eal
Real
Em linhas gerais, qual era a situação da economia brasileira
quando, em 1993, Fernando Henrique Cardoso foi nomeado minis-
tro de Economia e Fazenda e começou a idealizar, junto de um gru-
po de economistas, o Plano Real? Que expectativa suscitou o novo
Plano depois do fracasso, em menos de seis anos, de cinco planos
consecutivos de estabilização? Quais de todos os aspectos do Pla-
no Real foram mais relevantes para o progresso das relações entre
o Brasil e a Espanha? O regime militar entregou à recém-nascida
democracia brasileira, no aspecto econômico, uma autêntica he-
rança maldita, uma bomba relógio preparada para explodir a qual-
quer momento. Um panorama caracterizado pelo estancamento do
crescimento econômico e a queda do PIB entre 1981 e 1983, um

41
Declarações do presidente Cardoso a Tiempo, 26 de julho de 1999, Especial Latinoamérica, pág.12.

177
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

processo inflacionário (224% anual em 1984), redução dos níveis


do consumo interno, baixos níveis de investimento, triplicação da
dívida externa entre 1977 e 1984 (de 37.000 milhões de dólares a
102.000 milhões) à que deviam ser acrescentadas as conseqüên-
cias da moratória do pagamento da dívida,em 1982, diminuição
das reservas, fuga de capitais ao exterior, deterioração das contas
públicas e, principalmente, a degradação das condições de vida da
população42.
Entre todos os elementos deste catalogo de mazelas econômi-
cas talvez fosse a inflação a que mais batia nos brasileiros em sua
vida cotidiana. A inflação era efeito da crise, mas também se origi-
nava em causas que pressionavam as elevadas taxas existentes como
a política de mudança, a inflação importada, o déficit público que
levava às alturas as taxas de juros, os desajustes produtivos que
influíam na alteração dos preços e as expectativas psicológicas da
própria população, acostumada ao processo inflacionário, o que
por sua vez alimentava o círculo vicioso43.
Os sucessivos governos democráticos da Nova República diri-
giram todos seus esforços à reversão deste quadro econômico es-
cassamente alentador. O instrumento empregado foi o design e exe-
cução de uma série de planos de estabilização dirigidos a “exter-
minar o dragão da inflação” e a criar as condições para o cresci-
mento econômico 44. O fracasso foi o denominador comum de
todos estes planos que, simplesmente, remendavam os proble-
mas e não implementavam soluções de maior alcance ao não
estar os Governos, muito debilitados politicamente, dispostos a
assumir o custo da adoção de medidas mais radicais em termos
de perda de empregos no setor público e privado, em recortes

42
Dados do Banco Central do Brasil, Relatórios Anuais. As tentativas do Brasil para renegociar sua dívidada
naqueles anos são descritos em BELLUZZO, L.G.M. y ALMEIDA, J.S.G.: “A crise da dívida e suas repercus-
sões sobre a economia brasileira” em BELLUZZO, L. e BATISTA, P.: A luta pela sobrevivência da moeda
nacional, São Paulo, Paz e Terra, 1992, pp.123-135; Também em CARAMURU, Marcos: “A dívida externa e
as questões financeiras internacionais”, en GUILHON ALBUQUERQUE, J.A.: Sessenta anos de política
externa brasileira (1930-1990), vol.2, São Paulo, Cultura, 1996, pp.65-78.
43
Todo este procseso e a possibilidade de alguns conhecimentos exportados do caso espanhol aplicáveis ao
brasileiro em GARCÍA LÓPEZ, José Antônio: “O modelo de transição econômica da Espanha durante o
período democrático: considerações sobre o caso brasileiro” em DUPAS, Gilberto (org): A transição que deu
certo. O exemplo da democracia espanhola , São Paulo, Trajetória cultural, 1989, pp.324-371.
44
Ver “E a inflação foi a nocaute”, O Globo, 1 de julho de 1995.

178
capítulo 4
a intensificação das relações hispano-brasileiras (1979 – 1995):
democracia, integração e estabilidade econômica.

das despesas estatais e das transferências aos Estados desde a


União, no aumento de impostos para as classes mais favorecidas
ou em medidas de política cambiária mais rígida com impacto
no setor exportador. Nem sequer na contenção da inflação se
alcançaram os resultados apetecidos; pelo contrário, o Brasil
caminhou nos primeiros anos da década de noventa para um
processo hiperinflacionário desbocado com índices acumula-
dos, entre 1990 e 1993, próximos ao 5.000%. Nesta conjuntu-
ra não se pode estranhar que, quando no primeiro semestre de
1994, Cardoso apresentasse o Plano Real, muitos brasileiros
encarassem com ceticismo suas propostas.
O Plano contemplava um período de transição de quatro me-
ses, sem congelamento de preços nem confiscamento da pou-
pança, nos quais em um processo gradual os salários, preços e
contratos seriam recalculados em cruzeiros (a moeda a extin-
guir) e em Unidades Reais de Valor (URV) até a conversão da
antiga moeda em uma nova, no dia 1 de julho de 1994, o Real. O
Plano Real foi considerado um excelente programa de estabiliza-
ção monetária no qual a taxa de câmbio atuou como suporte (“esta-
bilização com desequilíbrio fiscal e âncora cambiária”), de modo
que a manutenção da paridade monetária permitia a diminuição de
preços e salários com a conseguinte redução da inflação45. No en-
tanto, teve de pagar um preço para dominar o dragão inflacionário:
o crescente déficit comercial conseqüência de uma divisa
supervalorizada, do aumento da dívida pública e da transferência
a mãos privadas de parte de um patrimônio público acumulado ao
longo de setenta anos.
Além de questões técnicas, o Plano Real foi algo mais. Com
efeito, o plano de estabilização não se limitava a um conjunto de
instrumentos de técnica econômica devendo considerar-se sua di-
mensão política. Alguns analistas sublinharam a importância dos
objetivos políticos do Plano, chegando a colocá-los ao mesmo nível
dos econômicos. É o caso do objetivo de alcançar a re-legitimação
do Estado, a viabilização de uma série de reformas modernizadoras

45
MUELA, Mariano: “Brasil: la gran frontera”, Política Exterior, nº 69, maio-junho, 1999, pp.101-109.

179
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

no nível estatal e no político-institucional ou a consolidação da


coligação sustentadora do Governo Cardoso como impulsora das
necessárias reformas no nível legislativo. Junto destes objetivos,
políticos e econômicos, se pode sustentar a hipótese da existência
de um meta-objetivo: a ruptura definitiva com o modelo de “naci-
onal-mercantilismo”, de natureza autárquica, que dominou a eco-
nomia brasileira durante seis décadas. Na opinião de Juan de ONÍS,
o Brasil empreendia na década de 90, o caminho de uma moderna
reorganização capitalista integrando-se no modelo do novo capita-
lismo aberto e globalizado. As reformas de Cardoso continham os
traços de uma política econômica na qual se redefinia o papel do
Estado e se atribuía à empresa privada e aos investimentos estran-
geiros uma responsabilidade ampliada no desenvolvimento econô-
mico brasileiro. Nesta nova sociedade entre o público e o privado,
competia ao Estado manter o controle da política macroeconômica,
regular os serviços públicos, facilitar as iniciativas privadas para
proporcionar eficiência e capital e controlar a execução do orça-
mento orientando-o à melhora dos serviços de educação, saúde e
alívio da pobreza. Todos estes elementos e as medidas encaminha-
das a fortalecer a moeda, liberalizar o comércio, privatizar e redu-
zir o papel do Estado nos setores produtivos da economia, reformar
o sistema bancário, aumentar os mercados de capital e atrair in-
vestimentos mostravam que o Brasil emitia sinais claros de uma
nascente reorganização capitalista 46.
Sem esquecer a existência de múltiplos aspectos e lucros no
Plano Real que repercutiram positivamente na vida diária dos bra-
sileiros, destacadamente o controle da inflação - “o imposto dos
pobres”- , interessa destacar três questões que apresentam uma
estreita relação com alguns dos desenvolvimentos positivos das
relações hispano-brasileiras: a estabilidade econômica propiciada
pelo controle da inflação, a abertura comercial ao exterior e o pro-
grama de privatizações.
A primeira finalidade do Plano Real foi o controle da inflação
e o crescimento econômico sustentado. Frente aos anteriores pla-

46
ONIS, Juan de: “Brazil´s new capitalism”, Foreign Affairs, vol.79, nº 3, mai/jun, 2000, pp.107-119.

180
capítulo 4
a intensificação das relações hispano-brasileiras (1979 – 1995):
democracia, integração e estabilidade econômica.

nos que continham medidas de forte intervenção estatal na econo-


mia, o novo plano partia de fundamentos diferentes, associando-se
à realização de reformas estruturais como a desregularização, a
liberalização progressiva do mercado de câmbio, a reestruturação
financeira e o saneamento das despesas públicas47. Os efeitos eco-
nômicos e sociais do Plano Real afetaram todos os setores sociais,
mas tiveram especialmente repercussões positivas na redução da
pobreza e no acesso de setores da população tradicionalmente ex-
cluídos dos circuitos do consumo e do crédito. Algumas avaliações
do Plano Real destacaram que o sucesso do programa de estabili-
zação teve efeitos importantes sobre a renda dos mais pobres como
conseqüência do controle da inflação. Esta atua como um imposto
que recai sobre as classes que carecem de mecanismos de defesa,
os mais pobres, de modo que se calcula que o benefício social ob-
tido com o Plano Real tenha tirado da pobreza mais de nove mi-
lhões de pessoas.
Da perspectiva espanhola, o Plano Real teve a virtude de ou-
torgar credibilidade à economia brasileira e recuperar a imagem
que existia de país instável, pouco confiável para os investimentos,
com regras de jogo pouco claras e submetidas ao vaivém das mu-
danças políticas e dos interesses dos grupos de poder econômico.
Teria sido impensável que as grandes empresas espanholas deci-
dissem investir no Brasil se não tivessem existido condições de
estabilidade e um marco político-institucional que garantisse a
segurança jurídica e o cumprimento dos contratos. Por outra parte,
ao implantar-se medidas econômicas com um perfil eminentemen-
te ortodoxo, se punha de manifesto que o Governo brasileiro estava
disposto a caminhar pela senda da economia de mercado. As pos-
sibilidades que se abriam eram imensas para as empresas espa-
nholas, ao existir uma grande demanda por parte dos consumido-
res que não tinha sido satisfeita por aqueles setores da economia
nacional que permaneciam alheios às realidades da concorrência
e que, conseqüentemente, se tinham instalado na ineficiência. Como
exemplo, as solicitações de instalação de uma linha telefônica no

47
GARCÍA MURILLO, Jaime: “El Brasil del Real”, Boletín ICE, nº 2572, 11 a 17 de maio, 1998, pp.66-72.

181
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

Brasil, antes da privatização do setor telefônico, rondavam os três


anos. Além disso, a estabilização dos preços concretizada na ma-
nutenção da inflação anual, em cifras de um só dígito, permitia
calcular de forma racional e planejada as tarifas aplicáveis, as
margens de benefício e, definitivamente, assegurar a remessa de
substanciais lucros às matrizes.
É certo que as boas expectativas criadas pelo Plano Real, e
todas as medidas de acompanhamento que foram aprovadas no pri-
meiro mandato de Cardoso (1995-1998), se viram truncadas pelos
medíocres índices de crescimento econômico registrados – apenas
3% de meia entre 1995 e 1998 -, e pelas dificuldades políticas do
segundo mandato (1999-2002) que impediram a aprovação das
reformas estruturais necessárias (previdência social, fiscal, fun-
ção pública, política), sendo responsáveis do baixo desempenho
econômico registrado48. Em beneficio do Governo de Cardoso e do
Plano Real, devem mencionar-se as turbulências, entre 1994 e 1998
no sistema financeiro internacional que afetaram em cheio à eco-
nomia brasileira49. Primeiro o “efeito tequila” produto da crise
mexicana, em 1994, imediatamente depois do lançamento do Pla-
no Real; em 1997, as crises do Sudeste da Ásia, e seu contágio à
Rússia, em 1998; finalmente, o contágio ao Brasil, que no dia 13
de janeiro de 1999, se viu obrigado a desvalorizar sua moeda, o
Real.
O segundo elemento positivo do processo de abertura econô-
mica e estabilidade foi seu impacto direto na superação de um dos
tradicionais pontos de fricção entre a Espanha e o Brasil: o
desequilíbrio da balança comercial bilateral. A reversão desta ten-
dência pode ser observada já no seguinte ano da implantação do
Plano Real e se consolida em 1997, quando a Espanha exporta ao
Brasil no valor de 1.293 milhões de dólares e importa por um mon-
tante de 1.249 milhões, com uma taxa de cobertura do 103,5 %.
Em 1998 se confirma este quadro na balança comercial bilateral,

48
Ver MUELA, Mariano: “Real 2: la política económica brasileña tras la reelección del presidente Cardoso”,
Boletín económico del ICE, nº 2591, 19 a 25 de outubro, 1998, pp.31-39.
49
Ver CASTRO, Alfredo: “La crisis financiera global y sus efectos en Brasil”, Comercio Exterior, julho, 1999,
pp.718-726.

182
capítulo 4
a intensificação das relações hispano-brasileiras (1979 – 1995):
democracia, integração e estabilidade econômica.

exportando a Espanha 1.304 milhões de dólares contra 1.274 mi-


lhões importados do Brasil. Em 1999 se alcança uma situação de
equilíbrio quase perfeito com 1.266 milhões de dólares em produ-
tos espanhóis exportados e 1.260 milhões importados do Brasil,
refletindo a taxa de cobertura desse ano 100,5%. Em cinco anos, a
taxa de cobertura transita de 39,3% em 1994 a 83% em 1996,
para em 1997, ser favorável à Espanha e negativa para o Brasil50.
Vários fatores concorrem para a configuração deste novo pano-
rama nos intercâmbios comerciais hispano-brasileiros: 1.- a
liberalização do comércio exterior, já iniciada, a partir de 1990, de
forma unilateral no Governo Collor, que foi mantida durante o pri-
meiro mandato de Cardoso mesmo que reduzida no segundo perío-
do como conseqüência da necessidade de medidas de defesa co-
mercial, no contexto da crise econômica desencadeada depois da
crise asiática e a desvalorização do Real. Este esforço liberalizador
concretiza-se na redução da tarifa que passa de 51% em 1987 a
9% no ano 2000; 2.- a implementação, desde 1 de janeiro de 1995,
da Tarifa Exterior Comum do MERCOSUL, que teve como conse-
qüência traçar um perfil diferente de proteção tarifária dentro do
modelo de regionalismo aberto que guiava este processo de
integração sub-regional, com ênfase na liberalização comercial não
só intrazonal, mas também externa; 3.- a evolução das exportações
espanholas, intimamente vinculadas ao bom desempenho do cres-
cimento da economia brasileira. Este argumento ressalta que as
exportações espanholas ao Brasil crescem mais nos anos de maior
crescimento naquele país. Não obstante, 1999, um ano de baixo
crescimento registrou um aumento de 7% na exportação espanho-
la. Este dado se explicaria pelo efeito positivo dos investimentos
diretos espanhóis no Brasil que teriam empurrado a alta das expor-
tações da Espanha elevando a taxa de penetração e compensando a
desvalorização da moeda brasileira51; 4.- a fortaleza da moeda bra-
sileira até janeiro de 1999 combinada com a redução das barreiras

50
Dados do Ministério da Economia e Fazenda. Secretaria de Estado de Comércio.
51
Dados extraídos de DEHESA, Guillermo de la: “Las relaciones económicas entre Brasil y España”, Semi-
nário Brasil-Espanha, IPRI-FUNAG, Rio de Janeiro, 7 de abril de 2000, pp.8-9.

183
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

tarifárias e a abertura comercial implementadas com o objetivo de


reduzir os custos das importações e garantir a estabilidade dos pre-
ços internos, teve impactos negativos sobre o setor exportador do
Brasil e resultados positivos para as importações. Assim, enquanto
entre 1991 e 1999 as exportações brasileiras totais cresciam 52,9
%, as espanholas o faziam quase no dobro. Vários fatores explicam
estas diferenças no crescimento exportador, como o ingresso espa-
nhol na CEE e a ampliação das vendas intrarregionais ou uma po-
lítica mais dinâmica que a brasileira em matéria de comércio exte-
rior, com instrumentos de promoção comercial e facilidades de fi-
nanciamento das operações exportadoras52; 5.- os efeitos de cria-
ção e de desvio de comércio resultado da integração espanhola na
Europa que junto da adoção das políticas comuns, entre todas es-
pecialmente a PAC, repercutiram na tradicional situação da balan-
ça comercial bilateral favorável ao Brasil. O protecionismo comu-
nitário, o grande vilão nas relações econômico-comerciais entre a
UE e a América Latina, é também responsável que muitos produ-
tos brasileiros de alta qualidade e com preços sumamente compe-
titivos não possam ingressar em condições vantajosas no mercado
espanhol e, por conseguinte, possam contribuir às exportações bra-
sileiras na balança bilateral. Não cabe afirmar que os dois efeitos
típicos no âmbito comercial dos processos de integração – criação
e desvio – estejam afetando ao MERCOSUL, principalmente quando
se contemplam os últimos anos caracterizados pela crise do bloco,
a queda no volume de intercâmbios intrarregionais e as constantes
exceções introduzidas ao livre comércio. Em conseqüência, o co-
mércio hispano-brasileiro não se viu prejudicado pela criação do
MERCOSUL e segundo afirma GARCÍA-MURILLO, todos os paí-
ses desenvolvidos se beneficiaram do processo de abertura e refor-
mas da economia brasileira, incluindo a Espanha53.
O terceiro elemento que põe em manifesto a existência de uma
nova realidade nas relações econômicas hispano-brasileiras foi a

52
GARCÍA MUÑOZ, Dércio: “Economia Brasileira. As lições que vem da Espanha”, Seminario Brasil-
Espanha, IPRI-FUNAG, Río de Janeiro, 7 de abril de 2000, pp.8-10
53
GARCÍA MURILLO, Jaime: “El Brasil del Real”, Boletín económico del ICE, nº 2572, 11 a 17 de maio,
1998, pág. 72.

184
capítulo 4
a intensificação das relações hispano-brasileiras (1979 – 1995):
democracia, integração e estabilidade econômica.

chegada em massa de investimentos espanhóis ao Brasil favorecidas


por um programa de privatizações e concessões que os Governos
brasileiros implantaram a partir de 1990. É certo que o processo
privatizador foi iniciado pelo presidente Collor em 1991, mesmo
que restringido a certos setores da economia nacional, especial-
mente o industrial (siderúrgica e petroquímica), mas alcançou seu
ponto culminante a partir de 1995 com a chegada de Cardoso ao
poder. O Programa Nacional de Desestatização (PND) afetou, en-
tre 1991 e 1994, a trinta e três empresas estatais pertencentes ao
setor industrial e teve sua continuidade nos anos seguintes como
parte de uma estratégia de ajuste estrutural das contas públicas e
de reestruturação do setor produtivo brasileiro. Como resultado se
operou uma importante transferência de atividades estatais à ini-
ciativa privada54.
O programa de privatização do Governo Cardoso foi central para
o amplo projeto de reforma do Estado brasileiro. Perseguiu-se cor-
rigir o desequilíbrio fiscal, reduzir a dívida pública, aumentar a
efetividade das atividades governamentais no setor social, estimu-
lar a modernização e a reestruturação do setor industrial e, final-
mente, fortalecer os mercados de capitais55. No entanto, no campo
das reformas legais necessárias para poder aprofundar no processo
ficava muito por fazer. O principal obstáculo de caráter jurídico-
legal que devia enfrentar Cardoso era sortear as disposições da
Constituição de 1988, que consagravam a participação do Estado
como protagonista e motor da atividade econômica nacional, asse-
guravam seu papel de agente normativo e regulador estimulando e
planejando a economia, estabeleciam férreas regras para a partici-
pação do capital estrangeiro no Brasil e determinavam a existência
de setores exclusivos monopólio da União.56
Graças ao apoio de uma ampla coligação política de sustenta-
ção que formava a base do Governo no Congresso Nacional, a par-
tir de agosto de 1995, foram aprovadas uma série de emendas cons-
titucionais que flexibilizavam os monopólios estatais permitindo a

54
Presidência da República: 5 años del Real. Estabilidad y Desarrollo, Brasília, 1999, pág.38.
55
IRELA: The privatization process in Brazil, Madri, novembro, 1995, pág. 10.
56
Constituição da República Federativa do Brasil, Brasília, 1988, Título VII.

185
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

participação de empresas privadas nos serviços de distribuição e


exploração de recursos naturais, modificando as regras para a con-
sideração da condição de empresa brasileira. Em adiante qualquer
empresa instalada no país, independentemente da origem do capi-
tal, teria os mesmos direitos. Se punha fim às reservas de mercado
para empresas nacionais. O Governo FHC ampliou o espectro das
privatizações ao anunciar, em 1995, a venda de ativos de compa-
nhias produtoras de energia elétrica e a privatização de um ícone
do nacional-desenvolvimentismo, a companhia minerária do Vale
do Rio Doce. Por outro lado, se anunciava a decisão de acabar com
os monopólios do setor público no campo da infra-estrutura, tele-
comunicações e setor financeiro. Esta ampliação do âmbito das
privatizações não se restringiu a novos setores, mas se propagou
também ao âmbito dos Governos estatais que desenvolveram
seus próprios programas de privatização. O fator determinante
para a expansão das privatizações residia no papel desempe-
nhado pelo PND na sustentação do Plano Real. As privatizações
eram concebidas como elementos determinantes para a redu-
ção do déficit fiscal devido à geração de três tipos de ganhos
acumulativos: a arrecadação obtida com a venda de empresas
estatais e concessões; o estancamento daqueles recursos do or-
çamento que se dirigiam ao financiamento das dívidas das em-
presas estatais; o aumento significativo dos impostos recolhi-
dos pelas empresas privatizadas57.
As grandes empresas espanholas souberam aproveitar as
oportunidades surgidas com o programa de privatizações do
Governo de Cardoso, sendo a Telefônica, em 1996, a primeira a
inaugurar a comprida lista de corporações de capital espanhol
que se instalariam no Brasil e levariam a Espanha a ocupar, no
ano 2000, o primeiro lugar entre os investidores mundiais no
país, com 22,8% do total de investimentos. Um ano antes, a
Espanha ocupava o vigésimo lugar com investimentos totais de
250 milhões de dólares e uma porcentagem ínfima no total dos
investimentos de 0,6%.

57
Ver NASSIF, Luis: “Política macroeconômica e ajuste fiscal”, em LAMOUNIER, B. e FIGUEIREDO,
R.(Orgs.): A era FHC, um balanço, São Paulo, Cultura editores, 2002, pp.50-53

186
capítulo 4
a intensificação das relações hispano-brasileiras (1979 – 1995):
democracia, integração e estabilidade econômica.

4.2.- As relações políticas: dos militares à redemocratização.


No terreno das relações políticas, o último governo militar
do Brasil foi extremamente cauteloso em suas relações com a
nascente Espanha democrática. O retorno à democracia no Brasil
favoreceu, sem dúvida, o bom estado geral das relações políti-
cas bilaterais, estabelecendo novos canais de cooperação que
se beneficiaram das coincidências na forma democrática de
governo e do influxo do processo de transição espanhol. Os vai-
vens da vida política brasileira com o impeachment de Collor,
em 1992, e o período de interinidade na Presidência da Repú-
blica, assumida por Itamar Franco, supuseram um parêntese no
impulso que as relações hispano-brasileiras tinham tomado com
a volta da democracia, como conseqüência da concentração do
país na conturbada situação política interna.
As relações políticas bilaterais seguiram caracterizadas
pela habitual cordialidade e por maiores índices de aproxi-
mação nas respectivas visões de mundo e das relações in-
ternacionais. No terreno das realizações concretas, a
Espanha e o Brasil assinaram acordos relevantes em todos
os âmbitos cobertos pelas relações bilaterais,
destacadamente o Tratado Geral de Cooperação e Amizade.
As visitas ao mais alto nível foram freqüentes, com alguns
momentos de grande significação simbólica como a visita
do Rei da Espanha ao Brasil, em 1983, a primeira de um
monarca espanhol ao país, ou a visita de Figueiredo à
Espanha nos últimos estertores da ditadura militar, em 1984,
quase trinta anos depois da histórica visita de Juscelino
Kubitschek. No âmbito político multilateral, os dois países
coincidiram em suas perspectivas sobre a evolução do siste-
ma internacional e passaram a cooperar estreitamente nos
níveis multilateral mundial (ONU), multilateral regional
(Comunidade Ibero-americana de Nações) e multilateral
inter-regional (UE e MERCOSUL). Definitivamente, umas
relações políticas caracterizadas pela preeminência da di-
mensão cooperativa frente à conflitiva, transladando-se os
pontos de fricção ao âmbito das relações econômico-comer-
ciais.

187
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

O último governo militar e as relações com a Espanha (1979


– 1984)
A chegada ao Brasil do primeiro presidente espanhol que visi-
tava o país, Adolfo Suárez, esteve desde o primeiro momento estig-
matizada pelo caráter de alto simbolismo político que sua figura,
como artífice da transição à democracia, representava. O Governo
brasileiro não era alheio a esta circunstância e se esmerou por di-
minuir o possível impacto que o exemplo espanhol pudesse ter na
vida política nacional. Para o Itamaraty, a chegada ao poder do
primeiro Governo constitucional da Espanha depois da morte de
Franco, não alterava a atmosfera de cordialidade e simpatia que
reinava nas relações político-diplomáticas hispano-brasileiras, in-
troduzindo pelo contrário modificações positivas a respeito da óptica
franquista, como resultado do interesse do Governo de Suárez em
destacar a posição e importância do Brasil na América Latina e a
necessidade de sua inclusão na política de aproximação espanhola
para Iberoamérica58.
Para os militares a visita de Suárez, no dia 6 de agosto de 1979,
não podia ser mais inoportuna, pois coincidia com o debate e apro-
vação no Congresso de uma lei de anistia consentida, mas que se
temia que abrisse a caixa de Pandora dos ventos democratizadores.
Os aspectos econômicos da visita foram realçados pelo Itamaraty,
mas a carga política da presença de Suárez refletiu-se em frases
diplomáticas cuidadosamente calculadas, assim como na ampla
cobertura da visita oferecida pela imprensa brasileira. Em uma
entrevista coletiva concedida horas antes do embarque de Suárez
para o Rio, os correspondentes brasileiros assinalaram a preocu-
pação do presidente espanhol pelas repercussões de sua visita na
vida política interna brasileira. Colocava-se em manifesto a exis-
tência de problemas comuns já que os dois países se encontravam,
mesmo que em fases diferentes, no mesmo caminho que conduzia
do autoritarismo à instituições democráticas abertas59.
A ênfase que os meios colocavam em destacar a afinidade en-

58
Viagens e visitas de personalidades, relatório especial, 1979, AHIB, pasta 400 (F4) (B 46).
59
“Brasil-Espanha, pesca na mira”, Visão, 6 de agosto de 1979, pág.22.

188
capítulo 4
a intensificação das relações hispano-brasileiras (1979 – 1995):
democracia, integração e estabilidade econômica.

tre Suárez e Figueiredo para dirigir com segurança o processo de


redemocratização nos seus respectivos países, produziu uma rea-
ção adversa em setores oficiais de Brasília. Isso obrigou à diplo-
macia espanhola a medir as palavras empregadas nos discursos de
modo que não se interpretasse qualquer frase de Suárez como uma
resposta às declarações do Chanceler brasileiro quando afirmava
que “o processo democratizador brasileiro é endógeno e não de-
pende de exemplos estrangeiros”60.
Nos discursos de boas-vindas, as primeiras frases de Figueiredo
estiveram dirigidas a louvar o papel de Suárez “com reconhecida
vocação de liderança, talento e valentia como condutor de um pro-
cesso político democrático particularmente fértil” e a destacar o
importante passo que supunha a visita para o desenvolvimento das
tradicionais relações de amizade entre o Brasil e a Espanha,
marcadas pela boa vontade e a simpatia recíproca61. Suárez, por
sua vez, preferiu concentrar seu discurso na situação das relações
bilaterais aludindo às circunstâncias que impediram que a natural
vocação de coincidência entre a Espanha e o Brasil se traduzisse
em contatos freqüentes. Sublinhou também a dimensão econômica
de sua visita, sem mencionar nem uma só vez a palavra “democra-
cia”62.
Foi no âmbito da sociedade civil onde os encontros de Suárez
com líderes da oposição democrática, com representantes da Igre-
ja Católica brasileira e com empresários se caracterizaram por um
denominador comum: a explicação da abertura na Espanha e a tran-
sição da ditadura franquista para a democracia. Especialmente
relevantes foram os contatos com a comunidade de negócios de
São Paulo, que elogiou o exemplo espanhol, pois reconhecia o pa-
pel da iniciativa privada, sua atuação política e sua participação
nas decisões econômicas63. Igualmente simbólica, com a perspec-

60
“Etapa delicada começa hoje”, Jornal do Brasil, 6 de agosto de 1979.
61
Discurso do presidente João Figueiredo por ocasião do jantar oferecido ao chefe do Governo espanhol,
Palácio do Itamaraty, Brasília, 6 de agosto de 1979.
62
Discurso do presidente do Governo espanhol, Adolfo Suárez, por ocasião do jantar oferecido pelo presiden-
te Figueiredo, Palácio do Itamaraty, Brasília, 6 de agosto de 1979.
63
“Democracia foi tema da conversa com empresario”, Jornal do Brasil, 9 de agosto de 1979.

189
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

tiva que outorga sua chegada ao poder vinte e quatro anos depois,
foi a entrevista mantida com Lula que quis saber da situação do
movimento sindical na Espanha e do alcance e repercussão da anis-
tia concedida, solicitando a Suárez que transmitisse às centrais
sindicais espanholas suas reivindicações.
A visita de Suárez foi certamente funcional ao objeto de impul-
sionar as relações políticas hispano-brasileiras. Um primeiro re-
sultado concreto foi a assinatura, no dia 7 de agosto de 1979, de
um acordo que estabelecia um mecanismo de consulta ao mais alto
nível em cujas reuniões se examinariam assuntos da situação in-
ternacional e do conjunto das relações dos dois países nos campos
político, econômico, social e de cooperação. Outro benefício im-
portante, conseqüência direta da visita, foi a reativação da Comis-
são Mista Brasil-Espanha paralisada desde 1976 que voltou a reu-
nir-se em setembro de 1979. Esta Comissão, criada em 1974, ti-
nha por finalidade estudar todos os setores da cooperação e dos
intercâmbios hispano-brasileiros constituindo-se em fórum de alto
nível para desenvolver e aperfeiçoar as relações bilaterais. Orga-
nizada em três subcomissões – Intercâmbio econômico, comercial
e financeiro; Cooperação cultural; Cooperação científica e técnica
– a Comissão Mista atualizou questões da agenda bilateral que não
se adequavam mais à realidade existente, estabelecendo novos te-
mas e hierarquizando prioridades que presidiriam as relações bi-
laterais na década seguinte. O perfil geral dos temas abordados
configurou um padrão de relações que, a falta de coincidência nos
regimes políticos, foi maximizado na dimensão econômico-comer-
cial e cooperativa, na medida em que estas questões serviam ao
objetivo de propiciar o desenvolvimento e o cumprimento das me-
tas econômicas dos dois países. Os obstáculos em comum que en-
torpeciam a fluência das relações comerciais, a identificação dos
setores mais favoráveis para a criação de novas linhas de coopera-
ção e a renovação dos instrumentos vigentes nas relações culturais
e científicas foram alguns dos resultados mais evidentes desta nova
etapa das relações entre o Brasil e a Espanha, inaugurada com a
simbólica e histórica visita de Suárez64.

64
Uma pormenorizada descrição dos acordos alcançados na III Comissão Mista na “Ata final da III Reunião
da Comissão Mista Brasil-Espanha”, Brasília, 21 de setembro de 1979, Resenha de Política Exterior do
Brasil, MRE, nº 22, julho-agosto-setembro, 1979, pp.151-159.

190
capítulo 4
a intensificação das relações hispano-brasileiras (1979 – 1995):
democracia, integração e estabilidade econômica.

Entre os temas da agenda hispano-brasileira abordados duran-


te a visita destacava a ênfase em questões multilaterais (Diálogo
Norte Sul, Detente, SALT-II, Desarmamento e Direito do Mar) e as
relações com terceiros países ou blocos, que incluíam as relações
da Espanha com a CEE, Portugal, América Latina e o Mundo Ára-
be65. No âmbito político multilateral mundial, a Espanha solicitou
um ano depois o apoio do Brasil para ocupar um posto não perma-
nente no Conselho de Segurança no biênio 1981-1982. O Chanceler
Saraiva Guerreiro, informou ao ministro espanhol de Relações Ex-
teriores, Pérez Llorca, que a delegação do Brasil tinha sido instru-
ída para votar na Espanha66.
Entre 1979 e 1983, as relações bilaterais em sua dimensão
política discorreram em ambiente de tranqulidade, apenas amea-
çado pela extensão ao âmbito comercial do conflito do café. Alguns
setores da sociedade civil espanhola especialmente comprometi-
dos com a defesa das liberdades e o respeito dos direitos humanos
protestaram com veemência os julgamentos celebrados, em 1981,
contra Luiz Inácio Lula da Silva e doze companheiros metalúrgicos.
O sindicato espanhol da União Geral de Trabalhadores convocou
atos de protesto frente à Embaixada do Brasil em Madri e manifes-
tou, através de um comunicado divulgado na imprensa e entregue
ao embaixador brasileiro, sua condenação e repulsa ante a repres-
são exercida pelo Governo de Figueiredo contra os companheiros
sindicalistas brasileiros 67. A mudança política produzida na
Espanha, por causa das eleições gerais de 1982 com a vitória do
PSOE, não supôs nenhum tipo de soçobra nas relações hispano-
brasileiras. A imprensa do Brasil, que seguia de perto as eleições,
tinha conseguido transmitir à sociedade brasileira a natureza da
mudança operada e o caminho para a social-democracia empreen-
dido pelo PSOE. Deve destacar-se que as relações bilaterais, entre
1980 e 1982, se haviam ressentido pela concentração de cada país
nos seus assuntos internos: o Brasil preocupado pelo seu processo

65
Ofício confidencial do MRE para a Embaixada do Brasil em Madri, 17 de julho de 1979, AHIB.
66
Carta de J.P. Pérez Llorca para Ramiro Saraiva, Madri, 15 de setembro de 1980, AHIB, caixa 221; Carta de
Saraiva Guerreiro para J.P. Pérez Llorca, Brasília, 14 de outubro de 1980, AHIB, caixa 221.
67
Ofício confidencial, Embaixada do Brasil em Madri para SERE, 1 de setembro 1981, AHIB, caixa 234.

191
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

de transição político e por um agudo surto hiperinflacionário no


contexto de uma gravíssima crise econômica que tinha levado à
moratória do pagamento da dívida; a Espanha, assimilando as trans-
formações que a chegada do PSOE ao poder faziam supor e, na
frente externa, envolvida em um árduo processo de negociação para
ingressar na CEE.
A visita do Rei da Espanha ao Brasil, entre os dias 14 e 20 de
maio de 1983, foi fundamental para reativar e manter acesa a apro-
ximação hispano-brasileira em um momento em que as relações se
ressentiam das difíceis conjunturas internas. Até a visita real ao
Brasil, as relações político-diplomáticas tinham movimentado-se
em um nível de pouca intensidade. Essa viagem serviu para relançar
as relações bilaterais e constituiu a prova que, pela parte espanho-
la, se começava a desenhar e implementar uma política efetiva
para o Brasil68. Para o Itamaraty, a visita do Rei supunha a confir-
mação da decisão do Governo espanhol de reforçar e dinamizar as
relações com o Brasil. Neste sentido, pode-se confirmar a hipótese
apontada anteriormente, sobre a importância da experiência
democratizadora espanhola e da abertura brasileira como um dos
fatores explicativos das novas bases das relações hispano-bra-
sileiras. A impressionante cobertura da mídia69, a intensidade
dos discursos de boas-vindas das autoridades 70 ou as vibrantes
palavras 71 dos parlamentares e políticos da oposição nos encon-
tros com os Reis, elogiando a transição espanhola, assim como o
caloroso acolhimento do povo foram sintomas claros da relevância
que iam adquirindo as relações hispano-brasileiras.
A chegada do Rei acontecia também em um contexto político
bastante diferente do achado por Suárez quatro anos antes. O pro-

68
ARENAL, C. del e NÁJERA, A.: La Comunidad Iberoamericana de Naciones, Madri, CEDEAL, 1992,
pag.265.
69
“Diante do rei, a Câmara pede diretas”, Folha de São Paulo, 18 de maio de 1983; “Espanha e Brasil:
destinos convergentes”, Jornal de Brasília, 8 de maio de 1983; “Não desperdicemos a passagem do rei”,
Correio Braziliense, 12 de maio de 1983; “Juan Carlos, um dos nossos”, Correio Braziliense, 14 de maio de
1983; “Simples, descontraido, surpreendente”, O Estado de São Paulo, 15 de maio de 1983; “O Roteiro da
Espanha rumo a democratização”, Correio Braziliense, 14 de maio de 1983; “Visita será um marco importan-
te”, Correio Braziliense, 15 de maio de 1983; “Rei da Espanha cumprimenta o povo nas ruas de Salvador”,
Jornal do Brasil, 16 de maio de 1983.
70
Discurso do presidente João Baptista Figueiredo, 16 de maio de 1983, por ocasião do jantar oferecido ao rei
espanhol, Resenha de Política Exterior do Brasil, nº 37, abril-maio-junho, 1983, pág. 25.

192
capítulo 4
a intensificação das relações hispano-brasileiras (1979 – 1995):
democracia, integração e estabilidade econômica.

cesso de democratização tinha avançado visivelmente e no hori-


zonte se observavam sinais esperançosas de retorno à normalidade
democrática, graças ao impacto que tiveram na vida política naci-
onal as eleições de novembro de 1982 e o lançamento pelo Partido
dos Trabalhadores (PT), com a posterior adesão de outros partidos,
em 1983, da campanha “Diretas-Já”. Como resultados de sua visi-
ta no âmbito político pode assinalar-se a proliferação dos contatos
bilaterais e a corrente de simpatia e admiração originada em rela-
ção a Espanha e seu processo político que fortaleceram os laços já
existentes entre os dois países. O editorial do Jornal do Brasil é
uma boa amostra dos sucessos da visita ao traçar a existência de
destinos convergentes entre o Brasil e a Espanha:

“O verdadeiro sentido da visita do Rei ao Brasil (...) é a verificação


da desilusão das nações com as formas autoritárias de governo (...) a
Espanha e o Brasil já chegaram nessa conclusão através de experiências
muito diferentes (...) em comum viveram a circunstância de haver
esgotado ciclos próprios de regimes de força e também de procurar a
saída através de uma democracia a realizar-se em um prazo elástico
para evitar tensões”.72

No terreno das relações da Espanha com a América Latina, a


visita do Rei teve também a finalidade de marcar uma nova pre-
sença espanhola na região. Ao respeito, é pertinente lembrar que,
como sustenta ARENAL, na tarefa de reformulação e reorientação
da política ibero-americana da Espanha coube ao Rei da Espanha,
Juan Carlos I, um papel destacado, em concordância com o estabe-
lecido no artigo 56.1 da Constituição espanhola73. Diferentemente
de épocas anteriores nas quais a retórica era a marca da política
externa da Espanha, o Itamaraty considerava que o Governo socia-
lista tinha firmes propósitos de concretizar suas relações com a

71
Discursos do presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado Federal, senador Luiz Viana Filho,
do primeiro secretário da Câmara dos Deputados, deputado Fernando Lyra, do presidente do Congresso Naci-
onal, senador Nilo Coelho, 17 de maio de 1983, por ocasião da sessão de homenagem na sessão solene do
Congresso Nacional aos Reis da Espanha, Resenha de Política Exterior do Brasil, nº 37, abril-maio-junho de
1987, pp.30-38.
72
“Destinos convergentes”, Jornal de Brasília, 18 de maio de 1983.
73
ARENAL, Celestino del: “La política iberoamericana de los gobiernos socialistas”, Cursos de Derecho
Internacional y Relaciones Internacionales de Vitoria, Bilbao, UPV/Tecnos, 1993, pág.171.

193
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

América Latina nos campos da cooperação política, econômica e


cultural, de acordo à vocação ibero-americana proclamada nos seus
discursos pelo Rei Juan Carlos. Nesta perspectiva, a visita ao Bra-
sil fazia parte da ofensiva da política externa socialista para reafir-
mar a presença espanhola no continente latino-americano, inaugu-
rando a participação do Chefe de Estado na ação exterior e direta
da Espanha no mundo ibero-americano. Entre os temas presentes
na agenda oficial espanhola, sobressaía o objetivo de conseguir a
participação brasileira na Conferência Ibero-americana de Comis-
sões Nacionais para a comemoração do V Centenário.
A avaliação que realizava a diplomacia brasileira da visita
recalcava a diferença de orientação ideológica entre os dois Gover-
nos – apesar da coincidência na visão da conjuntura mundial - o
que não impedia a existência de um amplo espaço para o desenvol-
vimento dos entendimentos bilaterais. Se alertava também sobre a
permanência de vícios de épocas pretéritas na ação externa de
Madri, como a manutenção nos discursos oficiais do “iberismo”
brasileiro de raiz hispânica – e não portuguesa como se reclamava
desde Brasília -, ou o tom paternalista com o qual a Espanha dava
lições de democracia aos países da América Central, em uma ati-
tude que diferia substancialmente da postura brasileira 74.
Se no terreno estritamente bilateral, as coincidências entre o
Brasil e a Espanha eram frequentes, no âmbito das relações da
Espanha para a América Latina parecia inegável a existência de
diferenças de fundo e de forma. Só o esforço redobrado da Espanha
nos anos seguintes, no marco das comemorações do V Centenário
do descobrimento, e a percepção cada vez mais nítida desde ins-
tâncias oficiais brasileiras que se deviam aproveitar as oportuni-
dades da pujança econômica espanhola conseguiram despejar os
receios históricos que suscitava a ação exterior da Espanha na
América Latina.
O último episódio relevante para as relações políticas hispano-
brasileiras, no trecho final da ditadura militar, foi a visita oficial do
presidente Figueiredo à Espanha, os dias 12 e 13 de abril de 1984,

74
“Avaliação da visita”, Relatório Visita do Rei da Espanha, AHIB, 1983, caixa 05.

194
capítulo 4
a intensificação das relações hispano-brasileiras (1979 – 1995):
democracia, integração e estabilidade econômica.

resultado do convite realizado pelo Rei Juan Carlos em sua visita


ao Brasil. Mesmo que a visita fosse qualificada com um caráter
eminentemente econômico e comercial, a significação dos encon-
tros realizados e sua contextualização no conjunto das transforma-
ções pelas quais atravessava o Brasil lhe conferia um aspecto alta-
mente político. A visita ocorria pouco depois de um mal-entendido
diplomático, ao excluir o Governo espanhol ao representante bra-
sileiro de uma recepção oferecida aos chefes das missões de gover-
nos democráticos na Embaixada da Espanha em Buenos Aires, uma
vez finalizada a cerimônia de tomada de posse de Raúl Alfonsín,
em dezembro de 1983. Na perspectiva do Governo socialista esta
discriminação respondia claramente à diferenciação no tratamen-
to e intensidade nas relações estabelecidas com regimes autoritá-
rios que violassem os direitos humanos75. Finalmente, a situação
foi reconduzida habilmente pelas respectivas diplomacias para
evitar que pudesse prejudicar os planos da visita de Figueiredo.
Da Embaixada da Espanha em Brasília, chamava-se a atenção
para o fato de que a visita do presidente do Brasil ocorresse menos
de um ano depois da efetuada pelo Rei, um dado significativo do
interesse mútuo em estreitar ao máximo as relações bilaterais76.
Os meios de comunicação brasileiros mostravam à opinião pública
a Espanha que Figueiredo encontraria. Um país diferente, gover-
nado pelo PSOE, capitaneado por um líder carismático, a ponto de
ingressar na CEE e em pleno processo de modernização social e
econômica77. Na Espanha também se prestava atenção aos desen-
volvimentos da política brasileira com especial destaque para a
situação do processo de democratização, a mobilização social em
apoio da campanha “Diretas-Já”, a lei de anistia, o retorno dos
exilados e os resultados das eleições nos estados regionais com a
vitória dos candidatos da oposição ao regime militar.78
A visita perseguia várias finalidades além da principal, isto é,

75
Ver ARENAL, C.: “La política iberoamericana de los gobiernos socialistas”, em Cursos de Derecho Interna-
cional y Relaciones Internacionales de Vitoria-Gastéiz, Bilbao, UPV/Tecnos, 1993, pág.181.
76
“Declarações do embaixador da Espanha, Miguel de Aldasoro”, Jornal do Brasil, 8 de abril de 1984.
77
CHACON, Vamireh: “O Brasil e a nova Espanha”, Correio Brasiliense, 1 de abril de 1984.
78
“El presidente brasileño llega hoy a España”, El País, 11 de abril de 1984.

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As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

da intensificação das relações bilaterais. Era importante mostrar à


Espanha, e aos países da Europa Ocidental, que o retorno à demo-
cracia no Brasil era irreversível, sem que houvesse perigo de retro-
cesso já que o processo se inscrevia no quadro mais amplo da afir-
mação democrática da América Latina e na necessidade de dotar
ao país de um marco institucional estável e sólido que respondesse
à dinâmica de uma sociedade jovem. No cálculo político da visita,
a diplomacia brasileira esperava obter ganhos em termos de pres-
tígio para o Brasil, pois o sucesso da transição democrática, o pres-
tígio do Rei e a chegada de Felipe González ao poder, tinham con-
ferido à Espanha um perfil internacional destacado. Ao ser recebi-
do Figueiredo nessas circunstâncias, se podia interpretar que a
jovem democracia espanhola assegurava o processo brasileiro frente
à comunidade internacional. Mesmo que no aspecto político o cli-
ma existente na Espanha para a visita fosse o habitual, conforme à
tradicional cordialidade destas relações, alguns meios destacaram
que as autoridades brasileiras não encontrariam um ambiente
favorecedor para as negociações com o Governo espanhol. Uma
série de indicadores pareciam confirmar estas impressões. Em pri-
meiro lugar, a visita não tinha contado com muito entusiasmo em
Madri dado que no processo de fixação da data para sua realização
as duas diplomacias tiveram opiniões encontradas. Em segundo
lugar, no campo econômico, a tensão era a nota dominante raiando
na hostilidade, pois a situação do comércio bilateral tinha chegado
a ser insustentável com um desequilíbrio de um a doze contrário às
exportações espanholas. Em terceiro lugar, a política desdobrada
pelos Governos socialistas na América Latina alimentava os recei-
os brasileiros que viam aumentar a presença da diplomacia espa-
nhola em áreas em conflito, principalmente, na América Central79.
O programa oficial de Figueiredo em Madri incluía um encon-
tro com os Reis da Espanha, um discurso no Senado reunido em
sessão solene, conversas com Felipe González e sua equipe de go-
verno e outros atos protocolares. Em todos eles, Figueiredo reali-
zou menções ao esforço do Governo brasileiro na busca de cami-

79
“Espanhóis atentos à política brasileira”, Folha de São Paulo, 11 de abril de 1984.

196
capítulo 4
a intensificação das relações hispano-brasileiras (1979 – 1995):
democracia, integração e estabilidade econômica.

nhos seguros que levassem à plena expansão democrática e à visão


compartilhada com a Espanha, dos problemas internacionais, es-
pecialmente os conflitos, que ameaçavam a segurança internacio-
nal em áreas como a América Central, com a que os dois países
estavam comprometidos na busca de soluções pacíficas80. No âm-
bito dos resultados concretos, se assinou um protocolo para a am-
pliação do intercâmbio comercial fruto de intensas negociações
realizadas desde 1983.
Um balanço das relações hispano-brasileiras nos anos da tran-
sição à democracia no Brasil, desde 1979 até 1984, arroja luzes e
projeta sombras que vão estar presentes nas relações bilaterais na
década seguinte. Entre os aspectos positivos caberia apontar a au-
sência de conflitos políticos, a existência de uma simpatia estrutu-
ral e de grandes afinidades entre as sociedades e o estreitamento
dos contatos como resultado de uma agenda de visitas que levou à
intensificação dos encontros ao mais alto nível. Em conseqüência,
se criou uma corrente de comunicação que permitiu o avanço na
busca de soluções aos problemas mais relevantes das relações bi-
laterais. Um panorama a primeira vista tão idílico não deve induzir
a ignorar a existência de tensões latentes entre os dois países, pon-
tos de fricção às vezes não explicitados nos encontros e visitas,
mas que podem observar-se nos documentos diplomáticos, pelo
menos desde o lado brasileiro. Entre todos, a política da Espanha
para a América Latina e os desenvolvimentos das negociações para
o ingresso na CEE ocupavam um lugar relevante pelas reservas
que levantavam na diplomacia do Itamaraty – a concorrência es-
panhola em termos de liderança na região - e pelas repercussões
que se aventuravam para o comércio exterior brasileiro. A coinci-
dência nos regimes políticos, uma realidade a partir de 1985, será
um fator decisivo para uma maior aproximação bilateral. Todos es-
tes elementos, junto da emergência de novas perspectivas nas rela-

80
“Figueiredo na Espanha: Brasil quer dialogar em bases construtivas”, Resenha de política exterior do
Brasil, Brasília, nº 41, abril/maio/junho,1984, pp.13-15; “Senado espanhol homenageia o Presidente João
Figueiredo”, Resenha de política exterior do Brasil, Brasília, nº 41, abril/maio/junho,1984, pp.15-16; “Pre-
sidente Figueiredo: expandir e dinamizar o intercâmbio entre Brasil e Espanha”, Resenha de política exterior
do Brasil, Brasília, nº 41, abril/maio/junho,1984, pp.16-17; “Figueiredo é recebido na prefeitura de Madri”,
Resenha de política exterior do Brasil, Brasília, nº 41, abril/maio/junho,1984, pp.17-18.

197
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

ções econômicas hispano-brasileiras, vão confluir na década de


noventa, inaugurando uma etapa diferente nas relações bilaterais.
Como resultado se forjará uma relação privilegiada entre a Espanha
e o Brasil caracterizada pelo trânsito de relações retóricas a outras
marcadas pelas realizações efetivas.

Os governos democráticos da Nova R epública e as relações


República
com a Espanha (1985 – 1989)
As relações bilaterais estarão, nestes anos, condicionadas pelo
retorno da democracia ao Brasil. A dimensão política se imporá,
em um primeiro momento, à econômica, mas se produzirão sinais
indicativas do surgimento de novas modalidades de cooperação e
de perspectivas de um grande salto qualitativo nas relações hispano
- brasileiras. No terreno das visitas de Chefes de Estado e de Go-
verno e de altas personalidades, destacam as realizadas por Tancredo
Neves, Francisco Fernández Ordóñez e Felipe González. A breve
visita do presidente eleito Tancredo Neves a Espanha, no dia 30 de
janeiro de 1985, terá um grande significado simbólico por ser a
primeira realizada por um presidente civil depois de vinte anos de
ditadura militar. Seu sentido foi indicado pelo próprio Neves: “Vim
aqui para testemunhar que o Brasil também chegou na democra-
cia”81. A visita foi interpretada como uma clara manifestação do
desejo do Brasil em manter vínculos especiais com a democracia
espanhola, cuja experiência de transição política seria útil para os
projetos do novo governante brasileiro. Entre todos os aspectos do
processo espanhol, Neves mostrou especial interesse por conhecer
o conteúdo dos Pactos da Moncloa, mesmo assinalando que as
situações sócio-econômicas do Brasil e a Espanha eram diferen-
tes82. Novamente, surgia o fundo profundamente político da visita
e os ecos da experiência democratizadora espanhola se fizeram
escutar na imprensa brasileira que acompanhava o desenvolvimento
da turnê presidencial83.

81
Palavras de Tancredo Neves ao deixar o gabinete de F. González, Jornal da Tarde, 31 de janeiro de 1985
82
"Espanha colaborará com o Brasil democrático”, Jornal de Brasília, 27 de janeiro de 1985; “González
entrega a Neves un ejemplar de los pactos de la Moncloa”, El País, 31 de janeiro de 1985.
83
CHACON, Vamireh: “Tancredo e a Espanha”, Correio Braziliense, 19 de fevereiro de 1985;

198
capítulo 4
a intensificação das relações hispano-brasileiras (1979 – 1995):
democracia, integração e estabilidade econômica.

As trágicas circunstâncias da morte de Tancredo, no dia 21 de


abril de 1985, sem que pudesse assumir seu cargo de presidente
da República, contribuíram para engrandecer sua figura e elevá-la
à categoria de mito na defesa da democracia. Dois anos depois, na
visita que realizou ao Brasil, Felipe González glosou em um emotivo
discurso ante a Assembléia Constituinte, a clara visão política de
Neves lembrando suas próprias palavras: “É hora de edificar um
Estado que sirva à plena maturidade de nosso povo. Não deve ser
um Estado que as elites outorguem à Nação, em um ato orgulhoso
de poder, mas que surja da consciência coletiva”84.
A nova fase aberta na vida política brasileira pela tomada de
posse do vice-presidente José Sarney suporá o aprofundamento na
via democrática empreendida e a superação dos obstáculos políti-
cos existentes para o funcionamento da nova República. O passo
mais ambicioso consistia em elaborar uma Constituição democrá-
tica que reunisse a vontade nacional e conciliasse os pontos de
vista enfrentados dos diferentes grupos políticos, sociais e econô-
micos representados na Assembléia Constituinte. As eleições de
novembro de 1986 arrojaram resultados favoráveis aos partidos
situados no centro direita do espectro político brasileiro, PMDB e
PFL, que tiveram maioria absoluta na Assembléia Nacional Cons-
tituinte que começou a reunir-se no dia 1 de fevereiro de 1987.
Um ano antes, o presidente Sarney tinha lançado o Plano Cruzado,
uma tentativa de conter a inflação e reverter o agudo quadro de
crise econômica no qual o país estava submerso. Neste contexto
aconteceu, no dia 7 de abril de 1987, a visita ao Brasil do ministro
de Assuntos Exteriores, Fernández Ordóñez, cuja principal missão
foi preparar o terreno para a turnê presidencial de Felipe González.
Estas duas visitas revelaram a ofensiva espanhola para reto-
mar com intensidade as relações bilaterais no contexto dos esfor-
ços por atrair o Brasil às comemorações do Quinto Centenário da
Descoberta da América e por reduzir, definitivamente, o drástico
déficit comercial que ameaçava, agora sim, em prejudicar seria-

84
Discurso do presidente do Governo ante a Assembléia Constituinte, Brasília, 16 de junho de 1987, Ativida-
des, textos e documentos da política externa espanhola, Madri, MAE/OID,1987, pp.135-138.

199
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

mente as relações bilaterais. Nesse sentido, as visitas ao Brasil de


Fernández Ordóñez e de González, tiveram desde a perspectiva es-
panhola o objetivo principal de iniciar uma estratégia para equili-
brar a balança comercial bilateral e explorar as possibilidades in-
vestidoras espanholas, que despregavam timidamente nesses anos.
Este último aspecto se mostrou crucial para as relações bilaterais
na década seguinte. Com efeito, a política socialista de solidarie-
dade com o Brasil, baseada na idéia segundo a qual a consolidação
democrática passava pela superação de seus problemas econômi-
cos, encontrou nas possibilidades que abriam os investimentos es-
panhóis um elemento dinâmico que consolidou as relações bilate-
rais.85 A economia abriu a porta à política e ao fortalecimento das
relações com o Brasil.
A dimensão política da presença de González no Brasil não
passou inadvertida, no momento exato em que a Assembléia Naci-
onal Constituinte debatia o texto da futura Constituição e esperava
ávida conhecer de primeira mão a experiência espanhola, especi-
almente, no referente ao pacto social. De fato, o Itamaraty insistiu
em transmitir que a visita tênia aspecto político e que seu momen-
to culminante seria a recepção do líder socialista no Congresso em
sessão solene86. Os relatórios preparatórios, também realçavam a
oportunidade de afirmar o significado da visita no momento em
que o Brasil e a Espanha coincidiam em sua trajetória democráti-
ca. As sintonias entre os dois Governos deviam fundamentar a
ampliação e aprofundamento de suas relações. As visitas do Rei e
de Figueiredo, anos antes, tinham fortalecido o diálogo, consoli-
dando um clima de entendimento recíproco com numerosos pontos
de coincidência em matéria de política externa e com o interesse
acrescentado pela transição democrática na Espanha, quando o
Brasil vivia uma fase fundamental de sua evolução política87. O
próprio presidente Sarney destacou o significado da visita de
González em entrevista divulgada pela Televisão Espanhola:

85
Segundo as estatísticas espaholas, no triênio 1985-1987, os investimentos no Brasil representavam apenas
1,15 % dos investimentos espanhóis no período. Ver ofício confidencial da Embaixada do Brasil para a
SERE, 11 de novembro de 1988, AHIB, caixa 327.
86
Ver “Felipe, o líder que arranha Espanha?”, Correio Braziliense, 14 de junho de 1987.
87
Telegrama confidencial, Embaixada do Brasil em Madri para a SERE, 28 de maio de 1987, AHIB.

200
capítulo 4
a intensificação das relações hispano-brasileiras (1979 – 1995):
democracia, integração e estabilidade econômica.

“(...)a Espanha foi sempre invocada em nosso processo político


porque de certo modo procuramos o caminho que a Espanha recorreu,
isto é, sair de um regime ditatorial para a plena democracia, através
do consenso, de fórmulas negociadas, sem rupturas. A Espanha tem
um grande interesse para o Brasil neste momento e o processo espanhol,
que foi acompanhado de perto, serve de certo modo como uma
referência para nós, os brasileiros”88

Por sua vez, a imprensa brasileira – comprometida intensa-


mente com o processo democratizador – destacava as circunstân-
cias históricas, humanas e sociais que tornavam singulares as rela-
ções entre Brasil e a Espanha e a contribuição significativa de Felipe
González no reencontro do país com a democracia. À projeção in-
ternacional atingida pela Espanha, por causa do ingresso na CEE,
lhe eram atribuídas condições para conseguir benefícios impor-
tantes para o Brasil, incidindo-se na proliferação de âmbitos para
a prática da colaboração diplomática, econômica, política e cultu-
ral89. A visita não tinha somente um caráter retórico. Pretendia es-
treitar os laços bilaterais e aplanar o caminho para a discussão de
temas econômicos – reequilibrar o comércio, sondar as possibili-
dades investidoras e abordar a questão da dívida bilateral – que
redimensionassem as relações hispano-brasileiras.
Nos seus discursos, em boa parte improvisados, Felipe González,
soube deslumbrar os políticos e governantes brasileiros com uma
retórica na qual se misturavam pedagogia e emotividade. O ponto
de partida sempre era a constatação que as relações políticas
hispano-brasileiras tinham entrado em uma fase de maturidade.
Uma vez atingida a plenitude do regime democrático, correspondia
aos dois países afiançar essas relações e aprofundar os vínculos
existentes. As referências às conjunturas regionais e internacio-
nais foram também ingredientes habituais que assentaram a idéia
de que os processos de integração da Europa e a América Latina
favoreciam a aproximação entre a Espanha e o Brasil, enriquecen-

88
“Entrevista do presidente Sarney a TVE-1” reproduzida em Correio Braziliense, 14 de junho de 1987.
89
“Bienvenido”, Correio Braziliense, 16 de junho de 1987.

201
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

do as relações bilaterais e as vias de diálogo entre as duas regi-


ões90. O ponto de chegada das alocuções de González pretendia
expressar a admiração sentida pela potencialidade do Brasil e pelo
seu peso específico e liderança no continente e no mundo. A con-
seqüência lógica da conjunção de todos esses elementos se mani-
festava na confiança no futuro das relações bilaterais, caracteriza-
das pela maturidade, a ausência de obstáculos que se opusessem a
seu fortalecimento, a unidade de critérios e coincidências na aná-
lise da situação internacional e as enormes possibilidades de au-
mento de realizações culturais, econômicas, comerciais e coopera-
tivas. Definitivamente, um panorama alentador que augurava “um
grande salto nas relações bilaterais e multilaterais”91
A visita teve também a virtude de colher alguns bons resulta-
dos desde o ponto de vista dos interesses espanhóis. Foi o caso das
negociações empreendidas para a elaboração de um tratado de ex-
tradição bilateral e outro, de natureza humanitária, sobre coopera-
ção judicial com vistas ao cumprimento no país de origem de pe-
nas impostas a cidadãos de algum dos dois países por crimes co-
metidos no território do outro. As negociações respondiam às de-
núncias na imprensa espanhola, segundo as quais, desde 1983, o
Brasil não entregava a nenhum delinqüente reclamado pela
Espanha. Citavam-se os casos de Lerdo de Tejada – um dos assas-
sinos de Atocha – e Jaime Messía Figueroa – implicado no caso
“El Nani” – como exemplos de foragidos em terras brasileiras. O
tratado de extradição foi assinado em fevereiro de 1988 e o tratado
de cooperação judicial em matéria civil em 1989. Os dois instru-
mentos chegaram em um momento oportuno, pois o Brasil se esta-
va convertendo em lugar de refúgio de foragidos da Justiça espa-
nhola.
As mudanças no panorama político brasileiro, em 1989, e as
expectativas suscitadas pela vitória nas eleições presidenciais de

90
Discurso do presidente do Governo, 16 de junho de 1987, Actividades, Textos y Documentos de la política
exterior española, Madri, MAE/OID, 1987, pp.135-138.
91
“Intervenção do presidente do Governo no ato da assinatura do comunicado conjunto entre a Espanha e o
Brasil”, 16 de junho de 1987, Actividades, Textos y Documentos de la política exterior española, Madri, MAE/
OID, 1987, pp.141-143.

202
capítulo 4
a intensificação das relações hispano-brasileiras (1979 – 1995):
democracia, integração e estabilidade econômica.

um jovem político que proclamava seu compromisso na luta contra


a corrupção no Brasil, junto da necessidade de modernizar a eco-
nomia brasileira e integrá-la nas demandas dos mercados mundi-
ais, inaugurarão uma nova etapa nas relações hispano-brasileiras.

As relações bilaterais nos governos de Collor e Itamar FFranco


ranco
(1990 – 1994)
No dia 15 de dezembro de 1989, em segundo turno, Fernando
Collor de Melo ganha as eleições presidenciais frente ao candidato
do Partido dos Trabalhadores, Luiz Inácio Lula da Silva. Aos pou-
cos meses, em qualidade de presidente eleito, inicia uma gira mun-
dial que lhe leva a visitar a Espanha em fevereiro de 1990. Este
encontro com o Governo espanhol serviu como primeira tomada de
contato e motivou um convite oficial para que o presidente González
assistisse à cerimônia de tomada de posse de seu cargo, em março
de 1990. Desde a perspectiva econômica, a chegada ao poder de
Collor, primeiro presidente eleito diretamente pelos cidadãos de-
pois do golpe militar de 1964, vai supor a adoção de um modelo
econômico baseado nos postulados neoliberais. A adoção deste mo-
delo terá sua repercussão nas relações bilaterais, fundamentalmente
pela opção de Collor a favor da intensificação das relações econô-
micas com a Espanha, como pôs de manifesto nos seus discursos
por causa das três visitas que realizou a nosso país92.
A primeira visita oficial de Collor, no dia 15 de maio de 1991,
teve rápidos resultados que confirmavam o início de uma nova eta-
pa nas relações bilaterais, por exemplo, a assinatura de um Convê-
nio de Previdência Social entre o Brasil e a Espanha que garantia a
assistência médica aos emigrantes e o cômputo dos períodos cota-
dos no outro país a efeitos do cálculo das aposentadorias. No seu
encontro com Felipe González, Collor demonstrou sua boa disposi-
ção para concluir com a Espanha um Tratado de cooperação e ami-
zade, transmitindo sua intenção de liberalizar a economia. As ne-
gociações para a assinatura do Tratado se tinham iniciado durante

92
Discurso do presidente Fernando Collor no banquete oferecido em sua homenagem pelo rei de España, 16
de maio de 1991. Discurso do presidente Fernando Collor no Senado da Espanha, 17 de maio de 1991 em
Resenha de Política Externa do Brasil, Brasília, 1991, pp.115-121.

203
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

o Governo Sarney e se enquadravam no contexto mais amplo de um


processo racionalizador e reorganizador da cooperação espanhola
com os países ibero-americanos que, na opinião de ARENAL, su-
punha um notável esforço econômico para a Espanha, pois com-
portava uma concepção integradora dos diversos mecanismos e
instrumentos da cooperação93 . Desde Assuntos Exteriores se con-
siderava que o Brasil tinha o peso político suficiente e estava rea-
lizando os ajustes econômicos necessários para oferecer garantias
de segurança jurídica para a chegada de investimentos estrangei-
ros94. Mas os empresários espanhóis que mantiveram vários en-
contros com o presidente Collor, eram conscientes da debilidade
econômica do Brasil e de sua pouca capacidade de pagamento, o
que na prática inviabilizava qualquer projeto e comprometia o fu-
turo das relações econômicas bilaterais.
A negociação do Tratado foi, junto da participação brasileira
na primeira Cúpula Ibero-americana da Guadalajara, o tema estre-
la das relações políticas bilaterais. Desde a Embaixada do Brasil,
o embaixador Lindolfo Collor, avaliava o texto do Tratado como um
documento amplo, de nítida vontade política e sérios compromis-
sos econômicos. Para o diplomata, o momento era especialmente
propício para que o Brasil se transformasse no país com melhor
perfil para ser parceiro privilegiado nas relações com a Espanha,
havida conta da ausência de preconceitos e suscetibilidades deri-
vados de uma prolongada relação colonial como era o caso de ou-
tros países latino-americanos, da situação de debilidade da Argen-
tina, da excessiva proximidade do México aos Estados Unidos ou
da insuficiente importância industrial da Venezuela. Em conseqü-
ência, o Tratado representaria o vértice da nova relação com a
Espanha95.
As primeiras medidas econômicas de Collor, mesmo profunda-
mente contraditórias, ao liberalizar a economia e fomentar as

93
ARENAL, Celestino del: “La política exterior española en Iberoamérica (1982-1992)” em CALDUCH,
Rafael (coord.): La política exterior española en el siglo XX, Madrid, Ciencias Sociales, 1994, pág.294.
94
“España desea firmar tratados de amistad con Brasil, Venezuela y Colombia, además de con Argentina,
México y Chile”, El País, 5 de fevereiro de 1990.
95
Ofício confidencial nº 325, do embaixador do Brasil na Espanha, para SERE, 14 de dezembro de 1990,
AHIB, caixa 363.

204
capítulo 4
a intensificação das relações hispano-brasileiras (1979 – 1995):
democracia, integração e estabilidade econômica.

privatizações, mas ao decretar, ao mesmo tempo, o congelamento e


o confisco da poupança dos cidadãos brasileiros como forma de
lutar contra a inflação, não conseguiram frear o impulso dado às
relações bilaterais em 1990 e 1991. No entanto, conseguiram que-
brar as expectativas criadas no processo negociador do Tratado ao
introduzir o Governo espanhol uma série de medidas cautelares,
pressionado pelos empresários com pouca disposição para investir
no Brasil. A visita de Collor, em maio de 1991, teve o objetivo de
proceder à assinatura solene da ata de bases das linhas gerais do
Tratado de Cooperação e Amizade, reflexo da relevância que o Bra-
sil conferia às relações com a Espanha96. Nesses mesmos dias a
imprensa espanhola denunciava que o Tratado ameaçava carecer
de conteúdo e refletia o ceticismo que se apalpava sobre o cumpri-
mento dos objetivos do mesmo, muito modestos comparados com o
potencial do Brasil. Tudo isso vinha provocado pelo rumo errático
da política econômica de Collor, pelas dúvidas do setor privado
espanhol para dirigir seus negócios para o Brasil, pela existência
de um comércio bilateral desequilibrado e pela negativa brasileira
a assinar com a Espanha um acordo de proteção de investimentos
escudando-se em já haver subscrito o Multilateral Investment
Guarantee Agreement, um instrumento jurídico menos seguro na
opinião dos empresários espanhóis97.
Durante a terceira visita de Collor, no dia 23 de julho de 1992,
no âmbito da II Cúpula Ibero-americana, realizada em Madri, se
assinou o Tratado Geral de Amizade e Cooperação entre a Espanha
e o Brasil, que contemplava diferentes modalidades de cooperação
no âmbito político, de cooperação econômica, financeira, técnica,
cientista-tecnológica, educativa, cultural e consular. O texto do Tra-
tado proclamava em tom solene as excelentes relações existentes
entre ambos países, fruto dos tradicionais laços de amizade que os
uniam e da identidade cultural de seus povos, assim como os dese-
jos das partes em traduzi-las em um instrumento de cooperação

96
“Discurso do presidente Color no banquete oferecido em sua homenagem pelo Rei da Espanha”, Madri, 16
de maio de 1991, Resenha de Política Exterior do Brasil, nº 68, 1991, pág.116.
97
“El Tratado de Amistad entre España y Brasil amenaza con carecer de contenido”, El País, 16 de maio de
1991.

205
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

que refletisse o interesse em fortalecê-las. Os dois países coincidi-


am no texto do Tratado em afirmar a necessidade de impulsionar os
processos de integração regional que potencializavam o desenvol-
vimento e a inter-relação entre os povos e intensificar as relações
entre Europa e a América Latina. Por outra parte, se incorporava
um substancial acordo econômico que integrava o texto do Tratado,
no valor de 3.000 milhões de dólares. Apesar da amplitude de suas
intenções, este instrumento regulador das relações bilaterais, em
vigor até hoje, se mostrou a todas luzes insuficiente, em função da
radical mudança no perfil das relações hispano-brasileiras no últi-
mo lustro, já que o Tratado contempla as relações entre a Espanha
e o Brasil, ainda com uma perspectiva “tradicional”, evitando a
necessidade de passar a um tipo de relação colocada desde a igual-
dade, onde existam interesses comuns que se concretizassem em
ganhos para as duas partes. Igualmente, a diversificação crescente
das relações bilaterais, a existência de novas necessidades e o
surgimento de temas não contemplados no Tratado, quando se rea-
lizou sua negociação em 1991, demandam uma profunda revisão
de seu conteúdo e sua atualização.
Na conjuntura de 1992, o Tratado era certamente um bom acordo
e Collor tentou apresentar sua assinatura como um sucesso pessoal
em momentos delicados de sua trajetória política, quando os casos
de corrupção salpicavam sua gestão presidencial, sua popularida-
de caía e o Congresso Nacional tinha iniciado investigações que
resultariam na perda de seu mandato. No dia 29 de setembro de
1992, umas horas antes que o Senado Federal se pronunciasse contra
Collor, o primeiro presidente eleito diretamente pelos brasileiros
em 25 anos, renunciou ao cargo. Conforme ao estabelecido no arti-
go 79 da Constituição, o Vice-presidente Itamar Franco assumiu a
presidência da República até a celebração de eleições em 1994.
Franco, um político do estado de Minas Gerais, conhecido pelas
suas extravagâncias e suas repentinas mudanças de temperamen-
to, pertencia ao setor mais nacionalista do Partido do Movimento
Democrático Brasileiro (PMDB) e não compartilhava as orienta-
ções da política econômica de Collor. Em conseqüência, Franco
tentou atalhar a desorganização econômica rodeando-se de uma
equipe na qual destacavam Ciro Gomes e Fernando Henrique Car-

206
capítulo 4
a intensificação das relações hispano-brasileiras (1979 – 1995):
democracia, integração e estabilidade econômica.

doso. Poucos meses depois nascia o Plano Real.


No que corresponde às relações hispano-brasileiras, o período
de Itamar Franco ao comando do Governo brasileiro pode ser con-
siderado como de transição, sem grandes avanços no terreno dos
contatos bilaterais. O momento mais destacado de sua gestão, no
que afetava à Espanha, foi seu papel como anfitrião da III Cúpula
Ibero-americana celebrada na cidade brasileira de Salvador de
Bahia. No contexto da Cúpula, as duas Chancelarias trabalharam
intensamente para a coordenação do evento em Salvador, desta-
cando a viagem que realizou o então ministro de Relações Exterio-
res do Brasil, Fernando Henrique Cardoso, a Madri, em janeiro de
1993, para receber de seu homólogo espanhol a Secretaria Pró
Tempore daquele fórum98. Naqueles anos, desde o Itamaraty, se
realizaram avaliações sobre os fatores que explicavam a fase de
aprofundamento e aproximação mútua entre o Brasil e a Espanha,
fase caracterizada pelos encontros sucessivos ao mais alto nível.
Vários fatores contribuíam para o aumento considerável dos conta-
tos diplomáticos e para a intensificação das relações, entre eles a
plenitude dos regimes democráticos nos dois países; o ingresso da
Espanha na CEE; o peso específico da economia do Brasil e sua
importância no contexto do continente americano; o esforço espa-
nhol em marcar uma maior presença na América Latina através da
realização do projeto ibero-americano, para o qual era fundamen-
tal a receptividade brasileira99. A entrada em vigor do Tratado Ge-
ral de Cooperação e Amizade, em julho de 1994, foi o melhor refle-
xo desta nova etapa.

4.3.- As relações econômicas: comércio e investimentos


Em 1979, o Itamaraty reconhecia que o grande problema das
relações com a Espanha era o déficit crônico que favorecia ao Bra-
sil no intercâmbio comercial, o que constituía motivo permanente
de insatisfação para as autoridades espanholas. As exportações
brasileiras se caracterizavam pelo seu dinamismo, enquanto a tónica

98
Ministério das Relações Exteriores: A política externa do Governo Itamar Franco, Brasília, 1994 , pág.68;
Também CARDOSO, F.: Política externa em tempos de mudança, Brasília, Funag, 1994.
99
Relatório confidencial sobre as Cúpulas Iberoamericanas, 27 de maio de 1993, AHIB.

207
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

do abastecimento espanhol ao Brasil era o estancamento100. As


demandas espanholas para o Brasil se dirigiam, em 1979, a seus
produtos tradicionais de exportação - alhos, azeitonas e azeite de
oliva - afetados todos eles pela imposição brasileira de quotas de
importação, em função da produção interna e dos compromissos
assumidos no âmbito da ALALC. Se as relações políticas eram muito
boas, a deterioração das relações econômicas bilaterais era palpá-
vel devido à baixa taxa de cobertura das relações comerciais
hispano-brasileiras – 11% em 1984- e à diminuição do ritmo do
intercâmbio entre 1985 e 1986. As explicações devem procurar-se
na difícil conjuntura econômica interna do Brasil e na insuficiên-
cia da produção e oferta espanhola. Além disso, os problemas de
pagamento da dívida brasileira dificultavam a recuperação das
exportações espanholas, a existência de múltiplos requisitos buro-
cráticos e o protecionismo comercial, junto ao desconhecimento
pelos empresários espanhóis das características específicas do mer-
cado brasileiro, configuravam um quadro de dificuldades comple-
to para a intensificação das relações comerciais101. Da Embaixada
em Madri, se afirmava que os esforços da Espanha para obter uma
maior participação no mercado brasileiro deveriam concentrar-se
no conhecimento efetivo da economia e das necessidades específi-
cas do Brasil por parte do empresariado espanhol, pouco agressivo
e escassamente criativo. Por sua vez, o Governo espanhol insistia
nas questões de ordem tarifário relativas a produtos tradicionais
da pauta exportadora da Espanha (azeite, vinhos e azeitonas) que,
para o Brasil, representavam mercadorias pouco atrativas e sem o
grau de sofisticação alcançado pela economia espanhola em outros
setores102.
Em 1979, a Espanha era considerada pelas autoridades brasi-
leiras “uma recém chegada ao mercado do Brasil” com dificulda-
des para encontrar novos setores onde colocar seus produtos de
exportação. Nas conversações com o Ministério de Comércio espa-

100
Viagens e visitas de personalidades, relatório especial, AHIB, 1979, pasta 400 (F4) (B46)
101
A respeito pode-se consultar o artigo de Javier Navas, “Brasil, un mercado inaccesible para los productos
españoles”, Heraldo de Aragón, 22 a 28 de março de 1987
102
Telegrama da Embaixada do Brasil em Madri para a SERE, 31 de março de 1987, AHIB.

208
capítulo 4
a intensificação das relações hispano-brasileiras (1979 – 1995):
democracia, integração e estabilidade econômica.

nhol, os diplomatas brasileiros sempre recomendavam uma estra-


tégia das empresas espanholas de associação com os grupos eco-
nômicos do Brasil, com a finalidade de facilitar sua penetração103.
Por outra parte, inquietava no Itamaraty a margem de manobra do
Governo espanhol para orientar suas compras no exterior, apesar
da política de liberalização e privatização crescente, que no caso
de Brasil alcançava aos produtos da pauta exportadora brasileira
responsáveis por 3/4 partes das exportações para a Espanha. Des-
de Brasília se receava que a adoção pela Espanha de obstáculos
dissimulados às importações de produtos do Brasil – o café era um
caso paradigmático – provocassem uma dinâmica de represálias e
restrições no campo do comércio bilateral, o que não correspondia
aos interesses políticos e econômicos dos dois países. Nestas cir-
cunstâncias, o embaixador do Brasil recomendava evitar a deterio-
ração das relações bilaterais para o que não se deviam criar condi-
ções que animassem a adoção pela Espanha de novas medidas res-
tritivas104.
Até 1997, ano em que se alcançou o equilíbrio na balança co-
mercial bilateral, o tema da deterioração dos termos do intercâm-
bio hispano-brasileiro esteve presente com caráter constante na
agenda das conversações dos dois países. Não obstante, medido
em termos absolutos, o peso do comércio bilateral no total das ex-
portações mundiais dos dois países, foi e continua sendo insignifi-
cante. Por exemplo, quando se considera o período entre 1970 e
1982, o tom foi a perda do peso relativo do comércio bilateral no
conjunto do comércio exterior da Espanha e o Brasil. Se as expor-
tações da Espanha para o Brasil significavam em 1970 1,13% das
compras totais brasileiras, em 1981, representavam só 0,42 %. No
sentido contrário, as exportações do Brasil para a Espanha supu-
nham, para o mesmo período, uma redução de 3,91% ao 1,59%.
Depois de uma leve recuperação das exportações espanholas no
biênio 1986-1987, a situação voltou a piorar em 1988 e seguiu

103
Estudos preparatórios para a visita ao Brasil do presidente do Governo espanhol, Adolfo Suárez, agosto,
1979, AHIB, caja 84.
104
Oficio secreto urgentíssimo, do embaixador do Brasil na Espanha, Sergio Frazão, para SERE, 25 de
outubro de 1979, AHIB, caixa 64.

209
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

esta tendência no lustro seguinte. Paradoxalmente, o Brasil, o país


mais rico da América Latina pelos seus recursos naturais, diversi-
ficação econômica e capacidade industrial, se destacava como o
pior sócio comercial da Espanha105.
Se o déficit comercial crônico se manteve como característica
permanente dos intercâmbios bilaterais, não pode afirmar-se o
mesmo da estrutura e da composição da pauta exportadora espa-
nhola. A Espanha conseguiu na década dos 80 transformar seu perfil
exportador para o Brasil, passando das vendas de produtos primá-
rios a uma estrutura na qual 2/3 partes das transações estavam
compostas por produtos industrializados e manufaturados. O Bra-
sil ocupou em 1990 o primeiro posto entre os compradores latino-
americanos da Espanha em máquinas e ferramentas, e o segundo
lugar no capítulo de máquinas têxteis. Um conjunto de dados que
punham de relevo a mudança qualitativa dos intercâmbios106. Os-
cilando entre momentos de menor intensidade relativa e outros de
forte tensão bilateral, o Governo espanhol sempre manifestou sua
preocupação pelo continuado déficit comercial com o Brasil, ao
que a Espanha comprava mais de dez vezes do que vendia, uma
diferença excessiva. O conflito hispano-brasileiro em torno das
exportações de café pôs de manifesto a natureza dos desencontros
bilaterais nos assuntos comerciais.

O conflito do Café
Um mês antes da chegada de Suárez ao Brasil, o Governo espa-
nhol através do Real Decreto n º 1764, de 8 de julho de 1979,
tinha modificado o tratamento tarifário que recebia o café brasilei-
ro nas alfândegas da Espanha. Esta medida causou profundo mal-
estar em Brasília, sem que se entendesse como, a poucas semanas
da visita de Suárez, frente às oportunidades que se abriam para o
mais amplo diálogo hispano-brasileiro, se tivesse decidido penali-

105
Sobre a evolução do comércio bilateral e as causas do déficit crônico ver: GARCÍA PONS, Javier: “Evolución
de los Intercambios Comerciales España-Brasil durante el período 1970-1982”, em CÂMARA OFICIAL
ESPANHOLA DE COMÉRCIO NO BRASIL: Viaje a Brasil de SS.MM. los Reyes de España, Rio de Janeiro,
maio, 1983, pp.20-23; TAVARES DE OLIVEIRA, Carlos: “Brasil-Espanha um intercâmbio que pode e deve
crescer”, Gazeta Mercantil, 7 de fevereiro de 1983; NAVAS, Javier: “Brasil, un mercado inaccesible para los
productos españoles”, Heraldo de Aragón, 22 a 28 de março de 1987;
106
Ver GARCÍA LOPEZ, José A.: “O futuro das relações entre a Espanha e o Brasil”, Gazeta Mercantil, 31 de
julho de 1991.

210
capítulo 4
a intensificação das relações hispano-brasileiras (1979 – 1995):
democracia, integração e estabilidade econômica.

zar na Espanha o principal produto de exportação do Brasil. No


conjunto das exportações brasileiras para a Espanha, o café repre-
sentava a avultada cifra do 28,5%. A Embaixada do Brasil enten-
deu que se estabelecia uma grave discriminação já que enquanto o
café colombiano, principalmente, ficava liberado do pagamento de
direitos alfandegários, o café brasileiro e o proveniente de outros
países africanos ficavam sujeitos a uma tarifa de 7%. O Itamaraty
manifestou sua apreensão ante a medida, protestando por nota ver-
bal de 26 de julho de 1979 na qual se queixava do estabelecimento
de tarifas alfandegárias por origem do café. Estas medidas trans-
grediam a letra e o espírito dos acordos do GATT do qual os dois
países constituíam partes contratantes. O Brasil, em consequência,
se reservava o exercício de seus direitos. Com o horizonte da entra-
da da Espanha na CEE, o Itamaraty considerava que o café brasi-
leiro seria o único que pagaria direitos alfandegários uma vez que,
em virtude dos Acordos de Lomé, os cafés robustas africanos teri-
am acesso com tarifa zero ao mercado comunitário.
A medida do Governo espanhol poderia, segundo a avaliação
do Itamaraty, ter um impacto negativo nas circunstâncias da proxi-
midade política global entre o Brasil e a Espanha já que dividia em
dois a Iberoamérica no que afetava ao café, pelo efeito do trata-
mento privilegiado através de um instrumento alfandegário. O Brasil
não duvidou em reprovar a dificuldade de conciliar a atitude no
tema do café com a política da Espanha para a América Latina, da
qual o Governo brasileiro esperava muito, ainda mais quando ti-
nha postulado a candidatura da Espanha para associar-se à CEPAL.
O Governo espanhol argumentava que a medida não era tanto uma
decisão de caráter discriminatório como uma necessidade na pro-
cura por reduzir o desequilíbrio comercial bilateral. Ao mesmo tem-
po era uma conseqüência dos acordos com a Colômbia, cujos cafés
teriam uma fatia de mercado reservada na Espanha. Por outra par-
te, respondia à privatização do setor importador do café que tinha
permanecido sob controle do Estado e que devia adaptar-se à en-
trada da Espanha na CEE107.

107
Despacho ao Memorando DE-I/81, do chefe da Divisão de Produtos de Base para o chefe do Departamento
Comercial, 13 de agosto de 1979, AHIB, caixa 271.

211
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

O tema esteve presente na reunião da III Comissão Mista Bra-


sil-Espanha, um mês depois da visita de Suárez ao Brasil, onde se
expuseram os diferentes pontos de vista. O Brasil reiterava seus
argumentos sobre o caráter discriminatório da medida e suas im-
plicações para o comércio internacional do café, comunicando à
representação espanhola os passos seguidos nos foros multilate-
rais, isto é, no GATT e na Organização Internacional do Café (OIC).
A Espanha, por sua vez, insistia em negar o caráter discriminatório
da tarifa imposta. O assunto ameaçava seriamente ao bom estado
das relações bilaterais e foi classificado como um dos temas mais
importantes das relações comerciais hispano-brasileiras pelo mi-
nistro de Comércio espanhol, Juan Antonio García Diez. A chega-
da a Madri do ministro brasileiro de Economia, Delfim Netto, em
abril de 1981, perseguia exercer pressão para a revogação da me-
dida de discriminação cafeeira considerada pelo Brasil como “uma
questão de princípio inegociável, baixo qualquer ponto de vista,
totalmente injustificável”108. O Itamaraty interpretou a atitude es-
panhola como uma resposta à não-adjudicação do concurso para a
compra de plataformas da companhia de petróleos brasileira
(PETROBRAS) e à paralisação, por parte do Brasil, da compra de
locomotivas e navios da Espanha.
A disputa hispano-brasileira sobre a discriminação tarifária
aplicada pela Espanha ao café do Brasil foi finalmente resolvida
com a publicação no Boletim Oficial do Estado (BOE), de 31 de
dezembro de 1981, do Real Decreto do Governo espanhol que equi-
parava à alíquota do imposto sobre as importações de café verde,
de qualquer tipo e origem em um nível de 6 %, dando-se desta
forma cumprimento à decisão favorável do GATT para os interes-
ses brasileiros. No entanto, nos seguintes anos as vendas brasilei-
ras de café começaram a decrescer como resultado da reorientação
das compras espanholas para países africanos e pela decisão das
autoridades espanholas de restringir as compras como forma de
chamar a atenção do Governo brasileiro pelo desequilíbrio das re-
lações comerciais bilaterais.

108
Oficío da Embaixada de Madri para SERE, 6 de abril de 1981, AHIB, caixa 257.

212
capítulo 4
a intensificação das relações hispano-brasileiras (1979 – 1995):
democracia, integração e estabilidade econômica.

A entrada da Espanha na CEE: impacto nas relações econô-


micas bilaterais
Pelas suas implicações no panorama das relações comerciais
hispano-brasileiras, o ingresso da Espanha na CEE supôs um mo-
mento importante para as relações dos dois países como assunto
que esteve presente a partir de 1970 – primeiro como possibilida-
de futura e depois como realidade concretizada – na agenda bilate-
ral. A preocupação do Brasil ante as negociações empreendidas
pela Espanha para ingressar na CEE já era palpável quando em
1979 Suárez chegou no Brasil. O Governo espanhol insistia em
apresentar-se ante o Brasil como a ponte para industrializar os pro-
dutos agrícolas brasileiros – soja e milho – e colocá-los nos demais
países do Mercado Comum Europeu109. A inquietação que ocasio-
nava a entrada da Espanha na CEE levou a que, no comunicado
conjunto emitido pelos dois países ao término da visita de Suárez,
se introduzisse um parágrafo alusivo ao tema, afirmando-se que o
Brasil “interessado na incorporação da Espanha às Comunidades
Européias fazia votos para que a plena adesão espanhola, além de
benéfica para a CEE e para a Espanha, pudesse também se refletir
favoravelmente nas relações entre Europa e Iberoamérica”110.
O panorama se turvou devido ao receio brasileiro em que a
adesão da Espanha ao Mercado Comum Europeu significasse o
desvio de parte do comércio que se mantinha com o Brasil a favor
dos países da Europa. De fato, a penetração de manufaturas brasi-
leiras no mercado espanhol tinha estado muito limitada a partir de
1970, em parte pela similitude dos períodos de desenvolvimento
das economias dos dois países, e também pelos mecanismos prefe-
renciais dos acordos da Espanha com a CEE e a EFTA. A chegada
do PSOE ao poder, vai supor como destaca ARENAL, uma rejeição
à pretensão de apresentar-se como “ponte” entre a América Latina
e a Europa, substituindo essa idéia pelo papel de uma atuação de-
cidida a favor dos interesses da região na sua relação com a Comu-

109
Ver ALONSO, José A. e DONOSO, V: Efectos de la adhesión de España a la CEE sobre las exportaciones de
Iberoamérica, Madrid, Ed. Cultura Hispánica, 1983.
110
“Comunicado Conjunto Hispano-Brasileño”, Revista de Política Internacional, nº 163, maio-junho, 1979,
pp.191-194.

213
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

nidade Européia 111.


De acordo a esta nova perspectiva, Fernando Morán, ministro
de relações Exteriores espanhol, tentou apaziguar os temores bra-
sileiros manifestando ao embaixador do Brasil que a adesão à CEE
não prejudicaria às relações da Espanha com a América Latina e
que se encontraria uma fórmula para garantir o nível de exporta-
ções brasileiras à Comunidade112. Por outra parte, os estudos de
impacto realizados pelo Ministério da Economia e Fazenda espa-
nhol, assinalavam ao Brasil como um dos países mais beneficiados
no âmbito comercial pelos efeitos da adesão da Espanha à CEE,
em razão do aumento esperado de suas exportações industriais como
resultado da eliminação de contingentes, da adoção do Sistema de
Preferências Gerais e da incorporação do Acordo Multifibras. No
terreno das exportações agrícolas, os relatórios oficiais ocultavam
o impacto da PAC nas compras espanholas ao Brasil e sublinha-
vam os efeitos nas exportações de café, tabaco e cacau como resul-
tado da concorrência dos países do grupo ACP.113
O certo foi que, o ingresso da Espanha na CEE, apesar das
declarações de boas intenções que incidiam em que não se produ-
ziria redução do comércio com o Brasil, existindo inclusive vanta-
gens para certos produtos, afetou às relações comerciais com a
América Latina. O Brasil não foi uma exceção. O enigma a resolver
residia em saber se a integração na Europa e os benefícios para a
economia espanhola se conseguiriam às custas de terceiros países
e do desvio dos fluxos comerciais e do investimento estrangeiro.
Caberia responder positivamente pelo que diz ao impacto comerci-
al, pois os resultados das exportações espanholas para a América
Latina ganhavam em importância em detrimento das importações
latino-americanas, que foram afetadas pela redistribuição geográ-
fica do comércio exterior da Espanha. Do lado do impacto do in-
vestimento estrangeiro, a partir de 1997, a América Latina foi des-

111
ARENAL, C.: “La política exterior española en Iberoamérica (1982-1992)”, em CALDUCH, Rafael: La
política exterior española en el siglo XX, Madrid, Ciencias Sociales, 1994, pág.288.
112
Telegrama da Embaixada do Brasil em Madrid para a SERE, 23 de maio de 1983, AHIB, caixa 143.
113
“Relaciones comerciales hispano-brasileñas”, Información Comercial Española, nº 2094, 20 a 26 de
julho de 1987, pág.2669.

214
capítulo 4
a intensificação das relações hispano-brasileiras (1979 – 1995):
democracia, integração e estabilidade econômica.

tino preferente dos investimentos espanhóis e, em conseqüência, a


entrada da Espanha na CEE não só não foi negativa, mas represen-
tou uma causa direta na criação das condições para a decolagem
investidora do país. Parecia difícil sustentar, como faziam os repre-
sentantes espanhóis que visitavam o Brasil, que existissem efeitos
benéficos no âmbito comercial para a América Latina por causa da
incorporação da Espanha ao processo de integração europeu.
Para o Itamaraty, estas afirmações eram pura retórica, pois a
CEE não adotava posições construtivas em relação a temas de re-
levância e, no que afetava ao Brasil, o exemplo da posição hostil de
alguns países comunitários para a sustentação dos preços do café
demonstrava claramente a falta de coerência no discurso europeu114.
A Espanha sempre insistía nos bons resultados do diálogo político
bi-regional e em resultados concretos no âmbito comercial para
“muitos países irmãos” beneficiados pelo SPG comunitário. Ao
Brasil não lhe agradava ser confundido anonimamente no conceito
“Iberoamérica”, tal e como o termo era apresentado pela diploma-
cia espanhola ante as instituições comunitárias e exigia um trato
diferenciado, tanto pelas suas raízes culturais como pela sua di-
mensão econômica115. Desde a Embaixada do Brasil, se seguiam
com meticulosidade os primeiros movimentos da Espanha na CEE
destacando-se a dificuldade de Madri em aceitar que a opção eu-
ropéia se estava traduzindo em uma lógica intensificação de suas
relações com os sócios comunitários, com o conseguinte reflexo
nos intercâmbios exteriores e na adoção de decisões prejudiciais
aos interesses de Brasil. O caso das exportações siderúrgicas do
Brasil para a Espanha constituía uma prova, já que depois da ade-
são o mercado espanhol se fechou ao aço brasileiro pela própria
crise da siderurgia espanhola e pelos problemas derivados da par-
ticipação na CECA116.
O Brasil sabia que a Espanha não podia negar que seu ingresso
na CEE requeria mudanças na sua política comercial. Mudanças

114
Telegrama confidencial da SERE para Embaixada do Brasil em Madri, 30 de abril de 1987, AHIB.
115
Telegrama confidencial urgentíssimo da Embaixada do Brasil em Madri para SERE, 2 de abril de 1987,
AHIB.
116
Telegrama confidencial da Embaixada do Brasil em Madri para SERE, 31 de março de 1987, AHIB.

215
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

que, como afirma BAKLANOFF, iam impactar nas exportações la-


tino-americanas por três razões: primeira, a Espanha teria que ado-
tar a PAC baseada nas preferências comunitárias e em um financi-
amento e preços comuns; segunda, a Espanha teria que aceitar a
existência do trato preferencial dispensado aos países ACP, assim
como as repercussões negativas que implicava nas importações de
produtos tropicais latino-americanos; terceira, a Espanha dirigiria
suas exportações de produtos manufaturados para a Comunidade
Européia em detrimento dos países latino-americanos. Frente a estas
mudanças com efeitos negativos, a diminuição das tarifas espa-
nholas pela adoção da Tarifa Exterior Comum da CEE e a elimina-
ção das restrições quantitativas compensariam algumas perdas nas
exportações da América Latina para a Europa117.
Não lhes faltavam razões aos brasileiros para desconfiar do
impacto comercial da entrada da Espanha na UE, como confirmou
a evolução posterior dos intercâmbios comerciais bilaterais, a re-
versão do déficit comercial a partir de 1997 e o leve superávit
favorável à Espanha, no ano 2000. Dois fatores contribuíram para
que nos anos seguintes se produzisse a reorientação do conflito
comercial euro-brasileiro: o primeiro, a possibilidade aberta a
partir de 1995, de estabelecer uma zona de livre comércio inter-
regional no horizonte do ano 2015, entre a UE e o MERCOSUL,
que mitigasse o déficit comercial mantido em conjunto com a
UE; o segundo, a compensação do déficit pelos volumosos in-
vestimentos europeus no Brasil, destacadamente os espanhóis,
que permitiram estabelecer uma nova pauta nas relações eco-
nômicas bilaterais, mesmo que as demandas contra as práticas
protecionistas do bloco europeu continuassem presentes118 .
Definitivamente, o balanço que apresenta o ingresso da Espanha
na CEE deve ser qualificado como ambivalente. No referente
ao comércio brasileiro com o bloco europeu se deu um agrava-

117
BAKLANOFF, E.: “Spain´s economic strategy toward the ´nations of its historical community´: the
reconquest of Latin America”, Journal of Interamerican studies and world Affairs, vol.38, nº 1, spring, 1996,
pág. 113.
118
GRUGEL, Jean: “Spain, the EU and Latin America: Governance and Identity in the making of ´New´
Inter-Regionalism”, Documento de Trabajo, Real Instituto Elcano, 8 de novembro de 2002.

216
capítulo 4
a intensificação das relações hispano-brasileiras (1979 – 1995):
democracia, integração e estabilidade econômica.

mento nas condições do intercâmbio econômico que prejudicou


ao Brasil afetando suas exportações de produtos manufaturados
(têxteis e produtos siderúrgicos) e agrícolas (açúcar e café).

Os primeiros investimentos espanhóis


Entre 1980 e 1990, o traço principal do investimento dire-
to espanhol no Brasil foi sua pouca presença. Nesse período,
como assinala ARAHUETES, se podem assinalar três fases do
investimento espanhol na América Latina: uma breve fase ex-
pansiva (1980-1982), propíciada pelo decreto de liberalização
de investimentos diretos, de setembro de 1979, no Governo
Suárez; uma etapa caracterizada pela desaceleração do inves-
timento (1983-1986), que supõe o declive dos investimentos
na América Latina; uma terceira fase de consolidação e deco-
lagem (1987-1990) cujos traços foram a intensa absorção de
fluxos de investimento direto pelos países da CEE e a paulatina
e diferenciada atração pelos países da América Latina119. O caso
espanhol no Brasil não se distanciava muito da tônica geral do
investimento espanhol na região.
Na breve fase de expansão (1980-1982), o Brasil representava
9,5% e 4,6% respectivamente dos investimentos espanhóis na
América Latina. No ranking mundial de investidores, Espanha ocu-
pava o posto vigésimo com uma porcentagem de 0,4% dos investi-
mentos totais recebidos no Brasil. Por sua vez, os investimentos
brasileiros na Espanha, se reduziam em 1983, a uma cifra quase
irrisória, 14 milhões de dólares, concentrados na área financeira.
Na fase de desaceleração dos investimentos (1983-1986), se cons-
tata o declive dos investimentos espanholas no Brasil, que nesse
quadriênio representam sucessivamente 0,6 %, 5,6%, 3,6% e 2,2%
do total investidor da Espanha na região. Segundo dados do Minis-
tério da Fazenda, em 1986, os investimentos diretos da Espanha no
Brasil se caracterizaram por um forte retrocesso, em valores abso-
lutos e relativos, respeito a exercícios anteriores ao cair quase 50%

119
ARAHUETES, Alfredo: La inversión extranjera directa en América Latina (1980-1990), comportamiento
de las inversiones españolas, Tese de doutorado, Universidade Pontificia de Comillas, 1996, pág. 380.

217
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

frente aos realizados em 1985, representando um 2,2% do total


investidor espanhol na América Latina e um 0,46% do total no
estrangeiro120. Na etapa caracterizada como de “consolidação e
decolagem” (1987-1990), a presença investidora espanhola no
Brasil recupera o tom e fixa um marco em 1990.
Os dados para esse quadriênio arrancam com um 9,4 do total
investidor espanhol na América Latina dirigido ao Brasil, para cair
em 1988 a 5,5% e a 1,8% em 1989 e decolar até alcançar 11% em
1990. Mesmo que as cifras de 1991 fossem boas (9,7% do investi-
mento total na América Latina se destinou ao Brasil), os anos se-
guintes, até 1994, mostram o impacto da desestabilização econô-
mica brasileira, a crise econômica na Espanha com as sucessivas
desvalorizações da peseta e a recessão internacional, fatores que
em conjunto configuravam todas as condições para o retraimento
do investimento espanhol no Brasil121.

Gráfico nº 2
Investimentos diretos da Espanha no Brasil (1981-1992)

Ano Valor % %
milhões de ptas. sobre total IED espanhol sobre total IED espanhol
na Iberoamérica no mundo

1981 1.604 9,5 5,1


1982 1.372 4,6 2,1
1983 81 0,6 0,2
1984 665 5,6 1,3
1985 624 3,6 1,4
1986 308 2,2 0,5
1987 1.508 9,4 1,5
1988 1.650 5,5 0,7
1989 740 1,8 0,2
1990 8.043 11 1,7
1991 8.522 9,7 1,3
1992 1.272 4,2 0,2

Fonte: Elaboração própria selecionando dados de ARAHUETES, A: “Las inversiones directas de España en
América Latina, 1981 - 1992”, Revista CIDOB, nº 31, 1996.

120
“Relaciones financieras hispano-brasileñas”, Boletín ICE, nº 2094, 20 a 26 de julho de 1987, pág.2671.
121
Para as estatísticas manejadas ver ARGÜELLES, J. e ARAHUETES, A.: “Las inversiones directas de
España en América Latina, 1981-1992”, Revista CIDOB d´Afers Internacionals, nº 31, 1996.

218
capítulo 4
a intensificação das relações hispano-brasileiras (1979 – 1995):
democracia, integração e estabilidade econômica.

Por setores, em 1990, os investimentos espanhóis no Brasil se


dirigiam ao setor serviços (53,8%) com presença destacada nos
bancos comerciais e na prestação de serviços financeiros (36,1%)
e ao setor da indústria de transformação (40,7%) com uma impor-
tante participação do capital dirigido à indústria siderúrgica
(19,6%).
Segundo a visão espanhola, existiam vários fatores para expli-
car o baixo perfil investidor da Espanha no Brasil. Fatores
explicitados em algumas frases pronunciadas pelo presidente
González ao receber ao presidente Collor, na sua visita oficial de
1990, quando afirmava que o Brasil necessitava demonstrar
confiabilidade e reordenar sua economia como solução para a ori-
entação dos fluxos financeiros internacionais ao país122. De forma
menos diplomática, o presidente da Confederação Espanhola de
Organizações Empresariais (CEOE), José María Cuevas, sentenci-
ava nas mesmas datas: “hoje eu não investiria nem um centavo no
Brasil”. O empresário demandava ao Governo do Brasil uma modi-
ficação substancial da legislação restritiva para a entrada do capi-
tal estrangeiro que incluísse garantias, condição chave para recon-
quistar a confiança do dinheiro espanhol, junto da aceleração do
processo privatizador123. Em qualquer caso, as potencialidades do
mercado brasileiro, sua capacidade de crescimento a taxas eleva-
das, a realidade econômica de sua indústria e a geração de impor-
tantes superávits comerciais pelo país constituíam fatores que pe-
savam positivamente para a promoção dos investimentos espanhóis
no Brasil.
No que se refere à conexão entre investimento e comércio,
pelo menos desde 1987, os dois Governos tinham estabelecido
a existência de uma relação causa-efeito entre os dois termos
de uma equação que não conseguia despejar-se, a julgar pelos
desequilíbrios comerciais. Se para o Itamaraty, os poucos in-
vestimentos espanhóis no Brasil constituíam um fator que pe-
sava consideravelmente na debilidade do intercâmbio comer-

122
“Brasil tem de mostrar confiabilidade, diz González”, Folha de São Paulo, 11 de fevereiro de 1990.
123
“Espanhóis condenam protecionismo” , O Globo, 18 de maio de 1982.

219
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

cial, para as autoridades espanholas a reversão do déficit devia


passar pela via da expansão dos investimentos no mercado bra-
sileiro. Estimava-se que uma primeira medida nessa linha, po-
dia ser a reconversão dos 600 milhões de dólares da dívida bra-
sileira com a Espanha em investimentos124. Nesta linha, a polí-
tica dos Governos socialistas para o Brasil continha um cálculo
estratégico segundo o qual a superação da crise econômica bra-
sileira exigiria a adoção de medidas por parte de Brasília para
facilitar maiores investimentos que possibilitassem vias de cres-
cimento e desenvolvimento. Essas oportunidades - ocasionadas
pelas esperadas medidas de privatização das empresas públi-
cas, liberalização das importações, atração dos capitais estran-
geiros - deviam ser aproveitadas pelos investimentos espanhóis
e constituíam uma perspectiva de mudança e transformação real,
que na opinião do conselheiro econômico da Embaixada da
Espanha no Brasil, permitiria uma maior inter-relação e pre-
sença comercial em um futuro imediato125.

4.4.- As relações sociais, culturais e de cooperação.


No campo das relações sociais, culturais e de cooperação, a
Espanha democrática demorou em desfazer-se do pesado fardo de
quarenta anos de política franquista para o Brasil. Mesmo que de-
vam reconhecer-se os avanços realizados naquela etapa nas ques-
tões migratórias, na intensificação das relações culturais bilaterais
e na implementação de iniciativas cooperativas, a ideologia que
adotou a ditadura nestas matérias e as perspectivas erradas que
esqueciam a especificidade brasileira no conjunto dos países lati-
no-americanos, com a ênfase no caráter hispânico do Brasil,
lastraram os primeiros passos da Espanha durante os governos
centristas. Despojar-se das ataduras com o passado e transmitir ao
Governo brasileiro o novo enfoque que pensava imprimir-se às re-
lações sociais, culturais e cooperativas foram as prioridades da ação
exterior da Espanha democrática.

124
“Para elevar comércio, Espanha quer aumentar investimento no Brasil”, Gazeta Mercantil, 17 de junio de
1987.
125
GARCÍA LÓPEZ, José A.: “La inversión: un aspecto crucial en las relaciones comerciales con Brasil”,
Cinco Días, 29 de outubro de 1988.

220
capítulo 4
a intensificação das relações hispano-brasileiras (1979 – 1995):
democracia, integração e estabilidade econômica.

As relações sociais
Apesar da diminuição dos fluxos migratórios de espanhóis para
o Brasil a partir de 1970, a presença de uma numerosa colônia de
nacionais espalhada pelo território brasileiro exigia atenções es-
peciais por parte dos primeiros Governos democráticos da Espanha.
Estas atenções se dirigiam à melhora das condições de vida dos
espanhóis no Brasil, à eliminação dos impedimentos impostos pela
legislação brasileira para que os emigrantes pudessem retornar ou
viajar para seu país natal e a sua participação na recém inaugura-
da etapa democrática espanhola. Estes temas estiveram presentes
nas reuniões preparatórias entre o embaixador da Espanha e os
responsáveis do Itamaraty por causa da visita de Adolfo Suárez.
Naqueles encontros o embaixador espanhol solicitou às autorida-
des brasileiras a inclusão de um tópico sobre política migratória,
com vistas à renovação do Acordo de Emigração em vigor. O pri-
meiro resultado da visita presidencial, foi a eliminação pelo Go-
verno brasileiro do depósito obrigatório que os emigrantes tinham
que efetuar se queriam abandonar o país126. Uma velha demanda
dos emigrantes espanhóis, que solicitavam sua extinção ou sua
compensação através da redução de tarifas em Ibéria.
Outra demanda efetuada pela colônia espanhola a Suárez foi a
necessidade de compatibilizar a legislação espanhola e brasileira
com relação à aposentadoria já que, na Espanha, se alcançava au-
tomaticamente aos 65 anos, enquanto no Brasil poucos emigrantes
conseguiam trabalhar 35 anos para aposentar-se. Dois anos de-
pois, os 300.000 espanhóis que se calculava viviam no Brasil se
beneficiavam da assinatura de um convênio bilateral que garantia
a assistência da segurança social, através da criação de um centro
de atenção médica exclusivo para a colônia espanhola127. Em com-
pensação, o Governo espanhol ofereceu ao brasileiro atenção mé-
dico-hospitalar para cerca de 50.000 brasileiros que se estimava
acudiriam ao mundial de futebol da Espanha-82. A partir de 1992,
com as primeiras chegadas de brasileiros em número considerável
aos países da UE, o Itamaraty começou a incorporar na sua agenda

126
“Depósito, pedido satisfeito”, O Estado de São Paulo, 9 de agosto de 1979.
127
“Brasil e Espanha fazem convenio”, O Estado de São Paulo, 8 de novembro de 1981.

221
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

bilateral com a Espanha o tema da proteção de seus nacionais.


Sustentava-se desde Brasília que, se bem o ingresso da Espanha
na CEE tinha contribuído positivamente para o aperfeiçoamento
das relações bilaterais, poderia registrar-se um desgaste se o país,
em cumprimento das exigências comunitárias, controlasse mais
estreitamente a entrada de estrangeiros. Levando em conta que
nesses anos, surgiram numerosos problemas pela expulsão de ci-
dadãos brasileiros na Espanha, o Itamaraty recomendava à Embai-
xada em Madri seguir com atenção a evolução do problema para
evitar possíveis fricções e antecipar soluções em benefício dos ob-
jetivos mais amplos das relações bilaterais128.

As relações culturais
As relações culturais da Espanha com o Brasil apresentavam
algumas características peculiares, em função das suscetibilidades
e resistências que ao longo do regime franquista se tinham desen-
volvido ao respeito entre os brasileiros. No terreno cultural, as re-
alizações da Espanha democrática, entre 1979 e 1992, estiveram
condicionadas pela pouca atenção dedicada a este aspecto da ação
exterior do país129. No caso brasileiro, deviam acrescentar-se as
restrições orçamentárias que restringiam as iniciativas e ativida-
des culturais iniciadas desde a Embaixada em Brasília. A agenda
bilateral cultural apresentava em 1979 um perfil bastante modes-
to, concentrado nos problemas derivados das dificuldades para a
convalidação de diplomas e títulos, a concessão de bolsas de estu-
dos, o intercâmbio e a doação de livros, a revitalização da Casa do
Brasil em Madri, a criação de cursos de espanhol e português, o
intercâmbio científico e tecnológico, a assinatura de convênios
interuniversitários, a restauração artística e conservação de monu-
mentos e a renegociação dos Acordos Cultural de 1960 e de co-
produção cinematográfica.
Por causa da visita do Rei ao Brasil, em 1983, a inclusão de
temas de caráter cultural na agenda bilateral foi um elemento de

128
Informe confidencial do MRE sobre Cúpulas Iberoamericanas, AHIB, julho de 1993, pág.67.
129
ARENAL, C. del e NAJERA, A.: La Comunidad Iberoamericana de Naciones, Madri, CEDEAL, 1992,
pág.485.

222
capítulo 4
a intensificação das relações hispano-brasileiras (1979 – 1995):
democracia, integração e estabilidade econômica.

destaque. O Itamaraty considerava que o Governo socialista dese-


jaria manter amplas conversações sobre assuntos de natureza cul-
tural, em função das “energias com as quais a Espanha procurava
a liderança espiritual do mundo ibérico e pela vinculação do Mi-
nistro de Assuntos Exteriores, Morán, com os meios intelectuais e
artísticos espanhóis”. Desta forma, se perseguia retomar a colabo-
ração cultural como instrumento da ação política da Espanha na
Iberoamérica, “a exemplo do que se fazia, nem sempre com suces-
so, durante o regime de Franco”130. A prova mais evidente do esta-
do melancólico das relações culturais hispano-brasileiras naque-
les anos estava constituída pela ausência de reuniões da Comissão
Mista criada pelo Acordo Cultural. Entre 1979 e 1984 esta Comis-
são não se reuniu nenhuma vez. Poucos assuntos alcançaram rele-
vância na agenda bilateral cultural daqueles anos, sendo destacáveis
as negociações para a adesão do Brasil à Organização de Educação
Ibero-americana, em 1979, e sua desvinculação em 1982, frente à
qual as autoridades espanholas realizaram diferentes gestões, sem
sucesso, para conseguir o reingresso do país na instituição. As ra-
zões aduzidas pelo Brasil – a elevada quota a pagar na entidade -
manteve vigente a retirada brasileira por alguns anos. Entre os in-
teresses brasileiros na sua política cultural com a Espanha, a con-
cessão de bolsas de estudos ocupavam boa parte dos esforços e
preocupações da Embaixada do Brasil em Madri. Seu insuficiente
número e a desproporção entre as ajudas outorgadas aos estudan-
tes brasileiros e a outros estudantes latino-americanos – atenden-
do à ratio bolsas de estudos/número de habitantes – foram os prin-
cipais motivos das queixas. Entre 1980 e 1990, o Instituto de Co-
operação Ibero-americana (ICI) concedeu 591 bolsas de estudos a
brasileiros destinadas ao desenvolvimento de estudos em diferen-
tes níveis em centros universitários e de pesquisa na Espanha. A
cifra representava 9% do total das bolsas de estudos concedidas a
estudantes latino-americanos, situando-se o Brasil atrás da Argen-
tina (14%), o México (11%), a Colômbia (10%) e o Chile (9%).131

130
Relatório Visita do Rei da Espanha, AHIB, 1983, caixa 05, pp. 22-24.
131
Dados extraídos da AGÊNCIA ESPANHOLA DE COOPERAÇÃO INTERNACIONAL: Instituto de
Cooperación Iberoamericana (ICI): Catálogo de antigos bolsistas 1980-1991, Madri, 1991, pp.9-14.

223
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

A língua espanhola no Brasil


O ensino do espanhol ocupava um lugar privilegiado entre os
temas da agenda cultural daqueles anos. A questão obteve uma
atenção especial desde o Governo Kubitschek. Mesmo que o tema
tivesse caído no esquecimento no âmbito federal, o certo é que no
âmbito dos Estados a questão progrediu consideravelmente, cons-
tituindo o Estado de Guanabara (atual Rio de Janeiro) a primeira
experiência desse processo ao aprovar-se um decreto, em 1967,
pelo que se estabelecia a obrigatoriedade do espanhol no bachare-
lado de Letras. Nos anos seguintes, em diferentes graus e medidas,
os Estados de São Paulo e Rio Grande do Sul incorporaram nas
suas escolas o ensino da língua espanhola.
Para alguns analistas, a questão da língua constituía um dos
principais empecilhos que deviam superar as relações bilaterais.
Apesar da tal “semelhança” entre o português e o espanhol, se
afirmava desde o Brasil que o maior inconveniente nas relações
culturais entre os países eram os idiomas que representavam o prin-
cipal fator do abismo cultural. Como explicar então que a atenção
da Espanha se dirigisse para os países de língua hispânica? O que
havia de errado na relação cultural entre o Brasil e a Espanha? Por
que a Espanha não se aproximava mais do Brasil e vice-versa?
Poderiam ser achadas possíveis explicações nas dificuldades dos
espanhóis para assimilar o português e a cultura lusa – o que não
sucedia geralmente ao contrário – e na ausência de reciprocidade,
pois parecia impensável que se introduzisse o ensino do português
no sistema educacional espanhol. Todos estes elementos formavam
um mosaico de problemas para as relações culturais hispano-bra-
sileiras, dos quais a língua era o primeiro que surgia historicamen-
te e do qual surgiam os outros.
A partir da criação do MERCOSUL, em 1991, as expectativas
de uma ampliação das possibilidades do espanhol no Brasil foram
rapidamente em aumento. Respondendo a sua situação geográfica
como “centro” do MERCOSUL, os Estados de Santa Catarina e
Rio Grande do Sul anunciaram, no final de 1991, a incorporação
obrigatória do espanhol ao ensino primário solicitando que, em
contrapartida, os países limítrofes adotassem semelhantes medi-
das para o ensino do português. Retomando o sentido e a significa-

224
capítulo 4
a intensificação das relações hispano-brasileiras (1979 – 1995):
democracia, integração e estabilidade econômica.

ção da mensagem enviada ao Congresso Nacional por Kubitschek,


o presidente Itamar Franco avançou mais um passo neste longo, e
nem sempre reto caminho da introdução do ensino do espanhol em
Brasil. Em um gesto simbólico, uns dias antes da inauguração da
III Cúpula Ibero-americana de Salvador de Bahia, o presidente
remeteu ao Congresso Nacional um projeto de lei para a introdu-
ção do espanhol no primeiro e segundo grau do ensino básico do
Brasil. As razões aduzidas no texto presidencial se centravam na
necessidade de recuperar o tempo perdido na integração regional e
facilitar os intercâmbios humanos, culturais e econômicos entre os
países vizinhos com base na reciprocidade do conhecimento do
português na América hispana132. Paralelamente a estas medidas,
não tanto por sua aplicação direta, mas por sua repercussão na
opinião pública, se começava a produzir uma ebulição entorno da
língua espanhola que se plasmou em certos desajustes entre a de-
manda e a oferta, fundamentalmente privada, em detrimento da
qualidade e a exigência mínima para seu ensinamento. A partir de
1995, a política cultural externa de Espanha dirigirá para o ensino
do espanhol no Brasil um de seus principais objetivos com uma
dupla finalidade: suprir na medida do possível a carência de pro-
fessores de espanhol desenvolvendo programas de formação para
esse coletivo e incentivar a difusão da língua espanhola por todos
os Estados brasileiros.

As relações de cooperação
No campo das relações de cooperação, a Espanha se encontra-
va, em 1979, em plena situação de reestruturação organizativa no
que se refere às instituições que tradicionalmente haviam dirigido
suas atividades à cooperação com a América Latina. A reorganiza-
ção e as mudanças de denominação do Instituto de Cultura Hispâ-
nica em Centro Ibero-americano de Cooperação e, posteriormente,
em Instituto de Cooperação Ibero-americana consumiram boa par-
te das forças e os recursos, poucos naqueles tempos, que a Espanha

132
“El Gobierno brasileño estudia la obligatoriedad del español”, ABC, 5 de junho de 1993; “El presidente
de Brasil envía al Congreso la ley que establece la enseñanza obligatoria del español”, ABC, 11 de julho de
1993.

225
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

destinava à região. Por outra parte, o perfil da cooperação espa-


nhola para o Brasil se tinha caracterizado pelas iniciativas de coo-
peração técnica, social e científica, além das bolsas de estudos
reservadas a estudantes brasileiros. Pouco ou quase nada existia
em matéria de ajuda ao desenvolvimento para Brasil, registrando-
se a concessão de alguns créditos FAD em 1981. Em conseqüên-
cia, segundo GONZÁLEZ CALLEJA, a ajuda ao desenvolvimento
significava uma das disciplinas pendentes da política espanhola
para a América Latina, sendo necessário ampliar seu conteúdo prá-
tico. Para não perder a perspectiva, convêm não esquecer que a
Espanha continuava sendo país- receptor de fundos internacionais
e que em 1981 estava ainda classificado como País em Desenvol-
vimento pelo Banco Mundial. É a partir de 1985, que a Espanha
assume decididamente sua condição de país-doador e quando se
pode falar de ajuda espanhola ao desenvolvimento para o Brasil133.
Até esse momento existia uma variada gama de atividades com o
Brasil que englobavam uma série de convênios de cooperação para
o uso pacífico da energia nuclear, sócio-trabalhistas, de assistên-
cia técnica, cientistas e culturais, mas não especificamente ajuda
ao desenvolvimento.
A visita de Fernández Ordóñez ao Brasil, em 1987, marcou o
início de uma nova etapa na cooperação com o Brasil, não tanto
pela assinatura de um convênio de cooperação técnica agrária e
outro de caráter cultural cuja finalidade era a revitalização do cen-
tro histórico da cidade de João Pessoa, mas pelas expectativas que
abriam dois novos fatores: o papel da Espanha no seio das institui-
ções comunitárias, demandando a canalização de maiores recursos
do orçamento da CEE para a América Latina e a prioridade que o
Governo socialista atribuía à região na sua política de cooperação
internacional. Os frutos da atuação espanhola em Bruxelas se re-
colheram quando em 1988, o orçamento comunitário para a Amé-
rica Latina saltou do 25 a 35%, o que se interpretou por algum
diplomata brasileiro como “um reflexo dos crescentes interesses

133
Ver ALONSO, J.A.: “La cooperación española en las evaluaciones del CAD”, Revista Española de Desarrollo
y Cooperación, nº 11, otono/inverno, 2003, pág.45.

226
capítulo 4
a intensificação das relações hispano-brasileiras (1979 – 1995):
democracia, integração e estabilidade econômica.

comerciais, financeiros e industriais que a Espanha possuía na re-


gião” 134 . A prioridade latino-americana da política de cooperação
espanhola se refletia na dotação de 45% do total dos fluxos de
Ajuda Oficial ao Desenvolvimento (AOD) para a região, no ano
1988. Outra questão muito diferente era a distribuição destes fun-
dos, dos quais o Brasil não foi o principal destinatário apesar de
suas graves carências sociais e seus enormes bolsões de pobreza.
A especificidade econômica e industrial do Brasil pôde pesar
na hora de considerar-se as prioridades da cooperação espanhola,
talvez mais orientadas para aqueles países latino-americanos com
mais um perfil acentuado de pobreza e subdesenvolvimento. De
fato, no âmbito da Comunidade Européia, a consideração do Brasil
como país em desenvolvimento foi, como assinala ARENAL135,
objeto de controvérsias no momento da negociação do Acordo de
Cooperação Brasil-CEE.
Quando se atende às previsões de despesas em cooperação in-
ternacional publicadas pela AECI, para o triênio 1988-1990, o
capítulo “Brasil” presenta resultados desiguais. Considerando o
ano 1988 como ponto de partida, se destinaram 138 milhões de
pesetas ao Brasil136, quantidade que cai até 55 milhões em 1989 e
ascende de novo até os 117 milhões de 1990. O quadriênio (1990-
1994) reflete uma severa queda nos fluxos de AOD espanhóis para
o Brasil no primeiro ano e uma recuperação nos três seguintes. Em
1991 e 1992, se dirigem 57 e 158 milhões de pesetas respectiva-
mente e se produz um leve aumento em 1993 e 1994, de 182 e 218
milhões.
Frente a outros países latino-americanos, a tônica do lugar que
o Brasil ocupou no ranking da cooperação espanhola foi de discri-
ção e pouca importância. Em 1991, o Brasil ocupava o décimo
sétimo lugar em um universo de vinte países ibero-americanos.
Em 1992, desce ao décimo oitavo posto entre vinte Estados de

134
Ofício confidencial do Embaixador do Brasil na Espanha, João Carlos Fragoso, para SERE, 30 de maio de
1988, AHIB, caixa 327.
135
ARENAL, C. del: “Los acuerdos de cooperación entre la UE y AL (1971-1997): evolución, balance y
perspectivas”, Revista Española de Desarrollo y Cooperación, nº 1, 1997, pág.119.
136
AECI: Plano Anual de Cooperação Internacional, Madri, 1988-1994; Cifras arredondadas.

227
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

Iberoamérica que receberam esse ano fundos da cooperação espa-


nhola. Em 1993, o lugar do Brasil no ranking foi de novo o décimo
oitavo de vinte e dois países. Atendendo ao tipo de cooperação
emprestada, os fundos se dirigiam principalmente à partida “As-
sistência Técnica e Cooperação Cultural”, enquanto praticamente
não se contabilizavam despesas em créditos FAD, perdão de dívida
ou ajuda alimentícia.
No que se refere à atuação das ONG espanholas no Brasil, os
resultados foram igualmente pobres. É certo que o fenômeno do
surgimento destas organizações se encontrava ainda em estado
embrionário. Assim, entre 1980 e 1990, se tinham criado 24 ONG
na Espanha137. Sua orientação geográfica, concentrada na execu-
ção de projetos na América Latina, se dirigia dentro da região para
os países com um marcado perfil de pobreza e principalmente aos
países hispânicos. Em 1990, o Brasil era o último país em número
de projetos subvencionados as ONG espanholas pela Secretaria de
Estado para a Cooperação e para Iberoamérica (SECIPI) com um
único projeto por um montante de nove milhões de pesetas, 1,13
da porcentagem total. Quatro anos depois o panorama tinha melho-
rado moderadamente, com 5 projetos subvencionados no valor de
219 milhões de pesetas, representando quase 3% do total. Entre
as ONG espanholas que atuavam no Brasil se destacavam as
dedicadas à preservação meio ambiental, que ao calor das reper-
cussões mundiais da Cúpula do Meio Ambiente do Rio de Janeiro,
em 1992, tinham conseguido incitar a atenção dos meios de comu-
nicação e da opinião pública. Por exemplo, a ONG Paz e Coopera-
ção do sindicato Comisiones Obreras, anunciava em 1992 sua par-
ticipação em projetos de desenvolvimento meio ambiental na Ama-
zônia brasileira dirigidos à proteção dos povos indígenas138.
O panorama da cooperação espanhola ao desenvolvimento para
o Brasil se poderia caracterizar nestes anos pelo seu pouco volume

137
Datos da Fundação CIDOB: Anuário Internacional CIDOB 1990, Madri, 1991, pág.319.
138
“Varias instituciones españolas cooperarán en varios proyectos en la Amazonia brasileña”, El País, 6 de
dezembro de 1992.

228
capítulo 4
a intensificação das relações hispano-brasileiras (1979 – 1995):
democracia, integração e estabilidade econômica.

e pouca importância no conjunto dos fundos destinados à América


Latina. Às dificuldades derivadas da especificidade brasileira re-
lacionadas com seu alto nível de desenvolvimento relativo e as
magnitudes continentais do país faziam com que os infortunados
recursos espanhóis em matéria de cooperação se diluíssem na imen-
sidade do pais e tivessem um pequeno impacto na mitigação das
carências existentes. Possivelmente, a via para atenuar estas difi-
culdades não fosse, desde a perspectiva do pragmatismo que ca-
racterizava à diplomacia do Itamaraty, a dos projetos de coopera-
ção e sim a da intensificação das relações comerciais bilaterais e a
afluência de capitais espanhóis em forma de investimentos dire-
tos.

229
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

Capítulo 5
A associação ou parceria hispano -brasileira:
hispano-brasileira:
de Cardoso a Lula (1995 – 2005)

5.1.- R elações privilegiadas e prioritárias.


Relações
O Brasil sempre considerou as possibilidades oferecidas pelos
países da Europa Ocidental para conseguir os insumos necessários
para a realização de seu interesse nacional. Desse modo, se esta-
beleceram três eixos principais que continham as características
mais gerais das relações de Brasil com a Europa Ocidental. Eixos
organizados em função do sentimentalismo, a instrumentalidade
ou a indiferença que presidiam o modelo de relações bilaterais e a
política externa brasileira para a Europa. Desde a perspectiva da
construção da parceria ou relação privilegiada hispano-brasileira,
a afluência em massa dos investimentos espanhóis, a partir de 1996,
é o elemento que permite defender que as relações bilaterais de-
vem explicar-se hoje pelo “eixo instrumental”, produzindo-se a
superação da ótica do “eixo sentimental”.
Graças à boa sintonia política e aos interesses econômicos,
outros âmbitos das relações hispano-brasileiras, cultura e coope-
ração destacadamente, se beneficiaram de avanços substantivos.
Nunca na sua história recente, os dois países se tinham encontrado
tão perto, nem tinham despertado tanto interesse nas suas respec-
tivas sociedades. A constituição efetiva de uma parceria hispano-
brasileira, além da satisfação dos interesses mútuos, com suas ca-
racterísticas de complementaridade e busca no outro sócio dos re-
cursos e capacidades dos que não se dispõem, vai acontecer defi-
nitivamente a partir de 1995. Posteriormente, quando no ano 2000
a Espanha atinja o primeiro lugar no ranking mundial de investi-
dores no Brasil, proliferarão nos discursos oficiais e nos comentá-
rios da imprensa as referências à parceria bilateral como um com-
promisso sólido ancorado em firmes bases políticas, econômicas,
históricas e culturais.
As relações entre o Brasil e a Espanha foram abordadas, desde
o âmbito acadêmico brasileiro, com base na existência de um “eixo
sentimental” dentro do qual existiam poucas possibilidades de re-
230
capítulo 5
a associação ou parceria hispano-brasileira: de Cardoso a Lula (1995 – 2005)

alização de interesses econômicos, ao encontrar-se os contatos en-


tre os dois países caracterizados por um forte componente de sim-
patia recíproca, pela identidade cultural primária e pelos grandes
contingentes de emigrantes. As mudanças experimentadas no grau
de intensidade das relações hispano-brasileiras determinaram a
passagem de um eixo a outro, de acordo a uma conjuntura que per-
mitiu à Espanha converter-se em sócio estratégico do Brasil graças
ao aporte fundamental dos capitais espanhóis. Tal mudança res-
ponde, no plano teórico-conceitual, ao fato de que as linhas gerais
ou eixos que explicam as relações exteriores do Brasil não sejam
estáticos, mas apenas predominantes e, em conseqüência, as ca-
racterísticas das relações bilaterais podem mudar, demonstrando
sua adaptabilidade às novas circunstâncias. O que permite defini-
tivamente defender o trânsito do “eixo sentimental” ao “eixo ins-
trumental”, é a convergência nas condições necessárias para a iné-
dita afluência de capitais espanhóis ao Brasil. Por uma parte, a
estabilização e a modernização da economia espanhola, integrada
nas demandas de competitividade do projeto europeu de integração,
criando condições para o estabelecimento de atores econômicos
aptos para atuar em espaços extracontinentais. Por outra parte, o
avanço da estabilização, a abertura comercial e a liberalização eco-
nômica no Brasil geravam oportunidades atrativas para o investi-
mento em setores em vias de privatização, especialmente nos ser-
viços públicos1.
Se houvesse que sintetizar em uma frase os fatores explicativos
desta nova realidade, poderia ser dito que as transformações que
se produziram na economia espanhola e brasileira foram decisivas
para a internacionalização das empresas da Espanha e para que
existissem as vantagens de localização no Brasil, de modo que na
década dos noventa se encontrou, pelo lado da oferta (Espanha),
uma importante disponibilidade de capitais e, pelo lado da deman-
da (Brasil), umas políticas de desenvolvimento com abertura ex-
terna necessitadas de enormes fluxos de capitais.2

1
LESSA, Antônio: A parceria bloqueada, as relações entre França e Brasil, 1945-2000, Tese de doutorado,
Universidade de Brasília, 2000.
2
DÉNIZ, José: “Dinamismo recíproco de España e Iberoamérica”, Cadernos de Estratégia, Ministério de
Defesa, nº 118, junho, 2002, pp.187-211.

231
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

A definitiva superação do “eixo sentimental” e o trânsito para


o “eixo instrumental”, se foi configurando como uma realidade em
processo de consolidação. Indicadores como o volume de investi-
mentos, a intensidade dos contatos políticos, o aumento do número
de visitas ao mais alto nível, os vínculos cooperativos, educativos e
culturais permitem defender a hipótese que encontra no “eixo ins-
trumental” uma ferramenta adequada para a compreensão e expli-
cação das relações hispano-brasileiras. Em conseqüência, Espanha
se transformou em sócio privilegiado do Brasil graças à constitui-
ção de uma associação solidamente ancorada em um excelente
patrimônio de convergências, interesses e relações institucionais
que contribuíram para maximizar a presença de cada um dos paí-
ses no palco internacional3.

5.2.- As relações políticas e a construção da “parceria


“parceria””
bilateral.
O processo de amadurecimento das relações políticas entre a
Espanha e o Brasil, exigiu da parte espanhola mais tempo, mais
precauções e mais esforços diplomáticos que os dedicados às rela-
ções com outros países latino-americanos. A falta de consciência
entre os formuladores da política externa da Espanha sobre a
especificidade brasileira no conjunto da Iberoamérica, os tropeços
operacionais no caminho percorrido, a ausência de interesses es-
tratégicos comuns e as barreiras impostas pelo desconhecimento
recíproco foram empecilhos consideráveis que só conseguiram ser
superados depois de décadas de um paciente trabalho de aproxi-
mação, compreensão e contatos no nível político-diplomático. É
precisamente na etapa Cardoso, quando as relações hispano-brasi-
leiras conhecem seu momento culminante de aproximação e dina-
mismo, plasmado no plano político na profusão de produtivos con-
tatos regulares ao mais alto nível que refletiam a nova fase das
relações bilaterais.

As relações políticas durante o Governo de Cardoso

3
Discurso do ministro de Estado, Celso Lafer, Madri, Casa de América, 30 de abril de 2002.

232
capítulo 5
a associação ou parceria hispano-brasileira: de Cardoso a Lula (1995 – 2005)

O aprofundamento das relações políticas hispano-brasileiras


pode constatar-se, em primeiro lugar, no plano diplomático. Nesta
etapa os contatos entre os Ministérios de Assuntos Exteriores do
Brasil e da Espanha foram regulares, pelos menos com um encon-
tro anual entre os respectivos Chanceleres desde 1995. A realiza-
ção de reuniões de consultas políticas em nível de secretários de
Estado (Salamanca em 1997, Rio de Janeiro em 1998, Marbella
em 1999, Rio de Janeiro em 2000, Madri em 2001, Rio de Janeiro
em 2002) constituiu um fórum de diálogo permanente para o trata-
mento dos temas bilaterais, regionais e mundiais como testemunha
à variada gama de questões abordadas e a sintonia habitual no re-
passe dos assuntos de atualidade internacional. Este fórum teve
também a virtude de garantir, desde uma abordagem flexível, in-
formal e abrangente, um tratamento para os temas de interesse co-
mum que não seria possível em visitas formais.4
No plano governamental, as visitas realizadas e os contatos de
alto nível foram regulares e produtivos como correspondia à nova
fase das relações bilaterais. Para o Itamaraty, estas visitas foram
funcionais ao objeto de proporcionar um crescente grau de
concertação, ajudando na identificação de amplas áreas de enten-
dimento e de novos campos para a cooperação5. Entre 1995 e 2000,
ocorreram numerosos encontros entre o presidente Cardoso e os
presidentes espanhóis, no contexto estritamente bilateral (visitas
do presidente González e do presidente Aznar ao Brasil ou de Car-
doso à Espanha) e no contexto multilateral (Cúpulas Ibero-ameri-
canas, Cúpulas União Européia-América Latina e Caribe) onde os
governantes dos dois países se prodigalizaram em conversações e
mini-cúpulas paralelas. As visitas serviam também à finalidade de
proporcionar uma maior visibilidade às relações bilaterais, trans-
mitindo à opinião publica espanhola e brasileira, os avanços e
beneficios mútuos em suas vertentes política, econômica, cultural
e cooperativa. Os meios de comunicação acompanharam, em oca-

4
Ver a respeito LAFER, Celso: “As relações Brasil – Espanha e a Cúpula de Madri”, Carta Internacional, nº
111, maio, 2002, pp.1-2.
5
MRE: “Relacionamento Brasil-Espanha”, Assessoria de Comunicação Social, informação nº 483, 11 de
outubro de 2000.

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As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

siões com desdobramentos significativos, as atividades desenvol-


vidas nestes encontros6 produzindo imagens que incidiam na aber-
tura de uma nova fase das relações bilaterais, caracterizadas agora
pelos temas econômicos 7.
Pelas circunstâncias que a rodearam, pelo seu significado e
pelo ponto de amadurecimento ao que tinham chegado as relações
hispano-brasileiras, a segunda visita dos Reis da Espanha ao Bra-
sil representou o ponto culminante das relações políticas bilate-
rais. A visita dos monarcas, em julho de 2000, marcou pelo seu
peso simbólico, no início do século XXI, a importância que a
Espanha concedia ao Brasil em sua política externa e, como se
afirmava desde o Palácio da Santa Cruz, representava o “caráter
prioritário e estratégico” do país8. Se bem que a visita teve um
marcado caráter político, destacando o Rei os avanços produzidos
nas relações bilaterais com relação a sua anterior visita em 1983, e
o caráter prioritário do Brasil para a Espanha no mundo, os aspec-
tos econômicos e culturais das relações hispano-brasileiras estive-
ram presentes nas atividades do Chefe de Estado, principalmente
nos encontros com a comunidade empresarial de São Paulo e nos
discursos pronunciados nos quais se agradecia ao presidente Car-
doso sua contribuição para a difusão do espanhol9.
Um elemento novo nesta etapa de intensificação dos contatos
políticos hispano-brasileiros foi a dinâmica ação exterior das Co-
munidades Autônomas (CC.AA), com freqüentes visitas de seus
presidentes ao Brasil, correspondidas desde a outra margem com a

6
Ver “Espanha abre ofensiva no Brasil”, Jornal do Brasil, 16 de abril de 1997; “Aznar predica las virtudes
del liberalismo a los empresarios brasileños”, El País, 18 de abril de 1997; “Rato reafirma el apoyo del
Gobierno español a la economía brasileña”, ABC, 7 de julho de 1999; “El vicepresidente brasileño, Marco
Maciel, de visita en Madrid”, ABC, 25 de outubro de 1997; “Investimento privado é meta de FHC na Espanha”,
Jornal do Brasil, 21 de abril de 1998; “Brasil y España quieren trasladar al terreno político su fuerte
relación comercial”, El País, 21 de abril de 1998; “El Rey afirma que la presencia española en Brasil es una
apuesta irreversible”, ABC, 19 de maio de 1998;
7
Ver “Aznar se apoya en los buenos resultados económicos de su Gobierno para promocionar España en
Brasil”, ABC, 18 de abril de 1997; “Aznar apoya las inversiones españolas en Brasil”, ABC, 17 de abril de
1997; “Espaldarazo a las relaciones comerciales y diplomáticas con Brasil tras la visita de Aznar”, ABC, 20
de abril de 1997; “Espanha abre ofensiva no Brasil”, Jornal do Brasil, 16 de abril de 1997; “Aznar predica
las virtudes del liberalismo a los empresarios brasileños”, El País, 18 de abril de 1997;
8
“Espanha na linha de frente dos investimentos no Brasil”, Gazeta Mercantil, 12 de julho de 2000.
9
Ver os discursos do Rei em Actividades, Textos y Documentos de la política exterior española, 2000, Madri,
MAE/OID, pp. 17-25.

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capítulo 5
a associação ou parceria hispano-brasileira: de Cardoso a Lula (1995 – 2005)

atividade dos Governadores brasileiros que igualmente chegavam


na Espanha para promover seus Estados e incentivar a participa-
ção espanhola em seus processos de privatização. Destacam as cinco
visitas do presidente da Xunta da Galícia, Manuel Fraga, (1991,
1995, 1997, 1998, 1999); as três do presidente da Generalitat da
Catalunha, Jordi Pujol, (1988, 1997, 1998); as duas dos
Lehendakaris Ardanza e Ibarretxe (1998 e 2003) e outras efetuadas
por Ruíz Gallardón da Comunidade de Madri (1998), Juán José
Lucas da Comunidade de Castilla y León (2000) e Miguel Sanz da
Comunidade Foral de Navarra (2000). Neste campo, existe um ní-
vel de cooperação de grande potencialidade, em função das carac-
terísticas e pontos de contato entre as estruturas político-adminis-
trativas dos dois países encorajadas pelo estreitamento dos víncu-
los entre os Estados brasileiros e as Comunidades Autônomas10.
Neste período também se estabeleceram proveitosos entendi-
mentos no plano político, graças à colaboração entre partidos e
fundações dos dois países. O Partido Popular e o Partido da Frente
Liberal (PFL), se aproximaram significativamente, chegando a par-
ticipar conjuntamente em seminários internacionais sobre as pers-
pectivas e resultados das negociações entre a UE e o MERCOSUL11.
Por sua vez, o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB)
manifestou seu desejo de ingressar na Internacional Socialista com
a ajuda do PSOE que, no ano 2000, assumiu a Secretaria Interna-
cional para a América Latina. No âmbito parlamentar, deve regis-
trar-se a existência de um Grupo de Amizade Espanha-Brasil com
representação das forças políticas do Congresso espanhol e brasi-
leiro e as visitas ao Brasil de Mesa e da Delegação do Parlamento
da Galícia.
O estado das relações políticas hispano-brasileiras fica bas-
tante longe nestes anos da indiferença ou da apatia que foi caracte-
rística durante boa parte do século XX. Em todos os níveis do po-
der político a tônica dominante foi a proliferação e intensificação

10
CHOHFI, Osmar V.: “Brasil e Espanha, uma parceria moderna”, Comércio Exterior, nº 46, Informe Banco
do Brasil, março-abril, 2003, pág.8 .
11
Seminário “Perspectivas y resultados de los entendimientos Mercosur/UE”, Fundação Popular
Iberoamericana, Madri, novembro, 2000.

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As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

dos contatos, a sintonia nas perspectivas futuras das relações


hispano-brasileiras e a existência de uma firme vontade para es-
treitar os vínculos bilaterais sobre os que se cimentam umas rela-
ções que, no século XXI, se encontram diversificadas em uma com-
plexa rede de interesses políticos, econômicos e sociais.

A construção da parceria hispano -brasileira


hispano-brasileira
O conceito de parcerias estratégicas explica, no conjunto da
política externa do Brasil, e dentro da globalidade das categorias
analisadas nas tentativas por caracterizar e fazer compreensiva a
política externa brasileira, a construção de um sistema de relações
políticas e econômicas prioritárias, reciprocamente beneficiosas,
que o Brasil empreendeu na década dos anos noventa. Defende-se
ao longo deste livro que a constituição de uma parceria hispano-
brasileira, a partir de 1995, serviu aos interesses dos dois países e
contribuiu para afirmar a presença da Espanha e do Brasil, sócios
preferenciais, no mundo. Foi o presidente Cardoso quem melhor
sintetizou em uma frase – “Las relaciones entre España y Brasil
son inmejorables””12 - a profundidade e a dimensão dessa parce-
ria..
O termo “parcerias” transmite em português, em vez do termo
espanhol “asociación” ou “sociedad”, a idéia de intensidade nas
relações. A utilização do vocábulo foi mais freqüente no âmbito do
estudo das organizações com caráter geral.13 A aplicação ao campo
das relações internacionais foi bastante recente dentro da comuni-
dade científica brasileira, partindo-se da constatação que qual-
quer país se movimenta em um meio ambiente internacional onde
estão presentes outros atores – Estados, Organizações Internacio-
nais, ONG, Indivíduos – com os quais se estabelecem relações de
natureza diversa: cooperação, concorrência, integração, conflito,
etc. A noção de “parceria” indica, em primeiro lugar, a existência
de uma ação conjunta, com base em interesses e objetivos comuns,

12
El País, 27 de outubro de 2000.
13
NOLETO, M.J.: Parcerias e Alianças Estratégicas: Uma Abordagem Prática, São Paulo, Instituto Fonte,
2000; LORANGE, P. : Alianças Estratégicas: formação, implementação e evolução. São Paulo, Atlas, 1996

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capítulo 5
a associação ou parceria hispano-brasileira: de Cardoso a Lula (1995 – 2005)

independentemente do caráter formal que a determina. Seus obje-


tivos tendem a ser relativos a um impacto mais profundo na reali-
dade na qual os países “parceiros” atuam. A premissa fundamen-
tal baseia-se na idéia segundo a qual a “parceria” supõe o encon-
tro de países que, ainda com recursos e poderes diferentes, se re-
conhecem como iguais em um determinado momento. Neste senti-
do, “parceria” significa o oposto da subordinação ou da dependên-
cia. A “parceria” vai além do intercâmbio ou da satisfação dos
interesses mútuos. Existe, sem dúvida, uma dimensão de
complementaridade, isto é, de busca no outro dos recursos e capa-
cidades dos que não se dispõe. O conceito não implica um fim em
sim mesmo, mas um meio, uma estratégia de cooperação
estabelecida para alcançar objetivos comuns.
As parcerias estabelecidas pelo Brasil ao longo de sua história,
não comportam um tipo de relação na qual não existam tensões ou
conflitos já que, depois de constituída, pode ser que os dois sócios
não estejam preparados para sua gestão ou para a implantação das
formas de seguimento, discussão, renegociação ou readaptação às
bases e conjunturas que as motivaram. As mudanças no sistema
internacional, a chegada ao poder de outros Governos diferentes
aos que impulsionaram uma parceria, ou a falta de soluções para
os problemas originados pela insatisfação em um dos sócios, são
fatores que podem dirigir a uma reorientação ou reconsideração
dos interesses, objetivos, vantagens obtidas e capacidades com-
prometidas neste tipo de associação.. No caso da parceria hispano-
brasileira não estamos ante um tipo de relação filantrópica ou
transacional, e sim ante uma modalidade relacional de caráter
integrador na qual os dois países traçam objetivos comuns, deli-
neiam ações e comprometem recursos. Desta forma, o Brasil e a
Espanha, somam esforços e capacidades para ampliar suas possi-
bilidades de atuação no âmbito internacional mantendo suas mar-
gens de manobra, sem a perda de sua autonomia nos seus respecti-
vos contextos regionais. O seguinte passo é a formalização de uma
aliança estratégica. Esta difere substancialmente da parceria, já
que a noção de aliança estratégica se associa à idéia de ações de
longo prazo ou de associação permanente frente às ações mais pon-
tuais, projetos ou iniciativas conjuntas que caracterizam a parce-

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As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

ria. A aliança estratégica realizada também entre iguais – mesmo


que um país possua mais recursos que outro – une as capacidades
principais de cada parceiro encontrando-se no seu núcleo central
uma ênfase em selecionar e colocar em ação novas possibilidades
de atuação, tal e como sucede atualmente nas relações bilaterais14.
Para o Itamaraty, a parceria hispano-brasileira começou a ser
forjada a partir de 1995, momento no qual a Espanha – depois que
amplas reformas internas e graças à injeção de recursos comunitá-
rios – redefiniu sua estratégia para a América Latina, especial-
mente para o Brasil. A intensificação das relações com o Brasil
representaria a consolidação de uma estratégia de recuperação da
presença da Espanha na América Latina e no Cone Sul, executada
de forma esmerada no exato momento em que a UE e o MERCOSUL
assinavam um importante Acordo de Cooperação Inter-regional. A
política espanhola de irradiação latino-americana se sustentaria
em uma estratégia de investimentos que transformou à Espanha
em um dos maiores investidores europeus na região. Graças ao cres-
cente peso destes investimentos e graças a uma habilidosa atuação
diplomática, a Espanha se acreditou como um importante ator no
cenário regional e encontrou no Brasil um de seus mais importan-
tes parceiros ou sócios, no contexto das relações bilaterais qualifi-
cadas como “inmejorables” pelo presidente Cardoso. Assim, no
conjunto dos países da UE que constituíam o principal mercado
dos produtos brasileiros e a principal fonte dos investimentos dire-
tos no país, a Espanha passava a engrossar de forma diferenciada e
nova a lista das parcerias bilaterais prioritárias que o Brasil man-
tinha historicamente na vertente européia de suas relações inter-
nacionais.

5.3.- As relações econômicas: equilíbrio comercial e lideran-


ça dos investimentos espanhóis no Brasil.
A parceria entre o Brasil e a Espanha - definida em seus perfis
sob o mandato dos presidentes Cardoso e Aznar, constituída graças

14
Os aspectos teóricos das alianças estratégicas em BARREIRA, Carmen: “Uma questão para pensar:
parcerias e alianças estratégicas”, disponível em http://www.rits.org.br, (consulta: 9 de janeiro de 2004)

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capítulo 5
a associação ou parceria hispano-brasileira: de Cardoso a Lula (1995 – 2005)

à intensificação dos contatos entre os dois países e ratificada for-


malmente pelos presidentes Lula e Aznar – contém componentes
de ordem político, econômico e social, sendo difícil determinar em
que proporções se encontram cada um deles nesta renovada fór-
mula das relações hispano-brasileiras. No entanto, não há dúvida
que o componente econômico foi o que outorgou, de maneira mais
relevante, maior dinamismo às relações bilaterais, de forma espe-
cial no terreno dos investimentos espanhóis e no campo comercial
do crescimento dos intercâmbios e do equilibro alcançado na ba-
lança bilateral. Os dois países conseguiram superar o caráter po-
tencialmente conflitivo que suas relações econômicas, em sua ver-
tente comercial, apresentaram durante perto de cinqüenta anos
afastando-se, em conseqüência, das dinâmicas de rivalidade e opo-
sição. Deslocando as concorrências e conflitos, o Brasil e a Espanha
caminharam finalmente pela senda da aliança e a cooperação com
o objetivo de superar satisfatoriamente os obstáculos existentes nas
relações econômicas historicamente deficientes e carentes de
instrumentalidade para os respectivos projetos nacionais de cres-
cimento e desenvolvimento.
Desta forma, as forças econômicas demonstraram sua influên-
cia predominante no conjunto dos fatores que determinaram a na-
tureza das relações hispano-brasileiras. Estudar estas forças eco-
nômicas nas relações entre o Brasil e a Espanha implica, não so-
mente analisar os eventos atuais, mas também “sua evolução, a
corrente indispensável para comprovar as continuidades, as cria-
ções, a existência eventual de regularidades”15.
Com esta perspectiva, se abordarão as relações econômicas
entre o Brasil e a Espanha, entre 1995 e 2000, com especial con-
centração nos aspectos vinculados ao auge investidor espanhol no
mercado brasileiro e às relações comerciais. A meta é demonstrar
como, no terreno econômico, as relações bilaterais assistiram a uma
decolagem espetacular, de modo que a variada gama de interações
entre os setores políticos e empresariais dos dois países, motiva-

15
DUROSELLE, J.B.: Todo Imperio Perecerá. Teoría sobre las Relaciones Internacionales, México, FCE, 1998,
pág.22.

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As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

dos pela existência de interesses comuns, propiciaram a constitui-


ção da parceria entre o Brasil e a Espanha, gerando uma intensa
interdependência que confirma as novas realidades e dinâmicas
destas relações.

O crescimento do investimento espanhol no Brasil


A principal novidade no campo das relações econômicas entre
o Brasil e a Espanha se produz a partir de 1996, com a chegada dos
primeiros investimentos diretos de origem espanhola. É em agosto
desse ano, que no contexto de um novo ciclo investidor da Espanha
na América Latina, a companhia MAPFRE “dá o tiro de saída no
Brasil” ao comprar a seguradora Vera Cruz16. Historicamente a
Espanha, um mercado de tamanho e importância mundial relativa,
se tinha caracterizado por ser receptor de Investimento Estrangei-
ro Direto (IED). Nas ocasiões em que dirigiu seus investimentos
ao exterior, o fez concentrando-se no mercado europeu e na Améri-
ca Latina dentro da qual o Brasil não representava uma prioridade.
A partir de 1993, ocorre uma mudança na orientação do investi-
mento espanhol para os países da América Latina registrando o
mercado brasileiro um perfil modesto quanto aos fluxos investido-
res da Espanha que representavam apenas 5% na região17.
Por causa do processo de modernização e reestruturação da
economia da Espanha, no final da década dos anos oitenta, muitas
empresas espanholas – alguns antigos monopólios privatizados –
conseguiram se fortalecer e começar a expansão de suas atividades
internacionais. Pela parte do Brasil, as reformas estruturais
introduzidas em sua economia no começo da década de noventa,
com especial destaque para a estabilidade macroeconômica, o con-
trole da inflação, as privatizações, o estabelecimento de um marco
de segurança jurídica para os investimentos estrangeiros e a
potencialidade do tamanho, diversidade e velocidade de cresci-

16
A expressão é utilizada no artigo de Carmen Jiménez: “España es el segundo país extranjero inversor en
Brasil, por detrás de los Estados Unidos”, ABC, 28 de junho de 1999.
17
ARAHUETES, A.: “Inversiones europeas en Iberoamérica (1990-2000)”, em Perspectivas Exteriores 2002,
los intereses de España en el mundo, Madri, FRIDE/Bibloteca Nueva, 2002, pp.260-271.

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capítulo 5
a associação ou parceria hispano-brasileira: de Cardoso a Lula (1995 – 2005)

mento do mercado interno – mais ainda com a perspectiva da cons-


tituição do MERCOSUL - foram os fatores principais que exerce-
ram um atrativo irresistível para os investimentos espanhóis. Na
ordem política, os investimentos espanhóis gozaram da vantagem
de produzir-se em condições favoráveis no Brasil, em um ambiente
democrático caracterizado pela normalidade e estabilidade
institucional, conseguida pelos ganhos em termos de
governabilidade alcançados pelo presidente Cardoso e sua base de
sustentação política no Congresso Nacional. Pode afirmar-se, que
a evolução recente dos investimentos diretos espanhóis na Améri-
ca Latina, especificamente no Brasil, demonstra o fortalecimento
da economia da Espanha e as transformações profundas na econo-
mia brasileira. Como sustenta CASILDA, o período entre 1990 e
2000 foi a etapa mais transcendente e importante na expansão e
presença internacional das empresas espanholas, sua autêntica
“década dourada” 18 e pelo que se refere ao Brasil, o forte cresci-
mento do investimento espanhol em apenas três anos foi – segundo
o então economista chefe do BBV no Brasil, Octavio de Barros –
um fato sem precedentes na história do investimento estrangeiro
no mercado brasileiro19.
Para estruturar e ordenar a disposição das partes desta epígrafe,
se abordam as seguintes questões:
1.- Quais são as razões e fatores que explicam a chegada de
investimentos espanhóis ao Brasil e a partir de que momento? Por
que as empresas espanholas escolheram o Brasil? Qual foi a relação
entre o processo de privatizações no Brasil e a chegada dos investi-
mentos espanhóis? Qual era a situação do investimento espanhol
antes de 1996, como evoluciona até o ano 2000 e quais foram os
volumes?
2.- Para que setores de atividade econômica se dirigiram os in-
vestimentos espanhóis no Brasil? Que empresas foram as principais

18
CASILDA BEJAR, R.: La Década dorada. Economía e Inversiones españolas en América Latina (1990-
2000), Madri, Univ. de Alcalá-CIFF, 2002
19
“España es el 2º país extranjero inversor en Brasil, por detrás de EEUU”, ABC, 28 de junho de 1999.

241
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

protagonistas? Quais foram os traços e características gerais da IED


espanhola? Que impacto teve esta nova realidade econômica nas
relações hispano-brasileiras?
3.- Quais foram os desafios para o investimento espanhol no
Brasil? Que ameaças e oportunidades podem surgir no caminho?
1.- Quase todos os analistas econômicos coincidem em assina-
lar uma série de fatores comuns que explicariam o fenômeno in-
vestidor da Espanha na América Latina e no Brasil no último lus-
tro do século XX . Em primeiro lugar, a existência de uma tendên-
cia mundial - em paralelo à qual corre a experiência espanhola –
caracterizada pela ascensão dos fluxos internacionais de IED que
são absorvidos, em boa medida, pelos países em vias de desenvol-
vimento, como conseqüência de mudanças em suas estratégias de
desenvolvimento. Estas mudanças (medidas liberalizantes, aber-
tura à concorrência, reformas macroeconômicas) são acompanha-
das por modificações substanciais nos regimes de IED que, elimi-
nam controles sobre repatriação de benefícios, garantindo a igual-
dade de tratamento do investimento estrangeiro com o nacional e
levantando as reservas de mercado em setores estratégicos antes
protegidos. Estes fatores, junto à decolagem econômica da Espanha
– que passa de ser importadora líquida de capital exterior à condi-
ção de exportadora - e a potencialidade percebida pelos investido-
res espanhóis, em função do tamanho do mercado ou da existência
de vantagens comparativas, são elementos que favorecem a elei-
ção de alguns países da América Latina como destino dos investi-
mentos espanhóis20. Existiriam ainda, para outros autores, fatores
vinculados a questões culturais como os apontados por CHISLETT
que considera as semelhanças sociais e a língua comum ou seme-
lhante21. Outros fatores mencionados são as “vantagens de propri-
edade”, e as “vantagens de localização” – associadas ao tamanho

20
RUESGA, S. e BICHARA, J.: “Las empresas españolas en Iberoamérica”, Economía Exterior, nº 7, 1998-
1999, pp.187-196
21
CHISLETT, William: The internationalization of the Spanish economy, Real Instituto Elcano, 2001, http:/
/www.realinstitutoelcano.org/publicacionesinsti.asp
22
ONTIVEROS, E. e FERNÁNDEZ, Y.: “Flujos de inversión hacia América Latina”, en Perspectivas Exteri-
ores 2002, los intereses de España en el mundo, Madri, FRIDE/B. Nueva, 2002, pp.297-311

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capítulo 5
a associação ou parceria hispano-brasileira: de Cardoso a Lula (1995 – 2005)

e crescimento dos mercados latino-americanos nestas áreas – e


também, no caso do Brasil como país de destino dos investimentos,
o aproveitamento das vantagens proporcionadas pelos esquemas
sub-regionais de integração.22 CASILDA estabelece uma série de
fatores que incidem no fato de que os países emergentes da Améri-
ca Latina se configurem como destino preferente da IED espanho-
la: a existência de uma vantagem competitiva como o fato de fazer
parte de uma comunidade cultural compartilhada; a consideração
da região como emergente junto das potencialidades demográficas
e o aumento dos stocks de capital e de produtividade; o alto grau de
amadurecimento de setores espanhóis – bancário e telecomunica-
ções – que pressionavam para sua internacionalização com o fim
de compensar a saturação do mercado nacional23.
Evidentemente, o ânimo de lucro intrínseco a qualquer estra-
tégia empresarial também determinou a eleição do Brasil como
destino do investimento espanhol. Com os investimentos no Brasil,
as empresas espanholas perseguiam margens de lucro mais am-
plas que as obtidas no mercado europeu, assim como uma rápida
rentabilidade e retorno das quantidades investidas. O presidente
do BSCH, Emilio Botín, confirmava esta perspectiva ao reunir-se
com o novo embaixador do Brasil na Espanha, Osmar Chohfi, e
assegurar que “nossa aposta está valendo cada centavo”. O ban-
queiro se mostrou entusiasmado com a operação brasileira de seu
grupo que possui duas mil agências e que seus executivos conhe-
cem com o nome de “corredor da riqueza”, entre São Paulo e Rio
Grande do Sul24. A melhora da posição da Espanha na lista dos
investidores estrangeiros no Brasil se encontra diretamente relaci-
onada com sua participação agressiva no processo de privatizações
e aquisições de empresas privadas. Os investidores espanhóis se
teriam convencido, depois da implantação do Plano Real e, da con-
solidação de um cenário receptivo aos novos investimentos - defi-

23
CASILDA, R.: “La década dorada de los noventa: 1990-2000. Inversiones directas españolas en América
Latina”, Desarrollo, nº 32, 2003, pp.95-104.
24
“O segundo avanço espanhol”, Dinheiro, nº 310, 6 de agosto de 2003.

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As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

nido anteriormente com a abertura comercial e a renegociação da


dívida externa e confirmado com a queda da inflação, a última re-
sistência dos empresários para instalar-se no mercado brasileiro-
que o Brasil valia a pena.
Boa parte desses fluxos de capitais chegaram pela via
do Programa Nacional de Desestatização (PND) iniciado em
1991. A participação do investimento espanhol no processo
privatizador foi especialmente assinalada, na segunda onda
deste PND impulsionada na etapa Cardoso. Se na primeira
onda de privatizações foram afetadas empresas do setor si-
derúrgico e da indústria química, a partir de 1997, o setor
estrela foi o das telecomunicações onde a participação es-
panhola foi relevante. Igualmente, as privatizações do setor
energético, em 1999, concitaram a atenção de empresas es-
panholas como ENDESA ou IBERDROLA. No ano 2000, a
privatização no setor financeiro, desenvolvida por alguns
Estados que decidiram desfazer-se de seus bancos, propi-
ciou um sucesso espetacular de entidades financeiras espa-
nholas, como o BSCH que se adjudicou o Banco do Estado
do São Paulo (BANESPA).
A estratégia das empresas espanholas foi qualificada pelo
ex-embaixador do Brasil na Espanha, Carlos Moreira, como
algo interessante, pois ao participar das privatizações com-
pravam organizações maduras que já estavam implantadas no
mercado brasileiro. O Brasil se tornou o grande mercado para a
expansão das empresas espanholas. Para o diplomático, se a
Espanha não havia sido historicamente um investidor destacado
no Brasil se devia – à margem de problemas econômicos – a avali-
ações pouco rigorosas das dificuldades da língua e à existência de
uma consciência sobre a dificuldade dos investimentos pelo enor-
me tamanho do país25. Além disso, as grandes empresas es-

25
Entrevistas do embaixador do Brasil, D. Carlos Moreira García, Tiempo especial Latinoamérica, 26 de julho
de 1999, pp.50-51; Valor Económico, 7 de julho de 2000.

244
capítulo 5
a associação ou parceria hispano-brasileira: de Cardoso a Lula (1995 – 2005)

panholas souberam aproveitar as conjunturas favoráveis no


Brasil fruto de turbulências inesperadas. Foi o caso da des-
valorização do Real, em janeiro de 1999. Longe de adiar
maiores investimentos, muitas empresas espanholas viram
um espaço privilegiado de expansão de suas atividades, apro-
veitando o barateamento dos ativos, procedendo à compra
de novas empresas ou aumentando suas participações. De-
finitivamente, as empresas do Brasil depois da desvaloriza-
ção estavam baratas e um Real débil foi um incentivo para
o investimento estrangeiro, graças a uma política agressiva
de aquisições que demonstrava o “apetite comprador das
empresas espanholas” 26 .
As cifras do volume dos investimentos da Espanha no
Brasil - pelo capital mobilizado, pelo número de empresas
adquiridas ou participadas, pelas magnitudes do número de
clientes, implantação geográfica no país ou setores da ati-
vidade econômica brasileira onde existe presença espanho-
la – são absolutamente espetaculares 27 . Segundo dados da
Câmara de Comércio da Espanha no Brasil, no ano 2000,
existiam em terras brasileiras cerca de 300 empresas espa-
nholas. Por outro lado, foi significativo que os grandes gru-
pos espanhóis tivessem mais empregados no Brasil do que
na Espanha e que os benefícios recolhidos em território bra-
sileiro fossem maiores que os registrados no mercado espa-
nhol 28 .

26
A expressão é do ex – presidente do Banco Central, ver FRANCO, Gustavo: “As causas da riqueza ibérica”,
O Estado de São Paulo, 15 de abril de 2001.
27
As estatísticas sobre os investimentos mundiais, europeus e espanhóis na América Latina Latina podem ser
encontradas em: UNCTAD: World Investment Report 2001: promoting linkages, Ginebra, 2001; OCDE:
International Direct Investment Statistics Yearbook, Paris, 2000; EUROSTAT: European Union Foreign Direct
Investment Yearbook 2000, Luxemburgo, 2000; CEPAL: La inversión extranjera directa en América Latina,
Informe 2000, Santiago de Chile, 2000.
28
“O acertado investimento espanhol”, Gazeta Mercantil, 12 de julho de 2000.

245
246

As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)


Gráfico 3
Principais países em investimento direto no Brasil (1995-2001)
(exxcluídos paraísos fiscais – milhões de dólares)
(e

Fonte: Elaboração própria com base em dados selecionados do Banco Central do Brasil
capítulo 5
a associação ou parceria hispano-brasileira: de Cardoso a Lula (1995 – 2005)

Estas cifras são altamente significativas quando se considera a


posição e o volume, antes de 1996, dos investimentos espanhóis 29.
Em 1995 os investimentos espanhóis no Brasil se limitavam a tão
só 251 milhões de dólares, com uma participação no total da IED
brasileira de 0,6% e o vigésimo lugar no ranking mundial. Em 1996,
a entrada de capital espanhol na economia brasileira representava
apenas 7,7% do total, com 587 milhões, ascendendo ao quinto lu-
gar mundial. Em 1997, a Espanha caía até o sétimo lugar de inves-
tidores mundiais, com 546 milhões de dólares e uma participação
de 3,6% no total. O grande salto ocorre em 1998, ano em que os
investimentos espanhóis chegam ao primeiro lugar do investimen-
to mundial com 22% do total, por um valor de 5.120 milhões de
dólares. Em 1999, se consolidou a posição espanhola entre os pri-
meiros lugares de investidores mundiais no Brasil, com 5.702 mi-
lhões de dólares, 20,7% do total, em segundo lugar atrás dos Esta-
dos Unidos. Em 2000, a liderança espanhola se confirmou no pri-
meiro lugar, acumulando 32% do total do investimento mundial
recebido pelo Brasil nesse ano, com 9.593 milhões de dólares30.

Gráfico 4
Distribuição do IED no Brasil por país de origem
(1998-2001) (flux os acumulados)
(fluxos

Fonte: Banco Central de Brasil

29
A imprensa brasileira dedicou espaços aos investimentos espanhóis: “Espanha aposta alto no Brasil”,
Gazeta Mercantil latinoamericana, nº 200, 28 fevereiro a 5 de março de 2000; “Espanha e Portugal redescobrem
a América Latina”, Gazeta mercantil latinoamericana, 8 a 14 de maio de 2000; Espanha elege América
Latina para fazer sua globalização”, Gazeta mercantil, 3 dezembro de 2000.
30
Dados do Banco Central do Brasil, disponíveis em http://www.bcb.gov.br

247
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

O crescimento dos investimentos espanhóis no Brasil foi, entre


1996 e 2001, da ordem de 8.000 %. No conjunto dos investimen-
tos espanhóis na América Latina, o Brasil concentrava no ano 2000,
62% do investimento na região31. No ano de 2001, a Espanha apli-
cou no Brasil a quarta parte dos investimentos realizados no exte-
rior, com 19.000 milhões de dólares 32.

Gráfico 5
Volume investido da Espanha, UE e EUA no Brasil
EUA
(1992-2001) (cifras acumuladas)
País Volume em milhões de Euros
Espanha 26.292
França 9.995
Portugal 9.543
Países Baixos 9.067
Reino Unido 4.757
Alemanha 3.625
Itália 2.808
Outros UE 1.293
Total EU – 15 67.380
EUA 32.561
Total 99.941
Fonte: CEPAL, EUROSTAT, Bureau of Economic Analysis (EUA)

Gráfico 6
Posição dos países no ranking de investimentos no Brasil
(1995-2001) (e (exxcluídos paraísos fiscais)

Fonte: Elaboração própria com base em dados do Banco Central do Brasil


31
“La inversión española en el exterior llegó a 10´7 billones en 2000”, Cinco Días, 12 de julho de 2001.
32
“Las empresas españolas han invertido 50.000 millones en Brasil”, El País, 7 de outubro de 2002.

248
capítulo 5
a associação ou parceria hispano-brasileira: de Cardoso a Lula (1995 – 2005)

No que diz respeito às cifras da participação espanhola nas


privatizações no Brasil, entre 1991 e 2001, (compreendendo os
setores de telecomunicações e energia, as privatizações de empre-
sas dos Estados e as incluídas no PND) os volumes indicavam que
a Espanha superava os 12.000 milhões de dólares. Esta cifra re-
presentava 15% do total geral, e 31% da participação estrangeira,
só atrás dos EUA, que ostentava o primeiro lugar com 16,5% do
total geral, 34% da participação estrangeira e um volume de 14.000
milhões de dólares33.

Gráfico 7
Privatizações no Brasil. Participação estrangeira (1991-
Participação
2001) (programa nacional de desestatização + estaduais +
telecomunicações)

Fonte: Seleção de dados do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES)

CHISLETT, por sua vez, oferece também dados reveladores


apontando o Brasil como o principal receptor do investimento es-
panhol direto da América Latina e do mundo34. Entre 1992 e 2001,
a Espanha teria contribuído com 26% dos 99.900 milhões de euros

33
Dados do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), ano 1991-2001.
34
CHISLETT, W.: La inversión española directa en América Latina: retos y oportunidades, Madri, Real
Instituto Elcano, 2003, pág.102.

249
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

do investimento realizado conjuntamente no Brasil pela UE e EUA.


Atendendo ao número de clientes, a Telefônica se encontraria per-
to dos 13 milhões de usuários de linhas fixas, o Grupo Santander-
Banespa se teria consolidado como o terceiro grupo bancário pri-
vado do Brasil, as companhias elétricas ENDESA e IBERDROLA
teriam em conjunto mais de 9 milhões de clientes e a Gás Natural,
600.000. Com todos estes dados, se compreende a importância
estratégica do mercado brasileiro para as empresas espanholas e
que a agenda hispano-brasileira, na último década, tenha estado
presidida predominantemente pelos temas econômicos vinculados
à proteção dos investimentos espanhóis e ao estabelecimento de
garantias legais para estes negócios. Em sua dimensão conflitiva,
as exigências das agências brasileiras de regulamento, nos dife-
rentes setores de atividade econômica, (reajuste de tarifas, recla-
mações dos consumidores, disposições antimonopólio, regras ga-
rantidoras da livre concorrência), provocaram tensões nas relações
econômicas bilaterais.
2.- Para que setores se dirigiu o investimento espanhol no Bra-
sil e que empresas foram as protagonistas? Por setores, entre 1998
e 2000, os investimentos espanhóis se concentravam no setor de
telecomunicações (41,9%), na intermediação financeira (38%) e
na energia (7,5%). O resto se distribui entre os setores de serviços,
informática e outras atividades (construção e indústria).

Gráfico 8
Distribuição setorial do investimento espanhol no Brasil
(1998-2000)

Fonte: Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais (SOBEET)

250
capítulo 5
a associação ou parceria hispano-brasileira: de Cardoso a Lula (1995 – 2005)

No setor das telecomunicações, a grande protagonista foi a Te-


lefônica, a principal empresa espanhola investidora no Brasil. Apro-
veitando o processo de privatizações, a Telefônica fixou no país seu
objetivo prioritário tal e como afirmou Juan Villalonga, seu anteri-
or presidente: “o Brasil é a primeira, a segunda e a terceira priori-
dade da companhia”35. A Telefônica entrou no Brasil pelo Sul, atra-
vés da compra de um pacote acionista na Companhia Riograndense
de Telecomunicações – CRT do Rio Grande do Sul em 1997. Pos-
teriormente, em 1998, com a privatização da TELEBRÁS, empre-
sa pública que agrupava a 26 companhias operadoras estatais e
uma operadora de longa distância (Embratel), o grupo Telefônica
adquiriu uma participação significativa na TELESP de São Paulo
de 51% – a “jóia da Coroa” como a qualificou Villalonga – pagan-
do 749.744 milhões de pesetas que lhe outorgavam maioria com
direito a voto.
Também comprou ações no mesmo leilão da Telesudeste celu-
lar do Rio de Janeiro e Espírito Santo, por um total de 175.800
milhões de pesetas. Em consórcio, junto da IBERDROLA e BBV,
adquiriu também a TeleLeste celular, por um valor de 55.335 mi-
lhões de pesetas. No ano 2000, a Telefônica lançou a Operação
Verônica, com a finalidade de controlar 100% de suas empresas
participadas no mercado brasileiro, devendo desprender-se ao
mesmo tempo da companhia CRT pela obrigação imposta pela Agên-
cia Nacional de Telecomunicações (ANATEL) no contexto das leis
antitruste do Brasil. Desta forma, a Telefônica passou a controlar
no ano 2000, 25% do mercado brasileiro com treze milhões de
clientes em telefonia fixa e seis milhões em celulares. O seguinte
passo no seu processo de consolidação e expansão no Brasil, foi a
constituição em janeiro de 2001 de uma empresa conjunta com
Portugal Telecom unindo suas filiais de celulares na marca VIVO
até alcançar um valor de 10.000 milhões de dólares e 9 milhões de
clientes em sete estados brasileiros, controlando 42% do mercado
nacional de celulares. Em abril desse mesmo ano, prosseguindo a
estratégia de tomada de controle das operadoras brasileiras nas

35
“Brasil-Espanha, o novo mundo, de novo”, Gazeta Mercantil, 22 de abril de 1998.

251
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

quais participava, a Telefônica comprou todas as ações de


IBERDROLA nas companhias de telecomunicações do Brasil por
um montante de 313 milhões de dólares, passando a controlar 70%
das companhias de celulares dos estados nordestinos da Bahia e
Sergipe. Como assinalava um diário madrilenho, a Telefônica “se
la jugaba en Brasil” ao apostar suas fichas naquele país assumindo
grandes riscos.36
No setor financeiro, o Banco Santander Central Hispano (BSCH)
e o Banco Bilbao Vizcaya (BBV) projetaram sobre o mercado brasi-
leiro suas rivalidades em uma carreira investidora que foi ganha
claramente pelo BSCH. Os dois bancos compreenderam a impor-
tância do mercado brasileiro para sua estratégia de investimento
na América Latina, mas foram também conscientes de sua dificul-
dade e do alto grau de concorrência existente, com grupos nacio-
nais solidamente implantados (Itaú, Unibanco, Bradesco, Banco
do Brasil), com a presença de grupos estrangeiros com forte tradi-
ção no Brasil (HSBC, Bank of Boston, Bank of America, Barclays,
ABN, Sudameris) e com entidades bancárias regionais amplamen-
te arraigadas. No entanto, os atrativos conseguiram vencer as difi-
culdades e a existência de uma série de indicadores positivos para
o negócio financeiro (potencial de crescimento, baixo grau de
bancarização37, perspectivas abertas nas privatizações dos bancos
dos Estados, elevadas margens de intermediação, redução dos custos
operativos) pesou muito na decisão investidora no Brasil. Como
assinalava a imprensa espanhola, a grande disciplina pendente do
BBVA e do BSCH era o Brasil, mas ao ser o país tão grande devia
se pensar muito bem onde investir38.
No que se refere ao grupo bancário de origem cântabro se pode
dividir sua presença no Brasil em duas grandes fases. Uma primei-
ra, até o final do ano 2000 e outra a partir desta data. O passo do
Rubicão para o BSCH o constituiu a adjudicação da privatização
do Banco do Estado de São Paulo (BANESPA) nas portas do século
XXI. Até então, sua presença no Brasil se tinha limitado à compra,

36
“Telefónica se la juega en Brasil”, El País, 22 de julho de 2001.
37
Em 1999, 60% da população brasileira não tinha relações bancárias de nenhum tipo.
38
“Pensando en Brasil”, El País, 25 de junho de 2000.

252
capítulo 5
a associação ou parceria hispano-brasileira: de Cardoso a Lula (1995 – 2005)

em 1997, de 51% do Banco Geral do Comércio, um banco de ta-


manho médio, por um valor de 229 milhões de dólares e do Banco
do Noroeste em uma disputa que perdeu o BBVA. Em 1998, o BSCH
contava com uma fatia de mercado do 3,2%, 425 escritórios e 7000
empregados. Em janeiro de 2000, o BSCH anunciou a compra de
97% do capital social do Banco Meridional, um banco implantado
no sul do Brasil que tinha sido privatizado em 1997. Ao longo do
ano 2000, o BSCH formalizou os requisitos necessários para poder
concorrer à privatização do mais importante banco brasileiro de
âmbito regional, o BANESPA, no Estado do São Paulo. Depois de
mais de sete meses nos quais o processo de privatização foi parali-
sado, principalmente pelas ações judiciais desenvolvidas pelos sin-
dicatos bancários, no dia 20 de novembro de 2000, o BSCH se
adjudicou o BANESPA, pagando um ágio de 281% sobre o preço
mínimo fixado com um desembolso de 3.990 milhões de dólares.
Esta cifra lhe dava direito a 60% das ações com direito a voto, isto
é, 33% do capital social39.
O controle do BANESPA supunha para o BSCH sua aposta mais
arriscada na América Latina, colocando-lhe no terceiro lugar das
principais entidades financeiras privadas do Brasil, com 30.000
milhões de dólares em ativos, 6.700 milhões em depósitos, 4 mi-
lhões de clientes e 922 agências40. O BSCH herdava, junto dos
ativos e dos depósitos, uma boa porção de problemas financeiros e
trabalhistas que levaram inclusive a que o sindicato espanhol
Comisiones Obreras se mobilizasse conjuntamente com os sindi-
catos brasileiros para exigir a retirada das medidas de redução de
pessoal. Ao longo do ano 2001, o BSCH se dedicou a sanear a
gestão de suas entidades, solucionar os problemas trabalhistas e
adquirir 67% do BANESPA por 1.200 milhões de dólares. Os re-
sultados não se fizeram esperar e no ano 2001 o BSCH conseguiu
no Brasil um lucro líquido atribuído de 664 milhões de euros. Se-
gundo o Relatório Anual 2001 do BSCH, o Brasil foi o país que

39
O processo de compra do BANESPA em CASILDA, R.: La Década dorada. Economía e Inversiones españolas
en América Latina (1990-2000), Madri, U. de Alcalá-CIFF, 2002, pág.289-291.
40
“El BSCH compra el tercer banco público de Brasil por 723.450 millones de pesetas”, El País, 21 de
novembro de 2000.

253
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

mais contribuiu para seu benefício global, com cerca de 38% do


lucro mundial.
O BBV entrou com pé esquerdo no Brasil, ao fracassar na sua
tentativa de adquirir o Banco de Crédito Nacional em 1997 e, pos-
teriormente, ao perder o pulso que manteve com o BSCH pela com-
pra do Banco do Noroeste. Em abril de 1988, consegue por último
abrir uma brecha para sua estréia no mercado financeiro brasileiro
com a aquisição de 55% do Banco Excel Econômico, por um mon-
tante de 450 milhões de dólares. O Excel contava com 219 agênci-
as no país, ativos totais de 10.500 milhões de dólares e um milhão
de clientes. Em 1999, aproveitando a desvalorização da moeda
brasileira, o BBV decidiu adquirir 100% do pacote acionista do
Excel que, naquele momento, era o décimo quarto banco do Brasil.
Não obstante, o descumprimento nos anos seguintes do objetivo
principal do BBV no Brasil – conseguir uma fatia de mercado de
5% -, a queda da rentabilidade, a derrota ante o BSCH na
privatização do BANESPA e o forte impacto da crise argentina em
sua estratégia latino-americana obrigaram a uma nova estratégia
para definir o futuro do Banco basco em terras brasileiras. A deci-
são adotada no ano 2003 de integrar a filial brasileira do BBV no
BRADESCO - a primeira entidade financeira privada do Brasil -
em troca de uma participação de 4,5% nesse banco supôs, apesar
das declarações em sentido contrário de seu presidente Francisco
González, uma retirada, confirmando a tendência observada nos
últimos anos da “renacionalização” dos bancos do Brasil41.
Da mesma forma que no âmbito financeiro, a participação es-
panhola no setor energético brasileiro reproduziu as disputas entre
dois grandes grupos do setor elétrico da Espanha: ENDESA e
IBERDROLA. A chegada da primeira ao Brasil se produz em for-
ma de consórcio, em 1997, depois de ter participado sem sucesso
até em três privatizações perdendo, por exemplo, frente a
IBERDROLA na Bahia. Foi na privatização da Companhia de Ele-
tricidade do Rio de Janeiro (CERJ) que a ENDESA alcançou uma
participação de 29% do capital. Posteriormente, em 1998, a

41
Ver “BBVA busca cobijo en Bradesco”, El País, 19 de janeiro de 2003.

254
capítulo 5
a associação ou parceria hispano-brasileira: de Cardoso a Lula (1995 – 2005)

ENDESA adquiriu 36% da Companhia Elétrica do Ceará


(COELCE), na região nordeste, vencendo a IBERDROLA na lici-
tação e com a expectativa de grandes crescimentos na demanda.
Outros investimentos menores do grupo foram 5% da Cachoeira
Dourada, no mercado de geração de eletricidade e 69% da Compa-
nhia de Interconexão Energética (CEM) operando uma linha na
fronteira argentino-brasileira de 500 quilômetros de longitude42.
No ano 2000, a ENDESA anunciou investimentos no Brasil próxi-
mos aos 550 milhões de dólares, continuados em 2002 com a cons-
trução de uma central elétrica em Fortaleza no valor de 234 mi-
lhões de euros.
A IBERDROLA, rival direta da ENDESA no mercado espa-
nhol e no brasileiro, tem também uma presença destacada no Bra-
sil. A IBERDROLA ingressou no mercado energético brasileiro
em 1997, com a compra de participações significativas da Compa-
nhia de Eletricidade do Estado da Bahia (COELBA) e da Compa-
nhia Energética do Rio Grande do Norte (COSERN), assumindo
sua gestão. Além disso, participa da Companhia Elétrica de
Pernambuco (CELPE). No caso da COELBA, a companhia
IBERDROLA pagou na privatização um ágio de 77,38%, isto é,
1.600 milhões de dólares. No ano 2000, a IBERDROLA anunciou
um acordo com PETROBRÁS para a construção de uma central
eletrotérmica no Rio Grande do Norte totalizando um investimento
de 176 milhões de euros através do consórcio Guaraniana no qual
a companhia espanhola possui 70%. Calcula-se que a IBERDROLA
conta com mais de cinco milhões de clientes no Brasil, liderando o
negócio da distribuição elétrica com uma participação de 10,9%
do mercado brasileiro.
Por outro lado, a estratégia da IBERDROLA contemplou até
pouco tempo, a diversificação de seus negócios no Brasil, partici-
pando também no mercado das telecomunicações e da distribuição
de gás. Neste último campo, participou dos investimentos do grupo
espanhol Gás Natural no Rio de Janeiro, ganhador das privatizações

42
Ver MIRANDA, Rafael: “La experiencia de ENDESA en MERCOSUR”, Economía Exterior, nº 7, 1998-
1999, pp.117-121

255
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

da Companhia Estadual de Gás (CEG) e da Riogás, com 600.000


clientes no mercado fluminense. Quanto à concentração geográfi-
ca da IBERDROLA no nordeste brasileiro, se destacou a interes-
sante estratégia desenvolvida ao procurar “nichos” de menor inte-
resse relativo para expandir-se, conseguindo evitar o desgaste na
luta por ativos mais atraentes contra empresas maiores, com um
mínimo custo de aprendizagem e da mão de sócios locais43.
Depois de sucessivas tentativas, a presença no Brasil da petro-
lífera hispano-argentina Repsol-YPF se materializou em dezembro
de 2000. Anteriormente, sua participação no mercado energético
brasileiro se reduzia à distribuição de gás e a outros projetos em
colaboração com a IBERDROLA. Com o Grupo ENDESA, a Repsol-
YPF formou um consórcio que se apresentou à privatização de 52%
de COMGÁS, distribuidora de gás na capital paulista. Finalmente
a licitação foi obtida pelo Grupo Shell. Graças a um acordo de
intercâmbio de ativos com a petroleira brasileira PETROBRÁS,
por um valor conjunto de 1.000 milhões de dólares, Repsol-YPF
conseguiu penetrar no país. Graças a este convênio, Repsol-YPF
obteve 10% da jazida de Albacora Leste, 30% da refinaria Refap
no sul do país e uma rede de 240 postos de gasolina no centro, sul
e sudeste brasileiro. O convênio apresentava um alto valor estraté-
gico para as duas companhias permitindo o desembarque da Repsol-
YPF no Brasil e o ingresso com vigor da PETROBRÁS ao mercado
argentino44. Para os anos 2000 e 2001, a Repsol-YPF comprome-
teu no Brasil um investimento próximo aos 400 milhões de dóla-
res.
Em outros setores a participação de empresas espanholas, às
vezes de menor porte, mas não por isso menos ativas, foi crucial
porque assinalava o futuro das estratégias de investimento no Bra-
sil, com uma maior ênfase na participação de pequenas e médi-
as empresas. No setor dos transportes urbanos, RENFE e CAF
são concessionários de Flumitrens, no Rio de Janeiro. No setor

43
Ver PAMPILLÓN, R.: “España en el nuevo modelo económico de América Latina”, Foreign Affairs en
español, maio, 2001, http://www.foreignaffairs-esp.org
44
“Repsol-YPF firma con la brasileña Petrobrás un canje de activos por 180.000 millones”, La Vanguardia,
29 de dezembro de 2000.

256
capítulo 5
a associação ou parceria hispano-brasileira: de Cardoso a Lula (1995 – 2005)

hoteleiro, o grupo SOL MELIÁ possui 35 hotéis da empresa Sol


e quatro da empresa Meliá e o grupo catalão Serhs um estabe-
lecimento de 800 vagas em Natal. Existem outros setores onde
se produziram investimentos espanhóis como GAMESA, em
material aeronáutico, mantendo uma frutífera joint venture com
a Empresa Brasileira de Aeronáutica (EMBRAER); Abengoa e
Dragados em Engenharia, Tecnologia e Meio Ambiente; Guascor
na construção de redes elétricas; o Grupo Laín na construção e
gestão de pedágios; OHL em concessões para o tratamento de
resíduos e redes de esgoto; o Grupo Auxiliar em Metalúrgia,
Metalbages, e o Grupo Antolín Irausa em partes e componentes
de automóvel; Hispasat no desenvolvimento do projeto Amazo-
nas para colocar em órbita um satélite de comunicações para o
Brasil; Viscofán na indústria de envoltórios alimentícios; o Gru-
po Flex em colchões; Sidenor na indústria siderúrgica; TAFISA
em tabuleiros de fibras; Grupo Roig na indústria de porcelana;
Calvo em indústrias pesqueiras do nordeste brasileiro; Optral
em fibra óptica; Grupo Natra na indústria cosmética; Catalana
d’Iniciatives na prestação de serviços na Internet; Uralita em
telhas e cerâmicas; Artesãos Camiseiros na indústria têxtil e
Mondragón Cooperativas na fabricação de eletrodomésticos com
empresas em Diadema, Taubaté, Botucatu e São Bernardo e in-
dústria automotriz em São Paulo.
Uma vez examinados os setores para os que o investimento
espanhol dirigiu seu olhar e nos quais concentrou sua estraté-
gia no Brasil se podem estabelecer algumas das características
da fisionomia do dinheiro espanhol no mercado brasileiro. Suas
características gerais não diferem muito dos investimentos di-
rigidos para a América Latina no seu conjunto, apesar de certas
especificidades importantes. Para CASILDA, basicamente, po-
diam predicar-se duas características gerais quanto ao investi-
mento espanhol na América Latina: sua firme decisão e sua
vocação de permanência, com visão de longo prazo, que condu-
zia a que as empresas espanholas não quisessem atuar como
instituições estrangeiras, mas criar raízes nos países.
Por setores, os investimentos se dirigiram às telecomunicações,
finanças, energia e infra-estruturas. Para ARAHUETES, os traços

257
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

que caracterizariam o novo padrão investidor da Espanha no Brasil


são o crescimento no setor telecomunicações, energia e no ramo da
intermediação financeira o que significou a alteração do tradicio-
nal perfil espanhol. No entanto, aponta o autor, segue-se mantendo
o peso espanhol no setor das atividades manufatureiras45.
Entre todas estas características destaca-se o claro compro-
misso de investimento dos grupos empresariais espanhóis e a per-
manência sintetizada na frase popular no Brasil de “chegar para
ficar”, que foi esgrimida como estandarte de uma aposta firme pelo
país. Como afirma CASILDA, os investimentos espanhóis estão vin-
culados à realidade da economia produtiva, demonstrando que não
se trata de negócios especulativos e que existe um compromisso
empresarial para o apoio à consolidação econômica destes países,
condição que permite a expansão dos negócios em um contexto
equilibrado46. A importância destes investimentos, sua relevância
nas relações hispano-brasileiras e na constituição da parceria bi-
lateral, foi manifestada pelo próprio presidente Cardoso ao reco-
nhecer que “os investimentos espanhóis são um importante fator
de estabilidade para a economia brasileira”47. Desta forma, o forte
crescimento dos investimentos espanhóis no Brasil, confere outra
forma às relações econômicas hispano-brasileiras.
Ainda que fosse no plano econômico onde maiores foram os
sucessos e onde as relações hispano-brasileiras apresentaram um
caráter operativo que nunca antes tinha sido alcançado, não deve
desdenhar-se a importância política destas relações. O sucesso deste
processo se deve à participação ativa dos empresários, ao papel
discreto, mas efetivo da diplomacia espanhola e ao interesse de-
monstrado desde as esferas governamentais espanholas por afir-
mar a presença no Brasil. Tudo isso provocou mudanças relevantes
na agenda bilateral, mas também nas agendas de política externa.
Assim, alguns autores brasileiros, pensando no impacto destes in-

45
ARAHUETES, A.: “Inversiones europeas en Iberoamérica (1990-2000)”, en Perspectivas Exteriores 2002,
los intereses de España en el mundo, Madri, Política exterior/FRIDE/Bibloteca Nueva, 2002, pp.266-267.
46
CASILDA, R: “El futuro de las empresas españolas en MERCOSUR”, Economía Exterior, nº 7, 1998-
1999, pp.205-207
47
Especial Latinoamérica, Tiempo, 26 de julho de 1999, pág.12.

258
capítulo 5
a associação ou parceria hispano-brasileira: de Cardoso a Lula (1995 – 2005)

vestimentos, sublinharam que a irrupção da Espanha no panorama


investidor do Brasil, provocou uma mudança de prioridades da
política externa brasileira e um período de adaptação e transição
em suas relações com a Europa. Os investimentos espanhóis eram
surpreendentes comparados ao poder financeiro dos EUA, frente à
quase inexistente tradição das relações brasileiras com a Espanha
e ao modesto poder financeiro e tecnológico desse país48.
3.- Evidentemente, o panorama do investimento espanhol no
Brasil longe de ser completamente idílico apresenta sombras e
ameaças, e também possibilidades reais, desafios e oportunidades
de aprofundamento. Entre as sombras, sem dúvida, a imagem da
Espanha no Brasil sofreu a repercussão dos erros de algumas em-
presas espanholas em suas estratégias. Foram habituais nos últi-
mos anos os títulos na imprensa brasileira alertando da invasão
espanhola ou da volta dos conquistadores49, mesmo que a tendên-
cia atual é para a mitigação destas imagens negativas. Talvez a
Telefônica tenha sido o exemplo mais significativo (em 1998 foi a
empresa campeã no ranking de reclamações dos consumidores bra-
sileiros) o que lhe valeu uma repreensão do presidente Cardoso,
descontente com o descumprimento dos compromissos assumidos
na entrega das linhas telefônicas anunciadas50. Entre as ameaças
para os investimentos espanhóis no Brasil, pende sempre a espada
de Dâmocles da instabilidade financeira do país, as incógnitas so-
bre o grau de sustentabilidade do medíocre crescimento do PIB
lastrado por taxas de juros estratosféricas, a assunção de riscos
excessivos em alguns setores onde existe uma grande exposição e
onde se pagaram ágios notáveis, a excessiva concentração de al-
guns investimentos que “jogam” suas apostas em uma só carta, o
risco de uma crise política regional pelas tentações populistas em
alguns países latino-americanos, a alteração dos marcos que regu-
lam os investimentos que podem afetar às empresas espanholas e,

48
SANTOS, Theotonio dos: “As relações Brasil-Europa em transição”, em HOFMEISTER, W. e TREIN,
F.(orgs.): Anuario Brasil-Europa: instituições e integração, São Paulo, F. K.Adenauer, 2001, pp.191-200.
49
“A volta da armada hispánica”, Jornal do Brasil, 26 de marzo de 2000; “A invasão espanhola. Brasil em
vermelho e amarelo”, Correio Brasiliense, 10 de julho de 2001; “Os novos ricos”, Veja, 22 de março de 2000
50
“Un año de desastres para Telefónica en Brasil”, El País, 8 de agosto de 1999.

259
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

acima de tudo, a enorme hipoteca que supõe para o Brasil a manu-


tenção de gritantes desigualdades sociais51. Algumas destas amea-
ças se dissiparam, mas outras se manifestaram em toda sua crueza.
Assim, o desvio do capital espanhol para outros países menos afe-
tados pela instabilidade monetária do Brasil e pela crise econômi-
ca da Argentina foi um fato consumado no ano 2002. Em compara-
ção com o ano anterior, nos cinco primeiros meses de 2002, o volu-
me de recursos aplicados pela Espanha no Brasil caiu 85,7%.52
Desde o Governo espanhol, se minimizou a redução dos investi-
mentos espanhóis no Brasil alegando que essa diminuição afetará
todos os investimentos nacionais e que, por outro lado, não é possí-
vel esperar a manutenção para sempre de um fluxo de investimen-
tos tão altos como os do ano 2000, principalmente em um contexto
de paralisação na política de privatizações do novo Governo. Não
obstante, se ratificou a confiança dos empresários espanhóis no
país e se afirmou que a prioridade em matéria de negócios é o
mercado brasileiro53.
O certo é que a partir do ano 2000 se pode registrar um refluxo
da IED com uma queda do primeiro até o sétimo lugar no ano 2002
(3% de participação frente a 32% em 2000). Os investimentos
espanhóis no Brasil se retraem na verdade a partir de 2001 como
conseqüência da desaceleração econômica mundial e das crises
na América Latina. Também influíram as incertezas geradas ao longo
do ano 2002 pelas tensões políticas pré-eleitorais. No ano 2002,
segundo fontes espanholas, o saldo de investimentos espanhol no
Brasil foi negativo em 1.828 milhões de euros recuperando-se em
2003 até alcançar um saldo positivo de 691 milhões de euros, vol-
tando quase aos volumes de 1997. É interessante constatar que, no
sentido contrário, o investimento exterior líquido brasileiro na
Espanha registrou um salto quantitativo considerável em 2001 com
252 milhões de euros. Em 2004, apenas nos seis primeiros meses,

51
Algumas destas ameaças são recolhidas, no contexto latinoamericano, por Victor PEREZ-DÍAZ: “Oportunidad
y riesgo de Latinoamérica para España”, El País, 27 de maio de 2000. Mais recentemente no Indice Elcano
de oportunidades y riesgos estratégicos para la economía española, 2005. Disponível em http://
www.realinstitutoelcano.org
52
“Holanda e Cayman investem mais no Brasil”, Folha de São Paulo, 14 de julho de 2002.
53
“Espanhóis mantém confiança no país”, O Estado de São Paulo, 5 de julho de 2002.

260
capítulo 5
a associação ou parceria hispano-brasileira: de Cardoso a Lula (1995 – 2005)

esta cifra foi superada até chegar nos 321 milhões de euros, 4,67%
do investimento total recebida na Espanha. No ranking do stock de
investimentos brasileiros no estrangeiro a Espanha ocupa o sétimo
lugar, com 1,8% do investimento total.
As perspectivas de futuro dos investimentos espanhóis no Bra-
sil passam por uma diminuição dos recursos - mesmo que as esti-
mativas brasileiras 54 cifrem em 20.000 milhões de dólares as quan-
tidades dirigidas para o Brasil desde a Espanha até 2006 – e por
uma maior diversificação dos negócios que inclua uma segunda
onda de investimentos de Pequenas e Médias Empresas. Nesta li-
nha, a CEOE traçou uma estratégia dirigida a seus associados de
pequeno e médio porte para que invistam entre 2003 e 2004 no
Brasil, especialmente naqueles setores como o da indústria brasi-
leira de máquinas e partes de automóveis ou o turismo, aproveitan-
do a fortaleza do Euro e as oportunidades baratas que existiam55.

O equilíbrio dos intercâmbios comerciais


A característica mais destacada do comércio bilateral hispano-
brasileiro foi, durante décadas, seu desequilíbrio crônico devido à
existência de um déficit permanente pelo lado espanhol56. Reme-
diar esta situação foi um dos principais objetivos dos contatos po-
lítico-diplomáticos que se sucederam nas relações bilaterais. No
entanto, não todo o problema podia reduzir-se a uma questão de
vontade política. Foi necessária a confluência de uma série de fa-
tores determinantes na ordem econômica, de uma conjuntura favo-
rável para o equilíbrio dos intercâmbios comerciais e das mudan-
ças substanciais nas estruturas produtivas e exportadoras dos dois
países para conseguir alcançar finalmente, no ano de 1997, uma
situação desejável para os fluxos comerciais hispano-brasileiros.
Desta forma se limava uma das principais arestas das relações bi-
laterais econômico-comerciais e se caminhava para uma nova fase

54
“Até 2006, investimento espanhol deve somar 20 U$ bilhoes”, O Estado de São Paulo, 29 de abril de
2002.
55
“O segundo avanço espanhol”, Dinheiro, 6 de agosto de 2003.
56
Um interessante trabalho sobre a situação dos intercâmbios até 1990 em GOBBO, María Teresa: Perfil de
las relaciones comerciales bilaterales entre Brasil y España: tendencias y perspectivas para la década de los
noventa, Madri, Escuela Diplomática, Memória do CEI 1989-1990, 1990.

261
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

onde o acento se colocava na elevação do peso relativo de cada


país no conjunto do comércio exterior bilateral assim como na atu-
ação conjunta para a eliminação dos fatores estruturais que
condicionavam as exportações de produtos brasileiros, isto é, as
barreiras protecionistas impostas pelos países desenvolvidos.
Dois fatos marcaram a evolução do comércio bilateral nas últi-
mas décadas: o notável crescimento das compras brasileiras a
Espanha e o baixo dinamismo apresentado pelas exportações do
Brasil para o mercado espanhol, situação que se modificou a partir
de 2003. Os bons resultados no campo dos investimentos tiveram,
paradoxalmente, a virtude de colocar ao descoberto as insuficiên-
cias do comércio bilateral que não gerou, entre 1995 e 2001, cor-
rentes intensas nem aproveitou as oportunidades do magnífico cli-
ma de entendimento político e empresarial. Na verdade, a reversão
do quadro do intercâmbio comercial com o aumento das exporta-
ções espanholas ao Brasil gerou um certo mal-estar na diplomacia
brasileira, encarregada das negociações comerciais exteriores do
país. Em visita oficial, em maio de 2002, o ministro de Assuntos
Exteriores, Celso Lafer, manifestou a preocupação do Itamaraty com
a situação do comércio bilateral alertando para o fato de que o
aumento dos investimentos não gerasse mais comércio, nem mais
quota de mercado para as exportações brasileiras para a Espanha,
mesmo que o fluxo comercial total registrasse entre 1999 e 2002
uma tendência crescente, sobretudo em função do aumento das
exportações espanholas.
A exportação espanhola para o Brasil passou de 318 mi-
lhões de dólares em 1994 para 1.179 milhões em 1999, este
último um ano altamente positivo ao atingir uma corrente de
comércio record (exportações + importações) de 2.347 milhões
de dólares. A evolução da corrente de comércio seguiu uma ten-
dência à alta até o ano 2000, momento em que se produz uma
queda de 9% referente ao ano anterior. Entre 1993 e 1999, o
crescimento do comércio foi mais que modesto se comparado com
o dos investimentos, representando apenas um aumento de 150%.
Em 1999, as exportações espanholas ao Brasil representavam
1,06% do total exportado pela Espanha. No ranking dos principais

262
capítulo 5
a associação ou parceria hispano-brasileira: de Cardoso a Lula (1995 – 2005)

sócios comerciais da Espanha na América Latina, o Brasil ocupava


um lugar destacado junto da Argentina e do México, tradicio-
nais sócios comerciais espanhóis na América do Sul. No con-
junto mundial, o Brasil ocupava, em 2002, o 9º lugar nas ex-
portações da Espanha reafirmando-se como o principal destino
das vendas de produtos espanhóis, excluídos os países mem-
bros da UE e os EUA.
A evolução por anos foi como segue: em 1994, o Brasil ex-
portava mercadorias para a Espanha no valor de 709 milhões
de dólares e importava no valor de 318 milhões, com uma taxa
de cobertura do 38,4%. É exatamente em 1995 – o ano da im-
plantação do Plano Real – quando se rompe a tendência histó-
rica do desequilíbrio comercial bilateral. Nesse ano, a Espanha
exportou mercadorias no valor de 812 milhões de dólares e im-
portou do Brasil por um montante de 877 milhões, com uma
taxa de cobertura de 77%. A tendência se confirmou em 1996,
com exportações espanholas no valor de 908 milhões e impor-
tações do Brasil alcançando 937 milhões, registrando-se uma
taxa de cobertura da ordem de 83%. Foi em 1997 que se rever-
teu o desequilíbrio crônico dos intercâmbios comerciais
hispano-brasileiros: os produtos espanhóis vendidos ao Brasil al-
cançaram a quantidade de 1.141 milhões de dólares frente a
1.056 milhões das importações procedentes do mercado brasi-
leiro.
A taxa de cobertura para esse ano foi de 103%. Em 1998 se
confirmou o crescimento do comércio espanhol para o Brasil, com
exportações valoradas em 1.195 milhões de dólares e importações
de 1054 milhões chegando a taxa de cobertura a 105%. Em 1999,
o Brasil exportou para Espanha por 1168 milhões de dólares e
importou produtos espanhóis por 1.179 milhões, o que significou
uma taxa de cobertura de 103’4%. Ao ano seguinte, a taxa de co-
bertura diminuiu até 92,89% como conseqüência de uma queda
considerável das exportações brasileiras à Espanha, 1.004 milhões
de dólares, e das exportações espanholas ao Brasil, 1.113 milhões.

263
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

Gráfico 9
Balança comercial Brasil-Espanha (1990-2001)
(milhões de US$ FOB)

Fonte: Sistema de estatísticas de comércio exterior / Confederação Nacional da Indústria

Na pauta dos intercâmbios hispano-brasileiros, existe uma


maior diversificação nas exportações espanholas. É neste últi-
mo aspecto onde se detectam alterações substanciais. Se tradi-
cionalmente a pauta espanhola se concentrava em partidas como
o azeite de oliva, atualmente se acrescentaram produtos de alto
valor agregado (peças para a fabricação de automóveis, apara-
tos eletrônicos e maquinaria) destinados a abastecer a deman-
da das empresas espanholas no Brasil. Pelo contrário, as expor-
tações brasileiras se concentram em produtos primários como a
soja, o café e o ferro57. A composição da pauta exportadora bra-
sileira não deve estranhar, se considerarmos que, apesar dos
esforços do país por alcançar sua diversificação exportadora, o
Brasil continua sendo o primeiro exportador mundial de café e
cana-de-açúcar, o segundo em soja e o abastecedor de 85% de
concentrados de laranja nos mercados mundiais. Além disso,

57
Discurso do ministro de Estado, Celso Lafer, Casa de América, Madri, 30 de abril de 2002.

264
capítulo 5
a associação ou parceria hispano-brasileira: de Cardoso a Lula (1995 – 2005)

proporciona a redor de 10% do comércio mundial de tabaco,


cacau, ganho e, mesmo que exporte em quantidades importantes
ferro, aço, equipes de transporte e aeronaves, seus produtos mais
exportados são os agrários com um peso de 1/3 nas suas expor-
tações mundiais. No ano de 1999, os principais produtos ex-
portados pela Espanha ao Brasil foram partes de aeronaves
e trens, plataformas flutuantes, peças de automóveis, má-
quinas caça-níqueis, fios e cabos motoristas, navios, arti-
gos de jogos, quadros e painéis elétricos, carros de turismo,
azeite de oliva, livros e alhos. No sentido contrário, o Brasil
exportava à Espanha soja, minério de ferro, café, aerona-
ves, madeira serrada, rocha e carne bovina 58 .
Outro elemento importante de análise é a constatação
de que poucos produtos concentraram boa parte do volume
dos intercâmbios. Somente os dez primeiros produtos da pau-
ta importadora do Brasil desde a Espanha, acumularam 40
% do valor total importado no ano 2001. Por exemplo, nesse
ano o capítulo 88 da exportação espanhola ao Brasil (nave-
gação aérea e espacial), correspondente ao abastecimento
de asas de avião, dentro da sociedade entre GAMESA e a
Empresa Brasileira de Aeronáutica (EMBRAER), represen-
tou 25,3% do total importado nas vendas para esse ano. Do
lado da pauta de exportações brasileiras à Espanha, os dez
principais produtos vendidos no mercado espanhol se
correspondiam com produtos básicos (soja, milho, café, car-
nes, madeiras, camarões) e supunham 58,3% do total ex-
portado a nosso país. A pauta exportadora entre o Brasil e a
Espanha constitui um reflexo fidedigno do diferente nível
de desenvolvimento das duas economias, com exportações
brasileiras caracterizadas por serem matérias-primas e produtos
agrícolas e as exportações espanholas concentradas em produtos
manufaturados e bens de consumo com alto valor agregado.

58
Brasil, Informe país 1999, Embaixada da Espanha no Brasil, Brasília, 1999, pp. 88-89.

265
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

Gráfico 10
Evolução das eexportações
xportações -importações Brasil-Espanha (1990-
xportações-importações
2001) (milhões de US$)

Fonte: Sistema de estatísticas de comércio exterior / Confederação Nacional da Indústria

As razões que explicavam a reversão do tradicional déficit es-


panhol e o novo panorama dos intercâmbios comerciais bilaterais
deviam procurar-se na combinação dos seguintes fatores:
1.- As conseqüências das políticas de abertura comercial e da
estabilização implementadas por Cardoso, que levaram a uma pa-
ridade quase total entre as moedas real-dólar. Ao aumentar a força
do real referente ao dólar, o Brasil podia importar mais ao possuir
mais poder de compra. No contexto do processo de desmantelamento
tarifário que o Brasil empreendeu sob o Governo Collor, a abertura
comercial se traduziu em uma tarifa meia que caiu até 9% em 1999,
quando em 1987 era de 51%, enquanto que a tarifa máxima
estabelecida em 105% caiu até 17%, também em 1999. Em con-
seqüência, a forte liberalização e a abertura comercial, intensifi-
cada com o Plano Real, explicaria a evolução da taxa de cobertura
- fiel reflexo do maior dinamismo das exportações espanholas para
o mercado brasileiro -, permitindo a reversão do déficit comercial
que a Espanha mantinha tradicionalmente com o Brasil.
2.- Ao mesmo tempo, o crescimento da economia brasileira teve
uma relação direta com o aumento das importações e o subseqüen-
te equilíbrio na balança bilateral. Segundo Guillermo de la
DEHESA, as exportações espanholas ao Brasil crescem fortemen-
te nos anos de maior crescimento do PIB brasileiro. Em 1994, o
PIB cresceu 6%, em 1995 um 4,2% e em 1996 um 3%. Estes anos
se correspondem com aumentos da exportação espanhola desde 318
milhões de dólares em 1994 até 908 milhões em 1996. No triênio
266
capítulo 5
a associação ou parceria hispano-brasileira: de Cardoso a Lula (1995 – 2005)

1997-1999, as exportações espanholas continuaram crescendo, mas


esta vez apesar dos resultados do PIB que, salvo em 1997, com um
aumento de 3%, foram ruins: 1,8% em 1998 e 0,8% em 1999.
Neste último ano, a desvalorização do real, produziu um sensível
aumento das vendas brasileiras na Espanha que não foi suficiente
para compensar o crescimento de 7% nas exportações espanholas
ao Brasil59. Este dado levou aos especialistas a sustentar que o
investimento direto elevou a taxa de penetração da exportação da
Espanha, compensando a desvalorização brasileira e mostrando o
efeito positivo do investimento direto sobre a exportação.60
3.- Os bons resultados da exportação espanhola ao Brasil fo-
ram resultado tanto do impulso das empresas espanholas e das cen-
tenas de missões de empresários que visitaram o país nestes anos
como da política de promoção de exportações posta em prática jun-
to da existência de facilidades financeiras para a exportação. Inte-
ressa destacar, como fato relevante para o impulso das exportações
espanholas para o Brasil, o sucesso da feira comercial Expotecnia-
96, celebrada na cidade de São Paulo e inaugurada pelo Príncipe
de Astúrias, no dia 22 de novembro de 1996. A feira foi qualifica-
da como “o maior evento comercial da Espanha no exterior”, com
um orçamento apresentado pelo Instituto de Comércio Exterior
(ICEX) perto de 1.750 milhões de pesetas, congregando a 400
empresas espanholas e 30.000 profissionais dos negócios. O obje-
tivo final era transmitir ao mundo empresarial brasileiro e ao con-
junto da comunidade dos negócios do MERCOSUL a idéia de que a
Espanha contava com uma indústria tecnológica avançada e de
futuro. A Expotecnia-96 fazia parte de um amplo programa de di-
vulgação da imagem empresarial da Espanha no Brasil. Para o
embaixador da Espanha, Carlos García Blasco, a Expotecnia não
era só uma feira comercial. Tratava-se de uma questão de Estado,
ao perseguir a intensificação das relações bilaterais e a abertura

59
DEHESA, Guillermo de la: “Las relaciones económicas entre Brasil y España”, Seminario IPRI Brasil
Espanha, Rio de Janeiro, 7 de abril de 2000, pp.7-10.
60
A vinculação entre a IED e o aumento dos fluxos comerciais em CASTILHO, M. e ZIGNAGO, S.: “Trade
effects of FDI in Mercosur, a disaggregated analysis”, en GIORDANO,P. (org.): An Integrated Approach to the
European Union-Mercosur Association, París, Chaire Mercosur, 2002, pp.245-263.

267
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

do mercado brasileiro à economia espanhola61. Os resultados da


feira podem servir para explicar, em certa medida, o aumento das
exportações espanholas, no ano seguinte, para o Brasil. O Relató-
rio do ICEX, no qual se avaliavam as repercussões da Expotecnia-
96, cifrava em 17.000 milhões de pesetas os negócios fechados in
situ (4.594 em contratos fixados definitivamente e 12.364 em con-
tratos provisórios), o que significava que por cada milhão investido
pelo Ministério de Comércio se tinham gerado oito milhões em
contratação, com o valor agregado de que 44% das operações fo-
ram efetuadas com clientes novos. Outros indicadores enfatizavam
as posições tomadas pelas empresas espanholas de cara ao futuro,
já que 43,2% das companhias participantes assinaram acordos de
distribuição ou representação e 30% estava em trâmites de fazê-
lo. A Secretaria de Estado de Comércio da Espanha estimava o
crescimento das exportações no primeiro semestre de 1997, perto
de 50%. Outro aspecto importante foi a modificação das percep-
ções do empresariado brasileiro que, no final da feira, considera-
vam em uma porcentagem de 88% que a Espanha era um país
econômica e tecnologicamente avançado. Desde a outra perspecti-
va, os empresários espanhóis alteraram sua percepção do mercado
brasileiro, começando a prestar uma atenção diferenciada ao país.
Na verdade, a Espanha potencializou seu trabalho de promo-
ção comercial no MERCOSUL, ante a redução de sua capacidade
para a utilização de créditos à exportação com cargo ao Fundo de
Ajuda ao Desenvolvimento (FAD). Com efeito, a capacidade de
aproveitamento deste instrumento nos países do MERCOSUL, tal
e como defende PISONERO, se viu minguada por causa da refor-
ma do Consenso da OCDE em matéria de crédito à exportação com
apoio oficial. Esta reforma estabelecia níveis de renda per capita
que permitiam aos países em desenvolvimento converter-se em
beneficiários. O Brasil, ao contrário da Argentina, não foi afetado
por esta medida, mas recebeu uma porcentagem muito reduzida de
financiamento concesional que não foi finalmente utilizada62. Em

61
“El Príncipe de Asturias inaugurará mañana en Brasil la mayor feria española en el extranjero”, ABC, 22
de novembro de 1996.
62
PISONERO, E.: “Mercosur, una apuesta de futuro”, Economía Exterior, nº 7, 1998/1999, pág.25

268
capítulo 5
a associação ou parceria hispano-brasileira: de Cardoso a Lula (1995 – 2005)

conseqüência, como afirma CUENCA, as restrições ao financia-


mento das exportações reforçaram a importância da promoção co-
mercial como instrumento de fomento da exportação e, neste âmbi-
to, o esforço espanhol se concentrou no Brasil, graças à Expotecnia
96 e às jornadas de seguimento da mesma celebrada no ano se-
guinte63.
Por outro lado, a existência de facilidades e linhas de crédito
para as exportações espanholas (Instituto de Crédito Oficial e ICEX)
e de seguros para cobrir os riscos das mesmas foi outro fator coad-
juvante para o bom desempenho exportador da Espanha para o Bra-
sil. Tomando o ano 1997 como referência, ano em que se equilibra
a balança comercial bilateral, os dados do Relatório Anual 1997
da Companhia Espanhola de Seguros de Crédito à Exportação
(CESCE), refletiam um espetacular crescimento da emissão de se-
guros para operações com o Brasil (terceiro destino), com 6,76%
do total. Nesse ano, a participação do Brasil na carteira da CESCE
dobrou com relação a 1996 ao tempo que os acidentes diminuí-
ram.64
4.- Finalmente, o protecionismo da UE especialmente no setor
agrícola, representa um fator de ordem estrutural que limita o co-
mércio brasileiro e suas vendas de produtos básicos à Espanha,
principalmente quando se calcula que cerca de 70% das exporta-
ções brasileiras estão constituídas por matérias-primas cujos volu-
mes e preços tendem a ser bastante cíclicos. O Brasil poderia au-
mentar suas vendas à Espanha em frutas, produtos tropicais, car-
nes e outros produtos alimentícios de não ser pelas barreiras im-
postas para seu ingresso no mercado comunitário. No entanto, já
que as possibilidades de um rápido desmantelamento da PAC são
reduzidas, deveria o Brasil intensificar seu trabalho de promoção
comercial na Espanha com o objetivo de equilibrar a balança bila-
teral. O outro palco alternativo, que se confirmou pelos dados do
comércio hispano-brasileiro em 2002, consistiu na redução das
importações induzida pela debilidade do real frente ao dólar - no

63
CUENCA, E.: “Comercio e Inversión en Iberoamérica”, Información Comercial Española, fevereiro/março,
nª 790, 2001, pp.141-161.
64
MUELA, Mariano: “Brasil: un mercado por descubrir”, Economía Exterior, nº 7, 1998-1999, pp.123-133.

269
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

contexto das dúvidas dos mercados ante a vitória de Lula nas elei-
ções presidenciais - o que propiciou também o aumento das expor-
tações brasileiras para a Espanha pela crescente competitividade,
via preços, dos produtos do Brasil.
Historicamente, o comércio entre o Brasil e a Espanha possuiu
pouca significação relativa para as duas economias, representando
os intercâmbios bilaterais entre 1% e 2% das transações mundiais
dos dois países, encontrando-se muito abaixo do potencial existen-
te. É conseqüente, então, perguntar-se como superar as limitações
que o comércio bilateral continua demonstrando e indagar nos de-
safios futuros para elevar os intercâmbios hispano-brasileiros, ao
lugar que lhes correspondem no conjunto das relações entre o Bra-
sil e a Espanha. Tudo isso desde a premissa da necessária
sustentabilidade que deve procurar-se no crescimento das corren-
tes comerciais para dar uma dimensão econômica mais completa
às relações hispano-brasileiras.

Gráfico 11
Evolução da taxa de cobertura comércio Espanha-Brasil
(1993-2000)

Fonte: ICEX. estatísticas de comercio exterior ESTACOM

Entre os desafios futuros do comércio hispano-brasileiro po-


dem destacar-se:
1.- A necessidade de impulsionar o comércio bilateral naque-
les setores que demonstram potencialidade para seu crescimento
já que a introdução de novos produtos na pauta exportadora não
parece provável. Desde a perspectiva das exportações espanholas,
os setores de maior interesse no Brasil são a maquinaria industrial,
peças de automóveis, azeite de oliva, vinhos e conservas, solos e
azulejos cerâmicos e abastecimentos elétricos. Para as exportações
brasileiras, há possibilidades de crescimento de produtos como a
soja, café e tabaco, frutas frescas como melões, destilados e aguar-

270
capítulo 5
a associação ou parceria hispano-brasileira: de Cardoso a Lula (1995 – 2005)

dentes como a cachaça e produtos da indústria cultural.


2.- A intensificação das parcerias entre empresas brasileiras e
espanholas através da criação de joint-ventures para o desenvolvi-
mento conjunto de projetos que incluam a fabricação e
comercialização de produtos de alto valor tecnológico. A finalida-
de a alcançar consistiria no aumento do peso das exportações bra-
sileiras em setores diferentes do primário. Nesta linha, a frutífera
cooperação entre a brasileira EMBRAER e a espanhola GAMESA
para a construção de partes do avião EMB-145 pode ser um exem-
plo a seguir. No entanto, apesar desta cooperação com GAMESA, a
EMBRAER ainda não tem encontrado na Espanha mercado para
seus aviões.
3.- Entre as propostas realizadas em diferentes foros para o
aumento do comércio hispano-brasileiro e para a consecução de
uns intercâmbios mais equilibrados e diversificados destaca a ne-
cessidade de impulsionar os contatos entre as pequenas e médias
empresas (PYMES) assim como a necessidade das empresas espa-
nholas do setor bancário instaladas no Brasil, junto com o Banco
do Brasil, examinarem a criação de canais de incentivo para o fi-
nanciamento destas PYMES, cujo potencial de colaboração encon-
tra-se por debaixo das possibilidades imagináveis.
4.- O fomento da promoção comercial, mais destacadamente
no caso brasileiro, para a difusão do conhecimento sobre a quali-
dade dos produtos exportados. Recentes iniciativas como a
reativação da Câmara de Comércio Brasil-Espanha e a potenciação
da Câmara oficial espanhola de Comércio no Brasil são demonstra-
ções relevantes do trabalho que pode ser realizado. O Itamaraty é
consciente do alcance deste ponto constituindo uma das grandes
potencialidades que devem ser exploradas, aumentando a impor-
tância dos setores comerciais da Embaixada e Consulados e de-
senvolvendo planos de trabalho e instrumentos modernos a favor
da abertura de novos espaços para os produtos brasileiros65.
5.- Por último, é necessário que a participação do investimento
direto espanhol no Brasil se manifeste no crescimento do fluxo co-

65
CHOHFI, Osmar V.: “Brasil e Espanha, uma parceria moderna”, Comercio Exterior, nº 46, Informe Banco
do Brasil, março-abril, 2003, pág.7.

271
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

mercial bilateral, o que pode suceder nos próximos anos. Este pon-
to é crucial para a superação do “equilíbrio estagnado”66 no qual
se encontra o volume do comércio bilateral desde 1997. Em con-
clusão, as possibilidades de ampliação do comércio entre Brasil e
Espanha dependem, definitivamente, da realização de esforços
comuns para descobrir as possibilidades e os “nichos” nos respec-
tivos mercados, assim como as áreas onde uma maior cooperação
redundaria em vantagens recíprocas para os dois “parceiros”.

5.4.- As relações sociais, culturais e de cooperação.


5.4.-As
O aprofundamento das relações hispano-brasileiras e a supe-
ração do “eixo da sentimentalidade” não se manifestaram exclusi-
vamente no campo econômico. O “eixo da instrumentalidade” en-
contra também elementos que contribuem para sua formação na
incorporação das dimensões sociais, culturais e de cooperação. Se
historicamente a Espanha e o Brasil potenciaram em seus contatos
político-diplomáticos a dimensão cultural se devia mais ao caráter
substitutivo que possuía este âmbito, no contexto mais amplo das
deficiências estruturais de nível de desenvolvimento que apresen-
tavam ambos países, que a seu interesse intrínseco. Somente a partir
da resolução parcial destas deficiências, pelo menos do lado espa-
nhol, se puderam sentar as bases para uma correta localização dos
temas de cooperação educacional, cultural e tecnológica. Partindo
da necessidade de considerar outras dimensões da parceria hispano-
brasileira e ao objeto de não desenhar um panorama desta, exces-
sivamente dominado por fatores políticos ou econômicos, se exa-
minam também as relações sociais focalizadas nos fluxos de emi-
gração e turismo, as questões culturais das relações bilaterais, es-
pecialmente, o tema do fomento da língua espanhola no Brasil e as
relações de cooperação hispano-brasileiras.

66
A expressão é utilizada por MOREIRA, Carlos: “Câmara de Comércio Brasil Espanha”, Comércio Exterior,
nº 46, Informe Banco do Brasil, março-abril, 2003, pág.9.

272
capítulo 5
a associação ou parceria hispano-brasileira: de Cardoso a Lula (1995 – 2005)

Turismo e emigração: novas dinâmicas bilaterais na década


de noventa
Na última década, o aumento recíproco dos fluxos de turistas
foi mais um fator que contribuiu positivamente à criação de um
clima recíproco de simpatia, produtor de imagens favoráveis entre
os dois países que criam condições para as iniciativas de coopera-
ção. Nesta linha, ROSENAU defendeu que o turista é um ator da
sociedade internacional que representa um dos extremos do contí-
nuo transnacional, independentemente do grau de consciência que
possua sobre sua atividade.67 Em conseqüência, é necessário co-
nhecer o papel do indivíduo no conjunto das relações que se de-
senvolvem no âmbito internacional.68
No caso que nos ocupa, os fluxos de turismo hispano-brasilei-
ros, cabem aplicar ao assunto as reflexões de CAZES, que afirma
que o turismo na mundialização é um ator muito desconhecido.69
Com efeito, pouco ou quase nada se há escrito sobre a importância
do turismo como fator de aproximação entre a Espanha e o Brasil e,
no entanto, as cifras mesmo encontrando-se muito abaixo das pos-
sibilidades potenciais, não são desdenháveis. Na balança bilateral
do turismo – considerado dentro da categoria de comércio de ser-
viços – o saldo é favorável à Espanha. O grande boom de turistas
brasileiros aconteceu a partir da implantação do Real, graças a
uma moeda supervalorizada, que permitiu às classes mais
favorecidas atirar-se à descoberta de destinos distantes. Nos anos
anteriores ao Plano Real, a média de turistas brasileiros que pas-
saram pelas alfândegas espanholas, entre 1990 e 1995, como pri-
meiro destino de sua viagem foi de 58.000. Uma cifra que saltaria
– entre 1996 e 2000 – para 157.000, com 1998 como o ano em
destaque com 208.914 turistas e uma queda considerável a partir
de então, como resultado do impacto da desvalorização do Real em

67
ROSENAU, James: “Le touriste et le terroriste, ou les deux extrémes du continuum transnational”, Etudes
Internationales, vol.X, nº 2, juin, 1979, pp.220-226.
68
CALDUCH, R.: Relaciones Internacionales, Madri, Ciencias Sociales, 1991, pp.361-363.
69
CAZES, Georges: “Tourisme et relations internationales, perspective cavalière du dernier demi-siècle”,
Relations Internationales, nº 102, été, 2000, pp.233-245; Ver também MONTANER, Jordi: Política y relaci-
ones turísticas internacionales, Barcelona, Ariel, 2002.

273
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

1999. A Espanha é o segundo destino europeu preferido pelos bra-


sileiros, só atrás da Itália e consideravelmente acima de Portugal.
No ano de 2004, um total de 230.000 cidadãos brasileiros visita-
ram a Espanha, com um aumento de 18% referente ao ano 2003.
Este dado é revelador da simpatia que a Espanha desperta entre os
setores sociais do país que podem viajar à Europa, à margem de
razões de ordem econômica.

Gráfico 12
Entrada de turistas brasileiros na Espanha (1990-2004)

Ano Número de turistas brasileiros


1990 46.641
1991 47.000
1992 49.500
1993 52.700
1994 79.400
1995 73.040
1996 171.125
1997 180.908
1998 208.914
1999 112.484
2000 113.492
2001 117.371
2002 109.765
2003 182.000
2004 230.000
Total 1.774.340

Fonte: Estimações da Empresa Brasileira de Turismo (EMBRATUR)

No outro extremo da balança, o número de turistas espa-


nhóis que escolhem o Brasil como destino de suas férias
denota o desconhecimento que ainda existe sobre as possi-
bilidades turísticas das terras brasileiras, o trabalho
promocional que falta desenvolver e, fundamentalmente, a
permanência da imagem do país como lugar perigoso e in-

274
capítulo 5
a associação ou parceria hispano-brasileira: de Cardoso a Lula (1995 – 2005)

seguro 70 . Nos últimos anos, se percebe um aumento da ofer-


ta turística para o Brasil com as campanhas desenvolvidas por tour-
operadores espanhóis que começaram a investir na construção de
infra-estruturas hoteleiras no Nordeste brasileiro, uma região afas-
tada dos grandes centros urbanos identificados com a geração de
violência. Em 1994 apenas 59.000 espanhóis chegaram nos pos-
tos fronteiriços brasileiros, com um sensível aumento em 1998, até
os 75.000 turistas. Como mercado emissor de turistas para o Brasil
no ano 2003, a Espanha ocupou o undécimo posto mundial e o
sexto europeu, atrás de países como Alemanha (315.000 turistas),
França (225.000), Portugal (228.000) Itália (214.000), Inglaterra
(155.000).
Esta cifras expressam o paradoxo de um turismo espanhol para
o Brasil tão raquítico quando se consideram os atrativos naturais,
os baixos preços e a existência de mais de quarenta hotéis admi-
nistrados por empresas espanholas.71 Não estranha, que a coopera-
ção espanhola para o Brasil tenha decidido concentrar-se nos últi-
mos anos na identificação e execução de projetos com o objetivo
prioritário do desenvolvimento do setor turístico brasileiro, o que
servirá, além disso – com uma adequada divulgação – para au-
mentar o interesse do turista espanhol pelo país.
Em geral, o turista atua a sua volta como um multiplicador de
imagens positivas ou negativas a respeito do país visitado. No caso
do turista brasileiro, pesam na eleição da Espanha como país de
destino para o ócio, o imaginário existente sobre a história do país
– “o país das touradas” -, seus monumentos, museus e atrativos
culturais, a gastronomia e a combinação de tradição com
modernidade que leva a uma autêntica fascinação por Picasso, Miró,
Dalí. A intensificação dos fluxos turísticos bilaterais será,
destacadamente na etapa do Governo Lula, um dos principais de-
safios da agenda hispano-brasileira.

70
Ver OFICINA ESPANHOLA DE TURISMO EM SÃO PAULO: Estudos de mercados turísticos emissores.
Brasil, nº 10, Madri, janeiro, 2003.
71
DEHESA, Guillermo de la: “Las relaciones económicas entre Brasil y España”, Semiário Brasil-Espanha,
IPRI, Rio de Janeiro, 7 de abril de 2000, pág. 17.

275
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

O novo panorama dos flux os migratórios bilaterais


fluxos
Se os anos oitenta supuseram um parêntese na importância dos
fluxos migratórios hispano-brasileiros, na década de noventa o tema
adquiriu relevância desde diferentes dimensões. Em primeiro lu-
gar, pelo fenômeno crescente do retorno de emigrantes espanhóis
no Brasil que se beneficiaram dos diferentes programas das Comu-
nidades Autônomas, especialmente a galega. Em segundo lugar,
pela reversão tradicional dos fluxos migratórios e pelos problemas
que suscitou na agenda bilateral a chegada de emigrantes brasilei-
ros que ingressavam na Espanha em qualidade de turistas e, poste-
riormente, se estabeleciam no país de forma irregular. Uma pri-
meira dificuldade para avaliar as magnitudes às que se faz referên-
cia reside na ausência de dados estatísticos confiáveis que permi-
tam saber com exatidão o número de brasileiros irregulares na
Espanha. A razão é que estes cidadãos não se inscrevem no livro
de matrícula dos Consulados brasileiros e, por outro lado,
existe a presunção de que muitos deles chegam na Espanha
através dos turvos usos de redes ilegais. Cifras estimativas,
no ano 2000, situavam cerca de 5.000 o número de brasi-
leiros com residência legal na Espanha aos que se acres-
centariam outros 15.000 em situação irregular. Aproxima-
damente umas 20.000 pessoas formariam, em conseqüên-
cia, a colônia brasileira na Espanha.
O principal problema que a emigração brasileira para a
Espanha vem suscitando nas relações bilaterais é a existên-
cia de um grande número de mulheres que são aliciadas no
interior do país (principalmente na zona centro-oeste com
destaque para o Estado de Goiás) e nos grandes núcleos ur-
banos (São Paulo e Rio) cujo destino é nutrir os locais de
alterne e prostituição de vários países europeus, especial-
mente a Espanha, Portugal e Itália. Segundo dados do Con-
sulado do Brasil em Madri, em 1998 foram deportados pe-
las autoridades espanholas um total de 416 cidadãos brasi-
leiros, em sua maioria mulheres que retornavam a seu país
depois de uma experiência frustrada de prostituição. O prin-
cipal destino das brasileiras que saíam de seu país nesse
ano para prostituir-se era a Espanha, como destino final ou

276
capítulo 5
a associação ou parceria hispano-brasileira: de Cardoso a Lula (1995 – 2005)

como trampolim para dirigir-se a outro país da UE 72 . Se-


gundo a Brigada Central de Estrangeiros em Madri, se cal-
culava que no ano 2001 existiam entre 4000 e 5000 mil
mulheres brasileiras em casas noturnas e locais da Espanha, a
metade oriunda do Estado de Goiás onde se desarticularam várias
redes dedicadas a este tráfico73.
As demandas espanholas neste tema se centram na necessida-
de de uma maior colaboração policial e judicial do Brasil para al-
cançar a erradicação deste tráfico. Nas comunicações do Itamaraty
com a Embaixada em Madri, se vem alertando sobre a necessidade
de proceder a “uma reflexão mais cuidadosa” a respeito da ques-
tão das cidadãs brasileiras envolvidas em redes internacionais de
prostituição que foram expulsas pelo Governo espanhol. A ênfase
se coloca na necessidade de orientar e oferecer assistência através
de instituições brasileiras, se bem que existe a dificuldade que
órgãos como o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher não de-
senvolvem ações específicas dirigidas para as prostitutas maiores
de 18 anos, ao não se considerar a prostituição um crime74. Em
qualquer caso, à margem das questões policiais e sociais que se-
melhante questão compreende, seu impacto é muito negativo nas
imagens que a população espanhola constrói, associando de forma
simplista e tópica a imagem de prostituição à do Brasil e, em con-
seqüência, levantando barreiras para o melhor conhecimento da
realidade daquele país.
Na direção contrária, a da emigração espanhola para o Brasil,
deve destaca-se que quantitativamente reflete índices ínfimos nas
duas últimas décadas. A colônia espanhola no Brasil se cifra, se-
gundo dados do Consulado Geral da Espanha em São Paulo para o
ano 1999, em 120.000 nacionais, a maioria descendente de espa-
nhóis ou chegados ao Brasil nos anos sessenta. Estes dados diver-

72
“Brasil lidera exportação de escrava sexual”, Folha de São Paulo, 29 de novembro de 2000.
73
“Espanha tem mil prostitutas brasileiras”, 5 de setembro de 2000, http://www.terra.com.br; “Juiz determi-
na prisão de brasileiras”, Folha de São Paulo, 12 de maio de 2001.
74
Despacho telegráfico,MRE para Embaixada do Brasil em Madrid, 3 de dezembro de 1997, AHIB, caixa
52.

277
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

gem sensivelmente dos divulgados pelo Ministério do Trabalho se-


gundo os quais em 1998 residiam no Brasil 139.594 espanhóis,
quantidade que cai em 1999 até 130.692 nacionais75. A megalópole
de São Paulo acolhe 88.000 espanhóis, 65% do total, que de-
senvolvem uma intensa atividade associativa, com jornais pró-
prios, centros de reunião e seções dos principais partidos polí-
ticos espanhóis. Desde uma perspectiva qualitativa não pode
deixar de registrar-se que o perfil do “emigrante” espanhol para
o Brasil na última década variou substancialmente. Segundo
dados da imprensa brasileira, os espanhóis estão entre os pou-
cos estrangeiros que conseguiram “furar” a barreira imposta
pelo Ministério de Trabalho do Brasil para a emissão de vistos
vinculados à obtenção de um contrato de trabalho permanente.
Seu perfil é o de técnicos e altos diretivos de multinacionais
espanholas. Em 1998 se concederam um total de 5.000 vistos
de trabalho, reduzindo-se a quantidade para 2.500 em 1999,
como resultado da intervenção do Ministério do Trabalho com o
argumento de que os trabalhadores estrangeiros estariam ocu-
pando o emprego dos brasileiros. Nos dois anos indicados, os
trabalhadores especializados espanhóis alcançaram um total de
30% dos vistos solicitados. Em resumo, o perfil do “novo” emi-
grante espanhol é o de um trabalhador altamente qualificado
que enfrenta a experiência de sua estadia no Brasil como algo
temporário, ao término da qual retorna à Espanha.

A presença cultural espanhola no Brasil. O déficit brasilei-


ro
A parceria hispano-brasileira contém outras dimensões que
convém não esquivar. A principal delas é, sem dúvida, a di-
mensão cultural. Se na época franquista, a política cultural foi
instrumento para a projeção para América Latina da ideologia
e dos valores autoritários do regime, na etapa democrática a
ênfase se colocaria nos valores da democracia espanhola e no
seu processo de modernização, crescimento e estabilidade eco-

75
MINISTÉRIO DO TRABALHO: Anuario de Migraciones, 2000, Madrid, 2001.

278
capítulo 5
a associação ou parceria hispano-brasileira: de Cardoso a Lula (1995 – 2005)

nômica. As relações culturais internacionais são, na opinião de


HARVEY, uma das quatro dimensões fundamentais das relações
internacionais e da política externa de um país 76. A política exter-
na em matéria cultural completa as relações econômicas e as polí-
ticas em um sentido estrito ao atribuir à defesa da língua dos paí-
ses, ao aumento do prestígio nacional e ao desenvolvimento dos
intercâmbios entre homens e idéias um papel de máxima relevân-
cia77. É certo que durante muitos anos a política cultural esteve
guiada por um marcado sentido unilateralista, orientando-se nos
seus objetivos para uma finalidade propagandística, funcional às
formas de penetração ideológica, expansiva e dominadora que qui-
seram imprimir-lhe os sistemas totalitários. No entanto, a supera-
ção da tentação totalitária iluminou um modelo diferente de rela-
ções culturais, a diplomacia cultural bilateral, cujos objetivos re-
fletiam concepções diferentes: instrumento de paz e cooperação,
apoio à diplomacia convencional, veículo para o entendimento in-
ternacional e favorecedora do comércio exterior 78.
Estas concepções são aplicáveis ao caso das relações culturais
hispano-brasileiras com algumas particularidades. A principal delas
é que, a diferença das grandes potências culturais mundiais (Grã-
Bretanha, França, Alemanha), tanto a Espanha como o Brasil dedi-
caram historicamente pouca atenção a esta questão. Esta negli-
gência se refletiu nas restrições e condicionamentos orçamentári-
os que sempre enfrentaram as respectivas diplomacias para iniciar
programas de difusão das culturas nacionais. Na verdade, estas
limitações nos conduzem obrigatoriamente à ponderação realizada
por MITCHELL, quando mantém que “a política cultural exterior
não pode ser praticada em abstrato, pois sua validade dependerá
da vitalidade do cenário interior, da política cultural interna”79. No
caso da política externa cultural do Brasil e da Espanha parece

76
HARVEY, E.: Relaciones culturales internacionales en Iberoamérica y el mundo, Madrid, Tecnos, 1991.
77
Ver EFINGER, Eberhard: Politique culturelle et instituts culturels des Etats membres de la Communauté
Européenne, Bruxelles, CCE, 28 de fevereiro de 1976, pág.5; Também RIGAUD, Jacques: La cultura para
vivir, Buenos Aires, Sur, 1977, pág.134.
78
Ver HARVEY, E.: Op.cit., pp.21-23.
79
MITCHELL, J.M.: International Cultural Relations, London, Allen & Unwin, 1986, pág. 9

279
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

evidente que, tal e como afirma EFINGER, referindo-se a um con-


texto geral, “existe uma correlação entre política externa e interior
em matéria de cultura (…) no sentido que a melhor política cultu-
ral exterior é a política cultural produzida no domínio cultural pró-
prio e projetada ao estrangeiro”80. Ainda pode citar-se a reflexão
de Eric NEPOMUCENO, para quem “a única maneira de um país
relacionar-se com outros, e que essa relação seja um processo de
conhecimento e enriquecimento único é através do encontro de
suas artes, e de sua cultura”.
O desenvolvimento econômico da Espanha e a presença de suas
multinacionais no Brasil permitiram que, nos últimos anos, se de-
senvolvesse um ambicioso programa cultural, com o patrocínio
destas grandes empresas. Por outro lado, o Governo de Aznar ou-
torgou importância estratégica à difusão do espanhol no Brasil e,
em conseqüência, o esforço econômico dedicado ao país superou
amplamente os minguados recursos que se dirigiam anteriormente
à promoção da cultura espanhola entre os brasileiros. Pelo contrá-
rio, o Governo brasileiro não tem disposto de similares volumes de
recursos para financiar atividades culturais de expansão e conhe-
cimento da cultura brasileira no exterior e poucas empresas do
Brasil estão dispostas a custear esta tarefa quando são tantas as
necessidades dentro do próprio país e quando a visibilidade e o
retorno dos investimentos em cultura é incerto. Em conseqüência,
se pode afirmar que, no campo das relações culturais, existe um
déficit cultural brasileiro referente à Espanha. As atividades de
difusão e conhecimento da cultura do Brasil entre os espanhóis são
poucas e limitadas ao âmbito oficial e correspondem em sua maio-
ria a iniciativas de caráter empresarial e privado ou a colaborações
conjuntas com instituições oficiais da Espanha, seja através de or-
ganismos culturais ou de instâncias de cooperação.
Este déficit é perfeitamente compreensível quando se volta a
história dos últimos 30 anos de políticas culturais do Brasil. Frente
a uma concepção ancorada no “viver e produzir a custo do Esta-

80
EFINGER, Eberhard: Op.cit, pág. 6.

280
capítulo 5
a associação ou parceria hispano-brasileira: de Cardoso a Lula (1995 – 2005)

do”, a política cultural do Governo Cardoso, rejeitando a “lógica


do subsídio”, esteve orientada pelo princípio de que Estado e Mer-
cado deviam caminhar juntos, mas não “misturados”. As leis de
incentivo fiscal colocadas em prática contribuíram para agilizar a
captação de recursos e permitiram a participação de empresas em
todo tipo de projetos culturais (artes cênicas, edição do livros,
música). Se em 1995 eram 234 empresas as que investiam no setor
da cultura, em 1998 este número alcançava 1.034. Mas a partir
desse ano, com a privatização das grandes empresas estatais, se
registrou uma queda dos investimentos em cultura, só revertida no
ano 2000. O grande problema se fazia presente no dilema: Como
estimular o mercado sem converter-se em seu refém?81. Para o
Itamaraty, com as restrições orçamentárias existentes em um país
que dedicava menos de 0,5% do PIB ao Ministério da Cultura,
resultava muito dificultoso desenvolver um programa de difusão
da cultura brasileira no exterior82. O grande esforço nesta matéria
se focou nas comemorações pelos 500 anos da Descoberta do Bra-
sil, com a pretensão de exibir no estrangeiro uma parte da amostra
dedicada ao barroco brasileiro com 350 obras de arte. No que diz
respeito à Embaixada do Brasil na Espanha, suas atividades cultu-
rais de difusão se reduziram nas últimas décadas a pequenas inici-
ativas como a realização de ciclos de cinema brasileiro, exposições
de pintores, recitais de música coral, conferências, seminários,
cursos de gastronomia e música e, em geral, um conjunto de reali-
zações que, centralizadas em Madri e Barcelona, com a Casa do
Brasil e o Centro de Estudos Brasileiros funcionando como centros
culturais –, se caracterizaram pelo seu limitado impacto e visibili-
dade. Em suma, uma presença cultural do Brasil na Espanha ex-
cessivamente discreta que não se corresponde com a potencialidade
do país neste aspecto e que pode ser imputável às pobres dotações
orçamentárias assim como à ausência de um desenho claro sobre o
papel da cultura na política externa brasileira.

81
A política cultural dos Governos brasileiros em CASTELLO, José: “Cultura”, em LAMOUNIER, B. e
FIGUEIREDO, R.(orgs.): A era FHC um balanço, Cultura, São Paulo, 2002, pp.627-656.
82
Uma análise sobre o papel da cultura na política externa do Brasil em TELLES RIBEIRO, Edgard: Diplo-
macia cultural, seu papel na política externa brasileira, Brasília, FUNAG/IPRI, 1989.

281
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

Não estranha que os espanhóis, em geral, mantenham uma


imagem excessivamente tópica do Brasil, centrada nos carnavais,
no futebol e nas praias do Rio de Janeiro. Não obstante, devem
registrar-se avanços significativos nos últimos anos. É cada vez
mais freqüente que os suplementos culturais dos principais diári-
os de circulação nacional na Espanha dediquem espaço a dar con-
ta das últimas novidades literárias e musicais do Brasil ou à come-
moração de festas com a presença de destacadas figuras brasilei-
ras. Por citar alguns exemplos, o boom dos livros de Paulo Coelho,
as multidões que seguiram Carlinhos Brown em sua comemoração
do carnaval pelas ruas da Espanha, no ano 2005, o sucesso do
grupo Os Tribalistas galardoados com o prêmio Ondas 2003 ao
melhor álbum de música latina na Espanha, a presença de mais de
cem artistas plásticos brasileiros na Feira Arco 2001 de Madri, a
realização de exposições e concertos dedicados ao Brasil no festi-
val La Mar de Músicas de Cartagena, no ano 2000, o lançamento
de uma linha editorial “Biblioteca do Brasil” pela Universidade
de Salamanca e a inauguração da exposição de arte contemporânea
“São Paulo século XXI”, os triunfos internacionais colhidos por
filmes como “Estação Central do Brasil” e “Cidade de Deus”, a
estréia na Televisão Espanhola da novela brasileira “Terra Nostra”,
as colaborações de Almodóvar e Caetano Veloso e a gravação de
discos entre artistas dos dois países (Rosario e Carlinhos Brown;
Pedro Guerra e Lenine), encontros na Casa de América de escrito-
res brasileiros, o centenário de Cecília Meirelles – a grande poeti-
sa do Brasil - ou a morte de Jorge Amado.
Apesar do aumento da presença da cultura brasileira nos mei-
os de comunicação e inclusive nas referências cada vez mais fre-
qüentes a produtos típicos do Brasil – como componentes de sua
cultura gastronômica (Guaraná e Cachaça os mais recentes)-, o
conhecimento existente na Espanha ao respeito se reduz, em nível
do grande público, aos tópicos já aludidos, ficando confinadas a
círculos seletos as contribuições de figuras da qualidade de Assis
Chateaubriand, Euclides da Cunha, João Cabral de Melo Neto,
Guimarães Rosa, Oswald de Andrade, Manuel Bandeira, Mário
Quintana, Carlos Drummond de Andrade, Murilo Mendes, Érico
Veríssimo, Sérgio Buarque de Holanda ou Gilberto Freyre. Defini-

282
capítulo 5
a associação ou parceria hispano-brasileira: de Cardoso a Lula (1995 – 2005)

tivamente, a situação hoje avançou, mas não difere muito da con-


fessada por Unamúno a um amigo brasileiro oitenta anos atrás: “O
Brasil é um dos países de cuja vida intelectual menos sei...”.83 Por
isso é pertinente a chamada de atenção realizada por Nélida Piñon,
escritora brasileira de origem galego, ao reclamar uma atenção maior
do mundo hispânico pela cultura do Brasil, alertando sobre o fato
de que sendo cada vez maior o interesse pelo espanhol entre seus
compatriotas, se corra o perigo de incorrer em uma atitude unilate-
ral.84
O caso da difusão da cultura espanhola no Brasil variou subs-
tancialmente nos últimos anos com a realização de um extenso pro-
grama de atividades que calaram em importantes setores da socie-
dade brasileira e, em alguns casos, permitiram que os meios de
comunicação transmitissem o slogan “a Espanha está de moda”.
Neste sentido, a diplomacia espanhola soube empregar a gama de
instrumentos e meios da política cultural exterior no Brasil com o
apoio de substanciais recursos da iniciativa privada. Junto dos meios
tradicionais das relações culturais com o exterior (bolsas de estu-
dos, intercâmbios), existiu um limitado aproveitamento dos meios
de difusão eletrônicos (cinema, televisão, novas tecnologias) e um
intenso uso dos meios da cultura tradicional de prestígio (financi-
amento de excursão, exposições de arte, etc.). Evidentemente, o
esforço espanhol é ainda bastante limitado quando se compara com
o principal referente nesta matéria, a presença cultural dos Esta-
dos Unidos no Brasil, ou se se consideram as magnitudes do terri-
tório e a população branca dessas iniciativas culturais. Entre as
atividades mais destacadas da Espanha no Brasil, a partir de 1995,
e deixando à parte para seu estudo detalhado o assunto da promo-
ção da língua espanhola, podem mencionar-se a comemoração de
várias macro-exposições, como a mostra “Esplendores da Espanha,

83
Citado por GARCÍA MOREJÓN, Julio: Presente y futuro de la lengua española, Madrid, Ediciones Cultura
Hispánica/OFINES, 1964.
84
“Nélida Piñón reclama una atención mayor del mundo hispánico por la cultura de Brasil”, El País, 27 de
novembro de 2001; Este unilateralismo pode exemplificar-se com este dado: em 1999, segundo o Sindicato
Nacional de Editores de Livros do Brasil, foram traduzidos 443 títulos espanhóis enquanto apenas 160
títulos brasileiros chegaram a Espanha, uns 0,8% de todos os traduzidos ao espanhol nesse ano.

283
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

do Greco a Velásquez”, inaugurada pelos Reis da Espanha no Rio


de Janeiro85, em julho do ano 2000; a mostra “De Picasso a Barceló”,
em agosto de 2001, em São Paulo 86; ou ainda a mega-exposição “A
Espanha do século XVIII: o sonho da razão”, celebrada no Rio 87,
em julho de 2002. Desde a perspectiva oficial, estes eventos não
só hão contribuído ao objetivo de divulgar a cultura espanhola no
Brasil, mas, além disso, estimularam novas “parcerias” ao contri-
buir para reforçar os laços comerciais entre os dois países e fomen-
tar o aumento do turismo de brasileiros para a Espanha88. Desde a
perspectiva brasileira, a comemoração destas exposições permite
avançar na construção da “parceria” entre o Brasil e a Espanha, “a
cada dia mais forte, rica e diversificada”89 e constitui – como afir-
mou o presidente Cardoso – uma das pedras fundamentais no pro-
cesso de aproximação e busca permanente do conhecimento das
realidades dos dois países:

“As relações entre o Brasil e a Espanha, caracterizadas por


significativas afinidades históricas, encontram na realização desta
amostra uma extraordinária expressão de seu potencial e diversidade.
Seu acervo reflete um patrimônio único, ilustrativo da riqueza da
cultura espanhola que nós brasileiros sempre soubemos apreciar.
Quanto mais venhamos a conhecer-nos, maiores e melhores serão as
perspectivas de iniciativas e ações conjuntas. O interesse cultural
constitui, assim, um dos muitos ângulos da amizade que nos une”.90
À margem destas atividades de caráter excepcional, a Embai-
xada da Espanha no Brasil desenvolve cotidianamente um traba-
lho de difusão da cultura espanhola, através de sua Secretaria de
Educação e Ciência em Brasília, do apoio aos Colégios espanhóis
no Brasil (Colégio Miguel de Cervantes em São Paulo e Santa Ma-
ria de Belo Horizonte) e, a reboque entre a cooperação e a cultura,

85
“Brasil revive la memoria ibérica del Siglo de Oro con la mayor exposición de arte de la época”, ABC, 12
de julho de 2000; “El Rey inaugura en Río una exposición de pintura española”, El País, 12 de julho de
2000.
86
“Pinacoteca de SP abre hoje a exposição `De Picasso a Barceló”, Folha de São Paulo, 1 de agosto de 2001.
87
“España siglo XVIII, llevará a América lo mejor de la Ilustración”, ABC, 6 de setembro de 2001.
88
Declarações do conselheiro econômico e comercial da Embaixada no Brasil e do embaixador espanhol José
Coderch. Ver “A Espanha carioca”, Exame, 10 de julho de 2002, pág .24.
89
LAFER, C: Catálogo de la Exposición “España siglo XVIII”, disponível em http://www.arteviva.org
90
CARDOSO, Fernando.: Catálogo de la Exposición “España siglo XVIII”, em http://www.arteviva.org

284
capítulo 5
a associação ou parceria hispano-brasileira: de Cardoso a Lula (1995 – 2005)

com sua participação na Sociedade Cultural Brasil-Espanha


(SCBE). A SCBE é uma instituição de direito brasileiro criada em
1961, na qual se apóiam a Agência Espanhola de Cooperação In-
ternacional (AECI) e a Embaixada da Espanha para desenvolver
sua política cultural no Brasil. Disseminada por boa parte do terri-
tório brasileiro, a SCBE conta com seis Centros Culturais (Recife,
Brasília, Belo Horizonte, Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre)
que organizam atividades orientadas a alcançar a aproximação do
cidadão brasileiro à cultura espanhola, através de exposições, bi-
bliotecas, aulas de idioma e dança, cinema e bibliotecas em língua
espanhola. Naquelas grandes cidades como Rio, Salvador e São
Paulo que não possuem Centros Culturais Brasil-Espanha, as ati-
vidades correm a cargo dos Consulados Gerais da Espanha com
financiamento da SCBE. Entre 1998 e 1999, a atividade da SCBE
se intensificou notavelmente ao permanecer as atividades de ensi-
no da língua espanhola vinculadas aos Centros Culturais Brasil–
Espanha, à espera da instalação do Instituto Cervantes. Entre 1997
e 1998, perto de 13.000 alunos brasileiros se matricularam nos
cursos de espanhol dados nos Centros Culturais Brasil–Espanha.
As atividades culturais organizadas pela SCBE em 1998 compre-
enderam mais de 70 de filmes de artes plásticas, 30 conferências
cursos e seminários, 17 concertos, 12 representações de teatro e
flamenco, 11 mostras de cinema, 6 feiras e encontros setoriais de
poesia e teatro, programas de rádio semanais e coordenação com
apoio da Secretaria de Educação da Embaixada da Espanha para a
comemoração anual dos exames do Diploma de Espanhol como
Língua Estrangeira (DELE). Como realização estrela, no ano 2001,
a SCBE co-financiou o programa de televisão Viagem ao espanhol,
emitido na TV Cultura de âmbito nacional.
Existem outros indicadores que revelam também o bom estado
de saúde da cultura espanhola entre a sociedade brasileira. No
terreno literário, ao desembarque de empresas espanholas no Bra-
sil através de uma estratégia agressiva de compra de editoriais bra-
sileiras91, se devem acrescentar os bons resultados comerciais nas

91
A editora espanhola ANAYA adquiriu 50% das editoras brasileiras Scipione e Ática em 1999, e o grupo
Santillana comprou no ano 2000 as editorias Objetiva, Moderna e Salamandra.

285
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

vendas de livros. As exportações de obras literárias espanholas para


o Brasil alcançaram uma fatia de mercado em 1997, de 22%
totalizando um montante de mais de 12.000 milhões de pesetas e
um aumento de 500% referentes aos dois exercícios anteriores92.
A questão da presença de empresas espanholas no campo editorial
merece uma detida atenção pelas suas implicações no terreno eco-
nômico e cultural. Por causa da comemoração da X Bienal do Livro
do Rio de Janeiro, no ano 2001, na qual a Espanha foi país convi-
dado, o assunto adquiriu inusitada relevância. Os meios de comu-
nicação brasileiros apresentaram então a questão como uma con-
quista espanhola do mercado editorial nacional cuja presença até
então era muito limitada93. Esta nova estratégia de penetração cul-
tural e empresarial contaria com o apoio do Governo espanhol ma-
terializando-se em uma política de incentivo aos empresários, com
financiamento e ajuda nos contatos no estrangeiro94.
Quanto às razões que justificavam o interesse das editorias es-
panholas no mercado do livro no Brasil, o presidente da Federação
dos Grêmios de Editores da Espanha, Emiliano Martínez, destaca-
va a potencialidade do país, com 180 milhões de habitantes, mes-
mo que no 2000 só se contabilizasse um livro per capita ao ano e o
fato de que o Governo brasileiro fosse considerado o maior com-
prador de livros escolares do mundo, distribuindo gratuitamente
58 milhões ao ano entre os alunos do ensino fundamental e mé-
dio95. Desde a perspectiva brasileira, um dos principais interesses
das editoriais espanhóis no Brasil se centrava na aprovação da lei
que transformava em obrigatório o ensino do espanhol 96. O Brasil
era o oitavo mercado editorial do mundo e as editoras espanholas
tinham forte presença na América Latina, mas pouca penetração
no mercado brasileiro. Para o Governo de Cardoso, a chegada de
grupos editoriais espanhóis contribuiria em qualidade ao setor,

92
MORA POVEDA, Santiago: El español para extranjeros en el mercado brasileño, Exportaciones de Castilla
y León S.A, São Paulo, 1999, pág.24.
93
Ver “Ataque espanhol”, Jornal do Brasil, 11 de março de 2001; “Hola Brasil”, O Globo, 17 de maio de
2001; “A expansão editorial espanhola”, Correio Braziliense, 10 de julho de 2001.
94
“Espanha avalia negócio com Brasil na bienal”, Folha de São Paulo, 19 de maio de 2001.
95
“Material didáctico en Brasil. Crear escuela”, El Exportador, ICEX, nº 16, janeiro, 1999, pp.74-75.
96
Declarações do editor brasileiro Paulo Rocco em O Globo, 17 de maio de 2001.

286
capítulo 5
a associação ou parceria hispano-brasileira: de Cardoso a Lula (1995 – 2005)

experiências novas, eficácia na distribuição de livro e recursos eco-


nômicos97. Definitivamente, um novo setor da economia brasileira,
o da indústria cultural, ao que as editorias espanholas chegavam
seguindo o rastro dos outros investimentos realizados e as expecta-
tivas suscitadas pelo auge do castelhano no Brasil.
No campo da cooperação cultural, devem sublinhar-se os re-
sultados da reunião da Comissão Espanha-Brasil, em outubro de
1997, cuja finalidade foi concordar as linhas de colaboração em
matérias de índole cultural, no marco do Convênio Cultural de 25
de junho de 1960 e das disposições a respeito contidas no Tratado
Geral de Cooperação e Amizade de 1992. Foram examinados os
objetivos e estratégias da cooperação cultural entre os dois países
e as linhas prioritárias para uma ação reforçada no período 1997-
2000. Foi acordada a concentração temática da cooperação cultu-
ral em torno de três eixos: a preservação do patrimônio cultural, a
cooperação em arte e expressão cultural e a cooperação ibero-ame-
ricana. No que se refere à preservação do patrimônio cultural, o
principal projeto conjunto foram as Escolas-Oficina de João Pes-
soa e Salvador da Bahia que formam 200 alunos ao ano e se abor-
dou a possibilidade de que a Espanha proporcionasse assistência
técnica para o programa conjunto de conservação do patrimônio
brasileiro do Banco Interamericano de Desenvolvimento, Ministé-
rio da Cultura do Brasil e Instituto brasileiro de preservação histó-
rica-artística (IPHAN). Em matéria de promoção da arte e de ou-
tras manifestações culturais, os dois países se comprometeram a
realizar amostras cinematográficas com filmes subtitulados, cons-
tatando-se os bons resultados do programa Ibermedia, a participa-
ção de brasileiros no Programa de Formação Audiovisual da AECI
e o sucesso da Feira Liber 97 em Madri que teve o Brasil como país
convidado.

O ensino do espanhol no Brasil


A influência cultural como parte da política externa se baseou,
tradicionalmente, na promoção e manutenção de estabelecimentos

97
Entrevista ao Ministro da Educação do Brasil, Paulo Renato de Souza, El País, 26 de março de 2001.

287
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

de ensino do idioma como elemento vertebral da cultura nacional


em países estrangeiros, como meio de aproximação e instrumento
de penetração, cooperação e compreensão98. A promoção do ensi-
no da língua espanhola, velho anseio dos diferentes Governos es-
panhóis mesmo que guiados por motivações diferentes, foi um dos
instrumentos mais destacados e potencializados da política cultu-
ral da Espanha no Brasil e, em conseqüência, ocupou um lugar
protagonista na agenda hispano-brasileira. Neste parágrafo se in-
daga nas razões explicativas da explosão da língua espanhola no
Brasil na etapa Cardoso e no tortuoso processo legislativo para a
inclusão de seu ensino no sistema educacional brasileiro. Apre-
sentam-se os dados e cifras que demonstram a situação de “auge,
bonança e prestígio” do idioma espanhol no Brasil e os esforços do
Governo da Espanha para sua difusão no país. Finalmente se ex-
põem os problemas que o tema suscita e as perspectivas de futuro
abertas.
Qual é a situação atual da língua espanhola no Brasil e que
razões explicam o interesse crescente pela sua aprendizagem? A
priori, existe uma meia nova realidade e duas novas realidades.
Três fatores que, segundo MORENO, explicam que a situação do
espanhol no Brasil seja de “bonança, auge e prestígio” com um
crescimento espetacular da demanda de cursos com conseqüênci-
as em termos das necessidades de materiais didáticos e de forma-
ção de professorado99. O primeiro fator – a média nova realidade –
é o avanço da integração regional cujo estandarte de maior lustro é
o MERCOSUL. As chamadas à unidade latino-americana e à ne-
cessidade de dominar um idioma comum para facilitar as relações
humanas, comerciais ou culturais já estavam contidas na proposta
de Kubitschek – no âmbito de seu projeto panamericanista – e
foram reiteradas com diferentes matizes, mas com o mesmo fundo,
por Itamar Franco em 1993, no contexto dos primeiros passos do

98
HARVEY, E.: Op.cit., pág.24.
99
As reflexões recentes sobre o auge do espanhol no Brasil incidem nos mesmos argumentos expostos por
Francisco Moreno, primeiro diretor do Instituto Cervantes no Brasil. MORENO, F.: El español en Brasil,
2000, http://www.ufpel.tche.br/ila/siteletras/espanhol_moreno_espanol_brasil.shtml;
BLECUA, José M.: “El español lengua extranjera” en Perspectivas exteriores 2002, los intereses de España
en el mundo, Política Exterior/Biblioteca Nueva/FRIDE, Madrid, 2002, pp.155-156;

288
capítulo 5
a associação ou parceria hispano-brasileira: de Cardoso a Lula (1995 – 2005)

MERCOSUL e do projeto de criação de uma Área de Livre Comér-


cio da América do Sul (ALCSA). Por conseguinte, é necessário
matizar, sem diminuir um ápice de importância, o fator da integração
porque à margem de seu sucesso ou fracasso, existe uma realidade
social no Sul do Brasil e nos Estados limítrofes com países de lín-
gua espanhola (Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Rondônia) que é
o crescente interesse por aprender o castelhano, independentemente
de sua inclusão com caráter obrigatório no ensino médio. O segun-
do fator – este sim radicalmente novo – é a presença de grandes
empresas espanholas no Brasil que divulgam a percepção entre
muitos brasileiros de o espanhol pode ser uma língua importante
para o mundo dos negócios e para a incorporação ao mercado de
trabalho, principalmente com a perspectiva do surgimento de no-
vas oportunidades de trabalho. O terceiro fator reside no peso da
cultura hispana no Brasil graças aos sucessos da música e a litera-
tura em espanhol, conjugados pela simpatia para a Espanha e para
suas manifestações artísticas, culturais e esportivas. Em resumo,
as causas da prosperidade do espanhol no Brasil e da inclinação
dos brasileiros pelo seu estudo seriam os interesses econômicos,
seu atrativo cultural e uma certa afinidade com o português que
leva ao estudante a escolher o espanhol ante a tessitura da
obrigatoriedade de enfrentar-se a uma prova em língua estrangei-
ra.
Desde uma ótica exclusivamente brasileira, outros autores ten-
taram responder à questão, por que no Brasil se deve aprender
espanhol? Segundo alguns autores, concorrem vários fatores
explicativos favorecidos pela crescente globalização da economia
mundial e pelo processo de privatizações que serviram de alerta
para os profissionais brasileiros sobre a necessidade de comuni-
car-se em diferentes idiomas. No caso do Brasil, salvo três peque-
nos enclaves não hispânicos, tanto no mercado da América do Sul
como no da América Central e o México, predomina o idioma espa-
nhol. A obrigatoriedade de interagir com esses mercados no con-
texto da globalização leva a um maior interesse pelo espanhol.
SEDYCIAS, por exemplo, cataloga dez razões pelas quais os brasi-
leiros devem aprender espanhol: é língua mundial; língua oficial
em 21 países; importância internacional no comércio; muito popu-

289
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

lar como segunda língua; língua oficial de três países do


MERCOSUL; língua dos vizinhos do Brasil; útil para viagens com
fins profissionais, acadêmicos ou turísticos; língua de crescente
importância nos Estados Unidos; língua irmã do português; língua
bela e romântica100. Na mesma linha que MORENO, outros argu-
mentam desde o Brasil que aos fatores assinalados – a integração e
o surto inédito de investimentos espanhóis – deve acrescentar-se a
política desenvolvida pela Espanha para a América Latina e espe-
cialmente para o Brasil. Eventos como as Cúpulas Ibero-america-
nas e a multiplicação de convênios de intercâmbio acadêmico, ci-
entífico e tecnológico hispano-brasileiros foram incentivos adicio-
nais que permitiram que os dois países se conhecessem melhor, se
familiarizassem com sua rica variedade e recuperassem o tempo
desperdiçado na sua integração política e econômica. Em conse-
qüência, a língua espanhola se apresenta como o vínculo dessas
conquistas e garantia para uma inserção vantajosa do Brasil na
globalização101.
Os dados e cifras que confirmam esta realidade do espanhol no
Brasil são bastante chamativos e confirmam seu crescimento sus-
tentado. A demanda do estudo do espanhol no Brasil aumenta no
âmbito das doutrinas regradas e no âmbito privado, sendo cotidia-
na nas principais cidades brasileiras a presença de escolas em re-
gime de franquia que oferecem cursos de espanhol. Estimativas
aproximadas cifram em mais de três milhões os alunos de espanhol
nessas escolas. Existe em conseqüência uma importante resposta
do setor privado à demanda pelo ensino do idioma espanhol mas ao
mesmo tempo é crescente o desenvolvimento de iniciativas desde
as Administrações Públicas brasileiras. Por exemplo, nos Estados
sulistas do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul se puseram
em prática iniciativas oficiais que se adiantaram às propostas
legislativas que se debatiam em Brasília. Também em alguns Esta-
dos fronteiriços como o Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e

100
SEDYCIAS, João: “Por que os brasileiros devem aprender espanhol”, em SEDYCIAS, João: O ensino do
espanhol no Brasil, Sao Paulo, Parabola editorial, 2005, pp.35-44.
101
KRAMER, Paulo: Brasil: a hora e a vez do ensino do espanhol, versão eletrônica disponíveis em http://
www.unidadenladiversidad.com (consulta: 31 de janeiro de 2003)

290
capítulo 5
a associação ou parceria hispano-brasileira: de Cardoso a Lula (1995 – 2005)

Rondônia, as Secretarias de Educação de caráter estadual impul-


sionaram o ensino do espanhol com finalidades integradoras. O
Estado de Goiás desenvolveu, desde 1998, uma experiência piloto
de ensino do espanhol que alcança a 17 escolas da rede pública
municipal de Goiânia e a um total de 6.000 alunos. Prefeituras
como o de São Paulo, Vitória e vários do Estado de Pernambuco
levaram a cabo ações concretas para a promoção do espanhol e a
provisão de praças de professores102.
É certo que em outros Estados do Norte e Nordeste do país
(Amapá, Alagoas, Sergipe, Paraíba) a promoção do espanhol pelas
autoridades públicas é mínima e responde à escassez de recursos,
ao pouco contato com o mundo hispano-americano e a uma per-
cepção que o núcleo duro do MERCOSUL se encontra na região
Sul e Sudeste. Ainda se deve citar a existência dos Centros de Es-
tudos de Língua que mantêm as Secretarias de Educação de alguns
Estados brasileiros, fora do sistema regulado, oferecendo cursos
de espanhol como complemento ao ensino regular. Segundo MO-
RENO, estes centros agrupam no Estado de São Paulo 9.000 alu-
nos e no Paraná 5.000. As cifras totais, segundo a distribuição ge-
ográfica, mostram um domínio da presença do espanhol na região
Sul e Sudeste do país. Segundo um estudo do Ministério da Educa-
ção brasileiro103 realizado no ano 2000 em 949 escolas do ensino
fundamental do Brasil, 43% dos centros do Sul do país ofereceri-
am aulas de espanhol, contra 20% nas demais regiões, a exceção
do Nordeste onde os índices descem a 1%. Em resumo, como se
afirmava desde a Embaixada da Espanha, em termos gerais, o es-
panhol avança e se afiança em todos os âmbitos da realidade
educativa do Brasil e existe interesse por parte dos poderes públi-
cos por canalizar a demanda do estudo do espanhol.
Outro dado significativo da bonança do espanhol é o número
de candidatos anuais à obtenção do DELE. Se no ano 1990 um
total de 1.017 brasileiros se apresentaram às provas para conse-

102
Algumass destas iniciativas se explicam em Dados e Cifras. Informe sobre la enseñanza del español en
Brasil, Brasilia, Embaixada da Espanha no Brasil / Conselheria de Educação e Ciência, 1998.
103
“Invasão espanhola. Castelhano pode ser obrigatório”, Correio Brasiliense, 10 de julho de 2001.

291
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

guir o citado diploma, um tempo depois a quantidade se duplicava,


alcançando em 1995 a cifra de 2.214 candidatos. Nos anos se-
guintes a tendência à alta se confirmou com 4.744 candidatos em
1997 e 5.662 no ano 1998. Em termos absolutos, isto é, no conjun-
to de todos os candidatos do mundo que se apresentaram às provas,
os brasileiros representaram cerca de 45%. No que diz respeito às
visitas à Espanha de brasileiros que realizam “turismo educativo”
com o objetivo de aprender espanhol, os dados refletem uma reali-
dade em aumento nos últimos anos. Só em 1997, aproximadamen-
te 2.400 estudantes escolheram a Espanha para estudar o idioma
de Cervantes. A Universidade de Salamanca é o destino final de
muitos deles devido à vinculação histórica da instituição com a
cultura lusa. Entre 1997 e 1999, Salamanca recebeu 1.112 alunos
brasileiros. No que se refere ao número de licenciados em espa-
nhol no Brasil que escolheram universidades espanholas para rea-
lizar mestrados ou doutorados, se calcula que em 1999 este núme-
ro se elevava a 400. Por outro lado, segundo dados da Associação
Brasileira de Agentes de Viagens Educativos, a demanda de cursos
de espanhol no estrangeiro aumentou no Brasil 30% no ano 2000,
situando-se em 20.650 estudantes, só atrás do inglês. Também se
encontra em aumento o número de alunos que escolhem a opção do
espanhol para a realização das provas de acesso à universidade – o
vestibular – superando em muitos Estados ao inglês.
Finalmente, para fechar este capítulo de dados e cifras, deve
registrar-se a existência de um fenômeno associativo crescente que
agrupa aos professores de espanhol no Brasil. É difícil estabelecer
um cálculo certeiro sobre o número de profissionais dedicados no
país ao ensino da língua castelhana. MORENO outorga crédito às
estimativas que situam entre 15.000 e 20.000 o total de professo-
res. Destacam pela sua pujança a Associação de Professores de
Espanhol no Estado de São Paulo com 800 associados e a do Rio de
Janeiro com aproximadamente 300. Suas atividades se centram na
organização de congressos anuais, atividades de formação, difusão
da língua espanhola e uma ativa presença na Internet.
Se esta é a situação do espanhol, o grande debate gerado na
sociedade e na política brasileira, com repercussões diretas na
política cultural exterior da Espanha para o Brasil, foi a necessida-

292
capítulo 5
a associação ou parceria hispano-brasileira: de Cardoso a Lula (1995 – 2005)

de ou não de sua inclusão obrigatória no sistema educacional104.


Na opinião de alguns, esta questão é irrelevante porque a socieda-
de civil no Brasil está muito na frente de seus governantes e hoje a
pujança do espanhol no país é um fato consumado 105. O problema
residiria então em que – mesmo que se aprovasse a lei – não exis-
tiriam suficientes docentes com os requisitos mínimos de qualida-
de e titulação para ensinar espanhol, nem materiais didáticos apro-
priados, pois se estima que seriam necessários perto de 20.000
novos professores para 6 milhões de novos alunos. Na opinião de
outros, a aprovação do projeto de lei que regula a obrigatoriedade
do ensino do espanhol nas escolas brasileiras é o fator mais impor-
tante para a expansão da língua de Cervantes no Brasil106.
A obrigatoriedade do ensino do espanhol no Brasil recebeu um
impulso significativo com Kubitschek (1956-1960), mas seu pro-
jeto não prosperou, mesmo que se registraram progressos em al-
guns Estados do Sudeste e Sul do país. Naquele momento, alguns
sonharam com que o ressurgimento do castelhano no Brasil signifi-
casse um triunfo da hispanidade, premonitório de um futuro próxi-
mo no qual o espanhol deslocasse ao inglês, ao ser o primeiro idi-
oma mais fácil, agradável e parente do português107. A história da
inclusão do espanhol como disciplina obrigatória no ensino médio
da educação brasileira é a história dos sucessivos tropeços que a
tentativa colheu no Congresso Nacional, onde sistematicamente o
projeto se estagnava, devido em parte às pressões dos países de
língua inglesa e francesa e de seus grupos editoriais e a um forte
sentimento nacionalista existente entre os congressistas e senado-
res brasileiros. O processo sempre foi o mesmo. O presidente re-
cém eleito envia uma mensagem ao Congresso Nacional junto de

104
Na realidade o debate foi sobredimensionado na Espanha gerando expectativas à alta que logo deveram ser
rebaixadas, ver Juan ARIAS: “La fiebre del español llega a Brasil”, El País, 9 de dezembro de 1999; “ El
Español conquista Brasil”, El País, 8 de maio de 2000;
105
Francisco Moreno resta importância ao carácter obrigatório do espanhol, porque se as escolas e colégios
tivesem professores e material didático, 90% escolheriam o espanhol como língua extrangeira. Ver “Si Brasil
tuviera maestros, el español sería lengua obligatoria”, El País, 20 de agosto de 2000.
106
MARTÍNEZ LILLO, P.: “El factor cultural: el español en el mundo” em PEREIRA, J.C.(coord..): La
política exterior de España, Barcelona, Ariel, 2003, pp.242-244.; LOPEZ-GARCÍA, Ángel: “El significado
de Brasil para la suerte del idioma español”, Anuario Brasileño de Estudios Hispánicos, Brasilia, Consejería
de Educación y Ciencia de la Embajada de España en Brasil, 2000, pp.129-139.
107
Ver o inflamado artigo de TORROBA, Felipe: “El idioma español en el Brasil”, Cuadernos
Hispanoamericanos, nº 110, fevereiro, 1959, pp.191-193.

293
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

um projeto de lei do poder executivo no qual lhe convida a legislar


a favor da inclusão do espanhol no currículo escolar brasileiro. A
justificação da medida redunda nos mesmos argumentos de sobra
conhecidos: a situação do Brasil no contexto latino-americano, ao
avanço da integração regional com os outros vizinhos sul-america-
nos, todos eles hispano-falantes, as possibilidades comerciais, etc.
Nos anos seguintes o texto da lei é sucessivamente modificado – ou
relegado ao esquecimento – e ante a impossibilidade material de
implementar a medida pela escassez de recursos, a demanda da
sociedade se canaliza para centros e institutos de língua de caráter
particular e, no melhor dos casos, seu ensino é incluído em alguns
Estados da região Sul. Esta foi basicamente, de forma simplificada,
a senda que seguiram as propostas de Kubitschek e de Itamar Franco
com trinta anos de diferença.
O que mudou então no panorama da inclusão do ensino do es-
panhol no sistema educacional do Brasil nos períodos Cardoso e
Lula? Basicamente que ninguém discute já o indispensável que
resulta para os alunos brasileiros aprender espanhol. Ao mesmo
tempo, existem graves carências materiais e logísticas para
implementar uma eventual lei favorecedora do espanhol (professo-
res, materiais, recursos didáticos). O problema desde o ponto de
vista da técnica legislativa radica em que a obrigatoriedade do en-
sino do espanhol, tal e como foi apresentada nos projetos de lei
defendidos por membros do partido do presidente Cardoso podia
incorrer em inconstitucionalidade ao atentar contra a Lei 9394/96
de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional (LDB) de 20 de
dezembro de 1996. O artigo estabelece que “será incluída uma
língua estrangeira moderna, como disciplina obrigatória, escolhi-
da pela comunidade escolar, e uma segunda, com caráter optativo”.
O deputado Átila Lira (PSDB) apresentou um novo projeto de Lei
(3.987/00) no qual se mostrava partidário de fazer obrigatória a
oferta da língua espanhola no ensino médio, mas facultando ao aluno
a opção pelo espanhol ou por outra língua estrangeira, conciliando
desta forma a proposta com o espírito aberto da LDB.
No ano 2003, a inclusão do espanhol no sistema educacional
brasileiro não tinha sido ainda aprovada, tendo-se apresentado pelo
senador Romero Jucá, no dia 18 de fevereiro desse mesmo ano,

294
capítulo 5
a associação ou parceria hispano-brasileira: de Cardoso a Lula (1995 – 2005)

outro Projeto de Lei que estabelecia que os currículos do ensino


fundamental e médio incluirão o estudo da língua espanhola, dei-
xando liberdade aos sistemas de ensino dos Estados para fixar as
normas necessárias para a execução da Lei. O sentido da norma
apontava fazer do espanhol uma opção de obrigado oferecimento,
mantendo a liberdade para que a comunidade escolar a incorpo-
rasse e o aluno a cursasse ou não. Somente, depois de superar dife-
rentes modificações e resistências, a lei foi aprovada e sancionada
pelo presidente Lula, no dia 5 de agosto de 2005.
Frente a esta conjuntura e ante a necessidade de suprir as ca-
rências detectadas para o ensino do espanhol no Brasil cabe per-
guntar-se: Qual foi a estratégia do Governo espanhol para respon-
der a um desafio que permitia que a presença da Espanha no Bra-
sil não se limitasse ao campo econômico e atingisse também o ter-
reno cultural? Em primeiro lugar, se pode afirmar que o Governo
da Espanha sempre manifestou seu desejo de que o Brasil incluís-
se o espanhol no sistema educacional brasileiro. Para isso, realizou
gestões no nível político-diplomático e uma discreta, mas tenaz
pressão política, muito sutil, através de diferentes atuações entre
as que se destacam as visitas de membros do Governo e dos Reis
no ano 2000 - cujo leitmotiv foi apoiar o ensino do espanhol na
escola brasileira - e a coordenação com outros países latino-ameri-
canos para alcançar apoios diplomáticos. A imprensa espanhola
refletiu estes movimentos, mesmo matizando que as autoridades
espanholas não queriam dar a impressão que estava pressionando
o Governo brasileiro, realçando as declarações do ministro de Re-
lações Exteriores, Josep Piqué, para quem era necessário “ser sen-
síveis com a importância do português”108. Não faltaram também
quem, com certa malícia, interpretassem a concessão do prêmio
Príncipe de Astúrias de Cooperação Internacional ao presidente
Cardoso como uma velada forma de pressão ante o apoio que o
Governo recebia pelos seus esforços para a introdução do idioma
espanhol109.

108
Ver Jorge MARIRRODRIGA, “El Gobierno brasileño dará luz verde a la enseñanza del español antes de
fin de año”, El País, 11 de julho de 2000.
109
Ver Nestor RESTIVO, “El idioma, un pasaporte para ganar más plata”, Clarín, 28 de agosto de 2000.

295
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

No campo das visitas políticas, a realizada por Mariano Rajoy,


então ministro da Educação e Cultura, em dezembro de 1999, teve
como principal objetivo oferecer às autoridades brasileiras o máxi-
mo apoio e colaboração para a implantação do espanhol e estudar
um plano de cooperação para seu ensino. Segundo o secretário de
Estado de Cultura, Miguel Ángel Cortes, a viagem de Rajoy consti-
tuía uma resposta política ao projeto de lei para fazer o estudo do
espanhol obrigatório110. Para sua realização, Rajoy anunciou um
amplo conjunto de medidas que expressavam a firme vontade do
Governo espanhol de lançar um cabo ao brasileiro no momento em
que se debatiam os termos da lei no Senado. Estas medidas con-
templavam um aumento de 26% na dotação orçamentária do Mi-
nistério para organizar um amplo programa cultural no Brasil que
permitisse “de forma progressiva e sem nenhum espírito
colonialista” a penetração e assentamento do castelhano. Segundo
Rajoy, as fórmulas que se utilizariam para afiançar o espanhol como
segundo idioma do país consistiriam em exposições, difusão da li-
teratura, o teatro, a televisão e o cinema espanhóis, “sem impor
nada porque o primeiro é saber o que o Brasil necessita para facilitá-
lo”111. Incluíam-se também ações coordenadas entre o Ministério
da Educação através da Secretaria de Educação da Embaixada da
Espanha em Brasília, o Instituto Cervantes que abriria um segun-
do centro no Rio de Janeiro e a AECI que veria potenciado seu
programa de bolsas de estudos para a formação de professores bra-
sileiros na Espanha. Além disso, se compraria um edifício repre-
sentativo no Rio de Janeiro, no Alto de Boa Vista, para instalar um
Colégio espanhol que seguiria os passos do Colégio Miguel de
Cervantes de São Paulo e do Colégio Santa Maria de Belo Horizon-
te. A iniciativa privada também estaria presente no ambicioso pro-
grama de cooperação lingüística graças ao Convênio assinado pela
ENDESA que contemplava a concessão de bolsas de estudos na
Espanha para professores brasileiros de espanhol que depois divi-
diriam cursos de formação para seus compatriotas no Brasil. Para

110
“España y Brasil sientan las bases para el desarrollo del español”, ABC, 4 de dezembro de 1999.
111
“España prepara un desembarco cultural en Brasil para propagar el castellano”, El Mundo, 30 de setem-
bro de 1999.

296
capítulo 5
a associação ou parceria hispano-brasileira: de Cardoso a Lula (1995 – 2005)

Rajoy, a participação de empresas de capital nacional instaladas


no Brasil no financiamento da expansão do espanhol representava
“um dos eventos mais importantes que ocorreram em nível cultu-
ral nos últimos anos”112.
A visita dos Reis da Espanha, em julho de 2000, confirmou a
importância que a Espanha atribuía à incorporação do espanhol na
escola em um momento no qual, a obrigatoriedade de seu ensino,
provocava profundas divisões na classe política e no próprio parti-
do de Cardoso113. O Rei manifestou ao presidente do Brasil, em
reiteradas ocasiões, seu agradecimento especial pelo interesse de-
monstrado no fomento do espanhol, ressaltando os esforços de seu
Governo por estender a educação a todos os setores da sociedade e
remarcando os benefícios que se derivariam:

“A língua conforma nossa idiossincrasia e define nossa postura


ante a vida. Duas línguas irmãs e próximas como as nossas refletem e
aprofundam nossa irmandade e nossa proximidade (...) estou
convencido que a difusão da língua espanhola será um instrumento
de enorme utilidade para fomentar os intercâmbios, tanto entre a
Espanha e o Brasil, como entre o Brasil e o resto de membros da
comunidade Ibero-americana”.114

Apenas alguns meses antes da visita real, a Embaixada da


Espanha no Brasil tinha iniciado uma ofensiva para resistir as pres-
sões britânicas, alemãs, francesas e italianas que mobilizavam sua
maquinaria diplomática, através de contatos com os 27 membros
da Comissão de Ensino do Congresso brasileiro, para que a Lei do
espanhol fosse enterrada. A aprovação do projeto de Lei, segundo o
diretor do Departamento da Europa do Itamaraty, tinha colocado
em estado em alerta às embaixadas de vários países europeus, prin-
cipalmente a da França, cuja língua figuraria como a primeira víti-
ma115. A contra-campanha da diplomacia espanhola no Brasil se

112
“La fiebre del español llega a Brasil”, El País, 9 de dezembro de 1999.
113
“Los Reyes viajan a Brasil para apoyar la enseñanza del español”, El País, 10 de julho de 2000
114
“El Rey elogia el trabajo de Cardoso”, ABC, 11 de julho de 2000.
115
Ver “España firmará un acuerdo con Brasil para apoyar la enseñanza del castellano. Alemania, Francia e
Italia intentan evitar que se apruebe la Ley del español”, ABC, 10 de julho de 2000.

297
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

concentrou na elaboração de relatórios e na sua distribuição, as-


sim como no envio de cartas informando do estado da questão a
diferentes países da América Latina com o objetivo de criar uma
frente de pressão que alcançasse frear a aliança da França, Alema-
nha, Itália e Grã-Bretanha. O temor da Espanha era que a lei fosse
retirada ou, no seu defeito, ficasse desfigurada senão incluísse sua
obrigatoriedade.116
Em segundo lugar, a estratégia do Governo espanhol, além da
ação político-diplomática, se plasmou em uma série de esforços
para promover a língua espanhola com a finalidade de atender as
demandas de sua eventual inclusão obrigatória nas escolas secun-
dárias brasileiras. A aposta do Governo espanhol se concentrou no
fomento, intensificação e ampliação das ações nas quais se apóia a
ação lingüístico-cultural da Espanha no Brasil: Ministério da Edu-
cação através de sua Secretaria em Brasília e o apoio aos Colégios
espanhóis; AECI mediante o trabalho de seus Centros Culturais;
Instituto Cervantes, com a missão de orientar-se para a formação
de professores.
O Instituto Cervantes, organismo público para a promoção uni-
versal do espanhol, dependente do Ministério de Assuntos Exteri-
ores, é atualmente a grande aposta do Governo espanhol no Brasil.
Instala-se em terras brasileiras em 1998, três anos depois que Felipe
González manifestasse ao presidente Cardoso o desejo da Espanha
de reforçar a cooperação cultural hispano-brasileira o que concre-
tizar-se-ia na abertura do primeiro Instituto Cervantes do Brasil117.
Em sua fase inicial, até o ano 2000, os esforços se concentraram
no crescimento de sua equipe de professores – formadora de for-
madores – e na aquisição de um local próprio. A estratégia do Ins-
tituto Cervantes foi audaz, produzindo materiais, associando-se com
mais de 100 centros brasileiros para o apoio de suas tarefas docen-
tes, colaborando com escolas onde oferecer cursos, apoiando às
associações de professores de espanhol, participando da emissão

116
A “batalha diplomática” entorno à aprovação da Lei no artigo de Javier Moreno: “Brasil decide si quiere
hablar español. La posibilidad de que la enseñanza del castellano sea obligatoria desata una batalla diplomá-
tica”, El País, 18 de junho de 2000.
117
“El español planta cara en América”, ABC, 20 de outubro de 1995.

298
capítulo 5
a associação ou parceria hispano-brasileira: de Cardoso a Lula (1995 – 2005)

de programas de rádio e apostando forte nas tecnologías virtuais


através de sua página na Internet.118 Em setembro de 2001, o
Cervantes abriu uma nova sede no Rio de Janeiro e em 2005 se
anunciou a abertura de mais 7 centros em todo Brasil 119.
Quais seriam os perigos e ameaças que a difusão do espanhol
poderia encontrar no Brasil? Em primeiro lugar, problemas vincu-
lados aos receios e suspeitas que a ação espanhola está suscitando.
Com efeito, são freqüentes as críticas ao fato que a Espanha colo-
que sua projeção lingüística no Brasil exclusivamente desde a óti-
ca bilateral e se esqueça de coordenar seus esforços com outros
países hispano-falantes da região120. No entanto, é significativo que
apenas a Argentina disponha, no Rio de Janeiro, de um Instituto
Cultural Brasil-Argentina dependente do Consulado argentino, que
dá aulas de espanhol. Esta questão leva a uma reflexão profunda,
objeto também de pontos de vista encontrados, sobre o tipo de es-
panhol que se ensina devido às reticências sobre os manuais pro-
duzidos por editoriais espanholas que não levam em conta a
idiossincrasia dos países latino-americanos. Nesta linha, o embai-
xador do Brasil em Buenos Aires, sustenta que “o Brasil necessita
do espanhol que falam seus vizinhos e sócios comerciais, e os ar-
gentinos, o português que falamos nós e não Portugal”. Por outro
lado, analistas brasileiros manifestam-se descontentes pela políti-
ca audaz do Instituto Cervantes que demonstra a decisão do Gover-
no espanhol e de suas empresas de desenvolver o ensino de “um
castelhano da Espanha que não é o ideal para o MERCOSUL e
para o novo padrão de relações que buscam nossos países”121.
Outras ameaças podem surgir no horizonte como resultado das
dificuldades para uma eficaz coordenação institucional entre os
Centros Culturais Brasil-Espanha, o Instituto Cervantes e a Secre-

118
Ver http://www.cervantes-brasil.com.br. Também ANUÁRIO INSTITUTO CERVANTES: El español en el
mundo, Madri, 1999-2000
119
“Zapatero anuncia que 7 centros del ICI en Brasil serán sedes del Cervantes”, La razón, 25 de janeiro de
2005.
120
Ver INFORME PROCOPI: “Las relaciones entre España y Brasil: reflexiones para el redescubrimiento
del gigante iberoamericano”, en MALLO, Tomás (ed.): España e Iberoamérica: fortaleciendo la relación en
tiempos de incertidumbre, Madri, AIETI, 2001, pág. 125
121
Declarações de Mônica Hirst, diretora da Fundação Centro de Estudos Brasileiros de Buenos Aires em “El
idioma, un pasaporte para ganar más plata”, Clarín, 28 de agosto de 2000.

299
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

taria de Educação da Embaixada da Espanha tal como alerta MO-


RENO122. Finalmente, no âmbito político bilateral e regional pode
criar mal-estar entre os brasileiros que não se fomente o ensino do
português na América do Sul e na Espanha. Para atalhar este pro-
blema, se produziram nos últimos anos novidades importantes. Em
primeiro lugar, as disposições existentes no âmbito do MERCOSUL,
mesmo que possuam caráter facultativo, estabelecem que o portu-
guês se estudará nos outros três membros do bloco. Igualmente, o
Brasil e a Argentina dispõem de um convênio de cooperação para o
ensino do idioma oficial da outra parte, mas na prática não se apli-
ca. Em segundo lugar, os Governos da Espanha e do Brasil, assina-
ram no ano 2000, um memorando de intenções para tomar medi-
das que incentivem o estudo do português na Espanha123. Em ter-
ceiro lugar, algumas grandes empresas espanholas presentes no
Brasil decidiram adotar o português como segunda língua oficial.
É o caso do BSCH, que fundamentou sua decisão na importância
de seus negócios no Brasil e Portugal124. Em quarto lugar, à assina-
tura de um memorando de entendimento bilateral em matéria
educativa, em 2005, que inclui medidas para o fomento do ensino
do português na Espanha. Definitivamente, cabe apresentar um
balanço positivo sobre o estado da língua espanhola no Brasil e das
favoráveis expectativas que se aventuram. Tanto as autoridades bra-
sileiras como as espanholas parecem conscientes do desafio que
implica essa tarefa.

A cooperação hispano -brasileira


hispano-brasileira
As relações de cooperação entre o Brasil e a Espanha inicia-
ram nesta etapa com sinais indicativos da nova realidade que su-
põe a constituição de uma sólida parceria hispano-brasileira. O
primeiro passo foi a celebração da reunião da Comissão Mista de
Cooperação, nos dias 21 e 22 de setembro de 1995, contemplada

122
MORENO, F.: Op.cit.
123
“Brasil e Espanha firmam convenio”, Folha de Sao Paulo, 11 de julho de 2000; A Casa do Brasil em
Madrid é o centro com maior número de alunos – 400 ao ano – de português-brasileiro na Espanha
124
“El portugués, segunda lengua oficial del SCH”, El País, 6 de março de 2002.

300
capítulo 5
a associação ou parceria hispano-brasileira: de Cardoso a Lula (1995 – 2005)

no Tratado de Amizade e Cooperação de 1992, a primeira realiza-


da desde a assinatura do citado convênio e sua posterior ratifica-
ção em 1994. Nela se traçaram as grandes linhas da cooperação
bilateral agrupadas em quatro eixos principais: educação,
capacitação e formação de recursos humanos; modernização
institucional; modernização de infra-estruturas e de setores pro-
dutivos; cooperação cultural. As cifras da Ajuda Oficial espanhola
para o Desenvolvimento nesses anos refletem o salto que se produz
em termos de provisões econômicas destinadas ao Brasil referente
a períodos anteriores. Se em 1993, Espanha tinha dedicado 182
milhões de pesetas em cooperação para o Brasil125, no ano seguinte
alcançaram os 218, quantidade que aumentaria até os 457 milhões
em 1995. O dado mais significativo foi o co-financiamento da AECI
a projetos de ONG no Brasil em 1995. Se nos exercícios anteriores
as cifras foram insignificantes, em 1995, se dedicaram 332 mi-
lhões de pesetas em conceito de ajuda canalizada via ONG. Esta
cifra não se alcançaria em nenhum dos anos seguintes sendo o ano
de 1999, com 174 milhões de pesetas, a referência mais próxima.
Em 1996, aumentaria de novo o montante dos fundos de coopera-
ção com 750 milhões de pesetas, destacando-se o surgimento da
cooperação descentralizada, até esse momento ausente, com uma
contribuição de 148 milhões.
A composição da AOD nesses anos, mostra como a ajuda se
concentrou no capítulo de assistência técnica e cooperação cultu-
ral, sem nenhuma contribuição em créditos FAD, perdão de dívida
ou ajuda alimentícia e de emergência. No que se referente ao con-
junto dos países da América Latina que recebiam fundos espa-
nhóis, a posição relativa do Brasil continuou caracterizando-se,
como em exercícios anteriores, por ocupar os últimos lugares. As-
sim de um total de 20 países latino-americanos, em 1994, o Brasil
ocupava o décimo quinto lugar; em 1995, foi apesar do crescimen-
to o penúltimo, em 1996 chegando até o lugar décimo quarto. No-
vamente, se comparado, por exemplo, com a Argentina, um país de
desenvolvimento relativo similar ao do Brasil, as cifras demonstra-

125
No capítulo de previsões do PACI desse ano, a cifra alcança a quantidade de 220 milhões.

301
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

vam que o Brasil não era uma prioridade da cooperação espanhola.


Em 1994, a Argentina recebeu 3.821 milhões de pesetas em AOD,
o quinto lugar entre os países latino-americanos. Em 1995, se des-
tinaram 4.734 milhões ocupando a Argentina o segundo lugar da
região, posição repetida em 1996, com 4.325 milhões.
Os volumes de cooperação dedicados pela Espanha ao Brasil
são chamativos e inexplicáveis por sua exigüidade, dando-nos as
chaves de uma cooperação excessivamente centrada nos países de
fala hispana. Como se afirma no Relatório PROCOPI dedicado às
relações hispano-brasileiras, se comparadas com as quantidades
que vinculam ao Brasil com outros países europeus que não possu-
em quase relações históricas com o país, os programas de coopera-
ção espanhóis são mínimos e não se compreendem pelo potencial
econômico brasileiro e pelo tratamento que recebem as economias
equiparáveis como à argentina ou a mexicana126. No âmbito da co-
operação ao desenvolvimento da UE, a percentagem de co-financi-
amento da Comissão Européia para projetos de ONG espanholas
não revela uma realidade diferente. As ONG espanholas consegui-
ram financiamento, entre 1992 e 1995, apenas para 28 projetos no
Brasil, frente a 277 das italianas, 258 das alemãs, 70 das belgas
ou 57 das francesas127.
Em 1997, se manteve a tendência à alta dos fundos de coope-
ração espanhóis para o Brasil mesmo que com oscilações conside-
ráveis. Nesse mesmo ano, aconteceu a II reunião da Comissão Mis-
ta Espanha-Brasil de Cooperação com a finalidade de concordar às
ações entre os dois países nas áreas técnica, científica, educativa,
tecnológica e cultural. A perspectiva oficial conferia ao encontro a
propriedade de traduzir no âmbito da cooperação a vontade ex-
pressada de forma reiterada ao mais alto nível político para que as
relações entre a Espanha e o Brasil alcançassem um nível mais
acorde com sua potencialidade e com a presença dos dois países
no âmbito internacional128. Durante a reunião se analisaram as pri-

126
INFORME PROCOPI: Op.cit., pp.120-121.
127
Fonte: Comissão das Comunidades Européias, citado em INFORME PROCOPI, pág.118.
128
Ata.II Reunião da Comissão Mista Espanha-Brasil de Cooperação, Madri, 8 e 9 de outubro, 1997

302
capítulo 5
a associação ou parceria hispano-brasileira: de Cardoso a Lula (1995 – 2005)

oridades da cooperação bilateral e as linhas prioritárias para uma


ação renovada e reforçada para o período 1997-2000, mesmo que
não se registraram novidades nos campos de concentração temática
que foram mantidos nos mesmos termos que na reunião do I Co-
missão Mista, em 1995.
Os projetos de cooperação bilateral se desenvolveram, em con-
seqüência, em torno dos quatro campos cotados na II Reunião da
Comissão Mista:
1.- A educação, capacitação e formação de recursos humanos
com ênfase na especialização de alto nível, o apoio à reforma do
ensino secundário e a formação profissional, a educação superior a
distância, o ensino e difusão do espanhol e do português, as novas
tecnologias da educação.
2.- A modernização institucional perseguindo a necessidade
de estreitar a cooperação nos âmbitos da modernização das Admi-
nistrações Públicas, os Sistemas Nacionais de Saúde, com desta-
que para os projetos dedicados à implantação de um Sistema Naci-
onal de Transplantes no Brasil e a cooperação para a integração
social mediante a colaboração entre o Instituto Espanhol de Mi-
gração e a Coordenadora Nacional para a Integração das Pessoas
com Deficiências do Brasil.
3.- A modernização dos setores produtivos e as infra-estrutu-
ras concentrando as ações no terreno meio ambiental com o finan-
ciamento bilateral do Programa Piloto para a Proteção da Floresta
Tropical do Brasil e os projetos de cooperação técnica na luta con-
tra incêndios florestais. Ainda dentro do campo da infra-estrutura,
com a cooperação em matéria de agricultura e recursos hídricos,
pesca e aqüicultura, transportes e obras públicas e uma atenção
especial para três âmbitos assinalados: a cooperação empresarial
(convênios em matéria de normalização e certidão, ações no setor
da Pequena e Média Empresa e a criação de parques industriais
tecnológicos); a energia através de um programa conjunto de tra-
balho entre o Instituto de Pesquisas Tecnológicas do São Paulo e o
Instituto espanhol para a Diversificação e Economia da Energia; o
desenvolvimento turístico, impulsionado pela assinatura do Acor-
do de Cooperação em matéria de turismo de 1997 concretizado,
entre outros, no projeto de apoio ao Programa de Desenvolvimento

303
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

da Infra-Estrutura Básica do Turismo do Sul do Brasil (PRODETUR-


SUL). Finalmente, no campo da cooperação científica e tecnológica,
com o aprofundamento do Convênio de colaboração entre o Centro
de Desenvolvimento Tecnológico Industrial da Espanha (CDTI) e a
Financiadora de Estudos e Projetos do Brasil (FINEP).
4.- A cooperação cultural, prosseguindo os esforços de exercí-
cios anteriores nos campos da preservação do patrimônio, da ex-
pressão artística e cultural (audiovisual, livros, arquivos e biblio-
tecas, artes plásticas, artes cênicas, gestão cultural) e da coopera-
ção ibero-americana com o apoio às iniciativas desenvolvidas no
marco das Cúpulas (programa IBERMEDIA de produções
audiovisuais, programa ABINIA de colaboração entre Bibliotecas
Nacionais e programa do Sistema de Arquivos Ibero-americanos)
Junto destes quatro campos, a programação da cooperação
hispano-brasileira contemplava a participação em ações de coope-
ração horizontal e regional, os programas derivados das Cúpulas
Ibero-americanas (Mutis, Ciência e Tecnologia para o Desenvolvi-
mento – CYTED – e Programa de Alfabetização e Educação Básica
de Adultos), a importância da cooperação descentralizada oficial e
não-governamental e as subvenções dirigidas pela AECI a orga-
nismos internacionais como o Fundo das Nações Unidas para a
Mulher (UNIFEM) através de seu escritório regional para o Brasil
e o Cone Sul.
Para a realização deste ambicioso programa trienal de coope-
ração (1997-2000), dispuseram-se fundos distribuídos da seguin-
te maneira: em 1997, o Brasil recebeu 984 milhões de pesetas,
mais 230 milhões que em 1996; em 1998, a soma de recursos de
AOD espanhola para o país sofreu uma leve queda, situando-se em
915 milhões; a tendência em baixa e a oscilação declinante se
confirmaram em 1999, com um total de 841 milhões de pesetas
para recuperar-se no ano 2000 até alcançar os 1.007 milhões, quan-
tidade record dirigida para o Brasil até então. Em termos
percentuais, o Brasil recebeu em 1997, a maior cifra registrada de
fundos espanhóis, com 2,36% do total dedicado à América Latina.
Nos anos seguintes a porcentagem decaiu para situar-se em 1,9%
do ano 1998, 1,4% em 1999 e 1,7% em 2000.

304
capítulo 5
a associação ou parceria hispano-brasileira: de Cardoso a Lula (1995 – 2005)

Gráfico 13
Ajuda Oficial ao Desenvolvimento da Espanha ao Brasil
(1991-2000) (milhões de pesetas)

Fonte: Anuários do CIDOB, Barcelona, 1992 - 2001

A composição por partidas da AOD espanhola para o Brasil,


entre 1997 e 2000, mantém o mesmo perfil e características que o
apontado em exercícios anteriores, isto é, sua concentração em
cooperação técnica e cultural e a ausência absoluta de créditos
FAD, ajuda alimentícia ou de emergência e perdão de dívida. A
única novidade neste panorama se registra no crescimento subs-
tancial da cooperação descentralizada que alcança em 1997 seu
auge com 281 milhões de pesetas, quase 25% do volume total de
AOD para o Brasil naquele ano. Por sua vez, as subvenções conce-
didas pela AECI a ONG espanholas para o desenvolvimento de
projetos no Brasil, no período de 1997-2000 se caracterizaram pela
sua irregularidade e por oscilações a primeira vista inexplicáveis.
Se em 1997 se financiou um projeto de uma ONG espanhola no
Brasil por um total de 70 milhões de pesetas, em 1998 a cifra sal-
tou para 96 milhões distribuídos em 3 projetos diferentes e alcan-
çou o considerável valor de 174 milhões para 5 projetos em 1999.
No ano 2000, não se financiou nenhum projeto. Entre outras, as
ONG beneficiárias por estas subvenções foram Fé e Alegria, Asso-

305
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

ciação WATU Ação Indígena, Fundação INTERED, Humanismo e


Democracia, Mensageiros pela Paz e Mãos Unidas. Seus projetos
tinham por objeto à atenção a meninos de rua, a promoção etno-
ambiental da terra indígena do Vale do Javari, a promoção dos Di-
reitos Humanos em zonas marginalizadas do Rio de Janeiro e a
instalação de escolas para a promoção social. Apesar das deficiên-
cias e da escassez dos recursos dirigidos pela Espanha para o Bra-
sil, devem reconhecer-se os avanços substanciais em matéria de
cooperação destacadamente em dois âmbitos que sintetizam o per-
fil e a ênfase que os dois países colocaram nas suas relações coo-
perativas no último lustro do século XX: a cooperação educativa,
acadêmica e interuniversitaria e a cooperação em matéria de ciên-
cia e tecnologia.
No campo da cooperação educativa
educativa, os dois Governos assina-
laram com freqüência a existência de um extraordinário potencial
para a intensificação de suas relações. Diversas iniciativas toma-
ram corpo nos últimos cinco anos, como o protocolo assinado entre
a Universidade de Salamanca e o Governo brasileiro, no dia 26 de
outubro de 2000, que permitiu a criação de um Centro de Estudos
Brasileiros (CEB) e a constituição de uma Fundação Hispano Bra-
sileira cuja finalidade é suprir a carência de informações sobre a
realidade do Brasil. Dando seguimento ao citado protocolo, no dia
21 de novembro de 2000, se alcançou um acordo entre a Universi-
dade de Salamanca e o Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico do Brasil (CNPq) para o envio de cinco
professores visitantes brasileiros que darão aulas nos cursos orga-
nizados pelo CEB. A criação de um Centro das características do
CEB é uma notícia excelente para os brasilianistas espanhóis e
deve concitar todo o interesse, dedicação e entusiasmo de quantos
trabalham na Espanha para informar sobre a realidade brasileira.
A justificação e a funcionalidade de uma iniciativa destas caracte-
rísticas para o futuro das relações hispano-brasileiras foram desta-
cadas pelo ex-embaixador do Brasil na Espanha, Carlos Moreira
García:

“Houve um crescimento muito grande da presença espanhola na


área econômica e financeira, que no entanto não foi acompanhadao

306
capítulo 5
a associação ou parceria hispano-brasileira: de Cardoso a Lula (1995 – 2005)

pelo avanço no conhecimento sobre o Brasil. A presença de


brasilianistas na Espanha é um fator estabilizador, na medida em que
é melhor quando o outro lado de uma relação está bem informado”. 129

No terreno da cooperação acadêmica, os resultados foram mui-


to férteis. O número de Convênios institucionais entre universida-
des espanholas e brasileiras supera na atualidade a cifra de 140;
existem 38 programas de doutorado conjuntos (12 na Espanha e o
resto no Brasil com 800 estudantes) e se caminha significativa-
mente para a assinatura de um Acordo bilateral para a equiparação
de títulos universitários. Além disso, existe há décadas uma inten-
sa cooperação interuniversitaria fomentada mais ainda pela assi-
natura, no dia 16 de março de 2001, do Convênio de Cooperação
entre o Ministério da Educação, Cultura e Esporte da Espanha e o
Ministério da Educação do Brasil, para o desenvolvimento de pro-
gramas conjuntos de formação, aperfeiçoamento e atualização de
conhecimento de pós-graduados e professores universitário. O Con-
vênio tem uma duração de quatro anos, com um orçamento de 160
milhões por ano, contribuídos com 50% por cada país. Destacado
exemplo de febril atividade no âmbito da cooperação
interuniversitária com a Espanha foi a desenvolvida pela Universi-
dade Federal de Pernambuco que assinou, entre outros, um ambi-
cioso conjunto de projetos de cooperação com a Universidade de
Salamanca e com a Universidade Politécnica de Madri130. Igual-
mente positiva para a abertura de novos espaços para a reflexão e o
estudo do Brasil na Espanha foi a assinatura, em 2001, do convê-
nio de colaboração acadêmica entre a Universidade de Castilla-La
Mancha e a Embaixada do Brasil para a criação de uma Cátedra de
Estudos Brasileiros.
Outros indicadores são também sintomáticos desta tendência
ascendente nas relações de cooperação acadêmica que vai calando
lentamente nas respectivas opiniões públicas, aumentando seu in-

129
“Espanha passará a ter brasilianistas”, Folha de São Paulo, 25 de outubro de 2000.
130
“Convenio entre Universidades leva pernambucanos para a Espanha”, Informativo da Comissão de Pro-
cessos Seletivos e Treinamentos, ano 4, nº 22, julho-agosto, 2002, en http://www.covest.com.br

307
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

teresse pelos temas espanhóis e brasileiros. Por exemplo, o projeto


iniciado entre a Universidade Nacional de Educação a Distância
(UNED) e a Universidade de Brasília para a execução de ações de
formação para a implantação no Brasil de um sistema de Educação
Superior a Distância, uma necessidade imperiosa em um país de
dimensões continentais, que conta com núcleos de população afas-
tados dos grandes centros urbanos onde se dividem doutrinas uni-
versitárias.
Igualmente, a participação de estudantes, professores e gestores
universitários brasileiros nos programas de bolsas de estudos da
AECI e da cooperação ibero-americana é altamente relevante,
mesmo que denota o estreito espaço concedido ao Brasil quando se
efetua a consideração do número de bolsas de estudos concedidas
com relação a sua população. Segundo o Relatório da Conferência
de Reitores de Universidades Espanholas (CRUE), sobre coopera-
ção acadêmica e científica da Espanha com a América Latina, no
que tange ao Programa Geral de Bolsas de estudos AECI, na rela-
ção ajudas concedidas/população por milhão de habitantes, o Bra-
sil figura no último lugar (2,7 bolsas de estudos por milhão de ha-
bitantes) frente ao Uruguai que ocupa o primeiro lugar (97,2 bol-
sas de estudos por milhão de habitantes). Entre 1991 e 1999, os
brasileiros receberam 645 bolsas de estudos para cursos de pós-
graduação e doutorado na Espanha, atrás dos mexicanos, argenti-
nos, cubanos, colombianos, chilenos e peruanos. As razões não es-
tão somente vinculadas às orientações geográficas e prioridades da
cooperação espanhola, devendo pensar-se em motivos ligados à falta
da difusão destas bolsas de estudos, às limitações materiais do tra-
balho do Escritório Técnico de Cooperação em Brasília e, possi-
velmente, à barreira idiomática que retrai a possíveis candidatos.
No referente ao Programa de Cooperação Interuniversitaria
(PCI), antigo Intercampus, o Brasil ostentava o primeiro lugar por
número de universidades participantes, entre 1991 e 1997, com
81 instituições de ensino superior. Em sua modalidade de estudan-
tes, o PCI outorgou entre 1995 e 1999 um total de 831 bolsas a
brasileiros, quantidade somente superada pela Argentina, e 1009
bolsas a espanhóis para estâncias em centros do Brasil. Em sua
modalidade de professores, para o período 1996-1998, o Brasil

308
capítulo 5
a associação ou parceria hispano-brasileira: de Cardoso a Lula (1995 – 2005)

recebeu 272 ajudas para visitas de docentes a centros espanhóis, o


segundo lugar da classificação atrás da Argentina. A avaliação re-
alizada no ano 1999 pelo Escritório de Planificação e Avaliação
(OPE em espanhol) da AECI apontou algumas debilidades no PCI
e na participação do Brasil no mesmo. Assim, se concluiu no rela-
tório avaliador a baixa freqüência das visitas efetuadas por gestores
espanhóis a universidades do Brasil frente ao maior interesse de-
monstrado pelos brasileiros, as escassas ajudas no financiamento
de passagens recebidas pelos estudantes brasileiros (1,6% do to-
tal, frente aos 35,3 % dos argentinos, por exemplo) e a desejável
participação do Brasil em redes temáticas de docência131.

Gráfico 14
Bolsas a brasileiros no programa geral da AECI (1991-1997)

Fonte: SEBASTIAN, Jesús: Informe sobre la cooperación científica de España con América Latina, Madrid,
CSIC-CRUE, 1999.

No âmbito da participação de redes de pesquisa da América


Latina com a Europa, as universidades e centros pesquisadores do
Brasil e da Espanha participavam em 122 redes do programa ALFA.
Igualmente, no âmbito da cooperação gerada pelo sistema de Cú-
pulas Ibero-americanas, o Brasil e a Espanha são dois dos países
mais ativos no Programa Ibero-americano de Ciência e Tecnologia
para o Desenvolvimento (CYTED). De um total de 2557 grupos de
pesquisa existentes no ano 2000 no CYTED, a Espanha participa-
va com 361 e o Brasil com 307132. Por seu dinamismo e vigor mere-
ce uma atenção redobrada a cooperação científica e educativa
estabelecida desde o ano de 1999, denominado Grupo de

131
MAE/SECIPI/OPE: El Programa de Cooperación Interuniversitaria en Iberoamérica, Informe de Avaliação
7/2000, Madri, 2000.
132
XII Reunião Anual do Fórum das Assessorias das Universidades brasileiras para Assuntos Internacionais
(FAUBAI), PUC de São Paulo, 4 a 6 de abril de 2001.

309
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

Tordesilhas133 que congrega representantes de universidades da


Espanha, Portugal e Brasil (10 espanholas, 15 brasileiras e 6 por-
tuguesas) com o compromisso de encontrar fórmulas para a coope-
ração multilateral em matérias de ciência, tecnologia e inovação.
A iniciativa foi apresentada como uma oportunidade aproveitada
pela Espanha e estimulada pela diplomacia brasileira, no marco
das celebrações dos 500 anos do Brasil, para “produzir algo com
implicações positivas para o futuro”134. No II Encontro do Grupo,
na cidade brasileira de Recife em 2001, foi lançado o portal uni-
versitário Universia com o financiamento do BSCH e do Grupo
Santillana e do qual fazem parte hoje mais de 210 universidades
brasileiras. Além disso, o BSCH está desenvolvendo um importan-
te plano de apoio à Educação Superior no Brasil que inclui um
programa de 1.800 bolsas de pré e pós-graduação para os melho-
res estudantes brasileiros.
Existem também sombras no panorama da cooperação científi-
co-acadêmica hispano-brasileira. Por exemplo, os indicadores
bibliométricos de co-publicações de pesquisadores espanhóis e
brasileiros produzem um balanço deficiente, afastado das
potencialidades existentes. Em termos de publicações conjuntas, a
Espanha é o quinto sócio científico do Brasil na Europa com 942
artigos entre 1990 e 1999, atrás da França, Grã-bretanha, Alema-
nha e Itália. Comparativamente a Espanha é na Europa o primeiro
sócio científico da Argentina, Colômbia e Cuba, o segundo do Chi-
le e o terceiro da Venezuela135. Por outro lado, desde a perspectiva
brasileira, se verteram críticas freqüentes nos termos da falta de
reciprocidade de alguns programas de cooperação interuniversitária
nos que a Espanha obtém importantes retornos em termos de gan-
hos políticos e visibilidade, em comparação com custes muito bai-
xos.
No campo da cooperação científica e tecnológica se desen-
volveram promissórios entendimentos que respondem à necessi-

133
Página web do Grupo Tordesillas: http://www.grupotordesillas.org
134
MOTA, Carlos G.: “Uma universidade para o século 21”, O Estado de São Paulo, 10 de julho de 2000.
135
FERNÁNDEZ, M; GÓMEZ,I.; SEBASTIÁN, J.: “La cooperación científica de los países de América
Latina a través de indicadores bibliométricos”, Interciencia, vol.23, nº 6, nov-dec, 1998, pp.328-337.

310
capítulo 5
a associação ou parceria hispano-brasileira: de Cardoso a Lula (1995 – 2005)

dade dos dois países de produzir tecnologias próprias. A filosofia


que domina nesta modalidade cooperativa, como sublinha LAFER,
é a de uma relação madura e equilibrada, fora dos eixos tradicio-
nais da cooperação espanhola na região que se dirigia para os paí-
ses de menor desenvolvimento relativo da América Latina, e da
que o Brasil se encontrava excluído em função de sua escala, ta-
manho e estado avançado de pesquisa em seus centros e universi-
dades136. Definitivamente, devia ser procurado um padrão de rela-
ções hispano-brasileiras em matéria de cooperação científica e
tecnológica de caráter fundamentalmente paritário e bilateral, des-
pojado de perspectivas paternalistas que superasse as carências
detectadas em fases anteriores. Para o ex-embaixador Moreira, a
cooperação Brasil-Espanha na área de Ciência e Tecnologia era,
junto ao incremento do conhecimento mútuo, o segundo fator
estabilizador das relações bilaterais ao incorporar um âmbito no
qual os dois países possuíam um nível de desenvolvimento mais ou
menos equivalente com necessidades tecnológicas similares137.
Da ampla gama de iniciativas iniciadas neste terreno, sobres-
sai o acordo assinado em 1996 entre a Financiadora brasileira de
Estudos e Projetos (FINEP) e o Centro para o Desenvolvimento
Tecnológico Industrial (CDTI) da Espanha. A origem deste projeto
de cooperação bilateral se remonta de 1995, quando o CDTI per-
cebeu que o crescente desenvolvimento das relações entre o Brasil
e a Espanha demandaria uma elevada intensificação das relações
entre as empresas espanholas e brasileiras e propiciaria, por sua
vez, o crescimento do interesse pelas relações baseadas na coope-
ração tecnológica138. A evolução do número de convênios traduz o
dinamismo e o êxito desta sociedade de cooperação hispano-brasi-
leira. Se em 1997, se formalizaram 7 acordos com um valor de 13
milhões de dólares, em 1998 e 1999 a cifra quase dobrou com 13
e 12 acordos. No ano de 2002 alcançaram 62 por um total de 113

136
Discurso do ministro de Estado, Celso Lafer, proferido na Casa de América, Madri, 30 de abril de 2002,
disponível en http://www.mre.gov.br/infocred/info193-02.htm.
137
“Espanha passará a ter brasilianistas”, Folha de São Paulo, 25 de outubro de 2000.
138
GÓMEZ DOMÍNGUEZ, V.: “La política de financiación en España: el caso del CDTI”, Seminário Brasil-
Espanha, IPRI, Rio de Janeiro, 7 de abril de 2000.

311
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

milhões de dólares, cifra que superaria no ano de 2003 os 70 con-


vênios de pesquisas entre empresas brasileiras e espanholas fi-
nanciados pelo CDTI do Ministério espanhol de Ciência e
Tecnologia139. Não somente no âmbito bilateral se produziram sig-
nificativos proveitos nesta matéria. No âmbito Ibero-americano, a
Espanha e o Brasil são os países que participam em maior número
de projetos dentro da iniciativa Iberoeka, surgida no marco do Pro-
grama Ibero-americano de Ciência e Tecnologia, com um total de
30 projetos entre 1994 e 1999, que comprometeram recursos por
mais de quarenta milhões de dólares. Em outros campos de
tecnologia de ponta, como a biotecnologia, as perspectivas de coo-
peração são cada dia mais próximas em setores como o
agroalimentar, sanidade humana e animal ou biotecnologia
ambiental e em campos como a genômica, a proteomica e a
bioinformática nos quais os dois países mantêm graves carênci-
as140. Estas expectativas de maiores avanços foram coroadas no ano
de 2001, com a assinatura do Memorando de Entendimento sobre
Cooperação subscrito entre os ministros da Ciência e Tecnologia
do Brasil e da Espanha onde se identificam as áreas prioritárias e
os temas de interesse. Como conseqüência imediata deste Memo-
rando se celebrou, em julho de 2001, o I Seminário Hispano-Bra-
sileiro de Cooperação em Ciência e Tecnologia, evento no qual se
repassaram algumas iniciativas de êxito - como a “parceria” bila-
teral na área de tecnologia da pesca com a consolidação do Pólo
pesqueiro de Paraíba - e se analisaram diferentes projetos inicia-
dos como o acordo de energia renovável subscrito entre o Ministé-
rio da Ciência e Tecnologia, a empresa brasileira de energia
ELETROBRÁS e os Governos dos Estados de Santa Catarina e
Bahia.
Em conclusão, uma avaliação da cooperação hispano-brasilei-
ra, entre 1995 e 2000, apontaria para a insuficiência dos recursos
destinados pela Espanha à cooperação com o Brasil. Em função da

139
“Una cantera de brasileños”, El País, 28 de abril de 2003.
140
PAES de CARVALHO, Antonio.:”Biotechnology in Brazil and Spain: possibilities for cooperation”; MUÑOZ,
Emilio.: “Biotecnología y política científica en España. Perspectivas sobre Cooperación entre España y Bra-
sil”, Seminário Brasil-Espanha, IPRI, Rio de Janeiro, 7 de abril de 2000.

312
capítulo 5
a associação ou parceria hispano-brasileira: de Cardoso a Lula (1995 – 2005)

intensificação das relações políticas bilaterais e multilaterais, da


excelente situação das relações econômicas a causa da chegada
dos investimentos e das afinidades históricas e culturais, a eleva-
ção do nível da cooperação entre o Brasil e a Espanha deveria
corresponder com o estabelecimento de uma efetiva parceria
hispano-brasileira que redundasse em transferência de tecnologia
e conhecimentos em áreas de interesse mútuo, de acordo com a
potencialidade da inter-relação entre os dois países141. As realiza-
ções foram substanciais e o balanço augura perspectivas
satisfatórias, apesar das deficiências existentes na redefinição co-
mum das linhas prioritárias da cooperação bilateral da que oferece
uma boa amostra a interrupção das reuniões da Comissão Mista de
Cooperação, o foro mais apropriado para o seguimento dos projetos
e da identificação de novas áreas de cooperação. Inexplicavelmente,
a Comissão Mista se reuniu em 1997 pela segunda vez desde a
assinatura do Tratado Geral de Amizade e Cooperação de 1992, e
pela terceira vez em julho de 2003 – mais de cinco anos depois da
última e certamente impulsionada pela mudança das orientações
em política de cooperação do Governo Lula142 -, o que parece in-
suficiente e transmite uma impressão de desídia quando se pensa
nas abundantes necessidades do Brasil.

5.5.- As relações hispano -brasileiras na etapa Lula


hispano-brasileiras
Não é nenhum segredo que tanto o governo de Aznar como os
empresários espanhóis com interesses em Brasil houvessem prefe-
rido uma vitória nas eleições brasileiras de outubro de 2002 de
José Serra, o candidato do PSDB. No entanto, as primeiras medi-
das de Lula uma vez no poder nomeando para o comando da políti-
ca econômica a Antônio Palocci, no Ministério da fazenda, e a
Henrique Meirelles, na presidência do Banco Central, e o rumo de
ortodoxia e de ratificação do cumprimento dos compromissos in-

141
III Reunião da Comissão Mista Brasil-Espanha sobre Cooperação, Madri, 7 e 8 de julho, 2003.
142
Um exemplo chamativo é a inclusão, no Programa Bilateral de Cooperação hispano-brasileiro 2003-2006,
de um capítulo dedicado a segurança alimentar das populações carentes do Brasil, no contexto do Programa
Fome Zero.

313
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

ternacionais do Brasil, principalmente com o FMI e com os credo-


res do país, afugentaram os temores do empresariado espanhol e
dissiparam as dúvidas que existiam em algumas esferas políticas
sobre a conformação de um eixo esquerdista na América Latina
que teria em Brasília seu pivô principal. Ao mesmo tempo, entre a
opinião pública espanhola e entre a classe política e econômica se
ia construindo uma imagem positiva de Lula como governante equi-
librado, responsável e que imprimia um forte cunho social nas po-
líticas públicas. Esta boa imagem, confirmada pela repercussão da
concessão a Lula do prêmio Príncipe de Astúrias de Cooperação
Internacional, anunciada em junho de 2003 por “combater a po-
breza, a desigualdade e a corrupção e por seu admirável passado
de luta pela justiça”, favoreceu sem dúvida a criação de um clima
propício para o bom entendimento bilateral, apesar das diferentes
idéias políticas dos dois presidentes minimizadas pelo próprio Lula
ao declarar que nem Aznar era tão conservador nem Ele tão es-
querdista143.
A visita que o presidente Lula realizou à Espanha, em julho de
2003, serviu além de transmitir confiança e buscar novos investi-
mentos para estabelecer as bases e orientações das relações bila-
terais nesta nova etapa. Desde a perspectiva espanhola a grande
preocupação residia em que Lula prometesse ortodoxia econômica
e garantisse mais proteção e segurança jurídica aos investimentos
das multinacionais da Espanha. Desde a perspectiva brasileira, se
pretendia obter do governo de Aznar apoio para as reformas econô-
micas que se poriam em marcha e um compromisso da Espanha
para colaborar no programa Fome Zero e na construção de uma
globalização solidária, favorecedora do multilateralismo frente às
tentações unilaterais, que reduzisse o protecionismo dos países ri-
cos e propiciasse o acesso dos produtos dos países pobres aos mer-
cados do primeiro mundo.
Foi do Rei Juan Carlos, da oposição socialista e dos líderes
sindicais com os quais se entrevistou que Lula recebeu os maiores

143
Folha de São Paulo, 30 de outubro de 2003, caderno A, pág.6.

314
capítulo 5
a associação ou parceria hispano-brasileira: de Cardoso a Lula (1995 – 2005)

apoios. De Aznar escutou, segundo a imprensa, reclamações de


empresas espanholas instaladas no Brasil e, principalmente, a ne-
cessidade de aceitar a determinação de ajustar as tarifas telefôni-
cas bloqueadas pela Justiça desde para meses. Pelo contrário, Lula
recebeu do Rei um sincero apoio “aos nobres esforços do governo
brasileiro na luta contra a fome, a pobreza e a desigualdade social”
e foi respaldado pelo PSOE e pelos líderes de Comissões Operári-
as e a União Geral de Trabalhadores para os que o novo presidente
representava “uma esperança para a esquerda no mundo, para o
desenvolvimento dos direitos humanos e para a defesa da legalida-
de internacional”.
Apesar da diferente cor político dos governos de Lula e Aznar e
a suas diferentes visões do mundo e do sistema internacional, esta
visita arrojou frutos importantes, principalmente, o compromisso
de forjar e modelar por escrito os termos de uma aliança estratégi-
ca hispano-brasileira. No final da visita, os dois presidentes anun-
ciaram um pré-acordo para o estabelecimento de um plano bienal
de ação para desenvolver todas as possibilidades da cooperação
bilateral em questões políticas, econômicas e sociais.
A visita oficial de Aznar ao Brasil, em outubro de 2003, reafir-
mou o apoio espanhol à política econômica que levava adiante o
governo de Lula e, principalmente, permitiu avançar substancial-
mente na configuração de uma aliança estratégica hispano-brasi-
leira que supunha um salto qualitativo nas relações bilaterais. Esta
aliança previa a elaboração de planos bienais de ações cuja finali-
dade será estimular o diálogo político, o comércio bilateral, os in-
vestimentos e as negociações entre a UE e o MERCOSUL. O docu-
mento final desta associação estratégica hispano-brasileira foi as-
sinado no contexto da XIII Cúpula Ibero-americana da Santa Cruz
da Sierra (Bolívia), no dia 14 de novembro de 2003. Naquela oca-
sião se informaram os eixos essenciais deste ambicioso acordo, tra-
çando-se os passos e instrumentos a serem empregados para al-
cançar uma “parceria” estratégica que seria a expressão eloqüente
do extraordinário dinamismo das relações bilaterais, sedimentadas
não só nos elementos históricos, culturais e políticos, mas também
nos novos vínculos regionais que se consolidaram entre os dois
países a partir da década dos noventa, especialmente nas relações

315
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

entre o MERCOSUL e a UE e no âmbito do diálogo ibero-america-


no. O plano de associação estratégica contemplava, além disso, o
fortalecimento das relações hispano-brasileiras em quatro campos
claramente definidos:
1.- No diálogo político bilateral com mecanismos de diálogo e
comunicação diplomática permanentes.
2.- No desenvolvimento de ações conjuntas de cooperação para
atalhar o desemprego e promover a inclusão social
3.- No fortalecimento dos vínculos econômicos e comerciais
existentes mediante a criação de dois grupos de trabalho que, se-
mestralmente, analisarão os investimentos e seu marco regulatório
e as questões comerciais bilaterais.
4.- No terreno da educação e a cultura, fomentando a coopera-
ção educacional, a conservação do meio ambiente, a colaboração
em matéria científico-tecnológica e a recuperação do patrimônio
histórico.
Com a vitória do Partida Socialista Operário Espanhol nas elei-
ções de 2004, as relações hispano-brasileiras se beneficiaram da
forte sintonia política e de uma maior convergência ideológica en-
tre Lula e Zapatero. Se durante a etapa dos governos de Aznar e
Cardoso a ênfase destas relações se colocou preferencialmente nos
aspectos econômicos, nesta nova fase que se inaugura com a che-
gada ao poder de Lula e, posteriormente, de Zapatero, parecem
adivinhar-se outras prioridades que, sem relegar a um segundo plano
a dimensão econômica – na sua vertente investidora e comercial -
, fazem pensar em novos caminhos para as relações hispano-brasi-
leiras, na exploração de novas sendas propiciadas por uma clara
convergência ideológica entre os atuais governos cuja pedra fun-
damental é o predomínio da dimensão social e uma visão compar-
tilhada das relações internacionais mais solidária, ancorada firme-
mente em um multilateralismo pacífico que aposta pelo
protagonismo das Nações Unidas e que pretende fazer da luta con-
tra o fome e do cumprimento dos Objetivos do Milênio sua bandei-
ra mais representativa.
Como conseqüência desta convergência a agenda hispano-bra-
sileira aumentou e se reorganizou com novos temas postos já de
manifesto na visita que realizou o ministro espanhol de Exteriores,

316
capítulo 5
a associação ou parceria hispano-brasileira: de Cardoso a Lula (1995 – 2005)

Moratinos, ao Brasil, em julho de 2004. O ministro afirmou que o


objetivo de sua visita era reforçar os laços com o Brasil, pois, ape-
sar dos investimentos espanhóis, a relação com este país tinha so-
frido uma certa passividade política. Entre os temas mais relevan-
tes que se encontram atualmente presentes nas relações bilaterais
destaca a participação espanhola na Ação contra a Fome e a Pobre-
za, lançada por Lula em janeiro de 2004; o envio de um contingen-
te militar espanhol ao Haiti para apoiar as tarefas da Missão de
Estabilização das Nações Unidas sob comando brasileiro; a refor-
ma da ONU, tema no qual os dois países discrepam no que se refe-
re à composição do Conselho de Segurança; a situação de
estancamento das negociações UE – Mercosul; o papel da coope-
ração espanhola no programa “Fome Zero”; a proposta brasileira
de trocar parte de sua dívida pública por investimentos em educa-
ção e a resposta da Espanha ao desafio que lança a lei que inclui o
espanhol nos currículos das escolas de nível secundário, especial-
mente no apoio à formação de professores e na reciprocidade de-
mandada pelo Brasil para o ensino do português.
No terreno econômico - mesmo que persistem as indefinições
nos marcos regulatórias para os investimentos no setor elétrico e
de telecomunicações e as dificuldades para alcançar um equilíbrio
na balança comercial bilateral que nos três últimos anos arroja
déficits para a Espanha e a que, na prática, se tenha paralisado o
processo de privatizações - existem também boas perspectivas de
cooperação. Espera-se a participação das empresas espanholas no
setor de infra-estruturas através do Plano de Parceria Público-Pri-
vado, e além disso, de um “segundo avanço espanhol” como o qua-
lifica a imprensa brasileira, que estaria propiciado pela entrada no
mercado do Brasil de empresas de tamanho médio.
A visita ao Brasil do presidente espanhol Zapatero, em janeiro
de 2005, definiu mais concretamente os instrumentos e tempos
para continuar progredindo juntos, a partir da premissa de que o
Brasil é a aposta estratégica da Espanha na América do Sul144. O

144
TRIPER, José María: “Brasil, la alternativa latinoamericana”, El País, 9 de janeiro de 2005.

317
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

resultado mais visível da visita foi a Declaração de Brasília sobre a


consolidação da parceria estratégica Brasil – Espanha, documento
de relançamento da associação que pretende dinamizar as rela-
ções hispano-brasileiras fixando metas concretas nos campos do
fortalecimento do diálogo político, o emprego e desenvolvimento
social, o crescimento econômico, educação, cultura e meio ambi-
ente e a implementação de um plano de execução da cooperação
para o desenvolvimento bilateral. Outros acordos rubricados nesta
visita foram um protocolo de colaboração em matéria de turismo e
de cessão de tecnologia turística, de segurança fitossanitária e ou-
tros temas agrícolas de interesse mútuo, um convênio educacional
e um memorando de entendimento sobre cooperação na área de
mudança do clima para o desenvolvimento e execução de projetos
no âmbito do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo do Protocolo
de Quioto.
Em conclusão, em todos os níveis das relações hispano-brasi-
leiras, a tônica dominante nestes últimos anos é a intensificação
dos contatos, o otimismo nas perspectivas futuras e a existência de
uma firme vontade para estreitar os vínculos sobre os que se ci-
mentam umas relações diversificadas em uma complexa rede de
interesses políticos, econômicos e sociais. Existem todos os ele-
mentos para que a associação estratégica entre o Brasil e a Espanha
seja uma realidade, mas os dois países devem cuidar-se do perigo
de morrer de sucesso ou de um excesso de retórica que faça com
que as relações bilaterais se estagnem no terreno das declarações
de intenções, sem presentar um saldo positivo e tangível de reali-
zações concretas. Em outras palavras, existe o risco de “nadar e
morrer na praia” ou, como afirma um diplomata brasileiro, “atro-
pelar o futuro com incontido entusiasmo e submergir na pletora de
oportunidades”. Isto é, se faz urgente aproveitar o momento favo-
rável mas estabelecendo prioridades, com um calendário organiza-
do e executando ações bem coordenadas. Em caso contrário, como
ocorre sempre que as expectativas são muito altas, a esperança
pode dar passo à frustração.

318
bibliografia

Bibliografia

Disponível em

http:// www.brasilespanha.com.br
www.brasilespanha.com.br

319
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

Lista de Siglas

ACP: Países da África, Caribe e Pacífico


AECI: Agência Espanhola de Cooperação Internacional
AHIB: Arquivo Histórico do Itamaraty (Brasília)
AHRJ: Arquivo Histórico do Itamaraty (Rio de Janeiro)
ALADI: Associaç Latinoamericana de Integración
ALALC: Associação Latinoamericana de Livre Comércio
ALCA: Área de Livre Comércio das Américas
ALCSA: Área de Livre Comércio da América do Sul
AMAE: Arquivo do Ministério de Assuntos Exteriores (Madri)
AOD: Ajuda Oficial ao Desenvolvimento
APPRI: Acordo de Proteção e Promoção Recíproca de
Investimentos
BANESPA: Banco do Estado de São Paulo
BBV: Banco Bilbao Vizcaya
BOE: Boletim Oficial do Estado
BSCH: Banco Santander Central Hispano
CAPES: Coordenadora de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior
CDTI: Centro para o Desenvolvimento Tecnológico Industrial
CECA: Comunidade Européia do Carbono e do Aço
CEE: Comunidade Econômica Européia
CEOE: Confederação Espanhola de Organizações Empresariais
CEPAL: Comissão Econômica para América Latina e Caribe
CESCE: Companhia Espanhola de Seguros de Crédito a Exportação
CIN: Comunidade Iberoamericana de Nações
COELBA: Compahia Elétrica da Bahia
CRT: Companhia Riograndense de Telecomunicações

320
lista de siglas

CYTED: Programa Iberoamericano de Ciência e Tecnologia para o


Desenvolvimento
DELE: Diploma de Espanhol como Língua Extrangeira
ECOSOC: Conselho Econômico e Soceial da ONU
EUA: Estados Unidos da América
EMBRAER: Empresa Brasileira de Aeronáutica
EMBRATEL: Empresa Brasileira de Telecomunicações
FAD: Fundo de Ajuda ao Desenvolvimento
FAO:Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a
Alimentação
FHC: Fernando Henrique Cardoso
FMI: Fundo Monetário Internacional
GATT: Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio
HRI: História das Relaciones Internacionais
IBC: Instituto Brasileiro do Café
ICEX: Instituto de Comércio Exterior
ICI: Instituto de Cooperação Iberoamericana
IED: Investimento Extrangeiro Direto
IEE: Instituto Espanhol de Emigração
JK: Juscelino Kubitschek
MAE: Ministério de Assuntos Exteriores (Madri)
MERCOSUL: Mercado Comum do Sul
MRE: Ministério das Relações Exteriores (Brasil)
OCDE: Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento
Econômico
OEA: Organização dos Estados Americanos
OIC: Organização Internacional do Café
OIT: Organização Internacional do Trabalho
OMC: Organização Mundial do Comércio
OMS: Organização Mundial da Saúde
ONG: Organização Não Governamental
ONU: Organização das Nações Unidas
OPA: Operação Panamericana
PAC: Política Agrária Comum
PEB: Política Externa Brasileira
PEI: Política Externa Independente
PFL: Partido da Frente Liberal

321
As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

PIB: Produto Interno Bruto


PICAB: Programa de Integração e Cooperação Argentino-Brasileiro
PICE: Protocolo de Integração e Cooperação Econômica
PMDB: Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PMRI: Potências Médias Recém Industrializadas
PND: Programa Nacional de Desestatização
PP: Partido Popular
PSOE: Partido Socialista Operário Espanhol
PYMES: Pequenas e Médias Empresas
SCBE: Sociedade Cultural Brasil-Espanha
SERE: Secretaria de Estado das Relações Exteriores (Brasil)
SPG: Sistema de Preferências Generalizadas
TELESP: Telefonia do Estado de São Paulo
UE: União Européia
UIT: União Internacional de Telecomunicações
UNCTAD: Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o
Desenvolvimento
URSS: União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

322
lista de gráficos

Lista de Gráficos

1.- Emigrantes espanhóis no Brasil (1820 e 1972)


2.- Investimentos diretos da Espanha no Brasil (1981-1992)
3.- Principais países em investimento direto no Brasil (1995-2001)
4.- Distribuição do IED no Brasil por país de origem (1998-2001)
5.- Volume investido da Espanha, UE e EUA no Brasil (1992-2001)
6.- Posição dos países no ranking investidor no Brasil (1995-2001)
7.- Privatizações no Brasil. Participação estrangeira (1991-2001)
8.- Distribuição setorial do investimento espanhol no Brasil (1998-
2000)
9.- Balança comercial Brasil-Espanha (1990-2001)
10.- Evolução exportações-importações Brasil-Espanha (1990-
2001)
11.- Evolução da taxa de cobertura comércio Espanha-Brasil
(1993-2000)
12.- Entrada de turistas brasileiros na Espanha (1990-2004)
13.- Ajuda Oficial ao Desenvolvimento da Espanha ao Brasil
(1991-2000)
14.- Bolsas a brasileiros no programa geral da AECI (1991-1997)

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As relações Brasil-Espanha na perspectiva da política externa brasileira (1945–2005)

Sobre o autor

Bruno A yllón Pino, de nacionalidade espanhola é Doutor em


Ayllón
Relações Internacionais e licenciado em Ciência Política pela Uni-
versidade Complutense de Madri. Também é especialista em
Integração Regional pela Universidade de São Paulo (USP). Atual-
mente é pesquisador pós-doutoral do Ministério de Educação de
Espanha no Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais da
USP onde desenvolve um projeto de pesquisa titulado: “As rela-
ções entre a União Européia e o MERCOSUL e as estratégias do
Brasil para sua inserção na economia internacional”. No ano 2000
e 2001 foi bolsista da Agência Espanhola de Cooperação Interna-
cional no Brasil, desenvolvendo sua pesquisa de doutorado em
Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo. Defendeu sua tese em 2004,
com um trabalho titulado “As relações entre Brasil e Espanha pon-
deradas desde a perspectiva da política externa brasileira (1979 –
2000)”, recebendo a máxima qualificação.
No Brasil foi professor visitante no curso de Relações Interna-
cionais do Centro Universitário Ibero-americano (Unibero) em São
Paulo, e no mestrado em Direito da Universidade Católica de San-
tos. Proferiu conferências em várias universidades brasileiras
(UFRGS, PUC-RS, UNISINOS, ULBRA, PUC-PR, Faculdades Rio
Branco, Universidade do Tuiuti-PR, UNB, FECAP, UNESP,
UNIMARCOS) sobre temas referentes a diferentes linhas de pes-
quisa: União Européia, Relações UE- MERCOSUL, processos de

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sobre o autor

integração, ONG no sistema internacional, cooperação para o de-


senvolvimento, política externa do Brasil, etc.
Na Espanha é professor do Mestrado em Cooperação Interna-
cional do Instituto Universitário de Desenvolvimento e Coopera-
ção da Universidade Complutense de Madri e do Mestrado em Es-
tudos Latino-americanos da Faculdade de Ciência Política e Soci-
ologia da mesma universidade. Participou como conferencista em
diversos seminários do Centro de Estudos Brasileiros da Universi-
dade de Salamanca. É também coordenador do curso on-line “Amé-
rica Latina e o Sistema Internacional de Cooperação ao Desenvol-
vimento”, da Universidade Nacional de Educação à Distância rea-
lizado com o patrocínio do Programa Sócrates da UE. Escreve em
diferentes publicações como Política Exterior, Cidob d´Afers
Internacionals, Revista Española de Desarrollo y Cooperación, Amé-
rica Latina Hoy, Revista Brasil – Espanha e Revista de Cultura
Brasileira, entre outras. É também colaborador habitual da revista
Carta Internacional da Universidade de São Paulo e foi editor as-
sistente da mesma. Escreveu diferentes artigos sobre temas inter-
nacionais nos jornais O Estado de São Paulo e Gazeta do Paraná. É
co-autor do livro “Guia de fontes bibliográficas e de recursos para
a investigação na Internet das relações entre o MERCOSUL e a
UE”, resultado de uma colaboração com professores da Universi-
dade Federal de Santa Catarina. É responsável pelo site http://
www.brasilespanha.com.br, a primeira página web dedicada ao es-
tudo das relações Brasil – Espanha. Também desenvolve ativida-
des de consultor para diferentes empresas e sociedades como a
Câmara de Comércio Brasil – Espanha e para Telefônica, fazendo
parte da seção espanhola do projeto Aliança Brasil – Espanha des-
ta companhia.

e-mail: brunespa@gmail.com

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