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A sonoridade no poema I

1. A rima

Tomemos como ponto de partida os versos de Camões abaixo:

Alma minha gentil, que te partiste


Tão cedo desta vida, descontente,
Repousa lá no Céu eternamente
E viva eu cá na terra sempre triste.
(Luís de Camões)

Os versos 1 e 4 e os versos 2 e 3 rimam entre si, pois terminam com uma


igualdade sonora. Assim, podemos definir a rima como uma igualdade sonora
no final dos versos. Mas a pergunta que fica é: em que ponto começa o final
dos versos?

Vejamos as palavras que rimam:

partiste
triste

Vejamos agora a partir de que ponto das palavras começa a identidade sonora:

part iste
tr iste

O mesmo acontece com a rima dos versos centrais da estrofe:

descont ente
eternam ente
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Assim, a rima é uma igualdade sonora a partir da última vogal tônica.

Vejamos um exemplo na estrofe do poema de Manuel Bandeira:

A vista incerta,
Os ombros langues,
Pierrot aperta
As mãos exangues
De encontro ao peito.
(Manuel Bandeira)

As palavras que rimam são:

Incerta inc erta


aperta ap erta

langues l angues
exangues ex angues

Os exemplos acima formam a rima consoante, aquela que apresenta igualdade


sonora entre as consoantes e vogais a partir da última vogal tônica.

Vejamos agora os exemplos abaixo:

Voz sem saliva da cigarra,


do papel seco que se amassa,
(João Cabral)

No caso acima, cria-se uma dúvida no leitor: parece que tem e não tem rima.
Ou ainda, que há rima, mas que ela é incompleta. Tomemos as palavras que
rimam:

cigarra cig arra


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amassa am assa

Nesse caso, fica claro que a igualdade de som ocorre apenas entre as vogais:
a/a//a/a. As consoantes não batem: /rr/ss/.

Trata-se aqui de um tipo de rima muito cultivado por João Cabral e Cecília
Meireles, em menor escala. Chama-se a esta rima de rima toante, aquela em
que só rimam as vogais. Uma particularidade dessa rima é que ela ocorre
geralmente nos versos pares apenas (2/4/6...), ficando os ímpares (1/3/5...)
sem rima. Ocorre às vezes, como no exemplo acima, de os dois versos
estarem emparelhados.

Vejamos os casos abaixo, percebendo as palavras que rimam:

A atmosfera que te envolve


atinge tais atmosferas
que transforma muitas coisas
que te concernem, ou cercam.
(João Cabral)

Nesse caso, rimam as palavras

atmosferas
cercam

Observe-se que o /e/ é tônico, e a partir dele só rima a outra vogal, o /a/. É uma
rima pouco audível, discreta, o que é a intenção do poeta.

– Cemitérios gerais
que dos restos não cuidam
nem fazem prorrogar a vida
ainda nos mortos, porventura.
(João Cabral)
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O mesmo nesse caso: rimam as palavras

cuidam
porventura

Vejamos um caso de Cecília Meireles:

Eles eram muitos cavalos,


– rijos, destemidos, velozes –
entre Mariana e Serro Frio,
Vila Rica e Rio das Mortes.
Eles eram muitos cavalos,
transportando no seu galope
coronéis, magistrados, poetas,
furriéis, alferes, sacerdotes.
E ouviam segredos e intrigas,
e sonetos e liras e odes:
testemunhas sem depoimento,
diante de equívocos enormes.
(Cecília Meireles)

As palavras que rimam são:

velozes
Mortes
galope
sacerdotes
odes
enormes

Nesse exemplo, a configuração da rima toante fica muito clara.


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Vejamos agora outro aspecto das rimas:

Andei longes terras,


Lidei cruas guerras,
Vaguei pelas serras
Dos vis Aimorés;
Vi lutas de bravos,
Vi fortes – escravos!
De estranhos ignavos
Calcados aos pés.
(Gonçalves Dias)

Esta manhã tem a tristeza de um crepúsculo.


Como dói um pesar em cada pensamento!
Ah, que penosa lassidão em cada músculo...
(Manuel Bandeira)

Voai zéfiros mimosos


Vagarosos com cautela
Glaura bela está dormindo
Quanto é lindo meu amor.
(Silva Alvarenga)

Como dito no início, a rima é um recurso lúdico da poesia, e muitos poetas


sempre demonstraram prazer em tirar efeitos inesperados da rima. A título de
curiosidade, vejamos alguns outros exemplos, em que os autores mostram o
virtuosismo da rima.

Numa estrofe de Augusto dos Anjos, ao invés de dizer que o micróbio faz um
“esse”, registrando por extenso a letra do alfabeto, o poeta prefere registrar o
grafema, explorando sua visualidade ondulada como que a mimetizar o
movimento do micróbio:
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É uma trágica festa emocionante!


A bacteriologia inventariante
Toma conta do corpo que apodrece...
E até os membros da família engulham,
Vendo as larvas malignas que se embrulham
No cadáver malsão, fazendo um s.

E note-se que a rima é um fenômeno sonoro, o que torna o recurso do poeta


absolutamente, pois na leitura o leitor pronuncia “esse”, compondo a rima
consoante.

Outro caso curioso a mencionar é a rima esdrúxula que aparece num poema
do primeiro Manuel Bandeira:

“Minha paz, minha alegria,


“Minha coragem, roubaste-mas...
“E hoje a minh’alma sombria
“É como um poço de lástimas...”

Vale fazer dois comentários a este caso: o primeiro é que a rima é feita com a
contração de dois pronomes possessivos.

Um caso também de virtuosismo da rima em Vinicius de Moraes: no poema “A


pera”, o poeta cria uma rima inesperada ao final, justamente pela sintaxe
inusitada do verso:

A pobre pera:
Quem manda ser a?
(Vinicius de Moraes)
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2. O homeoteleuto

A figura do homeoteleuto indica um encadeamento de finais iguais no verso.

Na messe, que enlourece, estremece a quermesse...


(Eugênio de Castro)

Que eu, se tenho nos olhos malferidos


Pensamentos de vida formulados,
São pensamentos idos e vividos.
(Machado de Assis)

A disciplina militar prestante


Não se aprende, Senhor, na fantasia,
Sonhando, imaginando ou estudando,
Senão vendo, tratando e pelejando.
(Luís de Camões)

3. A aliteração

Fogem fluidas, fluindo à fina flor dos fenos...


(Eugênio de Castro)

O vento é como uma navalha


(Mário de Andrade)

4. A assonância

dicção do mar com que convive


na vida alísia do Recife.
(João Cabral)
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Líbia ardente, Cítia fria,


Europa, França, Bahia...
(Manuel Bandeira)

Em todos os casos vistos durante as aulas aparecem exemplos de aliteração e


assonância, que são dois procedimentos sonoros básicos da poesia.

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