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The parents’s role in the treatment of their children and the current challenges in
the child psychoanalysis
ABSTRACT - This work examines the parents place in the psychotherapeutic treatment
of children from the perspective of Psychoanalysis. It investigates current challenges in
psychoanalytic practice with children, also emphasizing the different perspectives about
child Psychoanalysis, passing through classic and contemporary authors, highlighting
the various opinions regarding the inclusion of parents in the children’s treatment. It is
know that childhood sets up a stage of life in which the subject is in a phase of psychic
structuring and the parents or the caregivers, are present in a real way in the life of the
subject in development as well as in the psychotherapy process. In this regard, it highlights
the importance of defining the parent’s role in the treatment of their children, the need
to deal with the subject’s caregivers and the essential question about the challenges that
pervade decades in the field of Child Psychoanalysis.
KEYWORDS - Psychoanalysis. Children’s Treatment. Parents.
*1
Psicóloga pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Mestranda em
Psicologia Clínica pela Universidade de São Paulo (USP). Membro do Psia – Laboratório de
Pesquisas e Intervenções em Psicanálise do Instituto de Psicologia da USP.
Diante da crescente procura dos pais por tratamento psicoterápico para seus
filhos na infância, faz-se importante pensar sobre as especificidades deste pro-
cesso terapêutico. Sabendo que as crianças são totalmente dependentes dos
pais ou de quem as cuida, torna-se necessário considerar as particularidades e
desafios impostos pelo tratamento infantil, compreendendo qual o lugar os pais
podem e devem ocupar neste processo. Neste sentido, optou-se pela teoria psi-
canalítica para o desenvolvimento deste estudo.
A Psicanálise teve seu início com Sigmund Freud há mais de um século. Por
meio da análise das histéricas de sua época, o médico neurologista reconheceu
que as marcas dos primeiros anos de vida mostravam-se presentes também na
vida adulta dos sujeitos. Apesar de não ter se dedicado ao tratamento de crian-
ças, Freud sempre destacou em sua obra a importância das vivências infantis.
Através da escuta de adultos e da observação de crianças, definiu diversos
conceitos fundamentais para a Psicanálise relacionados à infância, como o Com-
plexo de Édipo, Sexualidade Infantil, Fantasia Infantis e Fases Psicossexuais
Infantis. Portanto, é inviável separar psicanálise e infância, uma vez que, desde
seu início, Freud enunciou que os primeiros anos de vida eram a base principal
para encontrar a interpretação dos sintomas psíquicos dos sujeitos (Costa, 2011;
Priszkulnik, 1995; Flesler, 2012).
A Psicanálise de crianças, propriamente dita, teve seu primeiro marco quan-
do Freud analisou o material do pequeno Hans, que apresentava como sintoma
fobia de cavalos. Por meio dos relatos do pai de Hans, o médico foi analisando
a criança e construindo um entendimento a respeito do caso. Freud afirmou,
então, que o sintoma de Hans estava relacionado à angústia de castração. Esta
foi a principal contribuição do autor para a psicanálise de crianças (Priszkulnik,
1995).
Porém, Freud (1909) destacou em sua obra que o tratamento de Hans só foi
possível porque foi efetuado com o importante auxílio do pai do menino. Portan-
to, deixando clara a sua posição a respeito da psicanálise com crianças, afirmou
que ninguém mais poderia ter persuadido a criança a fazer tais declarações,
apenas alguém que a conhecia de maneira particular.
Atualmente, é importante salientar que a prática clínica com crianças sofre
pressão constante por parte dos adultos, que geralmente demandam a imediata
resolução das situações, dos sintomas e das angústias que a criança lhes gera,
não sendo raras as situações em que a demanda dos pais e seus próprios confli-
tos impossibilitam o tratamento do filho. Além disso, a problemática da criança
diz muito a respeito da sua vida e sobre a vida dos pais, ou dos que a cuidam. Os
sintomas aparecem, muitas vezes, porque é a maneira que a criança encontra
para se fazer ouvir, mas podem estar denunciando também algum conflito dos
próprios pais. Dessa forma, quando se trata de Psicanálise Infantil, é impres-
cindível pensar sobre a inclusão dos responsáveis no processo terapêutico, por
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mais conflitos que essa relação traga, uma vez que é impossível isolar a criança
de seus pais ou daqueles que cumprem essa função (Flesler, 2012; França &
Radino, 2002; Rosenberg, 2002).
Os psicólogos que se dedicam ao atendimento de crianças precisam reco-
nhecer a importância de estabelecer um bom vínculo com a família para que
haja sucesso terapêutico. Os pais costumam chegar angustiados e esperam que
o psicólogo traga respostas e soluções rápidas ao problema. Contudo, estão de-
positando uma grande confiança ao deixar seus filhos com um profissional que
desconhecem. Além disso, conta-se com as figuras parentais para sustentar o
tratamento, no sentido financeiro e de assiduidade (Winnicott, 2001; França &
Radino, 2002; Bleichmar, 1994).
A partir do exposto acima, tem-se como objetivo geral deste estudo inves-
tigar o lugar dos pais no tratamento psicoterápico de crianças. Em relação aos
objetivos específicos, pretende-se compreender as principais perspectivas sobre
Psicanálise Infantil e sobre a inclusão dos pais, entender a questão do sigilo nes-
ta modalidade de tratamento e investigar os desafios que a Psicanálise Infantil
enfrenta e que a presença dos pais impõe neste processo. Para tal, optou-se pelo
método qualitativo de revisão bibliográfica. Este método busca a compreensão
e o estudo de algo em seu ambiente natural, tentando interpretar e dar sentidos
a uma pesquisa de acordo com os significados que as pessoas atribuem às situ-
ações. A revisão bibliográfica foi realizada por meio de livros, artigos, teses de
doutorado e trabalhos publicados em anais de eventos (Flick, 2007).
Discussão
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Alguns anos depois, a psicanalista Maud Mannoni (1985) postulou que a
atitude de não receber os pais da criança acarretaria no abandono do tratamen-
to. Ela salientou ainda que se os pais pudessem encontrar no psicoterapeuta
alguém a quem se pode falar dos fracassos e dos erros, o tratamento poderia
tornar-se mais benéfico. Além disso, ressaltou a importância dos atendimentos
de crianças para compreender a estruturação subjetiva desde os primeiros anos
de vida, bem como a origem e os desdobramentos das psicopatologias que,
como se sabe, tem seu início na infância (Mannonni, 1985; Silva, 2012).
Já Rosenberg (2002) escreve que inicialmente partia da ideia kleiniana de
que a análise do mundo interno da criança poderia transformar o próprio meio
familiar, portanto, recebia os cuidadores no máximo duas vezes por ano. Toda-
via, a prática da análise infantil mostrou-lhe dificuldades transferenciais, que a
fizeram repensar sua conduta. Portanto, num segundo momento, a psicanalista
passou a receber os pais mais frequentemente com o objetivo de trabalhar as
resistências destes em relação ao tratamento dos filhos, no entanto, deixou claro
que não os incluiria de maneira alguma na análise da criança (Silva, 2012; Ro-
senberg, 2002).
Ampessam (2005) defendeu em sua tese a posição de que não se pode ado-
tar uma atitude padrão, ou seja, para a autora, as opções devem ser pensadas
de acordo com cada caso e com o modelo de atendimento de cada psicanalista.
Porém, em sua prática clínica, prefere começar com uma entrevista com os pais
sem a presença da criança. Posterior às entrevistas iniciais, a autora salienta a
necessidade de demarcar aos pais o lugar de cada um, auxiliando-os na cons-
trução de um espaço de diferenciação entre eles e o filho, para, a partir disso,
iniciar o tratamento da criança.
Já Flesler (2012) enunciou que as crianças não podem ser abordadas da
mesma forma que os adultos e alegou que o objeto da Psicanálise não é o adulto
ou a criança, mas sim o sujeito de tempos e estrutura. Ao referir-se a esse su-
jeito de tempos, amparou-se nas formulações lacanianas a respeito do registro
no campo Real, Simbólico e Imaginário, e defendeu a ideia de que a prática
psicoterapêutica deve guiar-se por esses tempos. A psicanalista ressaltou tam-
bém que, já que uma criança chega à psicoterapia devido aos sentimentos des-
prazerosos que gera nos adultos, faz-se fundamental, antes de tudo, dar lugar e
importância ao que os cuidadores desse sujeito trazem como demanda.
Diante de visões diferentes, contradições e polêmicas a respeito da práti-
ca da Psicanálise Infantil, torna-se relevante refletir a respeito de uma questão
inicial e fundamental que é o significado de ser criança. E, mais do que isso,
a diferença entre infância, infantil e criança, a fim de entender algumas das
particularidades deste tratamento. Tais termos são comumente confundidos,
todavia, no campo da Psicanálise, possuem significados claramente distintos.
A infância constitui um período do ciclo vital e do desenvolvimento que tem
um tempo delimitado, mas que pode variar para cada sujeito. Já o infantil é
um termo mais complexo, uma vez que está presente, também, na vida adulta.
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em que desejam a cura dos filhos e são responsáveis pelo seu tratamento, são
impedidos de saber detalhes sobre o que se passa no atendimento dos mesmos.
A autora aponta o medo por parte dos pais de que a criança conte segredos
familiares e do possível julgamento do psicólogo diante dessas situações.
A questão do sigilo e da ética no tratamento de crianças constitui-se como
outro desafio a ser pensado, uma vez que é muito mais complexa do que no caso
de adultos. O Código de Ética Profissional do Psicólogo (2014) afirma no Art. 9º
que “é dever do psicólogo respeitar o sigilo profissional a fim de proteger, por
meio da confidencialidade, a intimidade das pessoas” e no Art. 13º, recomenda-
-se aos psicólogos que “no atendimento à criança, deve ser comunicado aos
responsáveis o estritamente essencial para se promoverem medidas em seu be-
nefício”.
Primeiramente, para atender uma criança são necessárias a total concor-
dância e autorização dos pais em relação a este processo. Todavia, a criança
também deve ter seus direitos respeitados em relação à privacidade e sigilo.
Teixeira e Nunes (2013) refletem sobre a importância de garantir às crianças o
sigilo, informando-as de que os pais têm contato constante com o profissional,
mas que essa relação não coloca em risco seus segredos. Ampessam (2005) ga-
rante que o sigilo se refere aos fantasmas da criança e não às suas brincadeiras
e desenhos. Da mesma forma, Teixeira e Nunes (2013) postula que é necessário
deixar claro aos pais que, tudo que eles trouxerem ao psicólogo, poderá ser dito,
em algum momento, para a criança.
Considerações Finais
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