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RESUMO
O Caso dos Exploradores de Cavernas, livro de Lon Luvois Fuller, apresenta uma
abordagem prático-ficcional sobre um julgamento recursal de um caso envolvendo,
basicamente, um homicídio seguido de antropofagia. Na obra, são dispostos os
votos dos juízes incumbidos de rever a sentença dada em primeira instância, e é
apresentada uma emaranhada rede de complicações e pormenoridades. Esta obra
prima, sobretudo pelo papel das Leis, e do Direito na ordem social e no
ordenamento jurídico; e ressalta ainda, a passividade e a necessidade de
interpretação da norma, para que esta atenda a sua função. Também é evidenciado
na obra, a diferença entre aquilo que é legal e justo, e é estabelecida uma reflexão
implícita acerca do papel do legislador e do magistrado na esfera jurídica.
1 INTRODUÇÃO
O Caso dos Exploradores de Cavernas prima por uma análise mais profunda acerca
do debate jurídico, e do papel dos juízes e da legislação na execução do justo e da
equidade. Vale ressaltar que nem sempre a mera execução da lei, especialmente
nos casos ad litteram, fornece a equidade nas relações, e o justo nos casos sob
julgamento. Neste livro, isto se evidencia, no transcorrer dos votos dos juízes, e em
suas observações acerca do caso.
Na justiça como um todo, deve-se primar pelo princípio do jus est ars boni et aequi;
ou seja, “o Direito é a arte do bom e do justo”. Isto pode ser percebido nas sutilezas
da obra, de forma implícita e entremeado nos engendramentos das ideias presentes
nos discursos dos juízes. Há, também, neste livro, a utilização sistêmica, dinâmica e
proativa de diversos elementos do hemisfério jurídico. Dentre estes elementos, há
especial destaque para as fontes do direito, a analogia, a interpretação extensiva, a
moral, os costumes, o senso comum, a lei, a jurisprudência, a doutrina, os princípios
gerais do direito, o positivismo, o jusnaturalismo, etc.
2 DESENVOLVIMENTO
Este foi o magistrado responsável por proceder ao relatório do caso. Nota-se, neste
processo que ele se manteve fidedigno ao caso, não emitindo comentários ou
considerações, pertinentes ou não; abstendo-se a narrar os fatos, até o momento de
exarar seu voto.
Contudo, este não é um argumento válido; uma vez que os trabalhadores são
profissionais que exercem uma profissão de risco, cujo papel é resgatar aqueles que
necessitam, e o inerente perigo a que se expõe é necessário, é conhecido por eles,
e é corrido por livre escolha dos mesmos; que para tanto são remunerados e contam
com benefícios como adicionais de periculosidade e insalubridade.
Outro elemento que deve ser analisado neste caso, é o fato de que, a previsão de
resgate era de mais dez dias, após o vigésimo dia de confinamento, caso não
ocorressem novos deslizamentos. Sem dúvidas, este prazo culminaria por levá-los à
morte por inanição; tal como explicitado pela equipe médica.
Um fato que deve ser meticulosamente considerado, neste caso, foi a omissão do
Estado, quando os réus clamaram por aconselhamento sobre como sanariam sua
necessidade fisiológica de alimento. É no mínimo imoral e impertinente, que o
Estado se disponha a julgá-los por algo a que o próprio Estado se omitiu no
derradeiro momento. Quando os exploradores rogaram por aconselhamento,
nenhum médico, juiz, socorrista, autoridade governamental, ou representante
religioso se dispôs a auxiliá-los e aconselhá-los neste caso.
O fato de Whetmore ter declinado quando do lançamento dos dados, constitui uma
complicação, mas não tende para a ilicitude, uma vez que o acordo entre eles já
havia sido lançado. Ressalta-se ainda que ele teve a oportunidade de contestar o
resultado, não o fazendo por crer na licitude do sorteio, e ante à necessidade
premente à qual ele e seus companheiros estavam submetidos.
Aqui, faz-se necessário destacar ainda, que todos eles, incluindo Whetmore estavam
sob grande pressão física e psicológica; que evocam de forma irrevogável e
incontestável o instinto de sobrevivência. Pode-se dizer, sem qualquer restrição,
que, dado seu estado físico, emocional, e psicológico, eles não se encontravam em
seu juízo perfeito quando do homicídio e do antropofagismo.
É ainda digno de apreciado acuro, o fato de, tanto os jurados quanto o próprio
magistrado terem endereçado petições ao chefe do Poder Executivo; clamando pela
clemência que este Poder pode conceder aos condenados. Eles peticionam ainda,
que a pena que foi imputada aos exploradores de cavernas, seja remida, ou então
seja substituída por uma outra de caráter simbólico, como a reclusão pelo período
de seis meses. Vale ressaltar ainda o fato de o Poder Executivo se manter omisso
quanto às petições, não se posicionando à respeito; fato que levou a se recorrer à
corte em que ora o processo se encontra.
Cabe ressaltar que o Poder Judiciário não deve, em hipótese alguma proceder na
crença de que outro Poder Estatal faça ou deixe de fazer algo. É dever do Judiciário,
apreciar os casos que lhe são apresentados; despachar ordens aos demais poderes,
aos cidadãos, às repartições e órgãos públicos; e acima de tudo, deve primar pela
Justiça, fazendo aquilo que é correto, íntegro e direito. Deve, portanto, o Judiciário e
seus juízes, avaliar o caso, determinando a inocência ou culpabilidade dos réus, e
determinar sua libertação ou pena; e não esperar que outro Poder o faça, uma vez
que esta é sua incumbência.
O meritíssimo senhor juiz Foster aborda, em seu texto, algo deveras relevante, e
que foi sumariamente ignorado pelos juízes que o antevieram. Além de destacar a
sordidez e a incontestável obviada solução apresentada por seus antecessores, ele
aborda que o que este caso impõe, não é o mero julgamento de quatro acusados,
mas sim, o julgo da própria legislação, se sua aplicabilidade, sua eficácia, e de sua
equidade e justiça. Com isto, o juiz Foster aponta algo extremamente relevante no
ambiente jurídico, a distinção entre justiça e legalidade.
Analisando o que foi narrado supra com maior ênfase, a liberdade dos homens
passa a ser limitada; pois o Estado, para garantir a segurança de seus membros,
estipula regras comportamentais, e as impõe coercitivamente, a fim de possibilitar o
convívio em sociedade, o bem-estar e a ordem social. De forma complementar, o
Estado impõe sanções para a violação das normas por ele impostas, a fim de
dissuadir a prática lesiva. Mas, observa-se no ordenamento jurídico, desde seus
primórdios até o presente momento, como exposto por Hegel e Foucault, que a
punição, ad rem, se dá, não para sanar ou pugnar o ato cometido; mas para castigar
a infração à norma. Deste modo, o que se pune, não é o crime em si, mas a violação
da norma que diz que não se deve fazer algo.
Ainda no que pertine ao contrato social, é certo que eles criaram um ‘estado próprio’
ao acordarem sobre o sorteio. Esta é ainda uma atitude enaltecedora; pois, ao invés
de definirem sumariamente aquele que seria morto para alimentar aos demais, foi
criado um sistema que permitisse uma igualdade de possibilidades, e que desse
chances iguais a todos. A deliberação acerca do sorteio com os dados, prova isto;
uma vez que a preocupação e as considerações matemáticas acerca da eficácia do
método, impõe um princípio de isonomia. A legação de que Whetmore estava
violando o acordo ao declinar de lançar os dados endossa a formação de um
contrato social entre eles.
Como o próprio M. Juiz Foster diz em seu texto, a função do Direito é “facilitar e
melhorar a coexistência dos homens e de regular com justiça e equidade as
relações resultantes de sua vida em território comum”. Como os acusados se
encontravam em uma situação alheia à realidade onde os homens podem viver em
comum, as premissas elementares subjacentes ao ordenamento jurídico encontram-
se privadas de seu significado, de sua coercibilidade, e de sua aplicabilidade.
Percebe-se nos autos, que os exploradores, quando cometeram o ato que deu
causa ao processo, encontravam-se distantes da ordem jurídica, tanto no sentido
abstrato, em seu Estado de Natureza, quanto no sentido físico, uma vez que seu
cárcere subterrâneo os mantinham separados da sociedade, e, portanto, privados do
amparo do Estado. Para corroborar sua perspectiva, O M. Juiz Foster apresenta,
inicialmente, a doutrina, onde cita os doutrinadores do séc. XIX.
É certo que a vida humana detém um valor absoluto, e que, em condições usuais de
existência e convivência, e em situações comuns, não pode ser sacrificada em
circunstância alguma; porém, no caso em análise, este princípio não se aplica, dado
que as condições são anômalas e não usuais.
Outro aspecto levantado pelo magistrado é o fato de que o Estado adota uma
política segundo a qual os ganhos superam as perdas. Neste caso, ele defende que
seja concedida uma interpretação extensiva, disto, em favor dos acusados; onde a
perda de uma vida se deu em favor de preservar outras quatro. De forma análoga,
ele firma-se ainda na premissa de que, se riscos [sobre vidas humanas] são corridos
na sociedade (em um contexto normal), ainda mais [compreensível] que sejam
corridos tais riscos em situações desesperadoras como a vivenciada pelos réus.
Foster defende ainda que, neste caso, deve-se aplicar por analogia os conceitos
supra mencionados, concedendo aos acusados, perdão incondicional, se é que
deveriam ser processados; pois, dados os fatos, a depender da perspectiva sob a
qual os analisa, há uma exclusão de jurisdição estatal, o que impediria a denúncia e
consequente processo. Nestes casos, rege a legislação que o juiz deve encerrar o
caso, sendo que seria como se nunca tivesse sido estabelecido o processo judicial.
Um exemplo por ele utilizado, em caráter jurisprudencial e análogo é o caso “Fehler
v. Neegas”.
Também é apontado por Foster que a legitima defesa, é algo que, invariavelmente, é
abarcado pela impossibilidade de conduta diversa, e que, mesmo que a norma
legislada considerasse-a como uma conduta criminosa, esta regra não poderia agir
de forma preventiva; uma vez que em face de uma ameaça à sua vida, a vítima irá
repelir seu agressor, não sendo pertinente o que a lei diz. Eis que isto é algo
instintivo que está presente em todos os animais, incluindo o homem, que face a
adversidades como as vivenciadas pelos acusados abandona, segundo Hegel, em
sua teoria lógica dos cinco estados, a alma atual […], a consciência da razão […] e a
mente livre [autoreflexividade prática]; e adentra em um estado onde se evidencia a
alma natural [qualidades físicas, alienação, sensações], a consciência de si [apetite,
recognição, consciência universal de si], e a mente prática [sentimento prático,
impulso]; dentro do campo do espirito subjetivo.
O meritíssimo senhor juiz Foster, declara portanto, em seu voto, “que os acusados
devem ser considerados inocentes das coautorias do crime de homicídio contra
Roger Whetmore e que a sentença de condenação deva ser reformada”.
Tatting afirma ainda que a norma não deve ser aplicada de forma a contradizer seu
propósito; contudo, se olvida de que a norma pode estar errada, equivocada,
incompleta, ser incoerente, e acima de tudo, ser passível de interpretação. Ele
afirma ainda que “o objetivo de qualquer norma criminal é a prevenção”; muito
embora, as peculiaridades do caso devam ser consideradas para que se proceda a
um julgamento justo.
Ele ressalta ainda que esta colocação/opinião ocorre enquanto cidadão comum, e
não como magistrado.
Todavia, o juiz Keen apresenta em seu texto, uma série de disparidades jurídicas,
sociais, éticas e morais. Prova disto tem-se com sua colocação de que não se deve
avaliar e/ou “decidir se o que estes homens fizeram foi justo ou injusto, mau ou
bom”. O magistrado, não apenas pode, como deve valer-se da moral, da ética, do
bom senso, do direito, do conceito de justiça, etc. para avaliar criticamente a norma
legislada; pois como a norma é criada e aplicada por humanos [que são seres
imperfeitos], ela é passível de falhas. Ressalta-se neste caso, que nem tudo o que é
legal é moral; e que a norma legislada nunca deve contrariar a moral, primando
sempre pelo bem comum e pelo justo.
O juiz alega ainda que não é passível de se pleitear atribuir aos acusados, em uma
interpretação extensiva, o princípio da legitima defesa, pois, segundo ele, este
princípio somente “se aplica aos casos de resistência a uma ameaça agressiva à
própria vida de uma pessoa”. Sucede que o excelentíssimo senhor juiz Keen
esqueceu-se de considerar as circunstâncias vivenciadas pelos exploradores; uma
vez que a escassez de alimentos, luz, e sabe-se lá mais o quê; bem como o
desgaste físico, psicológico e emocional a que foram submetidos, constituiu, sem
qualquer resquício de dúvida, um caso de resistência à situação por eles vivida, e,
esta situação, era sim, uma ameaça agressiva à vida dos mesmos, e que exigia que
eles resistissem a ela, com os meios de que dispunham; quaisquer que fossem eles.
Outra postura defendida por Keen é o fato de que a lei deve ser aplicada tal qual
está escrita. Este, é, sem dúvidas, um tremendo equívoco; uma vez que a lei é
passível de interpretação para que se adeque aos casos, e, também, para que se
sanem eventuais erros e brechas que ela possa apresentar. A concessão máxima
que o M. juiz Keen faz à respeito da interpretação da norma jurídica, é que esta deve
ser contígua ao significado evidente desta.
Outro ponto que o magistrado Keen interpõe ao caso, é sua defesa quanto às
sentenças ditas severas; que segundo ele gera na população um sentimento de
responsabilidade ante a legislação. Ele alega ainda que esta legislação é uma
criação do povo [e, neste ponto está parcialmente certo, uma vez que o povo é
responsável por ela, mediante a eleição (poder de voto) que concede àqueles que
foram da escolha popular o poder de legislar e criar as leis], e ressalta ainda que,
“não há nenhum princípio de perdão pessoal que possa aliviar os erros” dos
representantes populares.
Esta colocação é, além de uma descabida falácia, algo por completo destituído de
razão. O povo, escolhe seus representantes, dada a impossibilidade de todos os
cidadãos legislarem (como em um estado anárquico); mas a sociedade, é sim
detentora de poder social e quiçá político, para contestar uma norma legislada que
se apresente errônea e/ou lesiva à ela. É, no mínimo abusivo e obsoleta a
consideração extensiva e literal do “patere quam ipse fecisti legem” (suporta a lei
que tu próprio fizeste).
Ele alude ainda que não deve haver “revisão judicial das normas legisladas, se ela
está certa ou errada, desejável ou indesejável”; devendo ela ser tomada como uma
premissa tácita subjacente ao ordenamento jurídico. Eis ai outro ledo engano, afinal,
o juiz, assim como qualquer cidadão [se não mais ainda que estes] pode e deve
avaliar a moralidade de uma lei, e se ela está certa ou errada; requisitando ao Poder
Legislativo que a altere caso ela contenha algo que seja indesejável para o bem
comum da sociedade, e para a manutenção da paz e da ordem no ambiente jurídico,
político e social.
O juiz Keen levanta uma questão [em tom de crítica], mas que permite uma análise
séria e pertinente, ao dizer “Se nós não sabemos a finalidade do § 12 – A, como
podemos dizer que haja uma possível lacuna nele?”. Muitas vezes, as pessoas, não
se preocupam com a finalidade e o propósito de determinado elemento legal. Isto é,
sem dúvida uma omissão que fere sobretudo o indivíduo e a sociedade; pois se está
escusando algo que afeta de forma direta, seu modo de agir e viver.
Isto é ainda mais grave na esfera judiciária; uma vez que este Poder é responsável
por analisar os casos que lhe são apresentados, emitir pareceres à respeito, aplicar
as normas ao caso concreto, dar a cada um aquilo que lhe é devido por direito,… O
desconhecimento dos propósitos daquela norma, e dos motivos que levaram à sua
formação, impossibilitam uma análise ampla e dinâmica de sua aplicabilidade [e das
formas de se aplicá-la]; o que pode levar à injustiça, tal como já evidenciado por
Sócrates, por volta do século V a.C., quando este afirma que “quem sabe por ouvir
dizer, age por ouvir dizer, e, quem age por ouvir dizer, é corrupto” (citação
proveniente de informação verbal). 3
O excelentíssimo senhor juiz Keen apela ainda para a analogia, a fim de consolidar
seu posicionamento; embora, como fica evidente, os alicerces de sua teoria e
argumentação se encontram tão precários que ruem ante à mais débil brisa de
raciocínio e argumentação; pois, a fim de rebater o M. juiz Keen, basta evocar René
Descartes, célebre físico, matemático e filósofo francês, em sua notória frase, que
marca o princípio desenvolvido ele, quando abandonou os princípios tradicionais da
filosofia do magister dixit, ou escolástica, para fundar o sistema conhecido como
cartesianismo. Esta frase, se encontra em sua obra Discurso sobre o Método, e
nada mais é do que a célebre “dubito, ergo cogito, ergo sum” (DESCARTES apud
MORENTE 1967) 4 – eu duvido, logo penso, logo existo -; descrito no original de
1637 na obra Discours de la Methóde como “puisque je doute, je pense; puisque je
pense, j’existe”; apresentando, em essência, um raciocínio de um silogismo
aristotélico. A nível de mera complementação, dotando-se de um caráter
vulgarmente chamado de ‘curiosidade’, segue um trecho do original, tal como
explicitado no Discurso 4 de Descartes 5 seguido pela referida tradução 6:
“Ensuite de quoi, faisant réflexion sur ce que je doutois, et que par conséquent mon
être n’étoit pas tout parfait, car je voyois clairement que c’étoit une plus grande
perfection de connoître, que de douter, je m’avisai de chercher d’où j’avois appris à
penser à quelque chose de plus parfait que je n’étois; et je connus évidemment que
ce devoit être de quelque nature qui fût en effet plus parfaite. (…) C’est à dire, pour
m’expliquer en un mot, qui fût Dieu.”
“A seguir, fazendo a reflexão sobre o fato de que eu duvido, e que por conseguinte
meu ser não era absolutamente perfeito, porque eu via claramente que era perfeição
maior conhecer do que duvidar, eu percebi que dessa reflexão concluía a existência
de algo mais perfeito que eu era; e eu claramente percebi que essa percepção vinha
de uma natureza que era de fato mais perfeita [que a minha]. (…) Para ser dito em
uma palavra, que era Deus.”
Perpassando ainda por outra preocupação evidenciada pelo M. juiz Keen, sobre as
implicações futuras de o judiciário criar exceções interpretativas à aplicação da
legislação; pode-se afirmar categoricamente que as consequências disto, desde que
tais exceções e interpretações se deem com equidade, isonomia e moralidade, será
a elaboração de sentenças mais justas; o que fará com que “o Direito vá ao encontro
da Justiça, sendo que esta é a causa final do Direito, e sua razão de ser; o que
possibilitará dar a cada um aquilo que lhe pertence”7
O juiz Keen confirma a sentença condenatória dos acusados, e alega que sua
postura nada mais é que o fiel e estrito cumprimento à norma legislada.
O juiz Handy inicia seu texto com uma crítica ao legalismo exacerbado apresentado
por seus colegas, sobre o caso em questão; e apresenta as minúcias dos votos da
turma de juízes que se manifestaram. Ele preza ainda por uma análise da natureza
jurídica do contrato celebrado entre os acusados, e que deu início aos atos
praticados. Pode-se dizer, portanto, que o juiz Handy, em similitude com o juiz
Foster, busca aplicar a lei ao caso concreto que se apresenta ao tribunal.
O M. senhor juiz Handy expõe outro fator relevante que tem sido o foco a priori do
caso; o fato de que “o governo é um assunto humano, e que os homens são
governados não por palavras sobre o papel, mas por outros homens”. Isto prova que
não é a norma que rege a sociedade e as relações humanas, mas sim, as relações
humanas que determinam as leis. O mesmo se evidencia na aplicação das leis, que
serve para governar as relações humanas. Não é a lei ad litteram (literalmente, em
sua forma literal) que estabelece o governo dos homens; mas sim a interpretação
humana da mesma, e sua adequação às relações humanas que se evidenciam na
concretização dos fatos. Ele destaca ainda que, para que este governo se dê de
forma correta, íntegra e louvável, o que ele expõe de forma simples, com a
expressão “[…] bem governados […]” (Grifo nosso), faz-se necessário que o
governo, ou seja, os governantes e as leis, compreendam e externem os
sentimentos e concepções do povo.
Em face do exposto acima, o juiz Handy afirma ainda que o Poder Judiciário é o que
“tem maiores possibilidades de perder o contato direto com o homem comum”, se
distanciando assim do real, ao tentar se focar constantemente na norma legislada.
Outro aspecto, que também contribui para com o enunciado supra, é o fato de que o
judiciário se abstém a analisar alguns fatos, e estes compõe apenas parte do todo;
para o meritíssimo senhor juiz Handy, focar-se no tratamento destes elementos por
um tempo considerável, leva à perda da perspectiva geral, o que mitiga a essência
do processo e da justiça.
O juiz Handy defende ainda que é apenas mediante uma postura reflexiva, que se
pode manter a flexibilidade necessária para a manutenção das ações em
condizência com os sentimentos e com a vontade da sociedade que está submetida
à autoridade estatal que os funcionários do judiciário [e dos demais poderes]
representam. Ele faz ainda uma importante reflexão sobre esta temática, ao dizer
que “mais governos foram aniquilados e miséria humana mais intensa foi causada
pela ausência deste acordo entre governantes e governados do que por qualquer
outro fator que se possa discernir na história”. Este elo entre governantes e
governados evidenciado no enunciado supra é facilmente comprovado por Niccolò
Machiavelli em sua obra Il Principe – O Príncipe –8, ainda no preâmbulo do mesmo,
e mais detalhadamente em seu capítulo III.
O magistrado Handy defende ainda que, quando há uma cisão entre o povo e
aqueles que dirigem sua vida jurídica, política e econômica, há a destruição da
sociedade; razão pela qual povo e governo devem estar sempre unidos. De forma
análoga ocorre com o Direito. Da forma em que foram apresentados, não se pode
aproveitar nada do direito natural defendido pelo M. Sr. Juiz Foster, e tampouco do
direito positivo apregoado pelo M. Sr. Juiz Keen; pois estas duas vertentes do Direito
não se excluem, mas se complementam de forma intrínseca.
O meritíssimo juiz Handy apresenta ainda em seu texto a facilidade com a qual o
caso pode ser encarado e resolvido mediante o pensamento crítico, analítico e
sistêmico, alicerçado em um pensamento filosófico sólido, verdadeiro, e desprovido
de interesses que não sejam o de fazer a justiça e de se estabelecer uma equidade.
Ele também atenta para o fato de o caso possuir uma vasta repercussão pública, e
que a opinião social é, em sua suprema maioria, favorável à absolvição dos
acusados; e ainda leva em consideração o senso comum, e defende seu uso
[destaca-se que caso fosse empregado o julgo do senso comum para o caso,
ocorreria a absolvição dos acusados], juntamente com os costumes, que geraram na
sociedade esta opinião em sentido de absolver os acusados.
O juiz Handy ressalta também outro ponto importante, tanto no campo da filosofia,
quanto no da ciência política, e no do direito; que é o fato de o Estado existir para
servir ao povo. Isto se encontra arrazoado na passagem em que ele defende a
obviedade da postura a ser adotada pelo tribunal para manter a opinião do mesmo e
a opinião pública em um patamar digno e razoável na escala de valores e da
decência. A preocupação com a opinião pública também tem lugar no pensamento
do magistrado; contudo sem tolher-lhe o discernimento e a capacidade de julgo.
Prova disto tem-se em sua expressão de que o fato de o tribunal declarar os
exploradores inocentes não os coloca em um impasse capcioso no hemisfério
jurídico-social; e tampouco requer o emprego de uma interpretação normativa
contrária ao procedimento do tribunal, sendo que, caso seja necessária uma
esmiuçada demonstração da linha de raciocínio empregada, pode-se aproveitar com
louvor a segunda parte do voto do M. Sr. Juiz Foster.
Ele afirma ainda que, caso tivesse sido informado ao júri que as condições a que os
acusados estavam sujeitos não constituíam defesa à acusação de homicídio, nem
os escusava da pena capital, este teria procedido à interpretação ou até mesmo
repúdio da norma. Isto encontra-se fundamentado no fato de que a lei existe para
servir à sociedade; e que portanto ela pode e deve ser alterada para atender às
necessidades do povo. A manipulação da norma, também é citada, com sutileza
pelo magistrado, ao afirmar que o júri não tomou tal postura, pelo fato de seu porta-
voz ser um advogado, que, valendo-se de seus conhecimentos, buscou o
subterfúgio da oratória e da dialética, para que o corpo do júri se remisse de suas
atribuições.
O M. Sr. Juiz Handy apela ainda para o senso comum e para os costumes, ao
externar a possibilidade de o representante do Ministério Público decidir fora do
tribunal o destino dos acusados, valendo-se do senso comum para fundamentar sua
decisão.
O juiz Handy expõe ainda que, o tribunal condenar e o chefe do Executivo conceder
clemência, nada mais é do que uma forma de se proceder ao cumprimento estrito,
literal e pétreo da norma legislada; e ainda assim se alcançar a Justiça ao final.
Entretanto, ele diz ainda que se preocupar em seguir estritamente em observância à
norma escrita, é uma preocupação com os assuntos errados; pois o foco de um
tribunal deve ser a Justiça, e não o seguimento da regra legislada. Ele ainda alega
que, a preocupação com o que se pode considerar do magistrado, mediante sua
postura, não deve ser um impedimento para que ele realize aquilo que é justo; e
salienta que as praxes, formalidades e repercussões jurídicas raramente se
externam para a sociedade, e mesmo que se externassem, isto não deve ser um
elemento de refreio à execução da Justiça.
O Exmº. Sr. Juiz Handy atenta também para um fator de risco menosprezado pelos
demais magistrados; que é a possibilidade de o chefe do Poder Executivo não
conceder o perdão aos acusados ou não proceder à substituição da pena, caso o
tribunal os julgue culpados. Isto é pertinente, pois cabe única e exclusivamente ao
Poder Judiciário, apreciar um caso e emitir juízo de valor acerca dele; considerando
a culpa ou inocência dos envolvidos. Algo inovador que é apresentado pelo juiz
Handy é a consideração de fatos informais. Isto é relevante, pois, não é porque um
fato não é dotado de formalidade, que ele deixa de ser verdadeiro e importante.
Uma ação audaz e absolutamente íntegra e louvável é inovação proposta pelo juiz
Handy; que é uma análise conjunta do caso, entre os Poderes Executivo e
Judiciário. Cabe destaque que, são atitudes como esta que aprimoram o sistema
estatal, a democracia, e a sociedade como um todo. Esta ação proposta por ele,
encontra, contudo barreira na rigidez dos demais juízes em ceder a uma alternativa
como esta; muito embora ela não seja algo que diminua, tampouco que soma, mas
sim multiplica.
O M. Sr. Juiz Handy apela ainda a uma crítica sagaz à postura adotada por seu
colega Keen, sendo que, com esta crítica, a impressão moralista e rígida defendida
por este é destituída. O magistrado também vale-se da analogia e da jurisprudência,
para endossar suas posições.
“O mundo não parece mudar muito mas desta vez […] se trata […] da vida ou morte
de quatro homens que já sofreram mais tormentos e humilhações do que a maioria
de nós suportaria em mil anos”
O juiz Handy conclui que os réus são inocentes do crime de que são acusados, e
defende que a sentença seja alterada.
Foi aberta nova possibilidade para que o M. Sr. Juiz Tatting se manifestasse, em
reexame à posição anteriormente assumida pelo mesmo, mas ele novamente
declinou, alegando que sua convicção de não participar do julgamento se
encontrava ainda mais consolidada
O Caso dos Exploradores de Cavernas é uma obra ficcional criada por Fuller, que
possibilita um amplo debate acerca do ordenamento jurídico, da postura dos
poderes públicos e de seus representantes, da ética, da moral, e de muitos outros
temas que permeiam o universo jurídico e social simultaneamente. Um dos debates
mais profundos, passível de ser travado neste contexto, é a distinção entre
legalidade e justiça.
Nesta obra, é evidente que a norma, tal como está escrita, é ineficaz, em gerar o
justo, por si só; e que requer interpretação, análise, silogismos, e afins, para se
adequar ao caso concreto e poder assim gerar efeitos em favor da equidade. A
desvirtuação de princípios fundamentais, tanto da natureza humana quanto da
natureza jurídica fica evidente ao se analisar com mais acuro os votos dos
magistrados.
Tal como fica implícito no decorrer deste, há, neste caso, uma primazia pela
absolvição dos réus; mediante o exposto. Isto se erige fundamentalmente no estado
em que se encontravam, e na inexigibilidade de conduta diversa.
REFERÊNCIAS
BOBBIO, Norberto. Era dos Direitos, Trad. Carlos Nelson Coutinho, Rio de Janeiro,
Campus, 1988.
HOBBES, Thomas. Leviatã. Trad. Cláudia Berliner. São Paulo: Martins Editora, 2008
MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Trad, Maria Júlia Goldwasser. São Paulo: Martins
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PINZANI, Alessandro. Maquiavel & O Príncipe. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.
NOTAS
MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Trad, Maria Júlia Goldwasser. São Paulo: Martins
Fontes, 1996. p. 7.