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ANÁLISE D’O CASO DOS EXPLORADORES DE CAVERNAS EM UMA VISÃO

CRÍTICA DA POSTURA DOS MAGISTRADOS NO PROCESSO

Eduardo da Silva Gonçalves. et al.1

Trabalho entregue à professora Luciana de Sousa Silva,


como requisito parcial da disciplina de Introdução ao
Estudo de Direito, integrante da ementa curricular do
primeiro período do curso de Direito do Centro
Universitário de Formiga – UNIFOR-MG

RESUMO

O Caso dos Exploradores de Cavernas, livro de Lon Luvois Fuller, apresenta uma
abordagem prático-ficcional sobre um julgamento recursal de um caso envolvendo,
basicamente, um homicídio seguido de antropofagia. Na obra, são dispostos os
votos dos juízes incumbidos de rever a sentença dada em primeira instância, e é
apresentada uma emaranhada rede de complicações e pormenoridades. Esta obra
prima, sobretudo pelo papel das Leis, e do Direito na ordem social e no
ordenamento jurídico; e ressalta ainda, a passividade e a necessidade de
interpretação da norma, para que esta atenda a sua função. Também é evidenciado
na obra, a diferença entre aquilo que é legal e justo, e é estabelecida uma reflexão
implícita acerca do papel do legislador e do magistrado na esfera jurídica.

Palavras-chaves: Sentença. Direito. Justiça. Legislação. Lei.

1 INTRODUÇÃO

O Caso dos Exploradores de Cavernas prima por uma análise mais profunda acerca
do debate jurídico, e do papel dos juízes e da legislação na execução do justo e da
equidade. Vale ressaltar que nem sempre a mera execução da lei, especialmente
nos casos ad litteram, fornece a equidade nas relações, e o justo nos casos sob
julgamento. Neste livro, isto se evidencia, no transcorrer dos votos dos juízes, e em
suas observações acerca do caso.

O Poder Judiciário possui a premissa de pacificar a sociedade, estabelecendo a


justiça propriamente dita, entre os litigantes. O justo, porém, não está vinculado
obrigatoriamente à norma; sendo que, para obtê-lo, faz-se necessária uma análise
crítica da norma elaborada pelo Poder Legislativo, para extrair dela o princípio para
o qual foi criada; para estabelecer uma compreensão da intenção explicita e implícita
do legislador, quando da criação da lei; e para que ela possa ser efetivamente
aplicada ao caso concreto, de forma justa, e de forma a evocar a justiça, dando a
cada um aquilo que por direito lhe é devido. É precisa esta análise, a fim de dirimir
eventuais falhas na lei; uma vez que ela é feita por seres humanos falhos, e, por
isso, é passível de falhas. Também deve-se ressaltar que na adequação da regra ao
caso concreto, a decisão do juiz deve passar pelo campo do Direito, mas não
apenas por ele.

Na justiça como um todo, deve-se primar pelo princípio do jus est ars boni et aequi;
ou seja, “o Direito é a arte do bom e do justo”. Isto pode ser percebido nas sutilezas
da obra, de forma implícita e entremeado nos engendramentos das ideias presentes
nos discursos dos juízes. Há, também, neste livro, a utilização sistêmica, dinâmica e
proativa de diversos elementos do hemisfério jurídico. Dentre estes elementos, há
especial destaque para as fontes do direito, a analogia, a interpretação extensiva, a
moral, os costumes, o senso comum, a lei, a jurisprudência, a doutrina, os princípios
gerais do direito, o positivismo, o jusnaturalismo, etc.

Um aspecto ímpar nesta obra, é a inserção comedida e sutil da filosofia aplicada ao


campo jurídico, com evocação a princípios socráticos, sofistas, aristotélicos,
platônicos, kelsianos, hegelianos, maquiavélicos dentre outros. Há também a
colocação filosófica quanto ao contrato social celebrado, aos estados natural e de
direito, ao papel do Estado, ao Poder, à moralidade, à legalidade, e quanto à própria
justiça.

2 DESENVOLVIMENTO

2.1 VOTO DO JUIZ TRUEPENNY

Este foi o magistrado responsável por proceder ao relatório do caso. Nota-se, neste
processo que ele se manteve fidedigno ao caso, não emitindo comentários ou
considerações, pertinentes ou não; abstendo-se a narrar os fatos, até o momento de
exarar seu voto.

Durante o relatório, nota-se diversos elementos pertinentes ao caso. Procede-se a


análise destes, conforme a ordem em que foram expostos na obra de Fuller.

Um dos primeiros elementos passíveis de análise é a morte de dez trabalhadores,


que estavam a realizar o resgate dos exploradores de cavernas. Pode-se
argumentar que tais mortes são um elemento a ser considerado quanto à absolvição
dos acusados, uma vez que a vida deles custou onze outras.

Contudo, este não é um argumento válido; uma vez que os trabalhadores são
profissionais que exercem uma profissão de risco, cujo papel é resgatar aqueles que
necessitam, e o inerente perigo a que se expõe é necessário, é conhecido por eles,
e é corrido por livre escolha dos mesmos; que para tanto são remunerados e contam
com benefícios como adicionais de periculosidade e insalubridade.

Outro elemento que deve ser analisado neste caso, é o fato de que, a previsão de
resgate era de mais dez dias, após o vigésimo dia de confinamento, caso não
ocorressem novos deslizamentos. Sem dúvidas, este prazo culminaria por levá-los à
morte por inanição; tal como explicitado pela equipe médica.
Um fato que deve ser meticulosamente considerado, neste caso, foi a omissão do
Estado, quando os réus clamaram por aconselhamento sobre como sanariam sua
necessidade fisiológica de alimento. É no mínimo imoral e impertinente, que o
Estado se disponha a julgá-los por algo a que o próprio Estado se omitiu no
derradeiro momento. Quando os exploradores rogaram por aconselhamento,
nenhum médico, juiz, socorrista, autoridade governamental, ou representante
religioso se dispôs a auxiliá-los e aconselhá-los neste caso.

É dotado de necessidade analítica o fato de, os exploradores, primarem por uma


forma de escolha aleatória e isonômica no que concerne à determinação daquele
que serviria de alimento aos demais. Eles optaram por um sorteio utilizando dados.
O fato de ter sido a vítima aquele que propôs isto, não é pertinente para o caso.
Deve-se ressaltar, porém, que os exploradores atentaram para a equidade do
método escolhido; pois conforme o relatório, eles se ocuparam com questões
matemáticas para verificar a isonomia do processo.

O fato de Whetmore ter declinado quando do lançamento dos dados, constitui uma
complicação, mas não tende para a ilicitude, uma vez que o acordo entre eles já
havia sido lançado. Ressalta-se ainda que ele teve a oportunidade de contestar o
resultado, não o fazendo por crer na licitude do sorteio, e ante à necessidade
premente à qual ele e seus companheiros estavam submetidos.

Aqui, faz-se necessário destacar ainda, que todos eles, incluindo Whetmore estavam
sob grande pressão física e psicológica; que evocam de forma irrevogável e
incontestável o instinto de sobrevivência. Pode-se dizer, sem qualquer restrição,
que, dado seu estado físico, emocional, e psicológico, eles não se encontravam em
seu juízo perfeito quando do homicídio e do antropofagismo.

A petição do júri ao tribunal de primeira instância, para que decorresse a emissão de


uma “decisão especial”, constitui uma peculiaridade processual; uma vez que em
conformidade com o Código de Processo Penal Brasileiro, em seu art. 74, § 1º,
“Compete ao Tribunal do Júri o julgamento dos crimes previstos nos arts. 121, §§ 1o
e 2o, 122, parágrafo único, 123, 124, 125, 126 e 127 do Código Penal, consumados
ou tentados”. Compete ao júri, segundo o referido código, e conforme evidenciado
em sua seção XIII, decidir.

No caso em questão, os jurados apenas julgaram como procedentes as informações


colidas, e a veracidade do ato. E corroboraram que, o julgo sobre a autoria delitual
dos acusados ficaria ao encardo do magistrado; o que contraria os deveres do júri,
uma vez que ao conselho de sentença não cabe analisar se a pena é justa ou
injusta, se o quantum a cumprir deve ser muito ou pouco, pois a função exclusiva é
decidir se o réu é culpado ou inocente. Neste caso, houve omissão no que tange à
decisão pela culpa ou inocência dos acusados.

É ainda digno de apreciado acuro, o fato de, tanto os jurados quanto o próprio
magistrado terem endereçado petições ao chefe do Poder Executivo; clamando pela
clemência que este Poder pode conceder aos condenados. Eles peticionam ainda,
que a pena que foi imputada aos exploradores de cavernas, seja remida, ou então
seja substituída por uma outra de caráter simbólico, como a reclusão pelo período
de seis meses. Vale ressaltar ainda o fato de o Poder Executivo se manter omisso
quanto às petições, não se posicionando à respeito; fato que levou a se recorrer à
corte em que ora o processo se encontra.

A legislação que serve de alicerce para o processo de acusação dos réus é a


N.C.S.A (n.s.) § 12-A; que especifica que “Quem quer que prive intencionalmente a
outrem da vida será punido com a morte”. Nota-se ai uma fonte do direito; que é a
Lei.

O juiz Truepenny, escusando-se de apresentar criticidade sobre os fatos em


questão, decidiu por seguir a mesma linha de pensamento da instancia anterior,
mantendo a condenação e invocando a clemência do Executivo. Ele argumenta que
não há razões para não crer no deferimento de tais petições. Contudo, esta
clemência pode ser indeferida, e, neste caso, haveria o cumprimento da Lei, mas
não seria alcançada a Justiça; pois nem tudo o que é legal é moral, e nem tudo que
é legal é justo.

Cabe ressaltar que o Poder Judiciário não deve, em hipótese alguma proceder na
crença de que outro Poder Estatal faça ou deixe de fazer algo. É dever do Judiciário,
apreciar os casos que lhe são apresentados; despachar ordens aos demais poderes,
aos cidadãos, às repartições e órgãos públicos; e acima de tudo, deve primar pela
Justiça, fazendo aquilo que é correto, íntegro e direito. Deve, portanto, o Judiciário e
seus juízes, avaliar o caso, determinando a inocência ou culpabilidade dos réus, e
determinar sua libertação ou pena; e não esperar que outro Poder o faça, uma vez
que esta é sua incumbência.

Outro elemento relevante no que pertine ao voto do magistrado é a presunção de


que deve-se primar pelo fidedigno segmento à norma escrita; e que interpretá-la e
aplicá-la ao caso concreto, com todas as suas peculiaridades pode macular o texto
legislado e, eventualmente, se não que certamente, incentivar a transgressão.

2.2 VOTO DO JUIZ FOSTER

O meritíssimo senhor juiz Foster aborda, em seu texto, algo deveras relevante, e
que foi sumariamente ignorado pelos juízes que o antevieram. Além de destacar a
sordidez e a incontestável obviada solução apresentada por seus antecessores, ele
aborda que o que este caso impõe, não é o mero julgamento de quatro acusados,
mas sim, o julgo da própria legislação, se sua aplicabilidade, sua eficácia, e de sua
equidade e justiça. Com isto, o juiz Foster aponta algo extremamente relevante no
ambiente jurídico, a distinção entre justiça e legalidade.

Ao apresentar que, caso o tribunal considere os acusados culpados, o próprio


tribunal será apontado como injusto e será condenado pelo senso comum, ele
evidencia uma fonte judicial, que é os costumes. Outro aspecto apresentado pelo
magistrado é o fato de que há casos em que a lei é insuficiente para a realização da
justiça; pois quando uma lei é falha, imoral, parcial, ou apresenta qualquer tipo de
vício, “ela não incorpora os preceitos básicos para a realização da justiça”.

Um ponto abordado pelo magistrado, e crucial para o caso, é o fato de que os


acusados se encontravam fora do ordenamento jurídico positivo, e, até mesmo, fora
do Estado de Direito, como exposto por Thomas Hobbes, em sua obra O Leviatã. Os
exploradores, quando isolados do aparato e do apoio estatal, e em extremo estado
de necessidade, se encontravam em um incontestável Estado de Natureza.

Usando o campo da Filosofia do Direito, e invocando Niccolò Machiavelli, Thomas


Hobbes e Jean-Jacques Rousseau como doutrinadores neste difuso campo, tem-se
a constatação de que, quando se está inserido neste estado, o homem é como
qualquer outro animal, e vale-se de seus instintos para assegurar seu bem mais
precioso, a sua vida. Quando se encontra entronizado no Estado de Natureza, os
riscos que os homens correm são inúmeros; e por isso gozam de liberdade infinita
para defender seu bem mais precioso [se não único], a vida. A transição do Estado
de Natureza para o Estado de Direito é explicada por Rousseau, com o contrato
social, exposto em sua obra homônima. A transição para o Estado de Direito se dá
com um pacto celebrado entre as pessoas, que firma um Estado. Neste contrato fica
acertado que, as pessoas hão de ceder parte de sua liberdade, em troca da
proteção do Estado.

Analisando o que foi narrado supra com maior ênfase, a liberdade dos homens
passa a ser limitada; pois o Estado, para garantir a segurança de seus membros,
estipula regras comportamentais, e as impõe coercitivamente, a fim de possibilitar o
convívio em sociedade, o bem-estar e a ordem social. De forma complementar, o
Estado impõe sanções para a violação das normas por ele impostas, a fim de
dissuadir a prática lesiva. Mas, observa-se no ordenamento jurídico, desde seus
primórdios até o presente momento, como exposto por Hegel e Foucault, que a
punição, ad rem, se dá, não para sanar ou pugnar o ato cometido; mas para castigar
a infração à norma. Deste modo, o que se pune, não é o crime em si, mas a violação
da norma que diz que não se deve fazer algo.

Retomando ao caso, como os exploradores estavam em um estado de necessidade


indubitável, e sem o amparo do Estado, é nítido que se encontravam em um Estado
de Natureza, não sendo, portanto, passível de julgamento no ordenamento jurídico
positivado e/ou sequer deveriam estar sendo submetidos a um tribunal de um
Estado de Direito. Eles, face à sua necessidade, agiram como agiram, valendo-se
dos meios de dispunham para conseguir um bem visível futuro, ou seja, dispuseram
da vida e da carne de um deles, para conseguir a manutenção de suas vidas.

Ainda no que pertine ao contrato social, é certo que eles criaram um ‘estado próprio’
ao acordarem sobre o sorteio. Esta é ainda uma atitude enaltecedora; pois, ao invés
de definirem sumariamente aquele que seria morto para alimentar aos demais, foi
criado um sistema que permitisse uma igualdade de possibilidades, e que desse
chances iguais a todos. A deliberação acerca do sorteio com os dados, prova isto;
uma vez que a preocupação e as considerações matemáticas acerca da eficácia do
método, impõe um princípio de isonomia. A legação de que Whetmore estava
violando o acordo ao declinar de lançar os dados endossa a formação de um
contrato social entre eles.

O direito positivo, entronizado em um Estado de Direito, é aplicável apenas quando


partindo do pressuposto de que é possível a coexistência pacífica dos homens em
sociedade, sob o amparo do Estado; o que, no caso em questão é evidentemente
impossível.

Frente ao estado em que se encontravam, alheios ao aparato estatal, em premente


necessidade, entronizados em um Estado de Direito, e sob uma formação
jurisprudencial e estatal ‘própria’, é mais do que certo a aplicação da máxima jurídica
cessante ratione legis, cessat et ipsa lex (cessando a motivação da legislação, cessa
a própria norma em questão). Externa-se que, quando se encontra em um Estado de
Natureza, a legislação passível de aplicabilidade não é a de um Estado de Direito
positivo, mas sim a legislação inerente e própria das circunstâncias vivenciadas.

Como o próprio M. Juiz Foster diz em seu texto, a função do Direito é “facilitar e
melhorar a coexistência dos homens e de regular com justiça e equidade as
relações resultantes de sua vida em território comum”. Como os acusados se
encontravam em uma situação alheia à realidade onde os homens podem viver em
comum, as premissas elementares subjacentes ao ordenamento jurídico encontram-
se privadas de seu significado, de sua coercibilidade, e de sua aplicabilidade.

Percebe-se nos autos, que os exploradores, quando cometeram o ato que deu
causa ao processo, encontravam-se distantes da ordem jurídica, tanto no sentido
abstrato, em seu Estado de Natureza, quanto no sentido físico, uma vez que seu
cárcere subterrâneo os mantinham separados da sociedade, e, portanto, privados do
amparo do Estado. Para corroborar sua perspectiva, O M. Juiz Foster apresenta,
inicialmente, a doutrina, onde cita os doutrinadores do séc. XIX.

Frente a todo o exposto, há a impossibilidade de se imputar qualquer tipo de


conduta criminosa e/ou infracional aos acusados; até porque, a justificação das leis,
da autoridade e do poder, é um pacto feito para assegurar a ordem e a vida em
sociedade em dadas circunstâncias; sendo que neste caso, não se aplicavam a eles
as disposições estatais, face à realidade que vivenciavam, e sim, as que eles
próprios firmaram.

É certo que a vida humana detém um valor absoluto, e que, em condições usuais de
existência e convivência, e em situações comuns, não pode ser sacrificada em
circunstância alguma; porém, no caso em análise, este princípio não se aplica, dado
que as condições são anômalas e não usuais.
Outro aspecto levantado pelo magistrado é o fato de que o Estado adota uma
política segundo a qual os ganhos superam as perdas. Neste caso, ele defende que
seja concedida uma interpretação extensiva, disto, em favor dos acusados; onde a
perda de uma vida se deu em favor de preservar outras quatro. De forma análoga,
ele firma-se ainda na premissa de que, se riscos [sobre vidas humanas] são corridos
na sociedade (em um contexto normal), ainda mais [compreensível] que sejam
corridos tais riscos em situações desesperadoras como a vivenciada pelos réus.

Destacar a necessidade de se analisar criticamente a lei, e interpretá-la


racionalmente à luz de seu propósito evidente, é algo que se faz necessário no
direito, a fim de se alcançar a justiça. Mediante isto, uma pessoa pode contrariar a
norma legislada (lei), sem, contudo, infringir a própria legislação.

Foster respalda sua decisão, ainda, em uma série de jurisprudências do tribunal em


que exerce a magistratura. Nestas jurisprudências, constata-se que, embora os
casos sob julgamento se enquadrassem perfeitamente no enunciado literal da norma
legislada, foram reformuladas as sentenças, afastando a condenação.

Um dos princípios empregados para justificar tal proceder, foi a inexigibilidade de


conduta diversa. É, pois, mais do que certo que tal preceito jurídico se aplica ao
caso dos exploradores de cavernas; uma vez que a situação na qual se
encontravam não os deixava uma escolha diversa, e nem sequer se poderia esperar
que agissem de outra forma. Neste caso há um excludente de culpabilidade não
previsto expressamente na legislação; cuja causa é a não-exigibilidade de
comportamento lícito.

Foster defende ainda que, neste caso, deve-se aplicar por analogia os conceitos
supra mencionados, concedendo aos acusados, perdão incondicional, se é que
deveriam ser processados; pois, dados os fatos, a depender da perspectiva sob a
qual os analisa, há uma exclusão de jurisdição estatal, o que impediria a denúncia e
consequente processo. Nestes casos, rege a legislação que o juiz deve encerrar o
caso, sendo que seria como se nunca tivesse sido estabelecido o processo judicial.
Um exemplo por ele utilizado, em caráter jurisprudencial e análogo é o caso “Fehler
v. Neegas”.

Outra forma de se interpretar o caso, é pelo pressuposto da legítima defesa, na


concepção mais extensiva e dinâmica do termo; uma vez que os acusados estavam
agindo em defesa da vida deles próprios. Desta forma, há ainda um excludente de
ilicitude por legítima defesa; como a doutrina aponta, desde o direito grego e
romano.

Também é apontado por Foster que a legitima defesa, é algo que, invariavelmente, é
abarcado pela impossibilidade de conduta diversa, e que, mesmo que a norma
legislada considerasse-a como uma conduta criminosa, esta regra não poderia agir
de forma preventiva; uma vez que em face de uma ameaça à sua vida, a vítima irá
repelir seu agressor, não sendo pertinente o que a lei diz. Eis que isto é algo
instintivo que está presente em todos os animais, incluindo o homem, que face a
adversidades como as vivenciadas pelos acusados abandona, segundo Hegel, em
sua teoria lógica dos cinco estados, a alma atual […], a consciência da razão […] e a
mente livre [autoreflexividade prática]; e adentra em um estado onde se evidencia a
alma natural [qualidades físicas, alienação, sensações], a consciência de si [apetite,
recognição, consciência universal de si], e a mente prática [sentimento prático,
impulso]; dentro do campo do espirito subjetivo.

O magistrado afirma ainda que, embora o tribunal deva obedecer às normas


legisladas, os juízes devem realizar, sim, uma interpretação e criticidade quanto ao
texto da lei; adaptando-a às particularidades de cada caso que se apresenta ao
tribunal, para que ela possa ser aplicada ao caso concreto. Prova disto, é dada por
Foster ao usar uma analogia de um clichê social, transplantando-o para o hemisfério
jurídico. Ele defende ainda que “a correção de erros ou equívocos legislativos óbvios
não importa em substituir a vontade do poder legislativo, mas em fazê-la mais
eficaz”.

O meritíssimo senhor juiz Foster, declara portanto, em seu voto, “que os acusados
devem ser considerados inocentes das coautorias do crime de homicídio contra
Roger Whetmore e que a sentença de condenação deva ser reformada”.

2.3 VOTO DO JUIZ TATTING

O magistrado Tatting revelou em seu texto sua dificuldade em alienar suas


convicções pessoais e emocionais, dos aspectos intelectuais necessários à analise
justa e imparcial do caso. Para confrontar os argumentos do juiz Foster, o M. juiz
Tatting recorre a falácias, que não se aplicam a este caso, nem a nenhum outro
caso hipotético.

Tatting afirma ainda que a norma não deve ser aplicada de forma a contradizer seu
propósito; contudo, se olvida de que a norma pode estar errada, equivocada,
incompleta, ser incoerente, e acima de tudo, ser passível de interpretação. Ele
afirma ainda que “o objetivo de qualquer norma criminal é a prevenção”; muito
embora, as peculiaridades do caso devam ser consideradas para que se proceda a
um julgamento justo.

O juiz invoca a jurisprudência em seu favor; contudo os casos sobre os quais se


fundamentou no embasamento de suas colocações, não têm qualquer similitude
com o caso em questão. Ele defende ainda que, como uma espécie normativa não
tem um único propósito, mas vários, não se deve interpretá-la, para se evitar
questionamentos destes propósitos. Tatting, porém, se contradiz, ao afirmar que ao
repelir uma ameaça agressiva à própria vida, o homem age em resposta a um
impulso enraizado na natureza humana. Ele ainda aponta que os exploradores
deliberaram, embora considere isto como premeditação; sendo que, na verdade,
eles ponderavam as alternativas que tinham, e a eficácia dos métodos de que
dispunham.
Outra coisa que se percebe no texto de Tatting, é que o tribunal em que tramita o
caso, é um tribunal que pode ser considerado como vicioso em sua jurisprudência. É
certo que o papel do Judiciário, mais do que apreciar casos, é primar pela Justiça.
Na invocação à jurisprudência do caso “Commonwealth v. Valjean”, fica claro tal
vício; pois um tribunal que condena o furto famélico, é, na melhor das hipóteses,
corrupto e distorcido. Portanto, é passível de amplo questionamento ético, moral,
legal e judicial, as posturas adotadas por este tribunal, quaisquer que sejam elas.

Outra postura adotada por Tatting, e que é, no mínimo questionável, se não


inadmissível, é ele se negar a julgar. O juiz encontra-se atado à obrigação de julgar,
desde o Código de Napoleão (art. 4º), e, no direito brasileiro, pelo art. 4º da LInDB e
pelo art. 126 do Código de Processo Civil. Sendo que, mesmo que não disponha de
leis, o juiz deve julgar conforme a moral, os costumes, os princípios gerais do direito,
a analogia, a doutrina, a jurisprudência, o bom senso, o senso comum…

O M. juiz Tatting, portanto, se retirou do caso sem emitir juízo.

2.4 VOTO DO JUIZ KEEN

O meritíssimo juiz Keen aborda, inicialmente, algo louvável, que é defender a


específica divisão de poderes. Em seu texto, ele afirma que o tribunal não deve
considerar a possível clemência do Poder Executivo; pois isto é uma competência
do chefe do poder executivo, e a divisão constitucional dos poderes assegura este
distanciamento dos mesmos, não sendo, portanto, da competência do tribunal,
considerar este perdão. Ele diz ainda, que não é competência do Poder Judiciário,
tomar em consideração o que o chefe do Poder Executivo possa ou não fazer;
devendo a decisão do judiciário se dever unicamente a ele próprio, e às coisas
inerentes à ele.

Outra peculiaridade abordada por este magistrado é o fato de os acusados, segundo


a ótica do perdão passível de concessão pelo Poder Executivo, caso este
competisse a ele (o juiz), não seria uma mera redução de pena e/ou uma pena
simbólica, mas sim, o perdão total aos exploradores, por crer que “já sofreram o
suficiente para pagar por qualquer crime que possam ter cometido”. 2

Ele ressalta ainda que esta colocação/opinião ocorre enquanto cidadão comum, e
não como magistrado.

Todavia, o juiz Keen apresenta em seu texto, uma série de disparidades jurídicas,
sociais, éticas e morais. Prova disto tem-se com sua colocação de que não se deve
avaliar e/ou “decidir se o que estes homens fizeram foi justo ou injusto, mau ou
bom”. O magistrado, não apenas pode, como deve valer-se da moral, da ética, do
bom senso, do direito, do conceito de justiça, etc. para avaliar criticamente a norma
legislada; pois como a norma é criada e aplicada por humanos [que são seres
imperfeitos], ela é passível de falhas. Ressalta-se neste caso, que nem tudo o que é
legal é moral; e que a norma legislada nunca deve contrariar a moral, primando
sempre pelo bem comum e pelo justo.

Quando o magistrado afirma que os acusados privaram Whetmore de sua vida de


forma intencional, e, por isso, lhes cabe a condenação, evocando em seu endosso a
lei como fonte do direito, ele se esquece que dadas as circunstâncias em que se
encontravam, não havia outra postura a ser adotada pelos mesmos, para a
manutenção de suas próprias vidas. Há ainda o fato de que o instinto de
sobrevivência sobrepuja todos os demais sentidos [morais], quando de uma
necessidade extrema.

O juiz alega ainda que não é passível de se pleitear atribuir aos acusados, em uma
interpretação extensiva, o princípio da legitima defesa, pois, segundo ele, este
princípio somente “se aplica aos casos de resistência a uma ameaça agressiva à
própria vida de uma pessoa”. Sucede que o excelentíssimo senhor juiz Keen
esqueceu-se de considerar as circunstâncias vivenciadas pelos exploradores; uma
vez que a escassez de alimentos, luz, e sabe-se lá mais o quê; bem como o
desgaste físico, psicológico e emocional a que foram submetidos, constituiu, sem
qualquer resquício de dúvida, um caso de resistência à situação por eles vivida, e,
esta situação, era sim, uma ameaça agressiva à vida dos mesmos, e que exigia que
eles resistissem a ela, com os meios de que dispunham; quaisquer que fossem eles.

Outra postura defendida por Keen é o fato de que a lei deve ser aplicada tal qual
está escrita. Este, é, sem dúvidas, um tremendo equívoco; uma vez que a lei é
passível de interpretação para que se adeque aos casos, e, também, para que se
sanem eventuais erros e brechas que ela possa apresentar. A concessão máxima
que o M. juiz Keen faz à respeito da interpretação da norma jurídica, é que esta deve
ser contígua ao significado evidente desta.

Outro ponto que o magistrado Keen interpõe ao caso, é sua defesa quanto às
sentenças ditas severas; que segundo ele gera na população um sentimento de
responsabilidade ante a legislação. Ele alega ainda que esta legislação é uma
criação do povo [e, neste ponto está parcialmente certo, uma vez que o povo é
responsável por ela, mediante a eleição (poder de voto) que concede àqueles que
foram da escolha popular o poder de legislar e criar as leis], e ressalta ainda que,
“não há nenhum princípio de perdão pessoal que possa aliviar os erros” dos
representantes populares.

Esta colocação é, além de uma descabida falácia, algo por completo destituído de
razão. O povo, escolhe seus representantes, dada a impossibilidade de todos os
cidadãos legislarem (como em um estado anárquico); mas a sociedade, é sim
detentora de poder social e quiçá político, para contestar uma norma legislada que
se apresente errônea e/ou lesiva à ela. É, no mínimo abusivo e obsoleta a
consideração extensiva e literal do “patere quam ipse fecisti legem” (suporta a lei
que tu próprio fizeste).
Ele alude ainda que não deve haver “revisão judicial das normas legisladas, se ela
está certa ou errada, desejável ou indesejável”; devendo ela ser tomada como uma
premissa tácita subjacente ao ordenamento jurídico. Eis ai outro ledo engano, afinal,
o juiz, assim como qualquer cidadão [se não mais ainda que estes] pode e deve
avaliar a moralidade de uma lei, e se ela está certa ou errada; requisitando ao Poder
Legislativo que a altere caso ela contenha algo que seja indesejável para o bem
comum da sociedade, e para a manutenção da paz e da ordem no ambiente jurídico,
político e social.

O juiz Keen levanta uma questão [em tom de crítica], mas que permite uma análise
séria e pertinente, ao dizer “Se nós não sabemos a finalidade do § 12 – A, como
podemos dizer que haja uma possível lacuna nele?”. Muitas vezes, as pessoas, não
se preocupam com a finalidade e o propósito de determinado elemento legal. Isto é,
sem dúvida uma omissão que fere sobretudo o indivíduo e a sociedade; pois se está
escusando algo que afeta de forma direta, seu modo de agir e viver.

Isto é ainda mais grave na esfera judiciária; uma vez que este Poder é responsável
por analisar os casos que lhe são apresentados, emitir pareceres à respeito, aplicar
as normas ao caso concreto, dar a cada um aquilo que lhe é devido por direito,… O
desconhecimento dos propósitos daquela norma, e dos motivos que levaram à sua
formação, impossibilitam uma análise ampla e dinâmica de sua aplicabilidade [e das
formas de se aplicá-la]; o que pode levar à injustiça, tal como já evidenciado por
Sócrates, por volta do século V a.C., quando este afirma que “quem sabe por ouvir
dizer, age por ouvir dizer, e, quem age por ouvir dizer, é corrupto” (citação
proveniente de informação verbal). 3

O excelentíssimo senhor juiz Keen apela ainda para a analogia, a fim de consolidar
seu posicionamento; embora, como fica evidente, os alicerces de sua teoria e
argumentação se encontram tão precários que ruem ante à mais débil brisa de
raciocínio e argumentação; pois, a fim de rebater o M. juiz Keen, basta evocar René
Descartes, célebre físico, matemático e filósofo francês, em sua notória frase, que
marca o princípio desenvolvido ele, quando abandonou os princípios tradicionais da
filosofia do magister dixit, ou escolástica, para fundar o sistema conhecido como
cartesianismo. Esta frase, se encontra em sua obra Discurso sobre o Método, e
nada mais é do que a célebre “dubito, ergo cogito, ergo sum” (DESCARTES apud
MORENTE 1967) 4 – eu duvido, logo penso, logo existo -; descrito no original de
1637 na obra Discours de la Methóde como “puisque je doute, je pense; puisque je
pense, j’existe”; apresentando, em essência, um raciocínio de um silogismo
aristotélico. A nível de mera complementação, dotando-se de um caráter
vulgarmente chamado de ‘curiosidade’, segue um trecho do original, tal como
explicitado no Discurso 4 de Descartes 5 seguido pela referida tradução 6:

“Ensuite de quoi, faisant réflexion sur ce que je doutois, et que par conséquent mon
être n’étoit pas tout parfait, car je voyois clairement que c’étoit une plus grande
perfection de connoître, que de douter, je m’avisai de chercher d’où j’avois appris à
penser à quelque chose de plus parfait que je n’étois; et je connus évidemment que
ce devoit être de quelque nature qui fût en effet plus parfaite. (…) C’est à dire, pour
m’expliquer en un mot, qui fût Dieu.”

“A seguir, fazendo a reflexão sobre o fato de que eu duvido, e que por conseguinte
meu ser não era absolutamente perfeito, porque eu via claramente que era perfeição
maior conhecer do que duvidar, eu percebi que dessa reflexão concluía a existência
de algo mais perfeito que eu era; e eu claramente percebi que essa percepção vinha
de uma natureza que era de fato mais perfeita [que a minha]. (…) Para ser dito em
uma palavra, que era Deus.”

Seguindo esta linha de pensamento, deveras básico, diga-se de passagem, a


refutação dos argumentos e perspectivas levantados pelo meritíssimo senhor juiz
Keen é evidente, e incontestável, pois esta refutação evoca ‘o pensar’, que deve ser
uma premissa daqueles da lide judiciária, e da humanidade como um todo. E, esta
contestação, simples, mas dotada de primazia, é sim dotada de inquestionável
irrefutabilidade, dada sua clareza e autoafirmação.

Perpassando ainda por outra preocupação evidenciada pelo M. juiz Keen, sobre as
implicações futuras de o judiciário criar exceções interpretativas à aplicação da
legislação; pode-se afirmar categoricamente que as consequências disto, desde que
tais exceções e interpretações se deem com equidade, isonomia e moralidade, será
a elaboração de sentenças mais justas; o que fará com que “o Direito vá ao encontro
da Justiça, sendo que esta é a causa final do Direito, e sua razão de ser; o que
possibilitará dar a cada um aquilo que lhe pertence”7

O juiz Keen confirma a sentença condenatória dos acusados, e alega que sua
postura nada mais é que o fiel e estrito cumprimento à norma legislada.

2.5 VOTO DO JUIZ HANDY

O juiz Handy inicia seu texto com uma crítica ao legalismo exacerbado apresentado
por seus colegas, sobre o caso em questão; e apresenta as minúcias dos votos da
turma de juízes que se manifestaram. Ele preza ainda por uma análise da natureza
jurídica do contrato celebrado entre os acusados, e que deu início aos atos
praticados. Pode-se dizer, portanto, que o juiz Handy, em similitude com o juiz
Foster, busca aplicar a lei ao caso concreto que se apresenta ao tribunal.

O magistrado defende ainda que a problemática que pertine a eles, é deliberar


acerca do que fazer com os acusados; uma vez que eles são funcionários públicos
que devem primar pelo bem-estar social, e cujo cargo lhes dá a incumbência de
decidir o que deve suceder aos acusados, mediante a expedição de uma sentença
condenatória ou absolvedora. Ele corrobora a si mesmo, e age em uma postura
condizente com o cargo que ocupa, e com a sabedoria que se espera de um alto
dignitário do Poder Judiciário; ao alegar que a questão que se impõe ao tribunal, é
uma questão de sabedora prática, e que esta deve ser exercida na realidade
humana vivenciada, e não no campo da abstração.

O M. senhor juiz Handy expõe outro fator relevante que tem sido o foco a priori do
caso; o fato de que “o governo é um assunto humano, e que os homens são
governados não por palavras sobre o papel, mas por outros homens”. Isto prova que
não é a norma que rege a sociedade e as relações humanas, mas sim, as relações
humanas que determinam as leis. O mesmo se evidencia na aplicação das leis, que
serve para governar as relações humanas. Não é a lei ad litteram (literalmente, em
sua forma literal) que estabelece o governo dos homens; mas sim a interpretação
humana da mesma, e sua adequação às relações humanas que se evidenciam na
concretização dos fatos. Ele destaca ainda que, para que este governo se dê de
forma correta, íntegra e louvável, o que ele expõe de forma simples, com a
expressão “[…] bem governados […]” (Grifo nosso), faz-se necessário que o
governo, ou seja, os governantes e as leis, compreendam e externem os
sentimentos e concepções do povo.

Em face do exposto acima, o juiz Handy afirma ainda que o Poder Judiciário é o que
“tem maiores possibilidades de perder o contato direto com o homem comum”, se
distanciando assim do real, ao tentar se focar constantemente na norma legislada.
Outro aspecto, que também contribui para com o enunciado supra, é o fato de que o
judiciário se abstém a analisar alguns fatos, e estes compõe apenas parte do todo;
para o meritíssimo senhor juiz Handy, focar-se no tratamento destes elementos por
um tempo considerável, leva à perda da perspectiva geral, o que mitiga a essência
do processo e da justiça.

No que pertine à interpretação, o excelentíssimo senhor juiz Handy, afirma que


“sempre que houver regras e princípios abstratos […] os juristas poderão fazer
distinções […] (‘sendo’) um mal necessário que une todo regulamento formal das
condutas humanas”. Nisto nota-se que a postura humana e o que dela provém é [e
deve ser] passível de interpretação. Sendo que, para ele, as formalidades e os
conceitos abstratos constituem apenas instrumentos a serem empregados para se
alcançar a justiça; de modo que a abstração é necessária para o efetivo efeito
positivo da norma; e para que ela seja justa e equânime.

Em uma comprovação desta postura, tem-se a argumentação do magistrado, para


quem o gestor modelo é aquele capaz de de adaptar os procedimentos ao caso
concreto, e capaz se selecionar, dentre o leque de opções dos meios de que
dispõe , quais são os mais adequados para se obter os resultados pleiteados. Esta
colocação se confirma com a premissa defendida como justa, que é a adequação da
regra ao caso concreto, e a interpretação sistêmica e dinâmica da lei. Seguir tal
metodologia de procedimento apresenta como vantagens, a eficiência no
cumprimento das atribuições, e a condizência com o senso comum.

O juiz Handy defende ainda que é apenas mediante uma postura reflexiva, que se
pode manter a flexibilidade necessária para a manutenção das ações em
condizência com os sentimentos e com a vontade da sociedade que está submetida
à autoridade estatal que os funcionários do judiciário [e dos demais poderes]
representam. Ele faz ainda uma importante reflexão sobre esta temática, ao dizer
que “mais governos foram aniquilados e miséria humana mais intensa foi causada
pela ausência deste acordo entre governantes e governados do que por qualquer
outro fator que se possa discernir na história”. Este elo entre governantes e
governados evidenciado no enunciado supra é facilmente comprovado por Niccolò
Machiavelli em sua obra Il Principe – O Príncipe –8, ainda no preâmbulo do mesmo,
e mais detalhadamente em seu capítulo III.

O magistrado Handy defende ainda que, quando há uma cisão entre o povo e
aqueles que dirigem sua vida jurídica, política e econômica, há a destruição da
sociedade; razão pela qual povo e governo devem estar sempre unidos. De forma
análoga ocorre com o Direito. Da forma em que foram apresentados, não se pode
aproveitar nada do direito natural defendido pelo M. Sr. Juiz Foster, e tampouco do
direito positivo apregoado pelo M. Sr. Juiz Keen; pois estas duas vertentes do Direito
não se excluem, mas se complementam de forma intrínseca.

O meritíssimo juiz Handy apresenta ainda em seu texto a facilidade com a qual o
caso pode ser encarado e resolvido mediante o pensamento crítico, analítico e
sistêmico, alicerçado em um pensamento filosófico sólido, verdadeiro, e desprovido
de interesses que não sejam o de fazer a justiça e de se estabelecer uma equidade.
Ele também atenta para o fato de o caso possuir uma vasta repercussão pública, e
que a opinião social é, em sua suprema maioria, favorável à absolvição dos
acusados; e ainda leva em consideração o senso comum, e defende seu uso
[destaca-se que caso fosse empregado o julgo do senso comum para o caso,
ocorreria a absolvição dos acusados], juntamente com os costumes, que geraram na
sociedade esta opinião em sentido de absolver os acusados.

O juiz Handy ressalta também outro ponto importante, tanto no campo da filosofia,
quanto no da ciência política, e no do direito; que é o fato de o Estado existir para
servir ao povo. Isto se encontra arrazoado na passagem em que ele defende a
obviedade da postura a ser adotada pelo tribunal para manter a opinião do mesmo e
a opinião pública em um patamar digno e razoável na escala de valores e da
decência. A preocupação com a opinião pública também tem lugar no pensamento
do magistrado; contudo sem tolher-lhe o discernimento e a capacidade de julgo.
Prova disto tem-se em sua expressão de que o fato de o tribunal declarar os
exploradores inocentes não os coloca em um impasse capcioso no hemisfério
jurídico-social; e tampouco requer o emprego de uma interpretação normativa
contrária ao procedimento do tribunal, sendo que, caso seja necessária uma
esmiuçada demonstração da linha de raciocínio empregada, pode-se aproveitar com
louvor a segunda parte do voto do M. Sr. Juiz Foster.

Contestando toda e qualquer possibilidade de discordância para com sua postura de


acolher a opinião pública, por possíveis fundamentos de que ela é emotiva,
caprichosa e capciosa, o juiz Handy afirma que “a verdade será conhecida e que
qualquer consideração racional referente às possíveis soluções do caso será
tomada em consideração”. Ele prova, com isto, que tomar a opinião pública não
exclui a racionalidade do processo, e nem o corrompe de forma alguma. De forma
ainda mais primorosa, o magistrado expõe que mesmo ante os rígidos padrões que
imperam no antro jurídico, a emotividade, o erro, a pessoalidade e as
informalidades, podem estar presentes nos processos e nas decisões; pois o Direito
é uma ciência humana, e, portanto, é passível de falhas, erros e interpretação.

Ele afirma ainda que, caso tivesse sido informado ao júri que as condições a que os
acusados estavam sujeitos não constituíam defesa à acusação de homicídio, nem
os escusava da pena capital, este teria procedido à interpretação ou até mesmo
repúdio da norma. Isto encontra-se fundamentado no fato de que a lei existe para
servir à sociedade; e que portanto ela pode e deve ser alterada para atender às
necessidades do povo. A manipulação da norma, também é citada, com sutileza
pelo magistrado, ao afirmar que o júri não tomou tal postura, pelo fato de seu porta-
voz ser um advogado, que, valendo-se de seus conhecimentos, buscou o
subterfúgio da oratória e da dialética, para que o corpo do júri se remisse de suas
atribuições.

O M. Sr. Juiz Handy apela ainda para o senso comum e para os costumes, ao
externar a possibilidade de o representante do Ministério Público decidir fora do
tribunal o destino dos acusados, valendo-se do senso comum para fundamentar sua
decisão.

Em se tratando do poder de clemência do Poder Executivo, o magistrado desfralda


algo óbvio e imprescindível. Não há nenhum senso, lógica e sentido que um Poder
Estatal condene os acusados para que outro os ‘absolva’ [conceda clemência]
(pode-se inferir que tal colocação se funda na lógica, no senso comum, nos
costumes, na moral, e, principalmente, no bom senso).

O juiz Handy expõe ainda que, o tribunal condenar e o chefe do Executivo conceder
clemência, nada mais é do que uma forma de se proceder ao cumprimento estrito,
literal e pétreo da norma legislada; e ainda assim se alcançar a Justiça ao final.
Entretanto, ele diz ainda que se preocupar em seguir estritamente em observância à
norma escrita, é uma preocupação com os assuntos errados; pois o foco de um
tribunal deve ser a Justiça, e não o seguimento da regra legislada. Ele ainda alega
que, a preocupação com o que se pode considerar do magistrado, mediante sua
postura, não deve ser um impedimento para que ele realize aquilo que é justo; e
salienta que as praxes, formalidades e repercussões jurídicas raramente se
externam para a sociedade, e mesmo que se externassem, isto não deve ser um
elemento de refreio à execução da Justiça.

O Exmº. Sr. Juiz Handy atenta também para um fator de risco menosprezado pelos
demais magistrados; que é a possibilidade de o chefe do Poder Executivo não
conceder o perdão aos acusados ou não proceder à substituição da pena, caso o
tribunal os julgue culpados. Isto é pertinente, pois cabe única e exclusivamente ao
Poder Judiciário, apreciar um caso e emitir juízo de valor acerca dele; considerando
a culpa ou inocência dos envolvidos. Algo inovador que é apresentado pelo juiz
Handy é a consideração de fatos informais. Isto é relevante, pois, não é porque um
fato não é dotado de formalidade, que ele deixa de ser verdadeiro e importante.

Uma ação audaz e absolutamente íntegra e louvável é inovação proposta pelo juiz
Handy; que é uma análise conjunta do caso, entre os Poderes Executivo e
Judiciário. Cabe destaque que, são atitudes como esta que aprimoram o sistema
estatal, a democracia, e a sociedade como um todo. Esta ação proposta por ele,
encontra, contudo barreira na rigidez dos demais juízes em ceder a uma alternativa
como esta; muito embora ela não seja algo que diminua, tampouco que soma, mas
sim multiplica.

O M. Sr. Juiz Handy apela ainda a uma crítica sagaz à postura adotada por seu
colega Keen, sendo que, com esta crítica, a impressão moralista e rígida defendida
por este é destituída. O magistrado também vale-se da analogia e da jurisprudência,
para endossar suas posições.

É admirável a consideração feita pelo juiz Handy antes de declarar explicitamente


seu voto; pelo caráter ético e humanístico dela. Por tais razões, segue transcrita
infra (HANDY in FULLER 1999):

“O mundo não parece mudar muito mas desta vez […] se trata […] da vida ou morte
de quatro homens que já sofreram mais tormentos e humilhações do que a maioria
de nós suportaria em mil anos”

O juiz Handy conclui que os réus são inocentes do crime de que são acusados, e
defende que a sentença seja alterada.

2.6 MANIFESTAÇÃO DO JUIZ TATTING

Foi aberta nova possibilidade para que o M. Sr. Juiz Tatting se manifestasse, em
reexame à posição anteriormente assumida pelo mesmo, mas ele novamente
declinou, alegando que sua convicção de não participar do julgamento se
encontrava ainda mais consolidada

2.7 CONCLUSÃO DO CASO

Frente à divisão do tribunal, e consequente empate nos votos, fica mantida a


decisão do tribunal da instância inferior, devendo-se proceder à execução dos réus.

Vale ressaltar aqui que ainda há a possibilidade de clemência do Poder Executivo,


mas esta questão não é abordada por Fuller no livro; terminando este, com a
sentença, tendo em seus termos finais a estipulação da data da execução e a forma
como deve transcorrer. o leitor, portanto, não sabe se os réus foram executados, ou
se foram agraciados com a clemência do Poder Executivo.
3 CONCLUSÃO

O Caso dos Exploradores de Cavernas é uma obra ficcional criada por Fuller, que
possibilita um amplo debate acerca do ordenamento jurídico, da postura dos
poderes públicos e de seus representantes, da ética, da moral, e de muitos outros
temas que permeiam o universo jurídico e social simultaneamente. Um dos debates
mais profundos, passível de ser travado neste contexto, é a distinção entre
legalidade e justiça.

Nesta obra, é evidente que a norma, tal como está escrita, é ineficaz, em gerar o
justo, por si só; e que requer interpretação, análise, silogismos, e afins, para se
adequar ao caso concreto e poder assim gerar efeitos em favor da equidade. A
desvirtuação de princípios fundamentais, tanto da natureza humana quanto da
natureza jurídica fica evidente ao se analisar com mais acuro os votos dos
magistrados.

Há também a possibilidade de se confrontar diversos elementos em uma análise


desta obra literária; como a noção de direito, justiça, lei,… As fontes do direito, e os
princípios gerais do direito, assim como a analogia, têm papel de destaque na obra
de Fuller, e constituem um desafio à parte no que se refere à sua assimilação,
correta compreensão e aplicabilidade crítica em um estudo da obra.

A filosofia no campo jurídico também se evidencia de forma nítida e com especial


destaque; imperando estado de natureza e estado de direito, direito positivo e direito
natural, poder, liberdade, relações privadas, relações sociais, relações públicas,
posturas éticas, necessidades humanas, etc.

Há ainda, no livro, campo para diversas linhas de argumentação; como a absolvição


dos acusados, a condenação dos mesmos, a manutenção da pena, a substituição
desta, a concessão da clemência, a pena capital e penas alternativas,… e sobre os
mais diferentes enfoques e argumentações.

Tal como fica implícito no decorrer deste, há, neste caso, uma primazia pela
absolvição dos réus; mediante o exposto. Isto se erige fundamentalmente no estado
em que se encontravam, e na inexigibilidade de conduta diversa.

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