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POLÍTICAS PÚBLICAS E COMUNICAÇÃO EM REDE EM PROL DA

INCLUSÃO SOCIAL DOS CATADORES DE MATERIAIS RECICLÁVEIS

Pedro Ernani Kosiba 1


Gisele Danusa Salgado Leske 2

INTRODUÇÃO

O presente trabalho apresenta o contexto de lutas dos catadores de materiais


recicláveis3, esclarecendo seus limites e possibilidades diante da sociedade
contemporânea. Inserido nos estudos da bioética, traduz o anseio dos protagonistas da
cata nas dimensões da desigualdade e sustentabilidade, a partir de questões dos
movimentos sociais e sua inclusão por meio das novas mídias da sociedade em rede.
Indivíduos excluídos do mercado formal de trabalho por diversas razões, tais
como: idade avançada, êxodo rural, falta de preparação profissional ou analfabetismo,
encontram na cata de lixo uma solução para sua sobrevivência. Os catadores de
materiais recicláveis perambulam pelas cidades brasileiras e seus lixões em busca de
objetos que possam ser destinados a associações e cooperativas – responsáveis pela
reciclagem e que viabilizam posteriormente a venda do que é recolhido.
O objetivo geral da pesquisa é explicitar a organização e o desenvolvimento
desta atividade de cata e elencar a luta dos trabalhadores, a formação de entidades da
classe e do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis – MNCR, bem
como refletir acerca da influência das novas mídias e da comunicação em rede diante
desta realidade.
Apresentam-se como objetivos específicos desta pesquisa: a) evidenciar a
necessidade de reconhecimento profissional e de inclusão social; b) descrever a
possibilidade das lutas por políticas públicas em níveis Federal, Estadual e Municipal;

1
Mestre em Educação. Membro do Centro de Apoio aos Catadores de Materiais Recicláveis Santo Dias 19,
participante e Fundador da Associação dos Catadores de Materiais Recicláveis Novo Amanhecer desde
1992.
2
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Sociedade da Universidade Federal de
Juiz de Fora (UFJF), na Linha de Pesquisa de Cultua, Narrativas e Produção de Sentido. Graduação em
Comunicação Social – PUC- PR (2010). Pesquisador técnico da Universidade Tuiuti do Paraná.
Experiência na área de Comunicação, com ênfase em Relações Públicas e Sociedade, atuando
principalmente nos seguintes temas: comunicação social, interações sociais, movimento estudantil,
relações públicas e cidadania.
3
Catadores de Materiais Recicláveis – Serão utilizados neste texto os termos “catadores” ou
“trabalhadores” da cata.
c) refletir a formação dos catadores no âmbito da educação e da segurança do trabalho e
d) analisar os efeitos da comunicação em rede no reconhecimento social da atividade.
Trata-se de uma pesquisa de cunho bibliográfico e participante, a qual se divide
em quatro subcapítulos. O primeiro trata dos Catadores de Materiais Recicláveis e seu
desenvolvimento organizacional ao formarem entidades de classe (associações e
cooperativas) no intuito de alcançar a dignidade e melhores condições de vida, além de
refletir acerca do surgimento do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais
Recicláveis – MNCR.
O segundo subcapítulo tece sobre o trabalho dos catadores nos pequenos e
grandes centros urbanos e as dificuldades encontradas no dia a dia da atividade, além de
retratar as variações do lixo recolhido. O terceiro capítulo discorre sobre as principais
lacunas da vida dos catadores: a educação – visto que muitos são analfabetos – e a
questão da segurança do trabalho, já que a maioria dos catadores não utiliza os EPIs 4 e
nem recebe formação sobre esta questão.
E enfim, no quarto subcapítulo apresenta-se uma breve análise acerca da relação
entre as novas mídias da sociedade em rede e os catadores de recicláveis. Atenta-se para
a influência da comunicação em rede no desenvolvimento de ações benéficas ao
MNCR, bem como retrata-se a interação entre a sociedade e os profissionais da cata,
visando o seu reconhecimento social.

MOVIMENTO NACIONAL DOS CATADORES DE MATERIAIS


RECICLÁVEIS – MNCR

No Brasil de 1950, o processo de industrialização se intensifica por meio de


investimentos e subsídios por parte do Estado, iniciativas privadas locais e
internacionais. Enquanto isso, milhares de brasileiros saem de suas terras e migram
para os centros urbanos em busca de empregos e novas oportunidades. Esse contingente
migratório somado às dificuldades das cidades em desenvolvimento dá origem a uma
demanda por alternativas de sobrevivência. Pode-se afirmar que, diante deste cenário,
surgem os primeiros catadores, pois,
Desde a década de 50 pelo menos, no Brasil, é conhecido o trabalho de
catação, ou trabalho cotidiano de pessoas que saem às ruas, para, por meio da

EPIs – Equipamentos de Proteção Individual


4
coleta seletiva dos resíduos sólidos garantir seu próprio sustento, bem como o
sustento de sua família (SILVA, 2006, p. 11).

Os trabalhadores que vivem da cata de materiais nos centros urbanos brasileiros


são em suma: desempregados, classificados como mão de obra excedente ou não
qualificada, principalmente no caso de indivíduos provenientes das áreas rurais que
encontram dificuldade de acesso ao trabalho formal e são marginalizados pela sociedade
urbana. Muitos consideram que os catadores “são miseráveis, semianalfabetos e,
embora marginalizados, não são marginais. São pessoas que trabalham em condições
extremamente adversas, num ambiente de alto risco” (ABREU, 2001, p. 33).
Excluídos da sociedade e sem provisões de melhorias, muitos que buscavam
empregos formais encontram na cata uma opção de sustento. Em pleno crescimento dos
centros urbanos brasileiros, a sociedade produz imensa quantidade de lixo e,
inconsciente e simultaneamente, “produz” também a classe que o cata. A igreja católica,
na figura de suas senhoras mais dedicadas às ações sociais, em contato com os
moradores de rua, incentiva a desenvolver a coleta do lixo:
No início dos anos 80, na cidade de São Paulo, há muito, que um grupo de
religiosas que trabalhava com pessoas que viviam nas ruas do centro da
metrópole havia percebido uma população, que mesmo sendo conhecida
como ‘moradores de rua’, buscava sua subsistência nos resíduos que eram
descartados pelas casas, pelas indústrias e pelo comércio da região: esses
resíduos secos, papelão, latas, alumínio, vidros e plásticos eram geralmente
comercializados com intermediários, para posteriormente serem revendidos a
indústrias (SILVA, 2006, p. 13).

Há catadores que coletam materiais recicláveis nas ruas e há aqueles que


selecionam materiais despejados nos lixões. Entre eles existem diferenças fundamentais,
principalmente com relação à solidariedade. Enquanto nos lixões a solidariedade se faz
mais presente, na atividade de rua é “cada um por si”.
Em ambos os casos, entretanto, promover a auto-organização dos catadores
supõe uma intervenção social de fôlego que passa pela sensibilização para a
organização coletiva, capacitação profissional, alfabetização, formação
associativista e cooperativista e apoio as iniciativas (ABREU, 2001, p. 34).

Coletivamente os trabalhadores da cata obtêm melhores rendimentos, causam


impactos na autoestima pessoal e buscam a valorização dos materiais encontrados no
lixo, com uma perspectiva econômica e social. Isso só é possível por meio de entidades
de classe, como as associações ou cooperativas, as quais recebem doações que
oportunizam a aquisição de equipamentos como, por exemplo: prensa, balança,
trituradores de papéis e demais equipamentos que transformam os materiais coletados,
agregando valor ao produto que será comercializado. Nos anos de 1990, as comunidades
de catadores ganham força e fazem sentir sua presença nos grandes centros urbanos a
partir de associações e cooperativas em diversas cidades brasileiras.
É interessante notar que, quando eles se organizam coletivamente, tendem a
dar uma atenção maior ao material coletado. Muitos falam que, depois que
começaram a participar da associação ou cooperativa, se preocupam em catar
um ‘material mais limpo’ (GONÇALVES, ABEGÃO, 2012, p. 10).

A presença de associações e cooperativas em diversas cidades brasileiras trouxe


a necessidade de uma organização a nível nacional. Assim, a partir de 1999 surgem
encontros e congressos que culminam na formação do Movimento Nacional de
Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) que passa a realizar diversos eventos no
intuito de fortalecer a classe:
Em 1999 foi realizado o Primeiro Encontro Nacional de Catadores de Papel.
Em 2001 aconteceu o Primeiro Congresso Nacional de Catadores de
Materiais Recicláveis, em Brasília, e em 2003 foi realizado o Primeiro
Congresso Latino-Americano de Catadores de Materiais Recicláveis em
Caxias do Sul. O Segundo Congresso Latino-Americano aconteceu em 2005
e, em 2006, mais de 1.200 catadores marcharam até Brasília, levando
demandas ao Governo Federal e exigindo a criação de postos de trabalho em
cooperativas e associações, bases orgânicas do movimento. (BORTOLI,
2009, p. 106)

Em 2005, no estado de Minas Gerais, surge o maior exemplo de organização em


associações e cooperativas: uma fábrica dirigida por catadores. Assim, registra-se um
largo passo na caminhada pelo reconhecimento desses trabalhadores que passam a
gerenciar todo o processo, desde a coleta até a venda dos materiais após sua reciclagem.
Será inaugurada hoje (05/09/2005) em Belo Horizonte a primeira fábrica de
reciclagem da América Latina dirigida por catadores de lixo. O projeto
envolve oito associações de catadores, que passam a controlar toda a cadeia
produtiva: da coleta à comercialização, passando pela transformação de
garrafas e embalagens em novos produtos de plástico (MINUANO,
GONÇALVES, 2012).

Já no Primeiro Congresso Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis


(2001) são estabelecidos cinco objetivos norteadores das reivindicações do Movimento
Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis – MNCR:
1.A coleta de materiais recicláveis feito por catadores. Pela não privatização
do lixo; 2. O pagamento aos catadores pelos serviços de coleta de materiais;
3. O controle dos catadores sobre a cadeia produtiva de materiais recicláveis.
4. A conquista de moradia, saúde, educação, creches para os catadores e suas
famílias. 5. O fim dos lixões e sua transformação em aterros sanitários, com o
devido deslocamento dos catadores para galpões que garantam a
sobrevivência digna de todos. (PANGEA5, MNCR, 2008, p. 18)

5
PANGEA – Centro de Estudos Socioambientais. http://www.pangea.org.br/, acessado em 30/10/2012.
Os direitos humanos se tornam presentes nos objetivos do MNCR, que busca a
sobrevivência e a dignidade humana por meio de suas lutas. É um grupo enorme de
trabalhadores sujeitos a péssimas condições de vida e invisíveis para a sociedade e a
esfera pública. Uma das principais bandeiras de luta levantada pelo MNCR é a
reinvindicação de políticas públicas que garantam melhorias significativas na vida dos
catadores, como se apresenta no artigo a seguir:
6.2 – Participar das discussões para construção de Políticas Públicas nos
âmbitos Municipal, Estadual e Nacional tendo como referência a postura do
Movimentos Nacional dos Catadores(as) expressa na Carta de Brasília, Carta
de Caxias e a Declaração dos Princípios, Objetivos e Bases de Acordo do
MNCR (MNCR, 2005, p. 14).

A organização a nível nacional facilita o intercâmbio entre os diversos


movimentos estaduais, as associações e cooperativas, no sentido de efetivar e obter
informações sobre os projetos de políticas públicas em andamento, conforme §: “6.3 –
Criar meios para estabelecer intercâmbios e trocas de informações sobre Políticas
Públicas com Bases Orgânicas promovendo uma rede de discussão e articulação entre
elas” (MNCR, 2005, p. 14).
A declaração de princípios e objetivos do MNCR exige de todos(as)
catadores(as), auxílio na luta pelos seus direitos, por meio de duas prioridades
destacadas no Artigo 1º:
[...] trabalha pela ‘autogestão 6 e organização’ dos catadores através da
constituição de ‘Bases Orgânicas’ [...], juntamente com o dever do catador
com Base Orgânica, que é apoiado por um critério de ‘democracia direta’ 7 em
que todos têm voz e voto nas decisões, conforme critérios constituídos nas
bases de acordo (MNCR, 2005, p. 6).

O Primeiro Congresso Nacional de Catadores de Recicláveis realizado em 2001


forçou o governo a reconhecer o profissional da cata de materiais recicláveis e assim
eles conquistam seu espaço na Classificação Brasileira de Ocupações – COB. A partir
de 09 de outubro de 2002, os catadores são reconhecidos como profissionais, por meio
de Portaria Interministerial sob o registro Nº 5192-05, por intermédio da Portaria
Ministerial 397. No documento, são descritos como aqueles que: “Catam, selecionam e

6
‘Autogestão’ - é a pratica econômica em que os trabalhadores são donos das ferramentas e equipamentos
de produção. Autogestão é o modo de organizar o trabalho, o planejamento e a execução sob controle dos
próprios trabalhadores. (MNCR, p. 06, 2005)
7
‘Democracia Direta’ – é a forma de decisão tomada pela participação coletiva e responsável da base.
Uma decisão pode ser feita por consenso ou por maioria dos votos, mas sempre deve respeitar antes de
tudo a exposição das ideias e o debate. .(MNCR, p. 06, 2005)
vendem materiais recicláveis como papel, papelão e vidro, bem como materiais ferrosos
e não ferrosos e outros recicláveis” (BARROSO, 2008). É importante ressaltar que
A luta para que a atividade de catação exista como categoria profissional traz
consigo uma certa vitória do império da necessidade. Os catadores se
organizaram na tentativa de conquistar melhorias para aquela que talvez seja
a única atividade que lhes foi permitido exercer (GONÇALVES, ABEGÃO,
2012, p. 18).

Esta conquista por parte do MNCR, através da regulamentação da Portaria Nº


397 é importantíssima e sugere ao Movimento a busca das reivindicações para as
políticas públicas no sentido de uma qualidade de vida com saúde, previdência,
educação, habitação e etc., e melhoria em seus ambientes de trabalho. Ainda que o
exercício da função não exija, formalmente, determinados conhecimentos técnicos, as
associações se mantém na luta pelos direitos da classe, e proporcionam, na medida do
possível, melhorias para o trabalhador, pois
O acesso ao trabalho é livre, sem exigência de escolaridade ou formação
profissional. As cooperativas de trabalhadores ministram vários tipos de
treinamento a seus cooperados, tais como cursos de segurança no trabalho,
meio ambiente, dentre outros (SILVA, 2006, p. 17).

De qualquer forma algumas associações e cooperativas de catadores têm


buscado formações diversificadas, sempre no sentido de melhora de vida. A maioria dos
catadores não está vinculada a associações ou cooperativas, e não tem acesso à
formação em segurança do trabalho e meio ambiente. No Brasil, a quantidade de
trabalhadores dependentes da cata é enorme e, conforme publicado em 2006 por
Medeiros e Macedo: “estima-se que o número de catadores de materiais recicláveis seja
de aproximadamente 500.000, estando 2/3 deles no Estado de São Paulo”.
As políticas públicas em relação aos catadores não se evidenciaram, mas o
movimento conta com o apoio de ONGs8 e entidades de reciclagem. Como avanço, tem-
se que o governo federal editou o Decreto Nº 5.940/06, a Lei Nº 11.445/07, o qual
institui que a separação dos resíduos recicláveis seja realizada pelos órgãos e Entidades
de Administração direta e indireta determinando que a sua destinação seja para as
associações e cooperativas de catadores de materiais recicláveis. Na questão social e
urbana do decreto 5.940/06, observa:
Art. 6o Os órgãos e entidades da administração pública federal direta e
indireta deverão implantar, no prazo de cento e oitenta dias, a contar da
publicação deste Decreto, a separação dos resíduos recicláveis descartados,
na fonte geradora, destinando-os para a coleta seletiva solidária, devendo

8
ONGs – Organizações Não Governamentais.
adotar as medidas necessárias ao cumprimento do disposto neste Decreto.
(BRASIL, 2012)

A Lei representa pouco perto das carências dos trabalhadores de cata, no entanto, essa
iniciativa colabora no sentido de facilitar a reciclagem e o melhoramento de vida dos
catadores.
O trabalho com a cata de materiais recicláveis tem sua importância reconhecida
perante toda a humanidade em 1992, durante a Rio-92 9, com o lançamento da Agenda
2110. Este documento estabelece um compromisso para que cada país reflita, global e
localmente, sobre como cada setor da sociedade deve cooperar na elaboração de
soluções para os problemas socioambientais.
No mundo inteiro, a nova ordem é minimizar o lixo. No Brasil, essa questão
foi mais difundida na Agenda 21, documento elaborado por 170 países que
participaram da ECO-92 no Rio de Janeiro. Nesse documento, foi
estabelecido o princípio dos 3 Rs: Reduzir o consumo de produtos e o
desperdício de materiais; Reutilizar e Reciclar os materiais (ABREU, 2001,
p. 27).

A reciclagem é uma necessidade para a sociedade atual e tornar-se-á essencial


para buscar o equilíbrio ou minimamente a diminuição do impacto do consumismo
presente no mundo. O trabalho dos catadores se mostra extraordinariamente útil e
“desejado” do ponto de vista da preservação ambiental e limpeza urbana.
Partindo deste conhecimento histórico sobre os catadores de recicláveis no
Brasil, no próximo subcapítulo, será apresentado o Trabalho dos Catadores de Materiais
Recicláveis.

TRABALHO DOS CATADORES DE MATERIAIS RECICLÁVEIS

9
A Organização das Nações Unidas – ONU realizou, no Rio de Janeiro, em 1992, a Conferência das
Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD). A CNUMAD é mais
conhecida como Rio 92, referência à cidade que a abrigou, e também como “Cúpula da Terra” por ter
mediado acordos entre os Chefes de Estado presentes (Ministério do Meio Ambiente, Disponível em
http://www.mma.gov.br/responsabilidade-socioambiental/agenda-21/agenda-21-global, acessado em
Abril de 2014)
10
179 países participantes da Rio 92 acordaram e assinaram a Agenda 21 Global, um programa de ação
baseado num documento de 40 capítulos, que constitui a mais abrangente tentativa já realizada de
promover, em escala planetária, um novo padrão de desenvolvimento, denominado “desenvolvimento
sustentável”. O termo “Agenda 21” foi usado no sentido de intenções, desejo de mudança para esse novo
modelo de desenvolvimento para o século XXI (idem).
O trabalho dos catadores é essencial na coleta de papel e papelão, pois quanto
maior for a coleta nas ruas, escolas, empresas, lojas e etc., menor será a quantidade de
árvores derrubadas. A reciclagem auxilia também na redução de gasto energético, pois
“A reciclagem de uma tonelada de produto economiza matéria prima fornecida, em
média, por quinze troncos de eucalipto. Esse processo possibilita, ainda, a redução do
consumo de energia elétrica nas instalações industriais” (RODRIGUES, CAVINATTO,
2008, p. 73). Os papéis e papelões reutilizados podem ser novamente aproveitados,
assim torna-se evidente que o reaproveitamento dos resíduos sólidos auxilia na
preservação ambiental e nessa história os catadores são os protagonistas em prol do
meio ambiente.
No mercado são encontrados diversos produtos advindos da reciclagem. Todo o
material coletado, ao ser reciclado, transforma-se em diversos itens presentes em nosso
dia a dia, reforçando a ideia de que
Atualmente, há necessidade de artigos feitos a partir de material reciclado:
cartões de visita, convites de casamento, cúpulas de abajur, revestimentos de
paredes e até mesmo agendas e revistas. Mas a maior parte do material
reciclado é empregada para fazer embalagens, como caixas de ovos, e papel
absorvente (papel higiênico, lenços e toalhas) (RODRIGUES, CAVINATTO,
2008, p. 73).

Além da cata e da reciclagem do papel e papelão, há a possibilidade de reciclar


também o vidro. Lembrando que
O reaproveitamento do vidro também reduz o consumo de energia, pois a
temperatura necessária para derreter os caquinhos é 20% menor que aquela
consumida para fundir areia. A energia economizada com a reciclagem de
uma única garrafa dá para manter acesa, por quatro horas, uma lâmpada de
100 watts”. (RODRIGUES, CAVINATTO, 2008, p. 76).

Ressalta-se que grande parte do lixo das cidades não recebe tratamento
específico e consequentemente o material reciclável se deteriora junto ao lixo orgânico e
acaba poluindo o meio ambiente. Nesse sentido, ressalta-se a separação dos materiais
coletados por parte dos catadores, evitando que sejam descartados de modo incorreto.
Os termos ‘lixo’ e ‘resíduos sólidos’ são sinônimos abrangendo os materiais
descartados pelas atividades humanas. De acordo com Rodrigues Cavinatto (2003) “A
palavra lixo, derivada do termo latim lix, significa ‘cinza’”, já no dicionário da Língua
Portuguesa, o termo “lixo” tem outro significado: “Aquilo que se varre da casa, do
jardim, da rua, e se joga fora; entulho. Tudo que não presta e se joga fora” (FERREIRA,
2004, p. 1222).
O lixo, aquilo que se joga fora, a maior parte é destinada para lixões 11 ou aterros
sanitários12, não há um projeto nacional para separação dos materiais no momento do
descarte. Conforme pesquisa nacional de saneamento básico do ano de 2000, realizada
pelo IBGE13:
Em 2000, o lixo produzido diariamente no Brasil chegava a 125.281
toneladas, sendo que 47,1% era destinado a aterros sanitários, 22,3% a
aterros controlados e apenas 30,5% a lixões. [...], mais de 69% de todo o lixo
coletado no Brasil estaria tendo um destino final adequado, em aterros
sanitários e/ou controlados. (IBGE, 2012)

Percebe-se que a maior parte do lixo produzido no Brasil vai para lixões e
aterros sanitários. Nestes locais não há formalidade na separação dos materiais, o que
ocorre, de fato é o trabalho de separação por parte dos catadores, sob duras condições de
trabalho, sem estrutura adequada e cuidados com sua saúde. Sobre a própria vida e
atividade, o MNCR afirma:
Hoje somos centenas de milhares de pessoas que trabalham duramente
coletando materiais recicláveis. Somos famílias inteiras que catam os
materiais recicláveis nas lixeiras de ruas, casas, condomínios e pontos
comerciais ou nos lixões, fazendo a verdadeira coleta seletiva. (PANGEA
MNCR, 2008, p. 04)

Os trabalhadores que realizam a cata em lixões se deparam com o lixo


residencial, comercial e também químico/hospitalar (composto de algodão, seringas e
frascos de remédio, etc). Dessa forma, sujeitam-se a muitas doenças, provenientes da
contaminação dos resíduos hospitalares, com composição de elementos químicos. Além
disso, estão a mercê de acidentes de trabalho que podem ser agravados devido a
contaminação do lixo. Busca-se a eliminação dos lixões das cidades por meio de
alternativas de viabilização dos resíduos sólidos 14 e a partir de 2010, instituído pela Lei

11
Lixão é uma área de disposição final de resíduos sólidos sem nenhuma preparação anterior do solo. Não
tem nenhum sistema de tratamento de efluentes líquidos - o chorume (líquido preto que escorre do lixo).
Este penetra pela terra levando substancias contaminantes para o solo e para o lençol freático. Moscas,
pássaros e ratos convivem com o lixo livremente no lixão a céu aberto, e pior ainda, crianças,
adolescentes e adultos catam comida e materiais recicláveis para vender. No lixão o lixo fica exposto sem
nenhum procedimento que evite as consequências ambientais e sociais negativas.
http://www.lixo.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=144&Itemid=251. Acessado em
01/12/2012.
12
Aterros Sanitários - é um espaço destinado à deposição final de resíduos sólidos gerados pela atividade
humana. Nele são dispostos resíduos domésticos, comerciais, de serviços de saúde, da indústria de
construção, e também resíduos sólidos retirados do esgoto. http://pt.wikipedia.org/wiki/Aterro_sanit
%C3%A1rio. Acessado em 27/11/2012.
13
IBGE – Instituto de Brasileiro de Geografia e Estatística. http://www.ibge.gov.br/ . acessado em
26/11/2012.
14
Os resíduos sólidos são partes de resíduos que são gerados após a produção, utilização ou
transformação de bens de consumos (exemplos: computadores, automóveis, televisores, aparelhos
celulares, eletrodomésticos, etc). http://www.suapesquisa.com/o_que_e/residuos_solidos.htm, acessado
em 29/10/2012.
Nº 12.305, de 2 de agosto de 2010 no seu Art. 3o Para os efeitos desta Lei, entende-se
por:
§VII - destinação final ambientalmente adequada: destinação de resíduos que
inclui a reutilização, a reciclagem, a compostagem, a recuperação e o
aproveitamento energético ou outras destinações admitidas pelos órgãos
competentes do Sisnama15, do SNVS16 e do Suasa17, entre elas a disposição
final, observando normas operacionais específicas de modo a evitar danos ou
riscos à saúde pública e à segurança e a minimizar os impactos ambientais
adversos. (BRASIL, 2010)

Cada vez mais os resíduos sólidos tenderão a ser reciclados, os lixões a céu
aberto estão sendo desativados e os aterros sanitários somente serão utilizados em
situações de não reciclagem dos materiais. Os órgãos públicos deverão forçar a
reciclagem da maioria dos materiais, com exceção do lixo nuclear, lixo hospitalar e as
baterias, lâmpadas e etc. Materiais como baterias, lâmpadas e alguns sprays serão
reenviados as empresas produtoras.
Em Curitiba, segundo o coordenador do Instituto Lixo e Cidadania, Sérgio
Roberto Faria, são os catadores os responsáveis pela maior parte da coleta do lixo
colocado nas portas ou calçadas das residências e casas comerciais. ‘Cerca de 92% do
que é separado são eles que coletam. O programa municipal foi novidade quando
lançado em 1989, hoje é deficitário’, afirmou. Criou-se então um novo aterro sanitário
que atende 15 municípios da área metropolitana de Curitiba, o qual está situado no
Município da Fazenda Rio Grande pois a “Grande Curitiba” produz diariamente 2,4 mil
toneladas de lixo e desse total, 1,8 mil toneladas vão para o Aterro Sanitário da
Caximba18, na região metropolitana da capital. Portanto, percebe-se que cerca de 600
toneladas de lixo são coletadas pelos catadores todos os dias. Vale ressaltar que em
2009, pelas informações prestadas por Faria ‘atualmente em Curitiba e região
metropolitana há cerca de 15 mil catadores’ (NÓRCIO, 2009).
Os catadores realizam grande parte do trabalho ecologicamente correto de
separação e reciclagem. “A preocupação com a possibilidade de escassez ou até mesmo
inexistência de recursos fez com que a reciclagem do lixo se tornasse uma das
possibilidades de solução para a grande quantidade de resíduos gerados diariamente
15
SISNAMA - Sistema Nacional do Meio Ambiente
16
Anvisa - Instituição - Sistema Nacional de Vigilância Sanitária
17
Suasa - Ministério do Desenvolvimento Agrário
18
Caximba - recebe resíduos de 14 municípios da Região Metropolitana de Curitiba, a saber: Almirante
Tamandaré, Araucária, Campina Grande do Sul, Campo Largo, Campo Magro, Colombo, Contenda,
Fazenda Rio Grande, Itaperuçu, Pinhais, Piraquara, São José dos Pinhais, Mandirituba e Quatro Barras.
Desativado em 15 de abril de 2009. http://www.curitiba.pr.gov.br/conteudo/aterro-sanitario-smma-
secretaria-municipal-do-meio-ambiente/454.
pela população” (GONÇALVES, ABEGÃO, 2012). Com relação ao volume de
material:
Apesar de todas as dificuldades, esses trabalhadores informais dos lixões e
das ruas das cidades são hoje os responsáveis por 90% do material que
alimenta as indústrias de reciclagem no Brasil, fazendo do nosso país um dos
maiores recicladores de alumínio do mundo (ABREU, 2001, p. 34).

Além do fornecimento de matéria prima para a indústria proveniente do lixo, a


atividade de catador se torna importante, mantém as ruas “limpas”, reduzindo a
quantidade de papéis, plásticos, metais e vidros. Assim, os catadores auxiliam na não
proliferação de doenças, diminuição dos ratos, mosquitos, baratas e evitam transtornos
conseqüentes de alagamentos:
Seu trabalho, importante em vários vértices, não só têm impacto direto na
coleta seletiva diária do lixo nos grandes centros urbanos e o consequente
desvio cotidiano dos aterros sanitários, o que prolonga a vida dos mesmos,
mas também acaba por originar um ciclo que poupa os recursos ambientais,
prolongando na reutilização dos materiais recicláveis sua vida útil. Assim o
catador, não é apenas aquele trabalhador que tem na catação sua
sobrevivência, mas sim um agente ambiental consciente e ativo, que
rompendo com o ciclo de desperdício, característico da industrialização cada
vez mais, imprime uma lógica e novo modo de pensar a relação com as
diversas instâncias de governação, incluindo-se o próprio mercado, pois
exige desse o comprometimento e a responsabilidade de reutilização dos
resíduos que ele mesmo gerou (SILVA, 2006, p. 30).

A cata do material reciclado colabora com a diminuição dos gastos dos


municípios. Aumenta o tempo de vida dos aterros sanitários e lixões, pois segundo os
próprios catadores
É a partir do nosso trabalho que os aterros sanitários das cidades têm uma
vida útil maior. É a partir do nosso suor que as prefeituras municipais
economizam no serviço de coleta de lixo convencional, pois menos toneladas
de resíduos são pesadas. Com isto é menor o custo da fatura a ser paga pelas
administrações municipais, e por consequência por todos os cidadãos que
pagam impostos. É a partir da nossa luta que a sociedade se beneficia com
um ambiente urbano mais de qualidade de vida. (PANGEA MNCR, 2008, p.
05)

O trabalho de catador é bastante dificultoso e pouco reconhecido, como


demonstra Átila Alberti: “um carrinheiro, que chega a andar mais de 20 quilômetros
diariamente, folgando apenas no domingo, ganha em média R$ 200,00 mensais” (2009).
Atualmente o valor se encontra na faixa dos R$ 500,00 mensais, muito pouco para
atingir um nível satisfatório de vida aos catadores, lembrando que:
São horas e horas de trabalho duro nas ruas ou nos lixões, sendo que ao final
do dia o catador repassa a maior parte do valor gerado pelo seu trabalho para
o atravessador, que por sua vez remunera o catador a preços irrisórios, sem
contar que também lucra com o aluguel das carroças que aluga para os
catadores. Alem disso não precisa nem dizer que as condições de trabalho são
precárias envolvem muitas vezes a exploração infantil. (PANGEA MNCR,
2008, p. 08)

Nem tudo encontrado nos lixos das ruas, lixões ou mesmo o lixo a ser triado nos
barracões pode ser reciclado, pode-se destacar os objetos pessoais como: escova de
cabelo, tênis, guarda-chuva, caneta e até sujeira recolhida do quintal e embalagens cuja
composição não permite utilização como matéria prima. (RODRIGUES, CAVINATO,
2008) Esse catador sabe reciclar, triar os diferentes metais, os diferentes papéis e
plástico, necessita de mais formação, saber ler, escrever e ter segurança do trabalho,
como será visto no próximo subcapítulo.

EDUCAÇÃO E SEGURANÇA DO TRABALHO

Em estudo realizado em Porto Alegre sobre o perfil sócio educacional da


população de catadores organizados em cooperativas, associações e grupos de trabalho,
descobre-se:
Dos entrevistados, 95,3% afirmam que não desenvolvem, atualmente,
nenhuma atividade de âmbito educativo, sejam cursos e oficinas de formação
ou complementação de escolaridade. Em relação à formação realizada no
passado – escolaridade (levando em conta à faixa etária dos entrevistados),
96,9% afirmaram que tiveram algum contato com a escola em suas trajetórias
de vida, mas apenas 18% concluíram o Ensino Fundamental e 7% o Ensino
Médio. Nesta população, 32% tiveram formação até a 4ª série do Ensino
Fundamental (séries iniciais), e 28% pararam de estudar entre a 5ª e 7ª séries.
(LISBOA, PINHEIRO, AMARAL, CARGNIN, 2009, p. 17)

Em relação aos filhos dos catadores, os pais pretendem aos filhos, a


escolarização para terem uma vida mais digna. No entanto, os filhos dos catadores têm
dificuldades de prosseguir seus estudos:
Tendo em vista as faixas etárias mais presentes entre os filhos dos
catadores/recicladores (entre 6 e 17 anos), justifica-se o fato de, na
escolaridade, apresentarem maior incidência os que estudam entre a 1ª e 4ª
séries (47% e 5ª a 8ª séries (25%). Também é significativo o número
daqueles que participam de atividades de educação infantil (23%). A
presença de filhos menores de 10 anos (49%) surge como umas das
justificativas de permanência no trabalho de reciclagem, principalmente por
parte das mulheres, pois os trabalho nas associações possibilita um
acompanhamento maior dos filhos e da família pela proximidade da
residência e pela flexibilidade das relações de trabalho nas unidades.
(LISBOA, PINHEIRO, AMARAL, CARGNIN, 2009, p. 21)
Nem todos os filhos conseguem terminar o Ensino Fundamental, talvez pela
necessidade de sobrevivência, determinada pela desigualdade social. Os filhos dos
trabalhadores da cata têm grandes dificuldades de realizarem o segundo grau:
Percebemos que há predisposição destas famílias em garantir a permanência
dos filhos na escola (e não no trabalho), mas, assim mesmo, os dados
sugerem repetência escolar e baixa escolaridade (apenas 5% dos filhos estão
no Ensino Médio). (LISBOA, PINHEIRO, AMARAL, CARGNIN, 2009, p.
22)

As associações e cooperativas realizam palestras sobre diversos assuntos, como:


saúde, em especial saúde da mulher, política, alimentação, por exemplo, de acordo com
os princípios do MNCR: “3.6 – Ocupar-se com a capacitação continua dos (as)
integrantes das Bases Orgânicas, criando programas internos para sua formação política,
administrativa e operacional”. (MNCR, 2005, p. 11)
A formação auxilia na melhoria da qualidade de vida e também proporciona
resultados positivos nas atividades diárias dos trabalhadores e na busca de seus direitos
conforme estabelece o § “3.8 – Promover o protagonismo dos (as) catadores (as) de
materiais recicláveis por via da ação direta na luta para conquistar direitos relativos a
saúde, habitação, lazer, educação, segurança e desenvolvimento social” (MNCR, 2005,
p. 11)
Em relação à educação dos filhos dos catadores, nas décadas dos anos de 1990 e
2000, muitas escolas públicas não os aceitavam, por não disporem de materiais e
uniformes escolares. Segundo Abreu, “o atendimento escolar para as crianças do lixo
precisa ser diferenciado, com estímulo e atendimento especial e apoio para aquisição de
material escolar” (2001, p. 51). Atualmente, muitas associações e cooperativas recebem
auxílios de empresas e verbas no sentido de alimentarem os próprios catadores e os seus
filhos e esta alimentação é fornecida nos refeitórios das entidades. Os estudantes (filhos
dos catadores) recebem uniformes e material escolar. Como os trabalhadores da cata
apresentam baixa escolaridade e muitos apenas conhecem os símbolos das letras, eles
têm seus próprios conhecimentos para sobreviver:
Os catadores, embora pobres e semianalfabetos não são destituídos de
conhecimento e de habilidades, ao contrário, são fonte de conhecimento e de
sabedoria e tomam decisões baseadas numa compreensão e avaliação
precisas de suas necessidades. Deve-se ter respeito à capacitação dos próprios
catadores para gerar trabalho e renda e novas condições de vida a partir da
experiência construída por eles mesmos, traçando com eles saídas para a sua
situação de exclusão social. (ABREU, 2001, p. 30)
Com relação à segurança do trabalho, os trabalhadores formais, ou seja,
trabalhadores das organizações brasileiras com carteira assinada tem atualmente 36
normas regulamentadoras, criadas pela Lei 3.214 de 1978, que “aprova as Normas
Regulamentadoras – NR – do Capítulo V, Titulo II, da Consolidação das Leis do
Trabalho, relativa à Segurança e Medicina do Trabalho”. (EQUIPE ATLAS, 2008, p.
9). Já os catadores autônomos, mesmo que organizados em entidades como associação
ou cooperativa, estão fora das políticas públicas de segurança do trabalho. Contata-se
que não existem acidentes de trabalho, na visão dos catadores, como demonstra a
pesquisa realizada em Porto Alegre:
As frequências mais frequentes são cortes (40%) e perfurações (60%). Em
cerca de 60% dos grupos consultados não há registro sequer de um acidente.
Este baixo nível de ocorrências, parece se dever mais à inexistência de um
registro sistemático dos acidentes de trabalho do que à eficiência do processo
produtivo ou à utilização dos EPIs. Também a precariedade das relações de
trabalho, manifesta sob a forma de inexistência de licenças remuneradas em
caso de acidentes de trabalho, parece contribuir para esta subestimativa.
(LISBOA, PINHEIRO, AMARAL, CARGNIN, 2009, p. 11)

Além da inexistência de registros de acidentes de trabalho com os catadores de


materiais recicláveis, existe a permanentemente exposição aos germes que podem
contribuir para o surgimento de doenças presentes em materiais coletados na rua ou
mesmo os materiais enviados para os barracões das associações e cooperativas:
Assim, o indivíduo que vive em contato direto e frequente com o lixo fica
permanentemente expostos aos germes, o que aumenta suas chances de
contrair doenças, entre as quais diarreias, intoxicações e verminoses
(RODRIGUES, CAVINATTO, 2004, p. 36).

Esse é um problema a ser resolvido pelas prefeituras nos locais da coleta e da


reciclagem do lixo. Se nas ruas, os catadores devem usar uniformes com cores
chamativas e visíveis aos motoristas de veículos, nos galpões devem ser dadas
formações sobre segurança do trabalho, a utilização correta dos EPIs como botas, luvas,
máscaras e etc., para diminuir os acidentes por perfurações e cortes. Devido ao próprio
trabalho e às condições de vida precária (alimentação, vestimentas, habitação e falta de
informações), eles sofrem freqüentemente com problemas de audição, visão e coluna e
não recebem a atenção necessária nos postos de saúde, por serem marginalizados.

CATADORES DE RECICLÁVEIS E A SOCIEDADE EM REDE


No instante em que se tornam parte real das cidades, embora excluídos
socialmente, os catadores tornam-se, assim como qualquer outro trabalhador urbano,
personagens de uma narrativa virtual. Isso ocorre devido à digitalização global, presente
em nossa sociedade a partir dos anos 2000. Pode-se afirmar isso com base na
retrospectiva da História da Comunicação no Brasil, realizada por Marialva Barbosa em
2013, na qual a autora ressalta que:
a partir das últimas décadas do século XX, cada vez mais se passou a definir
o momento em que se vivia como sendo o de uma “sociedade da
informação”, “sociedade da comunicação” ou “sociedade em rede”.
Quebrava-se a tradicional noção de espacialidade, removendo-se fronteiras,
já que havia a possibilidade de, via aparatos tecnológicos, se conectar a
espaços localizados a milhares de quilômetros de distância. (...) Além disso, a
forma narrativa da mídia inscreve-se numa relação de natureza temporal
particular, que se distribui de maneira integrada na sociedade, criando uma
nova percepção espaço temporal (BARBOSA, 2013, p.350-356).

Diante desta nova realidade social em que a Internet conglomera recursos de


diversos meios e comunicação e traz ainda a possibilidade de interação entre seus
usuários e os temas por eles discutidos, a dura realidade dos catadores ganha espaço nas
redes sociais e com isso ganha também força para seguir na luta por seus direitos, visto
que, segundo Leske (2014, p.9), “os Movimentos Sociais de forma geral passam por
transformações de acordo com as constantes mudanças no cenário político-social em
que se encaixam e respectivamente produzem mudanças neste ambiente”. Ao refletir
sobre a relação entre a sociedade contemporânea e a utilização da internet, Manuel
Castells (2013), considerado o principal pensador das sociedades em rede, admite que
“é por isso que os governos têm medo da internet”, reconhecendo o poder transformador
e inovador que os atores sociais alcançam com os avanços tecnológicos.
No intuito de mostrar à sociedade a importância do trabalho dos catadores, a
iniciativa sócio-cultural Parede Viva (que utiliza a arte como instrumento de
conscientização) criou o projeto “Pimp19 My Carroça”. Desde 2007 a Parede Viva
utilizava os carrinhos dos catadores como “outdoor” de suas idéias, e percebeu que
gravando frases de efeito nas carroças aumentava a interação das pessoas com estes
trabalhadores e, ainda, que ao receber carrinhos coloridos, os catadores ficavam mais
felizes e pareciam “desfilar” pelas ruas enquanto exerciam suas funções.
De acordo com a própria iniciativa, o projeto consiste em:
Atendimento para catadores na área de saúde e bem-estar; “Pimpada” em
carroças composta por reforma estrutural, acoplagem de itens de segurança e

19
Verbo da língua inglesa: “pimp”, que significa “alcovitar”. Termo utilizado no sentido de “tornar mais
atrativo”, em alusão a músicas norte americanas que utilizam esta expressão.
pintura de renomados artistas; Carroceata, uma passeata com os catadores e
suas carroças prontas; Criação de um manifesto que aborde o contexto da
coleta e reciclagem de resíduos sólidos na cidade sede de uma edição do
Pimp my Carroça (Equipe PIMP MY CARROÇA, 2014).

Todas estas atividades são realizadas em mutirão, organizado pelas redes sociais
e divulgado unicamente na Internet. São captados voluntários de diversas áreas que
oferecem aos catadores serviços aos quais eles não têm acesso diariamente, desde
questões relacionadas à saúde e higiene, palestras, recreação, bem como a distribuição
de EPIs e a reforma das carroças, tornando-as mais alegres e seguras, pois recebem,
além da pintura colorida, adesivos refletivos. O evento, que conta com a presença de
representantes do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis, já foi
realizado em São Paulo, Rio de Janeiro e em Curitiba. A cada edição ganha mais
visibilidade, conquistando seu espaço também na mídia tradicional e atingindo uma
repercussão nacional, além das inúmeras aparições em sites, blogs e demais espaços
virtuais de debate. Acredita-se que o objetivo do projeto foi alcançado e as expectativas
não param de crescer.
Há de fato, no âmbito da comunicação independente, várias organizações que
apresentam os movimentos sociais de maneira positiva, contribuindo para a formação de
uma nova memória coletiva que trabalha com questões humanas e não marginaliza os
movimentos e grupos sociais. Segundo Leske (2014, p.7), “a área da comunicação, ao
promover uma imagem positiva dos movimentos perante a comunidade, traz imensa
contribuição ao empoderamento popular e contribui como ferramenta para o
fortalecimento das organizações sociais”.
Em sua cartilha distribuída no Encontro Nacional realizado em Belém do Pará,
no ano de 2011, a Executiva Nacional de Estudantes de Comunicação Social
(ENECOS) salienta que os movimentos sociais em geral reconhecem a importância da
comunicação para alcançar seus objetivos e transmitir informações de utilidade pública,
exemplificando que
Nas lutas empreendidas pelos movimentos sociais, um dos vetores mais
poderosos é justamente a Comunicação. No mundo inteiro, as grandes
corporações estão concentradas nas mãos de grupos privados de grande
poder, cada vez mais distantes dos objetivos e lutas da sociedade, e que
visam ao lucro acima da informação (ENECOS, 2011, p. 3).

Com relação ao Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis,


formado por muitos trabalhadores analfabetos e consequentemente distantes da
cibercultura, é de imensa importância esta iniciativa de organizações não
governamentais em auxiliá-los também midiaticamente. Se, em geral, os movimentos
sociais são marginalizados pela grande mídia, no momento em que projetos sociais dão
voz e espaço aos catadores, estão contribuindo para a evolução e o fortalecimento do
movimento, visto que esta mídia independente apresenta um enfoque positivo da
atividade, demonstrando sua importância para a comunidade e o seu aspecto mais
humano.
Este é apenas um dos exemplos de que a sociedade reconhece a importância e a
necessidade de auxiliar a classe dos catadores de recicláveis em nosso país. Brasil a fora
há diversos projetos sociais que buscam a inserção desses trabalhadores por meio de
cursos, treinamentos, oficinas e espaços de recreação, tudo capturado por lentes
(profissionais ou não) e disponibilizado na rede mundial de computadores, levando essa
realidade aos quatro cantos do mundo.

CONSIDERAÇÕES GERAIS

Ao andar atentamente pelas ruas das cidades brasileiras, percebe-se uma classe
de trabalhadores praticamente invisível à sociedade: os catadores de materiais
recicláveis. Trata-se de homens, mulheres e crianças que encontraram na separação e
reciclagem de resíduos sólidos uma oportunidade de sustentar suas famílias. Neste
artigo, torna-se evidente a importância desses trabalhadores para o dia a dia dos centros
urbanos e para a ecologia de forma geral, visto que os recursos naturais do planeta estão
cada vez mais escassos e a reutilização da matéria prima é essencial para o
desenvolvimento sustentável.
Percebe-se então que, já na década de 1980, os moradores de rua, incentivados
pelas religiosas da Igreja Católica, assumem esta “nova” atividade e passam a fazer
parte, ainda que informalmente, do dia a dia das cidades. Já no início dos anos 90, esses
trabalhadores criam suas associações e cooperativas, constituindo o Movimento
Nacional de Mobilização dos Catadores de Papéis (MNCR) e no final dessa década e
início dos anos 2000 realizam o Congresso Nacional dos Catadores de Materiais
Recicláveis.
A atividade da cata não é fácil, pois os trabalhadores estão expostos diariamente
ao tempo e aos riscos do trânsito. Triste e muito comum é a presença de crianças nos
carrinhos coletores, devido à falta de apoio aos catadores que têm que realizar sua tarefa
enquanto cuidam de seus filhos. Por vezes, os filhos ajudam os pais desde pequenos
evidenciando que a cata pode ser realizada na forma individual ou por família.
Independentemente, muitos catadores associam-se às cooperativas ou associações no
intuito de ter mais força na busca por melhorias à classe.
Esses trabalhadores, apesar das dificuldades encontradas a cada dia nascente,
estão organizados em entidades de classe e lutam por melhores condições de vida, desde
segurança, habitação, alimentação e saúde. Há aqueles que trabalham nas ruas e aqueles
que fazem triagem em lixões, há os que atuam de forma individual e ainda os que
trabalham em família, o que os une é a falta de reconhecimento e de condições
trabalhistas suficientes para a própria valorização do ser humano. Aos poucos, devido à
mobilização da classe, os catadores estão alcançando alguns objetivos perante o
Governo. Assim como ao encarar um novo dia, ao objetivar mudanças de vida os
catadores sabem que há uma longa caminhada pela frente.
Em relação à segurança do trabalho, há um desconhecimento geral sobre o tema,
bem como sobre acidentes e doenças do trabalho. Mesmo quando organizados em
associações e cooperativas, praticamente inexiste a formação em segurança do trabalho
e a utilização de EPIs. Nas ruas das cidades, os catadores deveriam usar uniformes com
cores chamativas e faixas reluzentes para serem vistos pelos motoristas, motoqueiros e
ciclistas.
Quanto à educação, apresentam grande grau de dificuldades de aprendizagem,
por diversas razões: exaustão física devido ao ritmo de trabalho, problemas de saúde,
falta de habitação, baixa estima, além da falta de perspectiva de melhorias na vida.
Catadores são os nossos “irmãos mais pobres”. Aqueles que, historicamente,
queriam trabalhar, mas não encontraram espaço na sociedade organizada e perceberam
na cata uma oportunidade de sobrevivência. Nesse sentido, devemos olha-los com
sensibilidade e os considerar com respeito, pois realizam um trabalho ambiental muito
importante para as nossas cidades e para o meio ambiente como um todo. São, de fato,
merecedores de atenção e respeito por parte das entidades governamentais brasileiras,
para a regulação de políticas públicas que os favoreçam.
Percebe-se que enquanto os trabalhadores da cata lutam por reconhecimento
social, a iniciativa comunitária se esforça para dar-lhes visibilidade, por meio
comunicação em rede. Assim originam-se mobilizações reais que contam com a
colaboração de voluntários para atender as necessidades básicas destes trabalhadores.
Contudo, tratam-se de situações pontuais e estrategicamente elaboradas no intuito de dar
espaço midiático ao tema tratado, evidenciando o quanto é essencial e urgente a
participação da iniciativa pública em reconhecer o trabalho dos catadores e proporcionar
melhores condições de trabalho e de vida para a classe.
Os catadores de materiais recicláveis estão espalhados por todo o país e fazem
parte do fluxo da cidade e apesar dos avanços relacionados à iniciativa pública, ainda
são como seres invisíveis que passam despercebidos por grande arte da sociedade e não
tem seu direito respeitado pelos Governos. Trata-se de uma dura e triste realidade
brasileira que aguarda por cuidados e atenção, enquanto cata o lixo de toda a nação.

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