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Universidade Federal Fluminense

Instituto de Ciências Humanas e Filosofia


Curso de Graduação em Ciências Sociais

NATACHA RIBEIRO DE SOUZA PINTO

ANTROPOLOGIA FORENSE:
UMA CIÊNCIA CALCIFICADA EM LAUDOS PERICIAIS

NITERÓI
2014

201
Universidade Federal Fluminense
Instituto de Ciências Humanas e Filosofia
Curso de Graduação em Ciências Sociais

NATACHA RIBEIRO DE SOUZA PINTO

ANTROPOLOGIA FORENSE:
UMA CIÊNCIA CALCIFICADA EM LAUDOS PERICIAIS

Monografia apresentada ao Curso de Ciências


Sociais da Universidade Federal Fluminense,
como requisito parcial para a obtenção do título de
Bacharel em Ciências Sociais.

Área de concentração: Antropologia

Orientador: Prof. Dr. Joana Miller

Niterói
2014
Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Central do Gragoatá
P661 Pinto, Natacha.

Antropologia Forense: uma ciência calcificada em laudos periciais / Natacha


Ribeiro de Souza Pinto. – [2014].
[Nº de páginas] f.
Orientador: Joana Miller.
Monografia – Universidade Federal Fluminense, Instituto de Ciências Humanas e
Filosofia, Departamento de Ciências Sociais, 2014.
Bibliografia: f. [página inicial-página final da bibliografia].
1.Antropologia Forense. 2. Antropologia Biológica. 3.Medicina Legal. 4.Laudos
Periciais. 5.Burocracia. 6.Polícia Científica. 7. Rio de Janeiro (RJ). I.Miller,
Joana. II. Universidade Federal Fluminense. Instituto de Ciências Humanas e
Filosofia. III. Antropologia Forense: uma ciência calcificada em laudos periciais.
CDD 301.570 P661
Universidade Federal Fluminense
Instituto de Ciências Humanas e Filosofia
Curso de Graduação em Ciências Sociais

NATACHA RIBEIRO DE SOUZA PINTO

ANTROPOLOGIA FORENSE:
UMA CIÊNCIA CALCIFICADA EM LAUDOS PERICIAIS

BANCA EXAMINADORA

............................................................
Prof. Dra. Joana Miller
Universidade Federal Fluminense

............................................................
Prof. Dra. Glaucia Silva
Universidade Federal Fluminense

............................................................
Prof. Dra. Alessandra Barreto
Universidade Federal Fluminense

Niterói
2014
A Claudia e Anderson.
AGRADECIMENTOS

A primeira aula que tive neste curso de graduação foi com o mesmo
professor com o qual tive a última. Sou eternamente grata ao professor Mauricio
Vieira Martins por todas as palavras sensatas, pelo carinho e cuidado com a
docência, por trazer cor e sentimento às ciências sociais. Obrigada.
Agradeço a professora Glaucia Silva por ter me acolhido e tomado meus
interesses como legítimos, por ter caminhado de mãos dadas comigo nesse
processo, por ter me acalmado nos surtos e por ser essa professora incrível.
Obrigada
Agradeço a professora Joana Miller por todo auxílio, por traz e a frente
dos panos. Obrigada.
Agradeço a todos os amigos e amigas cujas almas femininas e
‘sororitárias’ escutaram minhas lamúrias com tamanho carinho e amor,
proporcionando condições para realização desse trabalho. Obrigada.
Agradeço a minha família pelo financiamento durante todos esses anos
e pela paciência. Obrigada.
HOMEM DE COR

Querido irmão branco:


Quando nasci, era negro
Quando cresci, era negro
Quando o sol bate, sou negro
Quando estou doente, sou negro.
Quando morrer, serei negro.
E enquanto isso, você:
Quando nasceu, era rosado.
Quando cresceu, foi branco.
Quando o sol bate, você é vermelho.
Quando sente frio, é azul.
Quando sente medo, é verde.
Quando está doente, é amarelo.
Quando morrer você será cinzento.
Então, qual de nós dois é um homem de cor?

Léopold Sedar Senghor


“Flesh decays; bone endures. Flesh forgets and forgives ancient injuries;
bone heals, but it Always remembers: a childhood fall, a barroom brawl; the
smash of a pistol butt to the temple, the quick sting of a blade between the ribs.
The bones capture such moments, preserve a record of them, and reveal them
to anyone with eyes trained to see the rich visual record, to hear the faint whispers
rising from the dead.”
(BASS; JEFFERSON: 2003)
RESUMO

Este trabalho aborda a Antropologia Forense enquanto campo de


estudos e prática profissional no Brasil, na América Latina, nos EUA e na Europa,
destacando sua relação com a Antropologia Biológica, Arqueologia e a
Antropologia Social. Busco esclarecer a divisão tradicionalmente instituída da
Antropologia em Antropologia Social, Antropologia Biológica, Arqueologia e
Linguística. Relato como a Antropologia Forense é praticada no Brasil a partir do
Instituto Médico-Legal do Rio de Janeiro. A partir desse ponto discuto a pericia
médico-legal, como área de atuação da Antropologia Forense, seu poder de
legitimar a morte através dos laudos médico-legais, seu caráter burocrático e
científico.

Palavras-chave: Antropologia Forense – Antropologia – Perícia - Laudos


ABSTRACT

This paper addresses the Forensic Anthropology as a field of studies and


professional practice in Brazil , Latin America , the US and Europe, highlighting
its relationship to Biological Anthropology , Archaeology and Social Anthropology.
I seek to clarify the division traditionally set for Anthropology as: Social
Anthropology , Biological Anthropology , Archaeology and Linguistics . It seeks
to Report how the Forensic Anthropology is practiced in Brazil, from the Legal
Medical Institute in Rio de Janeiro. From this point on is discussed the forensic
expertise, as operating area of Forensic Anthropology , its power to legitimize the
death through forensic reports, its bureaucratic and scientific characters .

Keywords: Forensic Anthropology - Anthropology - Expertise - Forensic


Reports
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

 International Union of Anthropological and Ethnological Sciences –


IUAES

 Equipe Brasileira de Antropologia Forense e Odontologia Legal – Ebrafol

 Universidade Federal Fluminense – UFF

 Federal Bureau of Investigation - FBI

 Academia Americana de Ciências Forenses – AAFS

 Scientific Working Group for Forensic Anthropology – SWGANTH

 Secretaria Nacional de Segurança Pública – SENASP

 Procedimentos Operacionais Padrão – POP

 Institutos Médico Legal – IML

 Congresso Nacional da Associação Brasileira de Antropologia Forense –


CONAF

 Universidade Federal de São Paulo – USP

 Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG

 Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ

 Museu de Arqueologia e Etnologia - MAE

 Código Processual Penal – CPP

 Guia de Remoção de Cadáver – GRC

 Coordenação do Serviço de Remoção de Cadáveres – CSRC

 Serviço de Identificação e Liberação de Óbito - SILO


ÍNDICE DE TABELAS

Tabela 1: Definições
Tabela 2: Código Processual Penal
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...................................................................................... 14

2 PARTE I: PASSADO E PRESENTE ..................................................... 20


2.1 Origens Norte Americanas E Europeias ................................................. 20
2.2 A Antropologia Forense na América Latina ............................................ 27
2.3 A Antropologia Forense no Brasil ........................................................... 37

3 PARTE II: A LEGITIMAÇÃO JURIDICA DA ANTROPOLOGIA


FORENSE ........................................................................................................ 41
3.1 A Pericia ................................................................................................. 42
3.2 O Perito .................................................................................................. 44
3.3 Construção da Legitimidade ................................................................... 46
3.4 A Estrutura Legitimadora ....................................................................... 53

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................. 59

5 FONTES ................................................................................................ 63
a. Referências Bibliográficas ...................................................................... 63
b. Outras Referências................................................................................. 67

6 APENDICES.......................................................................................... 68
6.1 Tabela 1: Definições ............................................................................... 68
6.2 Tabela 2: Código Processual Penal ....................................................... 74
6.3 Modelo de Croqui ................................................................................... 77
6.4 Esquemas de Marcadores de Lesões .................................................... 79
6.5 Modelo de Laudo Pericial Necroscópico ................................................ 94
14

1 INTRODUÇÃO

Autores e tradições definem a Antropologia de diversas maneiras, que por


vezes revelam-se concorrentes. Não são incomuns definições como da
Encyclopedia of Social and Cultural Anthropology (2005) que dividem a ciência
antropológica em áreas de concentração - correspondentes ao desenvolvimento
da disciplina nos países que a aborda - dedicando-se aos seres humanos
enquanto seres puramente biológicos ou puramente sociais. Entretanto, para
essa ciência que estuda o homem em todas as suas dimensões, aprecio a
definição de Gaspar Neto, que ao pensar “a Antropologia”, social ou biológica
praticada e desenvolvida em diferentes centros de estudos e pós-graduações
pelo mundo, pensa antes “A Antropologia”, enquanto área do conhecimento
capaz de compreender os seres humanos de forma integrada, como seres
biológicos e sociais simultaneamente, “como termo designativo de uma ciência,
ou um conjunto de ciências, cujas pretensões investigativas colocam-na numa
posição intermediária entre as ciências naturais e as ciências humanas”
(GASPAR NETO, 2012:23), como consequência é esse o olhar que o presente
trabalho adquiriu ao longo da pesquisa empírica e de campo.
Optei por referências internacionais, norte americanas, europeias e latino
americanas, por contemplarem aspectos diferentes dessa ciência que, em cada
centro institucional mencionado, têm como prerrogativas as necessidades e
demandas nacionais para desenvolvimento e aperfeiçoamento da ciência
antropológica em sua vertente física. Vale ressaltar que o Brasil é mencionado
em determinados momentos devido ao tratamento que a Antropologia Biológica,
historicamente, recebeu em nosso país, quando comparado aos países e
instituições citados nesse trabalho, que entende como Antropologia Biológica a
área da Antropologia que
“procura desenvolver um conhecimento antropológico com ênfase nas
características físico-biológicas dos grupos humanos, tanto pretéritos
como contemporâneos, mas levando também em conta a interação
entre biologia e meio (natural e cultural), ou seja, o ser humano como
15

um organismo biológico inserido em contextos históricos, sócio-


culturais e ambientais específicos.” (GASPAR NETO, 2012:50)
Em minhas pesquisas bibliográficas, entendi que a ciência antropológica
possui divisões em áreas de estudo. Tradicionalmente essas divisões consistem
em Antropologia Biológica, Antropologia Cultural/Social, Arqueologia e
Lingüística, como praticado por centros institucionais internacionais dedicados
exclusivamente a pesquisa na área, como ‘Werner-Gren Foundation for
Anthropological Research’ e a ‘International Union of Anthropological and
Ethnological Sciences – IUAES’, ambas instituições fundadas na década de 40
do século XX. Essa divisão vai de encontro a antropologia praticadas no Brasil,
onde cursos de graduação e pós-graduação em Antropologia designam-se a
prática da Antropologia Social, entendendo-se enquanto Antropologia
“uma ciência social ocupada do estudo comparativo da diversidade
cultural humana e que, por isso mesmo, procurava compreender as
diferentes sociedades, ou os diferentes grupos dentro de uma mesma
sociedade, em seus próprios termos, sem hierarquizá-los.” (GASPAR
NETO, 2012:26)
A Antropologia é pressuposta como uma ciência social devido a forma
pela qual foi estabelecida no século XIX (GASPAR NETO, 2012),
“A Antropologia surgiu no início do século XIX como uma ciência
biológica. A partir da sexta década do século foi se transformando em
uma ciência social, graças ao trabalho dos evolucionistas britânicos.
Foi somente no século XX, graças à teoria da cultura, que ela
realmente se transforma em uma ciência social (LARAIA, 2005: 321).”
Mas, como observado em levantamentos bibliográficos, institucionais e
docentes,
“[...]em um âmbito internacional, na quase totalidade dos países nos
quais essa ciência se encontra disseminada (praticamente em todos
os continentes), a despeito de arranjos históricos e institucionais (e de
muitas tensões, evidentemente), ela é concebida como uma ciência
que se ocupa de estudos socioculturais e biológicos e que conta, na
atualidade, com uma significativa rede de pesquisadores ocupados
desses últimos, também chamados antropólogos.” (GASPAR NETO,
2012: 31)
Desta forma, em nosso país, a Arqueologia é um curso independente da
Antropologia Social, mas que usa de seus fundamentos, para além dos
16

conhecimentos e técnicas específicas do curso, para compreensão da cultura


material, investigação do passado e do presente da humanidade e preservação
do patrimônio arqueológico, além de agregar os maiores centros de pesquisa em
Antropologia Biológica de nosso país, já que dentro das ciências humanas e
sociais é o único lugar onde seu estudo é legitimado, seja porque o curso é
fundamentado em técnicas de escavação para restos humanos e objetos da
cultura material, por envolver-se com questões do homem histórico e pré-
histórico ou simplesmente por agregar cientistas que pensem na integralização
do ser humano como ser social produtor de cultura, material e imaterial, e ser
biológico cujas características, moléstias, adaptações e invenções construíram
o mundo como o conhecemos hoje.
Uma das subáreas de pesquisa da Antropologia Biológica é a
Antropologia Forense, cujo surgimento nos últimos 60 anos marcou o
nascimento, ou o renascimento, da Antropologia Biológica, que deixou o título de
Antropologia Física para lidar com o termo que este trabalho faz uso,
Antropologia Biológica. O neodarwinismo trouxe para essa nova antropologia um
caráter teórico-metodológico, onde a compreensão do processo evolutivo da
espécie humana deu lugar aos estudos físicos sobre “raça”.
A Antropologia Forense, enquanto a subárea da Antropologia Biológica
que dedica-se a identificação de restos biológicos humanos, adquiriu importância
em diversos países de acordo com suas necessidades particulares de
identificação dos mortos, seja por desastres naturais, catástrofes humanas ou
crimes de homicídio. Pela forma com a qual se constituiu nos países, distintos
centros acadêmicos e profissionais definem a Antropologia forense de forma
distinta em seus objetivos e funções, conforme demonstra a tabela 11. O
presente trabalho entendeu as funções e objetivos da Antropologia forense como
resumido nas palavras do coordenador da Ebrafol (Equipe Brasileira de
Antropologia Forense e Odontologia Legal), Paulo Eduardo Miamoto Dias, que
“Através de técnicas de Odontologia Legal e Antropologia Forense,
podemos ajudar a identificar pessoas, contribuir para solucionar casos
de desaparecidos, indicar causa e modo de morte (inclusive com uso
de meios cruéis, degradantes e desumanos) e demonstrar atos

1 Ver Anexos, tabela de definições, no final deste trabalho


17

deliberados para ocultação de cadáveres. Mas também os vivos


podem ser beneficiados! Ferimentos podem dizer muito sobre o modo
e circunstância em que foram produzidos, indicando até mesmo casos
de tortura. Em outras palavras, podemos falar por aqueles que já não
o podem fazer. Podemos contar suas histórias quando tudo ao seu
redor foi feito para cala-los.”2
Assim, a partir de uma formação histórica majoritariamente norte
americana3 percebi que, apesar de possuir a mesma definição nas mais distintas
instituições de ensino e/ou pesquisa ao redor do mundo, a Antropologia Forense
não possui a mesma finalidade ou aplicação prática nesses mesmos centros.
Essa análise comparativa revelou que a Antropologia Biológica é a disciplina que
estuda a variabilidade biológica dos homens e sua relação com o entorno, tendo
como unidade de análise o corpo humano e considera a cultura como
mecanismo de adaptação ao meio. A Antropologia Forense é uma ramificação
da Antropologia Biológica onde o Homo sapiens é estudado em sua dimensão
biológica-morfológica. Tal dimensão é subdividida em quatro níveis de
investigação: anátomo-fisiológica (forma em que se apresentam as estruturas
corporais e suas funções), dimensio-proporcional (proporções em que se
expressam os segmentos corporais entre si e em comparação com outros
corpos), biomecânica e morfogenética (unidade mínima de armazenamento de
informação genética nos indivíduos e sua expressão). As aplicações dessas
dimensões variam conforme as necessidades e demandas de cada país, na
medida em que são as mesmas que proporcionam o desenvolvimento, ou não,
da área de investigação e qual caminho/direção trilhará.
A pesquisa de campo foi restrita a observações em congressos e
encontros de profissionais nas áreas das ciências forenses, como o Congresso
Nacional de Antropologia Forense e o Congresso Nacional de Medicina Legal,
devido à ausência de abertura dos profissionais da área a alunos da academia.

2 http://ebrafol.org/?p=100#more-100
3 Gostaria de ressaltar a dificuldade de encontrar na academia brasileira fontes de dados sobre
o assunto. Diante desta dificuldade restou a autora a obtenção de títulos internacionais e
disponíveis online sem custos inclusos. Como os recursos para pesquisa como graduanda
são escassos, assim como o tempo para compilação do trabalho final, utilizei o maior número
de fontes dentro no universo do possível e este revelou os títulos norte-americanos como
opções reais para o andamento da pesquisa, por isso a abordagem histórica pautada pela
experiência nortista complementada com pinceladas de experiências em demais partes do
continente e além mar.
18

Como consequência, o que aqui será exposto está restrito ao que foi observado,
lido e interpretado pela autora, sem compartilhamento de ideias com os
“connaisseur”4 do campo.
Como grande fã de séries televisivas e romances policiais que abordam
investigações criminais sob o aspecto da polícia técnica-científica, busquei, na
Universidade, informações sobre essa Antropologia Forense que tanto me
encantava na televisão e nos livros. Como aluna do curso de Ciências Sociais
tive como estrutura curricular disciplinas obrigatórias e optativas em Sociologia,
Antropologia e Ciência Política. Ao buscar informações sobre a Antropologia
Forense com os professores que lecionam as disciplinas de Antropologia na
Universidade, portas que antes estiveram abertas para minhas curiosidades,
dúvidas e interesses sobre Antropologia Social, foram “esmurradas” em minha
face quando mencionei essas duas palavras: Antropologia Forense.
Como portas e janelas e prédios inteiros foram se fechando conforme
procurava saber mais sobre essa área da Antropologia Biológica, que até então
eu não sabia existir - principalmente, não sabia que A Antropologia que conhecia
unicamente como Antropologia Social, na verdade, é ramificada em outras
áreas, sendo a Antropologia Social apenas uma delas - parei de menciona-los,
de procurá-los, até que adormeceram entre ondas de leituras filosóficas, políticas
e sociais.
Um dia, ao entrar na rede social da qual maior parte de meus amigos
participam, deparo-me com um grupo novo, recheado de alunos da Universidade
Federal Fluminense (UFF) cujas portas, janelas e prédios compartilhavam
comigo. Ao adentrar um grupo de conversas cujo tema era “é possível estudar
Antropologia Forense no curso de graduação em Antropologia da UFF?”, de
imediato expus minhas experiências não muito fortuitas e, curiosamente, sou
respondida por um colega do curso de Antropologia da Universidade indicando-
me uma professora, do departamento de Antropologia, que orienta alunos de
acordo com os interesses destes, não restringindo-se a suas linhas de pesquisa
e interesses pessoais. Imagine o meu espanto ao escutar isso. Fiquei incrédula

4“Connaisseur”:
palavra francesa que implica grande conhecimento de indivíduos ou indivíduo
em uma área de conhecimento ou assunto; expert.
19

durante alguns dias até que pensei: “Vou lá ver essa mulher, o que tenho a
perder?”. Então lá fui eu.
Quando bato na porta de sua sala ela me recepciona muito bem, apesar
de estar de saída. Quando segundos depois exponho meus projetos e meus
interesses de pesquisa essa mulher vira pra mim e diz: “Tudo bem, mas saiba
que quanto a teoria não poderei te ajudar, já que não trabalho nessa área, mas
posso te ajudar com o trabalho monográfico”. Fiquei tão feliz que palavras me
faltaram durante muito tempo para agradecer ao universo.
A partir de então comecei a buscar informações, pesquisadores,
profissionais técnicos, acadêmicos que trabalhassem com a Antropologia
Forense. Queria saber o que de fato essas pessoas faziam e fazem na prática,
como acontece uma investigação antropológica forense, o que qualifica uma
pessoa para tornar-se Antropólogo Forense, por que, na minha Universidade e
nos demais cursos de graduação em Antropologia em nosso país a Antropologia
Forense é praticamente tabu?
Com muitas questões e poucas fontes esse trabalho teve início, início
esse esperançoso de um processo cansativo e desestimulador cujo final,
apressado devido aos prazos da burocracia educacional da educação brasileira,
foi transformador, não pelo conteúdo em si do trabalho, mas pelas descobertas
pessoais que percorrer esse percurso tamanho doloroso me proporcionou.
Sem visualizar o fim, convido o leitor a percorrer esse caminho comigo e,
talvez o universo revele uma parcela de seu ser durante o trajeto.
20

2 PARTE I: PASSADO E PRESENTE

Como todo meio artificial, material ou imaterial, é criação humana, as


ciências, “compotas” do conhecimento humano, criadas por homens e para
homens – sim, criadas por seres humanos do sexo masculino e para seres
humanos do século masculino, hoje essa unilateralidade pode ser discutida, mas
no primórdio do século XIX essa era a realidade das civilizações civilizadas
produtoras do saber – são construções humanas, logo possuem uma história,
um começo, um desenrolar que não necessariamente culmina em um fim, pelo
menos não durante os séculos vividos até o presente.
O que segue é um breve histórico da Antropologia Forense, suas origens
americanas – latinas e norte-americanas – e europeias, já que “[...]a partir dos
anos 1880, assiste-se uma maciça aplicação de procedimentos científicos no
âmbito policial e judiciário.” (GASPAR NETO, 2014: 1065)

2.1 Origens Norte Americanas E Europeias

A Antropologia Forense revelou-se portanto, à autora, como uma área de


conhecimentos que tem origem no século XIX com as investigações de Thomas
Dwight, nos EUA, sobre métodos para determinação de idade, altura e sexo
utilizando apenas as informações fornecidas pelas ossadas humanas. Também
o primeiro a compilar artigos sobre a identificação humana através do esqueleto,
criou métodos para identificação do sexo através do esterno5 e para
determinação da idade de indivíduos mortos através das juntas dos ossos e do
crâneo.
Mas como todo conhecimento parte de uma investigação determinada, a
Antropologia Forense era praticada como uma especialidade da Medicina Legal

5 “Osso esterno: osso alongado e plano situado na parte mediana do tórax, e no qual se
inserem as extremidades finais das costelas.” (SOBOTTA, 2009: 425)
21

– e ainda o é no Brasil, por exemplo – mas só criou-se como tal e para tal devido
a curiosidade científica sobre o funcionamento do corpo humano, pós e ante
mortem, de determinados indivíduos no século XVI, o que é o mesmo que dizer,
para época, hobbie ilegal e moralmente condenável. Fortunato Fidelis e Paulo
Zacchia, por exemplo, praticavam aberturas de cadáveres clandestinamente.
Através desse método, Fidelis pesquisou a diferença entre as lesões orgânicas
provocadas por um afogamento acidental e um afogamento criminoso. Paré,
também cientista da época, descreveu o pulmão de uma criança estrangulada.
Dr. Schreyer demonstrou que os pulmões de um recém-nascido morto, quando
ocorre respiração ante mortem, ao serem colocados em um utensílio repleto de
água, por possuírem ar devido a respiração ante mortem, flutuam na superfície
da água, Darmon (1991).
“Por volta do início do século XVIII, no entanto, os cirurgiões é que são
consultados sobre a gravidade dos ferimentos. São eles os chamados
em caso de morte litigiosa para descobrir se os ferimentos foram
produzidos em vida ou depois da morte, se alguém encontrado
pendurado numa corda morreu por enforcamento ou foi pendurado
depois de ter sido assassinado, se um cadáver foi atingido por um raio
ou sucumbiu a violências criminosas.” (DARMON, 1991:231)
O primeiro caso nos EUA onde a antropologia forense é aplicada data-se
1849, o assassinato Parkman. Em um laboratório de anatomia um corpo foi
encontrado esquartejado. Oliver Wendell Holmes I e Jeffries Wyman eram
professores de anatomia na Universidade de Harvard e foram requisitados para
investigar a morte misteriosa. Usando as técnicas para medidas corporais até
então desenvolvidas, os professores determinaram a altura, sexo e raça do corpo
desmembrado. Quando compararam as informações dentárias do cadáver com
as do professor Parkman, confirmaram a identidade do misterioso corpo
assassinado. Através das informações levantadas com a meticulosa
investigação dos restos mortais, os professores Holmes I e Wyman ajudaram a
condenar o assassino do professor Parkman, um professor de química também
da Universidade que devia uma soma de dinheiro a Parkman, o qual escolheu a
morte como forma de pagamento. Ressalto que as normas jurídicas norte
americanas diferenciam-se muito das brasileiras e ainda destaco que estes
22

casos são do século XIX, portanto corresponde ao sistema judicial e criminal da


realidade norte americana em dito período de tempo.
Foi publicada, em 1859, a maior obra de Charles Darwin, “A Origem das
Espécies”, onde as ideias de ‘evolução’ e ‘seleção natural’ estimularam o
aprofundamento nos estudos das ciências naturais e do homem, abrindo
caminho para pioneiros explorarem a Ciência Biológica – entomologia, botânica
e anatomia. Devido as novas proposições darwinianas, a Antropologia Física
assume um caráter menos determinista e mais interpretativo, já que entre 1950
e 1960 a síntese neodarwinista assume importante papel na genética que
influencia a Antropologia Física a partir do antropólogo norte americano
Sherwood Washburn, e da geneticista Theodosius Dobzhansky. A introdução
da síntese neodarwinista na Antropologia Física insere nesse campo o conceito
genético de população e a perspectiva teórica geral do darwinismo.
“Tratava-se de fazer com que a Antropologia Física deixasse para trás,
segundo esses mesmos autores, seus objetivos descritivos orientados
pelo evolucionismo raciológico do século XIX para se tornar uma
disciplina capaz de realizar análises interpretativas sobre o processo
evolutivo da espécie sob a luz do neodarwinismo. Ao mesmo tempo,
era proposta a supressão do conceito de “raça” em detrimento do de
população. A transformação proposta era tamanha que até o nome da
disciplina deveria ser mudado – ela passaria a ser reconhecida como
uma “Nova Antropologia Física” (título atribuído ao próprio Washburn),
ou Antropologia Biológica, em contraposição à “Velha Antropologia
Física”.” (GASPAR NETO, 2012:54)
Com o objetivo de demonstrar a existência de um tipo humano destinado
ao crime e estigmatizado por sua organização morfológica defeituosa, segundo
Darmon (1991), a exposição de Turim em 1884 e o Congresso de Antropologia
Criminal de Roma em 1885, expuseram coleções particulares - dos criminalistas
antropólogos italianos - de crânios, cérebros e esqueletos de assassinos. Em
1889, na França, criminalistas antropólogos do mundo inteiro se reuniram, como
o Prof. Tenchini, Prof. Sergi, Dr. Fiordispini, Lombroso, para expor suas coleções
de crâneos e cérebros de criminosos e expor suas novas invenções/tecnologias
para aplicação na investigação criminal e necropsia. Lombroso, nessa época,
23

estava no auge da sua carreira e determinado a fundar disciplinas para o estudo


da delinquência.
“Assim, a criminalidade transformou-se, por volta do final do século
XIX, num trampolim para a medicina na sua conquista de poderes e o
criminoso nato de Lombroso foi uma peça mestra do arsenal que
permitiu ao médico travar a batalha do tribunal. Os progressos da
medicina legal também iriam representar um papel que não pode ser
negligenciado. Mas seriam eles capazes de fazer com que o médico
fosse outra coisa além de um perito a serviço do magistrado? A
questão foi levantada, no início do século XX, por ocasião do caso
Jeanne Weber. Ao contrário, graças ao criminoso nato, o médico
tornar-se-ia, com certeza, senhor do tribunal.” (DARMON, 1991:16)
Ainda na França, no final do século XIX e início do XX, surge a
antropometria judiciária6, técnica criada por Alphonse Bertillon que
posteriormente foi batizada de “bertillonnage”. Essa técnica consista na medição,
com suas respectivas segmentações técnicas, do corpo humano.
“Assim, no caos aparente de todos aqueles indivíduos que se
acumulavam de qualquer maneira nos fichários da prefeitura de polícia,
certamente deveria haver elementos para uma organização, pois a
natureza havia dotado cada humano da ‘marca de Caim’. Restava,
portanto, encontrar o método dedutivo de classificação que permitiria,
à semelhança das plantas, isolar um dado indivíduo da coletividade.
[...]Depois de ter acumulado milhares de dados em números, ele
constatou que não era raro encontrar dois indivíduos apresentando a
mesma estatura ou a mesma altura de cabeça, mas calculou que só
havia uma chance em mais de quatro milhões de que esses dois
indivíduos apresentassem onze medidas idênticas. Harmonizando o
fruto de suas investigações antropométricas com os princípios da lei
de Quételet, Bertillon subdividiu inicialmente os humanos em três
grandes categorias: os altos, os medianos e os baixos. Cada uma
dessas três categorias também era subdividida em três subcategorias
em função da altura da cabeça, e assim por diante, segundo a largura
da cabeça, comprimento e largura da orelha direita, o comprimento de

6 “Por de trás da volubilidade antropológica e craniológica de Lombroso, perfila-se uma


descoberta capital: a antropometria judiciária. Este sistema, criado por volta de 1888 por um
modesto escrevente da prefeitura de polícia, Alphonse Bertillon, permite identificar
cientificamente os recidivistas. Os resultados de um método como esse não dão margem nem
à contestação nem à polêmica. Aqui, tudo faz parte do domínio do real, do palpável, do
imediato.” (DARMON, 1991: 209)
24

pé esquerdo, os dedos médios e o mínimo da mão esquerda etc. Havia


um fichário reservado para cada categoria e subcategoria. Para um
registro de 90 mil fichas, chegava-se, na sexta ou sétima subcategoria,
a um fichário contendo apenas umas quinze fichas, onde era fácil
encontrar o recidivista pela identidade das onze medidas anatômicas.
Seguindo a lógica dedutiva desse sistema, era possível doravante
identificar um recidivista no espaço de dois minutos” (DARMON, 1991:
216-217)
Inicialmente, antes de ser reconhecida pela comunidade científica e
judicial da época como eficaz e necessária, a antropometria era realizada por
Bertillon apenas em criminosos convictos para estabelecer uma estatística sobre
os indivíduos que reincidiam a vida criminosa após saída ou escape do sistema
prisional. A técnica mostrou-se tão eficaz que foi estendida aos corpos falecidos
nos necrotérios franceses7, aos militares8 e adotada pelos Estados Unidos da
América, em 1888 (DARMON, 1991).
“A ‘bertillonagem’ se torna, assim, a exemplo do que se observa hoje,
com outras tecnologias, uma poderosa ferramenta utilizada pelos
Estados para identificar, classificar e, sobretudo, controlar, cada
indivíduo que estiver sobre o seu território[...].” (GASPAR NETO, 2014:
1067)
Ainda em 1894, em Harvard, Thomas Dwight palestrou sobre “a análise
de restos ósseos humanos em situações forenses” e é, por isso, intitulado “pai”
da Antropologia Forense. Os eventos litigiosos em âmbito jurídico e pesquisas
científicas, a partir de então reafirmaram a importância, necessidade e
particularidade da disciplina. (GOLDA, 2010)
Outros crimes que proporcionaram o desenvolvimento da Antropologia
Forense como área de estudos foi o caso Leutgert, em 1897. Adolph Leutgert

7 “A antropometria judiciária abria, por outro lado, novos horizontes no campo da investigação
dos cadáveres. Naquela época os cadáveres ficavam muito pouco tempo no necrotério, pois
os processos de conservação pelo frio ainda não existiam, o que reduzia em muito o período
no decurso do qual era possível às testemunhas reconhecerem um despojo anônimo. Além
disso, muitos cadáveres eram levados para lá num estado de putrefação avançado e, nesse
caso, a dimensão dos ossos era então sua única marca distintiva. Enfim, a antropometria
permitiu evitar trágicos enganos quando o cadáver tinha um sósia.” (DARMON, 1991: 221)
8 Depois do caso Rollin, sósia de um cadáver, “[...]Bertillon chegou a conclusão que seria muito

útil fazer a ficha antropométrica de todos os militares.Assim, algumas medidad ósseas tiradas
de um cadáver irreconhecível seriam o suficiente para identificar o infeliz e não haveria mais
nem ‘soldados desconhecidos’ nem ‘desaparecidos’. Ficaria igualmente resolvido o problema
dos amnésicos que certas famílias pensavam reconhecer como um dos seus.” (DARMON,
1991: 221)
25

fora acusado de assassinar sua esposa e despojar de seu corpo em uma cuba
de potássio em sua fábrica de salsichas. O corpo dissolveu-se restando apenas
uma geleia gordurosa, quatro pedaços pequenos de ossos e um anel. O
antropólogo George A. Dorsey foi chamado para investigar os diminutos restos
ósseos. O antropólogo foi capaz de provar que os quatro fragmentos ósseos
pertenciam a uma mão, pé e costelas humanas. Como o anel foi identificado
como pertencente a Sra. Leutgert, a comprovação provida pelo antropólogo dos
restos ósseos como humanos ajudou a condenar Adolph Leutgert pelo
assassinato de sua esposa.
Apesar do cenário translúcido no qual a disciplina se formava, livros foram
publicados sobre identificação humana e aspectos médico-legais do esqueleto
humano. Algumas dessas publicações exprimem técnicas que são utilizadas até
os dias de hoje pela ciência moderna e do século XXI, como a papiloscopia e a
reprodução facial a partir da estrutura craniana. Algumas dessas publicações
são dos estudiosos Harris H Wilder, Paul Stevenson, T. Wingate Todd, Robert J.
Terry e Mildred Trotter. Todos esses cientistas, europeus e norte-americanos,
independentemente das razões que os motivavam, tinham em comum a busca
pela “verdade”,
“[..]perscrutar milimetricamente os corpos, ainda que animados ou sem
vida, de modo a extrair uma verdade última que estaria inscrita neles
e, por certo, seria revelável por meio de procedimentos orientados sob
uma perspectiva científica, objetiva e racional.” (GASPAR NETO, 2014:
1066)
Coleções ósseas começaram a ser montadas, com o intuito de formar o
perfil populacional (as faixas médias de idade, estatura e raça entre os
segmentos populacionais). Uma dessas coleções é a ‘Terry Collection’ que hoje
está situada no instituto Smithsonian e ainda é utilizada em pesquisas ósseas
humanas.
Em 1939, Wilton Marion Krogman publica “Guide to the Identification of
Human Skeletal Material” como um panfleto para o FBI (Federal Bureau of
Investigation) com as informações seminais e básicas sobre o esqueleto humano
conhecidas até então. O primeiro livro dedicado exclusivamente ao estudo de
ossadas humanas nas ciências forenses data 1962 de autoria de Wilton
26

Krogman e co-autoria, na segunda edição, de Mehmet Yaşar Iscan sob o título


“The Human Skeleton in Forensic Medicine”.
Entre as décadas de 40 e 50 do século XX a Antropologia Forense serviu
a identificação dos soldados mortos na Segunda Guerra Mundial. Como os
corpos não podiam ser retirados dos terrenos de combate em períodos recentes
as mortes, foi estabelecido um Laboratório Central de Identificação no Havaí com
Charles E. Snow como diretor. Após a saída de Snow para lecionar nos EUA,
Mildred Trotter assumiu a direção do serviço de identificação dos restos mortais
dos soldados abatidos. Foram implementadas técnicas para determinar a
estatura através da medição dos ossos longos do corpo. A identificação era feita
através do cruzamento de dados das informações de medidas corpóreas dos
oficiais, dados pessoais que constavam nos autos médicos de todos os soldados
alistados no exército.
A Guerra da Coreia também ajudou a compilar informações sobre
ossadas humanas. Mais uma vez encontrando-se na situação de identificação
de soldados mortos em ação, o exército norte americano implementou um
laboratório no Japão, com T. Dale Stewart como diretor, para identificação dos
oficiais abatidos. Em decorrência, em 1957 T. Dale Stewart e Thomas McKern,
mestre e pupilo, respectivamente, publicam “Skeletal Age Changes in Young
American Males”, como um estudo definitivo para determinação etária a partir de
aspectos reminiscentes dos restos ósseos de soldados. Esse estudo ainda hoje
é usado para determinação etária no momento em que ocorre a morte.
Considerado pela academia norte americana como a obra mais influente
para Antropologia Forense, “Essentials of Forensic Anthropology”, de T. Dale
Stewart é publicado em 1979 como consequência do primeiro encontro, em
1972, da Sessão de Antropologia Física – fundada por Ellis R. Kerley e Clyde
Collins Snow - na Academia Americana de Ciências Forenses (AAFS)9.
As últimas grandes realizações da Antropologia Forense no período
moderno foi a fundação do Banco de Dados de Antropologia Forense da
Universidade do Tennessee, em 1986, através da criação da Fazenda dos

9 Sigla em inglês
27

Corpos na década de 1970 e a fundação do Grupo de Trabalho Científico em


Antropologia Forense (SWGANTH)10.
O Banco de Dados de Antropologia Forense da Universidade do
Tennessee continua a coletar informações sobre casos forenses para que novas
técnicas e padrões em coleta de informações demográficas e demais
características da ossada humana possam ser atualizadas. Também uma série
de programas para computadores foram criados, a partir de dados recolhidos,
para calcular ancestralidade e sexo, por exemplo e podem ser adquiridos por
meio de compra online.
Apesar de tamanha evolução na área de estudos, ainda não existe um
padrão nacional ou internacional para procedimentos antropológicos forenses.
Em 2008 o FBI e o Laboratório Central para Identificação do Departamento de
Defesa lançaram um guia de recomendações com as “práticas mais adequadas”,
contudo ainda não há um padrão internacional.
No Brasil, no ano de 2014, a Secretaria Nacional de Segurança Pública
(SENASP) afirmou, por meio de representante no Congresso Nacional da
Associação Brasileira de Antropologia Forense, que neste mesmo ano seria
emitido o Guia de Procedimentos Operacionais Padrão (POP) para todas as
áreas das ciências forenses, onde a Antropologia também seria contemplada.11

2.2 A Antropologia Forense na América Latina

Valera (2012) afirma que a Antropologia Forense na América Latina surgiu


a partir dos conflitos internos de cada país e suas realidades históricas, como as
ditaduras militares, contextos políticos que vulnerabilizaram os direitos dos

10 Sigla em inglês para: Scientific Working Group for Forensic Anthropology


11 Até a finalização deste trabalho nenhuma informação sobre a divulgação dos POPs atualizados
foi disponibilizada nos veículos de informação públicos da SENASP.
28

cidadãos (desaparecimentos e torturas), catástrofes naturais e guerras, por


exemplo. De acordo com o autor, este cenário propiciou variadas aplicações da
antropologia física/biológica em um contexto legal (por isso a denominação
Antropologia Forense), como uma ferramenta nas investigações criminais,
contribuindo com conhecimentos, métodos e técnicas para identificar um
indivíduo alocando-o em um contexto sócio jurídico específico, constituindo o
universo conhecido. Assim,
“esta disciplina se encontraría en una zona central, tomando algunos
elementos importantes de la Antropología cultural y Etnología y de la
Biología Humana, siendo la integradora del estúdio de los factores
biofísicos y bioquímicos que se presentan em los processos vitales del
ser humano aplicando las metodologías proprias de las Ciencias
biológicas o llamadas naturales y la cultura considerada como um
sistema de representaciones significativas de la realidade, parte
principal de um grupo social, marcando énfasis em la acción que los
patrones produto o expresiones de la cultura generan em la dimensión
biológica del individuo y de las poblaciones.” (VALERA, 2012:9).
Na Venezuela, por exemplo, a pioneira foi a Dra. Maritza Garaicoechea,
professora da Universidade Central da Venezuela criadora da Coordenação
Nacional de Antropologia Forense. Nesse país
“la aplicación de la disciplina no se restringe al análisis de los restos
ósseos sino que implica también la descripción de los caracteres físicos
de cuerpos sin vida, pero no impede el trabajo com sujetos vivos, sea
que estén encursos em delitos o simplemente hayan perdido su
identidad por alguna razón.” (VALERA, 2012:7).
A Antropologia Forense é um trabalho científico que, por vezes, também
é humanitário devido à natureza objetiva dessa ciência - matriz estruturada de
conhecimento, trato e empatia para lidar com familiares e pessoas próximas para
poder identificar o sujeito em investigação. Além disso, o processo de
identificação de cadáveres ou de indivíduos vivos, como crianças desaparecidas
que são encontradas em lugares remotos e devem retornar para suas famílias,
é uma necessidade entre as sociedades devido a) a imprescindibilidade
sociocultural de enterrar os mortos – o que envolve os ritos funerais e o conceito
de morte para as sociedades ocidentais e b) identificação burocraticamente
29

correta dos seres viventes para sua alocação social e familiar (VALERA, 2012).
Assim, esta é uma disciplina holística
“que participa em la labor de la reconstrucción de um hecho, que marca
las vidas de otros, no sólo sus familiares sino la sociedade em sí, donde
convergen aspectos biológicos, culturales e inclusive históricos para
revelar la identidad de los sujetos implicados.” (VALERA, 2012:8).
Essa ciência estuda corpos humanos ante mortem e pós mortem.
“Se va considerar como identificación al processo que busca
correlacionar o cotejar características ante mortem de un individuo (las
cuales son proporcionadas por registros médicos y sociales) com
respecto a las características post mortem que se tienen del individuo
produto de la evaluación realizada dentro de la morgue por el
antropólogo forense.” (VALERA, 2012:19)
Sua aplicação em corpos vivos ocorre através da análise - com métodos
morfoscópicos, métricos radiológicos e genéticos – para identificação de
indivíduos. Em casos de indivíduos que cometeram delitos como furto e
homicídio, por exemplo, onde a prova de sua participação em tais atos seja
imagens, fotos ou vídeos, a identificação para comprovação da identidade
dessas pessoas ocorre através da comparação dessas imagens com as
informações produzidas pela ciência forense, como radiografias, digitais,
medidas osteológicas, etc. A sobreposição dessas informações, por vezes a
reunião de dados, por outras a comparação antropométrica, é capaz de
confirmar a identidade dos indivíduos em questão.
Entretanto, os casos mais comuns de análise antropológica forense em
vivos seria, de acordo com Valera (2012), a identificação de crianças de rua e
estabelecimento da faixa etária de adolescentes que encontram-se envolvidos
em crimes e têm sua real idade desconhecida para determinação judicial de
como realizar seu processamento. Mas essa ciência ainda pode ajudar em
processos de adoção e estudos de paternidade e maternidade, através da
identificação pelo código genético.
No caso dos corpos sem vida, a aplicação da antropologia física às
ciências forenses orienta o estudo de cadáveres frescos sem identificação,
cadáveres em alto grau de decomposição (esqueletizados, putrefeitos,
mumificados e em estado de saponificação), cadáveres afetados pela ação do
30

calor (carbonizados e calcinados), cadáveres provenientes de acidentes e/ou


catástrofes naturais que atingem grandes contingentes populacionais e a
cadáveres desmembrados.
Nos cadáveres onde as características morfológicas ainda podem ser
observadas, o processo de identificação se refere mais ao reconhecimento do
falecido por pessoas que o conheceram em vida. A determinação de causa da
morte e demais análises são realizadas por outros profissionais da área forense.
O antropólogo forense faz reconhecimento de causa de morte somente em
corpos onde as características morfológicas não podem mais ser observadas.
Nessas situações o processo de identificação é um estudo comparativo entre os
dados obtidos por especialistas com os dados fornecidos por familiares para
identificação do ente. Esse processo desmembra-se entre casos de cadáveres
frescos com data de morte recente e cadáveres em estado de decomposição já
avançada (esqueletizados, saponificados, mumificados, carbonizados,
calcinados). Por isso,
“La Antropología Forense busca re-conocer a la o a las víctimas
falecidas que no poseen identificación em el momento de la evaluación
a través de sus restos, em este processo se analisa el contexto de la
muerte, donde pueden observarse evidencias que permitan saber los
hechos relacionados com el fallecimiento de la persona, pero también
evalúa a los sujetos no falecidos com fines identificativos” (VALERA,
2012:33)
Com isso, a identidade, que legalmente é referida como identidade sócio-
jurídica, é
“ese conjunto de características biológicas, psicológicas, sociales y
culturales que hacen que una persona se ubique dentro de um espacio
sócio-cultural determinado por lo cual cumple com uma serie de
patrones que lo condicionan a este.” (VALERA, 2012:19)
A identificação dos indivíduos violentados por crimes torna-se
fundamental na medida em que eles próprios, seus corpos, são a evidência do
crime ocorrido e a chave para punição de seus violadores.
“los no identificados pueden ser jovenzuelos ejecutados por membros
de otras bandas, mujeres violadas por personal del ejército o niños que
han recebido abusos de sus cuidadores. Em ocasiones son la prueba
contra asesinos em serie que comparten tranquilamente la calle com
31

nosotros. Ausentes y no identificados se denominan <desaparecidos>


em muchos países donde el genocídio es común y el abuso de
autoridad es la norma.” (BURNS, 2008:25)
Os métodos antropológicos para identificação forense, segundo o
Professor Emanuel Valera (2012) são morfoscópico (descrição físico-
morfológica), morfométrico (osteométrico), histológico (estudo do tecido ósseo),
radiológico e genético. A reconstrução craneo-facial e a superposição de
imagens, são técnicas que servem de apoio aos métodos de identificação
antropológica, mas não se classificam como esses métodos por si mesmos.
O método morfoscópico (descrição físico-morfológica) se refere a
descrição e análise de características de tipo qualitativo dos indivíduos,
independentemente se mortos ou vivos. Realiza-se uma descrição minuciosa da
estrutura e desenvolvimento do corpo humano combinado a observação e
descrição da morfologia craniana. Nessa fase investigativa há um enfoque na
estrutura craneana, pois a face é o principal veículo para identificação dos
indivíduos. Assim, são medidos qualitativamente as características faciais os
olhos, orelhas, nariz, boca, queixo, a forma e distribuição dos pelos pela face
(sobrancelhas, cilho, cabelos, barba) e demais características corpóreas como
pelos pubianos, manchas na pele, deformidades, etc.
O método morfométrico (osteométrico) refere-se a medição de diversos
segmentos anatômicos para relaciona-los com os dados dos quadros de
referência (dados populacionais que são usados para comparação de dados de
pessoas sem identificação) que permite localizar as variáveis morfológicas em
categorias a realizar assim a identificação. A antropometria12 é a principal
ferramenta deste método, já que consiste na técnica que tem como objeto a
medição do corpo humano a partir de uma série de pontos na anatomia humana
para obter medidas de diferentes tipos: diâmetros, perímetros e ângulos para
registrar formas e tamanhos do ser humano e sua variabilidade histórica,
geográfica e genética (VALERA, 2012).

12
“Este sistema, criado por volta de 1880 por um modesto escrevente da prefeitura de polícia,
Alphonse Bertillon, permite identificar cientificamente os recidivistas. Os resultados de um
método como esse não dão margem nem à contestação nem à polêmica. Aqui, tudo faz parte
do domínio do real, do palpável, do imediato.” (DARMON, 1991:209)
32

“Antropometría es un término amplio en relación com las medidas del


cuerpo humano que, certamente engloban muchos subconjuntos.
Cuando el cuerpo está vivo o conserva los tejidos blandos, las medidas
que de él se toman se disse que son somatopométricas; las de la
cabeza y cara, cefalométricas; si el objeto de medición es el esqueleto,
osteométricas; y si consideramos al cráneo, craneométricas.” (BURNS,
2008:86)
O estudo do tecido ósseo (método histológico) observa as características
da anatomia que só podem ser estudadas através de microscópio, está envolvido
no processo de diagnóstico da espécie (determinação de afinidade populacional
e sexo) e determinação da idade.
O método radiológico faz uso de radiografias no processo de identificação.
Burns (2008) explica que esse método consiste na comparação das imagens de
raio X com a radiografias propriamente ditas. Os raios X são originados por uma
radiação eletromagnética de onda curta e muita energia. Os raios X podem
penetrar os tecidos moles, mas não o ósseo. A radiografia por sua vez é uma
imagem permanente realizada sobre um filme e produzida pelos tecidos moles.
O método é de grande importância para determinação do sexo,
principalmente através da medição e comparação do fêmur e da tíbia. Contudo
ainda é fundamental para revelar particularidades morfológicas que auxiliam no
processo de identificação, como a angulação e distância entre os dentes de um
indivíduo, por exemplo.
“La tibia masculina tende a ser más ancha que la feminina, y el sexo
puede diferenciarse mediante um análisis funcional de las medidas
tibiales ” (BURNS, 2008:191)
“La pélvis femenina es más ancha y requiere um mayor ángulo
femorotibial (conocido también como ‘ángulo Q’ o del cuádriceps). Em
el individuo vivo, el ángulo se define trazando uma línea desde la
espina ilíaca anterossuperior al centro de la rótula. Uma segunda línea
es trazada verticalmente desde el centro de la rótula a la tuberosidad
tibial anterior. El ámgulo masculino suele medir 10-14º y el feminino 15-
18. La diferencia es visible em la angulación del cuello del tallo y las
longitudes relativas de los dos côndilos femorales. Compárense los
ángulos relativos manteniendo verticales los fémures masculino y
feminino, com los côndilos em la superfície de uma mesa.” (BURNS,
2008:181-182)
33

O método genético por sua vez baseia-se na utilização de marcadores


genéticos para deliberar sobre a identidade de um ou vários indivíduos, mas para
isso são necessários marcos de referência de familiares próximos ou mostras
prévias do próprio indivíduo para poder comprovar a identidade, como é feito nos
casos de paternidade e maternidade.
A reconstrução craniofacial e a superposição de imagens, são técnicas
que auxiliam, quando necessário, a realização dos métodos acima descritos.
Contudo, também no intuito de auxiliar na realização dos métodos acima
descritos e na diferenciação e identificação dos indivíduos, há o que a literatura
forense denomina como “variabilidades antropológicas gerais” ou “perfil
osteobiográfico” (VALERA, 2012). Este refere-se as características humanas
que permitem a diferenciação dos indivíduos em grupos que dizem respeito ao
sexo, a idade, a raça, a estatura, e ao corpo dos ossos. Valera (2012) entende
que o “perfil osteobiográfico” é composto pela descrição dos ossos e das
estruturas que são convertidas em indicadores biológicos mais efetivos para
discriminação das variabilidades que enquadram os indivíduos nos grupos de
identificação.
Para além da classificação os indivíduos em grupos de características
morfológicas compartilhadas por todos os seres humanos até agora expostas,
os antropólogos forenses também observam particularidades biológicas e
modificações culturais visíveis sobre a pele (ex: tatuagens), por exemplo, que
permitem a singularização de um sujeito. Tais cientistas dividem essas
particularidades culturais e/ou biológicas nos seguintes grupos:
 Dérmicas: tatuagens, pintas ou nevus, cicatrizes, perfurações na
pele para inserção de brincos, piercings ou alargadores;
 Anomalias congênitas:
 paleopatologias e osteopatologias: evidências de doenças em
restos humanos de populações passadas como sífilis,
turbeculose, osteopenia, raquitismo, osteoporose, artrite, e
lepra entre outras.
 fraturas
34

 Dispositivos biomédicos de substituição: próteses que substituem


uma peça anatômica de órgãos ou estruturas ausentes nos
indivíduos, como dentaduras, membros mecânicos, próteses
articulares entre outras.
As especialidades e métodos que auxiliam o trabalho antropológico
forense são desenvolvidas diariamente pelos profissionais e estudiosos que
dedicam-se a essa atividade, contudo, como relatou Matheus13, antropólogo
forense observado durante a elaboração desta pesquisa, no Brasil não há
instrumentos específicos para análise antropológica forense devido a incipiência
do investimento federal na área – sendo o improviso uma prática unânime e
cotidiana nos Institutos Médicos Legais (IMLs) do país - e ao reduzido número
de profissionais atuantes nessa especialidade. No Primeiro Congresso Nacional
da Associação Brasileira de Antropologia Forense (CONAF), realizado em
Agosto de 2014 no Rio de Janeiro, reuniram-se profissionais de todo Brasil que
são reconhecidos nacional e internacionalmente pela comunidade científica em
sua área de pesquisa e atuação pericial e em cujos currículos constam os casos
criminais mais famosos do país, como a atual busca e identificação pelos
desaparecidos políticos do período da ditadura militar e apesar de tamanha
excelência, no auditório em que o evento foi realizado não havia mais do que
100 pessoas.
Na América Latina esse labor, ao longo das últimas décadas têm se
voltado para a descoberta e identificação dos desaparecidos políticos, já que a
Antropologia Forense tem um compromisso com a defesa dos direitos humanos
e como faz parte do judiciário, deve ser cega para garantir igualdade e equidade
para quem dela necessita, estando aberta, como serviço público, a perícia, para
toda sociedade, como explica a Ebrafol (Equipe Brasileira e Antropologia
Forense e Odontologia Legal). Países latino americanos como Argentina, Peru,
Guatemala, Colômbia e Uruguai foram bem sucedidos no desenvolvimento e
prática das ciências forenses, já que, como princípio e meio para realizar seu
principal fim, concretizaram a autonomia e independência do trabalho pericial de

13 Nome fictício, para não exposição e corrupção da imagem social, atribuído ao profissional
observado
35

antropologia forense em seus países, o que ainda é recomendação da ONU e


da Anistia Internacional para a atividade brasileira.
Nas palavras do coordenador da Ebrafol, Paulo Eduardo Miamoto Dias,
“Nestes países, além dos órgãos periciais oficiais, há também
organizações não governamentais (ONG) sem fins lucrativos,
compostas por civis, que baseadas em treinamento adequado,
efetivamente contribuem para a defesa dos direitos humanos, inclusive
em território estrangeiro, em missões periciais humanitárias. Dois
exemplos muito inspiradores: Equipo Argentino de Antropología
Forense (EAAF) e Equipo Peruano de Antropología Forense (EPAF).” 14
Entretanto, apesar de a Antropologia Forense ser considerada um ramo
especializado da Antropologia Biológica, ela na realidade agrega uma série de
conhecimentos que extrapolam os limites desta última disciplina. (Lessa, 2010)
“Nos Estados Unidos, país pioneiro ne sua prática, as Ciências Sociais
ocupam um lugar importante na formação dos profissionais, além de
ser enfatizado não apenas o estudo dos tecidos duros (ossos e
dentes), mas também as técnicas de arqueologia para escavação,
documentação e coleta dos vestígios.” (LESSA, 2010: 156)
As investigações relacionadas a abusos dos direitos humanos, segundo
Burns (2008), possuem frequentemente suas raízes relacionadas a atos
políticos. O alcance da investigação depende da autoridade do agente, seja ele
não governamental, nacional ou internacional. Contudo, informações levantadas
por organismos não governamentais, elo mais fraco na cadeia hierárquica dos
níveis de autoridade em investigações criminais, podem levar a criação de
comissões com poderes investigativos mais amplos.
Burns (2008) admite que as investigações relacionadas a violação dos
direitos humanos começam através das demandas das famílias de mortos e
desaparecidos, que são as primeiras interessadas no problema e que estão em
posição de julgar o clima político do país. O trabalho dessas famílias é frutificado
quando une-se aos grupos de ativistas que realizam o trabalho de investigação.
Esse é o caso das Mães da Praça de Maio, na Argentina e da Associação de
Familiares Desaparecidos, na Colômbia. Esses grupos integram não apenas os
familiares dos mortos e desaparecidos, mas também comunidades inteiras e

14 http://ebrafol.org/?p=100#more-100
36

seus representantes legais. As comissões da verdade, de indagação e os


tribunais contra os crimes de guerra, são estabelecidos por governos por um
período de tempo determinado, com tarefas concretas e autoridade limitada.
Na América Latina há grupos de investigação antropológica forense que
são produto de feitos históricos orientando-se pela violação dos direitos
humanos. São estes a Equipe Argentina de Antropolofia Forense, a Equipe
Peruana de Antropologia forense, a Equipe Colombiana, o Grupo de
Investigação em Arqueologia Forense do Uruguay e a Fundação de Antropologia
Forense Guatemala. Assim, como descrito pela antropóloga Karen Burns (2008):
“Los Antropólogos Forenses (físicos y arqueólogos) suman sus
esfuerzos a los de médicos, odontólogos, rediólogos, criminalistas y
otros científicos para revelar la evidencia de asesinatos massivos,
genocídios, torturas, ejecuciones sumarias y ‘desapariciones’ políticas.
Los antropólogos destacan em casos que requieren desenterramiento,
identificación personal y análisis de traumas. Ningún outro especialista
forense está preparado para realizar uma cuidadosa excavación
arqueológica y el consiguiente análisis osteológico. El trabajo encierra,
no obstante, um componente cultural donde la labor de los agentes de
derechos humanos y antropólogos forenses se solapa.
La propria naturaleza del trabajo en derechos humanos impone
sensibilidade y flexibilidade frente a las diferencias culturales y
linguísticas. Los ntropólogos son idóneos para este labor. Por ejemplo,
es necessário reconocer los hábitos de enterramiento normales antes
de que sea posible evaluar si pueden ser anormales o criminales. [...]
La preparación antropológica también es útil em la realización de
entrevistas para obtener información ante mortem. [...] Los
antropólogos han de querer adaptarse a las costumbres y leyes
locales, lo cual puede resultar desconcertante para quien sólo conoce
los procedimentos policiales al uso em su lugar de origen.” (BURNS,
2008:368, 369)
37

2.3 A Antropologia Forense no Brasil

No Brasil, o grupo não governamental, equivalente aos latinos


americanos que prestam auxilio a população através de investigações forenses,
foi criado em julho de 2014 e tem sede em Santos-SP. A Equipe Brasileira de
Antropologia Forense e Odontologia Legal (EBRAFOL) identifica-se como uma
alternativa para perícias e assistências técnicas e judiciais em Odontologia Legal
e Antropologia Forense, atendendo a causas de interesse público que, não
necessariamente, são estatais. Os serviços da equipe podem ser solicitados por
toda sociedade desde autoridades policiais e judiciárias às pessoas físicas,
associações de vítimas, ... A EBRAFOL busca, através de parcerias e
colaborações técnico-científicas, complementar o trabalho dos órgãos periciais
já estabelecidos, tendo como objetivo a promoção dos direitos.
A incipiência das ciências forenses em nosso país talvez possa ser
explicada pelo caminho que as ciências naturais e sociais tomaram ao longo de
nossa história. Os estudos sobre raça e evolução frisaram, de acordo com o
etnocentrismo dos países do norte, nossas terras do hemisfério sul e seus
habitantes, como símbolos e representações da inferioridade e da incapacidade
humanas, basicamente como a encarnação do que entendia, os países do norte,
e talvez ainda entendam, como a encarnação do mal, do profano. O cristianismo,
na tentativa de catequizar os moradores daqui, dizimou populações inteiras.
Quando a mão de obra africana foi importada, a baixos custos e sem salários,
as populações tribais tradicionais da África também foram esquartejadas, seus
resquícios culturais são hoje matéria de curiosidade nas mídias conhecidas e
reconhecidas do hemisfério norte. O moralismo nortista legitimado pela ciência
natural criada por pesquisadores também dessa região, dilaceraram o mundo do
sul, ou pelo menos o que no presente conhecemos como o mundo pobre situado
no hemisfério sul. As explicações científicas da época, autenticadas pela razão
aplicada à prática de pesquisa, vigoraram por tempos, vigoraram por tanto tempo
que os próprios habitantes daqui começaram a acreditar nela. Entretanto, a
rigidez dessa razão foi transposta, surgiram aqueles que reconheceram nas
38

demais sociedades que não as nortistas, legitimidade cultural, como o Sr. Lèvi-
Strauss.
Desde então, pelo menos em nosso país, ficou bem claro a divisão entre
as ciências “rígidas” que fazem uso da “razão” e as ciências – hoje colocadas
como suas concorrentes – humanas, que fazem uso da “razão” humana para
enxergar os universos de além mar.
Nessa cisão perdeu-se muito, mas penso que já era o que o iluminismo
havia previsto. Seres Humanos, que possuem constituição biológica e agir
social, foram seccionados: ou são constituídos ou são agentes. Os homens e
mulheres não foram mais vistos em suas integridades, totalidades. As ciências
naturais nem sequer tiveram chance de cortejar as ciências sociais. A ciência
que estuda os seres humanos, porque sim, a partir do momento que o
conhecimento foi seccionado há de existir uma ciência para estudar os
indivíduos, a Antropologia, também não os enxerga em suas totalidades. A
Antropologia reside nas ciências sociais, habitando o lado oposto da rua das
ciências naturais. Assim, quando hoje procuro as diferentes divisões da
Antropologia e não encontro a vertente biológica em nenhum departamento de
graduação de Antropologia, entendo que até o desenvolvimento das ciências
corresponde ao tempo histórico das civilizações humanas.
Contudo, ainda não consigo visualizar o tempo em que vivemos. Seja
por estarmos imersos no processo histórico ou por simples cegueira minha, o
sentimento que fica é de desamparo, já que o que consegui enxergar de fato,
está sendo esquecido ou ignorado na história de quem escreve a estória: os
processos e estruturas biológicas estão presentes e vivos nos indivíduos sociais.
Não há como se emocionar, por exemplo, com uma história se não se possui
ouvidos e canal auditivo, se o cérebro e a cognição não foram educados para
ouvir, compreender e interpretar.
Reflexo dessa ruptura histórica, no Brasil, as três maiores Universidades
Federais, de acordo com pesquisa realizada pela Folha de São Paulo15 em 2014,
são Universidade Federal de São Paulo (USP), Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG) e Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), nessa ordem.

15
http://www1.folha.uol.com.br/educacao/2014/09/1511133-usp-e-a-1-em-20-cursos-e-tem-a-
maior-nota-geral.shtml
39

A USP16 não possui graduação em Antropologia, logo os interessados devem


ingressar no Curso de Ciências Sociais. A Antropologia presente na ementa do
curso de Ciências Sociais da instituição é a cultural. A UFMG17 passou a ofertar
o curso de Antropologia em 2010, possibilitando aos alunos a optarem, ao longo
do curso, especializarem-se em Antropologia Cultural ou Arqueologia. A UFRJ18
também não possui curso de graduação em Antropologia, tendo os alunos
interessados que direcionarem-se a graduação em Ciências Sociais para ter
contato com a área do conhecimento. As Universidades em primeira e terceira
colocação no ranking nacional “culturalizam”19 a Antropologia, delegando suas
demais vertentes à disciplinas optativas que nem sempre são ofertadas em todos
os semestres e pelos especialistas que demandam – sabida realidade da
Universidade Brasileira.
Pode-se criticar o presente trabalho por falar da dimensão micro, os
cursos de graduação. Entretanto, os programas de pós-graduação stricto senso
em Antropologia também não fazem jus a alteridade a qual seus programas
tentam disseminar: a Antropologia Biológica torna-se uma área de
especialização dentro dos programas de Mestrado e Doutorado em Arqueologia,
como é o caso do Museu Nacional – UFRJ e do Museu de Arqueologia e
Etnologia (MAE) – USP, já que
“[...] há uma parca presença da Bioantropologia na quase totalidade
das instituições responsáveis pelo exercício da Antropologia em
termos de ensino e pesquisa, como os departamentos, cursos de
graduação e programas de pós-graduação em Ciências Sociais e
Antropologia.” (GASPAR NETO, 2012:92).
No Brasil, a exceção a essa regra de ausências é o Programa de Pós-
Graduação em Antropologia20 da Universidade Federal do Pará, que têm

16https://uspdigital.usp.br/jupiterweb/listarGradeCurricular?codcg=8&codcur=8040&codhab=200

&tipo=N
17https://www2.ufmg.br/mostradasprofissoes/Mostra/Cursos/Ciencias-Humanas/Antropologia
18https://siga.ufrj.br/sira/temas/zire/frameConsultas.jsp?mainPage=/repositoriocurriculo/220D76

40-92A4-F799-136A-F14D368DEE35.html
19 Ao longo desse trabalho pude observar que há uma tendência nacional em enxergar a
Antropologia somente por sua vertente Cultural/Social, como se a área do conhecimento só
estudasse a cultura dos homens e suas sociedades, apagando da história escrita
(material/sensível) e ideológica (imaginário social – coletivo ou individual) a vertente
linguística, arqueológica (hoje já uma área do conhecimento distinta em muitas
Universidades) e, principalmente, biológica.
20 http://www.ppga-ufpa.com.br/areas/concentracao/
40

Antropologia Social, Arqueologia e Bioantropologia (Antropologia Biológica),


como áreas de concentração.
41

3 PARTE II: A LEGITIMAÇÃO JURIDICA DA ANTROPOLOGIA FORENSE

As ciências forenses, ao longo das últimas décadas, foram popularizadas


através de séries televisivas, filmes e literatura ficcional que trabalham o tema,
direta ou indiretamente, com viés artístico objetivando o conhecimento e
reconhecimento da existência de tais ciências entre a população. Entretanto, por
serem meios de entretenimento coadjuvantes da mídia ocidental, seu foco está
em dissipar uma forma de enxergar as ciências forenses, não em problematizar
a realidade da sua prática.
“[...]papel central que as sociedades modernas vêm concedendo à
ciência e aos seus experts, desde há muito tempo, na resolução de
seus próprios problemas. Se as contribuições da ciência para
modernização da polícia, em termos de técnicas e ferramentas
voltadas para a resolução de crimes e outros casos, como a busca de
desaparecidos ou o reconhecimento de vítimas de catástrofes e
desastres naturais, não pode ser negada, também parece ser verdade
que essa modernização esteve (e tem estado) embebida em
dimensões que ultrapassam o plano puramente técnico e tecnológico.
De Bertillon aos inspetores e detetives retratados de modo espetacular
em séries como CSI, há de se ter em mente que a polícia científica, em
particular, assim como a ciência, de um modo geral, jamais foi
autônoma em relação a interesses e interferências sociais, políticas e
ideológicas e econômicas. Mais que os primórdios de uma polícia
científica pretensamente neutra e objetiva, devotada a combater
criminosos [...] surgimento de um grandioso aparato de controle
individual e social que, se hoje não mais se utiliza prioritariamente das
tecnologias que a antropologia um dia lhe ofereceu, reveste-se de
novas formas, muito mais poderosas, de identificação, como o
sequenciamento genético. Antes morfológicas, e hoje biomoleculares,
permanecemos, de um modo ou de outro, lidando com ‘verdades’
inscritas nos corpos.” (GASPAR NETO, 2014: 1070)
Até o presente momento, este trabalho foi dedicado a compreensão da
Antropologia Forense como área de estudos e atuação profissional. Foi
demonstrado um quadro comparativo das diferentes atuações, em diferentes
países, que a prática antropológica forense tomou ao longo dos anos, de acordo
42

com as necessidades e interesses de cada sociedade. Foi também abordada a


questão da formação acadêmica na área e como, em nosso país alguém pode
atuar nas ciências forenses, especificamente com a antropologia forense. É com
esse último pensamento em mente que esta parte do presente trabalho se inicia.

3.1 A Pericia

Como mencionado anteriormente, no Brasil, majoritariamente, um


profissional que atua na Antropologia Forense é um perito oficial, do estado ou
da União, graduado em medicina ou odontologia que têm como área de
especialização a Antropologia Forense. Todo trabalho pericial, em qualquer área
das ciências forenses, é, por definição
“um procedimento especial de constatação, prova ou demonstração
científica ou técnica, relacionado com a veracidade de uma situação
ou análise. É a procura de elementos que formem uma opinião segura
a adequada do fato que se pretende provar e que, por isso, se
constituem prova desse fato.” (Vanrell, 2012:129)
Ou ainda, de acordo com a Associação Nacional dos Peritos Criminais
Federais,
“A perícia criminal é uma atividade técnico-científica prevista no Código
de Processo Penal, indispensável para elucidação de crimes quando
houver vestígios. A atividade é realizada por meio da ciência forense,
responsável por auxiliar na produção do exame pericial e na
interpretação correta de vestígios.
Os peritos desenvolvem suas atribuições no atendimento das
requisições de perícias provenientes de delegados, procuradores e
juízes inerentes a inquéritos policiais e a processos penais.
A perícia criminal, ou criminalística, é baseada nas seguintes ciências
forenses: química, biologia, geologia, engenharia, física, medicina,
toxicologia, odontologia, documentoscopia, entre outras, as quais
estão em constante evolução.”21

21
http://www.apcf.org.br/Per%C3%ADciaCriminal/Oque%C3%A9per%C3%ADcia.aspx
43

O perito Alberi Espindula confirma que:


“[...] sob o enfoque técnico-jurídico, um exame pericial pressupõe um
trabalho de natureza eminentemente técnico-científica e da maior
abrangência possível. É, portanto, um trabalho (exame pericial) levado
a efeito por especialistas (peritos) naquilo que estão a realizar, cuja
obrigação é dar a maior abrangência possível ao exame. (Espindula,
2013:137)
Em nosso país, portanto, antropólogo forense em pleno exercício de sua
atividade é um perito, “experiente, hábil, prático, sabedor, versado” e
“judicialmente nomeado para exame ou vistoria.” (ESPINDULA, 2013: 136)
A perícia é dividida em cível e criminal. A perícia criminal lida com conflitos
judiciais relacionados a área patrimonial e pecuniária. Atuam em uma perícia
criminal o perito de juízo22 e os assistentes técnicos nomeados pelas partes
envolvidas no processo ou pelo juiz responsável. Contudo, “para se fazer uma
perícia cível, o profissional precisa ter formação universitária e ser devidamente
registrado no respectivo Conselho Regional de fiscalização da categoria”
(ESPINDULA, 2013: 79).
“2.1 CARGO: PERITO CRIMINAL FEDERAL
2.1.1 REQUISITO: diploma, devidamente registrado, de conclusão de
curso superior em nível de graduação, fornecido por instituição de
ensino superior reconhecida pelo Ministério da Educação, nos cursos
especificados no subitem 2.1.6. 2.1.2 ATRIBUIÇÕES: realizar exames
periciais em locais de infração penal, realizar exames em instrumentos
utilizados, ou presumivelmente utilizados, na prática de infrações
penais, proceder pesquisas de interesse do serviço, coletar dados e
informações necessários à complementação dos exames periciais,
participar da execução das medidas de segurança orgânica e zelar
pelo cumprimento das mesmas, desempenhar outras atividades que
visem apoiar técnica e administrativamente as metas da Instituição
Policial, bem como executar outras tarefas que lhe forem atribuídas.”23

22 “Dá-se esse nome quando, atuando na esfera do direito cível, esse profissional é nomeado
diretamente para atender dúvidas do magistrado titular do processo. O perito do juízo é nomeado
pelo próprio magistrado que esteja analisando o processo. Ele o fará se julgar que precisa de
esclarecimentos técnicos e especializados sobre determinada situação colocada nos autos.
Independe, portanto, da vontade das partes a decisão do juiz em nomear um perito para lhe
auxiliar” (ESPINDULA, 2013: 82)
23 EDITAL Nº 10/2012 – DGP/DPF, DE 10 DE JUNHO DE 2012 : CONCURSO PÚBLICO PARA

PROVIMENTO DE VAGAS NO CARGO DE PERITO CRIMINAL FEDERAL


44

A perícia criminal ocorre quando há infrações penais onde o Estado


assume a defesa do cidadão em nome da sociedade (ESPINDULA, 2013).
Nesse tipo de perícia há apenas a presença do perito oficial24, cujo trabalho deve
saciar todas as partes interessadas no processo judicial. Os peritos oficiais
pertencem a duas categorias, peritos criminais e peritos médicos legistas.

3.2 O Perito

Os peritos médicos legistas atuam na medicina legal, em Institutos de


Medicina Legal, realizando perícias em seres humanos, pos mortem ou ante
mortem. Os exames realizados são: necropsia, lesões corporais, sexologia,
ossadas, psicopatologia forense, antropologia forense, maxilo-buco-facial,
traumatologia, entre outros.25 Em pessoas vivas, esses profissionais realizam
exames de corpo de delito, por exemplo, quando há suspeita de crimes sexuais,
violência doméstica, maus tratos, aborto, etc.
O perito criminal é aquele que possui formação superior e ingressante nos
Institutos de Criminalística por meio de concurso público específico para suas
áreas de formação, cujos conhecimentos específicos serão aplicados nas
perícias criminais, excetos exames médico legais.
“Inúmeros são os tipos de exames realizados por esses profissionais,
tais como: balística forense, exames em locais de morte violenta,
acidente de trânsito, documentoscopia, fonética forense, avaliação
econômica, DNA, laboratório em geral, meio ambiente, crimes contra o

http://www.cespe.unb.br/concursos/DPF_12_PERITO/arquivos/ED_10_2012_DPF_PERITO_A
BERTURA.DOCX.PDF
24“Esses profissionais, de formação acadêmica, são, necessariamente, funcionários públicos

contratados mediante concursos públicos para o fim específico de realizar exames periciais.”
(ESPINDULA, 2013: 82)
25No último guia de “Procedimentos Operacionais Padrão – Perícia Criminal” ao qual a autora

teve acesso até o término deste trabalho, datando o ano de 2013 e divulgado pela Secretaria
Nacional de Segurança Pública, para exames médico legais, realizados por peritos médico
legistas, relata apenas as perícias em sexologia forense, lesões corporais e necropsia. Esses
três exames, em escala nacional, são os únicos que possuem oficialmente o selo de qualidade
para sua realização e inscrição nos laudos periciais. Os demais exames não estão inscritos nos
POP.
45

patrimônio, incêndio, informática, dentre tantos outros” (ESPINDULA,


2013:84)
Quando há necessidade de realização de algum tipo de perícia criminal,
mas não há a presença de um perito oficial, são nomeados profissionais com
formação superior pela autoridade judicial para realização de tais exames
criminais. São os peritos ad hoc. Esses peritos só existem no âmbito da perícia
criminal, já que na perícia cível há a possibilidade de atuação algum dos três
peritos nomeados, perito do juízo e assistentes técnicos 1 e 2.
Fica claro, diante desse quadro geral, que no Brasil a Antropologia
Forense é exercida por indivíduos com formação médica e especialização na
área forense a qual estamos nos referindo. Diferentemente de outros países
mencionados nesse trabalho, nos quais a Antropologia Forense é disciplina
obrigatória ou optativa dos cursos de graduação em Antropologia, ou é, por ela
mesma, Antropologia Forense, um curso de graduação. Em ambas situações os
profissionais graduados, em seus respectivos países, têm legitimidade para o
exercício da profissão.
Chamo atenção nesse momento para os profissionais que atuam como
peritos. Como exposto na legislação e nos editais de concursos públicos para
peritos, cíveis ou criminais, esses indivíduos, graduados em áreas do
conhecimento reconhecidas pela polícia técnico científica, inscrevem-se em
concursos ofertados pela polícia militar e federal, realizam os exames
estipulados por cada instituição e, quando aprovados, tornam-se policiais,
militares ou federais que atuam técnica e cientificamente.
Como prescrito no artigo 159 do Código Processual Penal (CPP), os
exames periciais são realizados apenas por peritos oficiais que possuem curso
superior. Esses peritos foram aprovados em concurso público para o corpo
policial local (estado) ou federal. Assim, Instituto Médico Legal é um prédio
público habitado por cientistas forenses que, para atuarem nesse espaço,
tornaram-se policiais, oficiais da burocracia estatal. Medeiros (2012) demonstra
que o Instituto Médico Legal é composto por um só corpo na forma de laboratório
médico-científico e de cartório burocrático-administrativo. A perícia que, de
acordo com a ONU, Anistia Internacional e a Constituição Brasileira, deveria ser
realizada de forma autônoma e independente, é conduzida pelos mesmos
46

indivíduos que mantém e reproduzem a burocracia legal policial. A lei 12.030 de


2009 corrobora a prática pericial autônoma e independente de interesses
públicos e privados:
“Art. 1o Esta Lei estabelece normas gerais para as perícias oficiais de
natureza criminal.
Art. 2o No exercício da atividade de perícia oficial de natureza criminal,
é assegurado autonomia técnica, científica e funcional, exigido
concurso público, com formação acadêmica específica, para o
provimento do cargo de perito oficial.
Art. 5o Observado o disposto na legislação específica de cada ente a
que o perito se encontra vinculado, são peritos de natureza criminal os
peritos criminais, peritos médico-legistas e peritos odontolegistas com
formação superior específica detalhada em regulamento, de acordo
com a necessidade de cada órgão e por área de atuação profissional.”

3.3 Construção da Legitimidade

A antropóloga, ainda observando o cotidiano institucional do Instituto


Médico Legal do Rio de Janeiro, destaca que essa unidade de atuação da polícia
científica é marcada por um caráter burocrático-cartorial, uma vez que são esses
policiais cientistas que institucionalizam corpos sem vida enquanto mortos.
“Tendo em suas atividades, principalmente a produção de registros de
caráter cartorial o IML, coerentemente com as idiossincrasias da
Polícia Civil como um todo, se caracteriza muito mais enquanto uma
policia judiciária do que enquanto uma polícia científica. [...]Para além
do aspecto médico e científico de controle dos mortos enquanto
corpos, se faz presente o controle jurídico e policial exercido sobre os
corpos mortos enquanto corpos de indivíduos. A burocracia pública
expande seus limites de ação e de controle marcando os mortos
através dos registros correntemente produzidos nas funções do IML no
exercício desse controle.” (MEDEIROS,2012: 44)
47

No Brasil, a perícia ocorre nos laboratórios oficiais dos estados ou da


União, para, como parte final do processo de investigação pericial, serem
descritos e concluídos em laudos. Os laudos são, por essa razão, a verdade
sobre um fato descrita pela ciência dos peritos oficiais e cíveis.
Medeiros (2012), ainda neste primoroso trabalho, descreve toda a
trajetória percorrida por cadáveres, desde o momento em que são encontrados
nos locais de crime, até o momento em que saem do IML para serem despojados
por familiares ou enterrados como “indigentes”. Esses corpos sem vida, objeto
de perícia desses policiais que são aprovados em concursos para compor o
corpo da polícia técnico cientifica, chegam até o IML quando correspondem aos
seguintes critérios:
“[..]para que um cadáver chegue ao IML, a morte deve ter sido causada
por alguma motivação violenta; sem algum esclarecimento natural; ou
sem uma explicação médico-patológica. Vítimas fatais de acidentes de
trânsito, projéteis por arma de fogo – PAF, perfuração por arma branca
– PAB, incêndios, afogamentos, atropelamentos, desabamentos,
envenenamentos e suicídios fazem parte do primeiro grupo. Ossadas;
partes de corpos – denominados despojos, cadáveres sem sinais
explícitos de violência encontrados em via pública, residência ou
estabelecimento comercial, e fetos compõem o segundo grupo.
Indivíduos que morrem em estabelecimentos de saúde sem
diagnóstico médico conclusivo também têm seus corpos
encaminhados ao IML para que seja realizado o Serviço de Verificação
de Óbito (SVO), e fazem parte do terceiro grupo.” (MEDEIROS,2012:
56)
Quando cadáveres nas condições descritas são encontrados, a delegacia
responsável pela região em que o corpo foi encontrado gera uma “Guia de
Remoção de Cadáver” (GRC) e informa ao órgão da Secretaria de Defesa Civil
Estadual (SEDESC) - Secretaria responsável pela remoção -, a Coordenação do
Serviço de Remoção de Cadáveres (CSRC). A CSRC, no Rio de Janeiro, está
submetida ao Corpo de Bombeiros do estado, que, no Rio de Janeiro, por
implicações burocráticas torna-se o responsável pela remoção de cadáveres
quando solicitado pela polícia através das delegacias.
48

Os cadáveres são transportados no “rabecão”, veículo da Defesa Civil


exclusiva e unicamente autorizado para o transporte de cadáveres ao IML,
munido das ferramentas e acessórios necessários à remoção.
“Esse é um carro que contém de quatro a seis gavetas para o
transporte de cadáveres na porta-traseira, uma porta lateral de correr
onde estão: um tanque d’água com capacidade para cinco litros com
torneira, enxada, pá e sacos pretos; três lugares na parte da frente;
sirene e auto falante.Além de enxada, pá e sacos pretos, são também
materiais de trabalho da equipe do rabecão: luvas; capa; máscara e
óculos de proteção. Tais instrumentos são significativos na rotina de
trabalho dos bombeiros do rabecão pois referem-se a proteção
individual de cada um, mas também à identificação de qual tipo de
trabalho é realizado por aqueles profissionais.” (MEDEIROS,2012: 56-
57)
O “Guia de Recolhimento de Cadáveres” não é preenchido em sua
totalidade pelos agentes que realizam as remoções. Os campos preenchidos
“se vinculam muito mais ao trabalho dos profissionais em relação aos
cadáveres, do que às características dos cadáveres. Assim, os itens
que indicam data; hora; DP que solicitou a remoção; os números da
GRC e do Registro de Ocorrência (RO); a quem se refere o cadáver
(nome, caso identificado, e sexo); e a viatura do rabecão, o nome e a
matrícula do motorista são sempre preenchidos” (MEDEIROS,2012:
57)
Ao chegar ao IML, os cadáveres são recebidos pelo policial do Setor de
Permanência que registra os corpos no sistema em rede da polícia técnico
científica, o SPTweb, e no Livro de Entrada do Setor de Permanência. O fator
identificador desses corpos enquanto habitam os sacos pretos aguardando a
necropsia, é
“um pedaço de papel onde constam: (1) nome – quando identificado
nome próprio e sobrenome do cadáver, caso contrário ‘não
identificado’; (2) número da GRC; (3) delegacia que solicitou a remoção
e o (4) Código de Permanência – CP (número atribuído ao corpo pelo
IMLAP que segue a lógica ordinal de entradas de cadáveres ao longo
de um ano).” (MEDEIROS,2012: 61)
Uma lógica de identificação e armazenamento de cadáveres semelhante
foi adotada pelo Dr. Bill Bass na criação da “Body Farm”, Fazenda dos Corpos
da Universidade do Tennessee, nos EUA. O primeiro corpo doado para
49

pesquisas conduzidas na Fazenda dos Corpos, apareceu em Maio de 1981. Era


um homem, branco de 73 anos que havia sofrido de alcoolismo crônico, enfisema
e doenças cardíacas. Apesar da identidade do cadáver ser conhecida – foi doado
à Universidade por sua filha – o cadáver teve suas informações pessoais
mantidas em anonimato para sucesso da confidencialidade dos corpos
estudados na Fazenda (BASS; JEFFERSON, 2004). “In life he’d had a Family
and a name; in death he would be known simply as ‘1-81’: the anthropology
department’s first donated body os 1981” (BASS; JEFFERSON, 2004: 97).
Em uma sala com mesas de metal inoxidável - onde os corpos são
depositados - balança para pesar as vísceras, ducha para lavar os corpos,
máquina fotográfica, facas, bisturi, agulhas, linhas e gaze, por exemplo, é onde
o exame necroscópico é realizado. Atuam nesse cenário o perito médico legista,
um policial do setor de cortes outro do setor de evidências criminais e
funcionários de limpeza (MEDEIROS, 2012).
O exame é iniciado quando fotografias são tiradas do cadáver e todas as
informações consideradas pertinentes são anotadas pelo perito médico legista,
mesmo antes do corpo ser despido, lavado e examinado. A observação inicial
também faz parte do exame necroscópico. Depois do corpo despido, lavado e
analisado pelos policiais dos setores de cortes e evidências criminais, o perito
médico legista coloca em prática os conhecimentos requisitados no concurso de
admissão a polícia científica que o aprovou. As observações desse profissional
são anotadas em um formulário que constará o relatório preliminar do exame
necroscópico. Para registrar lesões e/ou marcas presentes no corpo, é utilizado,
como parte componente do formulário que consta as observações do perito,
esquemas que registram a anatomia humana nos quais, as marcas observadas
nos corpos, são registradas nesses esquemas, nos lugares correspondentes26.
“[...]mais do que a procura pelo conhecimento de uma verdade
desconhecida, os exames necroscópicos se caracterizam como um
método de conhecimento que busca confirmar aquilo que muitas vezes
já é sabido para identificar a sua materialidade e, através dessa,
possibilitar a posterior transformação desse conhecimento oral em

26 Ver Anexo 6.4


50

escrito e, portanto, na linguagem burocrática e pública” (MEDEIROS,


2012: 68)
Quando um cadáver entra no IML, sua causa mortis é explicada através
da anatomia e da fisiologia do indivíduo morto.
“Assim como no direito, que transforma os acontecimentos que
adentram o seu campo em fatos jurídicos, o acontecimento morte ao
adentrar o campo da medicina-legal é transformado em fato médico-
legal.” (MEDEIROS, 2012: 69)
Além do exame necroscópico, também são realizados exames
patológicos em laboratórios onde os órgãos internos e vísceras dos cadáveres
são esmiuçadas e através de conhecimentos médico-legais, determinam o fator
que levou o corpo a se tronar um cadáver.
O resultado desses exames laboratoriais são expressos em laudos e
enviados para o médico legista responsável pela necropsia do cadáver em
questão. Esses médicos anexam os laudos histopatológicos ao Laudo Médico-
Legal, e “são esses médicos que, a partir da interpretação do exposto dos laudos
patológicos, matam o morto.” (MEDEIROS, 2012:73). Ao mesmo tempo em que
é “a causa mortis registrada pelo médico na Minuta de Declaração de Óbito é
exatamente o que é registrado pelo policial do SILO27 na Declaração de Óbito.”
(MEDEIROS, 2012:73).
Dessa forma os laudos periciais oficiais, legitimação da prática pericial da
polícia técnica científica e materialização das evidências, são baseados em
relatórios compilados ao longo do processo de investigação pericial e
comprimem tudo que foi observado pelo perito e que o mesmo considerou
relevante ser relatado sobre o material objeto da perícia (VANRELL, 2012).
Assim, as informações que compõem o laudo começam a ser recolhidas no local
do crime pelo perito que o examina. As anotações pessoais do perito são feitas
em um formulário denominado croqui28 que, apesar de ser um rascunho das
anotações pessoais de cada perito, é um documento com validade jurídica, na
forma que for escrito. Os peritos que examinam o local do crime transmitem as
informações necessárias a condução de exames posteriores pelo médico legista
através de relatórios internos. Tanto os croquis quanto os relatórios internos

27 Serviço de Identificação e Liberação de Óbito - SILO


28 Ver Anexos: Modelo de Croqui
51

devem conter anotações analíticas em grande quantidade, a fim de que nada se


perca e as informações necessárias a condução de exames perpetuem a perícia.
[...] Assim, a partir desse amplo e completo exame (a perícia), a peça
técnica capaz de exprimir o universo dessa perícia é o laudo pericial.
O laudo pericial é, portanto, o resultado final de um completo e
detalhado trabalho técnico-científico, levado a efeito por peritos, cujo
objetivo é o de subsidiar a Justiça em assuntos que ensejam dúvidas
no processo. Dentro desse objetivo, temos aqueles laudos destinados
à Justiça Criminal e os que se destinam à Justiça Cível.” (Espindula,
2013:137)
As evidências são recolhidas e documentadas, no local onde são
encontradas, por peritos criminais que documentam todos os aspectos do local:
geografia, temperatura, humidade, exposição ao sol, elementos externos e
internos,... O perito criminal envia essas informações ao perito judicial, junto às
evidências biológicas e todas as informações sobre esta que possam ser
recolhidas no local em que foi encontrada.
O perito judicial realiza os exames laboratoriais padrões e pertinentes às
demandas da investigação. É possível que o perito judicial encarregado do caso
recorra a outros peritos para sanar questões que a área de atuação individual
não cubra.
Sempre respeitando a cadeia de custódia, a investigação pericial
desenvolve-se e todas as observações e compreensões são expostas no laudo
pericial. Se a investigação policial demandar ação jurídica, as considerações
presentes no laudo pericial serão levadas ao juiz para que se tenha, através dos
conhecimentos técnico-científicos das ciências forense da jurisprudência dos
códigos legais, a aplicabilidade jurídica sobre o evento ocorrido.
De forma geral, como assistido em congressos e encontros sobre as
ciências forenses, uma demanda real destas ciências é a interdisciplinaridade,
dentro das áreas de especialidade que a compõem. Do momento da descoberta
de evidências biológicas até a formação final do laudo pericial, há envolvimento
de profissionais nas mais diversas áreas das ciências forenses.
A prática pericial é guiada pelos Procedimentos Operacionais Padrão
(POP) elaborados pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP)
que tem como objetivo, através do programa Brasil Mais Seguro, lançado em
52

2012 pelo Ministério da Justiça, fortalecer o trabalho pericial enquanto produção


de prova técnica e qualificar a investigação criminal
“[...] a padronização dos procedimentos operacionais relacionados às
principais atividades periciais necessárias ao esclarecimento de crimes
violentos.” (BRASIL, 2013: 7)
Até a última versão lançada dos POP para perícia criminal em 2013, sete
áreas desse campo pericial foram abrangidas, sendo elas: balística forense,
genética forense, informática forense, local de crime, medicina legal,
papiloscopia e química forense. No segundo semestre de 2014, durante o 1º
Congresso Nacional da Associação Brasileira de Antropologia Forense
(CONAF), representante do SENASP anunciou que seria liberado o POP
específico para Antropologia Forense, reconhecendo esta como uma das áreas
de conhecimento da perícia criminal, não mais um arranjo dentro da medicina
legal29.
Contudo, à Antropologia Forense ainda não foi direcionada um guia de
Procedimentos Operacionais Padrão, apesar de estar situada, para legislação e
para Secretaria Nacional de Segurança Pública, como um dos exames
vinculados às atividades do perito oficial médico legista.
Percebe-se que o trabalho pericial e seus laudos são de fundamental
importância para réus e vítimas, já que é essa ciência que corroborará as
versões apresentadas e ilustrará fatos que talvez não sejam de conhecimento
de todas as partes. Contudo, como apontou o perito médico legista Sami El Jundi
no Segundo Congresso Brasileiro de Medicina Legal e Perícias Médicas, “o furo
da medicina baseada em evidências é a produção de evidências”, já que é a
própria ciência quem produz os critérios e fatores de relevância científica pelos
quais trabalha.

29 Até a conclusão deste trabalho o POP para Antropologia Forense não foi disponibilizado
online.
53

3.4 A Estrutura Legitimadora

O laudo pericial possui a seguinte estrutura: preâmbulo, histórico,


descrição, discussão, conclusão e as respostas aos quesitos. No preâmbulo
devem constar a hora, o dia, o mês o ano e a cidade em que a perícia é realizada,
o nome da autoridade requisitante do exame, o médico legista incumbido da
perícia, o nome do diretor do IML que designou o perito, o nome do exame
solicitado e a qualificação do periciando, como ilustra o anexo 5.
No histórico, os dados mais importantes serão concentrados na guia de
requisição da necropsia, na ocorrência policial e na solicitação hospitalar de
necropsia. O histórico é o item que norteia a perícia, já que orienta o
estabelecimento de nexos causal e temporal entre os achados durante o exame
e o delito em investigação.
A descrição é compreendida por uma série de exames e observações,
como apresentação e identificação do corpo, sinais de morte, estimativa da data
provável do óbito, exame externo e exame interno. Todos os exames
laboratoriais, radiológicos, fotografias, modelos, esquemas gráficos,
odontogramas e trajetos de projéteis devem constar nessa sessão, bem como a
cronologia das evidências encontradas no corpo. Ilustrações também devem
constar na descrição do que foi observado, testado e analisado.30
A discussão é uma busca por respostas aos quesitos, positivas ou
negativas, já que todo laudo de perícia médico-legal inicia-se norteando-se pelos
quesitos, presentes em todos os laudos:
1. Houve morte?
2. Qual a causa da morte? (informa a causa imediata da morte)
3. Qual o instrumento ou meio que a produziu? (informa o instrumento
ou meio que produziu a morte, quando possível)
4. Foi produzida com o emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia,
tortura ou outro meio insidioso ou cruel? (resposta especificada)
54

Na discussão o perito expõe suas certezas, já que “Perito não acha, não
tem opinião! Tem certeza ainda que da dúvida.”31 Estabelece a relação de causa
entre os dados achados pelo exame e o delito em apuração. Relaciona histórico,
descrição e bibliografia, argumenta de forma lógica e consistente a fim de tornar
as razões descritas no laudo irrefutáveis ao mesmo tempo em que os
argumentos devem ser claros e simples para que o leigo (juiz, advogados,
promotores, defensores, ...) possam compreender. Na discussão também é o
lugar para indicar consultas médicas, cirurgias e quais quer procedimentos que
o indivíduo possa ter sofrido no período relevante anterior ao delito.
Na conclusão é estabelecida a cronologia dos eventos que, a partir de
uma causa básica, produziram alterações no organismo da vítima, culminando
com o seu óbito. A conclusão é um resumo objetivo dos eventos que
determinaram a causa da morte, deve ser iniciada pela causa imediata indo até
a causa básica, que é a última a ser relatada.
Após o exame necroscópico e as considerações médicas analisadas, o
perito médico legista responde aos quesitos, padronizados para todo exame
pericial necroscópico. A resposta é padronizada, sempre que possível,
ocorrendo nos seguintes moldes:
 SIM (quando o perito tem convicção de que ocorreu o que o quesito
pergunta).
 Não (quando o perito tem convicção de que não ocorreu o que o
quesito pergunta).
 SEM ELEMENTOS (quando o perito não tem convicção para
responder sim ou não ao que o quesito pergunta).
 PREJUDICADO (quando a pergunta que o quesito faz não se
aplica a situação, ou quando a resposta anterior prejudica a
resposta do quesito seguinte).
 AGUARDAR (quando depende do exame laboratorial para
determinar a causa da morte).
Quando o exame necroscópico tem fim e os laudos dos exames
laboratoriais são entregues ao médico legista responsável pela necropsia, é

31 http://www.malthus.com.br/mg_total.asp
55

realizada a elaboração do Laudo Médico-Legal. No Instituto Médico Legal do Rio


de Janeiro, o perito médico legista dirige-se à sala de Processamento de Laudos
onde uma policial técnica de necropsia digita as informações ditadas pelo perito,
nos campos de preenchimento do Laudo Médico-Legal (MEDEIROS, 2012)32. O
mesmo prédio que abriga salas construídas para exames necroscópicos,
médico-legais, também abriga salas, como a de digitação, que materializam as
informações levantadas pela técnica científica enquanto verdades burocráticas
do Estado.
“O Laudo Médico-Legal caracteriza-se por apresentar a verdade do
fato, construída de forma monológica onde a autoridade médica e
policial, o perito médico-legista, relata o conhecimento construído por
ela a apresenta-o como versão pública do que aconteceu com um
corpo para que ocorresse a morte. Assim, através desse registro, o
perito constrói a verdade cartorial como autoridade policial, mas a
realiza através da linguagem que não é a policial, nem é a jurídica,
como fazem os delegados de polícia. [...] Ao construir o Laudo Médico-
Legal e cartorizar a morte, o perito médico legista constrói a ‘verdade
policial’ através dessa certa linguagem que apresenta a Medicina
Legal. [...] Assim, ao digitar a descrição do exame, um dos itens
presente no Laudo Médico-Legal, o policial está digitando o que o
Estado afirma que ocorreu com o corpo de um indivíduo para que ele
morresse. A descrição do exame no Laudo Médico-Legal diz a ‘verdade
dos fatos’ e estabelece a causa mortis.” (MEDEIROS, 2012:77-78)

O Laudo Médico-Legal é, assim, o documento onde o perito médico-


legista estabelece, em termos médico-legais, a verdade sobre a morte de um
indivíduo. O exame necroscópico, portanto, ao examinar os indivíduos, de
acordo com as divisões presentes nos laudos médico-legais, segmenta e mutila
os corpos sem vida (MEDEIROS, 2012), de maneira que o corpo perde
visibilidade, enquanto unidade, passando a ter suprema importância as partes:
cabeça, braços, pernas, órgãos, ..., já que “o corpo fala” através da interpretação
médica do corpo e, para esta as partes revelam mais do que o todo.
Como documento público, os Laudos Médico-Legais são legítimos a partir
do momento em que o perito médico legista assina esses documentos, pois além

32 Ver Anexo 6.5


56

de médicos, praticantes de técnicas científicas, são também policiais,


funcionários públicos da burocracia Estatal.
O professor Malthus Galvão resume o trabalho pericial na seguinte frase:
“Quem não sabe o que procura, não sabe onde procurar e muito menos
consegue interpretar o que encontra”.33.
O aliciamento da prática médica à legitimação dos papeis da burocracia
estatal, nesse contexto do Instituto Médico Legal, pode ser interpretado como o
destaque que as ciências biomédicas e exatas têm, comparativamente, às
ciências humanas e sociais. O que legitima a ciência médica como precursora
de um documento oficial como é o Laudo Médico Legal, e a validade jurídica
desse documento, é a crença depositada em sua veracidade ou verossimilhança
com a realidade, e na instituição que o produz, junto com seu corpo operacional.
“Sem dúvida, este é o caso das crenças científicas: em geral são
crenças mais complexas do que as crenças do cotidiano, da tradição,
do costume. Como combinamos e cotejamos, então, as distintas
modalidades de crenças? As verdades das crenças do costume, da
tradição são inferiores às verdades das crenças científicas? E as
crenças religiosas? Como compará-las com as outras crenças? Como,
em seu movimento, todos esses diferentes tipos de crenças se
articulam de modo que, em uma época, lugar, etc. as crenças plasmam
uma totalidade de crenças mais ou menos congruente?
[...]
A filosofia da ciência procura explicar a especificidade das crenças
científicas, dispensando pouca atenção à articulação das crenças
científicas com as outras variedades de crenças. Concentra-se
sobretudo na razão ou razões pelas quais as crenças científicas são
mais críveis. Como o prestígio social da ciência parece sugerir isto,
investiga as características da ciência que responderiam pela maior
credibilidade de suas crenças. Significa isto que a ciência, ao contrário
das outras práticas sociais nas quais e pelas quais emergem as
crenças, detém um método mais seguro para chegar à verdade das
coisas? Caso exista, este método tem a ver com o caráter sistemático,
justificado, público, lógico e empírico das atividades e do discurso
científicos? Todavia, como se disse e se sabe, também não vale para
as crenças científicas a dinâmica experimentada pelos outros tipos de

33 http://www.malthus.com.br/mg_total.asp
57

crença? Afinal, crenças científicas cridas por longos períodos também


não se mostram posteriormente incredíveis, falsas, incongruentes,
inconsistentes?” (DUAYER, 2012:17-18)
A racionalidade ascética é uma presença valorativa e valorada entre os
seres humanos desse século devido à trajetória histórica da humanidade – é
indiscutível, nesse trabalho, que os homens e mulheres o são de acordo com
seu tempo histórico e sua trajetória histórica – e, de forma mais individualizada,
devido a relação de anti-autopoiese34 que esses mesmos indivíduos construíram
ao longo dos seus séculos de vida e de necessidades capitalistas por eles
também criado. A desconstrução do ser em partes – o ser é físico, possui um
corpo, é mental, possui uma racionalidade e é psicológico, possui sentimentos –
levou também ao esquartejamento do conhecimento e, portanto, das ciências, já
que são construídas por homens anti-autopoiéticos.
Se um único ser humano possui corpo, mente, sentimentos e sensações
integrados, todas essas composições em harmonia e em contato umas com as
outras, nada mais racional do que as ações desse ser serem mediadas pelo
conjunto dos fatores que o compõem, integrados. Entretanto a fragmentação do
ser já se instaurou, temos médicos para cada órgão do corpo, inclusive para
nossos sentimentos. Se tratamos nosso corpo de forma segmentada, não seria

34 Segundo Humberto Maturana e Francisco Varela, todos os organismos funcionam devido


a seu acoplamento estrutural, ou seja, devido à sua interação com o meio, que se caracteriza
por uma mudança estrutural contínua (que não cessa enquanto houver vida) e, ao mesmo tempo,
pela conservação dessa recíproca relação de transformação entre o organismo (unidade) e o
meio, pois a forma como ocorre esse processo depende do meio e do contexto em que se vive.
Isso significa que, embora sejamos determinados por uma estrutura biológica, essa
determinação estrutural não implica num reducionismo biológico, pois o meio interfere na forma
com que iremos interagir com nossas próprias estruturas.
Apesar de seus limites, o homem está em constante processo de construção e
autoconstrução e sua interação com o meio ocorre a partir de uma regulação circular, na qual o
meio age sobre o indivíduo e o indivíduo age sobre o meio e não a partir da sobreposição e
determinação de um sobre o outro, apenas considera-se que, diferentemente do que se
convencionou pensar sobre a determinação filogênica, a Autopoiesis não considera que o meio
seja determinante de uma estrutura ontogênica, ele “apenas” participa de sua transformação. O
determinismo estrutural ontogênico é fundamental para a compreensão da Autopoiesis. Essa
determinação estrutural ontogênica exige que as mudanças sejam internas, ainda que
receptíveis à perturbação do meio, e esse determinismo, aliás, não impede a contingência
presente no processo das mudanças estruturais, as quais se dão por meio da deriva estrutural.
Desse modo, a estrutura determinada da biologia humana, a partir da perspectiva autopoiética,
não reduz a autonomia do sujeito. O determinismo biológico da teoria autopoiética não é um
determinismo absoluto e reducionista, mas um determinismo que não descarta uma dinâmica
inegavelmente indeterminada e imprevisível na qual estão sujeitos todos os sistemas vivos. Viver
é interagir, e interagir é conhecer, por extensão, viver é conhecer. (ANDRADE, 2012: 99-100).
58

lógico que a ciência que estuda os homens também o fosse. Os homens são
compreendidos de forma social/cultural e de forma biológica, como se um ser
social coabitasse o corpo do ser biológico. A nossa falha, enquanto cientistas
sociais, é não entendemos que o mesmo ser é biológico e social.
O século das luzes produziu o século dos holofotes. A Antropologia
Biológica é colocada como o oposto da Antropologia Social/Cultural. Contudo,
toda luz que irradia desses holofotes esquece que tanto a primeira quanto a
segunda possuem o mesmo objeto de estudo, os seres humanos, únicos e
individuais, detentores de corpo, mente, sentimentos e sensações em uma única
carapaça integrada, o corpo humano.
59

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Médicos europeus, ao investirem em suas curiosidades - mórbidas para


época – instituíram os conhecimentos de funcionamento e estrutura corporais,
sendo tão pioneiros que algumas de suas técnicas são utilizadas até hoje.
Quando esses mesmos profissionais pensaram em compreender o
comportamento humano, público e privado, em sociedade e na privacidade de
suas individualidades, enxergaram nas estruturas corporais causas para
moléstias físicas e psíquicas. Mas, como ainda era necessário explicar as
atrocidades cometidas pelos seres humanos e identificar as vítimas dessas
mesmas atrocidades, esses profissionais dedicaram-se tão meticulosamente ao
estudo da ossada humana que, o que hoje existe como técnica mais segura e
assertiva na Antropologia Forense, foi por um desses médicos desenvolvidas
ainda no século XIX, a antropometria.
Ressalto que, as descobertas, o conhecimento, só surgiram e se
aperfeiçoaram devido às necessidades das sociedades, em que esses
intelectuais viveram, de explicar ou entender determinados tipos de fenômenos,
que para eles eram as questões mais relevantes35: o crime, o criminoso,
identificação de vítimas e/ou heróis de guerras, patologias, extrema inteligência,
extrema ausência de inteligência, etc.
Assim, este trabalho retratou o uso das ciências no contexto forense de
investigação criminal. Sobretudo, tinha como objetivo destacar os papéis
desempenhados pela Antropologia Forense enquanto prática da polícia técnico-
científica no Brasil, em particular, no Rio de Janeiro.
Com esse quadro em mente foi descoberto que a prática antropológica
forense brasileira muito difere daquela observada em registros dos países da
América Latina e nos EUA, por exemplo. Argentina, Peru e Guatemala possuem
seus grupos independentes que treinam pessoas em Antropologia Forense, não
necessariamente a nível acadêmico, mas há certificação para prática. Nos EUA

35 Ressalto aqui todo ser humano é homem e mulher de seu tempo, de sua época,
correspondendo a demandas, necessidades, curiosidades e intransigências historicamente
estabelecidos. Por isso não deve haver na leitura deste trabalho um olhar pejorativo ou
valorativo a determinadas regiões, épocas ou grupo de cientistas.
60

há cursos de graduação em Antropologia Forense. No Brasil a Antropologia


Forense é uma área de especialização para médicos, especificamente aqueles
que são peritos legistas.
Na perícia criminal é necessário que 1) haja a desconstrução do ser
humano física e/ou psiquicamente (homicídios, crimes hediondos, estupros, etc.)
para que 2) os indivíduos sejam enxergados, física e humanamente. 3) Olha-se
para o corpo dilacerado, para as partes analisadas microscopicamente, para que
esses resquícios “iluminem” os fatos que levam a causa mortis.
Escolhemos escutar aos corpos que não podem mais comunicar-se
pela fala - seja porque já não possuem mais vida ou porque a vida se mostrou
tão dolorosa que a fala não é mais uma escolha – crimes sexuais, violência
doméstica, .. - o silêncio torna-se mais humano e acolhedor – do que escuta-los
quando estão em pleno vigor, antes de serem traumatizados, desumanizados e
dilacerados pelas próprias condições de vida que criamos. Se (1) se
aproximasse da nulidade, (3) seria a exceção.
Os peritos médico-legistas, de acordo com a legislação brasileira, são as
instâncias autorizadas – instâncias por comporem os Institutos Médico Legais,
lugares onde linguagem científica é transcrita em linguagem jurídica na qual, os
fatos relatados são a “verdade”, ao menos juridicamente, do que ocorreu com os
indivíduos examinados – a transformar corpos sem vida em mortos, já que um
corpo sem vida, para “os papéis” da burocracia Estatal, sem Certificado de Óbito,
não é classificado como morto.
Além de Certificarem o Óbito, os peritos médico-legistas, através dos
laudos periciais - documentos oficiais que reproduzem o caráter cartorial da
polícia técnico científica além de atestarem a interpretação do Estado sobre os
fatos ocorridos com o cadáver periciado, no caso da perícia criminal - empoem,
portanto, a “verdade” que cerca a morte e as circunstâncias de morte em corpos
sem vida.
O que, talvez, qualifique a ciência médica moderna como “apta” a
desempenhar função de tamanho peso na burocracia estatal, seja a relação que,
historicamente, nós, seres humanos, estabelecemos com as ciências biológicas
e biomédicas. Atribuímos-lhes os caracteres mais objetivos que nossa
“racionalidade” – recém surgida na Idade Média (NASCIMENTO JÚNIOR, 2003)
61

– nos proporcionara. Assim, tratamos a ciência biomédica como objetiva, devido


ao “explícito” caráter de sua metodologia, racional, pragmática e imparcial, pois
se seus métodos são claros e seus propósitos isentos de pessoalidade – essa
isenção também um registro da “razão” -, os resultados obtidos “objetivamente”
serão verdadeiros.
A construção dessa “razão” considera as produções humanas a nível do
intelecto. Como consequência, construções humanas materiais, que fazem uso
de objetos e necessitam do próprio corpo humano para se realizarem, como o
trabalho artesanal, foram classificas como atos passivos de parcialidade e, pela
“razão” classifica-los como não intelectuais, o senso comum os classificou como
“simplórios”.
A “razão” estimula, assim, o desenvolvimento humano no nível do
intelecto, com técnicas e conhecimentos lógicos, ascéticos e objetivos. A
concentração nesse tipo de desenvolvimento intelectual, fez com que a parcela
de humanidade dos seres humanos fosse adormecida.
Quando Maturana e Valera (ANDRADE, 2012) resgatam essa
humanidade ao pensarem a construção autopoiética do ser, claro fica que, nossa
história muito valorizou a biologia e diversos de seus determinismos.
Fomos, portanto, condicionados a crer nos tratados evangelísticos das
ciências “racionais”, “objetivas”, “pragmáticas” e “neutras”. Esquecemos, pelas
mesmas razões “racionais”, de crer na humanidade dos homens históricos, na
integralização do ser humano e na imaterialidade de suas culturas, experiências
e histórias.
Na introdução deste trabalho fiz preludio ao final do processo de
construção do mesmo. Mencionei que, a maior importância não estava no
conteúdo, mas nas experiências pessoais adquiridas no percurso.
Neste percurso percebi o quanto minha fala e meus pensamentos
estavam, e ainda carregam um pouco, impregnados da “necessidade de razão”
nas demandas do cotidiano acadêmico, ainda que esteja nas ciências sócias.
Fui socializada com essa demanda e, ao longo dos anos escolares, correspondi
a seus objetivos. Agora, no final do caminho da graduação – não penso que seja
tarde – escolhi ser diferente.
62

Por isso, termino este trabalho com uma frase que, para mim, mostrou-
se extremamente sensata. Essa frase, como pretendi colocar este trabalho, está
para além de metodologias, conteúdos e discursos. Ambos, frase e trabalho, têm
o intuito de serem lidos e experimentados, enquanto produção humana imaterial,
através da sensibilidade humana.

“In the sky, there is no distinction of east and West;


People create distinctions out of their own minds
And then believe them to be true.” (TASHI, 2012: 28)
63

5 FONTES

a. Referências Bibliográficas

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0&codhab=200&tipo=N

https://www2.ufmg.br/mostradasprofissoes/Mostra/Cursos/Ciencias-
Humanas/Antropologia

https://siga.ufrj.br/sira/temas/zire/frameConsultas.jsp?mainPage=/repositoriocur
riculo/220D7640-92A4-F799-136A-F14D368DEE35.html

http://www.ppga-ufpa.com.br/areas/concentracao/

http://www.apcf.org.br/Per%C3%ADciaCriminal/Oque%C3%A9per%C3%ADcia.
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PF_PERITO_ABERTURA.DOCX.PDF

http://www.malthus.com.br/mg_total.asp

http://www.ibemol.com.br/sodime/
68

6 APENDICES

6.1 Tabela 1: Definições

Instituições, Pesquisadores e Centros Definições Fontes


de pesquisa
“The analysis of skeletal, badly
decomposed, or otherwise unidentified human
American Board of Forensic Anthropology remains is important in both legal and http://www.theabfa.org/
humanitarian contexts.”
“la recuperación, descripción e
identificación de restos esqueléticos humanos es
la principal labor de los antropólogos forenses.[...]
Los casos típicos van desde homicídios recientes
Dra. Karen Ramey Burns a destrucción ilegal de antigos enterramientos de BURNS, Karen. 2008. Manual de Antropología
poblaciones arcaicas. Los antropólogos forenses Forense. Barcelona: edicions bellaterra
operan com casos individulaes, desastres
colectivos, restos históricos y evidencias
internacionales de transgresión de los derechos
humanos.” (BURNS, 2008:27)
69

Aplicação da antropologia forense em


Equipo Argentino de Antropología Forense investigações sobre violação dos direitos http://www.eaaf.org/
(EAAF) humanos.
“EPAF conducts forensic anthropology
investigations of clandestine graves to fulfill both
the interests of justice and the humanitarian needs
of victims’ families. Through these investigations,
Equipo Peruano de Antropología Forense EPAF is able to both provide evidence for judicial http://epafperu.org/que-hacemos/
(EPAF) prosecutions and help to identify victims so that
their families may recover their remains, give them
a dignified burial, and gain an important sense of
closure regarding their deaths.”
"En España, los problemas asociados a
laidentificación en el ámbito legal han estado
invariablemente asociados a la Medicina legal y http://scielo.isciii.es/scielo.php?script=sci_artte
Espanha Forense cuyo origen, en su etapa moderna, xt&pid=S1135-76062008000300002
coincide con el de la propia Antropología, en la
que médicos y naturalistas han tenido un impacto
significativo." (PRIETO, 2008:189)
70

busca establecer el perfil biológico de


los restos recuperados, traumas circunmortem y
propuesta de la identificación utilizando técnicas
de osteología. Cuenta entre sus procedimientos
con radiografiado, lavado y marcado de
osamentas; determinación de sexo, edad,
estatura, hallazgos antemortem y patológicos;
Fundación de Antropologia Forense de evidencias asociadas (ropa, vestigios metálicos, http://www.fafg.org/ciencias-forenses/
Guatemala vendas, lazos, etc.); registro gráfico y fotográfico
de osamentas y evidencias; roma de muestras
esqueléticas de las osamentas (dentales y óseas);
vaciado de información; elaboración de informe
pericial; revisión con peritos de otras áreas de
identificaciones osteológicas, todo con la debida
cadena de custodia de la evidencia.
la aplicación de los conocimientos,
métodos y técnicas de la Antropología Física em
la resolución de casos legales, que apuntan sin VALERA, Emanuel. 2012. Conociendo la
lugar a duda a estabelecer la identidade de un Antropología Forense: elementos básicos
Prof. Emanuel Valera individuo que carece sócio-jurídicamente de ella sobre la disciplina aplicada. Editorial
em un momento dado, es así como se busca Académica Española.
ubicarlo dentro de um contexto sócio-cultural
específico a partir de sus características
71

biológicas y otras associadas de outra naturaliza


que permiten tal finalidad” (VALERA, 2012:13).

“Forensic Anthropology is the application


Scientific Working Group for Forensic of anthropological methods and theory -
Anthropology e European Association of particularly those relating to the recovery and http://www.swganth.org/
Forensic Anthropology analysis of human remains - to resolve legal
matters.”
“Human remains record sex, age, height,
and clues to ancestry. A scientist who uses the
"keys" in human bones and teeth is a forensic
Smithsonian Institut anthropologist. The word forensic refers to http://anthropology.si.edu/writteninbone/forens
applying science to legal or criminal matters, but ic_anthro.html
forensic anthropologists may investigate modern
or ancient human remains to solve mysteries.”
“Em termos práticos, pretende-se que os
discentes consigam fazer a
interpretação/significado médico legal dum caso
de antropologia forense; que reconheçam todas
as etapas dum exame antropológico e o papel do
Universidade de Coimbra antropólogo forense nos vários contextos em que http://apps.uc.pt/courses/PT/course/3361
trabalha; que identifiquem qualquer osso humano;
que consigam fazer uma crítica tafonómica; que
dominem as técnicas de avaliação do perfil
biológico; que saibam fazer a interpretação de
72

traumatismos ósseos; que entendam a implicação


forense dum caso de antropologia.”

“Dar a conhecer esta ciência que


contribui decisivamente para alcançar os dois
grandes objectivos de qualquer autópsia: a
identificação e a causa da morte. São leccionados
cada um dos grandes parâmetros conducentes ao
perfil biológico de um indivíduo: diagnose sexual,
estimativa da idade à morte, afinidades
Universidade do Porto populacionais e estatura. São analisados os http://sigarra.up.pt/fmup/pt/ucurr_geral.ficha_u
factores de individualização, designadamente os c_view?pv_ocorrencia_id=285589
patológicos e as lesões traumáticas do esqueleto
são focadas na perspectiva da detecção da causa
da morte. A importância da dentição para a
identificação é discutida com uma introdução à
odontologia forense. No âmbito da abordagem do
período de tempo decorrido desde a morte, o
curso inclui ainda uma abordagem à entomologia
forense.”
73

“Forensic Anthropology is best


described as the analysis of human remains for
the medicolegal purposes of establishing identity.
It's a specialised area of science that requires
detailed anatomical and osteological training. http://www.dundee.ac.uk/study/ug/forensicant
University of Dundee Being able to assign a name to the deceased is hropology/
critical to the successful outcome of all legal
investigations, and this becomes increasingly
complex as the body passes through the various
transitional phases of decomposition.”
“forensic anthropology is the
examination of human skeletal remains for law
University of Tennesee enforcement agencies to determine the identity of http://fac.utk.edu/forensic.html
unidentified bones.”
“En Antropología Forense, se procesan
aquellas evidencias antropológicas que son
colectadas en el sitio del suceso, y posteriormente
trasladadas al laboratorio de Antropología
Venezuela Forense, así como también aquellas evidencias http://criminalistica.mp.gob.ve/site/?m=CBQT
colectadas directamente en el mismo, por GQoTGRjUCQoZBhERCg==&CW=2tk=
procedimientos de obtención de muestras
(indubitadas, especímenes de control y
estándares de comparación) y que sirvan para el
proceso de identificación.”
Fonte: levantamento de dados da própria autora.
74

6.2 Tabela 2: Código Processual Penal

Código Processual Penal: artigos relacionados a perícia civil e criminal

Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão
exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

Art. 159. O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial, portador de diploma de curso superior.

§ 1.º Na falta de perito oficial, o exame será realizado por 2 (duas) pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior preferencialmente
na área específica, dentre as que tiverem habilitação técnica relacionada com a natureza do exame.

Art. 160. Os peritos elaborarão o laudo pericial, onde descreverão minuciosamente o que examinarem, e responderão aos quesitos formulados.

Art. 164. Os cadáveres serão sempre fotografados na posição em que forem encontrados, bem como, na medida do possível, todas as lesões
externas e vestígios deixados no local do crime.
75

Art. 165. Para representar as lesões encontradas no cadáver, os peritos, quando possível, juntarão ao laudo do exame provas fotográficas,
esquemas ou desenhos, devidamente rubricados.
Art. 169. Para o efeito de exame do local onde houver sido praticada a infração, a autoridade providenciará imediatamente para que não se
altere o estado das coisas até a chegada dos peritos, que poderão instruir seus laudos com fotografias, desenhos ou esquemas elucidativos.

Parágrafo único. Os peritos registrarão, no laudo, as alterações do estado das coisas e discutirão, no relatório, as consequências dessas alterações
na dinâmica dos fatos.

Art. 170. Nas perícias de laboratório, os peritos guardarão material suficiente para a eventualidade de nova perícia. Sempre que conveniente, os
laudos serão ilustrados com provas fotográficas, ou microfotográficas, desenhos ou esquemas.

Art. 171. Nos crimes cometidos com destruição ou rompimento de obstáculo a subtração da coisa, ou por meio de escalada, os peritos, além de
descrever os vestígios, indicarão com que instrumentos, por que meios e em que época presumem ter sido o fato praticado.

Art. 173. No caso de incêndio, os peritos verificarão a causa e o lugar em que houver começado, o perigo que dele tiver resultado para a vida ou
para o patrimônio alheio, a extensão do dano e o seu valor e as demais circunstâncias que interessarem à elucidação do fato.

Art. 180. Se houver divergência entre os peritos, serão consignadas no auto do exame as declarações e respostas de um e de outro, ou cada um
redigirá separadamente o seu laudo, e a autoridade nomeará um terceiro; se este divergir de ambos, a autoridade poderá mandar proceder a
novo exame por outros peritos.
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Art. 182. O juiz não ficará adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo, no todo ou em parte.

Art. 184. Salvo o caso de exame de corpo de delito, o juiz ou a autoridade policial negará a perícia requerida pelas partes, quando não for
necessária ao esclarecimento da verdade.

Fonte: levantamento de dados da própria autora


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6.3 Modelo de Croqui


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Fonte: sítio da internet 36

36 Disponível em: http://periciacriminalalagoana.blogspot.com.br/2013_11_01_archive.html,


acessado em: 10/08/2014.
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6.4 Esquemas de Marcadores de Lesões37

37 Todas as imagens da sessão 6.4 possuem a mesma fonte, indicada no término da dita
sessão.
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Fonte: Sítio da Internet38

38 Disponível em: http://www.ibemol.com.br/sodime/, acessado em 10/08/2014


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6.5 Modelo de Laudo Pericial Necroscópico


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Fonte: entrevistado39

39 A pessoa entrevistada é funcionária pública do Tribunal Judiciário do Rio de Janeiro e, por


estar em plena atividade de suas funções, optou por preservar sua identidade.
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