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versão reduzida de Alice para crianças pequeninas.

A timidez excessiva sempre foi o mais notável dos traços

do caráter de Carroll. Talvez por isso, ele nunca se casou. No

entanto, sempre manifestou grande afeição por meninas

pequenas (curiosamente, ele não suportava meninos). Em

companhia de suas amiguinhas, Carroll transformava-se

inteiramente: deixava de lado o acanhamento e revelava um

temperamento amável e até mesmo descontraído. Em todas as

suas viagens, carregava consigo uma bolsa cheia de brinquedos

e pequenas curiosidades para entreter as meninas com quem se

encontrava.

Além do enorme talento e interesse que demonstrava por

lógica e literatura, Carroll desenvolveu também uma outra

atividade artística, ainda nova em seu tempo: a fotografia.

Especializou-se em retratar meninas, chegando a ser considera-

do por muitos como um dos mais importantes fotógrafos do

século XIX. A fotografia possibilitou-lhe também aproximar-se

de muitas menininhas e travar “pequenas amizades” que por

vezes chegaram a perdurar longos anos.

Em 1855, seu primeiro ano como professor em Oxford,

tornou-se amigo do novo decano da faculdade, Henry George

Liddell.5

No ano seguinte, conheceu suas três filhas, Lorina

Charlotte, Alice Pleasance e Edith: esse dia foi registrado em

seu diário com particular entusiasmo. Num dia de verão de

1862, Carroll e um seu amigo, o reverendo Duckworth, fizeram

um passeio de barco pelo rio Tâmisa com as irmãs Liddell.


Alice, sua preferida entre as três, contava então dez anos de

idade. Esse passeio marcou para sempre a vida do escritor: foi

ali, com a mera intenção de divertir e agradar suas queridas

crianças, que Lewis Carroll inventou boa parte das aventuras de

Alice no País das Maravilhas. Ele as inventava enquanto,

animadamente, remava e as contava para as meninas, para

grande espanto do amigo, que chegou a perguntar-lhe se ele já

6 Nonsense (pronúncia nónsens): sem-sentido, absurdo.

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não tinha elaborado antes aquela narrativa extraordinária.

A pedido da própria Alice, Carroll escreveu a história. De-

pois de muitas alterações e de submeter o manuscrito à aprecia-

ção de alguns amigos, publicou o texto em 1865.

Só muito mais tarde veio a escrever Através do Espelho e

as suas outras obras voltadas para o público infantil. Embora

tenha lecionado até o final de sua vida, Carroll nunca chegou a

fazer uma brilhante carreira como professor, nem tampouco se

dedicou à oratória eclesiástica (que seria uma das possibilidades

oferecidas por seu cargo em Oxford), porque se envergonhava

profundamente de sua gaguez. Abandonou a fotografia em

1880, recusando-se a adotar inovações técnicas como o uso da

película em vez da antiga chapa fotográfica. Nos últimos meses

de vida, Charles Dodgson passou a repudiar tudo o que dizia

respeito a Lewis Carroll, recusando-se até mesmo a receber as


cartas endereçadas a este nome. Morreu em 1898 em conse-

qüência de uma bronquite.

2. Alice no País das Maravilhas

Nas aventuras de Alice no País das Maravilhas, duas são

as características mais notáveis: a presença do maravilhoso e,

principalmente, do nonsense.

O elemento maravilhoso em uma narrativa é aquilo que

irrompe subitamente no mundo real, negando ou contradizendo

suas regras: é algo mágico ou absurdo que, de repente, se

manifesta em meio ao universo cotidiano. Trata-se de uma

característica que, na verdade, remonta aos contos de fadas.

Mas nesses contos o elemento mágico surge somente em

determinadas situações, como aquelas em que uma fada com

sua varinha de condão intervém para realizar um sonho ou

desejo impossível. Já nos livros de Alice o maravilhoso penetra

na vida cotidiana e a transforma em algo estranho, num mundo

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inteiramente imaginário e desconhecido. O maravilhoso

desponta logo no início do primeiro capítulo, quando Alice

entra na toca do Coelho; a partir desse momento, toda a

narrativa vai transcorrer num plano mágico, até o retorno para

o plano da realidade no capítulo final.

O nonsense é um elemento típico da literatura inglesa do


século XIX, e foi Lewis Carroll quem mais inventivamente o

utilizou. Caracterizado pelo emprego do absurdo, o nonsense é

uma forma literária que, por meio da subversão da linguagem,

revela diversos níveis de crítica: crítica às normas naturais que

regem nossa vida, crítica à sociedade conservadora e moralista

daquela época, crítica da própria linguagem. São manifestações

do nonsense: as brincadeiras com a lógica, a exploração dos

vários sentidos das palavras, as situações absurdas, a impressão

de um mundo de pernas para o ar.

Outra característica de Alice a ser levada em conta é a

presença de poesia em meio à narrativa. O poema de abertura

do livro diz respeito, evidentemente, ao célebre passeio de

barco que o autor fez em 1862 com as irmãs Liddell, e não se

relaciona com a narrativa propriamente dita, tendo antes a

função de dedicatória do livro à menina Alice. Já os poemas

que apresentam relação articulada com a narrativa são de dois

tipos. Um é a paródia, isto é, a imitação distorcida e cômica de

poemas e cantigas tradicionais inglesas que naquele tempo

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