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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO”

FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

ROGÉRIO CLEMENTINO SARAIVA JUNIOR

A HERÁLDICA SIGILOGRÁFICA DA DINASTIA DE AVIS NA SUA


LETIGIMAÇÃO: PORTUGAL, SÉCULOS XIV E XV.

FRANCA

2016
ROGÉRIO CLEMENTINO SARAIVA JUNIOR

A HERÁLDICA SIGILOGRÁFICA DA DINASTIA DE AVIS NA SUA


LETIGIMAÇÃO: PORTUGAL, SÉCULOS XIV E XV.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado a


Faculdade de Ciências Humanas e Sociais,
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita
Filho”, como pré-requisito para a obtenção do título
de Bacharel em História.
Orientadora: Professora Doutora Susani Silveira
Lemos França

FRANCA

2016
ROGÉRIO CLEMENTINO SARAIVA JUNIOR

A HERÁLDICA SIGILOGRÁFICA DA DINASTIA DE AVIS NA SUA


LETIGIMAÇÃO: PORTUGAL, SÉCULOS XIV E XV.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado a Faculdade de Ciências Humanas e Sociais,


Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como pré-requisito para a obtenção
do título de Bacharel em História.

BANCA EXAMINADORA

Presidente:_________________________________________________________________

Dra. Susani Silveira Lemos França

1º Examinador (a):___________________________________________________________

Dr. (a) ___________________________________

2º Examinador (a):___________________________________________________________

Dr. (a)___________________________________

Franca, __________ de ________________ de 2016.


Aos Srs. Rogério Saraiva e Ana Luiza Saraiva, meus queridos pais.
AGRADECIMENTOS

Agradecemos primeiramente aos familiares e amizades que no convívio diário, não


somente apoiaram o esforço da feitura deste trabalho desde o início de sua pesquisa, mas
também aturaram as alterações de humor de seu autor. A estes tornamos claros os nossos votos
de gratidão e alegria por chegarem conosco a mais alegre parte da jornada da graduação.

Fazemo-nos gratos, também as pertinentes e valorosas orientações da Profª Drª


Susani Silveira Lemos França, que durante quase dois anos agraciou-nos com o devido
norteamento de nossa pesquisa, refinando nossos escopos de forma que chegamos no resultado
final deste trabalho. Nossos votos de cada vez mais frutíferos trabalhos e felicidade à generosa
professora.

Desejamos também fazer agradecimentos ao CNPq, que através da Bolsa Pibic,


financiou recursos de grande parte das pesquisas que erigiram este trabalho. À instituição,
nossos votos de que sigam o caminho do apoio a pesquisa discente durante muitos anos.

Devemos também agradecer a Sra. Adelaide Sergina Clementino de Queiróz, que


com liberalidade e amor a seu bisneto, o acolheu durante os anos de graduação, dando-lhe
guarida da melhor forma que sua saúde permitiu. Que Deus a abençoe com saúde e paz.

Ante todos estes, agradecemos ao Pai Celestial, Nosso Senhor e Deus, que nos
abençoa e provê. Deus seja louvado.
“As armas é a insígnia que cada um tem de sua nobreza, conforme ao apelido com que se nomeia, e com o sinete
delas sela as cartas de importância, ou com elmo e folhagens sobre o paquife do escudo, ou com ele em tarja,
como tenção; que estas, como são pensamentos e desenho particular, se abrem às vezes em redondo, ovado, ou
quadrângulo, e outras figuras, sem respeitar a do escudo. (...)

El-Rei D. João o Primeiro trazia na orla das armas uma letra que dizia : Por bem.”(sic)

- Rodrigues Lobo, “Corte na Aldeia e Noites de Inverno”, Portugal: MDCXIX.


RESUMO

SARAIVA JR, Rogério Clementino. A heráldica sigilográfica de Dom João I na legitimação


da Dinastia de Avis. 2016. 58 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharel em História) –
Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita
Filho”, Franca, 2016.

O presente trabalho de conclusão de curso visa apresentar uma análise acerca das modificações
promovidas pela Dinastia de Avis, mais precisamente por Dom João I, na armaria régia de
Portugal e compreendê-las dentro do contexto da Legitimação dinástica e do jogo político frente
às dinastias Borgonha e Trastâmara. Dado que o selo régio, no período aqui abordado, apresenta
um símbolo da corrente armaria dinástica e nacional, empregamos como fonte dois selos de
cera, emitidos por Dom João I no ano de 1400, que carregam sua heráldica para, através destes
espécimes, fazer nossas análises. O que se busca observar, na pesquisa, é como as modificações
armoriais de Dom João I encaixam-se nos seus intentos de legitimação e, por meio da retomada
da batalha de Ourique, colocando-o como representante da continuidade do pacto divino
celebrado entre Deus, o rei Dom Afonso Henriques, primeiro monarca português, e,
consequentemente, os reis que o sucederam no território português.

Palavras-chaves: Dinastia de Avis. Heráldica. Sigilografia. Portugal. Legitimação.


LISTA DE IMAGENS

FIGURA 1 – Representação do Selo de Dom Afonso I ...................................................... 28

FIGURA 2 – Representação do Selo de Dom Sancho I ...................................................... 28

FIGURA 3 – Representação do Selo de Dom Afonso II..................................................... 29

FIGURA 4 – Representação do Selo de Dom Sancho II .................................................... 29

FIGURA 5 – Representação do Selo de Dom Afonso III ................................................... 32

FIGURA 6 – Representação do Selo de Dom Dinis I ......................................................... 32

FIGURA 7 – Representação do Selo de Dom Afonso IV ................................................... 33

FIGURA 8 – Representação do Selo de Dom Pedro I ........................................................ 33

FIGURA 9 – Representação do Selo de Dom Fernando I ................................................. 34

FIGURA 10 – Representação do Selo de Dom João I ........................................................ 34

FIGURA 11 – “Carta de Mandado de D. João I ao almoxarife de Santarém para que


entregue ao mosteiro de Alcobaça parte do reguengo da valada como tinha sido acertado
em carta de escambo feita entre o Rei D. Dinis e o mosteiro de Alcobaça” .................... 39

FIGURA 12 – Detalhe da “Carta de Mandado de D. João I ao almoxarife de Santarém


para que entregue ao mosteiro de Alcobaça parte do reguengo da valada como tinha sido
acertado em carta de escambo feita entre o Rei D. Dinis e o mosteiro de Alcobaça” .... 40

FIGURA 13 – “Carta de Mandado de D. João I ao Almoxarife em Santarém para entregar


ao mosteiro da Santíssima Trindade de Santarém a herdade que chamam de monte de
trigo” ...................................................................................................................................... 42

FIGURA 14 – Detalhe da “Carta de Mandado de D. João I ao Almoxarife em Santarém


para entregar ao mosteiro da Santíssima Trindade de Santarém a herdade que chamam
de monte de trigo” ................................................................................................................ 43
LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 – DESCRIÇÃO DO EXEMPLAR DA “CARTA DE MANDADO DE D.


JOÃO I AO ALMOXARIFE DE SANTARÉM PARA QUE ENTREGUE AO
MOSTEIRO DE ALCOBAÇA PARTE DO REGUENGO DA VALADA COMO TINHA
SIDO ACERTADO EM CARTA DE ESCAMBO FEITA ENTRE O REI D. DINIS E O
MOSTEIRO DE ALCOBAÇA”. .......................................................................................... 38

QUADRO 2 – DESCRIÇÃO DO EXEMPLAR DA “CARTA DE MANDADO DE D.


JOÃO I AO ALMOXARIFE EM SANTARÉM OARA ENTREGAR AO MOSTEIRO
DA SANTÍSSIMA TRINDADE DE SANTARÉM A HERDADE QUE CHAMAM DE
MONTE DE TRIGO”. .......................................................................................................... 41
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 11
2. A HERÁLDICA E OS SELOS NA SOCIEDADE PORTUGUESA DOS
SÉCULOS XIV-XV ................................................................................................... 14
3. O SELO RÉGIO DE DOM JOÃO I: DESCRIÇÃO E INTERPRETAÇÃO ...... 25
3.1. A tradição sigilográfica portuguesa e suas gerações entre os séculos XII ao
XV: Geração de Dom Afonso I; Geração de Dom Afonso III; Geração de Dom
João I ............................................................................................................. 26
3.2. Descrição das fontes: caracterização do corpus documental através dos
parâmetros de Lancastre e Távora ................................................................. 36
3.3. Interpretação do selo régio de Dom João I: o contexto da legitimação ........ 45
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 53
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................... 55
11

1. INTRODUÇÃO

Durante o século XIX e parte do século XX, heráldica e produção acadêmico-


científica mantiveram-se divorciadas. Os pesquisadores e historiadores insistiram no seu caráter
arbitrário e meramente baseado em um léxico normativo de ordem simbológica, ilustrativo de
uma busca de status digna do Antigo Regime; os heraldistas, por seu turno, isolavam-se em
intentos de colheita de dados, classificações armoriais e comprovações de linhagens,
recrudescendo um isolamento ante as pesquisas históricas. Somente no final do século XIX é
que a heráldica passa a ser uma ciência auxiliar da história para, anos depois, já nos decênios
finais do século XX, com os contributos do pesquisador Michel Pastoureau, passar a ser um
ramo constituinte do saber historiográfico.

No século XXI, entretanto, a heráldica vem paulatinamente se firmando como uma


fonte de extrema importância, reveladora de certos valores correntes na sociedade.1 Apesar de
deter pesquisas de apreciação acadêmica internacional desde a década de 1970,2 dentro da
comunidade acadêmica lusófona, o tema ainda conta com poucos trabalhos e pesquisas
publicados. Em Portugal, o Centro Lusíada de Estudos Genealógicos e Heráldicos da
Universidade Lusíada de Lisboa, o Instituto de Estudos Medievais e o Centro de História de
Além-Mar – estes dois últimos vinculados à Universidade Nova de Lisboa3 – tem se mostrado
os principais focos de pesquisa sobre o tema. Já no Brasil, até onde temos notícia, recentemente
uma única dissertação adentra ao tema na Universidade Federal Fluminense, de autoria de
Tavares Filho, escrita ainda há pouco, no ano de 2014.

Quanto a sigilografia, que se concentra ao estudo dos selos de cera autenticadores


ou lacradores de documentação, o rol de estudos é ainda mais restrito. Os já erigidos, como os
de Lancastre e Távora, concentraram-se na catalogação de espécimes disponíveis em arquivos
públicos e particulares. De fato, a história do selo português começa a ser desvendada muito
recentemente, principalmente com a produção da historiadora portuguesa Maria do Rosário
Barbosa Morujão, cujos estudos debruçam-se sobre o tema. No campo internacional, o célebre
Michel Pastoureau contribui para a discussão, dedicando um capítulo inteiro do seu livro Une

1
SEIXAS, Miguel Metelo de. “Bibliografia de heráldica medieval portuguesa”. In. SEIXAS, Miguel Metelo
de(Coord.); ROSA, Maria de Lurdes (Coord.). Estudos de Heráldica Medieval. Lisboa: Instituto de Estudos
Medievais (FCSH/UNL) – Centro Lusíada de Estudos Genealógicos e Heráldicos (ULL) – Caminhos Romanos,
2012. p. 529-530.
2
Idem. Op. Cit. P. 531.
3
Idem. Op. Cit. P. 537.
12

histoire symbolique du Moyen âge occidental aos pequeninos monumentos de cera. Ainda
acerca da produção historiográfica no campo lusófono sobre a sigilografia medieval, faz-se
pertinente destacar as importantes contribuições do Projeto SIGILLVM, coordenado por
Barbosa Morujão – e ligado a uma lista de importantes universidades e institutos portugueses e
franceses –, bem como a Rede Nacional de Arquivos de Portugal, o Arquivo Nacional da Torre
do Tombo, entre outros arquivos distritais e eclesiásticos portugueses. O projeto visa constituir
o primeiro catálogo sistemático dos selos portugueses, principalmente os ligados ao clero
secular. Segundo informações do grupo, uma das maiores pertinências de seus trabalhos é uma
recuperação progressiva da memória e das fontes históricas de Portugal, dado que mais da
metade dos selos do Arquivo Nacional da Torre do Tombo encontram-se desaparecidos e menos
de um quarto podem ser considerados em bom estado.4

Visto a corrente renovação dos estudos acerca das fontes heráldicas e sigilares do
medievo português, desejamos dialogar, através do presente trabalho, com esta nova leitura de
fontes pouco ainda estudadas no Brasil. Buscamos no presente trabalho questionar os motivos
pelos quais Dom João I, primeiro monarca da Dinastia de Avis, ao constituir uma nova dinastia
reinante, modificou as Armas Régias de Portugal, acrescentando-lhes o seu símbolo pessoal, a
Cruz da Ordem de Avis, não as deixando como eram antes e nem constituindo armaria nova.

Para a feitura de nosso trabalho, optamos por dividi-lo em dois capítulos. No


primeiro, “A heráldica e os selos na sociedade portuguesa dos séculos XIV-XV”, buscamos
entender que espaço social e político os brasões de armas e os selos ocupavam na sociedade
portuguesa dentro do período em foco, os anos finais do século XIV e os primeiros do século
XV. Escolhemos este recorte temporal em razão da datação de nossas fontes, ambas do ano de
1400, período em que a preocupação com a legitimação da Dinastia de Avis começa a ganhar
várias formas. Nossas interrogações e análises, estão abalizadas sobretudo pelos estudos de
Michel Pastoureau, Miguel Metelo de Seixas, Luís Gonzaga de Lancastre e Távora, Gastão de
Matos, entre outros. Escolhemos estes autores, pois eles trabalham a heráldica de forma não
somente normativa, mas avaliam seus elos históricos e, com a exceção de Pastoureau, pensam
a heráldica portuguesa e suas singularidades.

No segundo capítulo, “O selo régio de Dom João I: descrição e interpretação”, já


estando a heráldica e a sigilografia descritas quanto ao seu espaço sócio-político, procuramos

4
SIGILLVM, Projeto. SIGILLVM. Corpus dos selos portugueses. (Material de divulgação da pesquisa).
Lisboa: Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa, 2014.
13

interpretar nossas fontes dentro do contexto histórico, para buscar os possíveis significados das
modificações armoriais feitas pela Dinastia de Avis. Para fazermos esta descrição e esta
interpretação, dividimos o capítulo em três partes; na primeira, “A tradição sigilográfica
portuguesa e suas gerações entre os séculos XII ao XV: Geração de Dom Afonso I; Geração
de Dom Afonso III; Geração de Dom João I”, é nosso intento dar vistas de como os selos
portugueses constituíram uma longa tradição, na qual se consegue encontrar gerações, as quais
mostram como os selos e a heráldica eram uma das demonstrações de continuidade e coesão
dinásticas, bem como verificar como Dom João I se coloca ante esta tradição. Na parte seguinte,
“Descrição das fontes: caracterização do corpus documental através dos parâmetros de
Lancastre e Távora”, apresentamos as particularidades das fontes analisadas: dois selos de cera
pendentes de duas diferentes cartas de Dom João I a mosteiros. O objetivo da análise é
classificar e descrever os selos, empregando os padrões de análise condensados na obra de
Lancastre e Távora, de forma a apresentá-los através de um léxico normativo empregado pelas
pesquisas sigilográficas. Tendo apresentado nossas fontes, a terceira parte do capítulo,
“Interpretação do selo régio de Dom João I: o contexto da legitimação”, apresentará nossa
hipótese através de uma interpretação da interpolação da Cruz de Avis na Armaria Régia
Portuguesa, levando em consideração o contexto da legitimação da Dinastia de Avis em
comparação a Dinastia de Borgonha e a Dinastia Trastâmara e da reformulação do mito
fundacional da nacionalidade portuguesa, a Batalha de Ourique, que a partir do século XV
ganha elementos miraculosos, que aproximam o soberano português do Deus Cristão.

Por fim, passaremos às considerações finais, onde sintetizaremos nossas


abordagens e revisaremos as partes mais fundamentais de nosso trabalho.
14

2. A HERÁLDICA E OS SELOS NA SOCIEDADE PORTUGUESA DOS


SÉCULOS XIV-XV

Nos anos finais do século XIV e no século XV, a armaria heráldica desenvolveu-se
na sociedade portuguesa como uma profícua forma de representação de seus respectivos
utentes, não se restringindo, há muito tempo, à armaria régia; esta não restrição estava de
alguma forma em consonância com as modificações sociais em outras partes do continente
europeu combinado com o aprimoramento do material bélico (principalmente do escudo),
ambos notáveis desde os derradeiros anos do século XI.5 A representação heráldica,
envolvendo, naquela época, uma grossa camada da sociedade senhorial, nobiliárquica e
eclesiástica de Portugal, refletia, de certa forma, a organização das variadas formas de posse e
usufruto do poder político, econômico e militar.6 Tal potencial da heráldica, de dar-nos fontes
para compreensão das estruturas da organização dos indivíduos dentro dos grupos possuidores
de poder, deve-se ao fato de ser uma representação de particularidade, onde se reflete o atual
status de seu utente e outras tantas particularidades (como aspirações e recuperações do
passado, por exemplo), de forma que tal representação se torna uma forma de proclamação da
vontade e, muitas vezes, validação da vontade de seu utente. Este conceito de identificação
simbólica, nascido geograficamente nos usos heráldicos da região do rio Reno, espalhou-se por
toda a Europa, estando plenamente difundido já nos primeiros anos do século XIV.7 No período
em questão, portanto, as armas podem ser lidas “como um código social revelador da identidade
e da personalidade de seus utentes”.8

Reconhecidamente nascida no seio das práticas militares, embora ainda não haja
consenso se no campo de batalha ou nos campos dos torneios, onde se praticavam os feitos de
cavalaria, a heráldica, em sua gênese, era uma representação essencialmente individual e de
curta vida, mesmo os senhores feudais tendiam a modificar bastante suas armas, não
empregando sempre as mesmas para todas as funções.9 Com o passar do tempo, esta

5
PASTOUREAU, Michel. Une histoire symbolique du Moyen âge occidental. Paris : Éditions du Seuil, 2004.
pp. 240-241.
6
DE LANCASTRE E TÁVORA, Luis Gonzaga. Introdução ao estudo da heráldica. Lisboa: Instituto de
Cultura e Língua Portuguesa – Ministério da Educação, 1992. p. 22.
7
PASTOUREAU, Michel. Op. Cit. pp. 251-253.
8
SEIXAS, Miguel Metelo de. “Bibliografia de heráldica medieval portuguesa”. In. SEIXAS, Miguel Metelo
de(Coord.); ROSA, Maria de Lurdes (Coord.). Estudos de Heráldica Medieval. Lisboa: Instituto de Estudos
Medievais (FCSH/UNL) – Centro Lusíada de Estudos Genealógicos e Heráldicos (ULL) – Caminhos Romanos,
2012. p. 529.
9
DE LANCASTRE E TÁVORA, Luís Gonzaga. Op. Cit. pp. 16-17.
15

identificação representação-utente fora se tornando mais clara, passando a ser marca


identificadora empregado em utensílios, roupas ou arvorados em bandeiras; todavia não se pode
afirmar com precisão quando o nascimento da identificação ocorreu, dado que a heráldica
ganhou posteriormente peculiaridades, além de incluir tipos de identificação. 10 Outrossim, é
interessante ressaltar que, mesmo após a identificação, os utentes passaram a modificar suas
armas, de forma a exemplificar o seu real status, o qual poderia se modificar. Para a análise da
armaria portuguesa, estas alterações e o conceito de diferenciação são fundamentais.

Primeiramente deve-se notar que as alterações denotam que a heráldica é, tanto em


Portugal como no restante da Europa, a representação corrente de seu possuidor, demonstrando
figurativamente seu status e, consequentemente, as mudanças. Ao explicar tal prática, Luís
Gonzaga de Lancastre e Távora remete-nos à plasticidade da armaria de João Peres, vassalo de
D. Afonso III. Segundo o que nos diz o autor, tal vassalo era filho secundogênito do chefe da
linhagem dos Aboim-da-Nóbrega, ou seja, não era o herdeiro direto dos bens da família,
incluindo as respectivas armas. Pelos serviços prestados a D. Afonso III em suas passagens pelo
Reino da França, João Peres recebera mercês do então Rei de Portugal, alçando o topo da então
estratigrafia social portuguesa: o foro de Rico-homem; recebendo ainda o poder acerca da vila
de Portel.11 Vê-se, neste caso, uma modificação profunda no status corrente de João Peres,
agora designado João de Portel: seu status de secundogênito de uma grande família agora tem
menos relevo do que seu status pessoal, que é o foro de Rico-Homem. Para bem simbolizar sua
nova condição, além de construir um castelo nas redondezas de Portel, adotou

“novas armas – um lizonjado de veiros – bem diversas das que lhe provinham
pelo sangue, uso característico em França quando o membro de uma família
senhorial conseguia alcançar uma ascensão social que lhe permitisse assegurar
a sua total independência em relação a parentela e em termos sócio-
económicos”.12
Na tradição heráldica portuguesa, de marcante influência francesa (séculos XIII e
XIV) e inglesa (séculos XIV e XV) – devido à educação do rei D. Afonso III na corte do Rei
São Luís da França13 e devido à influência que a Inglaterra exerceu sobre a corte avisinha14 –,
o conceito de heráldica vai além da representação e perpetua como uma maneira de registro do
presente a ser mantido, uma espécie de legado que é deixado; como bem afirmam Gastão de
Melo de Matos e Luís Stubbs Bandeira, na tradição portuguesa, a “heráldica, também chamada

10
PASTOUREAU, Michel. Op. Cit. p. 244.
11
DE LANCASTRE E TÁVORA, Luís Gonzaga. Op. Cit. p. 27.
12
Ibidem. p. 28.
13
Ibidem. p. 26.
14
Ibidem. p. 35-40.
16

de <<Ciência Heróica>>, é o conjunto de preceitos que regulam a forma por que se devem
simbolizar acontecimentos, basilarmente de ordem histórica, que pareceram conveniente
perpetuar”.15 Este conceito, associado à questão da representação do status corrente do utente,
é bem didático quanto à compreensão das próprias Armas Reais de Portugal e a sua formação.

As primeiras representações das Armas Reais de Portugal datam ainda do século


XII, surgindo quase que concomitante com o nascimento do reino independente; desde sua
gênese, as armas que identificaram os reis portugueses e que hoje são associadas ao Estado
Republicano têm uma figura em comum, as chamadas quinas: “os primeiros reis criaram armas
para sua identificação: num fundo de prata, dispuseram cinco pequenos escudos (escudetes) de
azul em cruz, sendo cada escudete carregado de rodelas de prata (bestantes)”.16

Estas armas, simples e atenciosas a todas as regras de sobreposição entre cores e


metais, eram a representação individual dos reis portugueses, sendo, por excelência, também
estendidas aos seus domínios, o que de certa maneira passou a representá-los de forma dinástica,
quando em comparativo às demais Casas Europeias. Para entendermos como este símbolo é a
própria identificação do real num campo visual, temos que compreender que

“o homem medieval vivia, efetivamente, em um mundo povoado de


significados, referências, suprassentidos, manifestações de Deus nas coisas,
em uma natureza que falava continuamente em uma linguagem heráldica, na
qual um leão não era só um leão, uma noz não era só uma noz, um hipogrifo
era real como um leão porque, como este, era signo, irrelevante
existencialmente, de uma verdade superior”. 17
Assim, a representatividade originária das quinas não é meramente de uma série de
pequeninos escudos contidos em uma série maior, mas sim de uma personificação pessoal
escolhida. O limiar entre a representação e a realidade no medievo é muito tênue, e não
raramente a representação e as ideias “ultrapassam o limite imposto pelas constatações da
experiência vivida e pelas deduções correlatas que ela autoriza”.18 Esta interpenetração entre o
real e o simbólico, todavia, não se dá somente nas crenças mais irreais, mas também em muitas
pequenas ações sociais, que, factualmente, englobam “toda tradução mental de uma realidade
exterior que é percebida”.19 A imagem no medievo revestia-se, nesta interpenetração, de um

15
MATOS, Gastão de Melo de; BANDEIRA, Luís Stubbs Monteiro. Heráldica. Lisboa: Verbo, 1969. p. 15.
16
SEIXAS, Miguel Metelo de. Emblemas medievais. In: Revista de História da Biblioteca Nacional, Rio de
Janeiro, nº 101, p. 48-52, fev. 2014. p. 51.
17
ECO, Umberto. Arte e Beleza na Estética Medieval. Rio de Janeiro: Record, 2010. p. 104-105.
18
PATLAGEAN, E. A história do imaginário. In: LE GOFF, Jacques (org.). A história nova. São Paulo:
Martins Fontes, 2005 apud LE GOFF, Jacques. Heróis e maravilhas da Idade Média. Vozes: Petrópolis, 2009. p.
11.
19
LE GOFF, Jacques. Heróis e maravilhas da Idade Média. Vozes: Petrópolis, 2009. p. 12.
17

grande rol de valores simbólicos e funcionalidades, que poderiam ir da pedagogia à magia;20 e


a heráldica, nos anos finais do século XIV e XV, assume essas funções: além da expressão de
individualidade, é uma expressão de territorialidade e de poder sobre esta. A heráldica é um
meio de expressão política e também de realização política: segundo Michel Pastoureau, a
imagem heráldica “dá-nos a conhecer não só a identidade e status social do proprietário, mas
também pela escolha de um tipo particular, um determinado, uma personalidade, algumas
aspirações, reivindicações”.21 Assim sendo, incorporar ou modificar armas não somente
demonstra o corrente estatuto, mas também o estatuto desejado ou reivindicado. No século XIV
isto é percebido ainda com mais clareza, visto que outro costume heráldico chega e se
intensifica em Portugal; trata-se dos ornatos exteriores à margem do escudo, como timbres,
paquifes, elmos, coronéis e coroas; uma demonstração de um esforço em bem definir a posição
de cada utente ante a profusão de armas advindas do final do século XIII e dos anos iniciais do
XIV.22

E é neste século XIII, de grande profusão heráldica, que as armas reais sofrem sua
primeira modificação oficial para a representação do reinante, sua dinastia e seus domínios.
Dom Afonso III, que implantou muitos dos costumes francófilos na heráldica portuguesa,23
quando de sua ascensão ao trono não manteve suas armas de Conde de Bolonha, título que
ascendera com seu primeiro casamento com Matilde II de Bolonha, tampouco as suas
originárias de delfim, mas assumiu as armas reais correntes adicionando a elas as modificações
que denotavam seu parentesco com a regente da França, sua parente Branca de Castela,
originando assim atual bordadura de castelos contendo o escudo português. 24 Esta bordadura,
ou seja, esta diferenciação heráldica (modificação de um brasão para designar alguém tem
proximidade a ele ou que o deterá no futuro presumido, por vias de herança) deveria ter sido
removida de suas armas quando da morte de seu irmão, o rei Sancho II, deposto por Bula Papal
em 1245 em favor de Afonso III. Todavia, após o falecimento de Sancho II no exílio, as armas
reais portuguesas prosseguiram com as Modificações de Castela, o que não somente demonstra
uma passagem para a modernização das práticas heráldicas já praticadas no restante da

20
GONÇALVES, Beatris dos Santos. A Arte de se eternizar: reflexões sobre as imagens tumularias em Portugal
medieval. In: Roda da Fortuna, Lisboa, Vol. 2, Num. 1, pp. 249-272, 2013. pp. 251.
21
PASTEUREAU, Michel. Op. Cit. p. 251.
22
SEIXAS, Miguel Metelo de. Elementos de uma cultura dinástica e visual: os sinais heráldicos e emblemáticos
do rei D. Duarte. In In: MENDONÇA, Isabel Mayer Godinho; CORREIA, Ana Paula (coord.). As Artes
Decorativas e a Expansão Portuguesa. Imaginário e Viagem. Actas do 2.º Colóquio de Artes Decorativas.
1.º Simpósio Internacional. Lisboa: Fundação Ricardo Espírito Santo Silva / Centro Cultural e Científico de
Macau / Escola Superior de Artes Decorativas, 2010, p. 46-82.
23
De Lancastre e Távora, Luís Gonzaga. Op. Cit. p. 26.
24
Ibidem. p. 29.
18

Europa,25 mas uma das particularidades das armas em Portugal: as modificações heráldicas da
armaria régia portuguesa, quando representam certa ruptura dinástica, podem ser legadas e
perpetuadas, como destacam Matos e Bandeira sobre a significação de heráldica para a tradição
lusitana.26 Esta perspectiva, assim como o conceito da plasticidade da representação em função
do status corrente do utente de determinada armaria, explanado anteriormente, deve ser o
segundo conceito a merecer relevo dentro de nossa análise de caso da heráldica em Portugal
nos séculos XIV e XV, sobretudo nas modificações decorrentes da Crise de Sucessão de 1385
e da Ascenção da Dinastia de Avis.

Já quanto aos selos, cabe-nos considerar que já contavam com milênios de uso por
civilizações distintas quando foram introduzidos no Condado Portucalense, tendo sido
inventados pela civilização mesopotâmica e ao menos um tipo de uso manteve-se, em certa
medida, até os nossos dias: fechamento, validação e identificação de documentos e objetos.27
Em Portugal, os selos começaram a ser empregados já no reinado de Dom Afonso Henriques
e, tendo sido introduzidos entre as práticas portucalenses, seu uso foi, “lentamente, ganhando
terreno, até se transformarem na principal forma de autenticação documental, alcançando uma
absoluta primazia durante os séculos XIII e XIV face a todos os outros processos
validatórios”.28 Como bem nos afirma a autora Maria do Rosário Barbosa Morujão, antes e
depois da introdução da sigilografia – expressão para uso corrente dos selos em determinado
período ou “a ciência histórica que estuda uma forma específica da emanação humana na
autenticação de documentos escritos, representativos de importantes actividades e actuações
concretas das sociedades, correlacionando esses métodos de autenticação no contexto de outras
ciências” –29 no território portucalense, houve outros meios de validação empregados
correntemente naquele território; os quais, todavia, foram perdendo continuamente espaço até
o século XIV, visto que os selos tinham a vantagem de não perderem sua legitimidade quando
morriam os signatários ou elaboradores de um documento. De modo semelhante, os selos,
apesar de perderem relevo ante a assinatura e os notários profissionais a partir do século XV,
jamais deixaram de coexistir com os demais métodos de autenticação de documentos.30

25
Idem.
26
MATOS, Gastão de Melo de; BANDEIRA, Luís Stubbs Monteiro. Heráldica. Lisboa: Verbo, 1969. p. 15.
27
MORUJÃO, Maria do Rosário Barbosa. A sigilografia portuguesa em tempos de Afonso Henriques. In:
Medievalista online, Lisboa: IEM: Instituto de Estudos Medievais, nº 111, p. 3-28, jan-jun 2012. p. 3.
28
Ibidem. p. 4.
29
DE LANCASTRE E TÁVORA, Luís Gonzaga. O Estuda da Sigilografia Medieval Portuguesa. Lisboa:
Instituto de Cultura e Língua Portuguesa – Secretaria de Estado do Ensino Superior – Ministério da Educação,
1983. p. 27.
30
Idem.
19

As principais fontes da sigilografia medieval do território português são as matrizes


sigilares (o carimbo que imprime a figura a cera, massa ou chumbo) e os próprios espécimenes
sigilográficos (os selos em si, soltos ou ainda afixados, de alguma forma, a um documento).
Durante o medievo, as matrizes sigilares possuíam grande importância e significação, tanto pelo
valor jurídico que detinham e pelo seu simbolismo representativo da autoridade e
individualidade de seus utentes: “neste caso preciso, a Sigilografia aproxima-se da Heráldica e
com ela muitas vezes se interpenetra, não só pelo interesse sociológico e relevantemente
personalista que também ela tinha, como porque a segunda constituía inúmeras vezes um
elemento preponderante da primeira.”31 Pouquíssimos exemplares de matrizes resistiram ao
tempo, chegando aos nossos dias; isto se deve ao fato de que tais objetos eram comumente
sepultados junto com seus utentes. Tal prática, difundida em praticamente todo o território
europeu, demonstra como a ligação personalista entre o objeto e o representado era forte, bem
como era visto como válido um documento que contivesse um selo e que fosse apresentado
mesmo depois da morte daquele que o selara.32 A jurisprudência do selo era tão profunda e
aceita, que não são raros os casos de penalidades capitais infligidas aos falsificadores de
matrizes ou de espécimenes.33

Nos séculos XIV e XV, os selos e as matrizes já detinham, além da importância


sociológica e jurídica, várias peculiaridades que faziam a diferenciação dos seus usos e atributos
através de sua estética e que contemporaneamente empregamos na sua classificação e análise.
Estas peculiaridades vão desde o fabrico da matriz ao material em que o selo foi impresso, e
são, a se saber: o tipo da matriz, o material do selo, o tipo do selo, o formato do selo, a gravação
contida no selo, e a epigrafia do selo. Vejamos, brevemente, estes aspectos principais.

O cinzelamento da matriz seguia diferentes técnicas, dependendo de que tipo se


desejava produzir; haviam no território português durante o período matrizes de suspensão,
sumptuárias e de sinete, sendo as primeiras as mais numerosas e as que mais resistiram ao
tempo;34 estas continham um espigão com uma pega perfurada e serviam de adorno ao vestuário
do portador, sendo usadas “suspensas de um colar ou de um cinturão, sempre como símbolos
de poder e da autoridade do seu proprietário e, portanto, sempre prontas a serem utilizadas.”35

31
DE LANCASTRE E TÁVORA, Luís Gonzaga. O Estudo da Sigilografia Medieval Portuguesa. Lisboa:
Instituto de Cultura e Língua Portuguesa – Secretaria de Estado do Ensino Superior – Ministério da Educação,
1983. p. 29.
32
Ibidem. p. 30.
33
Ibidem. p. 33.
34
Ibidem. p. 42.
35
Ibidem. p. 35.
20

O cinzelamento deste tipo de matriz dá-se em negativo, como, aliás, todas as matrizes
sigilográficas. Dá-se o nome de matrizes sumptuárias àquelas que integram objetos finos de
ourivesaria, como anéis, que são os exemplos mais claros e comuns. Nessas matrizes, encontra-
se um luxuoso trabalho em bronze, cobre, prata e ouro, sendo os dois primeiros mais vulgares
que os dois últimos metais nitidamente mais preciosos, devido a se deformarem menos. Não
raramente, nestes anéis, encrustam-se pedras semipreciosas. As matrizes de sinete são aquelas
em forma de carimbo, possuindo um cabo onde pode-se pegar firmemente; este cabo reveste
um espigão metálico que é soldado perpendicularmente no anverso da placa onde está gravada
a imagem que se deseja impor ao selo. No caso destes sinetes, há ainda aqueles que possuem
no cabo um trabalho sobre a madeira ou que este seja feito de um material mais nobre, como,
por exemplo, o marfim.36

Quanto ao material dos selos circunscritos temporal e geograficamente em nossa


pesquisa, notamos uma predominância do chumbo e da cera sobre os outros materiais plásticos.
Os selos feitos com chumbo, menos abundantes que os de cera, foram usados somente pela
Chancelaria Régia, que também fazia bastante uso dos de cera, e jamais foram empregados
chapados ao papel, isto é, não pendendo de cordões ou fitas. Já quanto à cera, esta aparece em
abundância, dentro e fora da Chancelaria Régia, sendo utilizada pendente ou em chapa, podendo
ser simples (com somente uma face) ou duplos (com imagem em ambos os lados). Apresentava-
se, ainda, sem coloração ou colorido, sendo-lhes os tons mais vulgares o “amarelo, vermelho,
branco, verde escuro ou negro”.37 Os formatos destes selos também são muito variados,
podendo indicar a posição hierárquica ou ofício do seu utente. Em Portugal, existiam nove
formas mais comuns em que se apresentam os selos conservados: 1) Em amêndoa: formato
tipicamente peninsular, sendo em Portugal exclusivo dos selos régios pendentes e de cera; 2)
Circular: o formato mais comum dentre os selos medievais lusitanos; 3) Em dupla-ogiva: quase
exclusivamente empregado pela hierarquia católica;38 4) Escudo: também caracteristicamente
peninsular, engloba uma miríade de formas heráldicas, exceto a “em amêndoa”, cuja
exclusividade é régia, como já citamos; 5) Rosácea: comum em todo o continente europeu,
aparece em Portugal pelos idos do século XIII, desaparecendo no XV. É plausível que tenha
sido introduzido em Portugal pelos cavaleiros que acompanharam Afonso III enquanto estivera
na França;39 6) Em quadrado-lobado: também bem típico da península, principalmente de

36
Idem.
37
Ibidem. p. 43.
38
Ibidem. p. 45.
39
Ibidem. p. 46.
21

Portugal, trata-se de uma simplificação dos selos em Rosácea; 7) Ovalado: o mais vasto
representante dos anéis sigilares, presente sobretudo na sigilografia sumptuária; 8)
Quadrangular: indicador principalmente do uso do selo, visto que está presente, sobretudo, na
sigilografia autárquica local; 9) Em lisonja: extremamente raro e devido à baixa catalogação
ainda de uso não caracterizado,40 embora, em heráldica, a lisonja seja ligada à personalidade
feminina.41

Quanto à gravação do selo, De Lancastre e Távora diz-nos que:

“Através dos espécimenes sigilográficos que nos foi dado estudar, fácil se nos
tornou concluir que em nada a Efrasgística Medieval Portuguesa desmerece
em relação à estrangeira, seja no respeitante à perfeição da gravura, seja na
sua riqueza de ornamentação e variedade de motivos. Na realidade, algumas
das peças que adiante se estudarão constituem obras-primas de trabalho de
cinzelagem, unicamente comparáveis a algumas peças da ourivesaria
portuguesa suas contemporâneas.” (sic)42
Isso se deve, muito provavelmente, ao fato de que, em Portugal, os artífices
abridores de cunho, profissionais que faziam estas matrizes, eram recrutados entre os mestres
e oficiais das corporações de ofício dos ourives43 e também pelo fato de que, mesmo quando
não se pedia luxo à matriz, tais profissionais buscavam sempre grande perfeição.44

Não raramente coexistindo dois ou mais em um único exemplar sigilográfico, os


temas mais comuns das gravações em Portugal obedecem à seguinte hierarquia: Emblemática
Religiosa: cujos símbolos atentam para uma demonstração devocional do utente, de forma a
representar, também, seu ideal cavalheiresco; Emblemática Heráldica: representando armas
herdadas ou adotadas dentro do campo do selo, muitas vezes não contidas em um escudo, mas
somente com os elementos heráldicos dispostos sobre o campo; Emblemática Iconográfica:
onde o utente é retratado portanto utensílios de poder, demonstrativos de sua autoridade, ou de
forma orante, demonstrando uma devoção religiosa; Emblemática Monogramática: onde o
utente se apresenta através de uma sigla alfabética.45 Já quanto a epigrafia do selo, inscrição de
palavras que ele contém, o século XIV é um limiar de mudanças. Desde tempos imemoriais, os
selos possuem inscrições escritas, todavia até meados do século XIII, em Portugal, somente

40
Ibidem. p. 48
41
MATOS, Gastão de Melo de; BANDEIRA, Luís Stubbs Monteiro. Heráldica. Lisboa: Verbo, 1969. p. 45.
42
DE LANCASTRE E TÁVORA, Luís Gonzaga. O Estudo da Sigilografia Medieval Portuguesa. Lisboa:
Instituto de Cultura e Língua Portuguesa – Secretaria de Estado do Ensino Superior – Ministério da Educação,
1983. p. 49.
43
Idem.
44
Ibidem. p. 35.
45
Ibidem. p. 49.
22

eram utilizados os caracteres romanos em letras sempre maiúsculas; desde de então eles
começam a aparecer concomitantemente com outros tipos de caracteres, principalmente os
góticos, que tomaram, paulatinamente, a totalidade das legendas nos fins do século XIV. 46 A
epigrafia do período, por via de regra, segue um padrão de iniciar e terminar suas inscrições
com uma cruz. Entre estas cruzes as inscrições serão de um latim vulgar, onde termos em
português irão emergir ver ou outra. Quão só ocorrerá a ausência de cruzes quando o selo for
autárquico, podendo existir algumas raras exceções. A indicação do selo, dentro da epigrafia
sigilográfica, será sempre pela letra S maiúscula ou pela própria palavra SIGILUM, seguido
pelo nome próprio do utente. O título de Dom, cuja raiz é a palavra latina DOMINI, quando
aparente, poderá estar abreviado de alguma forma (DOM; DMN; DMNI; ou DOMNI). Dado o
uso personalista, muito raramente se menciona a linhagem do utente, o que torna o trabalho de
identificação difícil, forçando-o à investigação através das demais informações que são
imputadas ao selo.47

Outro aspecto que se pode empregar para a diferenciação entre exemplares


sigilográficos ou para sua devida classificação é o liame que faz o selo pender. Os mais antigos
liames ainda preservados na circunscrição geográfica da Portugal aparecem feitos em couro ou,
ainda, de tiras de pergaminho, muitas vezes extraídas dos próprios documentos. Já no século
XIII os selos pendiam em “outros tipos de liames mais variegados e ricos, como se fossem
cordões de fios de seda de diversas cores, entrançados, ou fitas também de seda e também de
diversas cores passando por nastros de linho mais simples, de uma ou mais cores.”48 Todavia,
os aspectos derivados dos liames não dizem especificamente respeito à nossa pesquisa, devido
ao seu recorte cronológico: apenas no século XVI é que os liames terão alguma intencionalidade
quanto ao material e à coloração em Portugal. Antes das ordens de Avis e de Cristo imporem
que seus selos penderiam em tiras de cores semelhantes aos esmaltes de sua heráldica, os liames
eram desprovidos totalmente de significação.49

A amplitude social do uso do selo em Portugal do medievo é bem semelhante ao


uso da heráldica (embora mais ampla, como iremos demonstrar), e o mesmo podemos afirmar
quanto à sua representação de status corrente, visto que o uso de mais de um selo por
determinado utente em seu período de atividade é extremamente vulgar. Todavia, se, ao nos
debruçarmos sobre a questão de quem emprega a heráldica em Portugal da passagem dos século

46
Ibidem. p. 50.
47
Ibidem. p. 51.
48
Ibidem. p. 37.
49
Ibidem. p. 38.
23

XIV e XV, receberemos como resposta toda a estratigrafia do poder senhorial, religioso,
militar e político, ao indagarmos sobre os mesmos aspectos dos selos, receberemos como
resposta: “deles usavam todos quantos, pelas suas funções ou actividades – mais do que pela
sua categoria social – emitiam documentos ou eram directa e superiormente responsáveis ou
intervenientes possíveis na respectiva emissão.”50 Assim sendo, o uso do selo não é um
privilégio de determinado grupo social, mas sim uma decorrência das funções exercidas dentro
da sociedade, que sendo manifestação pública personalista recebeu uma significação
sociológica semelhante à heráldica. Já sobre as modificações dos selos no decorrer da atividade
de um utente, percebemos, uma vez que o costume sigilográfico está ligado à função, que este
é normal, quando não considerado natural e extremamente perceptível dentro das modificações,
por exemplo, das funções eclesiásticas de padres que se tornam bispos, de bispos que se tornam
arcebispos, etc.51

Consideradas estas informações sobre a heráldica e sobre os selos, podemos chegar


à conclusão de que, na sociedade lusitana dos anos finais do século XIV e do século XV, eles
eram o resultado de uma busca por uma auto representação de identificação personalista, que
recorreu a sinais gráficos comunicativos para poder se expressar em uma sociedade sobretudo
iletrada.52 A este resultado somou-se o entendimento medieval de que, na Criação, nada teria
um vazio de sentido, existindo “a convicção de que tudo tem uma significação transcendente.”53
Quanto à sua utilização, concluímos que a heráldica se insere em uma grossa camada, onde se
encontram os indivíduos que gozam do poder político, religioso ou militar,54 sendo sobretudo
um aspecto social da nobreza, encarada como sua representação icônica,55 bem como um
legado, recordando informações sobre seus portadores através de seu quase indecifrável
simbolismo,56 ou estando unido a manifestações de transcendência e de memória, como na arte
tumulária.57 Já quanto ao usufruto dos selos, vê-se um emprego prático, onde, em suma, utilizar-
lhes-ão aqueles que necessitam de autenticação ou formalidade documental segundo as suas
próprias funções dentro de determinados ofícios, não sendo, portanto, um uso regulado pelo

50
Ibidem. p. 80.
51
Idem.
52
SEIXAS, Miguel Metelo de. Emblemas medievais. In: Revista de História da Biblioteca Nacional, Rio de
Janeiro, nº 101, p. 48-52, fev. 2014. p. 48-50.
53
HUIZINGA, Johan. O declínio da Idade Média. Lisboa: Ulisseia, 19??. p. 211.
54
DE LANCASTRE E TÁVORA, Luís Gonzaga. Introdução ao estudo da heráldica. Lisboa: Instituto de
Cultura e Língua Portuguesa – Ministério da Educação, 1992. p. 22.
55
PIZARRO, José Augusto P. Sotto Mayor. Duas ciências auxiliares da história, a genealogia e a heráldica. In:
Revista Gil Vicente, Guimarães: nº 9, p. 78-82, jan-mar 1982. 79.
56
MATOS, Gastão de Melo de; BANDEIRA, Luís Stubbs Monteiro. Heráldica. Lisboa: Verbo, 1969. p. 15
57
GONÇALVES, Beatris dos Santos. A Arte de se eternizar: reflexões sobre as imagens tumularias em Portugal
medieval, Roda da Fortuna, vol. 2, nº 1, p. 249-272, jan-jun 2013.
24

status social do utente.58 Ambos são, portanto, indicação de particularidade dentro da


coletividade medieval e concreta expressão personalista de seus utentes.

58
DE LANCASTRE E TÁVORA, Luís Gonzaga. O Estudo da Sigilografia Medieval Portuguesa. Lisboa:
Instituto de Cultura e Língua Portuguesa – Secretaria de Estado do Ensino Superior – Ministério da Educação,
1983. p. 80.
25

3. O SELO RÉGIO DE DOM JOÃO I: DESCRIÇÃO E INTERPRETAÇÃO

Visto que anteriormente já construímos algumas asserções acerca da heráldica e dos


selos em um recorte geográfico e temporal, podemos prosseguir para o principal afã da presente
pesquisa: analisar o selo de Dom João I dentro de seu contexto histórico, debruçando sobre ele
uma reflexão focada nos motivos da alteração da armaria régia, que é descrita no selo. Neste
capítulo buscaremos exemplificar como constituíram-se algumas gerações sigilográficas por
parte da Casa Real Portuguesa e sua pertinente ligação com a heráldica. Estas tradições
sigilográficas representam os alicerces heráldicos em que as modificações da armaria régia por
parte da Dinastia de Avis se lastreiam, assim se demonstrando, portanto, um arcabouço analítico
seguro para ancorarmos nossas reflexões. Nesta etapa usaremos um material de apoio datado
dos anos centrais do século XVIII, denominada Historia genealogica da Casa Real Portugueza
: desde a sua origem até o presente, com as Familias illustres, que procedem dos Reys, e dos
Serenissimos Duques de Bragança59, escrita por Dom António Caetano de Sousa e publicada
em treze volumes. Mesmo fugindo ao nosso recorte temporal, este material é-nos útil, pois nele,
mais precisamente no seu Tomo IV, encontra-se um capítulo que visa erigir um rol dos selos
ligados ao poder régio português. Ao todo, Dom António Caetano de Sousa inscreve cento e
dezoito espécimenes esfragísticos que vão do reinado de Dom Afonso I, no século XII, ao de
Dom João V, já ao século, no XVIII. Este amplo rol demonstra imagens reconstituídas dos
selos, que à época de seu autor estavam em bem melhores condições do que se encontram hoje.
O acesso a este material nos é possível através da Biblioteca Nacional de Portugal, através dos
serviços da Biblioteca Nacional Digital, que disponibiliza pela internet grande parte de seu
acervo.

Demonstrada a formação da sigilografia régia, focando principalmente as tradições


dos selos em amêndoa, passaremos a uma descrição de nossas fontes, um par de selos pendentes
de cartas de mandado de Dom João I, sendo estas cartas a “Carta de Mandado de D. João I ao
almoxarife de Santarém para que entregue ao mosteiro de Alcobaça parte do reguengo da valada
como tinha sido acertado em carta de escambo feita entre o Rei D. Dinis e o mosteiro de

59
SOUSA, Dom António Caetano de. Historia genealogica da Casa Real Port/ugueza : desde a sua origem
até o presente, com as Familias illustres, que procedem dos Reys, e dos Serenissimos Duques de Bragança
: justificada com instrumentos, e escritores de inviolavel fé : e offerecida a El Rey D. João V... / por
Antonio Caetano de Sousa, Clerigo Regular... ; tomo I [-XII]. - Lisboa Occidental : na Officina de Joseph
Antonio da Sylva, impressor da Academia Real, 1735-1749. - 12 tomos em 13 vol. ; 2º (29 cm). Disponível
em <<http://purl.pt/776>>, acesso em 25 set. 2016.
26

Alcobaça”,60 datada de 4 de setembro de 1400 e a “Carta de mandado de D. João I ao


Almoxarife em Santarém para entregar ao mosteiro da Santíssima Trindade de Santarém a
herdade que chamam de monte de trigo”,61 datada de 1º de outubro de 1400. Ambos os
documentos encontram-se no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Portugal, arquivados
na “Coleção Especial” da instituição, a qual abriga variados documentos régios e papais da
história da monarquia portuguesa, nas Caixas 32 e 33, respectivamente. Conseguimos acesso à
documentação através dos serviços online do Arquivo Nacional da Torre do Tombo, que possui
ambas as cartas digitalizadas e disponibilizadas para o público através da internet. Nesta parte
do capítulo procuraremos expor os principais motivos que empregamos para selecionar estas
fontes como fontes de nosso trabalho.

Por fim, buscaremos analisar as fontes dentro do próprio recorte temporal em que
se inserem, nos esforçando em prol de uma análise acerca dos significados e motivos das
mudanças da armaria régia promovida pela Dinastia de Avis, de forma a empregar a teoria
heráldica e sigilográfica que iremos demonstrar dentro de uma discussão do contexto de
legitimação da então dinastia e das relações e tensões políticas entre Portugal e Castela.

3.1. A tradição sigilográfica portuguesa e suas gerações entre os séculos XII ao XV:
Geração de Dom Afonso I; Geração de Dom Afonso III; Geração de Dom João I

Os termos tradição e geração sigilográfica servem, neste trabalho, para designar o


emprego de determinada forma de selos régios com longa-vida, para tradição, e de determinada
variante dessa forma por períodos menores, dentro desta longa-vida, para geração; ou seja,
empregamos estes termos para designar os agrupamentos de vários selos de reis portugueses
diferentes que tiveram um cinzelamento de sinete semelhante, de forma que nitidamente se
percebe uma continuação estética que torne possível estes agrupamentos. Em nossa concepção,
genericamente, todos os selos de Dom Afonso I até Dom João I pertencem a uma abrangente
tradição sigilográfica: armaria vigente do Rei de Portugal representada de forma adaptada a um

60
DOM JOÃO I. Carta de Mandado de D. João I ao almoxarife de Santarém para que entregue ao
mosteiro de Alcobaça parte do reguengo da valada como tinha sido acertado em carta de escambo feita
entre o Rei D. Dinis e o mosteiro de Alcobaça. Portugal: 1400. Disponível em
<<http://digitarq.arquivos.pt/details?id=6070499>>, acesso em 25 set. 2016.
61
DOM JOÃO I. Carta de mandado de D. João I ao Almoxarife em Santarém para entregar ao mosteiro
da Santíssima Trindade de Santarém a herdade que chamam de monte de trigo. Portugal: 1400. Disponível
em << http://digitarq.arquivos.pt/details?id=6070472>>, acesso em 25 set. 2016.
27

selo de formato em amêndoa com um “bico” mais agudo, de forma a se assemelhar ao escudo
primitivo, contendo epigrafia que demonstre o nome e os principais títulos de seu utente.62
Todavia é justamente por conta de uma dessas características que se é possível dividir esta
grande tradição genérica em recortes menores, as gerações; como estes selos demonstram as
modificações das armas do Rei de Portugal conforme a sua vigência, são essas modificações
que definem as diversas gerações, visto que estas tenderam, como iremos demonstrar, a durar
pouco, mas, contrariamente à regra geral da heráldica, foram sendo adotadas de forma
permanente. Apresentar as armas heráldicas do Rei de Portugal constituiu desde Dom Afonso
I a grande particularidade da sigilografia portuguesa,63 e isto para nossa pesquisa faz constituir
uma tradição comum a todas as gerações que a formam.

Analisando o rol de selos desenvolvido por Dom António Caetano de Sousa, vemos
que até Dom João I erigiram-se três gerações dentro da generalidade da tradição da sigilografia
dos Reis Portugueses: a de Dom Afonso I; a de Dom Afonso III; e a do próprio Dom João I. A
geração de Afonso I, primeiro monarca português, apresenta, como já dito, as armas reais do
monarca. Trata-se da representação do campo branco com os cinco escudetes azuis pontilhados
de um sem número de bestantes brancos. Orla esta imagem um campo onde simplesmente fora
inscrito “REGIS” após um sinal em cruz, que sempre indica o início do texto.64 Sua forma é a
de amêndoa, segundo a classificação de Lancastre e Távora.65 Estes elementos principais
repetir-se-ão nos selos de Dom Sancho I, de Dom Afonso II e de Dom Sancho II, a diferença
será que o número de bestantes brancos e que a epigrafia passará a conter o nome do utente.

Estes selos representam a heráldica “pura” da Dinastia de Borgonha, adotada pelos


primeiros reis ainda no século XII;66 a primeira modificação neste modelo heráldico há de

62
O vocabulário aqui usado para a sistematização da descrição dos selos é tirado da obra do Marquês de
Abrantes, Luís Gonzaga de Lancastre e Távora. O autor convencionou este vocabulário na década de 1980, tendo
consciência que em Portugal ainda estes tipos de estudos eram incipientes. Para o vocabulário e a definição dos
termos, ver: DE LANCASTRE E TÁVORA, Luís Gonzaga. O Estudo da Sigilografia Medieval Portuguesa.
Lisboa: Instituto de Cultura e Língua Portuguesa – Secretaria de Estado do Ensino Superior – Ministério da
Educação, 1983.
63
MORUJÃO, Maria do Rosário Barbosa. A sigilografia portuguesa em tempos de Afonso Henriques. In:
Medievalista online, Lisboa: IEM: Instituto de Estudos Medievais, nº 111, p. 3-28, jan-jun 2012. p. 3.
63
Ibidem. p. 17.
64
DE LANCASTRE E TÁVORA, Luís Gonzaga. O Estudo da Sigilografia Medieval Portuguesa. Lisboa:
Instituto de Cultura e Língua Portuguesa – Secretaria de Estado do Ensino Superior – Ministério da Educação,
1983. p. 50-52.
65
Ibidem. p. 47.
66
SEIXAS, Miguel Metelo de. Emblemas medievais. Revista de História da Biblioteca Nacional, Rio de
Janeiro, nº 101, p. 48-52, fev. 2014. p. 51.
28

FIGURA 1 – Representação do Selo de Dom Afonso I

FONTE: SOUSA, Dom António Caetano de. Historia genealogica da Casa Real Portugueza: desde a
sua origem até o presente, com as Familias illustres, que procedem dos Reys, e dos Serenissimos Duques
de Bragança. Disponível em: <<http://purl.pt/776>>, acesso em 25 set. 2016.

FIGURA 2 – Representação do Selo de Dom Sancho I

FONTE: SOUSA, Dom António Caetano de. Historia genealogica da Casa Real Portugueza : desde a
sua origem até o presente, com as Familias illustres, que procedem dos Reys, e dos Serenissimos Duques
de Bragança. Disponível em: <<http://purl.pt/776>>, acesso em 25 set. 2016.
29

FIGURA 3 – Representação do Selo de Dom Afonso II

FONTE: SOUSA, Dom António Caetano de. Historia genealogica da Casa Real Portugueza : desde a
sua origem até o presente, com as Familias illustres, que procedem dos Reys, e dos Serenissimos Duques
de Bragança. Disponível em: <<http://purl.pt/776>>, acesso em 25 set. 2016.

FIGURA 4 – Representação do Selo de Dom Sancho II

FONTE: SOUSA, Dom António Caetano de. Historia genealogica da Casa Real Portugueza : desde a
sua origem até o presente, com as Familias illustres, que procedem dos Reys, e dos Serenissimos Duques
de Bragança. Disponível em: <<http://purl.pt/776>>, acesso em 25 set. 2016.
30

ocorrer com Dom Afonso III, que adicionará as “Diferenciações de Castela” as armas reais,67
modificando consequentemente a sigilografia régia, inaugurando uma nova geração.

Acerca da geração de Afonso I e o registro dos selos em nossa fonte de apoio, faz-
se apenas um adendo sobre o selo do primeiro rei português. A historiadora Maria do Rosário
Barbosa Morujão bem pontua que este primeiro selo régio lusitano não possui registro ainda
remanescente descoberto em nossos dias; segundo a autora, o documento recuperado por Dom
António Caetano de Sousa para representação do selo “não se trata de um original, mas de uma
cópia elaborada no século XIII; e que ostenta um selo régio, sem dúvida, mas pertencente,
decerto, a D. Afonso II”.68 Assim ele pode ter sido uma reprodução feita a posteriori ou, como
tendemos a ver, uma sigilografia elaborada a posteriori para revalidar esses documentos, o que
explicaria a tamanha simplicidade do selo, no qual apenas se inscreve a palavra “REGIS”.
Todavia, ele pode ser enquadrado nesta geração por ser atribuído a um de seus descendentes,
no caso Afonso II, denunciando o intento de se criar um lastro pelos monarcas que justifique
tal forma no selo.

Na heráldica, diferenciações são métodos de demonstrar uma certa hierarquia


familiar através do código heráldico; conforme sua disposição e quantidade, é possível indicar
o quanto de proximidade ou distância os indivíduos se encontram do ramo principal da família,
cujo chefe se encontra empossado com o brasão “puro”, ou seja, sem diferenciações. Algumas
tradições heráldicas possuem regras fixas, em Portugal, as diferenciações encontram maior
liberdade. A diferenciação sempre é uma figura que é adicionada ao brasão principal (“puro”),
sendo portanto algo que nele não existia antes.69 As “Diferenciações de Castela” adentram as
armas reais como um modo de diferenciar as armas do então príncipe que viria a se tornar Dom
Afonso III ante ao seu irmão, o então rei Dom Sancho II. Segundo Lancastre e Távora, a escolha
de tal diferenciação entre tantas outras possíveis se deve ao contexto de educação que este
príncipe tivera, tendo sido educado na Corte Francesa, junto à Rainha Branca de Castela. Diz-
nos o autor que esta escolha buscava

“sublinhar os tão próximos laços de consanguinidade que o ligavam a Rainha


Branca de Castela, Regente de França, e, consequentemente, com as do
próprio monarca, Luís IX, o futuro S. Luís, e as dos seus irmãos, príncipes dos

67
DE LANCASTRE E TÁVORA, Luís Gonzaga. Introdução ao estudo da heráldica. Lisboa: Instituto de
Cultura e Língua Portuguesa – Ministério da Educação, 1992. p. 29.
68
MORUJÃO, Maria do Rosário Barbosa. A sigilografia portuguesa em tempos de Afonso Henriques. In:
Medievalista online, Lisboa: IEM: Instituto de Estudos Medievais, nº 111, p. 3-28, jan-jun 2012. p. 15-16.
69
GRANT, Francis J (Org.). The Manual of Heraldry. A concise description of the several terms used, and
containing a dictionary of every designation in the Science. Edimburgo : John Grant Booksellers Limited,
1948. p. 25-26.
31

lises. Assim, ao usar armas que se acabaram de referir, obtinha o infante


português como que um testemunho visível e sempre permanente da realidade
de sua situação hierárquica na Corte do futuro Rei Santo.” (sic)70
Tais diferenciações consistem na orla vermelha semeada de castelos em ouro. Esta
orla não vem a ferir nenhuma das rígidas regras da heráldica, devido à classificação que tem as
cores do ouro, do vermelho, do azul e do branco. Enquanto ouro e branco são cores classificadas
como metais,71 vermelho e azul são classificadas como esmaltes.72 “Na Heráldica Portuguesa
não se admite metal sobre metal e só raramente aparece cor sobre cor, dizendo-se nesse caso
que a peça sobreposta ao campo é cosida”,73 sendo considerada uma exceção.

Quando Dom Sancho II morre em exílio, não deixando prole, seu irmão Afonso III,
que desde a destituição de seu irmão pelo papa era Governador do Reino, deveria pôr fim às
“Diferenciações de Castela”, colocando as armas originais dos Borgonha em seu poder, o que
não acontece. Isto “nos leva a crer que nem todo o seu poder de soberano reinante obteve que
as práticas heráldicas nacionais se passassem de um momento para o outro a reger pelas leis
que, no resto da Europa, as começavam a manietar a pouco e pouco”74. A nosso ver, embasados
na leitura deste assunto por Matos e Bandeira e Michel Pastoureau, tais modificações, quando
arbitrariamente perpetuadas, significam o erigir de novas armas, com uma nova significação. A
heráldica sendo uma forma de escrita monumental da história dos fatos que se devem ser
convenientemente perpetuados,75 bem como sendo uma maneira de transmissão de uma
mensagem política, personalista, de interesses, vontades e desejos de seu utente,76 podemos, em
um pequeno esforço de análise, crer que o intento do então príncipe, traduzido a nós por
Lancastre e Távora, de sublinhar relações com Castela,77 prossegue como intento do Rei e do
Reino, comunicado e perpetuado através da mensagem simbólica da heráldica.

70
De Lancastre e Távora, Luís Gonzaga. Op. Cit. p. 28.
71
MATOS, Gastão de Melo de; BANDEIRA, Luís Stubbs Monteiro. Heráldica. Lisboa: Verbo, 1969. p. 76.
72
Ibidem. p. 75.
73
Ibidem. p. 79.
74
DE LANCASTRE E TÁVORA, Luís Gonzaga. Introdução ao estudo da heráldica. Lisboa: Instituto de
Cultura e Língua Portuguesa – Ministério da Educação, 1992. p. 29.
75
MATOS, Gastão de Melo de; BANDEIRA, Luís Stubbs Monteiro. Heráldica. Lisboa: Verbo, 1969. p. 15.
76
PASTEUREAU, Michel. Op. Cit. p. 251.
77
DE LANCASTRE E TÁVORA, Luís Gonzaga. Ibidem. p. 25-30.
32

FIGURA 5 – Representação do Selo de Dom Afonso III

FONTE: SOUSA, Dom António Caetano de. Historia genealogica da Casa Real Portugueza : desde a
sua origem até o presente, com as Familias illustres, que procedem dos Reys, e dos Serenissimos Duques
de Bragança. Disponível em: <<http://purl.pt/776>>, acesso em 25 set. 2016.

FIGURA 6 – Representação do Selo de Dom Dinis I

FONTE: SOUSA, Dom António Caetano de. Historia genealogica da Casa Real Portugueza : desde a
sua origem até o presente, com as Familias illustres, que procedem dos Reys, e dos Serenissimos Duques
de Bragança. Disponível em: <<http://purl.pt/776>>, acesso em 25 set. 2016.
33

FIGURA 7 – Representação do Selo de Dom Afonso IV

FONTE: SOUSA, Dom António Caetano de. Historia genealogica da Casa Real Portugueza : desde a
sua origem até o presente, com as Familias illustres, que procedem dos Reys, e dos Serenissimos Duques
de Bragança. Disponível em: <<http://purl.pt/776>>, acesso em 25 set. 2016.

FIGURA 8 – Representação do Selo de Dom Pedro I

FONTE: SOUSA, Dom António Caetano de. Historia genealogica da Casa Real Portugueza : desde a
sua origem até o presente, com as Familias illustres, que procedem dos Reys, e dos Serenissimos Duques
de Bragança. Disponível em: <<http://purl.pt/776>>, acesso em 25 set. 2016.
34

FIGURA 9 – Representação do Selo de Dom Fernando I

FONTE: SOUSA, Dom António Caetano de. Historia genealogica da Casa Real Portugueza : desde a
sua origem até o presente, com as Familias illustres, que procedem dos Reys, e dos Serenissimos Duques
de Bragança. Disponível em: <<http://purl.pt/776>>, acesso em 25 set. 2016.

FIGURA 10 – Representação do Selo de Dom João I

FONTE: SOUSA, Dom António Caetano de. Historia genealogica da Casa Real Portugueza : desde a
sua origem até o presente, com as Familias illustres, que procedem dos Reys, e dos Serenissimos Duques
de Bragança. Disponível em: <<http://purl.pt/776>>, acesso em 25 set. 2016.
35

Essa modificação, de uma diferenciação para uma nova armaria, ou melhor, para
uma perpetuação heráldica, constitui brusca e significativa quebra na tradição heráldica lusitana
e, consequentemente, passará a ser notavelmente visível na sigilografia régia, assim
inaugurando uma nova geração. Esta geração irá de Afonso III até Dom Fernando e seus selos
terão apenas uma característica a mais que a anterior: a colocação das diferenciações entre o
campo onde repousam as quinas e a legenda epigráfica. Nesta geração, é perceptível o extenso
uso de pequenos círculos para dar relevo as margens e a variação entre dez e quinze bestantes
em cada quina. Outras características ainda não padronizadas são o número de castelos que
semeia a orla da representação heráldica, que vai de dez a doze, dependendo do selo e o limite
entre o campo que blasonicamente seria branco e a disposição das quinas, algumas extravasando
para a bordadura vermelha.

A geração que identificamos seguidamente, a mais pertinente para nossa análise, é


a que se inaugura com Dom João I; nela, ainda, o principal parâmetro de modificação notável
que norteia a ruptura é a modificação das Armas Régias. Pelos registros sigilográficos, que são
a mais profícua fonte acerca da heráldica em Portugal,78 pode-se notar que o Mestre de Avis,
ascendendo ao trono de português, interpola nas armas régias daquele reino um símbolo pessoal
e personalista: a Cruz de Avis, signo identificador da ordem religiosa em que exercera
mestrado.79

Esta geração é a derradeira da primeira tradição sigilográfica portuguesa, no sentido


que os próximos reis da Dinastia de Avis, apesar de manterem a Cruz de Avis interpolada, irão
dar relevo para a manifestação blasônica ante ao conteúdo heráldico. Analisando os selos de
Dom Duarte, Dom Afonso V e de Dom João II, percebe-se que estes mantiveram até certo ponto
as modificações do fundador da Dinastia de Avis, mas que, ao invés de ocupar todo o selo com
a imagem heráldica, adaptando-a à forma que o selo tivesse, fazendo do selo o próprio
continente da mensagem heráldica, estes monarcas darão preferência a representar os brasões
em seus selos principais, sendo as armas os continentes da mensagem. Esta transição dá-se,
muito provavelmente, pelo fato de que, no decorrer do século XV e do XVI, é corrente o intento
de se disciplinar a atividade heráldica em Portugal, com o emprego de Reis-de-Armas e a

78
SEIXAS, Miguel Metelo de. “Bibliografia de heráldica medieval portuguesa”. In. SEIXAS, Miguel Metelo
de(Coord.); ROSA, Maria de Lurdes (Coord.). Estudos de Heráldica Medieval. Lisboa: Instituto de Estudos
Medievais (FCSH/UNL) – Centro Lusíada de Estudos Genealógicos e Heráldicos (ULL) – Caminhos Romanos,
2012. p. 539.
79
ZIERER, Adriana Maria de Souza. D. João I, o iniciador da Dinastia de Avis entre a identidde portuguesa e a
alteridade. In: Dimensões, vol. 33, Vitória: UFES – Programa de Pós-Graduação em História. 2014. p. 36-60.
pp. 38.
36

introdução de um Direito Heráldico mais influente e constante, atitudes que levarão a uma
reforma heráldica da parte de Dom João II, quando as Cortes enxergarão vários problemas
quanto a heráldica real.80 Não iremos avançar para estes casos específicos, que classificaríamos
como geração posterior a Dom João I, por avançarem nos recortes de nossa pesquisa e não
acrescerem significativamente no nosso intento: o principal lastro que uma análise desses casos
poderia ceder seria a uma investigação da passagem de um momento a outro na tradição
heráldica portuguesa, principalmente com a racionalização que se tem com Dom João II desta
matéria, o que culmina no retorno às armas do final da Dinastia de Borgonha, para bem
enquadrar as Armas Régias nas precisas regras dos heraldistas.81

3.2. Descrição das fontes: caracterização do corpus documental através dos parâmetros de
Lancastre e Távora

São pertencentes a esta geração os selos dos documentos que formam nosso corpus
material principal, pendentes da “Carta de Mandado de D. João I ao almoxarife de Santarém
para que entregue ao mosteiro de Alcobaça parte do reguengo da valada como tinha sido
acertado em carta de escambo feita entre o Rei D. Dinis e o mosteiro de Alcobaça”, datada de
4 de setembro de 1400 e da “Carta de Mandado de D. João I ao Almoxarife em Santarém para
entregar ao mosteiro da Santíssima Trindade de Santarém a herdade que chamam de monte de
trigo”, datada de 1º de outubro de 1400, anteriormente citadas.

Optamos por estes dois documentos pois eles podem dar-nos uma visão mais
detalhada do que era o selo de Dom João I por dois elementos: área conservada com distintivos
sinais do que aqui convencionamos denominar geração de Dom João I – parte superior do selo,
onde se pode ver as hastes da Cruz de Avis – e facilidade para se visualizar o desenho do selo
e compará-lo com o rol constituído por Dom António Caetano de Sousa, de forma que se relevo,
apesar de gasto, ainda se encontra nítido o suficiente para ser observado com certa clareza

80
TAVARES FILHO, Franklin Maciel. Os armoriais avisinos do século XVI. In: Plêthos, vol. 3, n. 1 Niterói:
UFF. 2013. p. 110-126. pp. 111.
81
Acerca das restaurações das Armas Régias Portuguesas por Dom João II e seus desdobramentos políticos e
culturais, ver: SEIXAS, Miguel Metelo de. “As armas e a empresa de D. João II. Subsídios metodológicos para
o estudo da heráldica e da emblemática nas artes decorativas portuguesas”. In: MENDONÇA, Isabel Mayer
Godinho; CORREIA, Ana Paula (coord.). As Artes Decorativas e a Expansão Portuguesa. Imaginário e
Viagem. Actas do 2.º Colóquio de Artes Decorativas. 1.º Simpósio Internacional. Lisboa: Fundação Ricardo
Espírito Santo Silva / Centro Cultural e Científico de Macau / Escola Superior de Artes Decorativas, 2010, p. 46-
82.
37

através da reprodução a que tivemos acesso. Como não podemos ter acesso ao documento
original, o método para observação e análise deste material esfragístico também influiu muito
na escolha destas duas cartas para o corpus principal de nossa pesquisa. Para obtermos uma
condição melhor de análise, acessamos na base de dados do Arquivo Nacional da Torre do
Tombo a reprodução dos documentos na melhor resolução permitida, e fizemos seu referido
download. Para a seguinte descrição dos selos de nosso Corpus Documental, empregaremos os
parâmetros de Lancastre e Távora, expostos pelo autor no livro O Estudo da Sigilografia
Medieval Portuguesa, apoiando-nos, também, nos diversos exemplos que este autor nos dá nas
várias descrições que contém o catálogo sigilográfico de sua obra.82 Pretendemos para as
seguintes descrições primar pela precisão, para de nada deixar de citar durante nossa exposição.
Contrariamente a Lancastre e Távora, que utiliza o texto “solto” para descrever os espécimenes
de seu catálogo, optamos por dispor os dados dentro de quadros, para que a visualização dos
mesmos pudesse ser mais clara e objetiva, facilitando-nos a leitura e a recuperação de dados,
se necessário. Incluímos também o espaço para observações (OBS.:), outrora inexistente no
padrão de Lancastre e Távora. Seguem-se as descrições:

82
LANCASTRE E TÁVORA, Luís Gonzaga de. “II Parte. Esboço de um CORPUS Sigilográfico Medieval
Português”. In: DE LANCASTRE E TÁVORA, Luís Gonzaga. Introdução ao estudo da heráldica. Lisboa:
Instituto de Cultura e Língua Portuguesa – Ministério da Educação, 1992. p. 85-348.
38

QUADRO 1 – DESCRIÇÃO DO EXEMPLAR DA “CARTA DE MANDADO DE D.


JOÃO I AO ALMOXARIFE DE SANTARÉM PARA QUE ENTREGUE AO
MOSTEIRO DE ALCOBAÇA PARTE DO REGUENGO DA VALADA COMO TINHA
SIDO ACERTADO EM CARTA DE ESCAMBO FEITA ENTRE O REI D. DINIS E O
MOSTEIRO DE ALCOBAÇA”.

Exemplar da “Carta de Mandado de D. João I ao almoxarife de Santarém para que


entregue ao mosteiro de Alcobaça parte do reguengo da valada como tinha sido
acertado em carta de escambo feita entre o Rei D. Dinis e o mosteiro de Alcobaça”
Nomenclatura: Selo fragmentado pendente ainda atado ao documento que autentica
preso por trancelim aparentemente azul e branco, aparentemente de
linho.
Material: Cera branca escurecida pelo tempo ou castanha clara, também
escurecida pelo tempo.
Formato: Em “amêndoa”
Dimensões: Sem informações sobre.
Gravação: Do tipo emblemático heráldico dinástico ou régio, tendo os moveis e
os campos enquadrados e adaptados para toda a superfície do selo;
no interior um campo sem peles contém uma cruz com pontas em
lises, identificada como Cruz de Avis, a qual extravasa o campo em
que repousa, invadindo a orla deste campo, sobre a cruz repousam
cinco escudetes dispostos em cruz, três estando posicionados
verticalmente e dois, os laterais, horizontalmente, os escudetes
dispostos horizontalmente invadem a orla do campo, a orla deste
campo contém quinze pequenos castelos aparentes, divididos em
grupos de quatro e três.
Epigrafia: Legenda formada por caracteres com características não
identificadas, acompanhando o desenho da orla, possivelmente
iniciada e interrompida ao tope, onde se lê: + SIGILLUM : DOMIN
: IO (parte ilegível) : REGIS (parte ilegível).
Datação: Segundo o Arquivo Nacional da Torre do Tombo: 1400
Origem: Lisboa, Portugal.
Emblemática: Possivelmente, o selo régio do rei Dom João I.
OBS.: Imagem a seguir.
39

FIGURA 11 – “Carta de Mandado de D. João I ao almoxarife de Santarém para que


entregue ao mosteiro de Alcobaça parte do reguengo da valada como tinha sido acertado
em carta de escambo feita entre o Rei D. Dinis e o mosteiro de Alcobaça”

FONTE: DOM JOÃO I. Carta de Mandado de D. João I ao almoxarife de Santarém para que
entregue ao mosteiro de Alcobaça parte do reguengo da valada como tinha sido acertado em
carta de escambo feita entre o Rei D. Dinis e o mosteiro de Alcobaça. Portugal: 1400.
Disponível em <<http://digitarq.arquivos.pt/details?id=6070499>>, acesso em 25 set. 2016.
40

FIGURA 12 – Detalhe da “Carta de Mandado de D. João I ao almoxarife de Santarém


para que entregue ao mosteiro de Alcobaça parte do reguengo da valada como tinha
sido acertado em carta de escambo feita entre o Rei D. Dinis e o mosteiro de Alcobaça”

FONTE: DOM JOÃO I. Carta de Mandado de D. João I ao almoxarife de Santarém para que
entregue ao mosteiro de Alcobaça parte do reguengo da valada como tinha sido acertado em
carta de escambo feita entre o Rei D. Dinis e o mosteiro de Alcobaça. Portugal: 1400.
Disponível em <<http://digitarq.arquivos.pt/details?id=6070499>>, acesso em 25 set. 2016.
41

QUADRO 2 – DESCRIÇÃO DO EXEMPLAR DA “CARTA DE MANDADO DE D.


JOÃO I AO ALMOXARIFE EM SANTARÉM OARA ENTREGAR AO MOSTEIRO
DA SANTÍSSIMA TRINDADE DE SANTARÉM A HERDADE QUE CHAMAM DE
MONTE DE TRIGO”.

Exemplar da “Carta de Mandado de D. João I ao Almoxarife em Santarém para entregar


ao mosteiro da Santíssima Trindade de Santarém a herdade que chamam de monte de
trigo”
Nomenclatura: Fragmento da parte superior de selo atado ao documento que
autentica por trancelim aparentemente azul e branco, aparentemente
de linho.
Material: Cera branca escurecida pelo tempo ou castanha clara, também
escurecida pelo tempo.
Formato: Em “amêndoa”, provavelmente (por comparações com espécimenes
semelhantes).
Dimensões: Sem informações sobre.
Gravação: O fragmento apresenta o tipo emblemático heráldico dinástico ou
régio, tendo os moveis e os campos enquadrados e adaptados para
toda a superfície do selo; no interior um campo sem peles contém
uma cruz com pontas em lises (das quais vê-se somente a superior),
identificada como Cruz de Avis, cujo relevo está ainda bem
perceptível, a qual extravasa o campo em que repousa, invadindo a
orla deste campo, sobre a cruz repousam cinco escudetes dispostos
em cruz (neste somente vê-se claramente um), três estando,
provavelmente, posicionados verticalmente e dois, os laterais,
horizontalmente, os escudetes dispostos horizontalmente invadem a
orla do campo, a orla deste campo contém quinze pequenos castelos
aparentes, divididos em grupos de quatro e três (por comparações
com espécimenes semelhantes).
Epigrafia: Legenda ilegível e em caracteres de estilo não identificado.
Datação: Segundo o Arquivo Nacional da Torre do Tombo: 1400
Origem: Lisboa, Portugal.
Emblemática: Possivelmente, o selo régio do rei Dom João I.
OBS.: Imagem a seguir.
42

FIGURA 13 – “Carta de Mandado de D. João I ao Almoxarife em Santarém para


entregar ao mosteiro da Santíssima Trindade de Santarém a herdade que chamam de
monte de trigo”

FONTE: DOM JOÃO I. Carta de mandado de D. João I ao Almoxarife em Santarém para


entregar ao mosteiro da Santíssima Trindade de Santarém a herdade que chamam de monte de
trigo. Portugal: 1400. Disponível em << http://digitarq.arquivos.pt/details?id=6070472>>,
acesso em 25 set. 2016.
43

FIGURA 14 – Detalhe da “Carta de Mandado de D. João I ao Almoxarife em Santarém


para entregar ao mosteiro da Santíssima Trindade de Santarém a herdade que chamam
de monte de trigo”

FONTE: DOM JOÃO I. Carta de mandado de D. João I ao Almoxarife em Santarém para


entregar ao mosteiro da Santíssima Trindade de Santarém a herdade que chamam de monte de
trigo. Portugal: 1400. Disponível em << http://digitarq.arquivos.pt/details?id=6070472>>,
acesso em 25 set. 2016.
44

Através da descrição embasada na metodologia de Lancastre e Távora, chegamos a


características mais peculiares deste selo; antes conseguimos enquadrá-lo em uma tradição e
em uma geração, através das generalidades de seu desenho, agora podemos aferir as suas
características próprias. Como demonstram os quadros, ambos os selos são de cera,
característica importante, visto que estes selos são régios e quanto a este tipo de selos há a
possibilidade do material ser o chumbo.83 A coloração mostra-se-nos indefinida por conta da
própria técnica que coloria a maioria dos selos medievais portugueses, através de uma crosta
mais ou menos grossa com a coloração.84 O formato “em amêndoa” fica bem claro através das
representações do primeiro exemplar (Figuras 11 e 12), sendo perfeitamente compatíveis com
as demonstradas por Dom António Caetano de Sousa em seu rol.85 Ambos os trancelins são
azuis e brancos e tem certo trabalho aplicado em seu trançado; consideramos isto um mero
capricho, visto que, como já dissemos anteriormente, somente após o fim da Idade Média é que
trancelins e instituições ou usos irão coincidir ou combinar por algum motivo.86 Corrobora a
este pensamento, também, o fato de serem os mais comuns e abundantes os trancelins e linho
combinando branco e azul.87 Para aferir a datação e localização dos espécimenes nos lastreamos
nas informações das bases de dados do Arquivo Nacional da Torre do Tombo, as quais
corrigiram as datações empregadas no documento para o nosso atual Calendário Gregoriano,
tendo como base o Anno Domini, e apontam a cidade de Lisboa como local de emissão da carta
e, portanto, deste selo.88

Outra característica interessante e perceptível é a continuidade do modelo de


legendas epigráficas adotado por monarcas anteriores, ao inscrever-se “+ SIGILLUM : DOMIN
: IO (parte ilegível) : REGIS (parte ilegível)” (Quadro 1 e Figuras 11 e 12) Dom João I está

83
DE LANCASTRE E TÁVORA, Luís Gonzaga. Introdução ao estudo da heráldica. Lisboa: Instituto de
Cultura e Língua Portuguesa – Ministério da Educação, 1992. p. 43.
84
Idem.
85
SOUSA, Dom António Caetano de. Historia genealogica da Casa Real Portugueza : desde a sua origem
até o presente, com as Familias illustres, que procedem dos Reys, e dos Serenissimos Duques de Bragança.
Disponível em: <<http://purl.pt/776>>, acesso em 25 set. 2016.
86
DE LANCASTRE E TÁVORA, Luís Gonzaga. Ibidem. p. 38.
87
Ibidem. p. 39.
88
Segundo a base de dados do Arquivo Nacional da Torre do Tombo, o ano apresentado em ambas as
documentações é a da “Era de 1438”. Para esta informação no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, ver: DOM
JOÃO I. Carta de Mandado de D. João I ao almoxarife de Santarém para que entregue ao mosteiro de Alcobaça
parte do reguengo da valada como tinha sido acertado em carta de escambo feita entre o Rei D. Dinis e o
mosteiro de Alcobaça. Portugal: 1400. Disponível em <<http://digitarq.arquivos.pt/details?id=6070499>>,
acesso em 25 set. 2016; DOM JOÃO I. Carta de mandado de D. João I ao Almoxarife em Santarém para entregar
ao mosteiro da Santíssima Trindade de Santarém a herdade que chamam de monte de trigo. Portugal: 1400.
Disponível em << http://digitarq.arquivos.pt/details?id=6070472>>, acesso em 25 set. 2016.
45

seguindo o modelo anterior de apresentar seu nome e seu principal título, assim como os
anteriores fizeram.

3.3. Interpretação do selo régio de Dom João I: o contexto da legitimação

Sendo o selo uma fonte histórica que carrega traços de sua própria
contemporaneidade, não podemos concebê-lo descolado de seu próprio contexto, assim como
todos os demais tipos de fontes documentais ou monumentais que são trabalhadas pelos
historiadores; desta forma, cremos que a devida investigação sobre o contexto histórico que tal
selo está inserido auxiliaria nossa busca pelas suas significações próprias. Pretendemos,
portanto, compreender parte da trajetória do Mestre de Avis, para, através do contexto de
legitimação da segunda dinastia portuguesa, compreender as modificações heráldicas que este
selo apresenta.

Obtendo o trono português em decorrência da Crise Sucessória de 1385, a Dinastia


de Avis, que substitui a Casa de Borgonha no Reino de Portugal, tem como primeiro rei Dom
João I, filho bastardo do rei Dom Pedro I com Dona Teresa Lourenço e irmão, por parte de pai,
de Dom Fernando, pai de Dona Beatriz. Sendo os sucessores presumíveis ao trono lusitano
Dom João de Castela, consorte de Dona Beatriz, filha de Dom Fernando, e Dona Leonor Teles,
então regente de Portugal, também de origem castelhana, viúva do falecido rei;89 a figura do
Mestre da Ordem de Avis, que viera a ser Dom João I, assumindo o trono, apoiado pelos “nobres
secundogênitos, comerciantes e da população pobre da cidade de Lisboa” e eleito rei pelas
Cortes de Coimbra,90 constitui uma considerável quebra dos padrões de legitimidade antes
reconhecidos. A bastardia do novo rei e o futuro da dinastia careceram, como ampla
historiografia confirma, de vários meios de legitimação ante a continuação da dinastia anterior
e a Coroa de Castela, a qual poderia reclamar o trono e tinha apoio amplo ante a nobreza
tradicional.
Várias foram as estratégias que política e culturalmente a Casa de Avis teve de
lançar mão para demonstrar-se como legítima. Bem se sabe, como demonstrou Douglas Mota
Xavier de Lima, os casamentos dos filhos de Dom João I, inclusive aqueles que não pertenciam

89
ZIERER, Adriana Maria de Souza. Fernão Lopes e seu papel na construção da imagem de D. João I, o rei da
boa memória. In: OPSIS - UFG, vol. 12, nº 1. Catalão: DHCS – UFG. jan-jun 2012. P. 269-293.
90
Idem. Modelos educativos de nobre e rei na Crónica de D. João I, de Fernão Lopes. In: Acta Scientiarum.
Education – UEM, vol. 31, nº 1. Maringá: UEM. 2010. p. 55-66.
46

à Ínclita Geração (geração de filhos legítimos e nascido em união formalizada de Dom João I e
Dona Filipa de Lancastre), foram usados para reafirmação e forja de novos laços políticos,
como era costume entre a realeza tardomedieval. Tais alianças matrimoniais bem serviram para
criar legitimidade na prole nascida, principalmente naquela nascida a partir de Dom Duarte,
que veio a ser o segundo rei desta dinastia, o qual se casou Dona Leonor de Aragão.91 Indo mais
adiante cronologicamente na política matrimonial da dinastia, Maria Helena da Cruz Coelho92
explica a importância de casamentos nas legitimações desta dinastia, que “procurou legitimar-
se no ser e no parecer”.93
Já quanto à produção cultural que visa a legitimação da Dinastia de Avis, pode-se
destacar o papel do cronista Fernão Lopes, o qual produzira a Crónica de Dom João, na qual
ele narra, de forma singular, a ascensão e o reinado do “Messias de Lisboa”. A historiadora
Adriana Maria de Souza Zierer, ao tratar da legitimação da Dinastia de Avis, mais precisamente
da própria imagem de Dom João I, aborda Fernão Lopes e o caráter pedagógico 94 e criativo95
de suas crônicas ligadas aos Avis. A difusão e leitura destes textos, a qual Zierer coloca como
pública e voltada para audiências, certamente serviu para difusão da imagem de Dom João I
como um rei escolhido de Deus, legitimando um ramo bastardo ascender o trono. Ainda sobre
a figura do primeiro monarca dos Avis, esta historiadora consegue enxergar um elemento de
alteridade entre a identidade tradicional portuguesa e o novo ramo dinástico; para ela, a
produção cronística de Fernão Lopes introduz a Dom João I, que, pela visão da autora, poderia
ser considerado como “o outro” da descendência do trono, uma imagem de centralizador e
protagonista da identificação portuguesa, renovada e consolidada na Dinastia de Avis.96
Torna-se visível, portanto, que Dom João I empreendeu um grande esforço em prol
de sua legitimação, instrumentalizando até mesmo a instituição familiar e seus casamentos. Ao
percebermos isto, entendemos que, se suas atitudes como soberano reinante foram pensadas em
prol de sua legitimação, todas foram calculadas para não erigir barreiras para este intento. Desta
forma, novamente nos questionamos: sendo a heráldica em Portugal um modo de se expressar
a coesão e continuação dentro da então dinastia reinante, a de Borgonha, e estando Dom João I

91
DE LIMA, Douglas Mota Xavier. A política matrimonial de Dom João I: um instrumento de afirmação
dinástica. Portugal, 1387-1430. In: Roda da Fortuna, vol. 3, nº 2. 2014. p. 191-209.
92
COELHO, Maria Helena da Cruz. A política matrimonial da dinastia de Avis: Leonor e Frederico III da
Alemanha. In: Revista Portuguesa de História, t. XXXVI, vol. 1. 2002-2003. p. 41-70.
93
Ibidem, p. 44.
94
ZIERER, Adriana Maria de Souza. Modelos educativos de nobre e rei na Crónica de D. João I, de Fernão
Lopes. In: Acta Scientiarum. Education – UEM, vol. 31, nº 1. Maringá: UEM. 2010. p. 55-66.
95
Idem. Fernão Lopes e seu papel na construção da imagem de D. João I, o rei da boa memória. In: OPSIS -
UFG, vol. 12, nº 1. Catalão: DHCS – UFG. jan-jun 2012. P. 269-293.
96
Idem. D. João I, o iniciador da Dinastia de Avis entre a identidde portuguesa e a alteridade. In: Dimensões,
vol. 33, Vitória: UFES – Programa de Pós-Graduação em História. 2014. p. 36-60.
47

em um ímpeto de legitimação, por quais motivos a Dinastia de Avis se beneficiaria com as


mudanças nas armas dinásticas? Ao nosso ver, a resposta pode-se fiar tanto na ascensão do mito
do Milagre de Ourique concomitante a um crescente sentimento de distinção do reino português
face ao castelhano emergido no período.97
Outrora aos reinados da Dinastia de Avis, Ourique não era a batalha a qual se
atribuía a fundação de uma nacionalidade portuguesa, mas sim, como explica Ana Isabel
Buescu, a Batalha de São Mamede.98 Diz-nos a autora que somente a partir de 1416 existem
registros escritos sobre o Milagre de Ourique, registrados no texto De ministerio armorum, que
registra brevemente pela primeira vez o relato do milagre.99 A data é bem próxima às emissões
sigilográficas que tratamos aqui, sendo o De ministerio armorum contemporâneo do rei Dom
João I e do período de legitimação da Dinastia de Avis, encaixando-se perfeitamente no recorte
temporal de nossa pesquisa. Comenta-nos também a autora que outros três documentos
importantes da construção e fixação do conteúdo do mito do Milagre de Ourique estão também
circunscritos dentro do período desta dinastia; são eles a Segunda Chronica Breve de Santa
Cruz de Coimbra, de 1451, as Mémoires touchant les souveraines maisons pour la plupart
d’Autriche, Bourgone et France, de 1491, e da Oração de obediência, datada de 1485;100 o
século XV é, portanto, o momento principal de formação do mito do milagre, sendo as
narrativas anteriores a ele apenas depoentes de uma vitória militar, sem quaisquer intervenção
do sobrenatural.101
Com esses quatro textos, o mito fixa-se em uma piedosa narrativa da aparição de
Cristo pregado ao madeiro, aparecendo a Afonso Henriques, primeiro rei português, antes da
batalha contra os cinco reis mouros, cujos escudos despedaçados pelo braço do católico se
encontram dispostos na armaria régia de Portugal carregando simbólicas trinta moedas,
representando a venda de Jesus Cristo.
Acerca disto, Buescu afirma que
“a funcionalidade de certas imagens e mitos é, neste sentido, inseparável da
memória histórica e da sua construção. Entre a verdade e a história existe um
largo espaço, frequentemente ocupado por imagens construídas, muitas vezes
tão ou mais eficazes do que o <<realmente acontecido>> [...]”;102

97
MÉRCURI, Danielle Oliveira. A sacralidade das realezas castelhana e portuguesa nos relatos cronísticos
ibéricos dos séculos XIV e XV. 2011. 173 f (Dissertação em História e Cultura Social) Faculdade de Ciências
Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", Franca 2011. p. 71.
98
BUESCU, Ana Isabel. “Um mito das origens da nacionalidade: o milagre de Ourique”. In: BETHENCOURT,
Francisco; CURTO, Diogo Ramada. A Memória da Nação. Lisboa: Livraria Sá da Costa Editora, 1991. p. 62.
99
Ibidem. p. 54.
100
Ibidem. p. 52.
101
Ibidem. p. 55.
102
BUESCU, Ana Isabel. “Um mito das origens da nacionalidade: o milagre de Ourique”. In: BETHENCOURT,
Francisco; CURTO, Diogo Ramada. A Memória da Nação. Lisboa: Livraria Sá da Costa Editora, 1991. p. 50.
48

desta forma, ao pensarmos a forja do mito, devemos lê-lo não como algo distante da sua
realidade original, no caso o século XV, nos alicerçando na fala de Buesco, podemos, também,
pensar naquilo que nos diz Vitorino Magalhães Godinho, o qual nos elucida que tal mito não
emerge por acaso, mas como marca de sacralização de um dinastia e como “predestinação do
destino imperial”, soberano e independente.103
Ourique é, portanto, parte da sacralização da figura do Rei de Portugal, sacralização
predestinada desde Dom Afonso I e que não enfoca somente o passado, mas também todo uma
linha de futuro, criando um mito que sela relações com o sagrado e com uma representação
coletiva abrangente através de uma imagem alegórica;104 em verdade “mais ainda do que
imagem. Ourique assumirá a dimensão de uma interpretação comum do passado, que,
incorporada no discurso ideológico e no corpo da memória histórica, revela uma concepção
particular da nação, de herói e da história”.105
No contexto dos primeiros anos do século XIV, Ourique certamente se remodela
miraculosamente para fazer frente ao perigo de Portugal vir a ser dependente de Castela, visto
que o contexto em que se encontrava o reino era o de guerras recentes e da possibilidade do
reino ser comandado pela Dinastia Trastámara. O último monarca português da Dinastia de
Borgonha, Dom Fernando, havia em seu reinado enfrentado três guerras com Castela, a primeira
indo de 1369 ao ano seguinte, a segunda iniciada ao ano de 1372 e também adentrando o seu
ano seguinte e a terceira, de 1381 a 1382, às vésperas da Crise Sucessória. A guerra de 1369 foi
iniciada por Portugal; Dom Fernando, que tinha o intento de possuir maior controle territorial
na região setentrional do Minho, atacara a Galiza com tropas terrestres e marítimas e sofreu
grande revés, sendo as localidades lusitanas de Braga, Guimarães, Bragança, Miranda e Vinhais
sendo ocupadas pelas tropas de Henrique II de Trastámara. O conflito teve fim após intervenção
papal, sendo a paz selada com a promessa de casamento de Dom Fernando com Dona Leonor,
filha do então rei de Castela, o que forçou o monarca português abandonar as perspectivas de
uma aliança luso-aragonesa.106 O segundo conflito, datado de 1372, ocorre após um acordo
político e comercial com a Inglaterra, forjado sob a influência do Duque de Lancastre, que tinha
claras intensões de ocupar o trono castelhano. Novamente Portugal foi derrotado, mesmo com
a promessa de auxílio britânico; Henrique II apoderou-se de Pinhel, Celorico, Linhares e Viseu.

103
GODINHO, Vitorino Magalhães. “O naufrágio da memória nacional e a Nação no horizonte do marketing”.
In: BETHENCOURT, Francisco; CURTO, Diogo Ramada. A Memória da Nação. Lisboa: Livraria Sá da Costa
Editora, 1991. p. 25.
104
BUESCU, Ana Isabel. Op. Cit. p. 51.
105
Ibidem. p. 69.
106
SERRÃO, Joaquim Veríssimo. História de Portugal. Estado, Pátria e Nação (1080-1415). Lisboa:
Editorial Verbo, 1978. p. 285-286.
49

O comportamento militar de Dom Fernando, segundo Joaquim Veríssimo Serrão, é visto como
fraco, visto que ao invés da decisão de atacar enquanto suas tropas viam de Coimbra uma
invasão territorial que não se resumia as fronteiras, o rei resolvera buscar refúgio em Santarém,
o que permitiu que Henrique II avançasse em direção a Lisboa. Novamente a intervenção papal
intermediara a resolução do conflito. Castela impôs a Portugal um tratado de paz que envolvia
a entrega de castelos, de galés e que previa que em futuro próximo ambos os reinos não se
enfrentariam em guerras. 107
A nova derrota na terceira guerra entre Portugal e Castela, entre 1381 e 1382, a qual
novamente envolveu um roteiro de uma aliança britânica desastrosa, fez com que a infanta Dona
Beatriz fosse prometida ao então rei Dom João I de Castela,108 fato este que mergulhará o
Mestre de Avis em um futuro conflito. A negociação do pacto matrimonial de Dona Beatriz
com Dom João I de Castela é definida com a escritura de Salvaterra dos Magos, cujo conteúdo
podia “assim resumir-se: o trono português seria pertença de um filho varão de D. Fernando ou,
não o havendo, da infanta D. Beatriz, que pelo consórcio manteria os dois reinos separados”.109
Somente no caso de não haver geração por parte de Dom Fernando por ocasião de morte de
Dona Beatriz, Dom João I de Castela receberia o trono português, em benefício da nova
rainha.110 Com esta escritura ratificada, Portugal caía no perigo de unir-se com Castela.
Com a morte de Dom Fernando em 1383 sem descendência masculina, inicia-se o
Interregno, seguido da Crise Sucessória de 1383 a 1385, que, como já dissemos, é superada pela
eleição do Mestre de Avis. No período do Interregno ocorre uma investida castelhana contra
Portugal, que somente é encerrada com a vitória portuguesa em Aljubarrota, meses depois da
eleição de Dom João I de Avis como rei de Portugal.111
Tais sequências de conflitos, derrotas e vitórias são genitores de uma necessidade
de sobrepor aquilo que era natural do Reino Português àquilo que era ligado à Coroa de Castela.
É-se perceptível neste contexto uma polarização, que muitas vezes é descrita entre um lado
“bom” e um lado “ruim”. Danielle de Oliveira Mércuri, em suas pesquisas, pôde divisar esta
polarização através dos relatos cronísticos de Fernão Lopes, em que enquanto o Mestre de Avis
era condensado na imagem de um Messias lisboeta, o rei castelhano e os portugueses traidores
eram associados a uma vinda do próprio Anticristo, literalmente havendo “um rei escolhido por

107
Ibidem. p. 286.
108
Ibidem. p. 292.
109
Ibidem. p. 293.
110
Idem.
111
Ibidem. p. 294-312.
50

Deus e outro pelo Diabo”.112 O estudo de Mércuri também aponta outras influências que
corroboraram para esta polarização entre Portugal e Castela, entre as quais vale citar a crença
em teorias milenaristas muito difundidas no período e a divisão dos papados entre Roma e
Avinhão, situação em que Portugal defendeu o pontífice romano, enquanto Castela obedecia ao
papa francês,113 o que aumentava ainda mais a polarização política entre os dois reinos ibéricos.
Assim, já tendo visitado alguns aspectos da legitimação da Dinastia de Avis e
compreendendo o processo da reformulação da Batalha de Ourique, que agora contém um
episódio miraculoso, e da polarização entre Portugal e Castela, advinda de uma série de
conflitos e um tratado que punha o reino português à sombra da possibilidade da perca da
independência, podemos interpretar a mudança da armaria régia pensando no desígnio divino
que se quer imputar a Dom João I e no afastamento que este monarca deseja colocar entre ele
e o Reino de Castela.
Se voltarmos a nossa atenção para a ilustração de Dom António Caetano de Sousa
do selo régio de Dom João I (Figura 10), a qual já conseguimos crivar como fiável através da
comparação com fragmentos de exemplares sigilográficos do Arquivo Nacional da Torre do
Tombo, perceberemos que o símbolo personalista identificador do monarca, a cruz da Ordem
de Avis, da qual ele era mestre, encontra seu nó entre as hastes abaixo do escudete central, indo
em direção à bordadura de castelos, tocando-a e invadindo-a. Não fazendo uma leitura física
deste selo, que o descreveria, mas deixaria a análise de lado, levemos em consideração
primeiramente a modificação da narrativa sobre a Batalha de Ourique ocorrida no século XV:
segundo Buescu, com a Dinastia de Avis a Batalha de Ourique ganha a forma de um mito: “sua
proximidade com a representação colectiva, a relação com o sagrado, o claro vínculo entre o
poder e o sagrado, enfim, a contrastividade entre a utopia e o mito”.114 Com esta apropriação,
a dinastia reconta não somente um trecho da história portuguesa, mas também renova os
significados que passam a significar um pacto entre o Rei, portador utente destas armas, e o
Divino, que lhe concedera a benesse da vitória. Não lançamos inquietações sobre o motivo das
armas originárias de Afonso Henriques (campo de prata carregado de cinco escudetes em cruz
semeados de pequeninas rótulas brancas) terem sido a dita batalha, visto que a heráldica
medieval é uma forma de registro monumental da história, 115 como demonstra o próprio Dom

112
MÉRCURI, Danielle Oliveira. A sacralidade das realezas castelhana e portuguesa nos relatos cronísticos
ibéricos dos séculos XIV e XV. 2011. 173 f (Dissertação em História e Cultura Social) Faculdade de Ciências
Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", Franca 2011. p. 86.
113
Ibidem. p. 88-91.
114
BUESCU, Ana Isabel. “Um mito das origens da nacionalidade: o milagre de Ourique”. In: BETHENCOURT,
Francisco; CURTO, Diogo Ramada. A Memória da Nação. Lisboa: Livraria Sá da Costa Editora, 1991. p. 51.
115
MATOS, Gastão de Melo de; BANDEIRA, Luís Stubbs Monteiro. Heráldica. Lisboa: Verbo, 1969. p. 15.
51

João II, ao consertar as armas do reino para que não se gerasse uma interpretação histórica
equivocada da estratégia militar dos vencidos em Ourique, como avalia Miguel de Metelo
Seixas acerca das observações do cronista Rui de Pina sobre o assunto.116 Assim, com a nova
interpretação das armas, a cruz da Ordem de Avis, ao nosso ver, traduz o pacto entre Deus e
monarca, encaixando-se num projeto de sacralização de sua realeza, que visava dar relevo à
construção da imagem de um promotor do plano de Deus naquela sociedade e de uma trajetória
messiânica do fundador da dinastia.117
Outra característica importante a ser lembrada da armaria régia de Portugal é que
as Diferenciações de Castela, que nasceram como diferenciações para sublinhar a proximidade
do utente para com o chefe da linhagem, mas que não deixaram de ser usadas,118 permanecendo
em uso até a contemporaneidade heráldica nacional portuguesa. 119 Estas diferenciações
mantidas, que se tornaram intrínsecas da armaria régia portuguesa, simbolizam através da
linguagem heráldica a proximidade de Dom Afonso III com a corte francesa e, principalmente,
com a corte castelhana,120 o que compreendemos como uma manifestação de apreciação e
ligação política através desta forma de registro. Esse propósito, afirma Michel Pastoureau que
a heráldica é um código que revela, além da identidade, as preferências e ideários de seus
utentes;121 sua manutenção é, portanto, uma arbitrariedade não aleatória ou simplória.
Neste campo do brasão, Dom João I também atua em prol da legitimação: se os
escudetes são a alegoria de Cristo e suas promessas para com Portugal, a bordadura de castelos
é a alegoria das relações com Castela. Assim pode-se concluir que a cruz da Ordem de Avis
adentra e se engrandece entre os outros elementos do brasão, como se é perceptível na
reconstituição de Dom António Caetano de Sousa. Compreendemos que Dom João I não queria
somente expressar sua proximidade com Deus, mas, aproveitando-se da polarização entre

116
SEIXAS, Miguel Metelo de. “As armas e a empresa de D. João II. Subsídios metodológicos para o estudo da
heráldica e da emblemática nas artes decorativas portuguesas”. In: MENDONÇA, Isabel Mayer Godinho;
CORREIA, Ana Paula (coord.). As Artes Decorativas e a Expansão Portuguesa. Imaginário e Viagem. Actas
do 2.º Colóquio de Artes Decorativas. 1.º Simpósio Internacional. Lisboa: Fundação Ricardo Espírito Santo
Silva / Centro Cultural e Científico de Macau / Escola Superior de Artes Decorativas, 2010, p. 49-51.
117
MÉRCURI, Danielle Oliveira. A sacralidade das realezas castelhana e portuguesa nos relatos cronísticos
ibéricos dos séculos XIV e XV. 2011. 173 f (Dissertação em História e Cultura Social) Faculdade de Ciências
Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", Franca 2011. p. 106.
118
DE LANCASTRE E TÁVORA, Luís Gonzaga. Introdução ao estudo da heráldica. Lisboa: Instituto de
Cultura e Língua Portuguesa – Ministério da Educação, 1992. p. 29.
119
PORTUGAL. Decreto nº 150 de 30 de Junho de 1911: Regulamenta e pormenoriza o decreto anterior e
decreta o desenho da bandeira regimental, do jaco e das flâmulas da Marinha, e do brasão nacional. Portugal:
Presidência da República, 1911. Disponível em << http://www.presidencia.pt/?idc=42>>, acesso em 14 out
2016.
120
De Lancastre e Távora, Luís Gonzaga. Idem.
121
PASTOUREAU, Michel. Une histoire symbolique du Moyen âge occidental. Paris : Éditions du Seuil,
2004. pp. 240-241 et. seq. 249; 251-256.
52

Portugal e Castela, desejava demonstrar que ele levaria a vontade divina àqueles que eram a
esta infiéis; assim, não somente ele se sobrepõe à Castela, mas demonstra que a Divina
Providência deseja por ele fazer face àqueles que eram considerados partidários do
Anticristo.122
Todavia, uma face importante da possibilidade de legitimação através da heráldica
sigilográfica de Dom João I merece menção: se este rei desejava legitimar uma nova dinastia
ante outras duas (Borgonha e Trastámara) e se dispõe a modificar armas que são registros
importantes de uma coesão de legitimidade régia, por quais motivos não criou armas totalmente
novas, que, por exemplo, não fizessem ligação ao passado português da dinastia interrompida
pela escolha divina ou ao reino vizinho que ameaça a independência de Portugal? Nossa
resposta repousa menos na quebra após o reinado de Dom Fernando e mais na consanguinidade
entre Dom João I e Dom Pedro I. Ao nosso ver Dom João I buscava apresentar-se como
alternativa correta ante o plano de Deus, sendo o caminho e a continuação natural a ser seguida;
sendo ele filho de Dom Pedro I,123 ele buscava esta ligação dinástica para legitimar-se como
possibilidade ao trono português: recriar, portanto, a armaria régia seria uma admissão clara de
bastardia e uma quebra simbólica com a família. Além disto, não conseguimos encontrar
motivos para que Dom João I quisesse se separar de uma alegoria tão fulcral às promessas feitas
no Campo de Ourique.
Assim, percebemos que as intenções de Dom João I através destas modificações
eram, como voltaremos a reforçar em nossas considerações finais: 1) demonstrar-se como
próximo a Deus, sendo Seu escolhido para governar Portugal; 2) demonstrar-se como portador
das promessas divinas para a independência da nação portuguesa, sendo continuador correto da
linha que foi traçada ligando ele ao Mito de Ourique; e 3) fazer frente à Dinastia de Borgonha,
impondo a Dinastia de Avis como sua continuadora, e a Dinastia de Borgonha, fomentando a
polarização entre um lado “bom”, escolhido por Deus, justo e respeitador da mitra romana, e
um lado “mau”, escolhido pelo Diabo, cismático e servo da mitra de Avinhão.

122
MÉRCURI, Danielle Oliveira. Op. Cit.. p. 86.
123
ZIERER, Adriana Maria de Souza. Fernão Lopes e seu papel na construção da imagem de D. João I, o rei da
boa memória. In: OPSIS - UFG, vol. 12, nº 1. Catalão: DHCS – UFG. jan-jun 2012. P. 269-293.
53

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nosso principal afã neste trabalho foi o de interrogar os motivos pelos quais Dom
João I modifica as armas dinásticas de Portugal e de que forma isso corrobora para seus intentos
de legitimação, ou seja, procuramos as intenções por detrás do ato, de forma a encaixá-lo dentro
de uma cultura nobiliárquica representativa e dentro do jogo político da legitimação da nova
dinastia reinante ante as dinastias de Borgonha e Trastâmara.
Ao iniciarmos, questionamos qual seria o valor social e cultural da heráldica e da
sigilografia no reino de Portugal em finais do século XIV e início do século XV. Pensando este
questionamento através de diversas obras que versam sobre o assunto, pudemos aferir que, em
tal período e região, a heráldica e a sigilografia eram sublinhadores de um estatuto dentro de
uma estratigrafia social: a primeira sublinhava laços de sangue e dinásticos, sendo também
forma de registro monumental do passado de grande valor, apresentando-se como reflexo da
corrente posição do utente no seu meio – demonstrando-se plástica e modificável conforme
ascensão e descenso dentro de sua sociedade, bem como dialogando com a intencionalidade de
seu portador; a segunda, embora envolta num espectro de distinção social, detém teor mais
usual e prático, estando ligada às funções do indivíduo, ou melhor onde este se encontra.
Para tornar mais clara nossa reflexão, recorremos a uma exposição da fonte, na qual
classificamos as suas particularidades em relação aos selos anteriores, constituintes de uma
sólida tradição da sigilografia régia portuguesa. Procuramos, assim, decifrar, com auxílio do
material de apoio, seus fragmentos textuais. Embora não tenhamos conseguido expor de todo o
texto contido nos fragmentos esfragísticos, conseguimos ao menos expor o conteúdo imagético
e heráldico dos selos; o que era essencial para nossa principal análise. Com esta parte de nossa
pesquisa, pudemos aferir que a sigilografia régia portuguesa em formato de amêndoa,
constituinte dos espécimes principais das Casas Reais de Borgonha e Avis, constitui uma forma
coesa de identificação dinástica, mantida na passagem de uma para outra, de forma que a
manutenção do formato e da imagem heráldica contida nesses selos por Dom João I foi uma
forma de demonstrar uma continuidade legítima do soberano e da nova dinastia.
Quanto às modificações em si, conseguimos constatar que estas fazem parte,
também, do amplo jogo político da legitimação da Dinastia de Avis, de forma que a mensagem
heráldica que se deseja passar através dos selos seja a de um rei próximo do Divino e escolhido
pelo mesmo; o que se fez, em grande partem através de uma importante ressignificação histórica
da Batalha de Ourique, na qual se inclui um milagre, bem como da aproximação do símbolo
54

personalista do rei Dom João I ao símbolo identificativo do pacto transcendente entre o reino e
seu Deus.
Por fim, percebemos que as modificações foram de fato pensadas para que não
excluíssem os símbolos que demonstram legitimidade dinástica e para que fizessem frente às
duas casas contestantes da legitimidade, Borgonha e Trastâmara, acirrando a polarização entre
o português – escolhido por Deus, legítimo e fiel ao papado romano – e o castelhano – escolhido
pelo diabo, partidário do Anticristo e cismático, fiel ao papado de Avinhão –, sendo este o
resultado principal de nossa pesquisa e trabalho.
55

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Regular... ; tomo I [-XII]. - Lisboa Occidental : na Officina de Joseph Antonio da Sylva,
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