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Geometria Analítica no ensino superior: saberes profissionais e


manuais de autores brasileiros na década de 1970
Analytical geometry in higher education: professional knowledge and manuals
of Brazilian authors in the 1970s
Daniel José de Paula1
Maria Cristina Araújo de Oliveira 2

Resumo
O presente texto tem como proposta apresentar resultados parciais de uma pesquisa de mestrado
que investiga como se configura o ensino de geometria analítica (GA) no ensino superior nas
décadas de 1960 e 1970 numa perspectiva histórica. Procuramos analisar e discuti r a possibilidade
de apreender saberes profissionais para o ensino de GA por meio de uma análise histórica de
manuais de autores brasileiros. Além disso, este trabalho visa discutir as transformações do ensino
de GA no ensino superior como, por exemplo, a exclusão da GA plana e como se justificaria a opção
pela GA no espaço, sem nenhum tratamento no plano. De acordo com os manuais já analisados, foi
possível perceber em um deles a predominância de um tratamento algébrico para uma GA plana e
espacial apoiada na linguagem da Teoria dos Conjuntos e em outro exemplar a ênfase é GA espacial
que possui tratamento todo vetorial. Indícios de saberes profissionais docentes presentes se referem
a conceitos que o professor deveria saber para ensinar GA.

Palavras-chave: Geometria Analítica; ensino superior; saberes profissionais; história da educação


matemática.

Considerações Iniciais
O presente texto tem como proposta apresentar resultados parciais da
pesquisa de mestrado que vem se desenvolvendo no Programa de Pós-graduação
em Educação Matemática da Universidade Federal de Juiz de Fora – PPGEM-
UFJF. A investigação articula-se a um projeto maior cujo título é “Escolarização da

1 Mestrando no PPG em Educação Matemática da Universidade Federal de Juiz de Fora, UFJF,

pesquisador pelo GHEMAT-UFJF, daniel.jose@estudante.ufjf.br.


2 Doutora em Educação (Currículo), professora do Departamento de Matemática e do PPG em

Educação Matemática – UFJF, coordenadora do GHEMAT-UFJF, cristina.oliveira@ufjf. br.


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Geometria Analítica: uma perspectiva histórica” do núcleo UFJF, pertencente ao


Grupo Associado de Pesquisa e Estudos em História da Educação Matemática –
GHEMAT - Brasil.

A presente investigação de mestrado dá continuidade a um trabalho anterior


em nível de Iniciação Científica (IC), que centrou-se na circulação da Geometria
Analítica (GA) no ensino secundário do Brasil entre as décadas de 1930 a 1950,
período em que vigoraram as reformas educacionais Francisco Campos (1931) e
Gustavo Capanema (1942).

Como fonte de pesquisa, foram utilizados livros didáticos de GA para o


ensino secundário tomando como referência um levantamento de obras publicadas
no Brasil entre os anos de 1930 e 1950 com GA no título ou presente no conteúdo.
Seguindo alguns critérios pré-estabelecidos, foi feita uma análise de um livro
didático de GA em busca de elementos que apontassem como tal conteúdo era
abordado comparando com outras épocas e já estudados em outros projetos ligados
ao GHEMAT-UFJF.

Ao fim do projeto de IC, alguns questionamentos surgiram: como os livros


de GA do ensino secundário e do ensino superior se distanciam ou se aproximam
nas primeiras décadas do século XX? Que mudanças de tratamento para o ensino
de GA se configuram com o surgimento de obras didáticas de autores brasileiros?
Esta última questão se tornou crucial para este projeto agora em nível de mestrado
que investiga o ensino de GA no superior.

Conforme Soares (2013), que estudou a trajetória GA como componente


curricular no curso de matemática da UFJF nas décadas de 1960 e 1970, até a
década de 1950 circulou no Brasil exemplares de GA de autores estrangeiros com
algumas obras traduzidas para português. Na década de 1960 começam a surgir
livros escritos por autores brasileiros.

Para esta nova pesquisa, nosso objetivo é investigar como se configura a


GA no ensino superior nas décadas de 1960 e 1970, a partir de obras específicas
desse assunto produzidas por autores brasileiros. Para tanto, procuramos analisar e
discutir a possibilidade de apreender saberes profissionais para o ensino de GA por
meio de uma análise histórica de tais manuais.

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Busca-se construir uma representação histórica sobre o ensino de GA em


nível universitário nas décadas de 1960 e 1970, tomando como delimitação o
contexto da Universidade Federal de Juiz de Fora.

Foi realizado um levantamento bibliográfico de livros de GA para o ensino


superior nas décadas de 1960 e 1970, de autoria de professores brasileiros, e
elencados alguns exemplares físicos presentes no acervo das Bibliotecas da UFJF.
Para este texto, em específico, procuramos apresentar o que foi feito até o
momento, e em termos de resultados parciais a análise de dois manuais inseridos
no contexto anteriormente descrito.

Desenvolvendo um estudo historiográfico sobre o ensino de


Geometria Analítica
A História Cultural é basilar para este trabalho. Peter Burke (2008) relata a
história da História Cultural que pode ser divida em quatro fases: a História Clássica
(1800 a 1950), a História Social da Arte (1830 a 1940), a História da Cultura Popular
(1950 a 1960) e a “Nova” História Cultural (NHC) que entra mais em uso a partir dos
anos 1980. A palavra “nova”, segundo Burke, serve para diferenciar a NHC das
formas mais antigas, ou seja, das “histórias” já discutidas por ele nas quatro fases
consideradas. E a palavra “cultural” também distingue-a de outras histórias como a
história intelectual, a social e a econômica.

Dois conceitos que compõem a NHC se tornam referências: práticas e


representações. Tais noções assumem centralidade no trabalho de Roger Chartier,
integrando inclusive o título da obra referência: História Cultural entre práticas e
representações.

Burke (2008) aponta que o modelo de “práticas” compreende desenvolver


estudos culturais que dariam atenção, por exemplo, à prática da fala e suas
representações políticas e sociais, no lugar de investigar o campo da linguística. O
autor relata como tal conceito foi sendo aprimorado à medida que historiadores
culturais avançavam seus estudos preocupando-se com a parte prática de
determinado tema de interesse.

Ou seja, olhar para além da teoria existente expandindo as análises,


permitindo mais questionamentos, suposições, possíveis respostas, exercitando a

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dimensão histórica na perspectiva prática de um determinado tema.

Assim, a “história das práticas” permite que coloquemos diversas questões


nas pesquisas em história da educação matemática como as que se seguem
ligadas a esta pesquisa: como acontece o processo de exclusão de uma GA plana e
predominância da espacial no ensino superior? Em que momento, a GA do ensino
superior se restringe ao espaço, e por quê? Por que não há um tratamento vetorial
no plano?

“Representação” é outro conceito presente na NHC que se refere às formas


de representação: visuais, mentais e literárias, por exemplo. Do mesmo modo que
Burke (2008) narrou alguns estudos e marcos importantes para o desenvolvimento
do conceito de “Prática” ele o fez para nos mostrar que a concepção de
“Representação” também se desenvolveu por meio de histórias das representações
que podem ser exemplificadas por representações da estrutura social, do “outro”, do
trabalho, entre outras.

É este conceito de representações que nos auxilia nas interpretações


produzidas na análise de uma fonte de pesquisa, por exemplo. Ou seja, caracterizar
o que se vê além daquilo que está posto no documento; considerando seus
aspectos físicos, disposição, estrutura, inserindo-o num contexto mais amplo de sua
produção.

É com esse olhar que buscamos analisar, por exemplo, livros didáticos nas
pesquisas em história da educação matemática, a fim de compreender porquê um
livro didático de um determinado assunto foi publicado com uma certa frequência
em um espaço curto ou longo de tempo, qual a importância da estrutura dele,
porque tem prefácio ou não, dentre outros apontamentos que vão compondo uma
análise.

Com base na História Cultural a análise deve levar em consideração fontes


diversificadas que possibilitem a produção de uma representação que inclua
apropriações sobre reformas educacionais, livros didáticos, cadernos e notas de
aulas. Por meio de tais documentos, pensando no âmbito deste trabalho, é possível
problematizar o ensino de GA tensionando as práticas desse ensino e a circulação
de saberes profissionais disponíveis no contexto.

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Dessa forma, buscamos caracterizar historicamente saberes profissionais


para o ensino de GA no ensino superior. Tomamos como base a conceituação de
saberes de Hofstetter e Schneuwly (2017): os saberes a ensinar e os saberes para
ensinar.

Os saberes a ensinar compreendem os objetos de ensino, referem-se aos


saberes elaborados originalmente pelas disciplinas universitárias, pelos diferentes
campos científicos considerados importantes para a formação de professores. Já os
saberes para ensinar incluem os conhecimentos que o professor deverá dispor para
o exercício da docência, ligam-se àqueles saberes próprios da profissão docente; e
são constituídos de referências vindas do campo das ciências da educação. Diante
disso, tais saberes são levados em consideração nos estudos que buscam
caracterizar saberes profissionais do professor, como é o caso neste artigo.

Valente (2018) elabora uma proposta para a investigação histórica acerca


das pesquisas sobre saberes profissionais de professores que ensinam matemática.
O processo é composto por três etapas na identificação e institucionalização de
saberes em pesquisas da área: recompilação de experiências docentes, análise
comparativa dos conhecimentos dos docentes, sistematização e uso dos
conhecimentos como saberes.

A recompilação de experiências docentes, segundo Valente (2018), consiste


numa seleção e separação de informações relatadas em fontes históricas que
podem ser revistas, livros, programas e leis de ensino. “O conjunto obtido de tal
procedimento de pesquisa representa uma coleção de conhecimentos dispersos
num dado tempo histórico” (VALENTE, 2018, p. 380). Desse modo, esta etapa no
presente trabalho consiste em levantar informações presentes nos livros textos de
GA analisados.

Quanto a análise comparativa dos conhecimentos docentes

visa promover uma nova seleção no âmbito do inventário elaborado


anteriormente, com a montagem da coleção de conhecimentos
dispersos num dado tempo da história da educação escolar. Tal
seleção envolve um novo inventário, agora composto pela
separação daquelas informações sobre experiências docentes que
se mostram convergentes do ponto de vista da orientação para o
trabalho do professor. (VALENTE, 2018, p. 381).
Nessa linha de raciocínio, tendo em mãos os livros textos de GA e dispondo

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de critérios de análise, será feita uma composição de conhecimentos expostos nas


obras a fim de identificar quais aspectos se mostram mais presentes no período
estudado almejando caracterizar o ensino de GA no ensino superior.

Com relação a terceira e última etapa, sistematização e uso dos


conhecimentos como saberes, refere-se a uma

assepsia de elementos subjetivos e conjunturais dos consensos


pedagógicos, de modo a que os conhecimentos possam ser vistos
com caráter passível de generalização e de uso, isto é, como saber.
De outra parte, a análise inclui, de modo conjunto, a verificação em
instâncias normativas e/ou didático-pedagógicas da ocorrência de
uso dos elementos sistematizados pelo pesquisador” (VALENTE,
2018, p. 381).
Cabe aqui ressaltar a relevância do uso de livros didáticos como fonte de
pesquisa histórica. Choppin (2002) discute a complexidade presente em um
exemplar, pois segundo ele cada um de nós tem um olhar parcial sobre o manual
que depende da posição ocupada em um dado momento da vida no contexto
educativo, ou seja, aluno, professor, pais de aluno, editor, responsável político, etc.

Além disso, o autor menciona que:

Direcionando seu olhar aos manuais, o historiador pode, assim,


observar, a longo prazo, a aparição e as transformações de uma
noção científica, as inflexões de um método pedagógico ou as
representações de um comportamento social; pode igualmente,
colocar sua atenção sobre as evoluções materiais (papel, formato,
ilustração, paginação, tipografia, etc.) que caracterizam os livros
destinados às classes. (CHOPPIN, p. 15, 2002).
Neste trabalho, os livros didáticos ocupam posição central, pois constituem
etapa inicial de análise no processo de discussão e caracterização de saberes
profissionais para o ensino superior de GA nas décadas de 1960 e 1970.

Livros e autores de manuais de GA para cursos superiores nas


décadas de 1960 e 1970
Como mencionado anteriormente, as fontes utilizadas para a pesquisa
compreendem livros textos de GA publicados no Brasil nas décadas de 1960 e
1970, voltados para o ensino superior e produzidos por autores brasileiros. A
motivação para o desenvolvimento da pesquisa em andamento decorre de
questionamentos atuais: porque e como os livros textos de GA para o ensino

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superior começam a ser elaborados por autores brasileiros nas décadas em


questão? Quais os tópicos de GA eram mais presentes em tais exemplares? Como
se justificaria a opção pela GA no espaço, sem nenhum tratamento no plano?

Desta forma, um primeiro levantamento de livros textos de GA foi realizado


considerando os seguintes critérios de busca: GA no título, podendo ter outros
complementos; Livros textos que contenham teoria e não somente exercícios;
edições publicadas entre as décadas de 1960 e 1970; autores brasileiros; público
alvo - ensino superior.

A busca por estes exemplares ocorreu a princípio de forma online em


repositórios e acervos de universidades brasileiras como Universidade de São Paulo
(USP), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal de
Juiz de Fora (UFJF) e Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

A partir desse levantamento, somente 8 exemplares se encaixam nos


critérios estabelecidos, enquanto que outros 45 são obras sem identificação clara do
público alvo podendo ser voltadas para o ensino secundário ou superior. Conforme
um levantamento feito anteriormente por Soares (2013) na Biblioteca do Instituto de
Matemática e Estatística (IME) da USP, é na década de 1950 que começam a surgir
livros de GA para o ensino superior cujos autores são brasileiros, além de obras
internacionais traduzidas para o português.

Soares (2013) constatou que, na década de 1940, os livros de GA eram em


sua maioria estrangeiros ou em português mas voltados para o ensino secundário.
Nas décadas de 1950 e 1960 havia alguns poucos livros escritos em português,
sejam de autores brasileiros ou traduzidos. Finalmente na década de 1970 observa-
se uma quantidade maior de livros em português, escritos por professores
brasileiros. Sendo esse um ponto chave para este trabalho que pleiteia buscar e
identificar tais obras de GA para o ensino superior.

Por se tratar de uma pesquisa em programa de pós-graduação da UFJF,


que dá continuidade, como já mencionado, a outro trabalho em torno do ensino
superior de GA; e havendo a possibilidade de contato com exemplares físicos em
acervos da instituição, optamos por fechar a busca nesse lócus. Sendo assim, no
acervo da Biblioteca do Instituto de Ciências Exatas – UFJF foram encontrados os

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exemplares: “Elementos de Geometria Analítica Plana” de Edgard de Alencar Filho,


2ª edição, 1964, Livraria Nobel S. A; “Geometria Analítica Plana” de Hélio Siqueira
Silveira, 1968, Publicação UFJF e “Geometria Analítica no espaço - Tratamento
vetorial” de Zózimo Menna Gonçalves, 1978, Livros Técnicos e Científicos Editora
S/A.

Já no acervo da Biblioteca Universitária (Central) – UFJF encontramos o


livro de Maria Helena Novais cujo título é “Cálculo Vetorial e Geometria Analítica”
publicado em 1973 pela Editora Edgard Blucher com apoio da Universidade Federal
de Pernambuco. Para esse texto apresentamos as análises dos livros de Maria
Helena Novais e de Zózimo Menna Gonçalves.

Os critérios para as análises são: i) proposta da obra no prefácio; ii)


assuntos de GA mais presentes (considerando análise comparativa dentro da
própria obra); iii) propostas metodológicas para desenvolvimento do conteúdo; iv)
propostas de exercícios ou atividades.

· Livro: Cálculo Vetorial e Geometria Analítica

O livro de Maria Helena Novais foi publicado em 1973 pela Editora Edgard
Blucher Ltda em convênio com o Instituto Nacional do livro – Ministério da Educação
e Cultura e apoio da Universidade Federal de Pernambuco, onde a autora era
professora.

A obra possui prefácio que indica seu objetivo de conter o programa dado
na disciplina de GA, área de ciências exatas e tecnologia do ciclo geral da
Universidade Federal de Pernambuco e menciona que há exercícios resolvidos e
outros para resolução a cargo do leitor. Sua estrutura é por capítulos, sendo sete no
total e apresenta uma GA plana e espacial.

A autora trabalha inicialmente as coordenadas sobre a reta, no plano e no


espaço com um tratamento algébrico apoiado na representação gráfica.

O tratamento vetorial é introduzido tomando como conceito inicial um


segmento orientado. A seguir discute-se equipolência, vetores livres, adição de
vetores, produto de um número real por um vetor e demais operações de ponto com

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vetor e entre vetores.

São apresentadas as definições de referenciais cartesianos: plano e


espacial, que a autora chama respectivamente de E2 e E3. Em seguida, são
conceituadas as equações paramétricas da reta e do plano. O paralelismo é tratado
entre retas, entre planos e entre uma reta e um plano, por meio de exemplos.

São ainda trabalhados em termos de operações entre vetores os produtos


interno ou escalar e suas aplicações, externo ou vetorial e misto. Por fim, além da
circunferência e da superfície esférica, são abordadas as curvas cônicas – elipse,
hipérbole e parábola, superfícies de revolução e quádricas.

Os exercícios propostos são em sua maioria de demonstrações algébricas.


Mas há também exercícios práticos de construções geométricas e numéricos
quando se trata de cálculos de distâncias entre ponto e reta, entre retas e entre reta
e plano. Alguns apresentam as soluções, enquanto que outros são deixados a cargo
do leitor como mencionado no prefácio.

· Livro: Geometria Analítica no Espaço – Tratamento Vetorial

Já o livro de Zózimo Menna Gonçalves foi publicado em 1978 por Livros


Técnicos e Científicos Editora S/A. De acordo com o prefácio, a obra é um segundo
volume do “Curso de GA” da Universidade Federal Fluminense (UFF), ou seja, é
uma continuidade de uma GA para o ensino superior da UFF.

Possui uma estrutura por capítulos, um tratamento vetorial e espacial, além


de representações gráficas em alguns momentos. Conta com listas de exercícios
para resoluções a cargo do leitor.

Por se tratar de um livro de GA espacial, os primeiros assuntos trabalhados


são as coordenadas no espaço, interpretação vetorial, onde inicia-se de fato o
tratamento vetorial no livro, seguidos de noção geral sobre a representação analítica
de superfícies e linhas no espaço.

Em seguida, são abordados plano e reta também em termos vetoriais,


superfícies imaginárias (que são superfícies cujas coordenadas são números

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complexos) e mudanças de eixos no espaço.

Antecede o estudo das superfícies esféricas, cilíndricas e cônicas, a noção


de lugar geométrico. As coordenadas esféricas e cilíndricas são então
apresentadas. Finalizando o livro, são trabalhadas as superfícies de revolução, as
superfícies regradas, as quádricas, algumas outras curvas no espaço (definidas a
partir de interseções entre superfícies) e os helicoides. A obra conta com um curto
apêndice, que compreende conceitos do cálculo vetorial (fórmulas e conhecimentos
relativos a vetores no espaço tridimensional) cuja função é auxiliar o aluno.

A obra de Gonçalves conta com exercícios de cálculos numéricos,


determinação de equações de retas, planos e superfícies com tratamento vetorial.
Também há aqueles de discussão de equações de superfícies (que se refere a
identificar traços, interseções, simetria, seções e extensão).

Além disso, o livro possui um capítulo dedicado apenas para problemas


sobre retas e planos que discute a determinação de retas e planos, problemas de
distâncias e problemas de ângulos entre retas e planos.

Alguns resultados parciais

Para este tópico procuramos apontar elementos da análise que possam


contribuir para caracterizar saberes profissionais existentes nos manuais
analisados. Podemos nos orientar por questões tais como: qual GA os autores
mobilizavam nesses exemplares? O que o professor deveria saber para ensinar
GA?
Novais apresenta um estudo de uma GA tanto plana quanto espacial. Por
outro lado, o exemplar de Gonçalves trata apenas de uma GA espacial. Essa
diferença aponta elementos para a discussão de nossa questão inicial sobre o
processo de exclusão da GA plana no ensino superior, embora muito ainda
tenhamos que aprofundar para melhor compreender esse processo.

Com relação ao livro de Novais, primeiramente, foi possível observar que há


presença de uma linguagem da Teoria dos Conjuntos como, por exemplo, ela define
as coordenadas como uma correspondência biunívoca entre o conjunto dos pontos

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do plano e o conjunto de pares ordenados dos números reais. Do mesmo modo,


estabelece uma relação biunívoca entre o conjunto de pontos do espaço e o
conjunto de ternas ordenadas de números reais.

Ou seja, uma linguagem da Teoria dos Conjuntos que sugere ter influência
do Movimento da Matemática Moderna, que no Brasil ocorre a partir da década de
1960, sobretudo nos níveis primário e secundário. Por meio dessa percepção, pode-
se dizer que tomando o livro de Novais, o professor deveria saber sobre linguagem
da Teoria dos Conjuntos que permeia o exemplar para ensinar GA.

Para tratar de coordenadas negativas, a autora recorre à definição já


enunciada para as coordenadas positivas e menciona “inversamente” para se referir
às coordenadas negativas. Esses tópicos sobre as coordenadas são apenas
teóricos, sem exemplos ou exercícios. O que indica que o professor deveria saber
sobre coordenadas e apresentar exemplos para os alunos.

Uma característica muito presente no livro de Novais é o tratamento


algébrico dado aos conteúdos que remete a uma discussão sobre identificar o papel
da GA como suporte ao ensino de álgebra ou como um complemento, pois este
exemplar prioriza a álgebra mesmo com representações gráficas em alguns
momentos. Dessa forma, há um indicativo de que o professor deveria saber utilizar
todo o tratamento algébrico que envolve o ensino de conceitos da GA para poder
ensinar.

Quanto ao livro de Gonçalves, não há presença de linguagem da Teoria dos


Conjuntos. O tratamento dado é todo vetorial e com um uso maior de
representações gráficas em comparação com a obra de Novais.

Sendo um livro de GA espacial com tratamento vetorial, é pressuposto pelo


autor, baseado na estrutura do curso de Matemática da UFF, que o professor
conhecesse cálculo vetorial para saber ensinar a GA proposta pelo livro. Contudo, o
apêndice presente na obra trata do cálculo vetorial para auxiliar em caso de
necessidade.

Estas análises permitiram levantar algumas questões para o andamento da

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pesquisa: esta predominância do tratamento algébrico poderia se justificar pela


dificuldade de representação no espaço? Pois a álgebra permite utilizar
procedimentos de forma mais padronizada e talvez por isso pareça ao
professor/autor um campo mais seguro.

Outra questão se refere a quais encaminhamentos metodológicos tais obras


sugerem para o professor? Tanto Novais quanto Gonçalves propõem uma estrutura
que compreende apresentação do conteúdo, exemplos em alguns momentos e
exercícios para fixação. No entanto, não há uma menção clara de indicações
metodológicas para que o professor possa se guiar; apenas sugere que em
determinadas partes o docente deva saber conceitos preliminares como é o caso da
linguagem da Teoria dos Conjuntos presente no livro de Novais ou operações de
vetores no livro de Gonçalves.

Em termos de questionamento final, interrogamos se o desenvolvimento do


campo da Educação Matemática a partir da década de 1980 no Brasil, vem
possibilitando mudanças nos livros de textos voltados ao ensino superior de GA, em
termos metodológicos?

Referências
BURKE, P. (2008). O que é História cultural?, Rio de Janeiro: Zahar.
CHOPPIN, A. (2002) O historiador e o livro escolar. História da Educação. Pelotas,
v. 6 no 11, pp.79-109.
GONÇALVES, Z. M. (1978). Geometria Analítica no espaço - Tratamento Vetorial.
Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos Editora S/A.
HOFSTETTER, Rita; VALENTE, Wagner Rodrigues. (2017) Saberes em (trans)
formação: tema central da formação de professores. São Paulo: Livraria da Física,
2017.
NOVAIS, M. H. (1973). Cálculo Vetorial e Geometria Analítica. São Paulo: Editora
Edgard Blucher Ltda.
SOARES, Susana Ribeiro. (2013) Um estudo histórico do ensino de geometria
analítica no curso de matemática da UFJF nas décadas de 1960 e 1970.
Dissertação de Mestrado.
VALENTE, Wagner Rodrigues. (2018) Processos de investigação histórica da
constituição do saber profissional do professor que ensina matemática. Acta
Scientiae, Canoas, v. 20, n. 3.

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