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GUIA DE DEBATES
2001
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
INSTITUTO DE PSICOLOGIA
LACRI − LABORATÓRIO DE ESTUDOS DA CRIANÇA
AS VIRGENS SUICIDAS
2
Por que se matam os suicidas?
3
FICHA TÉCNICA DO FILME
Duração: 97 minutos
Ano: 2000
4
FICHA TÉCNICA DO LIVRO
Editora: Rocco
Ano: 1994
5
SUMÁRIO
Página
6
1.0 SINOPSES DO FILME E DO LIVRO
O FILME O LIVRO
7
O FILME O LIVRO
O livro de Jeffrey Eugenides A tragédia é narrada através dos Para retratar a morte da
começou fascinando-me pela olhos dos rapazes que tentavam inocência, [Eugenides] valeu-
escrita, mas o que o autor diz namorar as garotas. O autor se de uma linguagem ágil e
também é perturbador... O que me
pertenceu à geração desses rapazes elegante, em que referências
atraiu no tema foi a possibilidade de humorísticas acompanham
já que o episódio enfocado foi real.
fazer uma investigação sobre a momentos trágicos.
família, sobre um período específico A inspiração para o livro veio,
da vida americana, os anos 70, segundo ele, de uma história E a edição brasileira
quando o sonho começava a verídica, contada pela babá de um manteve o vigor, graças à
desmoronar... [Sofia Coppola] tradução irretocável de
sobrinho: ela e todas as irmãs
Marina Colasanti.
Convidado a assistir ao filme de haviam tentado o suicídio.
Sofia Coppola, o escritor não (Fonte: Merten, L.C. Por que se
esconde que chegou apreensivo ao matam as virgens de Sofia Coppola?
O Estado de São Paulo, Caderno 2,
cinema. Não se entusiasmou, mas,
p. D3, nov. 2000)
discreto, garante ter gostado do que
viu. Ela buscou manter no filme os
principais sentimentos do romance,
o que me agradou muito.[Jeffrey
Eugenides]
(Fonte: Brasil, U. Mortes em série não têm
uma explicação lógica, afirma o autor. O Estado
de São Paulo, Caderno 2, p. D3, nov. 2000)
Nem o filme, nem o livro oferecem qualquer explicação para as mortes em série. E nem se propuseram a fazê-
lo. As razões das mortes são várias, mas não há nenhuma definitiva, pois não pretendi fazer um tratado sociológico, afirma
Eugenides [Brasil, U. art. cit.). Sofia pretendeu fazer um filme sobre a crise existencial da adolescência vivenciada
numa família mortífera e enquanto sintoma de uma crise social mais ampla. No livro, como no filme, fica claro que não se
matam por nenhum motivo específico e, no entanto, isso quer dizer que se matam por causa de tudo (Merten, L.C., art. cit.).
8
2.0 HISTÓRIAS DE SUICÍDIO
Há suicídios e suicídios: alguns famosos, outros anônimos. Suicídios de pobres, de ricos, de brancos, de pretos,
de índios, de homens, mulheres, de velhos, de adultos, de adolescentes, de crianças. Suicídios humanos, mas
também animais. Suicídios de ontem e de hoje. Em todos, porém, a sombra da mesma tragédia paradoxal: a
negação da vida.
Isso e muito mais se pode aprender, lendo e refletindo sobre as histórias a seguir...
HISTÓRIA Nº 1
FONTE: Contribuição enviada pelo Prof. João Batista Estevam, IV TELELACRI − 1997.
10
HISTÓRIA Nº 2
Capítulo XI
MORRENDO COM MARIA
(...) Chegamos em Belo Horizonte logo após o almoço. À noite, por volta das 11 horas, estávamos quase dormindo quando
o telefone tocou. Corri até a sala, para que Ranasari, nossa filha, não acordasse. Era uma das tias de Maria, ligando de
Valadares:
− Sou eu, dona Bentinha... estou telefonando para informar que a Maria morreu!
− O quê?!
− É. Ela morreu agora de noite. Tomou remédio de matar praga de tomate no “Lar das Crianças”. Avisa o pessoal aí. O
enterro vai ser amanhã, às quatro horas da tarde, em Caratinga. Avisa todo mundo aí.
E desligou o telefone, assim meio de repente. O telefone que voltaria a tocar outra vez, bem mais de meia-noite. Foi um
novo susto:
− Aqui é a Neuzinha, de Valadares. Vocês estão sabendo que a tia Maria morreu?
E nos contou como foi.
− Maria estava em Dom Cavati, passando uns dias na casa de sua irmã, quando tudo aconteceu. Sob os cuidados da
sobrinha, que a vivia vigiando desde as duas tentativas frustradas de suicídio, os quais não tínhamos conhecimento até
então, Maria pediu-lhe companhia para ir até Governador Valadares receber o dinheiro de sua aposentadoria.
Neuzinha foi com ela, de ônibus.
Chegando a Valadares, a fila de recebimento no banco estava muito grande, o que levou Maria a pedir que sua sobrinha
ficasse ali, no seu lugar, enquanto ela daria um pulo até o “Lar das Crianças”, onde havia deixado os documentos de seu pai,
desde sua morte. Documentos estes que Maria disse precisar para o inventário do pai. As duas ainda combinaram de se
encontrar na casa de uma parente.
Antes de ir ao orfanato, Maria ainda percorreu vários estabelecimentos comerciais da cidade, pagando o que ainda tinha
de dívida, bem como as de sua família, de que ela sabia. Feito isso, ela entrou em uma loja de artigos veterinários e pediu um
remédio para matar uma praga que estava destruindo os tomateiros do orfanato. Sem problemas, a loja vendeu-lhe um
mesmo produto, na forma líquida e em pó.
Ao chegar ao “Lar das Crianças”, Maria foi imediatamente até a cozinha, pegou um copo e uma colher e, sem que
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ninguém percebesse, fechou-se no banheiro. Ali ela tomou o remédio em pó e ainda deu umas goladas no líquido, deixando
a colher e o copo usados no chão.
O ritual prosseguiu até a escadaria da igreja matriz da cidade, onde Maria tomou o resto do líquido, partindo, então, ao
encontro de Neuzinha.
Já dentro do ônibus, esperando a partida de volta a Dom Cavati, sua sobrinha achou-a um pouco estranha. Uma outra
parente de Maria também percebeu um estranho cheiro que exalava no ar, mas ambas acreditaram proceder de uma
outro loja de produtos veterinários, coincidentemente localizada em frente ao ponto de embarque do ônibus. No caminho,
porém, o cheiro continuou. Pressionada. Maria disse-lhes que estava uma dor na barriga e pediu que a levassem para atrás
no ônibus, onde vomitou, urinou, evacuou muito, embora sem revelar o que havia feito.
Ela continuou assim, negando qualquer coisa ante a desconfiança da sobrinha, até chegar em Dom Cavati, onde
desembarcou calmamente do ônibus. De volta à casa de sua irmã, Maria ainda tomou banho e, como de costume, lavou a
sua calcinha, pendurando-a no varal. Nesse ínterim, porém, Neuzinha já havia contado para a mãe o que acontecera com
Maria durante a viagem. Ambas resolveram, então, bater na porta, perguntando-lhe se estava tudo bem. Maria voltou a
negar qualquer coisa, enquanto se vestia. Mas, ao abrir a porta do banheiro, momentos depois, não havia mais o que
esconder. Ela não apenas estava com o rosto tomado de uma vermelhidão estranha, como já passava irremediavelmente
mal.
Até o hospital de Caratinga, para onde foi levada ainda com vida e se submeteu a todas tentativas médicas de
desintoxicação, Maria manteve a sua consciência. Ela não fez uma só reclamação ou deu qualquer gemido durante todo o
trajeto, disse Neuzinha. Maria não mostrava nenhuma expressão de dor ou sofrimento em seu rosto, a sobrinha completou.
E para quem gostava de tanto escrever, Maria morreu também sem deixar qualquer coisa escrita. Nem um simples bilhete.
Ela apenas chorou um pouco, antes de ser levada ao hospital.
Suas últimas palavras, assim mesmo escritas muito antes de sua morte, foram estas:
É preciso que o mundo seja um pouco melhor, porque nele eu vivi e, por ele, tu passaste, meu irmão... Ainda acrescentou:
“ser bela a vida que se dá”.
FONTE: Firmino, H. (1986:110-112). A lucidez da loucura / A “via crucis” de Maria, a louca de Minas que desnudou a
psiquiatria. Petrópolis: Vozes.
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HISTÓRIA Nº 3
FONTE: Enciclopédia Mirador Internacional (1990). São Paulo: Encyclopedia Britannica do Brasil Publicações Ltda.
13
Virgínia Woolf foi abusada sexualmente quando era criança.
Ela contou o fato à sua família, escreveu sobre ele nas cartas, diários e memórias, e suas irmãs, abusadas também, confirmaram a
sua história. Se estas experiências da infância tiveram relação com as suas doenças mais tarde, é questionável, mas tiveram efeitos, sem
dúvida, em sua vida sexual na idade adulta, em sua composição psicológica e em sua escrita.
Os detalhes do abuso são difíceis de determinar. Envolveram, em momentos diversos, seus meio-irmãos, George e Gerald Duckworth.
Na ocasião da crise nervosa de Virgínia após a morte do seu pai, Vanessa ficou preocupada o suficiente a ponto de relatar as
atividades de George ao especialista que estava tratando de sua irmã, Dr. Savage, que as levou tão a sério que decidiu falar com George.
Sua sexualidade foi afetada para o resto de sua vida, como pode ser percebido no seu noivado e casamento. Quando ela escreveu
aceitando a proposta de casamento, em 01.05.12, Virgínia disse a Leonard, sem rodeios, que não tinha nenhuma atração sexual por ele:
(...) o que pesa mais é a questão sexual entre nós? Como eu lhe disse claramente outro dia, eu não sinto nenhuma
atração física por você. Há momentos − quando você me beijou outro dia foi um deles − que eu me sinto não mais que uma
pedra. No entanto, o fato de você se importar comigo me constrange...
Apesar de suas dificuldades sexuais, a união era feliz, como eles repetidamente deixaram claro durante os anos − e Virgínia, no fim de
sua vida, no bilhete que escreveu ao suicidar-se. Eles tratavam-se com nomes de animais de estimação e possuíam uma linguagem
particular. Ela era sua macaca feia, enquanto ele era o seu empregado patético. Quando ela ficou doente, ele se transformou no mestre e
cabeça do casal.
Nigel Nicolson1, introduzindo as cartas deste período, diz em segredo que o amor deles, no início, não estava desvinculado do sexo.
Por dois ou três anos compartilharam a cama e por muitos outros anos, um quarto, e só por aconselhamento médico, eles decidiram não
ter filhos.
Durante sua vida, Virgínia Woolf teve relacionamentos intensos com mulheres, na maior parte, mais velhas. Alguns, como com Vita
Sackville West, lésbica, tinham envolvimento sexual, mas era improvável que alguns destes casos fossem carnais, embora Vita afirme ter
ido para cama duas vezes com Virgínia. Em 1926, Vita escreveu a seu marido, Harold Nicolson:
1
Filho mais novo de Vita Sackville West e Harold Nicolson. Autor de Retrato de um casamento, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1973, nele relatou toda a história de sua
família como a história de um não-casamento entre pai e mãe bissexuais e que apesar disso foi bem sucedido, porque fundamentado em respeito mútuo.
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(...) Eu estou morrendo de medo de despertar desejos sexuais nela, por causa de sua loucura. Eu não sei que
efeitos isso teria, e eu não quero brincar com fogo. Eu tenho verdadeira afeição e respeito por Virgínia. Ela nunca viveu
com ninguém, exceto Leonard, o que é uma falha terrível, e foi abandonada cedo.
Para sua geração, Virgínia era − na maneira de falar, ao menos − desinibida e liberada nas questões sexuais. Ela foi nadar nua com
Rupert Brooke. Virgínia produziu material erótico para Lytton Strachey, e escreveu à sua irmã, sem restrições, sobre as poluções noturnas
de Leonard, seu marido. No entanto, escreveu mais tarde em sua vida, à Ethel Smyth, sua última amiga íntima: (...) eu sempre fui
sexualmente covarde, meu terror na vida real manteve-me sempre no jardim da infância.
Virgínia foi vítima do Transtorno Bipolar de Personalidade e foi numa de suas intermináveis depressões que encheu os bolsos de
pedras e afogou-se.
FONTE: Moura, Alda Virgínia et alii (2000). Resposta às Telecartas / Carta de julho. TELELACRI, Recife.
HISTÓRIA Nº 4
Sylvia Plath
Uma espécie de segunda vida, notória, começou para Sylvia Plath na manhã de 11 de fevereiro de 1963, quando, após ter
depositado duas xícaras de leite na cabeceira dos filhos, Frieda e Nicholas, ela vedou a porta da cozinha e abriu o gás.2
Sylvia nasceu em Boston, USA, em 1932, descendente de poloneses. Já era uma jovem talentosa poetisa antes de mudar-
se para Londres, onde conheceu o marido e onde se suicidou. Seus Collected Poems receberam, em 1982, o prêmio Pulitzer
de poesia. Sua poesia é delicada e cruel como o foi a vida que conheceu.
A voz de Sylvia que se matou em 1963, aos 31 anos, é personalíssima “como um peixe terrível”. Basta ler o poema Corte
onde alude a um acidente ocorrido com ela mesma.
2
Fiorillo, Marília P. (1991:7). Prefácio. In: Plath, Sylvia. A redoma de vidro. São Paulo: Globo.
15
Que arrepio
No lugar da cebola, meu polegar
A ponta quase se foi
Não fosse por um fio
De pele
Aba de chapéu. Branca e morta
E uma pelúcia rubra.3
Sylvia suicida-se após uma longa sucessão de crises e depressões, agravadas pela separação do marido, o poeta Ted
Hughes. Foi um suicídio planejado como se nota na preocupação em proteger os filhos e em garantir o êxito fatal para si
própria. Isso porque, em 1953, já tinha havido outra tentativa de suicídio seguida por terapia de eletrochoque, já que sofria
do Transtorno Bipolar de Personalidade: uma personalidade ciclotímica, que oscilava entre uma intensa timidez e as maiores
audácias4. Sylvia experimenta, então, o enorme terror de perder o talento literário.
Sylvia viveu uma relação ambivalente e difícil com sua mãe, Aurélia Plath. Em interessante trabalho, intitulado Sylvia Plath e
a proibição de sofrer, Alice Miller assim analisa a vida e o suicídio da escritora:
A vida de Sylvia Plath não foi mais difícil que a de milhões de seres humanos. É provável que, devido a sua sensibilidade,
sofresse mais intensamente que muitos outros, as frustrações de sua própria infância. Mas também viveu alegrias mais
intensas. Todavia, a razão de sua desesperação não era o sofrimento e sim a impossibilidade de comunicar esse sofrimento
a alguém. Em todas as suas cartas assegura a sua mãe que se encontra muito bem (...), a tragédia (não menos que a
explicação do suicídio) repousa precisamente no fato de que Sylvia não poderia escrever outro tipo de cartas porque sua
mãe necessitava dessa confirmação ou porque a própria Sylvia cria que sua mãe não poderia viver sem a confirmação (...).
O epistolário é um testemunho do falso EU que ela mesma inventou. O verdadeiro EU nos fala em A redoma de vidro (1978),
mas foi assassinado ao produzir-se o suicídio (...). Como já assinalei diversas vezes, não é o trauma que enferma e sim o
desespero inconsciente, reprimido, desesperançado que supõe o não poder expressar-se sobre os traumas sofridos, o
desespero de não poder manifestar nem tampouco viver sentimentos de raiva, ira, humilhação, desespero, impotência e
tristeza. Isso leva muitas pessoas ao suicídio, já que a vida não lhes parece digna de ser vivida se se vêem totalmente
3
Borges, C. Dois poetas da paixão e da angustia. Jornal da USP, 03 a 09.04.1995, p. 14.
4
Fiorillo, M.P., art. cit.
16
incapazes de experimentar sentimentos tão intensos como estes que fazem parte do EU verdadeiro.5
Daí que a escrita de Sylvia Plath − autobiográfica quase sempre − tem um cunho catártico como se intui nestas linhas
reproduzidas por Alice Miller6.
Perguntas por que passo a vida escrevendo?
E se me diverte fazê-lo?
Se vale a pena?
E, sobretudo, se é lucrativo?
Se não, que outra razão haveria?
Escrevo apenas
por que há uma voz em meu interior
que jamais se calará.
Sylvia Plath
5
Miller, Alice (1985:246-51). Por tu propio bien. Barcelona: Tusquets Editores.
6
Idem, ibidem.
17
Sua correspondência e suas short stories foram traduzidas em várias línguas (Johnny Panic e The Bible of Dream).
Seu único romance − A redoma de vidro (The Bell Jar) − recusado pela Editora Harper and Row, quando Sylvia lhes enviou
o original − foi lançado com sucesso pela mesma Editora, em 1971, tendo vendido inicialmente cerca de 80.000 cópias/ano.
Como escreveu Robert Lowell − professor de Sylvia na Universidade de Boston − a imortalidade de sua arte é a
desintegração da vida. (Prefácio à edição original de Ariel).
HISTÓRIA Nº 5
Prólogo
Foi nos últimos anos da escola primária que eu comecei a me sentir pressionada de todos os lados. Meus pais esperavam que eu
fosse a melhor aluna da classe, e até os professores mostravam-se desapontados quando eu não tirava a nota mais alta. Minha mãe
ficava furiosa. Toda tarde, ela me chamava à sala, onde se sentava no sofá, batendo impacientemente uma régua contra a palma da
minha mão e forçando-me a recitar as respostas das lições dos livros. Tornava-se histérica quando eu não respondia corretamente. Aquilo
me amedrontava e comecei a temer as pessoas, especialmente meus pais. Eu fugia da realidade escrevendo apontamentos divertidos no
meu diário e assumindo comportamentos de diferentes personagens de romances.
Externamente, eu não era rebelde. Nunca manifestava raiva, uma vez que era punida por isso. Tornei-me extremamente vulnerável a
tudo − simplesmente não me sentia capaz de proteger a mim mesma da dor.
Uma vez, quando eu cursava a quinta série, a nota que recebi num exame foi 89. Era impossível ir para casa com aquela nota
imperfeita, e, desvairada, contei a uma amiga que iria cometer suicídio. A professora, por acaso, ouviu minha conversa e marcou para
mim uma sessão com a psiquiatra da escola, mas eu não diria nada àquela mulher. Ela pediu para ver meus pais − minha mãe foi, mas,
depois, a caminho de casa, fez-me prometer que não contaria a ninguém sobre aquele incidente, por temer que isso traria vergonha à
família.
Meu pai ficou desempregado quanto eu tinha dez anos de idade. Este foi um dos episódios mais traumáticos da minha infância, porque
o fato causou uma separação abrupta entre nós. Ele tornou-se muito ensimesmado, trabalhando no porão até altas horas da madrugada,
comparecendo a entrevistas para conseguir emprego, esforçando-se para colocar comida em nossa mesa, conseguindo curtos contratos
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que o deixavam ocupado por algumas semanas antes de voltar às ruas novamente. Nunca mais consegui aproximar-me dele, em parte
porque ele agora achava que eu já estava muito grande para isso e minha mãe é que deveria se responsabilizar por mim, o que ela fez
com furor. Raramente vi meu pai depois disso − nos dizíamos “oi” quando ele chegava em casa depois do trabalho e mais nada. A tensão
crescia em casa com a falta de dinheiro e a necessidade de manter a casa e o carro, que eram as imagens da segurança. Minha mãe
ridicularizava meu pai por ele não conseguir sustentar a família adequadamente, o que era seu papel tradicional. Sentia-se impotente em
relação ao desemprego dele, mas não em relação a mim, e foi aí que despejou toda a sua ansiedade. Ela queria ter a certeza de que eu,
de algum modo, os redimiria.
No último ano do primeiro grau, a adolescência atingiu em cheio os meus colegas, e, com ela, as roupas tornaram-se o critério de
julgamento das pessoas. Não teria sido muito difícil para os meus pais comprar-me um par de jeans e um abrigo. Em vez disso, eu
chegava à escola todos os dias em trajes desenterrados do baú da min há mãe, com botões verdes brilhantes e similares. Desde o
momento em que pisava no pátio da escola até a hora em que ia embora, à tarde, caçoavam de mim sem compaixão. Eu costumava
rezar todas as noites por horas a fio, para que morresse dormindo, de forma a não precisar, no dia seguinte, passar por aquilo tudo
novamente. Meus pais não deram atenção a meus pedidos, de forma que aquele ano durou uma vida inteira.
Quando criança, eu tinha muita habilidade para desligar-me das coisas, mas, durante aquele ano, tornei-me mestre. Eu fantasiava
viver sozinha em um submarino, nas profundezas do oceano, longe das pessoas; inventava com tanto empenho que acabei me
surpreendendo que tais fantasias não se tivessem concretizado. Eu raramente estava em meu próprio corpo; flutuava longe, muito longe
dele. Quase nunca abria a boca na classe, paralisada de medo; por causa disso, minhas notas caíam vertiginosamente, e a ansiedade da
minha mãe aumentou. Ela me mantinha no quarto, estudando o tempo inteiro em que não estava na escola, e foi aí que a minha redação
se desenvolveu na forma de contos, poesias e até dois manuscritos do tamanho de livros.
Quando entrei no segundo grau, as coisas ficaram mais fáceis, de certo modo. Fiz alguns poucos amigos; envolvi-me no movimento
pela paz; meu nome constava na lista de melhores estudantes todos os anos; meus trabalhos começaram a ser publicados em revistas
literárias e comecei a ganhar concursos de redação. Meus pais não aprovaram meu envolvimento com protestos pela paz nem minhas
pretensões literárias. Proibiram-me de escrever se eu não tirasse somente notas A na escola e, até eu ir embora de casa, aos quatorze
anos, não me permitiam sair a não ser para comparecer às aulas de piano − nem nos finais de semana, nem depois da aula. Eu me dirigia
de modo submisso ao meu quarto e lá permanecia, caindo em depressão por meses seguidos, aliviada apenas pelo fato de que
continuaria escrevendo em segredo por baixo de um livro de matemática. Minha mãe entrava furtiva e silenciosamente em meu quarto
para verificar se eu estava fazendo meus deveres; eu segurava meu livro, inclinando-o para cima com uma mão e, com a outra escrevia,
largando-o quando ouvia seus passos. Como resultado, sentia-me constantemente em pânico, sempre com os nervos à flor da pele com
tudo o que ocorria.
Ao mesmo tempo, desenvolvi uma doença chamada bulimia, o que meus pais não entenderam; também comecei a apresentar graves
sintomas de estresse, que trato com remédios até hoje. Entrava em inacreditáveis depressões, indo cada vez mais fundo, sem me sentir
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capaz de sair delas. Era como viver embaixo de uma nuvem. Eu pensava com freqüência em suicidar-me, mas nunca pude suportar a
idéia de desapontar e constranger os meus pais por causa disso.
O volume de cartas que eu recebia tornou-se outro problema, culminando em uma briga que motivou minha fuga. A maior parte delas
consistia em breves respostas de alguns editores, que recusavam gentilmente meu trabalho com a anotação “devido à idade − treze anos”
no rodapé da página; algumas cartas de aceitação e uns poucos cheques. Naquela época eu vivia amedrontada com minha mãe, seus
ataques e gritos violentos, constantemente me dizendo que eu não prestava e não servia para nada. Eu me tornei o que se pode chamar
de uma filha-modelo − nunca saía de casa, ajudava no trabalho doméstico, não tinha namorado, apenas poucos amigos, tirava boas
notas, nunca havia experimentado álcool ou drogas. Ganhei prêmios por meus trabalhos de redação, mas meus pais se mostraram
zangados em vez de orgulhosos, censurando-me por não fazer o dever de casa em lugar de escrever. Nunca me senti amada ou capaz
de satisfazer a eles ou a qualquer outra pessoa no mundo.
Foi essa a razão de tudo. Sentia que, não importando o que fizesse, nunca poderia justificar o fato de estar viva e de ser filha deles. Às
vezes, quando meus pais saíam, eu começava a gritar e não conseguia parar. Ficar presa horas e horas dentro do meu quarto, era a pior
coisa que eu conseguia imaginar. Minha mãe não me deixava em paz e meu pai nunca estava lá. Preferi largar tudo o que me era familiar,
inclusive meus trabalhos, para fugir. Não foi algo planejado; um dia simplesmente fui embora. Eu sentia que, se não o fizesse, acabaria
me matando ou enlouquecendo.
Este diário engloba os dois anos de minha vida depois que fugi de casa. Ele é, de certo modo, similar a todos os outros que destruí
− é uma história de sobrevivência. Embora pareça difícil de acreditar, todos os acontecimentos que sucederam durante esses dois anos
foram emocionalmente mais leves para mim do que viver em casa, razão pela qual eu nunca mais voltei.
Excertos do Diário
28 DE MARÇO
Qual é o meu futuro? Eu escapei − mas para onde? É estranho mas ainda quero ser alguém. Talvez o que eu mais gostaria de fazer
é escapar de mim mesma; vestir uma máscara na qual eu pudesse sumir.
Tudo o que eu tenho de vender é a minha personalidade e, como já disseram, meu rabo. Mas nunca me rebaixarei a tal ponto. Desejo
dar-me a alguém como pessoa, não como um corpo...
Não posso ir para casa, mas seria infrutífero permanecer aqui, aguardando que a polícia venha me buscar. Não posso nem mesmo
fugir daqui porque não há para onde ir sem ser apanhada.
Dessa forma, minhas escolhas são: o Serviço de Emergência, cometer suicídio ou tentar convencer mais alguém a ficar comigo. A
última opção é a mais interessante, mas mostra, na verdade, o quanto eu sou egoísta.
20
29 DE MARÇO
Esta manhã engoli, com grande dificuldade, trinta aspirinas que estavam no armário do banheiro, enquanto Tommy esperava
nervosamente do lado de fora, tentando resolver se devia arrombar a porta ou se estava ficando paranóico. Bob Dylan cantava It’s all over
now, baby blue quando voltei ao meu quarto para deitar-me. Acordei uma hora depois; as pílulas não tinham produzido efeito.
FONTE: Lau, Evelyn (1997). A fugitiva / O diário de uma menina de rua. São Paulo: Scipione.
HISTÓRIA Nº 6
Suicidas animais
O escorpião − Símbolo da liberdade
Em certas regiões da Turquia, o escorpião é considerado o símbolo da liberdade. Isso porque se colocado no centro de
um círculo de fogo, sentindo-se acuado e sem saída, ele prefere suicidar-se injetando em si o veneno da própria cauda7.
Lemingues − Suicidas em massa
Em seu livro, Eugenides escreve, reportando-se ao Dr. Hornicker, psiquiatra que atendeu Cecília (13) após sua primeira
tentativa de suicídio:
Não raro − escreveu Dr. Hornicker − o irmão de uma adolescente suicida adota comportamentos suicidas, numa tentativa de
vir ao encontro da própria dor. Há uma alta evidência de suicídios repetitivos numa mesma família.
E então, numa anotação lateral, abandonou seu estilo médico e rabiscou “Lemingues”, os roedores das regiões árticas que
se suicidam em massa.8
Verdade ou folclore científico, o suicídio em massa dos lemingues? A julgar pela notícia a seguir, pesquisada na Internet9,
7
Folclore da Capadocia − Relato oral.
8
Eugenides, J., ob. cit., p. 136.
9
Pesquisa realizada por Marcela Queiroz da Costa − bolsista LACRI/IPUSP-CIEE, 2001.
21
parece tratar-se de uma lenda.
Vale a pena conferir!
O lemingue é um simpático animalzinho. Originário da Escandinávia e da Rússia setentrional, é conhecido na América como lemingue-
pardo ou lemingue-de-coleira, conforme a espécie. Freqüentemente, ele é usado nos laboratórios como cobaia, no lugar do tradicional
porquinho-da-índia. Seu pequeno tamanho, docilidade e limpeza tornam esse roedor perfeito para certas pesquisas científicas. As
espécies utilizadas em experiências têm uma faixa escura no dorso.
O lemingue é um pequeno roedor de cerca de 15 cm de comprimento, com uma cauda de apenas 2 cm, quando presente. O corpo é
maciço, a cabeça grande, as orelhas pequenas, arredondadas e quase invisíveis no meio da pelagem. Os membros têm cinco dedos
dotados de fortes unhas cavadoras.
A pelagem que recobre o corpo, longa e espessa, é amarelo-castanhada, com reflexos e manchas anegrados, especialmente na nuca.
Duas faixas amarelas partem dos olhos e se estendem para a região occipital. A cauda, as patas e a região ventral são amarelas.
Os lemingues são abundantes em toda a Escandinávia. Eles vivem nas montanhas e nas planícies herbáceas na Noruega, Suécia,
Finlândia e no noroeste da Rússia.
Estes simpáticos roedores vivem em pequenos abrigos localizados sob rochas ou musgos. No seu habitat natural, o lemingue fica em
atividade noite e dia, cavando tocas e ninhos com suas garras fortes. Nesses nichos nascem várias crias por ano, de 3 a 9 filhotes cada
uma. Animais velhos e filhotes alimentam-se de capim, musgo, raízes e liquens. Eles não costumam armazenar alimento para o inverno.
Nessa época os lemingues alimentam-se de brotos de arbustos.
Esses roedores não vivem em terrenos cultivados nem penetram nas habitações humanas, não causando, portanto, prejuízos
importantes.
Seu número varia de maneira notável. Periodicamente as populações sofrem uma grande flutuação numérica, oscilando bruscamente,
por motivos ainda mal conhecidos. Normalmente, os indivíduos afastam-se pouco dos abrigos; mas, em condições de superpopulação,
invadem vales e encostas, em busca de alimento e abrigo. Em geral, quando há um inverno suave e curto se sucede um verão longo e
favorável à população vegetal, os lemingues multiplicam-se desmesuradamente. O espaço vital disponível torna-se insuficiente, escasseia
o alimento e a população se dispersa em busca de outros habitats. Os deslocamentos migratórios têm caráter individual, mas, como as
rotas praticáveis são poucas, formam-se hordas numerosas que não realizam um movimento emigratório coerente e organizado.
Essa marcha de fome pode terminar, para muitos animais, às bordas dos fiordes, de onde despencam para a morte certa, no mar.
22
Antigas lendas contam a respeito de imaginárias marés de lemingues, nadando na superfície da água, em tal número que atrasavam a
marcha dos navios e afundavam barcos com o peso de milhares de animais que se agarravam às bordas.
Todas as populações animais sofrem oscilações, cíclicas ou não, devidas a causas variáveis, mas nenhuma com as características
espetaculares das dos lemingues. Muito se escreveu, sem qualquer fundamento biológico, a respeito das colunas em marcha e do
suicídio coletivo.
Durante as épocas de pululação, estimulados pela abundante alimentação, os lemingues continuam a multiplicar-se. As fêmeas
grávidas instalam-se onde podem e os machos prosseguem na busca de novos domínios vitais. Por vezes, os recém-nascidos são
transportados pela mãe, que carrega um entre os dentes e o outro no dorso, enquanto procura um sítio para aninhar-se. Observou-se que
os predadores naturais, também aumentam de número, de maneira notável, durante as épocas de pululação dos lemingues. Quando estes
voltam a estabilizar-se, desaparece o excesso de predadores, o que indica uma estreita relação entre as espécies envolvidas.
Os lemingues são perseguidos por um grande número de animais: lobos, raposas, glutões, martas, arminhos, suindaras e outras
corujas, corvos e falcões. Até as renas estão entre as espécies potencialmente perigosas, dado que costumam esmagá-los com as patas.
FONTE: Lemingues − http://roedores.hypermart.net/terra/roedor/lemingue1.htm
3.1 Conceito
Durkheim (1897) definiu o suicídio como todo o caso de morte que resulta direta ou indiretamente de um ato positivo
ou negativo praticado pela própria vítima, ato que a vítima sabia produzir esse resultado10.
Halbwachs (1930) retoma a questão, dizendo que o que distingue um suicídio externamente de qualquer outro tipo
de morte é ser realizado com instrumentos ou meios que nos levam a assumir que o sujeito pretendia morrer11.
Vaz Serra (1971) define suicídio como autodestruição, por um ato deliberadamente realizado para conseguir este fim12.
10
Durkheim, E. (1897). Ó suicídio. Tradução portuguesa de Le suicide, de E. Durkheim. Lisboa: Editorial Presença, 1977.
11
Halbwachs, M. The causes of suicide. In: Giddens, E. (ed.). The sociology of suicide. London: Frank Cass and Co., 1971.
12
Serra, A.S. Vaz (1971). Considerações gerais sobre o suicídio. Coimbra Médica XVIII (VII): 683-704.
23
Todas essas conceituações colocam em pauta a questão da intencionalidade suicida [sabia produzir esse
resultado...; o sujeito pretendia morrer...; ato deliberadamente realizado...]
Essa intencionalidade − constatada ou presumida − permite distinguir suicídio de condutas suicidarias, a
toxicomania, o alcoolismo, o excesso de velocidade na condução de automóvel13.
É interessante notar que Durkheim (1897) fala em vítima, como aliás deve ser concebido o suicida.
3.2 Epidemiologia
Os dados estatísticos sobre suicídio não são fáceis de conseguir, pois sua dissimulação é um fato
internacionalmente reconhecido e que estudos médico-legais vêm tentando desmistificar.
O Gráfico 1 permite uma visão planetária das taxas de suicídio no mundo.
13
Sampaio, D. (1991:31). Ninguém morre sozinho / O adolescente e o suicídio. 5ª ed. Lisboa: Caminho.
24
GRÁFICO 1
14
Sampaio, D., ob. cit., p. 32-3.
15
Capital tem maior índice de suicídios do mundo. Diário Popular, 19.09.96, p. 4.
16
Entidade civil que se propõe à prevenção de suicídios, no município de Campinas, fundada há mais de 20 anos, inicialmente atuando em conexão com o Instituto de
Psiquiatria da UNICAMP (Universidade Estadual de Campinas).
26
GRÁFICO 2
Coeficiente de Mortalidade por Suicídio por 100.000 habitantes, no município de São Paulo de 1979 a 2000.
TABELA 1
17
http://br.yahoo.com/not.../Criancas_ate_de_6_anos_tentam_suicidio_no_Reino_Unido.htm 25/07/01.
28
O suicídio de crianças, assim como o de adolescentes, tem perfil específico que começa a ser desvelado através
de estudos e pesquisas mais ou menos recentes. No caso de adolescentes, Azevedo & Guerra (1998) traçaram o
seguinte perfil, fundamentando-se em extensa bibliografia e, sobretudo, em pesquisa realizada pelo psiquiatra
português, Daniel Sampaio:
a. A tentativa de suicídio ocorreu na maior parte dos casos em casa dos adolescentes e com familiares nas
proximidades.
b. O gesto suicida não foi impulsivo na maioria das situações, antes ocorreu após um período de
dificuldades, onde esteve presente a ideação suicida.
c. O estudo das famílias dos adolescentes permite concluir que se trata de agregados familiares
caracterizados pela rigidez, conflitos relacionais e dificuldades na comunicação.
d. Quanto à função, parece organizar-se predominantemente à volta de quatro tipos fundamentais: o apelo,
o desafio, a fuga e o renascimento. Os dois primeiros estão mais relacionados com o contexto interativo-
familiar e os dois últimos relacionam-se, sobretudo, com a dimensão interna do adolescente. Todos eles,
contudo, constituem uma forma de comunicação paradoxal, visando à mudança do sistema relacional.
e. A tentativa de suicídio adolescente corresponde a um triplo fracasso nas vertentes individual, familiar e
social do jovem que não consegue realizar as tarefas maturativas da adolescência.18
É importante registrar que o perfil dos suicidas nem sempre coincide com o dos que tentam suicídio:
É maior o número de tentativas do que de suicídios (...). As pessoas que fazem tentativas de autodestruição
são mais novas, sobretudo mulheres, usando métodos de menor letalidade (...). São, portanto, duas populações
diferentes sob o ponto de vista epidemiológico (...), mas apesar das diferenças entre as duas populações, não há
18
Azevedo, M.A. & Guerra, V.N.A. (1998:189-92). Infância e violência fatal em família: primeiras aproximações ao nível de Brasil. São Paulo: Iglu.
29
dúvida de que há certa sobreposição, havendo pontos comuns entre ambas, sob o ponto de vista psicológico.
Além do mais, a tentativa de suicídio (...) cumpre muitas vezes uma importante função de apelo que não pode
ser ignorada.19
Quando mais não seja uma certa porcentagem dos que tentam (suicidas potenciais) pode acabar conseguindo
matar-se, integrando assim o contingente dos suicidas fatais.
A. O Modelo Psicológico
Privilegiando conflitos internos como motor do suicídio, segundo Sampaio (1991)22.
19
Sampaio, D., ob. cit., p. 55-6.
20
Fisher, P. & Shaffer, D. (1984). Methods for investigating suicide in children and adolescents − An overview. In: Sidak, Ford and Rush. Suicide in the young. Littleton:
Wright, fourth edition.
21
Sampaio, D., ob. cit., p. 41-58.
22
Sampaio, D., ob. cit., p. 41-7.
30
Furst & Ostow (1979)23 resumem do seguinte modo os mecanismos psíquicos que podem levar ao suicídio:
a. em situações de sofrimento intenso, o indivíduo faz esforços para se libertar daquilo que julga ser a origem
da sua dor. Quando o objeto real não pode ser atacado, a experiência da dor pode ser colocada no órgão de
percepção ou no próprio self, aparecendo a autodestruição como equivalente à destruição do objeto;
b. a dor interna intolerável pode implicar numa tentativa de eliminar o sítio da dor, isto é, o suicídio aparece
como forma de acabar com a angústia insuportável;
c. a autodestruição pode surgir como forma de obter uma resposta desejada daquele que se ama e que, sem
esse comportamento extremo, parecia insensível;
d. o suicídio pode surgir como vingança face ao objeto de amor não gratificante;
e. o suicídio pode, por último, estar relacionado com “um desejo irresistível para a autodestruição”,
emergência de um instinto de morte particularmente poderoso.
B. O Modelo Nosológico
O modelo nosológico adota a perspectiva de que o suicídio estaria ligado à presença de patologia mental.
Segundo Sampaio (1991)24:
Esquirol, citado por Baechler (1975)25, ilustra bem este ponto de vista ao afirmar: o homem só atenta
contra a vida se está em delírio: os suicidas são alienados. A teoria de Achille-Delmas, citado pelo
mesmo autor, restringe o conceito de suicídio à existência de uma doença, quer seja orgânica (raramente causa
de suicídio), quer inscrita em personalidades particulares, das quais os ciclotímicos e os hiperemotivos são
23
Furst, S. & Ostow, M. (1979). The psychodynamics of suicide. In: Hankoll & Einsidler (eds.). Theory and clinical aspects. Littleton: PSG.
24
Sampaio, D., ob. cit., p. 47-9.
25
Baechler, J. (1975). Les suicides. Paris: Calmain-Levy.
31
os mais propensos ao suicídio. Segundo Delmas, 90% dos suicidas seriam ciclotímicos, donde haveria uma
segura base hereditária como explicação para o comportamento suicidário, particularmente nos melancólicos.
Ringel, também citado por Baechler (1975), considera que o suicídio não é hereditário nem reativo a uma
dificuldade ou circunstância, mas está em relação com um comportamento que se vai desenvolvendo e que
engloba toda a personalidade.
C. O Modelo Sociológico
Segundo Sampaio (1991)26, as condições sociais podem ser consideradas como condicionantes do suicídio:
26
Sampaio, D., ob. cit., p. 49-54.
27
Durkheim, E. (1897), ob. cit.
32
− anomia/fatalismo − polaridade relativa à carência ou excesso de regulamentação e que definirá dois
outros tipos de suicídio: anómico e fatalista. (...)
Numerosas críticas têm sido feitas às conceptualizações e métodos de Durkheim (...)
Quer nos coloquemos numa posição mais crítica ou mais de acordo com os pontos de vista de Durkheim,
não poderemos esquecer a importância de O Suicídio como referência obrigatória no estudo sociológico do
tema. Esta posição não exclui a necessidade de também considerar o suicídio como um assunto pessoal, ligado
a uma situação particular. Rojas (1978)28 estabelece a ponte entre a visão individual de Freud, ao falar da
perda do objeto e a de Durkheim, ao considerar no suicídio a perda da integração com o ambiente.
Para refletir...
A reportagem a seguir mostra que as explicações unidimensionais (modelos psicológico / nosológico /
sociológico) são limitadas porque enfocam sempre a parte da realidade. Daí a importância de se trabalhar a
compreensão multicausal do fenômeno.
34
35
36
37
38
4.0 POR QUE SE MATAM OS SUICIDAS?
Essa questão é genérica demais. Para poder responder será preciso operacionalizá-la, definindo de que
suicidas vamos tratar. No contexto do filme de Coppola, trata-se de suicidas-meninas de classe média americana,
vivendo nos anos 70, de instabilidade econômica.
Meninas vítimas de dupla violência doméstica: a violência da negligência fatal, camuflada num padrão de
supervisão perigosa como já indicado, e a violência psicológica. A primeira pode ser pressentida na absoluta falta
de empatia dos pais para com os problemas, dificuldades e necessidades das vítimas. A segunda, exemplificada,
por exemplo, no confinamento a que foram condenadas as jovens após sua participação no primeiro e único baile
de suas vidas breves.
Embora difícil de conceituar, a Violência Psicológica Doméstica pode assumir algumas formas preferenciais no
relacionamento pais-filhos: o isolamento forçado é uma dessas práticas, já que violenta uma das necessidades mais
fundamentais da criança e do adolescente: a de participar de uma rede de relações sociais.
30
Sanchez, F.L. (1996). Necesidades de la infancia y protección infantil. Madrid: Ministerio de Asuntos Sociales.
31
Cf. Azevedo, M.A. & Guerra, V.N.A. (2001). Violência Psicológica Doméstica: Vozes da Juventude. LACRI/IPUSP. [no prelo por editora virtual]
39
No caso das Virgens Suicidas (título até certo ponto impróprio, já que, pelo menos, algumas delas eram
sexualmente ativas) é importante levantar também duas hipóteses de transtorno mental:
− a hipótese de depressão;
− a hipótese de stress pós-traumático.
A primeira poderia estar ligada ao primeiro suicídio das irmãs. Sabe-se que a depressão caracteriza-se por
sentimentos de desânimo, tristeza, idéias pessimistas de morte ou suicídio, tentativas de suicídio. É duas vezes mais
freqüente em mulheres que homens.
O suicídio é um risco potencial sempre presente no paciente deprimido (...). Calcula-se que em 70% dos
suicídios consumados, a causa imediata foi um transtorno depressivo.32
A pesquisa psiquiátrica a que a jovem suicida foi submetida faz supor que talvez se tratasse de um caso de
depressão associada a outros transtornos psiquiátricos (por exemplo, Transtorno de Personalidade de tipo
Borderline33).
Quanto à hipótese de stress pós-traumático, sua primeira definição na área psiquiátrica ocorreu no DSM-III
(1980)34 e correspondeu ao reconhecimento de que certos eventos têm uma toxicidade psicológica especial.Os estressores
traumáticos são eventos que (...) desestabilizam a consciência das vítimas (...) e que não podem ser deixados para trás
interferindo no presente das pessoas35. O DSM-IV de 1994 define tais estressores com base nos critérios de envolverem
32
Kassen, S.; Osácar, A.; Uncal, J.M. (1996:83-101). La locura. Madrid: Aguilar.
33
Cf. site: http://www.borderline.etc.br/
34
Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM).
35
Kolk, B.A. van der; McFarlane, A.C.; Weisaeth, L. (eds.) (1996:131-3). Traumatic stress / The overwhelming experience on mind, body and society. New York: The
Guilford Press.
40
morte e dano físico real ou potencial. O CID-10 (1992)36, por sua vez, considera tais eventos como excepcionalmente
ameaçadores ou catastróficos.
Pesquisas realizadas indicam que presenciar morte ou severa agressão, estupro sexual, rapto, acidentes
graves, podem ser incluídos na categoria de estressores traumáticos, podendo desencadear o stress pós-traumático.
O suicídio, por empalamento da irmã mais nova, no caso das Virgens Suicidas, pode ter tido esse efeito sobre
elas, especialmente nas condições de rígido controle que vivenciavam na família37.
A prevenção do suicídio, especialmente em adolescentes, passa pela aceitação de que antes de morrer o
suicida emite vários sinais que precisam ser lidos e interpretados rápida e eficazmente.
São sinais de alarme de eventual comportamento autodestrutivo num adolescente em sofrimento
psicológico e idéias de suicídio:
− presença de depressão e/ou aborrecimento;
− más relações com os progenitores, sentidos como distantes e/ou autoritários , sem preocupação face aos
problemas do adolescente;
− marcado isolamento social;
− proveniência de sistema familiar rígido (...)38
36
Classificação Internacional de Doenças, 10ª revisão − CID-10.
37
Embora os efeitos do suicídio sobre a vida familiar não estejam exaustivamente clarificados, algumas poucas investigações vêm evidenciando que conhecer alguém que
cometeu suicídio afeta as atitudes sobre a vida e a morte, sendo que estas atitudes influenciam idéias suicidas. [Guitierrez, P.; King, C.A. & Ghaziuddin, N. (1996).
Adolescent attitudes about death in relation to suicidality. Suicide and Life Threatening Behavior 26, 8-18; Gutierrez, P.M. (1999). Suicidality in parentally bereaved
adolescents. Death Studies, 23: 359-70]
38
Azevedo, M.A. & Guerra, V.N.A., ob. cit., p. 192.
41
É importante conhecer também que fatores podem aumentar o risco de suicídio. O quadro a seguir dá uma
idéia breve a respeito.
De qualquer forma, a prevenção passa sempre por uma escuta qualificada e pela necessidade de atendimento
médico especializado e urgente.
QUADRO 1
No Brasil, há organizações de voluntários que, há muitos anos, vêm auxiliando nessa tarefa. As principais são:
Centro de Valorização da Vida [CVV], de âmbito nacional (www.cvv.com.br); e Centro de Defesa da Vida [CDV], já
mencionado (cdv@aleph.com.br).
No Exterior, há iniciativas interessantes como a da Austrália, noticiada via Internet e reproduzida a seguir,
demandando, porém, acompanhamento e estudo aprofundados.
43
Austrália recorre à Internet para combater suicídio de jovens39
CANBERRA (Reuters) − A Austrália lançou na quarta-feira um serviço de aconselhamento on-line para tentar combater a
alarmante taxa de jovens que cometem suicídio.
Especialistas australianos, na quarta nação com maior incidência de suicídio entre jovens, dizem que o governo criou
um site para que os potenciais suicidas entrem em contato com médicos.
O objetivo também é tratar casos mais moderados com serviços de auto-ajuda, com conselhos oferecidos por
personagens fictícios, como Noproblemos, Drop-dead Gorgeous Elle e Cyberman.
Nós esperamos que a oferta gratuita de terapia via Internet possa prevenir a depressão e até mesmo salvar vidas, disse
Helen Christensen, do Mental Health Research Centre (Centro de Pesquisa da Saúde Mental).
Dados do governo mostram que os suicídios entre os jovens australianos quase dobraram desde 1975, com um em cada
cinco adolescentes no país lutando contra a depressão e uma em quatro mortes entre os homens jovens sendo causada por
suicídio.
Três em cada quatro australianos com idades entre 16 e 26 anos usam a Internet regularmente e podem obter conselhos
no site usando um nome fictício e uma senha.
39
http://br.yahoo.co.../Australia_recorre_a_Internet_para_combater_suicidio_de_jovens.htm 25.07.01
44
45
6.0 PARA SABER MAIS
A. Bibliografia sugestiva
B. Biblinet exemplificativa
46
7.0 ANEXO: QUESTIONAMENTOS POSSÍVEIS SOBRE FILME E LIVRO
B. Que comportamentos do pai e da mãe são mais característicos de Violência Psicológica Doméstica?
C. Como julgaria a atuação do profissional PSI que atendeu Cecília (13) após sua primeira tentativa de suicídio?
47
VIDEOTECA CIENTÍFICA
VOCÊ SABIA QUE O LACRI ABRIU O PROJETO DA VIDEOTECA CIENTÍFICA?
O objetivo da mesma é atender ex-telealunos e atuais telealunos em termos de sua necessidade de acesso à
filmografia indicada nos Módulos do TELELACRI.
Para tanto, temos disponíveis vídeos e foram construídos GUIAS DE DEBATE para subsidiar as discussões desses
vídeos, tais como: Marcas do Silêncio; Querem me enlouquecer; Acidentes Mortais; Perdas e Danos; Despertar de um
Homem; Pai-Patrão; Temporada de Caça e A Sombra da Dúvida.
Para maiores esclarecimentos:
⇒ Adquira os GUIAS DE DEBATE dos vídeos na:
ieditora: http://www.ieditora.com.br (impressão pela Internet)
ou na
Cortez Editora
Rua Bartira, 387
Perdizes
05009-000 − São Paulo − SP.
Tel./Fax: (11) 3873-7111
48
LACRI / IPUSP
Av. Prof. Mello Moraes, 1721
Cidade Universitária
05508-900 − São Paulo − SP.
Tel.: (55) (11) 3818-4383
Fax: (55) (11) 3818-4475
E-mail: lacri@sti.com.br
Home page: www.usp.br/ip/laboratorios/lacri
49