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Era cedo da noite, Verônica cantarolava e, ao mesmo tempo, caminhava no

corredor para sua filha Francisca dormir. Foi quando rompeu uma porta numa batida
surda e forte. Tomada de susto, a respiração diminuída sentiu o seu corpo
queimando e as pernas frouxas. Deitou a filha no berço e olhou pela janela para ver
se o carro do marido estava na garagem; nem sinal do mesmo. Poderia ser a sogra
oferecendo janta para o marido. Chegou no parapeito da escada e, como a mesma
produzia eco, chamou pela Dona Eva. Nem sombra da mesma. O susto foi
crescendo, bem como os nervos foram ficando à flor da pele e fechou a porta do
quarto. Atrás da porta, respirou fundo até o banheiro do quarto, lavou o rosto,
molhou os pulsos e mais aliviada a cabeça foi para o lugar e, assim, a razão veio ao
seu encontro. Movimentando apenas os lábios foi falando consigo mesma que vivia
num sobrado seguro, cercado por um portão de ferro marrom, e ainda em cima
desse muro, uma cerca elétrica, ou seja, as chances de invasão de algum maluco
eram pequenas. Assim, desceu as escadas largas semelhantes às de um salão de
beleza (os passos ainda temerosos de Verônica) chegaram no último degrau.
Subitamente sentiu aquela sua vontade de sair correndo porta afora no primeiro táxi
que visse. No entanto, seguiu em direção a porta da frente, abriu a porta da frente e
o carro estava mal estacionado. Que alívio - desabafou num assopro pela boca. No
mesmo instante, Verônica retornou e, viu ao longo do corredor, o marido em pé na
porta do banheiro, pálido e branco feito cera de vela. Cuidou para não se assustar
com o rosto do mesmo, pois nunca o tinha visto tão envelhecido. Chegou perto dele
para abraçá-lo, afinal ainda estava vestido num gosto impecável de calça jeans de
cor azul tradicional, bonito demais. Francisco permaneceu com os braços
estendidos ao longo do corpo, sem retribuir o carinho. Balbuciou algumas palavras,
a língua pesada, disse que nem sabia como tinha dirigido de tão enjoado, a vista
confusa, o peito angustiado e o estômago revirado pelo abacate da última janta.
Exalava cheiro de vômito, tossia e o lábio direito retorcido. Verônica, foi
descarregando o palavreado, se dirigiu para a cozinha colocando a chaleira para
ferver.Verônica mal sabia o quanto amava aquele homem, ora porque se sentia
culpada que passou anos como amiga dele, ora por causa do seu temperamento
agitado e fugidio.
Francisco arrastou os pés cansado, colocou um pé na escada, desanimado
voltou e foi para a sala. Se recolheu naquele sofá cinza que no tempo de namoro
havia comprado num brique com a Verônica. Ele era sutil no amor com a esposa,
sendo porém dedicado no trabalho ao extremo, ficando horas no computador para
bem de atender a demanda dos alunos no colégio, já que era professor de
engenharia elétrica.
Pouco antes de subir para se deitar e cuidar da filha que dormia, Verônica
pergunta se o marido quer um chá, mas ele já havia dormido.
Verônica subiu a escadaria de pés descalços, e se recostou na poltrona
quando. De repente, acordou com dor de barriga e náusea A filha chorou, e ela
saltou do banheiro para acolher a menina de 4 meses que chorava a todo volume.
Francisca nasceu prematura de seis meses, franzina e amarela chorava na CTI
pedindo socorro de vida. Depois de 23 dias saiu do hospital o colo era constante..
Assim, Verônica desceu e fez a mamadeira na cozinha mal terminou de aquecer o
leite, derrubou a dita cuja por não ver o marido deitado, e percebeu que o banheiro
estava fechado. Ouvia a tosse seca e o barulho do vômito

compulsivo, mas dessa vez Verônica saiu porta afora com a filha nos braços para
buscar socorro. Foi na casa da sogra e, não achou ninguém, maldita feira que a
Eva fazia sempre. O serviçal que cuidava do jardim a levava de carro toda
quarta-feira. Em desespero, Verônica abriu a garagem e caminhou de um lado para
outro chorando agarrada com a filha no colo. Passou um filme na sua cabeça em
retrospectiva do relacionamento que eles viveram juntos. Se conheceram ainda
adolescente. Nascia uma amizade genuína e com o tempo foi crescendo e se
tornando amor verdadeiro, com ciclos de paixão e ao mesmo tempo insatisfação de
morarem sob o mesmo teto. Viajavam nos fim de semana e, entre os lugares havia
um que os dois adoravam que era nadar em piscina.encomendado a filha num
momento único de paixão Na relação, a cicatriz do coração (cirurgia que havia feito
ainda jovem) era um motivo ainda maior de sedução paixão infinita, proporcionando
um amor louco de filme. Quando Verônica se deu conta dessa viagem no tempo,
procurou voltar a si e enxugou as lágrimas. Segurava a filha bem apertada em seu
corpo como se ainda fosse parte do seu corpo.
Ao se aproximar de sua casa novamente viu a ambulância estacionada entre a
casa do vizinho e a dela; as suas pernas pesaram, o ventre queimou em sinal do
pressentimento diante da situação. Ainda na calçada segurando a filha contra o
peito, precisava fugir e, de repente, pegou o primeiro táxi que passou na sua rua.

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