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UNIVERSIDADE EDUARDO MONDLANE

FACULDADE DE LETRAS E CIÊNCIAS SOCIAIS

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

TRABALHO DE FIM DO CURSO

Ex-Combatentes Moçambicanos das Forças Armadas Portuguesas (CMFAP): de


Comprometidos a Compatriotas, 1974-1982.

Discente: Lucrécio Pio José Máquina

Orientadores:

Paulo Lopes José, PhD.

José Cláudio Mandlate, MA.

Maputo, Abril de 2021

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Índice Pág.
Dedicatória ................................................................................................................................................ 1
Agradecimentos ........................................................................................................................................ 3
CAPÍTULO I:INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 4
1.1.Considerações preliminares. ............................................................................................................... 4
Objectivo geral .......................................................................................................................................... 4
Objectivo específico.................................................................................................................................. 4
1.2.Metodologia ........................................................................................................................................ 5
1.3.Problemática ....................................................................................................................................... 7
Pergunta de partida: Em que medida a atitude do Estado moçambicano transformou o carácter traidor
dos CMFAP?............................................................................................................................................. 8
1.4.Revisão da literatura ........................................................................................................................... 8
CAPÍTULO II.EX-COMBATENTES MOÇAMBICANOS DAS FORÇAS ARMADAS
PORTUGUESAS (CMFAP): DE COMPROMETIDOS A COMPATRIOTAS, 1974-1982................. 10
2.1. Contextualização .............................................................................................................................. 10
2.2. A Guerra de libertação nacional: Papel dos moçambicanos nas forças armadas portuguesa .......... 13
2.2.1. Africanização da Guerra Colonial (1961-1974)........................................................................... 13
2.2.2. Moçambicanos nas forças armadas portuguesas ......................................................................... 17
CAPÍTULO III:A ATITUDE DO GOVERNO EM RELAÇÃO AOS EX-COMBATENTES
MOÇAMBICANOS DAS FORÇAS ARMADAS PORTUGUESAS. .................................................. 21
3.1. Projecto de Identidade Nacional: Homem Novo versus ideias antigas ............................................ 23
3.2. Os comprometidos sob medidas estatais. ......................................................................................... 26
CAPÍTULO IV: O PROCESSO DA TRANSFORMAÇÃO DOS ANTIGOS COMBATENTES
MOÇAMBICANOS DAS FORÇAS ARMADAS PORTUGUESAS: COMPROMETIDOS OU
COMPATRIOTAS? ................................................................................................................................. 33
4.1. A reintegração dos ex-combatentes moçambicanos das forças armadas portuguesas: sucessos ou
fracassos? ............................................................................................................................................... 38
CAPÍTULO V:CONCLUSÃO ............................................................................................................... 41
5.4. Notas ................................................................................................................................................ 47

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Dedicatória
Dedico o meu trabalho aos meus pais, Pio José Máquina e Fátima Gouveia, meus verdadeiros
educadores. Ao meu pai que, mesmo não tendo tido nenhuma formação, desejou a todo esforço
que eu me formasse. Foi presente, a todo momento, no meu processo de formação como
provedor, protector, encorajador, e muito mais. Apesar das dificuldades, definiu como prioridade
a minha formação.

À minha mãe porque ela é, na verdade, a razão do que sou hoje. Ela não baixou a cabeça, em
momento algum, ainda que estivesse cansada. Desempenhou também papel de protectora,
provedora e deu tudo de si para me ver formado. Os meus pais foram verdadeiros educadores e
auxiliadores no processo de formação, tendo feito mais do que o seu dever de pais.

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Agradecimentos
Agradeço, em primeiro lugar, a Deus, meu criador, pela vida e saúde com que me tem agraciado
e pela força que me levou a realizar, apesar das dificuldades, o presente trabalho.

Agradeço aos meus pais pelo apoio incondicional no processo da formação.

Agradeço aos docentes: Dr. Paulo Lopes José e Dr. José Cláudio Mandlate que orientaram-me na
realização do trabalho.

Agradeço à Rita Chiúre, pela colaboração desde o início da minha formação, na disponibilização
de materiais, nos ensinos, conselhos e na análise do presente trabalho. Deus lhe retribua colega!

Agradeço aos meus grandes amigos e colegas Neves Navule e Domingos Tivane, por 4 anos de
cumplicidade académica e de muito aprendizado, de fato, muito aprendi de vós.

Agradeço a minha mãe Espiritual, Sarah Regina Mabota, pelo apoio prestado como mãe, pelo
computador que disponibilizou para realização do trabalho. Oro a Deus que lhe abençoe sempre.

Agradeço, por fim, a todos familiares, amigos, colegas e irmãos em Cristo que directa ou
indirectamente contribuíram no processo da minha formação.

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CAPÍTULO I

INTRODUÇÃO

1.1.Considerações preliminares.
O presente trabalho surge como resultado de pesquisa para obtenção de grau de licenciatura em
História, na Universidade Eduardo Monlhane e tem como tema: Ex-combatentes
Moçambicanos das Forças Armadas Portuguesas (CMFAP): de Comprometidos a
Compatriotas, 1974-1982.Depois de uma década de guerra e do papel que alguns
moçambicanos desempenharam nas forças portuguesas, a independência de Moçambique
introduziu mudanças significativas que, na sua essência, inferiram nas relações sociais,
económicas e político-ideológicas dos indivíduos.

Após a independência, o governo buscou de todas as formas acabar com costumes ligados ao
colonialismo, por isso precisava-se adoptar políticas reeducativas de acordo com o tipo de
sociedade a se criar. Para o Estado, eram comprometidos todos aqueles que se tinham aliado ao
governo português no período da guerra de libertação, e para que passassem a fazer parte da
nova sociedade independente, era necessário que fossem “purificados” e assim seriam
considerados compatriotas.

Neste contexto, o presente trabalho busca responder os seguintes objectivos:

Objectivo geral
 Compreender o processo de aceitação dos ex-combatentes moçambicanos das forças
armadas portuguesas (CMFAP) na sociedade.

Objectivo específico
 Indicar o papel dos ex-combatentes moçambicanos nas forças armadas portuguesas, no
contexto da Guerra de Libertação Nacional.
 Identificara atitude do Estado independente em relação aos ex-combatentes
moçambicanos das forças armadas portuguesas.
 Descrever o processo de transformação dos ex-combatentes moçambicanos, de
comprometidos a compatriotas.

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1.2. Metodologia
Na presente pesquisa, foi necessário o uso de métodos e técnicas para sistematização de dados, a
saber, o método de observação indirecta através de fontes secundárias (entendem-se como
aqueles documentos que se relacionam ou discutem informações relacionadas ao tema).

A selecção das fontes secundárias foi essencialmente com base na revisão bibliográfica.
Contudo, foram agrupados segundo os métodos qualitativos, que se consubstanciaram na revisão
bibliográfica. Assim, na pesquisa bibliográfica, o trabalho contou com dissertações, livros
publicados, artigos, periódicos, jornais, revistas e artigos da internet que tratam do tema
proposto.

Tentou-se sem sucesso, devido ao isolamento social condicionado pela pandemia Covid-19,
localizar as testemunhas oculares, no entanto, o trabalho não contará com entrevistas, senão
algumas realizadas por órgãos de comunicação e informação, a saber, jornais.

Quanto à estrutura organizacional, o trabalho subdivide-se em cinco (5) capítulos que ajudarão,
de forma clara, ao leitor a identificar as evidências que sustentam o argumento.

O primeiro (1) capítulo, Introdução, constitui apresentação do trabalho, pois apresenta-se o


tema, os objectivos, a metodologia, o argumento do trabalho. O desenvolvimento da
problemática, a pergunta de partida, e a revisão da literatura.

O segundo (2) capítulo, Ex-combatentes Moçambicanos das Forças Armadas Portuguesas


(CMFAP): de Comprometidos a Compatriotas, 1974-1982, faz uma contextualização do
processo da aceitação desses indivíduos e procura, de igual modo, demonstrar os contributos que
os moçambicanos, enquanto membros das forças portuguesas, deram na guerra colonial ao lado
dos portugueses. O capítulo contém dois (2) subtítulos, a saber, a africanização da guerra
colonial, 1961-1974, e moçambicanos nas forças armadas portuguesas.
No terceiro (3) capítulo, Atitudes do governo em relação os Ex-Combatentes Moçambicanos
das Forças Armadas Portuguesas, identificamos as atitudes claras do estado em relação aos
moçambicanos das forças portuguesas. Há pelo menos, nesse capítulo, dois subtítulos a saber,
projecto de identidade nacional: Homem Novo versus ideias antigas e os comprometidos sob
medidas estatais.

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O quarto (4) capítulo, O processo da transformação dos Ex-Combatentes Moçambicanos das
Forças Armadas Portuguesas: comprometidos ou compatriotas?, descreve o processo que
culminou com a transformação dos que eram considerados comprometidos, ou seja a aceitação
dos CMFAP na sociedade e aos possíveis fracassos e sucessos da reintegração.

No entanto, argumentamos que o processo da transformação dos CMFAP foi resultado de uma
série de medidas, que chegavam a ser punitivas, implementadas pelo Estado para descolonizar as
mentes comprometidas. Essas medidas, que carregavam consigo uma natureza violenta, duraram
4 anos e terminaram com a realização da chamada “reunião dos comprometidos”, uma reunião
complexa, de vários dias, mas que definiu a libertação dos comprometidos e, consequentemente
a sua passagem para a categoria de compatriotas.

Por fim, quinto (5) capítulo, Conclusão, expõe a reelaboração das principais constatações à luz
do debate realizado sobre o tema, apresenta-se as lacunas existentes no presente trabalho e as
possíveis áreas que os outros estudos poderão tomar. Também estão ilustradas a lista
bibliográficas usadas, a cronologia, e notas referenciais.

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1.3. Problemática
Os ex-combatentes moçambicanos das forças armadas portuguesas foram resultados da
africanização guerra colonial. A década de 1960 foi de crise para Portugal, devido a uma
crescente pressão internacional para descolonização das colónias, e por movimentos
nacionalistas buscando as independências. Usar a força local para travar as investidas
nacionalistas, passou a ser prioridade.

As causas foram, segundo Rodrigues (2012: 130), as dificuldades que as forças armadas
enfrentaram tais como: a escassez de efectivos portugueses disponíveis, fruto de deserções e
sobretudo da emigração, os problemas da sua adaptação aos territórios africanos, os elevados
custos da sua instrução e transferência para África, a sua progressiva desmoralização à medida
que a guerra se prolongava. Para que conseguissem, no entanto, conquistar os nativos, os
portugueses usaram das rivalidades existentes entre moçambicanos e das vantagens dos
prestígios que os seus guerreiros gozavam para, de certa forma, trazer os moçambicanos à sua
força militar.

Assim, por meio dessa conquista, foram criadas, além de muitos outros, os Grupos Especiais
(GE), Grupos Especiais Pára-quedistas (GEP) em 1970 e Flechas em 1973. Esses grupos lutaram
do lado português contra os nativos na guerra de libertação nacional.

A guerra terminou em 1974 com assinatura dos acordos de Lusaca. Em Setembro de 1974, no
Artigo 13o dos acordos de Lusaka, definiu-se, em relação aos antigos combatentes de origem
moçambicana das Forças Armadas Portuguesas, a sua desmobilização e o compromisso, por
parte da FRELIMO, de proceder à sua reintegração na sociedade moçambicana. (RODRIGUES:
2012, 169)

A reintegração tinha de acontecer depois da “purificação” dos considerados traidores e só por


essa via os comprometidos seriam aceites. Esses indivíduos foram submetidos a uma série de
medidas que, mais tarde, condicionaram a sua aceitação. Antecedida por uma série de atitude do
governo moçambicano em relação aos CMFAP, a reunião de Junho de 1982 transformou os
comprometidos em compatriotas.

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Pergunta de partida: Em que medida a atitude do Estado moçambicano transformou o carácter
traidor dos CMFAP?

O assunto referente aos ex-combatentes moçambicanos das tropas portuguesas, no contexto da


luta de libertação de Moçambique, revela-se de grande importância na medida em que se insere
na temática sobre a luta de libertação nacional. Foi num contexto em que, por vários interesses,
parte dos moçambicanos aceitaram lutar contra os nativos iguais.

O ano de 1974 é justificado pelo artigo número 13 de acordos de Lusaca segundo o qual a
FELIMO comprometeu-se em reintegrar os ex-combatentes moçambicanos das forças armadas
portuguesas, no âmbito da assinatura do acordo de Lusaka. Foi através deste acordo que a
FRELIMO concebeu o desafio de eliminar a ideologia colonial naqueles que, durante a guerra,
aliaram-se ao Estado Colonial.

O ano de 1982 é sugerido como baliza final pelo facto de Samora Machel, durante o encontro
com os comprometidos, ter declarado oficialmente, a passagem dos ex-combatentes
moçambicanos das forças armadas portuguesas, de comprometidos a compatriotas.

1.4. Revisão da literatura


Os portugueses desde cedo usaram a força africana ao seu favor. Gomes (2003:123) diz que
“quanto aos aparelhos militares, existia uma tradição de participação de africanos no Exército
Colonial português desde a segunda metade do século dezanove, para apoiar a penetração no
interior de África.”

Apesar de se ter começado muito antes do século XX, vários debates enfatizam participação
africana ao lado dos portugueses na guerra colonial. Importa referir que, sobre esses indivíduos,
com excepção de Cabaço, alguns autores como (Rodrigues, Gomes), conservam capítulos
denominado africanização da guerra colonial.

Gomes (2003:125-26) diz que os portugueses criaram unidades regulares do Exército


(companhias e batalhões de caçadores ou infantaria, grupos de artilharia, etc.); unidades
especiais (companhias e batalhões de Comandos recrutados localmente; na Marinha, foi o caso
dos destacamentos de fuzileiros especiais da Guiné; outras unidades ainda dependiam dos
governos locais, como foram os casos dos GE, e dos GEP, etc.); unidades de milícias (pequenas

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unidades de base local, étnica/tribal, normalmente com funções de autodefesa e segurança
próxima).

Essas forças sofreram tratamentos diferentes no decorrer a guerra colonial. Para caso dos GE, por
exemplo, recebiam o mesmo saldo que os militares regulares, um chapéu com boina amarelo
que, por sinal, simbolizava o estatuto de especiais. Os GE foram a força com mais armas, e bem
mais preparado que o metropolitano e, até 1974, eram totalmente preparados funcionando muito
bem. (AMORIM citado por CABAÇO: 2007: 357)

Quando começam as negociações, em Setembro de 1974, teve-se que resolver a situação dos ex-
combatentes moçambicanos das forças armadas portuguesa e, isso implicaria a reintegração dos
mesmos na sociedade.

Com a independência, forma-se, em Moçambique, um exército nacional com base nas estruturas
da FRELIMO, do qual foram excluídos os antigos combatentes das Foças Aramas Portuguesas.
Esta situação não constituiu a única forma de exclusão que os ex-combatentes foram sujeitos
com da independência de Moçambique. Muitos destes indivíduos, assim como outros sujeitos
considerados comprometidos com o regime colonial, foram excluídos de certos cargos das novas
instituições criadas pela FRELIMO e da maioria das actividades políticas, bem como dos cargos
de chefia existentes no novo Estado independente. (ROUDRIGUES: 2012, 170).

Os termos comprometidos e compatriotas que propomos estudar não são novos. Jossias, em seu
estudo sobre “entre colónias e nações”, dá um exemplo dos comprometidos e arrola mais sobre o
assunto. Os comprometidos eram, segundo Meneses (2015: 29), os que haviam compactuado
com o sistema colonial português, considerados, pelo governo moçambicano, traidores e ou
impuros que precisavam ser purificados para que passassem a qualidade de compatriotas.
Segundo Jossias (2007: 39-41), só foram purificados e chamados compatriotas após a reunião
que Samora Machel, o presidente da República popular de Moçambique, teve com os CMFAP
entre 10 e 11 de Maio e 3 e 7 de Junho de 1982.

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CAPÍTULO II

EX-COMBATENTES MOÇAMBICANOS DAS FORÇAS ARMADAS PORTUGUESAS


(CMFAP): DE COMPROMETIDOS A COMPATRIOTAS, 1974-1982.

2.1. Contextualização
Na Conferência de Berlim (1884-1885) definiu-se o princípio da ocupação efectiva que,
praticamente, significou uma nova relação entre potências e as suas colónias. Para caso de
Moçambique, de acordo Hedges et al. (1993), Portugal trabalhou na delimitação de fronteira,
ocupação militar, administrativa e económica. A ocupação militar em Moçambique, por meio de
campanhas de pacificação, durou cerca de duas décadas (1986-1918) devido a fortes resistências
em diversas partes de Moçambique.

A ocupação militar em Moçambique, por Portugal, não foi efectuada exclusivamente pela força
portuguesa. Os nativos participaram, activamente, nas várias conquistas e serviram como
defensores dos interesses de Portugal. Assim, Portugal, desde cedo, viu no moçambicano uma
força potencial para realizações das suas conquistas, de tal forma que, em várias conquistas
militares, os moçambicanos destacaram grandes papéis.

Cabaço (2007:352) afirmou que Portugal se aproveitou da falta de união entre os africanos, do
prestígio e das condições que os soldados gozavam nas comunidades locais, para recrutar ou
forçar o enquadramento da população local nas suas forças.

A posição privilegiada dos soldados poderia aliciar os nativos a engrenarem às forças


portuguesas, e esta foi, de fato, uma estratégia portuguesa de fazer dos nativos servos dos seus
interesses, como foram, a título de exemplo, os A-chicunda no século XVII

CABAÇO, na sua descrição sobre o braço armado dos senhores prazos na Zambézia, os A-
Chicunda, afirma que estes defendiam as terras dos seus senhores, participavam em campanhas
de conquistas, protegiam caravanas comerciais para o interior, entre muitas outras funções.

"Na prática, os portugueses dependiam dos exércitos africanos dos prazeiros para, de alguma
forma, manter a soberania na região", apesar de mais tarde, no século XIX, os A-Chicunda terem
se associado aos seus senhores e, em consequência, terem resistido a ocupação das companhias

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majestáticas e concessionárias e, tendo fugido de prazo em prazo, constituíram quilombos
fortificados onde resistiram a ocupação portuguesa. (Gallo, 2017:37)

Houve, durante o século XIX, o caso das campanhas do vale do Zambeze, em 1888, em que
90%dos combatentes eram africanos (AMORIM, 2017: 17). E esta não foi a única situação em
que as forças auxiliares e irregulares africanas tornam-se importantes para Portugal.

Mouzinho de Albuquerque, na qualidade de auto-comissário moçambicano, deu início, em 1897,


ao recrutamento de soldados para actuarem na própria terra, diferente do que aconteceu com os
"copelidos", soldados recrutados a força em Angola e levados a operarem em colónias diferentes.
Albuquerque, apesar de recrutar para uso local, tomou o cuidado de os fazer operar em regiões
distantes de onde foram recrutadas ou seja, locais longe do local de origem, assim notam-se as
cinco (5) companhias recrutadas e treinadas na região sul do país, Inhambane, e que foram
levadas a operar no norte do país. E, aquando da primeira guerra mundial, 1916, os Askaris,
soldados e carregadores sob comando de oficiais portugueses, combateram contra as tropas
alemãs. (Cabaço, 2007: 353).

No século XX, durante o período do Estado novo, Portugal tinha clara intenção de civilizar os
indígenas através da implementação do Acto Colonial, concordata, acordo missionário, estatuto
de indígena, etc. Todos esses meios reguladores da vida dos indígenas, no entender de Jossias,
fazem parte do processo de “pertugalização da população de Moçambique”. Assim, as forças
armadas constituíram um forte meio de civilização, crendo que a instrução militar poderia
moldar as sub-raças indígenas, ou seja, transformar selvagens indígenas em soldados graduados,
como se nota no excerto abaixo:

Num breve olhar para o período anterior a 1950/60, nota-se que a ideia de
usar as forças armadas como elemento de civilização se desenvolveu com
o Estado Novo. No período entre 1930 a 1960, Portugal levou a cabo as
acções mais vistosas visando a incorporação das populações indígenas nas
forças armadas com o estabelecimento de um código explícito de
recenseamento e recrutamento militar. Neste período foram também
instituídas as Companhias Indígenas de Caçadores em substituição das
Companhias Indígenas de Infantaria vigentes no período anterior ao

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Estado Novo e procedeu-se também à centralização das acções de defesa
dos territórios coloniais (JOSSIAS, 2017: 18)

De acordo com Hedges et al, o final da II guerra mundial, em 1945, alterou, no geral, o clima
mundial. Os princípios de autodeterminação defendidos tanto pelos EUA como pela URSS
criaram nos africanos uma forte influência para lutar contra a dominação estrangeira. A
comunidade internacional, na defesa da autodeterminação, pressionava, de certa forma, Portugal
a garantir direitos políticos do povo português e a reforma do seu sistema colonial.

Segundo Mondlane (1975: 22) Portugal teve que fazer mudanças bem calculadas e superficiais
com o objectivo de ser admitido nos OUA e acalmar as tensões sobre seu sistema colonial. Uma
dessas mudanças, em Moçambique, foi a passagem de colónia para província ultramarina em
1951. Para Jossias (2007: 16) Portugal procurou justificar a sua permanência em [Moçambique]
provando que já não se tratava de uma colónia, mas de uma província ultramarina. E uma das
formas de provar, à comunidade internacional, foi o recrutamento dos nativos para as forças
armadas portuguesas. Essa medida, se aliada com a abolição de estatuto de indígena, 6 de
Setembro de 1961, legitimava direitos iguais aos olhos da comunidade internacional.

O esforço de Portugal, devido a onda das independências na Ásia e África, era, nessa altura, de
conquistar o povo moçambicano e trazê-lo à causa portuguesa. Foi por esta razão que Coelho
(2003: 178) afirmou que “o grande esforço colonial de instalação de estruturas de acção psico-
social que, operando dentro de determinados parâmetros, conseguissem transformar as
populações de meros camponeses em defensores activos da ordem colonial, em combatentes
activos contra o movimento nacionalista armado.”

Conquistar o povo moçambicano constitui, para Jossias (2007), as formas de envolvimento das
populações em massa recorrendo à militarização. Sobre militarização, ele descreve três
categorias, a saber: A primeira, o enquadramento da maior parte da população na guerra como
milícias de autodefesa com o objectivo de se garantir que a população nativa estivesse do lado
português. A segunda, o recrutamento da população para as forças regulares, e estes passaram a
ser considerados cidadãos portugueses ao serviço da nação. E, a terceira e última categoria de
militarização das populações das colónias foi a africanização, de que falaremos adiante.

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2.2. A Guerra de libertação nacional: Papel dos moçambicanos nas forças armadas
portuguesa

Como referimos anteriormente, alguns africanos, desde cedo, fizeram parte das forças
portuguesas e isso prolongou-se até o fim da guerra colonial em 1974. Foi na guerra colonial
(1964-1974), a última guerra que Portugal travou em Moçambique, que Portugal investiu mais
na força africana para fazer face a mesma.

Na década violenta (1964-1974), os moçambicanos recrutados para servirem aos portugueses


tiveram um papel activo nas suas unidades durante a guerra, e esta secção procurará elucidar o
papel, tanto a nível operacional quanto a nível logístico, dos moçambicanos nas forças armadas
portuguesas, durante a guerra colonial.

Mas é pertinente que, antes de se responder o objectivo, se explique o processo de uso da força
nativa no exército português. A terceira fase ou categoria de militarização que ficou conhecida
como “africanização da guerra colonial,” de onde nasceram os antigos combatentes das forças
armadas portuguesas.

2.2.1. Africanização da Guerra Colonial (1961-1974)


Africanização da guerra colonial, segundo Jossias (2007: 21) é o processo que consistia na
constituição de tropas especializadas formadas apenas por nativos, com características raciais,
étnicas e regionalistas. Assim, a africanização das forças portuguesas baseava-se, na prática, no
transformar de um simples nativo em instrumento a serviço de Portugal para servir os seus
interesses.

A africanização das forças portuguesas não surge como um fenómeno único e isolado na África,
Gomes (2013: 124) afirma que apesar de ter começado muito antes do início da guerra colonial,
seguiu o modelo das outras potências.

A exemplo dos modelos ocidentais, destaca-se o caso dos Selous Scouts na antiga Rodésia,
formado pelos britânicos, que é, na verdade, uma experiência trazida do Quénia, o palco de
actuações dos pseudo-gangs; o caso de jaunissement da força francesa na Indochina (1946-
1954); o caso do recrutamento de soldados locais na Argélia (1954-1962), o caso da teoria do
same element utilizada pela força britânica na Malásia; e o caso da vietnamização da guerra
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norte-americana (1963 e 1973), " [...].um processo levado a cabo pelos marines, constituídos por
desertores norte-vietnamitas, usados inicialmente para capturar armamento inimigo e localizar
armadilhas anti-pessoais. Mais tarde também com o propósito de colmatar a escassez de
efectivo." (AMORIM, 2017:17; RODRIGUES, 2012:131))

Foi um carácter ocidental enquadrar os africanos nas suas forças para fazerem face a guerra, em
diferentes palcos de actuações. E, no entanto, Portugal não é uma excepção, de tal forma que,
como demonstrara Cabaço (2007:352), se aproveitou da falta de união entre os africanos, do
prestígio e das condições que os soldados gozavam nas comunidades locais, para recrutar ou
forçar o enquadramento da população local nas suas forças.

Na segunda metade do século XX, já existia, como mostra Amorim (2017), uma clara intenção
de incrementar, legalmente, a inclusão das tropas locais nas forças portuguesas, de tal forma que,
em Abril de 1953, foram publicadas as bases para organização das forças do exercito do
Ultramar, e em Fevereiro de 1954, ano da complementação por legislação diversa, se podia ler
que se buscava um maior aproveitamento dos elementos indígenas nas províncias africanas,
porém, esta questão tenha ganho mais repercussão na década de 1960, com início das guerras
coloniais.

Sustenta Rodrigues (2012: 126) que com início das guerras coloniais, na década de 1960,
assinalou-se o início de implementação de uma série de medidas nos territórios africanos que
mostram como o regime procurou manter consigo as suas colónias africanas. E uma dessas
medidas foi o uso da força africana que variou ao longo das guerras e com particularidades em
cada território africano.

Na verdade, a africanização das forças portuguesas, apesar de ser, desde o início, importante para
Portugal, não foi tratada de forma homogénea, pelo contrário, foi alvo de debates.

Gomes (2003: 125) diz que “os sectores mais conservadores viam nos africanos potenciais
terroristas e, antes de qualquer outra coisa, opuseram-se ou procuraram limitá-los.” Se, no
entanto, se pensasse nos A-Chicunda no século XIX, como demonstramos anteriormente, que
tendo servido de braço dos prazeiros, no Vale de Zambeze, resistiram, mais tarde, a ocupação
portuguesa, então entender-se-ia essa visão dicotómica. Estes acreditavam que os africanos
pudessem, depois de treinados, cooperar com os grupos nacionalistas. Uma das individualidades

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que negava aos africanos esse “prestígio”, e posteriormente responsável pela implementação da
africanização em Moçambique, é Kaúlza de Arriaga.

Entretanto, baseados em outra visão do mito imperial "Minho a Timor" cuja base era que todos
cidadãos, das províncias ultramarinas, eram portugueses, afirma Coelho (2003:178) que a única
forma de impedir seu devir, como potencial terrorista, era conquistá-los e comprometê-los
activamente na defesa da ordem colonial.

Esta visão terrorista sobre o africano precisava ser ultrapassada por meio de uma educação
militar, de modo que os africanos pudessem, já civilizados, actuar ao serviço dos portugueses. O
comprometimento na defesa de ordem colonial que procurava-se aos africanos em parte
representa um certo receio a uma possível oposição generalizada. No que se são conquistados e
comprometidos activamente, então isso reduzirá ao máximo essa possibilidade, colocando os
africanos contra africanos e agudizando a falta de unidade entre os mesmos.

A africanização começa em Angola quando o governo português, depois de uma série de


episódios tumultuosos e sangrentos, decide que a guerra era única forma de travar todas
manifestações nacionalistas. Quando a guerra eclodiu, em Angola, a grande maioria dos soldados
do exército colonial português era africana. Segundo Jossias (2007:21) na Angola constituiu-se,
em 1966, as Tropas Especiais e de Grupos Especiais em 1968 conhecidos pela denominação de
Flechas, Fiéis e Leais.“Em Moçambique foram constituídos a partir de 1969 grupos “Tipo
Comandos”, em 1970 Grupos Especiais (GE) e Grupos Especiais Pára-quedistas (GEP), em 1971
Grupos Especiais Pisteiros de Combate (GEPC) e em 1973 os Flechas.”

A partir de 1960, em termos estatísticos, os 6 500 militares do exército mobilizados em Angola,


cerca de 5 000 foram recrutados localmente e há indicações de que quando a guerra eclodiu só
existiam duas companhias brancas. Apesar desses números elevados, em 1961 a maioria dos
soldados mobilizados nos três territórios, Angola, Moçambique e Guiné, pertenciam ao
recrutamento vindo de Portugal, somente 18,21% dos 49 422 soldados pertenciam ao
recrutamento local. Mas em 1964, quando a guerra já eclodira na Guiné e em Moçambique, o
total de soldados era de 85 737 e quase 30% deles eram recrutados localmente ou seja 25 313
homens. (Rodrigues, 2012: 126-127)

15
Quanto mais a guerra se prolongava, maior era o número de soldados africanos recrutados para
as forças portuguesas. Luís Alves de Fraga diz que desde o início da guerra até os finais dos anos
60 a utilização de contingente africano, nos três palcos operacionais, crescia a um ritmo suave,
mas no início dos anos 70, no auge da guerra, houve um aumento exponencial do contingente
africano e esse fenómeno demonstrava que apesar de Portugal se esforçar em angariar
contingentes da metrópole e os portugueses, no início, terem aderido a causa, com o evoluir da
guerra, Portugal estava a se esgotar a ponto de não conseguir mais, como no início, angariar a
força metropolitana.

Em termos percentuais ao aumento exponencial dos africanos nas forças portuguesas, Amorim
(2017: 18) diz que em 1966, 30 porcento dos efectivos eram africanos, percentagem que
aumentou até 1973, atingindo 42 porcento. E ainda acrescenta: “em particular, de 1971 a 1974,
em Angola estabilizou nos 42 porcentos; na Guiné, com uma população menos expressiva, nunca
passou dos 21 porcentos; e, em Moçambique atingiu aproximadamente os 54 porcentos.”

A dificuldade que Portugal teve em manter a evolução da força metropolitana está


intrinsecamente relacionada com o crescimento dos números de faltosos no processo de
recrutamento. Cann, 2005 citado por Amorim (2027: 18) apresenta dados percentuais sobre os
faltosos no recrutamento metropolitano e diz que em 1961, a percentagem dos faltosos atingia a
11,6%, no entanto, em 1972 a percentagem dos faltosos atingia 20,3%.

Para melhor compreensão dos dados acima apresentados, em termos numerários, Luís Alves de
Fraga diz que em 1961 foram recenseados 75.366 e destes foram apurados 48.832 e 8.722 foram
faltosos. O ano de 1968, apesar de não haver dados percentuais, foi muito agitado em termos de
números, visto que foram recenseados cerca de 95.634 e apurados 70.504 onde cerca de 17.838
foram faltosos. E por fim, em 1972 foram recenseados 92.613 portugueses, dos quais 66.681
foram apurados e 18.841 faltosos. No entanto, de cerca de 8.722 faltosos em 1961, o número
aumentou a 18.841 faltosos em 1972.

A crescente falta dos portugueses recenseados e apurados para o serviço militar levou a uma
atenção mais agudizada do recrutamento local, como uma solução mediata e viável para suprir a
défice da força metropolitana.

16
Amorim (2017: 18) compartilha as possíveis causas por de trás das faltas. Para o autor, essa fuga
de serviço militar foi resultado da emigração clandestina levada a cabo graças a uma campanha
psicológica, que começou a 17 de Abril de 1968, numa manifestação de estudantes de orientação
esquerdista forte. A partir do exterior, essa campanha, que era incitada pelo Partido Comunista
Português, visava desacreditar a guerra em que Portugal se encontrava investido, junto dos
jovens em idade de cumprirem serviço militar, assim, conseguiam criar esse número elevado de
faltosos. Por isso declaramos, anteriormente, que o ano de 1968 foi muito agitado em termos de
números dos faltosos.

2.2.2. Moçambicanos nas forças armadas portuguesas


No contexto guerra colonial (1964-1974) houve um aumento exponencial de soldados
moçambicanos nas forças portuguesas. O objectivo da militarização, em massa, torna
inquestionável a importância dos moçambicanos e do seu papel no desenrolar da guerra.

Sobre as razões que levaram a incorporação dos moçambicanos no exército colonial português,
Rodrigues (2012: 110), diz que Portugal procurou, por meio do recrutamento das forças locais,
reduzir os custos da guerra, uma vez que a formação de um exército de soldados locais era
menos dispendiosa do que o envio de militares de Portugal para África.

Por causa da dificuldade financeira que Portugal enfrentara, era dispendioso transportar os
soldados de origem portuguesa à Moçambique para fazer frente a guerra, então o foco seria
recrutar os nativos, pois por serem baratos reduziria os custos da guerra para metrópole. O
africano foi, não somente sob ponto de vista operacional mas também logístico, importante para
Portugal porque conseguiu, de certa forma, sanar as dificuldades financeiras.

Rodrigues (2012: 130) diz que os nativos tinham, ainda, a vantagem de se adaptar ao terreno
melhor que os portugueses e não só, os portugueses também ficavam saturados com o prolongar
da guerra. E sustenta Gomes (2003: 125) que os moçambicanos, ao se adaptarem melhor ao
terreno, inseriam-se nas culturas locais, eram agis na recolha das informações, avaliavam o
estado do espírito das populações, e resistiam melhor às doenças tropicais.

Foram essas qualidades que ditaram, em parte, a participação dos moçambicanos nas forças
portuguesas. Os nativos também dominavam língua vernácula, pelo que isso constituía mais uma
característica qualitativa e proveitosas para Portugal que, por meio delas, poderia vencer o tipo

17
de guerra que se desenvolvia nessa colónia, por isso Portugal quis reforçar o recrutamento dos
nativos e lhes envolver activamente nas guerras de guerrilhas.

Uma razão de natureza psicológica, dada tanto pelo Gomes, quanto pela Rodrigues é a morte dos
moçambicanos das forças armadas portuguesas. Segundo esses autores, a morte dos
moçambicanos nos campos de batalha causaria menos impactos na opinião pública portuguesa.

Uma série de características qualitativas que ditaram, em grande parte, o enquadramento dos
soldados moçambicanos nas forças portuguesas demonstram o papel importante que se
esperavam nos mesmos.

A contribuição dos moçambicanos nas forças armadas portuguesa foi gradual e dependeu do seu
nível do envolvimento nos teatros das operações. A desconfiança e o medo pela visão de
potencial terrorista ainda eram predominantes sobre os moçambicanos no início da guerra
colonial. Essa desconfiança levou, segundo Cabaço (2007: 355), com que o comando militar
evitasse colocar as unidades de recrutamento local nas acções militares, como aconteceu na
Operação Águia em 1967, onde as tropas portuguesas, procurando eliminar a presença de
guerrilha em Cabo delgado, tomaram dianteira da ofensiva e deixaram os nativos na segunda
linha.

Jossias (2007:23) diz que algumas correntes de opiniões achavam que armar [moçambicano]
fosse formar terrorista, e atendendo o exemplo acima ilustrado, a própria natureza da guerra
suscitava uma maior desconfiança. Kaúlza de Arriaga, que quando Subsecretário de Estado da
Aeronáutica, desencorajou, no início dos anos 1960, a utilização de tropas negras e chegou a
propor a redução dos efectivos existentes. O receio era fundamentado na ideia de que os nativos
não dominavam a língua portuguesa e tinham uma fraca capacidade operacional que facilmente
podiam ser contagiado pela propaganda subversiva.

No entanto, o não domínio da língua portuguesa, surge como um obstáculo para o


moçambicano, apesar de Amélia Souto acreditar que essa justificação só ocultava a verdadeira
razão que, segundo o seu entender, era o receio da possibilidade da sua colaboração com o
movimento nacionalista.

A questão do domínio da língua, se olhada de forma superficial, parece pouco controversa, por
isso merece um cuidadoso tratamento. Rodrigues, afirma que "os conhecimentos que as forças

18
africanas teriam dos territórios, das línguas e de outras características locais seriam uma mais-
valia para vencer uma guerra de guerrilha", por tanto o domínio da língua local é colocada como
um instrumento importante para vencer uma guerra de guerrilha. Nisto, o antropólogo Elízio
Jossias chama à memória, uma justificação dada em resultado do não envolvimento activo das
forças locais na primeira linha das operações, como sendo consequência de não domínio da
língua portuguesa, ou seja, por causa do domínio da língua vernácula seriam, os moçambicanos
das forças armadas portuguesas (MFAP), facilmente coagidos, em uma guerra de guerrilha, pelo
movimento nacionalista.

Não se trata, aqui, de provável equivoco de análises, mas de uma expectativa meio que frustrada
num tempo derminado, pois o que antes era razão para reforçar o recrutamento local nas forças
portuguesas, tornou-se, mais tarde, uma ameaça para própria força portuguesa. Assumimos como
expetativa meio que frustrada porque este passo dado para atrás ou receio foi caracterizado por
um momento em que as forças metropolitanas podiam controlar as ofensivas, mas no início dos
anos 70, já exaustos com a guerra e com as dificuldades logísticas que Portugal enfrentava de
transportar os soldados metropolitanos, os soldados moçambicanos, dominando as línguas
vernáculas, foram capazes de cobrir grandes operações e foram agis na recolha de informações.

Não obstante, a posição do receio foi gradualmente se invertendo tendo sido os moçambicanos,
com o evoluir da guerra, elementos de fulcral importância para os portugueses, devido, por um
lado, à demanda da própria guerra e, por outro, aos factores anteriormente descritos. [1] Cabaço
(2007: 356) demonstra essa viragem ao afirmar que em 1969 foi tomada uma decisão de alargar
as acções militares dos moçambicanos. Deste modo, foram criados grupos Tipo Comandos, GE,
GEP, em 1971 Grupos Especiais Pisteiros de Combate (GEPC) e os Flechas.

Estes grupos são descritos por Gomes como pertencentes a Unidades especiais. Estas eram
unidades com características ofensivas e com elevada capacidade de combate, que dependiam
dos governos locais. A especificidade dessas unidades tiveram a ver com a sua organização e
comando, com as suas missões ofensivas, mas sobretudo com o papel político que lhes estava
destinado desempenharem numa fase futura da situação colonial. Em 1973 tinham um papel
principal nas forças de Tete, asseguravam a estabilidade da zona do Niassa e funcionavam como
força supletiva na zona de Cabo Delgado, os GEP, por exemplo, eram a força de manobra para

19
os portugueses, isso porque, diferente dos GE que actuavam nas zonas de naturalidade, eles
atavam em quase todo país (GOMES, 2013: 125 e 132; AMORIM, 2017: 29-30).

Amorim (2017:30) ainda diz que os GEP implementaram a operação “mandioca, de poucos
homens, que se disfarçavam de guerrilheiros da FRELIMO, com matérias antes capturados, e
efectuavam ataques surpresos, tendo resultados bons, no início, até o inimigo descobrir a táctica.

No entanto, Portugal cria que trazendo a população ao seu lado ganhariam a guerra, e as forças
especiais, além de importantes a nível operacional, serviam de persuasores à população
subtraindo, assim, a influência da FRELIMO sobre a mesma.

20
CAPÍTULO III

A ATITUDE DO GOVERNO EM RELAÇÃO AOS EX-COMBATENTES


MOÇAMBICANOS DAS FORÇAS ARMADAS PORTUGUESAS.
[2]
O ano de 1974, pelos importantes acontecimentos foi dinamizador de Moçambique pós-
colonial. O golpe militar de 25 de Abril de 1974 que visava derrubar o regime fascista em
Portugal levou a negociações entre Estado Português e a delegação FRELIMO [3], em Lusaka,
que culminaram com o acordo que definia a data da independência de Moçambique.

Rodrigues (2012: 169) destaca que nos acordos de Lusaka, decorrentes entre os dias 5 e7 de
Setembro de 1974 onde foi estabelecido o cessar-fogo, tratou sobre os combatentes
moçambicanos das forças armadas portuguesas.

Esta era, de fato, uma questão inevitável de se tratar, pois neste período de interregno anárquico
[4]
um dos acontecimentos marcantes foi a criação do governo de transição onde a FRELIMO
controlava o governo, portanto, a questão do futuro dos combatentes moçambicanos das forças
armadas portuguesas era de urgente necessidade.

Segundo Coelho (2003:190) ainda no processo das negociações nos acordos de Lusaka, Portugal
queria que a FRELIMO integrasse os combatentes moçambicanos das forças armadas
portuguesas (CMFAP) no novo exército nacional a se criar e, em contrapartida, FRELIMO não
se mostrou interessado nessa proposta, aliás, julgava ser a responsabilidade de Portugal tratar
desses homens.

As estatísticas que temos vindo a apresentar, nas secções anteriores, provam que o número de
soldados moçambicanos a servirem Portugal era elevado, chegou Rodrigues a afirmar que o
número destes era o dobro dos homens das forças populares de libertação de Moçambique
(FPLM) o que, em estimativa, não passava de 10 mil. No entanto, para FRELIMO não convinha
reintegrar esse grupo por causa da sua linha reaccionária.

Não obstante, o acordo de Lusaka acabou por definir, segundo o artigo no 13, a desmobilização e
reintegração, por parte da FRELIMO, dos ex-combatentes moçambicanos das forças armadas
portuguesas (CMFAP) na sociedade. No que concerne às forças regulares, o acordo de Lusaka
não estipulava o prazo da sua desmobilização, mas às tropas especiais (GE, GEP), aos comandos,
às forças irregulares (corpos de milícias, OPVDC, milícias privadas, flechas e similares) Portugal

21
comprometeu-se em desarmá-las e desmobilizá-las imediatamente, isto porque eram
consideradas organizações que podiam causar perturbações de ordem pública. (RODRIGUES,
2012: 169)

No período do interregno anárquico, até mesmo na assinatura dos acordos, os conflitos não
cessaram. Como afirma Coelho e Macaringue (2002: 48) alguns grupos coloniais de extrema-
direita tentavam tomar o poder e se envolver em operações policiais no interior das cidades.

As acções dos grupos opositores da FRELIMO, além de só causarem o que Rita-Ferreira chamou
de êxodo da população branca, ao abandonar os seus negócios e país por causa dos distúrbios
sangrentos, principalmente de 12 de Outubro, também, segundo Rodrigues, debilitaram a
confiança que se tinha depositado nessas forças.

Assim, depois de uma acirrada década de guerra colonial em Moçambique (1964-1974), a


esperada independência foi declarada as zero horas do dia 25 de Junho de 1975, no aniversário
da FRELIMO. Jossias (2007: 42) afirma que a FRELIMO foi o único movimento com
legitimidade de governar o país, por isso foi traçando as directrizes para a construção de uma
nova sociedade com base num pensamento único e diferente do pensamento colonial.

Nesta secção procuraremos demonstrar o processo da formulação e implementação do projecto


ideológico de construção de uma nova identidade nacional (o Homem Novo) e as atitudes
estatais em relação aos que não se adequavam a esta identidade, como foi o caso dos CMFAP.

Aluta revolucionária era o nascer de uma luz que transportaria os moçambicanos do domínio das
trevas, imperialismo e exploração de homem para homem, para um governo repleto de alegria e
felicidade, onde todos, por meio da luz, compartilhariam os seus bens uns para com outros
segundo a necessidade de cada um. No entanto, transportados para este governo, com a
independência, restava aos revolucionários, no intuito de garantir o seu ideário concreto, eliminar
todo o vestígio das travas sem muito se importar com os métodos. Pensa-se e crê-se que as trevas
não prevalecem sobre a luz, ou melhor, onde a luz resplandece as trevas não subsistem [5]

A independência de Moçambique só solidificou, o que se vinha idealizando mesmo na própria


guerra colonial, o ideário da criação de uma identidade nacional, baseado no matar as tribos para
nascer uma nação cuja população estaria ligada numa só linha ideológica. Este projecto, que
parecia de simples êxito, tornou-se um desafio na sua concretização porque Moçambique é um

22
país multicultural e, não só, com linhas de pensamentos diversificados. Procurava-se, na criação
desta identidade, eliminar o velho homem ou seja, o homem com vínculos do imperialismo e da
exploração de tal maneira que, aos identificados como “comprometidos”, foram submetidos a
diversas medidas para abandonarem as práticas e culturas coloniais em nome do projecto
nacional.

3.1. Projecto de Identidade Nacional: Homem Novo versus ideias antigas


Não foram os revolucionários moçambicanos, quero antes ou depois da independência, os
inauguradores do termo “homem novo” pois, para Macagno (2009: 20) o termo homem novo ou
novo homem comunista, ou ainda novo homem socialista, foi usado desde a década de 1920,
tanto pelos críticos como pelos seguidores do comunismo soviético, para descrever as mudanças
económicas que significaram profundamente na vida dos indivíduos.

Essa descrição adequasse à situação de Moçambique visto que as mudanças económicas do


período pós-colonial, como as nacionalizações de terra, saúdem, educação; aldeias comunais, as
cooperativas de produção; entre mais, significaram profundamente a vida dos indivíduos.

A noção do homem novo em Moçambique já vinha sendo trabalhada ainda no período da luta
armada. Cabaço (2007:412) diz que o laboratório experimental, do homem novo, foi no centro de
treinamento principal em Nashingwea, na Tanzânia. A FRELIMO ensaiava as condições
socioeconómicas e culturais das populações e, não só, criava valores e comportamentos que
diferenciassem os nacionalistas dos inimigos. Pensando no futuro país independente, a
FRELIMO pretendia criar uma sociedade justa, solidária, altruísta, coesa, socialmente instruída,
com uma visão económica fundada no princípio de auto-suficiência e dependente das próprias
forças.

A base da luta para matar o homem velho da sociedade a se criar, já tinha sido lançada. A partir
de Nashingwea, os soldados criavam condições de defesa e auto-suficiência alimentar, isto é, as
actividades feitas eram vinculadas ao princípio ideológico definido (CABAÇO, 2007: 413).

O homem novo, pretendido criar, se assemelha ao homem que nasce de novo, no contexto
bíblico. O termo “nascer de novo” não implica tornar a nascer do ventre da mãe, pelo contrário,
significa uma mudança radical daquele homem velho, que andava sob o poder das trevas criando
todo tipo de males, explorando os seres iguais. O “nascer de novo”, do contexto bíblico, é

23
transformar-se na renovação da mente, e viver de acordo com novos princípios, os da luz, a
saber: ser justo, solidários, altruísta, amoroso, e pensando no bem próprio e do próximo. O
“nascer de novo” não permite a existência de meio-termo ou um caso misto entre o velho e o
homem novo, mas o velho homem se vai e, és que surge o novo. No entanto, como afirma
Meque (2013:11) “a liderança da Frelimo julgava necessário abandonar o capitalismo para
construir uma sociedade justa onde população nativa pudesse usufruir os bens e da força de
trabalho.”

Machel, explicando sobre a luta entre homem velho e homem novo, diz:

É este o sentido do combate permanente entre o novo e o velho. Não se trata de uma luta
entre a velha e a nova geração, entre pessoas velhas e as pessoas novas. Um jovem que
vive a vida e os ideais feudais ou burgueses da velha sociedade está mais ultrapassado do
que um homem de idade que luta constantemente para se integrar na nova sociedade e se
libertar das cargas e dos preconceitos reaccionários que lhe haviam inculcado.
(MACHEL, 1977:94)

A luta não é contra a carne, pois a isto responsabilizou-se a guerra de libertação nacional, mas
contra as mentalidades coloniais impostas aos moçambicanos. Em suma, o que se tem dito é que
o homem novo deve se desfazer dos seus fardos (os preceitos reaccionários inculcados) e tomar
um novo caminho da luz, (os preceitos socialistas) por isso Machel, ainda sublinhou:

O homem socialista é esse homem novo. Aquele que embora consciente das suas
limitações trava consigo mesmo o combate interno permanente para superar as
insuficiências e as influências reaccionárias que herdou. O homem socialista não é aquele
que repete a teoria revolucionária e que na sua vida quotidiana continua a guiar-se pelo
modo de vida reaccionário. È aquele que não só no seu pensamento mas sobretudo no seu
comportamento interioriza os princípios do Povo e da Revolução. É esse o homem que
fará Nova Revolução e pela sua dedicação, disciplina e entusiasmo mobiliza as massas
pelo seu exemplo. É o homem que constrói o Socialismo. (nosso sublinhado)

O período sublinhado esclarece que essa luta não tem resultados ambíguos, ou é revolucionário
ou é reaccionário, não se pode conhecer os princípios revolucionários e continuar a viver como o
inimigo vivia, então esse também é considerado inimigo.

24
Segundo Macagno (2009: 21) Sérgio Vieira afirmou que a primeira vez que Samora Machel
abordou de forma central e sistemática a ideia de homem novo foi em 1970, em um discurso
pronunciado na II Conferência do DEC (Departamento de Educação e Cultura) em Tunduru.
Nessa ocasião, afirmava a necessidade de educar o homem para vencer a guerra, criar uma
sociedade nova e desenvolver a pátria.

Samora Machel pretendia criar uma educação revolucionária onde a ciência, a base dessa
educação, venceria a superstição ou pensamentos tradicionais herdados do colonialismo, como
sustenta Meneses (2015:20) ao afirmar que “educação do „homem novo‟ procurava “destruir as
ideias e hábitos corruptos herdados do passado; desenvolver o espírito científico para eliminar a
superstição; promover a emergência de uma cultura nacional, liquidar o individualismo e o
elitismo” E, avança Macagno, Machel afirmava que para unir todos os moçambicanos, para além
das tradições e línguas diversas, requeria que na sua consciência morresse a tribo para que
nascesse a Nação.

A questão de matar a tribo (o homem velho) para que nasça a nação (homem novo) era, na sua
essência, de difícil êxito porque Moçambique sempre foi multicultural, e Machel, pela
experiencia da crise interna da FRELIMO nas zonas libertadas, tinha ideia dessa dificuldade,
mas não descartava a possibilidade de conseguir alcançar o propósito, ainda que fosse pela
violência, como demonstra Silva (2017: 94) o desígnio de “morra a tribo para que nasça a nação,
tão pregado por Samora Machel, representava um grande sacrifício. A população deveria
abandonar as suas práticas culturais e a sua fé em nome doo projecto nacional.”

O abandonar as suas culturas não era voluntário, pelo contrário, se impunha, de certa forma, a
força para fazer cumprir a ordem do dia assim, segundo Silva, “aqueles que não estivessem
dispostos a tamanho “desprendimento” deveriam sofrer as consequências”.

Para se criar uma sociedade homogénea, onde assentava-se um “só povo uma só nação, uma só
cultura de Rovuma ao Maputo”, era preciso se identificar os indivíduos sob influência das velhas
ordens e, feito isso, serem submetidos a certas medidas com o fim de matar a mentalidade
colonial, ainda que fosse por meio de medidas violentas.

25
3.2. Os comprometidos sob medidas estatais.
Desde a solidificação do ideário da identidade nacional ou o decorrer da guerra de libertação de
Moçambique já tinha sido definido, como inimigo directo, o sistema colonial e todos os seus
componentes. Segundo Machel citado por Meneses (2015:30)“O inimigo é o mesmo! Pode ter
cor preta, amarela, branca, o inimigo é o inimigo, o inimigo precisa do mesmo tratamento.”

Mesmo Moçambique tendo alcançado a independência, a luta contra o “inimigo”,aqueles que


propagavam a mentalidade do colonialismo, continuaria e o tratamento preciso aos inimigos é o
que descrevemos como medidas ou atitudes do estado em relação aos mesmos. Todos os que
serviram os interesses portugueses, como foi o caso dos CMFAP, foram tidos como inimigos ou
“comprometidos”, Adam (2006:124) diz que “os comprometidos incluíam moçambicanos que
tinham sido parte das unidades especiais do exército português, organizações políticas que se
opunham à FRELIMO, ou que tinham colaborado com o Estado fascista”.

Nos primeiros anos da independência, principalmente entre 1975 e 1977, ano da


realização do III Congresso, e até aos primeiros anos da década 1980, o partido Frelimo
traçou como objectivo principal “destruir as estruturas coloniais” e “implantar novas
estruturas” o que na prática significava a difusão da ideia de uma nova sociedade. A ideia
de “escangalhar” a estrutura do aparelho do Estado colonial, destruir a “mentalidade
colonial” e criar o “homem novo”, incorporava também o processo de integração da
população que não tinha experimentado o contexto da guerra “revolucionária”.
(JOSSIAS, 2007:32).

No entanto, o objectivo traçado pelo partido/Estado de destruir a mentalidade colonial centrava-


se em acções concretas em relação aos comprometidos de modo a criar, neles, os princípios de
homem novo. E essas acções, como sustentou Silva, carregavam consigo uma componente de
violência. Continua, Jossias, afirmando que a partir do momento que fossem identificados como
comprometidos ou “inimigos do povo” eram colocados à margem da sociedade, vigiados os seus
movimentos e posteriormente submetidos a processos de reintegração que assumiram
características ritualizadas.

Dentre várias medidas implementadas em relação aos CMFAP foram, neste objectivo,
sistematizadas quatro (4) variedades, a saber, o envio aos campos de reeducação; afixação de

26
fotografias e biografia dos comprometidos; limitações de todos os direitos civis e políticos; e, por
fim, a exposição ao público assumindo os seus erros.

No que concerne a primeira série de medidas, e a série mais forte no contexto da fase de
afastamento físico, foi o internamento nos campos de reeducação. Este não foi um processo
inaugurado com a independência, pelo contrário, já tinha sido ensaiado nas zonas libertadas no
decorrer da guerra colonial, (1964-1974), de tal forma que Thomaz (2008: 180-187) fala de
Naswingwea como inspiração ou o laboratório de formação de homem novo, onde todos iam
comprometidos aos valores do estado fascistas e saiam “purificados”.

Os campos de reeducação, nesse sentido, eram locais de concentração, trabalho, repreensão ou


disciplina que carregavam consigo um carácter punitivo, o que Igreja chamou de “teatro de
violência”, e para esses locais eram enviados os que sabotavam o projecto socialista, ou os que
não se adequavam ao “homem novo”.

Thomaz (2008: 188) diz que “uma imensa gama de indivíduos podia ser objecto de um
expediente punitivo que tinha como base a acusação e como consequência o confinamento, sem
contudo qualquer tipo de regulamentação ou sequer definição do procedimento institucional que
levava de um ao outro.”

Os indivíduos identificados e tidos por comprometidos passavam por confinamento, espécie


quarentena, de modo a não contaminar a nova sociedade com o vírus do capitalismo e todos seus
elementos. Nesses campos se dava o processo da transformação dos comprometidos, em
particular os CMFAP, por uma margem de 4 anos, como afirmou Igreja (2010: 787) que foram
purificados após quatro anos (1978-1982) de vigilância, expurgos e campos de reeducação.

Os campos de reeducação buscavam recriar os princípios de organização interna, de trabalho, de


treino militar, de educação e mais. Esses campos, localizados no centro e norte do país, eram
fundamentais para concretização do ideário de uma sociedade una. Para Jossias o envio ao
campo de reeducação correspondia a fase de passagem e ou de afastamento físico, onde se
esperava que indivíduos submetidos aos campos pudessem se distanciar das velhas ordens e
assumirem as novas regras. O estado estava convencido, com aplicação desta medida, que
poderia transformar as mentalidades impuras. (RODRIGUES, 2012: 171; COELHO, 2003:191;
JOSSIAS, 2007: 37)

27
O termo reeducar submete-nos a prática de inculcar outros ou novos valores sob mentes com
valores antigos; tornar a educar porque, provavelmente, os princípios predominantes estão
ultrapassados ou não enquadram-se na nova ordem. De qualquer forma, a prática de reeducar
objectivava, segundo Meneses (2015:26), libertar os inimigos através de um forte envolvimento
na prática do trabalho com o povo para adopção dos hábitos e do seu estilo de vida.

A reeducação, desde a operação limpeza de dia 7 de Novembro de 1974, já demonstra um


cenário de métodos intensivos para obtenção de resultados esperados. Thomaz (2008: 179-180)
descreve o cenário da operação desde o bloqueio das ruas da cidade, da detenção dos chamados
agitadores e marginais, sem aviso prévio, até a condução a um destino desconhecido pelos
impuros, e sem direito de se despedirem dos seus familiares. E Azevedo, no filme Virgem
Margarida, ilustra o percurso de Lourenço Marques a províncias distantes, onde chegando lá, os
improdutivos eram submetidos a um trabalho rigoroso nas matas, a castigos frequentes por
desobediência, espécie de ajuste de contas, ou a de trabalhos punitivos como Thomaz descreveu.

Com tudo, os fins justificam os meios, como se tem crido. Samora Machel, quando interpelado
pelos Jornalistas sobre a opção pelos campos, na presença dos seus homólogos presidentes da
Zâmbia e Tanzânia, numa secção de julgamentos populares de Nachigwea, a 12 de Maio de
1975, justificou: “prendemos! Não matamos! Porque são inimigos políticos! A nossa politica é
de clemência. Irão cultivar em Moçambique e aprender dos camponeses.” (Meneses:2015:26)

A demonstração de Thomaz no contexto de operação limpeza e as ilustrações do filme “virgem


margarida, põe em causa a dita política de clemência, e torna controverso o próprio anúncio, pois
a clemência não se alia a métodos violentos para obtenção da liberdade esperada. A sociedade
idealizada era justa, no entanto os meios deviam, minimamente, ser justos, só pela verdade pode
se libertar a mente e não pela força, porque a força libertou o território mas a verdade liberta a
mente.

O aprender com os camponeses, como declarou Machel, pode ter, superficialmente, trazido
resultados esperados, mas também deixou marcas indesejáveis nos chamados improdutivos, pois,
segundo o filme, houve agressões físicas e psicológicas, por meio de tortura e de violação sexual,
houve mortes e traumatizados. Todo esse cenário surge no contexto daquilo que Igreja
(2010:783) chama de “teatro de violência”, onde o Estado expõe os inimigos à violência física
directa, por meio de actos de tortura, confissões forçadas de traições e assunção de culpa, de

28
ordens politicas para prisão, deportação para campos de trabalho, ou submissão em pena de
morte ou execuções extrajudiciais.

É verdade que os campos de reeducação não são prisões de quatro paredes, mas não deixavam de
ser prisões, apesar de Machel ter declarado que “o trabalho político, o trabalho ideológico,
achamos que este é o instrumento fundamental para transformar o homem. Porque todo o homem
se transforma, não é preciso prisão [ou] paredes.” (MENESES 2015: 26). No princípio do
discurso, Machel afirmou que somente prenderam e não mataram os comprometidos, mas depois
mudou radicalmente o mesmo discurso, em torno do mesmo objecto, campo de reeducação, e
justificou que os campos não eram prisões.

As prisões são locais onde são colocados aqueles cujos direitos são condicionados devido aos
actos não aceitáveis nos padrões morais e legislativos. Aliás, em termos legais, Thomaz
(2010:188) diz que o decreto-lei n. 21/75 (11 de Outubro) criava o Serviço Nacional de
Segurança Popular (SNASP) que foi concedido poderes excepcionais entre os quais de deter as
pessoas, determinando-lhe o destino que achar mais conveniente, os tribunais ou aos campos de
reeducação, assim fica evidente que os campos eram uma prisão.

Todos quanto fossem aos campos de reeducação, como foi o caso dos CMFAP, tinham já
perdido o direito políticos e civis e, não só, ninguém podia sair, de acordo com o filme “Virgem
Margarida, sem que tivessem cumprido com a fase de passagem (tivessem superado as
mentalidades étnicas, religiosas, regionais, de classes, de raça), apesar do mesmo filme ter
demonstrado actos de revolta, pela exaustação, para sua liberdade. E isso vai de encontro com o
que Coelho (2003:191) declara como fuga à nova ordem de um número considerável de ex-
combatentes moçambicanos das forças armadas portuguesas, evitando entregar-se às novas
autoridades ou fugindo nos próprios campos de reeducação para atravessar fronteiras e se
entregarem as forças nos países vizinhos, que pouco tempo depois desafiaram as novas forças
moçambicanas.

Os ex-combatentes preferiam aliar-se a RENAMO, resistência nacional de Moçambique, a ter


que passar por todo aquele processo dentro dos campos de reeducação, sem tempo definido e
muito menos sem, contudo, qualquer tipo de regulamentação ou sequer definição do
procedimento institucional. Assim, o exemplo de filme da Virgem Margarida, apesar de tratar
um grupo específico de pessoas submetidos aos campos de reeducação, traz um cenário geral das

29
características que, inevitavelmente, os ex-combatentes moçambicanos das forças armadas
portuguesas, por serem comprometidos, foram sujeitos a passar.

No contexto da segunda série de acções de Estado foram, em Novembro de 1978,afixadas


fotografias e biografias dos comprometidos em painéis de parede nas residências ou locais de
trabalho. Esse acto, de afixar fotografias e biografias dos comprometidos, exprimiu
obrigatoriedade, em primeiro, para os próprios comprometidos e, em segundo, para toda a
estrutura estatal. No primeiro caso, os comprometidos eram obrigados a afixarem, em espaços
públicos, as suas fotografias junto de pequenas notas biográficas com clara indicação da
instituição a que pertenciam, do cargo e das tarefas que cada um ocupou ou desempenhou
durante o colonialismo. No segundo caso, a FRELIMO estabeleceu o prazo de 15 de Dezembro
de 1978 para que todas as instituições do Estado, empresas estatais e bairros de residências,
afixassem as fotografias e as biografias dos comprometidos (JOSSIAS, 2017: 37-38)

Para esses efeitos, detectar os inimigos e comprometidos, já tinham sido criados, a partir da
realização do III congresso da FRELIMO em Fevereiro de 1977, os grupos de vigilâncias
populares que agiam em coordenação com o povo sob motivação do partido no poder.
(RODRIGUE, 2012: 171)

Existem, pelo menos, três, senão mais, justificações por de trás dessa medida. Sobre a primeira
justificação, Jossias (2017: 38) diz que a lógica, apresentadas pela FRELIMO, para imposição da
medida foi necessariamente a necessidade de conhecer melhor os indivíduos de modo a que
pudesse controlá-los melhor e submetê-los à sua autoridade. E, a segunda, Adam (2006:124) diz
que o governo justificava ser um modo humano de tratar os comprometidos, CMFAP, porque em
outros processos teriam sido fuzilado.

Nesta última justificação, o Notícias de 11 de Maio de 1982 é mais claro ao demonstrar que esta
acção foi justificada como um modo humano de tratar os traidores que em outros países
revolucionários mereceriam julgamento e condenação, ou seriam fuzilados em público. E por fim
a terceira, Silva (2017:155) diz que a FRELIMO justificava as medidas como um meio de evitar
com que os comprometidos fossem recrutados por inimigos, RENAMO, através de chantagens
ou aliciações por causa do seu passado comprometedor.

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Em todas as justificações para essas medidas específicas, a FRELIMO aparece como quem quer
o bem dos comprometidos, ou seja como se fossem medidas ligeiras e sem dano algum,
procurando apenas libertar os ex-combatentes moçambicanos das forças armadas portuguesas
dos princípios fascistas e inculcar neles os preceitos revolucionários.

A defesa de Meneses, em relação às atitudes do governo contra os presos políticos, é importante


para se compreender a essência dessas medidas. Meneses (2015:38) diz que a posição da
FRELIMO combinava um misto de reconhecimento, desconfiança e ajuste de contas. Qualquer
que fosse a atitude do estado em relação aos CMFAP era de plena desconfiança, de como esses
homens poderiam agir no novo Moçambique, de que lados estariam, se representariam perigo
para revolução. “O ajuste de contas” alia-se ao que Silva (2017:156) diz: “a estratégia usada pelo
governo era de denunciar e castigar os que haviam traído a luta. Portanto, as fotografias e as
biografias junto de outras medidas, serviam de ajuste de contas contra os ex-combatentes
moçambicanos das forças armadas portuguesas que haviam traído a pátria.

Se por um lado, a FRELIMO justificava que as afixações das fotografias e biografias fossem
atitudes para evitar com que os ex-combatentes fossem recrutados por inimigos, por outro,
Coelho (2003:191) mostra que muitos iam se aliar a RENAMO por causa dessas medidas, pelas
dificuldades de integração destes na nova ordem criada pós-independência. E Silva mostra que se
o objectivo era criar uma identidade nacional, as atitudes em relação aos comprometidos só
distavam o objectivo. Alias, o próprio Machel, segundo Igreja (2010:788), fazendo um balanço
sobre os 4 anos dos comprometidos sob medidas, na reunião dos comprometidos em 1982,
concluiu que quando foram, os comprometidos, expostos sob vigilância popular, eles foram
abertamente se juntar ao inimigo para continuar a luta contra a independência e liberdade.

A terceira série de medidas foi de suspensão dos direitos civis e políticos dos ex-combatentes
moçambicanos das forças portuguesas. Esta série de medidas corresponde ao que Jossias chamou
de “fase de separação” que descreve como sendo um afastamento social dos CMFAP, por meio
de um conjunto de rituais, prescrições, proibições e condições.

31
No entanto, nesta fase recaia sobre os comprometidos todo tipo de proibições, um afastamento
em relação aos direitos civis e políticos, sob condição de uma possível reintegração depois de
assumirem a postura de homem novo, sob preceitos revolucionários.

Meneses (2015: 40) dá a entender que quando Moçambique tornou-se independente, em Junho
de 1975, muitas pessoas haviam aderido à FRELIMO, dos quais faziam parte os CMFAP, mas
durante o processo de preparação do III congresso, foram identificados como comprometidos e,
consequentemente, foram expulso do partido, tendo sido proibidos de agir ou participar como
membros do partido, e não só, as estruturas da FRELIMO excluíram os ex-combatentes
moçambicanos das forças armadas portuguesas do novo exército nacional criado com a
independência, contrariando as pretensões de Portugal aquando dos acordos de Lusaca; foram
excluídos, de igual modo, de fazer parte das novas instituições criadas pelo governo; foram
proibidos de exercer qualquer cargo de chefia que eram reservados aos camaradas ou
representantes do povo. Em suma, foram suspensos de todas as actividades políticas e
administrativas. (SILVA, 2017:155; RODRIGUES, 2012:170; JOSSIAS, 2017: 38)

Os identificados como comprometidos não podiam tanto ser considerados camaradas quanto ter
qualidades de povo, eram isolados das actividades estatais, pois a estes, Segundo Jossias
(2007:36), foi negado o direito a cidadania. Para ser cidadão, nos primeiros momentos da
independência, passava por ser aceite como membro do partido FRELIMO, para fundamentar a
comunhão aos princípios de homem novo. No entanto, se não comungavam com os princípios
revolucionários, de identidade nacional, então acontecia essa separação social que descrevemos
acima.

Quarta série de medidas foi a de assumir, em público, os seus erros. Essa medida corresponde ao
que Rodrigues chama de rituais de exposição públicas, onde os ex-combatentes moçambicanos
das forças armadas portuguesas teriam de assumir, como erro, as escolhas que fizeram ao se aliar
aos portugueses, e deveriam demonstrar arrependimento das suas escolhas.

Segundo Jossias (2007: 36) com essa atitude, a FRELIMO pretendia levar os comprometidos a
demonstrarem publicamente o seu arrependimento como forma de se libertarem de prováveis
chantagens, por parte dos antigos colonizadores, com base no seu passado. O estado cria que
expondo, quer por meio das fotografias ou por meio de aparição ao público, pudesse libertar, por
isso Jossias diz que o que seguiu foi uma perseguição dos CMFAP com esse objectivo. Coelho

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(2003: 191) diz que o receio da FRELIMO, era que se esses não se libertassem as forças
inimigas, que se desenvolveram contra Moçambique, podiam recrutar esses elementos para
melhor concretizar os seus objectivos, no que era preciso transformá-los a todo custo. No
entanto, o receio não era sem fundamento, atendendo o seu papel nas forças armadas
portuguesas, mas importa, mais uma vez, salientar que essas medidas tornaram ainda mais real
ao seu receio.

As exposições tanto por aparições quanto por fotografias, biografias, e mais, surgiriam no âmbito
do discurso de Machel em Novembro de 1978, como ilustra Jornal noticia, 8 de Maio de 1982,
de que a libertação dos ex-combatentes passava, primeiro, pelo reconhecimento público do
passado para se libertarem das cargas impuras que pesa sobre a suas consciências. Temos, para
nós, que o arrependimento é sempre bom para mostrar a necessidade de mudanças, no entanto,
não pode ser por obrigação ou, então, os resultados ainda permanecerão iguais ao do passado.

CAPÍTULO IV

O PROCESSO DA TRANSFORMAÇÃO DOS ANTIGOS COMBATENTES


MOÇAMBICANOS DAS FORÇAS ARMADAS PORTUGUESAS: COMPROMETIDOS
OU COMPATRIOTAS?
O exercício da transformação da ideologia, visão, e da mente comprometida não foi homogéneo
e muito menos simples. Na verdade, foi uma combinação clara e concreta de acções diversas, em
um período considerável, bem estruturadas e implementadas pelo Estado moçambicano em
relação aos ex-combatentes moçambicanos das forças armadas portuguesas (CMFAP), e a este
exercício chamamos de processo.

A transformação dos CMFAP, de comprometidos a compatriotas, obedeceu um processo que


durou, pelo menos, 4 anos, 1978-1982, se bem que não seria um equívoco definir o início desse
processo como sendo antes ou logo após a independência, porém, sabe-se que foi a partir de
1978, como consequência de vários encontros para identificação dos comprometidos, que as
medidas foram, de forma clara, direccionadas a esses membros. Silva (2017:156) diz que o
processo começou quando o governo quis esclarecer os episódios de traições, e saber quem “fez
o quê”no desenrolar da guerra colonial. Foi, por essa razão, que o presidente começou a reunir,

33
em 1978, com os então comprometidos com a ideologia colonial sob pretexto de querer
reintegrá-los.

O partido FRELIMO desejara, desde o princípio, uma unidade nacional e rotura total das
ligações colónias e, com independência, pretendia-se criar uma nova ordem, pura e mais bem
sucedida e diferenciada da velha ordem colonial, por isso aos CMFAP, foi se levantando
discursos de reintegração que representaria, na verdade, uma ordem pós-colonial violenta, em
nome unidade nacional.

Os discursos de reintegração assemelham-se aos discursos de declaração da guerra em nome da


paz; da necessidade de fazer “o mal” em nome de um “bem maior”. De qualquer forma, os fins
justificam os meios usados, por isso a FRELIMO adoptou a série de medidas, descrita no
capítulo anterior, como um meio preciso para transformar os comprometidos em compatriotas.

O processo de transformação dos comprometidos, na sua essência, carregou consigo o teor de


violência em quase meia década. Os ex-combatentes moçambicanos das forças armadas
portuguesas foram enviados a campos de reeducação; foram expostas, ao público, as suas
fotografias e funções desempenhadas ao lado dos portugueses, tiveram direitos civis e políticos
suspensos; e foram obrigados a assumir os seus erros perante o público. Todas essas atitudes do
estado representaram, conforme se nota nos discursos justificativos para a sua implementação,
meios precisos e fulcrais para, segundo Notícias de 10 de Maio 1982, a libertação total da carga
impura sobre as suas consciências.

Silva (2017:157) acredita que a tal violência, que foi posta em prática a partir de Novembro de
1978, ou antes, em nome de unidade nacional, distanciava, na verdade, a concretização da
unidade nacional de tal forma que, na década de 80, a FRELIMO procurou aproximações com
todos os sectores sociais, dos quais também incluíam os CMFAP. Na verdade, a ideia da
FRELIMO era, segundo Tempo (27/06/82: 32), ganhar mais moçambicanos para nação, nem que
tenham sido pessoas que haviam vendido a sua consciência a troco de salário de sangue, o
governo estava pronto para perdoar, apesar de tudo, e reintegrar esses indivíduos na sociedade
desde que assumissem o seu erro, e demonstrassem que, realmente, estavam arrependidos.

Assim, a década 80 foi marcada por uma aproximação entre o Estado moçambicano e os
indivíduos comprometidos em busca do reconhecimento do erro do passado, por parte dos

34
comprometidos, para posterior aceitação na nova sociedade. Samora Machel afirmou que
chegava a hora para um balanço de acção de controlo sobre os que haviam servido aos interesses
coloniais fascistas, e aqueles que, tendo passado por todas medidas implementadas, merecessem
da confiança do Estado seriam reencaminhados a responsabilidades profissionais, e os que não
merecessem da confiança, por incapacidade de servir aos interesses da classe da aliança operária
camponesa, seriam definitivamente afastados dos serviços e das empresas, (NOTÍCIAS, 10 de
Maio de 1982), os jornais já publicavam, até dia 8 de Maio de 1982, a data em que o Estado
sentaria “frente a frente” com os comprometidos, marcada para segunda-feira, 10 de Maio de
1982.

O balanço criou a chamada “Reunião dos Comprometidos” em 1982, que significou o último
movimento do Estado para “ xeque-mate” do “inimigo mental”. Esta fase, conhecida como a de
reintegração, é, segundo Jossias (2007: 39), onde os antigos combatentes moçambicanos das
forças armadas portuguesas, os comprometidos, assimilam as regras da nova sociedade e a
comunidade é informada sobre os estatutos dos CMFAP, em cerimoniais público.

“A reunião dos comprometidos” foi um encontro da direcção do Partido e Estado com os


moçambicanos comprometidos com as ideologias colónias e esta surge, segundo Jossias, como
ato que simbolizavam a reintegração de todos os comprometidos. Pretendia-se pôr fim a quase
meia década de descolonização mental, por meio do balanço (criticas) dos depoimentos dos
próprios comprometidos.

A reunião aconteceu em duas fases. A primeira decorreu de 10 a 11 de Maio de 1982 e a segunda


fase de 3 a 7 de Junho do mesmo ano. A interrupção deveu-se aos assuntos inerentes a agenda do
mais alto dirigente da república popular de Moçambique, Samora Machel (NOTÍCIAS, 3 de
Junho de 1982). De acordo Jossias (2007:39) dos 7 dias reservado a reunião, 5 foram ouvidos os
agentes da ANP e da PIDE, os considerados cabeça do fascismo, e no sexto dia foram ouvidos os
ex-comandos, GE e os GEP. No entanto, os CMFAP não foram chamados para apresentação no
pódio, enquanto os Sipaios, as Madrinhas de Guerra, o Movimento Nacional Femenino e os
OPVDC apenas foram chamados a desfilar no pódio no último dia do encontro.

No primeiro dia da reunião, no salão de festas da Escola Secundária Josina Machel, em Maputo,
estavam ao lado do presidente, no palco do salão, Marcelino dos Santos e Joaquim Chissano, e
na parte de trás os restantes membros do Comité Político Permanente do Partido FRELIMO,

35
membros do Comité Central, da Comissão Permanente da Assembleia Popular, do Conselho de
ministros e deputados da Assembleia popular. Foram, de igual modo, convidados diversos
funcionários de todos os sectores do aparelho de Estado e das forças de defesa e segurança. E a
plateia, os comprometidos, era dividida de acordo com as principais organizações político-
militares do regime colonial português, definidos por tabuletas. (NOTÍCIAS, 11 de Maio de
1982a.)

No entanto, a reunião contou com 1.100 indivíduos comprometidos, todos provenientes da


capital de Moçambique, Maputo, porém estes representariam todos os comprometidos do país,
como se nota na declararão do presidente, “vocês, os que estão presentes nesta reunião, são
apenas os que residem na bela capital, Maputo. Mas através de vocês estamos a falar para todos
os moçambicanos que, como vocês, estão comprometidos.” (NOTICIAS, 11 de Maio de 1982b)

Silva diz que a reunião foi marcada por um longo discurso do presidente, onde anunciava todos
os males que os comprometidos promoviam ao compartilhar as ideias coloniais. O propósito da
reunião era libertar as “mentes colonizadas” por isso Machel declarou: “embora Moçambique
seja livre, ainda há moçambicanos por libertar. Descolonização mental é o nosso problema
actual. Libertar o passado colonial que continua a dominá-los, que os inibe de serem cidadãos
moçambicanos activos.” (NOTÍCIAS, 11 de Maio 1982b)

A descolonização mental seria alcançada, segundo o presidente, por meio de exposição e de


reconhecimento, em público, dos erros do seu passado, de tal maneira que foram dados espaço
para falar e demonstrar o seu nível de envolvimento com o poder colonial, como se nota no
excerto a baixo:

Aos comprometidos era solicitado a apresentação voluntária ao pódio. Já no pódio


iniciava um diálogo com Samora Machel, em primeiro lugar apresentando os
dados biográficos a começar pelo nome, a profissão, a morada, o estado civil,
número de filhos. De seguida, tinham que narrar a história do envolvimento nas
“estruturas coloniais” (JOSSIAS, 2007:39).

A maior parte dos comprometidos que, voluntariamente, se a apresentavam ao pódio passavam a


ideia de serem vítimas do colonialismo português e apresentavam discursos de “sofrimento” ou
distanciavam-se de qualquer actividade, declarando: “não fiz nada, não participei em nada, só

36
pagava quotas”. No entanto, esses discursos irritavam o presidente, Samora Machel, de tal
maneira que interrompia as declarações para buscar informações verdadeiras e ele deixava bem
claro que deixou vários trabalhos de interesses do país para tratar da sua transformação, por tanto
não estavam ali para brincar. (NOTÍCIAS, 11 de Maio de 1982a)

Silva (2017:158) diz que apesar de muitos se terem “vitimizado” outros poucos reconheciam os
seus erros e pediam perdão, e esses discursos de assunção de culpas e pedido de perdão
agradavam ao presidente e alimentava a sua ideia de que só assim poderiam se libertar. Ele não
deixou de reconhecer que, em alguns momentos, os colaboradores do regime colonial foram
forçados a apoiarem a causa portuguesa, no entanto afirmava que não importava o motivo ou
grão do envolvimento, todos se colocaram contra a causa nacional. O que se buscava, naquele
momento, era o estabelecimento do rito de perdão, que somente se alcançava por meio de
discurso de culpa.

Alguns exemplos dos discursos de assunção de culpa, que agradavam o presidente, foram
apresentados por Enoque Libombo, antigo membro do ANP e um jornalista conhecido por A.F.
ambos começaram por agradecer pela oportunidade e, depois, contar a sua trajectória no
compromisso com o colonialismo português. Os discursos de perdão e arrependimento deixaram
o presidente feliz a ponto, por exemplo, de convidar A.F a ser membro do Partido FRELIMO.
(NOTÍCIAS, 11 de Maio de 1982c; IGREJA, 2010: 794)

O encontro, apesar de complexo, foi definidor da aceitação dos ex-combatentes moçambicanos


das forças armadas portuguesas na sociedade pois nele, os indivíduos entraram comprometidos e
saíram compatriotas. Segundo Silva (2017:161), os comprometidos leram, em seus discursos
finais, que seriam capazes de viver e morrer pela pátria moçambicana.

Os CMFAP, durante a cerimónia, foram ensinados a dar viva ao partido FRELIMO, a cantar as
canções revolucionárias e a afirmar em corro que já eram compatriotas. E este processo de
transformação dos comprometidos por meio de culpa, arrependimento, punição terminou quando
Machel mandou dizer em corro: “não há ANPs, não há PIDEs!/ somos todos moçambicanos!
Não há comandos, não há GEs!/ somos todos moçambicanos! Não há Movimento nacional
Femenino!/ não há madrinhas de guerra!/ somos tos moçambicanos” (JOSSIAS, 2007:41)

37
Assim, no dia 7 de Junho, na sessão de encerramento, o presidente do partido e Estado, Samora
Machel, declarou-os homens livres e com o gozo pleno dos direitos conferidos pela constituição
e com obrigação de cumprirem com os deveres que ela promulga.

No entanto, a passagem dos CMFAP de comprometidos a compatriotas foi consequência de


vários actos punitivos, assunção de culpa e demonstração de arrependimento. Por meio desses
elementos, o Estado e o povo, estavam dispostos a perdoar os erros do passado e tornar os
CMFAP, novos membros da sociedade com todos os direitos restituídos. O processo terminou
com a reconciliação entre o Estado e os CMFAP.

4.1.A reintegração dos ex-combatentes moçambicanos das forças armadas portuguesas:


sucessos ou fracassos?
A reunião dos comprometidos, como temos descrito, terminou com aceitação dos ex-
combatentes moçambicanos das forças armadas portuguesas na sociedade. As palavras, em
corro, que os CMFAP repetiam com o presidente, Samora Machel, exprimiam um acto de perdão
por parte do Estado e do Povo, e um papel em branco para se escrever uma nova história.

Essa aceitação significaria, teoricamente, uma vida mais sossegada, restituição de todos os
direitos civis e políticos, remoções de fotografias e biografias, uma participação activa nas
organizações e Partido, enquadramento nas forças nacionais, e coisas semelhantes a essas. É, no
entanto, importante que se estude o “pós-reintegração” para que se possa entender se há, de fato,
mudanças ocorridas aos ex-comprometidos (será que o encerramento da reunião produziu esses
efeitos positivos ou esperados?)

As mudanças só podem acontecer em paralelo aos aspectos da reunião. Silva(2017:160) diz que
havia necessidade de reconciliação com o passado, e se buscava um novo aliado para a situação
que o país enfrentava; sustenta ainda Silva que apesar de não haver um discurso claro, existia um
interesse, por parte do governo, em obter apoio dos comprometidos, principalmente jovens, para
fazer frente a guerra civil que assolava Moçambique.

Não obstante, no enceramento do encontro, os ex-comprometidos sugeriram a sua forma de


reintegração declarando que usariam do seu conhecimento militar na defesa da Pátria, contra os
ataques dos bandos armados; de vigilância e luta contra os crimes nas cidades, entre mais

38
funções. (Tempo 609, 13 de Junho de1982: 6). No entanto, aceites na sociedade passaram,
consequentemente, à qualidade de membros do Partido Frelimo e, as ex-Madrinhas de Guerra e
membros de Movimento Nacional foram incorporados na Organização da Mulher Moçambicana
(OMM), enquanto os antigos elementos da OPVDC foram incorporados nos grupos de vigilância
civil e de combate a criminalidade urbana. Alguns comandos foram seleccionados para a
formação de forças especiais das forças Populares de Libertação de Moçambique, aquando da
guerra civil. (JOSSIAS, 2007:41).

O Partido determinou que todas as fotografias e biografias afixadas em vários locais residenciais
ou de trabalho deveriam ser removidas até dia 20 de Junho, semana em que se celebra a fundação
da FRELIMO, e os órgãos do partido deveriam organizar reuniões com todos os trabalhadores e
todos os comprometidos desse local de trabalho para se tirar as fotografias e explicar o seu
processo de libertação. (Tempo, no 609, 27 de Junho de 1982, p. 37). A Assembleia Popular, por
sua vez, mas tarde, promulgou uma lei que legitimava o direito dos ex-comprometidos de eleger
e serem eleitos para Assembleias do povo. O 4º Congresso do Partido FRELIMO, na revisão dos
estatutos, revogou cláusula que impedia os ex-comprometidos de serem membros do Partido
(Notícias, 11 de Maio de 1984)

Segundo a Revista Tempo, o partido esperava dos CMFAP, um engajamento sério na produção,
no trabalho honesto, na luta contra as sabotagens, na integridade contra elementos anti-sociais,
marginais, criminosos, antipatrióticos. Engajamento na defesa de pátria, da soberania,
integridade territorial, na defesa da liberdade; no engajamento na defesa, na criação da nação; no
engajamento na defesa de tranquilidade e ordem pública.

Importa referir que não foram todos os participantes, presentes na reunião, perdoados e
reintegrados na nova sociedade. Coelho (2003:91) diz que “alguns foram presos no local e
enviados directamente para campos de reeducação.” A prisão desses deveu-se a sua forma de
narrar a sua trajectória ao lado dos portugueses. Muitos, como demonstra a revista tempo,
faziam-se de desentendidos, expressavam com cinismo e arrogância tendo pedido, a título de
exemplo, que lhe fizessem recordar dos actos cometidos na sua trajectória. Outros ocultavam a
verdade sem conseguir, no entanto, ocultar a seu ódio pela FRELIMO.

A opinião pública em relação aos CMFAP, novos compatriotas, reflectia-se no acompanhamento


do seu comportamento. Bernardo Mugabe, um entrevistado do Noticias na rubrica “opinião

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pública” 14 de Junho de 1982, afirmou claramente que o enquadramento dos ex-comprometidos
nos trabalhos dependeria da sua relação com os seus colegas, pois espera-se que tenham um
comportamento apreciável, no sentido de demonstrarem o seu real arrependimento do mal
causado, e que o seu comportamento, nos postos de trabalho, deve ser acompanhados pelas
estruturas máximas daqueles postos, tal como pelos colegas de trabalho. Maria Langa apelava
uma vigilância eficaz a ser orientada pelas estruturas nos locais de trabalho.

Contudo, a população aceitava a ideia de conviver com os ex-comprometidos, mas apelavam um


certo acompanhamento para se tivesse a certeza das suas mudanças. Os ex-comprometidos
precisariam merecer confiança da população.

Com isto conclui-se, portanto, que a reunião de reintegração originou dois tipos de resultados, a
saber, positivos e negativos ou seja sucessos e fracassos. Segundo Silva (2017:160) apesar de se
pretender proceder com a descolonização mental, Samora Machel mostrou que muitos, por causa
da reunião, acabaram abandonando o país e representaram perigo a nação, aliás, Rodrigues
(2019:54) que essa fuga deveu-se a todo um teatro de violência contra CMFAP assim, a eficácia
desse objectivo é posta em causa. E ainda na reunião, segundo Igreja (2010:798), Machel usava,
constantemente, uma linguagem meio agressiva contra os comprometidos, sempre que esses
interviessem e, além disso, eram interrompidos e humilhados constantemente, de tal maneira que
os comprometidos voltavam aos seus lugares insatisfeitos e mostrando poucas evidências de
reconciliação, esses momentos, vários por sinal, colocam em causa o objectivo da reconciliação
que se pretendia alcançar.

As prisões e reenvio aos campos de reeducação dos comprometidos que se portavam mal no
pódio, mostrou que o processo de transformação desses membros havia falhado e que não foram,
por meio destes, alcançados os objectivos a descolonização mental ou a libertação “cargas
impuras” que traziam consigo. No entanto, essas foram as limitações, contradições e falhas
decorrentes no processo de transformação dos ex-combatentes moçambicanos das forças
armadas portuguesas, de comprometido a compatriota.

Não se podem, de igual modo, ignorar os sucessos deste processo. Segundo Igreja (2010:799)
Samora mostrava que aqueles que assumiam os seus erros tinham provado de objectivo da
descolonização mental e que, também, estavam prontos para lutar contra os “bandos armados”
que criavam desestabilização. A FRELIMO criou estrutura secreta chamada Luta Contra-

40
Bandidos (LCB), especializada nas operações de contra-guerrilha e, alguns dos ex-combatentes
as forças armadas portuguesas foram incorporados nas fileiras.

Não se podem ignorar as fotografias e biografias removidas de onde haviam sido fixados, da
restituição dos direitos políticos e civis, dos enquadramentos nas diversas forças de trabalho, nas
várias organizações, na força armada, nos trabalhos comunitários, entre muitos outros.

CAPÍTULO V

CONCLUSÃO
5.1. Considerações finais.

O processo que culminou com a aceitação dos ex-combatentes moçambicanos das forças
armadas portuguesas na sociedade foi complexo. Estes indivíduos que, durante a guerra colonial,
lutaram ao lado dos portugueses contra os nativos iguais foram tidos como traidores e
“comprometidos” com a mentalidade colonial.

O fim da guerra colonial em Moçambique significou o início de uma nova fase na busca de uma
rotura total e completa dos elementos do colonialismo. Começou-se uma luta para alcançar uma
identidade nacional, espécie de morte do regionalismo, tribalismo, racismo e classes. Idealizou-
se uma socialidade justa formada por revolucionários.

No ideário da nova sociedade não pertenciam os indivíduos tidos como comprometidos, os que
compactuaram com o Estado colonial, dentre os quais mencionam-se os CMFAP. Todos que
traziam consigo as “cargas impuras”do colonialismo tornaram-se inimigos que, rapidamente,
precisavam ser reeducados nos moldes da sociedade “justa”. Uma luta ideológica teve que se
levantar, para a descolonização mental, pois acreditava-se que eram, os comprometidos,
encarnação do sistema colonial à semelhança do que se diz: “expulsou-se os colonos mas não o
colonialismo,” pois sobre as suas mentes vigorava ideologia exploradora.

Essa luta, pela libertação ideológica, encabeçada pelo Estado – FRELIMO – enquadra-se naquilo
que ficou conhecido por Homem Novo versus Ideias Antigas, em que o Estado pretendia
transformar as mentes dos ex-combatentes de comprometido a compatriota. A luta, na verdade,
carregou consigo uma natureza de violência, pois houve, por parte do governo, um misto de

41
sentimento que condicionou o uso de métodos “punitivos” como forma de acertar as contas e
reintegrá-lo na sociedade.

Os ex-combatentes moçambicanos nas forças portuguesas, depois de acordos de Lusaca, foram


perseguidos; excluídos de todas actividades políticas, sociais e económicos; reeducados e,
alguns, apesar de não se assumir, foram fuzilados. O processo de reiteração dos ex-combates
moçambicanos das FAP durou quase 4 anos, desde a exposição de fotografias e biografias nos
locais de trabalho, em 1978, até a reunião dos comprometidos, em 1982. O processo da
reeducação, exposição, e ou qualquer outra medida do Estado levou-os a se aliarem aos
desmobilizadores do país, numa altura que o Estado Justificava serem essas atitudes meios
eficazes para impedirem que fossem recrutados.

Esses resultados, se aliado com os outros, demonstram uma certa fraqueza do Estado em lidar
com a dita “descolonização mental”. Foi na reunião dos comprometidos que vários indivíduos
foram declarados compatriotas, membros integrantes da sociedade, apesar de nem todos terem
provado desse “privilégio” porque, de igual modo, muitos foram presos e outro fugiram por
causa da “natureza violenta” dos métodos e das intervenções agressivas do presidente da
república.

Depois da reunião de 1982, os comprometidos foram, pela primeira vez, chamados de


compatriotas e mereceram, teoricamente, todos os direitos restituídos para viver uma vida nova,
como purificados e perdoados. No entanto, o trabalho teve várias limitações por causa da
pandemia COVID-19, que condicionou o encerramento das bibliotecas e arquivos de
investigação, aliado também a existência de poucos estudos feitos que retratem o “pós-
reintegração.” Assim, é preciso se compreender, com exactidão, se houve eficácia, aceitação
prática da população e do Estado, e cumprimento dos compromissos acordados no encontro.
Precisa-se, contudo, explorar melhor os resultados do processo de reintegração. Quanto aos
presos na reunião, pouco se sabe do seu futuro quer nos campos de reeducação ou não.

Outrossim, não existem muitos estudos sobre evolução e mudanças estruturais nos campos de
reeducação, desde a década de 70 à 80, quais foram as principais variações dos campos de
reeducação? Como era a vida quotidiana dos comprometidos nos campos de reeducação?

42
Estas, com certeza, constituem focos de investigação por se desenvolver e um desafio para
historiadores e sociólogos.

5.2. Referências Bibliográficas

Fontes secundárias

 Teses e dissertações
 ADAM, Yussuf. (2006) Escapar aos dentes do crocodilo e cair na boca do Leopardo:
Trajetória de Moçambique Pós-colonial (1975-1990). Maputo: Promédia.
 AMORIM, Bruno Manuel Magalhães. (2017). O papel dos Grupos Especiais Pára-
quedistas em Moçambique de 1971-1974. Lisboa. [S.n]
 CABAÇO, José Luís de Oliveira. (2007). Moçambique: identidades, colonização e
libertação.São Paulo: s.n..
 GALLO, Fernanda Bianca Goncalves. (2017). Andando a procura dessa vida: dinâmica de
deslocamento na província de Tete-Mocambique, do colonialismo tardio a mineradora
vale. Cambinas: [s.n]
 GUJAMO, Rufino Carlos. (2016). A transição democrática e manutenção da paz em
Moçambique entre 1992 e 2004. Lisboa: IUL.
 JOSSIAS, Elízio. (2007). Entre a colónia e a nação: moçambicanos deficientes físicos das
forças armadas portuguesas. Lisboa: S.e.
 MEQUE, Ana Maria Esmael. (2013) A Influencia das Instituições de Bretton Woods nas
Políticas Públicas de Moçambique (1975-2010). Beira: s.d.
 RODRIGUES, Fátima da Cruz. (2012). Antigos Combatentes Africanos das Forças
Armadas Portuguesas: A Guerra Colonial como Território de (Re) conciliação. Coimbra:
FEUC.
 SILVA, Cristiane Nascimento. (2017). Viver a fé em Moçambique: as relações entre a
FRELIMO e as confissões religiosas (1962-1982). Niterói: s.d.

43
 Artigos
 COELHO, João Paulo Borges. (2002). African Troops in the Portuguese Colonial Army,
1961-1974: Angola, Guinea-Bissau and Mozambique, PORTUGUESE STUDIES
REVIEW 10 (1)): 129-50.
 COELHO, João Paulo Borges. (2003). Da violência colonial ordenada à ordem pós-
colonial violenta: Sobre um legado das guerras coloniais nas ex-colónias portuguesas,
Lusotopie: s.d.
 IGREJA, Victor. (2010). Frelimo‟s Political Ruling through violence and memory in
postcolonial Mozambique. In: Journal of Southern African Studies, 36:4.
 MACAGNO, Lorenzo. (2009). Fragmentos de uma imaginação Nacional. REVISTA
BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 24 No 70.
 MENESES, Maria Paula. (2015). Xiconhoca, o inimigo: Narrativas de violência sobre a
construção da nação em Moçambique. Revista Crítica de Ciências Sociais, 106, 9-52
 RODRIGUES, Fátima. (2019). Vidas deslocadas pelo colonialismo e pela guerra. In
Estudos Ibero-Americanos, Porto Alegre, v. 45, n. 2, p. 49-63.
 THOMAZ, Omar Ribeiro. (2008) “Escravos sem dono” a experiência social dos campos
de trabalho em Moçambique no período socialista. In: revista de antropologia, São
Paulo, USP, v.51 no1.

 Livros
 GOMES, Carlos de Matos. (2013). A Africanização na Guerra Colonial e as suas
Sequela. In MENESES, Maria Paula; MARTINS, Bruno Sena (org.). As Guerras de
Libertação e os Sonhos Coloniais: Alianças secretas, mapas imaginado. Coimbra:
EDIÇÕES ALMEDINA, S.A.,
 HEDGES, David, Aurélio Rocha et al. (1993). História de Moçambique.Moçambique no
auge do colonialismo, 1930-1961. Vol.3.Maputo: Departamento de História,
Universidade Eduardo Mondlane.

44
 MACHEL, Samora Moisés. (1977). O partido e as classes trabalhadoras moçambicanas
na edificação da democracia popular: relatório do Comité Central ao 3º congresso
Maputo: FRELIMO.
 RITA-FERREIRA, António. (1988). Moçambique post-25 de Abril: causas de êxodo da
população de origem europeia e asiática. In AA.VV, Moçambique: cultura e história de
um país. Coimbra: instituto de antropologia.
 Periódicos
 Jornal Noticia.
 Notícias (1982), O partido reúne com os comprometidos. Maputo, 8 de Maio.
 Noticias (1982), Comprometidos: balanço político de um processo. Maputo, 10 de Maio.
 Noticias (1982a), Comprometidos ou Compatriotas. Maputo, 11 de Maio.
 Notícias (1982b), Descolonização mental é o nosso problema actual. Maputo, 11 de
Maio.
 Notícias (1982c), A honra que não mereço. Maputo, 11 de Maio.
 Notícias (1982), O recomeço. Maputo, 3 de Junho.
 Opinião Pública (1982), o comportamento dos ex-comprometidos acompanhado nos
locais de trabalho. 14 de Junho.
 Revista tempo
 Tempo (1982), no 609, Ganhar mais moçambicanos para construção nacional.27 de
Junho. Pp: 32-38.
 Tempo (1982), no 609, vocês ganharam uma pátria. 13 de Junho. Pp. 58.

 Internet
 https://repositorio.ual.pt/bitstream/11144/653/1/A%20Guerra%20Colonial.pdf.
FRAGA, Luís Alves.A guerra colonial (1961-1974). Acesso a 26 de Janeiro de 2021.
 http://www.historiaimagem.com.br PEREIRA, Ione A. M. Castilho; KARAWEJCZYK,
Mónica. O filme como fonte histórica para o historiador. Um estudo de caso: “Memórias
Póstumas” de André Klotzel. In História, imagem e narrativas. No7, ano 3,
setembro/outubro/2008 – ISSN 1808-9895 -

45
5.3. Cronologia

Data Acontecimentos
1945 O fim da II GM e o desenvolvimento do princípio da auto-determinação dos
países subjugados.
1951 As colónias passam a ser designadas províncias ultramarinas.
1961 Abolição do estatuto de indígena
1964 Início da guerra de libertação nacional.
1969 Em Moçambique foram constituídos “Tipo Comandos.”

1970 Foram constituídos Grupos Especiais (GE) e Grupos Especiais Pára-


Quedista (GEP).
1971 Surgiram Grupos Especiais Pisteiros de Combate (GEPC).
1972 O número dos portugueses faltosos no recrutamento atingiu 18.841.
1973 Surgiram as Flechas; os efectivos africanos atingiram cerca de 42%.
1974 Revolução dos Cravos; Assinatura dos acordos de Lusaca; realização da
Operação Limpeza
1975 Proclamação da independência de Moçambique.
1977 Realização do III congresso da FRELIMO
1978 Foram afixadas fotografias e pequenas biografias dos comprometidos nos
locais públicos.
1982 Realização da reunião dos comprometidos.

46
5.4. Notas
As dificuldades financeiras que Portugal enfrentava; os crescentes números de faltosos ou fuga
dos portugueses ao serviço militar; as qualidades que os moçambicanos detinham na recolha de
informações, melhor adaptação no terrenos e muito mais.

2
Estes foram alguns acontecimentos: Demissão do governador-geral, engenheiro Pimentel dos
Santos e nomeação, no encargo do governo, David Teixeira Ferreira; visita de general Costa
Gomes à FRELIMO, procurando publicamente a abertura imediata das negociações sem
condições previas. O general António de Spínola foi investido presidente da República; criação
de governo provisório chefiado pelo democrata moçambicano Dr. Soares de Melo; aparecimento
de vários agrupamentos políticos debilmente estruturado (GUMO, MONA, UDAMO,
CORREMO, MODEMO, etc.); militantes de FRELIMO (jornalista e advogados) ocuparam
postos estratégicos na rádio fusão; greves em cadeia iniciadas em Maio, que afectaram ramos de
actividades tanto nas zonas urbanas, bem como nas rurais, estes exigiam salários melhores e boas
condições de trabalho (RITA-FERREIRA, António:1988).
3
Frente de libertação de Moçambique, o único órgão reconhecido por Portugal para transferência
de poderes por ter, por um lado, lutado durante 10 anos e, por outro, por ter um apoio popular
generalizado. Ver Bernardo (203) citado por Rodrigues (2012: 169)

4
Período de interregno anárquico é o período que medeia o golpe de Estado de 25 de Abril de
1974 e data da posse do governo de transição ocorrido a 20 de Setembro de 1974. (RITA-
FERREIRA)

5
O argumento criado não exprime uma posição do criador mas, uma teoria sobre a luta colonial
e molde revolucionário que conduziram o país ao socialismo. Uma luta contra os princípios do
imperialismo, estágio avançado do capitalismo, fundamentado na exploração de homem para
homem que, para os nacionalistas, esse sistema deveria ser eliminado no Moçambique
independente.

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