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LINDAMAR ETELVINO SANTOS SOARES

ESCOLA DE INICIAÇÃO AGRÍCOLA “GUSTAVO DUTRA”:


O poder disciplinar no contexto do ensino agrícola de Mato Grosso
(1947-1956)

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO


INSTITUTO DE EDUCAÇÃO-IE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO-PROPED
CUIABÁ-2007
1

LINDAMAR ETELVINO SANTOS SOARES

ESCOLA DE INICIAÇÃO AGRÍCOLA “GUSTAVO DUTRA”:


O poder disciplinar no contexto do ensino agrícola de Mato Grosso
(1947-1956)

Dissertação apresentada à Comissão julgadora do Programa de


Pós-Graduação do Instituto de Educação da Universidade
Federal de Mato Grosso, como parte dos requisitos para
obtenção do título de Mestre em Educação na área de
concentração: Educação, Cultura e Sociedade, na linha de
pesquisa: “História da Educação”, sob orientação do Professor
Doutor Nicanor Palhares Sá e co-orientação do Professor
Doutor Lourenço Ocuni Cá.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO


INSTITUTO DE EDUCAÇÃO-IE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO-PROPED
CUIABÁ-2007
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FOLHA DE APROVAÇÃO
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DEDICATÓRIA

Primeiramente a Deus que nunca esquece um filho, mesmo nas horas mais

tristes da vida. E, com certeza, a sabedoria de Deus não nos desampara nos momentos

necessários da nossa existência aqui, na Terra, ao irradiar uma pequena parte do

conhecimento como forma de mostrar a outrem um pouco do grande poder divino.

Aos meus pais e irmãos que compartilharam das minhas vitórias e das

tristezas de tantos dias da vida, respeitando o meu modo de ser e de agir.

Ao meu esposo, por ser a pessoa que soube ouvir e respeitar as minhas

vontades. Em muitos momentos da vida soube até mesmo reconhecer que o silêncio

consistia na melhor forma de responder aos meus questionamentos existenciais. E, além

de ter sido um amigo, não deixou de ser homem ao dispensar seu precioso tempo nos

trabalhos domésticos.

Ao meu professor e orientador Dr. Nicanor Palhares Sá pela paciência em

suportar uma aluna que necessitava dos primeiros passos nos caminhos da escrita

científica. Soube disciplinar, juntamente com o co-orientador Dr. Lourenço Ocuni Cá e

a professora Dra. Elizabeth Madureira Siqueira. Foram grandes mestres a ensinar sobre

a História da Educação e sobre a vida acadêmica.

Aos meus filhos Daniel e Quézia pelos sorrisos de encorajamento. Os

sorrisos fazem levantar seres que necessitam de ânimo para continuar a longa jornada da

vida.
4

AGRADECIMENTOS

Aos meus amigos de trabalho, principalmente, aos professores Abimael

Antunes Marques e Olga Sena que me incentivaram a estudar na Universidade Federal

de Mato Grosso.

Aos meus colegas de mestrado por me incentivarem a continuar a difícil

jornada como mestranda.

À funcionária do PPGE, Luiza Maria Teixeira S. Santos.

AGRADECIMENTOS ESPECIAIS

À professora Dra. Marlene Gonçalves por tantas contribuições para que eu

pudesse prosseguir no trabalho e pelos empréstimos de livros que tanto me ajudaram.

Ao professor Dr. José Carlos Souza Araújo pela leitura paciente e pela rica

colaboração e suporte técnico.

Às bolsistas dos programas e do grupo de pesquisa em História da Educação

da Universidade Federal de Mato Grosso.


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Resumo

O presente trabalho foi desenvolvido no âmbito do Grupo de Pesquisa


História da Educação e Memória (GEM) do Programa de Pós-graduação da
Universidade Federal de Mato Grosso, e tem como proposta primordial demonstrar a
análise da anatomia política da Escola de Iniciação Agrícola “Gustavo Dutra”, atual
Centro Federal de Educação Tecnológica de Cuiabá na perspectiva de seu poder
disciplinador no período de 1947 a 1956 e, secundária do ser saber quanto ao objetivo
de gerir a vida do corpo social. Assim sendo, além de uma fundamentação baseada em
Foucault e em vários outros autores importantes da História da Educação; como
procedimento técnico-metodológico pode-se atentar para a Lei Orgânica do Ensino
Agrícola, bem como Decretos, levantamentos de fontes documentais da própria escola,
depositadas no Arquivo Público de Mato Grosso, nos Arquivos do CEFET-Cuiabá, nas
informações que nortearam os mais diversos periódicos regionais. Consultas a
documentos e fotografias e até mesmo, o estudo das normas disciplinares, através de
entrevistas, são de relevância no interior do trabalho. Época memorial, do fim da
segunda guerra mundial, a Escola de Iniciação Agrícola “Gustavo Dutra”, em termos de
análise, representou um internato modelo em ordem e disciplina muito próximo aos
modelos, apresentados por Foucault.
Palavras-chave: Educação, História da Educação, CEFET-Cuiabá, Escola
de Iniciação Agrícola “Gustavo Dutra”, poder disciciplinar.
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ABSTRACT

The present work was developed in the range of the Group the Inquiry
Historic of the Education and Memory (GEM) of the program of Post-graduation of
University Federal of Mato Grosso, and has as primordial propose demonstrate an
analyze of the politic anatomy of the School of Initiation Agricole “Gustavo Dutra”, at
the present Federal Centre of Technologic Education of Cuiabá in the perspective of its
disciplinal power at the period of 1947 at 1956 and, secondary of to be know as the
objective of geris the life of the social corpus. Like this being, over there a foundation
based in Foucault and in others important authors of the History of the Education, as
tecnic-metodologic proceeding can attempt for the Organic Law of Agricole Teaching,
as decrets, lifting’s of documental resources of the own school, deposited in the Public
Archive of Mato Grosso, in the CEFET’s archive, in the information’s that given the
direction the diverse regional periods. Consulting the documents and photographers and
until, the study of the disciplinary norms, behind of interviews, are the relevance in the
inside of the work. Memorial epoch, of the end the Second Mundial War, the School of
Agricole Initiation “Gustavo Dutra”, in analyze, has represented an model intern in
order and discipline very proximal the model, a presented for Foucault.
Key-Words: Education, History of Education, CEFET-Cuiabá, School of
Initiation Agricole “Gustavo Dutra”, disciplinal power.
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SUMÁRIO

Introdução.............................................................................................. 9

Capítulo I

ARQUIVO ESCOLAR DO CEFET-Cuiabá.......................................12

1- Breve Histórico do Ensino Agrícola...................................................14

2- A Terceira República em Mato Grosso.............................................. 18

3- Fim da Segunda Guerra Mundial ....................................................... 22

Capítulo II

O COTIDIANO ESCOLAR.............................................................. 26

1- Pequenas coisas..................................................................................32

2- O disciplinamento na Gustavo Dutra..................................................35

3-O tempo na escola...............................................................................43

Capítulo III

A ORGANIZAÇÃO DO ENSINO AGRÍCOLA..............................47


1- As Sanções Disciplinares..................................................................51
2- O Assujeitamento..............................................................................55
3- A moralidade.....................................................................................61
8

Conclusão............................................................................................. 67

Lista de figuras
Figura 1- Vista da escola.....................................................................69
Figura 2- Desfile..................................................................................70
Figura 3- Sala de aula dos anos 40.....................................................71
Figura 4- Desfile da escola nos anos 70..............................................72
Figura 5- Banda de música dos anos 50.............................................73
Figura 6- Barragem da escola dos anos 50........................................74
Figura 7- Pátio interno da escola........................................................75
Figura 8- Área de plantio e plantações dos anos 40..........................76
Figura 9- Escola atual..........................................................................77

Referências.......................................................................................... 78
Documentação..................................................................................... 80
9

Introdução

A partir do século XX, os estudiosos da História da Educação, têm


procurado fazer uma pesquisa mais sistemática nas Instituições Educacionais, como
afiança Décio Gatti Júnior (2002). Assim sendo, uma das diversas curiosidades e
interrogações, para a realização desta pesquisa, estão relacionadas à interpretação com
relação ao cotidiano escolar da Escola de Iniciação Agrícola “Gustavo Dutra”, na
formulação de análises dos anos de 1947 a 1956. E por fazer parte do corpo docente da
referida Instituição de Ensino, um conjunto de questionamentos surgiu quanto à
constituição da escola desde suas origens. Muitas vezes, as questões estão relacionadas
à cultura escolar da passividade, do silêncio, da submissão dos alunos apontados por
colegas de trabalho, dos desvios das moralidades; geralmente professores que estavam
prestes a se aposentar, relatam nos anos 90, histórias antigas do educandário. Assim,
pretende-se ampliar, de forma crítica, as pesquisas relacionadas ao educandário,
principalmente como Escola de Iniciação Agrícola “Gustavo Dutra” no conjunto
educacional de Mato Grosso, entre 1947 (Escola de Iniciação Agrícola) até novembro
de 1956(Escola Agrícola Gustavo Dutra). O Centro Federal de Educação Tecnológica
de Cuiabá, localizado na BR 364 – KM 329 – São Vicente da Serra, município de
Santo Antônio de Leverger/ Mato Grosso recebeu várias denominações, a primeira foi
Aprendizado Agrícola “Gustavo Dutra”, em 1943 e, logo em seguida, Escola de
Iniciação Agrícola “Gustavo Dutra”. Uma dissertação anterior sobre O Aprendizado
Agrícola “Gustavo Dutra”: seu papel e importância no contexto agrícola de Mato
Grosso (1943-1947) foi desenvolvida pelo professor Abimael Antunes Marques. O
trabalho atual tem como objetivo apresentar uma análise da formação dos discentes
mato-grossenses e a anatomia política na perspectiva de seu poder disciplinador. A
abordagem empregada, no correr do trabalho, está apoiada nos relatórios dos dirigentes,
dos guardas dos anos 40 e 50, nos depoimentos orais de antigos professores da Terceira
República em Mato Grosso, no levantamento de fontes documentais dos Arquivos do
Centro Federal de Educação Tecnológica, do Arquivo Público de Mato Grosso. O
processo de coleta de dados e informações foi importante para a compreensão dos
dispositivos teórico-metodológicos, incluindo técnicas como a da História Oral,
utilizada no aprofundamento das interpretações sobre os dispositivos disciplinares.
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No capítulo inicial, pretende-se estudar a História da Educação Agrícola no


Brasil e em Mato Grosso a partir da correlação com a História do Brasil e História
regional.
O segundo capítulo tem como norte fundamental a perspectiva do poder
disciplinador, tanto no construto espacial como no temporal. Assim sendo, o capítulo
retrata as novas atitudes educacionais que são colocadas para lidar com os discentes e
para propiciar a formação do trabalhador rural mato-grossense. De acordo com Michel
Foucault, a “disciplina é uma anatomia política do detalhe”(FOUCAULT, 2004, p.120).
Não há como, então, não analisar o educandário “Gustavo Dutra” na perspectiva do
poder disciplinador, desde as distribuições das atividades, no controle das atividades e
até mesmo na disposição dos objetos aos alunos confiados.
No último capítulo, estabelece-se a relação de todo o processo disciplinar
na instituição, na formação do ser pessoal e na esfera organizacional. Então, na
pesquisa, discute-se o ensino agrícola brasileiro, principalmente o mato-grossense, até
mesmo quanto à veracidade de sua vocação agrícola. Uma Investigação da problemática
do ensino agrícola, no educandário “Gustavo Dutra”, quanto à formação profissional,
análise da anatomia política e na perspectiva do seu poder disciplinador e, finalmente, o
ser humano e a instituição observados de uma maneira de saber e de poder.
Utilizam-se como referências teórico-metodológicas, baseadas na História
das Instituições Educacionais Agrícolas, primordialmente Maria Laura P. Barbosa
Franco e Lima dentre outros, assim como, a incursão pela Cultura Escolar está
assentada em Dominique Julia, para quem “a cultura escolar é descrita como um
conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um
conjunto de práticas que permitem a transmissão desses comportamentos” (JULIA,
2001, p. 9). Fundamentalmente, nos baseamos em Foucault, para quem a disciplina atua
para formar o indivíduo, pelo controle do espaço, do tempo, da atividade e pela
utilização de instrumentos como a vigilância e o exame. Para gerir a vida do corpo
social, a sexualidade, a moralidade não atuam unicamente para formar o indivíduo, mas,
com o objetivo de gerir a vida do corpo social.
Finalmente, o discente no interior da Escola de Iniciação Agrícola “Gustavo
Dutra” responde todo um processo modelar de conduta muito próximo à sociedade
disciplinar e apresenta uma construção de idéias de liberdade de expressão como ser
humano que disponibiliza os dispositivos de dominação, de assujeitamento e de
correspondência aos padrões de moralidade de uma época.
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12

Capítulo I

ARQUIVO ESCOLAR DO CEFET-Cuiabá

O arquivo do estabelecimento possui uma variedade de documentos que


permite encontrar ricas informações sobre a história das instituições que o produziram.
Assim sendo, o processo de investigação no arquivo da escola de Iniciação Agrícola
“Gustavo Dutra” foi realizado no sentido de encontrar subsídios sobre a trajetória da
instituição de ensino.
Foi identificado um diverso e extenso acervo documental, embora com
organização ainda precária em virtude de ainda estar em processo de organização por
parte do grupo de Educação e Memória da Universidade Federal de Mato Grosso.
Este capítulo tem como objetivo demonstrar a situação de guarda e
organização do acervo, além da relação de alguns documentos da instituição, no período
de 1947 a 1956, com fatores relacionados à História do Brasil e de Mato Grosso.
Desde 1943, os pais de alunos, professores, funcionários e a direção da
escola já pensavam em organizar um arquivo, com a finalidade de preservar os
documentos do processo histórico dessa modalidade de ensino. Em 1944, para melhor
desempenho de atividades escolares, começou a funcionar uma espécie de arquivo
acadêmico junto à Secretaria Escolar do Aprendizado Agrícola, onde eram guardados
todos os documentos relacionados à vida dos estudantes que ali ingressavam, tais como:
históricos escolares; fichas escolares de aproveitamento e freqüência; portarias; demais
atos referentes aos alunos; diários de classe, livros de atas; livros de registros de
diplomas e certificados etc.
Além destes documentos, foram guardadas também fotos dos eventos
realizados pela escola ou dos quais a escola participou. Esse arquivo, principalmente o
iconográfico, passou a ser exibido em importantes solenidades da instituição de ensino
como forma de documentário histórico da escola.
Com o passar dos anos, o arquivo ficou muito disperso e muitos documentos
foram perdidos. Como consta em portaria interna n 33, de 11 de outubro de 1946, assim
redigida:
13

Não sendo hoje encontradas as Portarias de Ordem de Serviço


interno, de penalidades e avisos, em sua maioria, em busca que fiz
juntamente com o Sr. Benedicto Pereira Leite, ou mais
esclarecidamente tendo sido encontrado pelo Sr. Pereira Leite, acima
mencionado apenas a parte dessas Portarias completamente vazia e
sem um único papel, conforme declarou-se o mesmo Sr. Pereira
Leite, resolvo constituir uma comissão composta do servidor aqui
mencionado: Benedito Pereira Leite, guarda, Antonio do Nascimento,
roupeiro, e Flávio de Matos, guarda de alunos, para darem uma
busca nos arquivos deste A.A.12, a fim de descobrir o paradeiro
dessas Portarias. Outrossim, determino que, desta data em diante, a
contar da Portaria s/n de 26/09/46, sejam as mesmas transcritas neste
livro de Registro de Portarias. Gustavo Dutra,11/10/46.

Hoje, alguns documentos encontram-se guardados em locais variados como


na Direção Geral, no Departamento Educacional e até mesmo em arquivos particulares
de antigos professores e funcionários da escola. Outros se encontram expostos nos
quadros de vidro da Biblioteca Escolar. A reorganização desse arquivo escolar tem sido
de interesse coletivo desta unidade de ensino, destacando o fato de que ele possibilita a
recuperação do processo histórico escolar a partir da preservação das fontes primárias e
iconográficas, bem como a importância que se presta à realização de pesquisas. Dentre
as iniciativas de organização do acervo existente na escola, vale ressaltar o trabalho de
Marques (2005) que utilizou significativa documentação do CEFET-Cuiabá para
discutir o papel e a importância do Aprendizado Agrícola no contexto de sua
implantação e o atual trabalho desenvolvido pela professora Lindamar Etelvino Santos
Soares intitulado Escola de Iniciação Agrícola “Gustavo Dutra”: o poder disciplinar
no contexto do ensino agrícola de Mato Grosso (1947-1956).
Por fim, pode-se dizer que diferentes olhares podem ser lançados em direção
ao conjunto de documentos para a compreensão do universo educacional da época. Os
textos, objetos, imagens fotográficas, depoimentos, entre outros; estabelecem uma
melhor interpretação de todo um processo histórico que permitiu, em diferentes épocas,
vários dispositivos para a constituição de uma sociedade disciplinar. Logo:

Colocou-se então o problema de uma relação específica de poder sobre os indivíduos


enclausurados que incidiu sobre seus corpos e utilizava uma tecnologia própria de
controle. E essa tecnologia não era exclusiva da prisão, encontrando-se também em outras
instituições como o hospital, o exército, a escola, a fabrica [...]. Foi esse tipo específico de
poder que Foucault chamou de disciplina ou poder disciplinar. E é importante notar que
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ela nem é um aparelho, nem uma instituição, na medida em que funciona como uma rede
que atravessa sem limitar as suas fronteiras. Mas a diferença não é apenas de extensão,
mas de natureza. Ela é uma técnica, um dispositivo, um mecanismo, um instrumento de
poder, são ‘métodos que permitem o controle minucioso das operações do corpo, que
asseguram a sujeição constante de suas forças e lhes impõem uma relação de docilidade-
utilidade... (FOUCAULT, 2005, p. 18).

1-Breve Histórico do Ensino Agrícola

O início da educação agrícola regular ou formal com escola, aluno e


professor surge somente no final do período imperial, instituições profissionalizantes de
educação agrícola voltadas à formação de agrônomos.
Segundo Franco (1987), o primeiro estabelecimento instituído aos 23 de
junho de 1875, apoiou-se na Carta Régia de 25 de junho de 1812, e foi denominado
Imperial Escola Agrícola da Bahia, no Engenho de São Bento das Lages, comarca de
Santo Amaro, a única escola agrícola do Brasil até 1890.
Inaugurada somente em 1877, a Escola iniciou os seus cursos em dois graus:
o elementar e o superior. O primeiro habilitava os trabalhadores agrícolas, e o superior
formava agrônomos, engenheiros agrícolas e veterinários. A primeira turma da escola
da Bahia formou-se em 1880, foram 74 formandos. Afora a instituição bahiana, os
estudantes tinham apenas por opção estudar nas escolas estrangeiras que se valiam de
uma orientação europeizante de estudos agronômicos. Muitos brasileiros, da época, se
formaram em Zurique, Stutgart, França ou Coimbra.
De lá para cá, instituições foram criadas no Brasil ainda no período imperial,
mais três escolas agrícolas, uma em Pelotas(RS), outra em Piracicaba(SP) e a terceira
em Lavras(MG). Aos poucos, as escolas dirigiram-se também para formação de
veterinários e, por volta de 1890, transformaram-se em Liceus de Agronomia e
Veterinária.
Diligências mais concretas na formação de profissionais para agricultura só
ocorreram no término do período imperial e na primeira fase da República.
15

A necessidade de introdução de inovações na agricultura para salvaguardar a


economia cafeeira fez com que fossem valorizadas as criações de escolas agrícolas na
primeira fase da República.
Esse tipo de ensino passou a ser enaltecido, tido como forma de
transformação da população rural, de improdutiva, para produtiva. A antiquada
tecnologia passou a ser substituída por técnicas consideradas mais sofisticadas.
No início do século XX, técnicos, em sua maioria alemães e norte-
americanos, prestaram consultorias relacionadas ao incremento do setor agrícola. A
modernização através do ensino agrícola era vista com bons olhos, concebida a partir da
importação do sofisticado modelo norte-americano.
Na primeira fase da República, foram criadas instituições estatais
responsáveis pelo controle e formação de profissionais em todos os níveis para melhorar
a agricultura brasileira. Assim sendo, em 1906, fundou-se o Ministério da Agricultura
Indústria e Comércio e o Ensino Agronômico, sob a subordinação do Ministério da
Agricultura, estabelecido pelo Decreto número 8.319 de 20 de outubro de 1910. De
1910 a 1930 foram criadas dezessete escolas agrícolas fornecedoras de cursos de
agronomia e veterinária.
Em mensagem ao Congresso Nacional, em 1911, o Presidente da República
Marechal Hermes Rodrigues da Fonseca se empenhou no sentido de execução de
dotações orçamentárias para concretização do Decreto número 8.319. Através da
execução do dispositivo orçamentário, mencionou a criação da Escola Agrícola da
Bahia e do Aprendizado Agrícola anexo, por força dos Decretos números 8.584 de 1º de
março de 1911 e o 8.607, de 08 de março do mesmo ano. Anunciou também o
funcionamento, no mesmo ano, da Escola Média ou Teórica Prática do Rio Grande do
Sul; a Escola de Agricultura, anexa ao Posto Zootécnico Federal, o Aprendizado
Agrícola da Bahia e outros estabelecimentos instalados em 1911. Ainda no
pronunciamento, é citada a criação de novas instituições agrícolas.
Em 1911, existiam oito aprendizados agrícolas localizados em São Paulo,
Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Bahia, Alagoas, Pará e Maranhão.
Em 1916, reduziu-se em cinco os aprendizados, um em Minas Gerais, outro no Pará, um
no Rio Grande do Norte e dois na Bahia. A redução ocorreu como forma de contenção
orçamentária.
O governo brasileiro por muito tempo não se importou com a construção de
aprendizados agrícolas, e existia um contingente um pouco maior de universidades
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voltadas para formação de agrônomos e veterinários. Preocupados mais em explorar as


fontes extrativistas do país, somente na segunda metade do século XX, começam a dar
atenção a esse setor:

Somente após a completa extinção dos bens que a natureza nos


agraciou é que o governo redirecionou o seu plano de trabalho.
Mesmo assim, apenas a partir da segunda metade do século XX, os
dirigentes nacionais perceberam que o setor agropecuário era
merecedor de um pouco mais de atenção, pois o país capengava com
a falta de tecnologia para produzir no campo. O impulso necessário à
criação de novas tecnologias para o campo só surgiu quando da
criação das escolas agrícolas, aprendizados agrícolas e universidades
voltadas para o ensino agropecuário (MARQUES, 2004, p. 18).

A criação da Escola “Gustavo Dutra” ocorreu em 1943, sua primeira


denominação foi Aprendizado Agrícola “Gustavo Dutra”, em homenagem a Gustavo
Dutra, o primeiro diretor da Escola Superior de Agronomia e Medicina Veterinária da
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. A universidade mencionada foi criada
em 1910 pelo Presidente da República Nilo Peçanha e pelo Ministro da Agricultura
Rodolfo Nogueira da Rocha Miranda, o qual estabeleceu as bases fundamentais do
ensino agropecuário no Brasil.
Com o Estado Novo, nos anos 30, surgem mecanismos de controle que
garantiam um Estado forte e autoritário, representante dos interesses das oligarquias
rurais. As burguesias agroexportadoras favoreceram-se com o novo regime pela
intervenção do governo, protegendo a economia, através da criação de novos
organizadores centralizadores de crédito agrícola, adquiridos no exterior, pela mesma
estrutura agrária (dominada por grandes propriedades), pela exploração das condições
de trabalho.
Pelo Decreto Lei número 2.832, de 04 de novembro de 1940, foi criada a
Superintendência do Ensino Agrícola e Veterinário- SEAV- subordinada ao Ministério
da Agricultura. Todas as escolas agrícolas passaram a ser subordinadas a este órgão.
Maria Laura P. Barbosa Franco menciona a função da SEAV, baseada em
Calazans:

Esse órgão configurou-se como muito importante, pois todas as


escolas agrícolas passaram à sua subordinação devendo ajustarem-se
ao Padrão de Ensino Agronômico e Veterinário instituído pela
referida superintendência . Cabia, pois, à SEAV a responsabilidade
17

de fiscalizar todas as escolas agrícolas, registrar seus diplomados,


aprovar os currículos propostos pelas escolas novas ou as
modificações sugeridas pelas já existentes para que assim fosse
mantida uma uniformidade padrão em todos os estabelecimentos de
ensino agrícola. Além disso “competia à SEAV orientar e fiscalizar o
ensino agrícola em seus diferentes graus, fiscalizar o exercício das
profissões de agronomia e veterinária, ministrar o ensino médio
elementar de agricultura, promover a educação direta das populações
rurais, e realizar estudos e pesquisas educacionais aplicados à
agricultura” (CALAZANS, 1979, p. 86).

Eurico Gaspar Dutra, em mensagem apresentada ao Congresso Nacional,


em 1947, na abertura da sessão legislativa, mencionou a grande deficiência de técnicos
em agricultura e pecuária no Brasil. O ponto de partida para salvaguardar a economia
nacional foi dado a partir da promulgação da Lei Orgânica do Ensino Agrícola, pelo
Decreto-Lei número 9.613, de 20 de agosto de 1946.
Em 1946, o Ministro Raul Leitão da Cunha regulamentou o Ensino Primário
e o Ensino Normal, além de criar o SENAC (Serviço Nacional de Aprendizagem
Comercial), para atender as modificações exigidas pela sociedade, após a Revolução de
1930.
Dutra apresentou, em pronunciamento, a importância da Lei Orgânica como
forma de ampliação de técnicos e substituição dos velhos métodos por técnicas de
introdução em larga escala de recursos mecânicos.
Com a queda de Getúlio Vargas e a promulgação da Lei Orgânica, ocorreu a
regulamentação do ensino agrícola de nível médio. A Lei Orgânica do Ensino Agrícola
ocorreu em um período de realização das eleições e da elaboração de uma nova
Constituição que pretendia a independência dos poderes e a autonomia dos Estados,
entretanto, como afiança Franco (1987), a marca autoritária e centralizadora dos
regimes ditatoriais por funcionar estabelecimentos de ensino agrícolas federais ainda
mantidos e administrados sob a responsabilidade direta da União, como consta no artigo
54 da referida Lei.
A Lei Orgânica dá providências na constituição de outras modalidades de
ensino, os equiparados e reconhecidos. Os equiparados seriam mantidos pelos Estados e
os reconhecidos, pelos Municípios ou por pessoas naturais ou jurídicas. Só que, os
estabelecimentos de ensino agrícolas equiparados ou reconhecidos não poderiam
funcionar sem prévia autorização do Ministério da Agricultura. A inspeção dos
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estabelecimentos se fazia somente sob o ponto de vista administrativo e também com o


caráter de orientação pedagógica.

2- A terceira república em Mato Grosso

Conforme o historiador Lenine C. Póvoas, os anos de 1945 a 1964 foram


marcados pela terceira república em Mato Grosso. Com o fim do Estado Novo, em
virtude do movimento revolucionário de 29 de outubro de 1945, José Linhares,
Presidente do Supremo Tribunal Federal, ficou transitoriamente na Presidência da
República, e os governos estaduais foram confiados aos presidentes dos Tribunais de
Justiça dos Estados até a eleição para Presidência da República e retorno da Assembléia
Nacional Constituinte.
No governo do Presidente da República, o mato-grossense Eurico Gaspar
Dutra, foi instalada a Assembléia Constituinte no Brasil. A nova Constituição
estabeleceu o voto direto, secreto e obrigatório para homens e mulheres maiores de 18
anos, entretanto, os analfabetos e negros ainda não podiam votar.
Em 1950, Getúlio Vargas voltou à Presidente da República, principalmente
por causa da popularidade, após a vitoriosa campanha “O petróleo é nosso”. Monteiro
Lobato, escritor pré-modernista, foi uma das celebridades que participou da campanha
de Vargas. No governo de Vargas foi criada a Petrobrás.
Quatro governadores foram eleitos em Mato Grosso no período da terceira
república, de 1947 a 1964, foram eles:
-Arnaldo Estevão de Figueiredo (08/04/1947 a 02/07/1950);
-Fernando Corrêa da Costa (31/01/1951 a 31/01/1956);
-João Ponce de Arruda (31/01/1956 a 31/01/1961);
-Fernando Corrêa da Costa (31/01/61 a 31/01/1966).
A Terceira República em Mato Grosso passou a ser mais evidenciada no
interior do processo de interpretação da Escola de Iniciação Agrícola “Gustavo Dutra”
no período de 1947 a 1956, isto é, sem ultrapassar a época do CEFET-Cuiabá como
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Escola de Iniciação Agrícola “Gustavo Dutra”; os períodos do governador Arnaldo


Estevão de Figueiredo e Fernando Corrêa da Costa foram mais ressaltados.
Após a Segunda Guerra Mundial, o Sudeste e o Sul do país se vêem
marcados pela explosão populacional, o que ocasionou o aumento dos valores das
terras:

Começa o efetivo interesse por Mato Grosso, pelos seus campos e pelas
suas matas. O preço pelo qual se vendia um pequeno sítio em São Paulo
ou no Rio Grande do Sul dava para adquirir um quase latifúndio em
Mato Grosso. Único problema eram as enormes distâncias e a
dificuldade de transportes (PÓVOAS, 1985, p. 112).

Com o Decreto 8.463, de 27 de dezembro de 1945, a Lei Joppert, no


governo José Linhares, o Brasil adotou uma política nacional de transporte, pois foi
criado o Departamento Nacional de Estradas e Rodagem (DNER). A construção da rede
rodoviária estadual integrada na nacional teve início na administração do governador,
engenheiro agrônomo, Arnaldo de Figueiredo.
Póvoas (1985) relata os anos de quarenta e cinqüenta, marcados pela
especulação intensa das terras; muitos colonos fixados não obtiveram sucesso na
produção, acabando por vender as suas terras a outros mais bem sucedidos e eram
formados latifúndios improdutivos vendidos por grandes somas no Rio de Janeiro e São
Paulo. As terras chegavam a serem vendidas várias vezes a pessoas diferentes, pois
representavam um bom investimento de capital.
Na década de 50, homens brancos, pobres, que não possuíam renda
suficiente para adquirir terras, ocupavam as terras consideradas improdutivas. Eles eram
caracterizados como posseiros.
Em nome do desenvolvimento e do progresso, espaços ditos “vazios” eram
ocupados pelos brancos defensores dos ideais capitalistas e a empreitada levava à
destruição de várias matas fechadas, além, é claro, de exterminar muitas civilizações
indígenas:

“ [...] na década de 50, tais operações para limpar a área “ganharam


proporções alarmantes, resultando no extermínio de quase todas as
aldeias Cinta-Larga situadas entre os rios Juruena e Aripuanã. Um
20

desses crimes-o massacre do paralelo 11, promovido pela Firma Arruda


e Junqueira, ganhou repercussão inclusive na imprensa internacional,
gerando severas denúncias sobre a prática de genocídios de índios no
Brasil” (OPAN-CIMI/MT, 1987, p. 103).

A política estadual de colonização de Mato Grosso foi evidenciada tanto no


governo de Arnaldo de Figueiredo como no de Fernando Corrêa da Costa, o que levou a
um aumento populacional, chegando a cifra de 1.623.618 no período de 1950 a 1970.
Quanto à política de colonização do estado de Mato Grosso no governo do
Dr. Arnaldo de Figueiredo, Lenine Povoas considerou:

O Dr. Arnaldo de Figueiredo deu ênfase à política de colonização do


Mato Grosso, dela fazendo o ponto alto de seu Governo. Foram
criadas colônias no vale do Rio São Lourenço, em Barra do Bugres e
na região do Bodoquena, no sul do Estado. O Governador que lhe
sucedeu, Fernando Correa da Costa, vencedor das eleições de 3 de
outubro de 1950, tendo como Vice-Governador João Leite de Barros,
prosseguiu nessa política, instituindo os “contratos de colonização”,
mediante os quais firmas particulares idôneas se comprometiam a
fundar núcleos de colonização, em áreas que lhes eram destinadas
pelo Governo Estadual, abrindo estradas, escolas, hospitais etc.
Loteando terras devolutas, agiam como intermediários entre os
colonos compradores e o Estado, em cuja intermediação ganhavam o
necessário para o cumprimento de suas obrigações contratuais e
amealhavam seus lucros (PÓVOAS, 1985, p. 113).

Em mensagem apresentada à Assembléia Legislativa, por ocasião da


abertura da sessão Legislativa de 1949, o Doutor Arnaldo Estevão de Figueiredo,
governador do estado de Mato Grosso, fez o seguinte pronunciamento que evidenciou
preocupação com a colonização do Estado:

Os meus antecessores muito se preocuparam com a colonização do


Estado, porém, pouco ou nada conseguiram realizar nesse sentido.
Desde que assumi o Governo do Estado, tem sido ele também, a
minha preocupação, tanto assim que, para resolver esse problema
complicado- o de fixação do homem à gleba e aproveitamento dos
seus esforços para amanhá-la e torná-la produtiva, vem meu
Governo, reservando ótimas áreas de terras, situadas nas melhores
zonas do Estado. Pensamos que ao findar a nossa gestão à frente dos
destinos do Estado, alguma cousa de concreto, tenhamos feito em
benefício da sua colonização. Assim, foram já tomadas pelo
Governo, por intermédio do Departamento competente, enérgicas e
21

inadiáveis providências a-fim-de serem demarcadas e loteadas as


terras reservadas para as Colônias de “Mutum”, “Paraíso”, “Capão
Negro” e “Rondonópolis”. Além das providências que acabamos de
mencionar, conseguimos também introduzir, na zona suburbana desta
Capital, à margem do ribeirão da Ponte, inúmeros colonos japoneses,
colonos esses que têm dado a máxima prova de trabalho e produção
(Arquivo Público do Estado de Mato Grosso, 1978, p. 47).

A deficiência de transportes muito dificultou as Companhias, embora


continuasse uma luta para abrir rodovias em Mato Grosso. Durante o governo Fernando
Corrêa houve a preocupação com a energia elétrica e foram da iniciativa dele que se
construíram as principais usinas hidrelétricas, destacando-se a Usina número 2 do Rio
da Casca.
Ainda com relação ao Departamento de Terras e Colonização, o próprio
Governador do Estado João Ponce de Arruda, em Mensagem apresentada por ocasião da
sessão legislativa de 1956, ponderou:

Superintendente, no momento, este Departamento, o setor principal


das atividades afetas à Secretaria, da Agricultura, cabendo-lhe
processar até final, os pedidos de compras de terras devolutas no
Municípios do Centro, Leste, Norte e Oeste do Estado, atividade que
tanta celeuma deu causa no último período governamental, quando a
aquisição de terras públicas por particulares se transformara numa
desenfreada e inescrupulosa atividade de lucros fáceis e de
aglutinação de fortuna rápida, fazendo surgir conflitos de interesses
os mais variados, que acabaram muitas vezes, em violações de
direitos os mais legítimos, em benefícios de traficantes de terras ou
de apaziguados políticos, e quase sempre com sacrifício do
verdadeiro e humilde colono que é o elemento de que Mato Grosso
verdadeiramente carece. Enquanto aos pequenos se fechavam as
portas do D.T.C através de dificuldades de toda ordem, aos seus
dirigentes e a terceiros apadrinhados de dirigentes ou a estes
associados, se abriam elas numa exibição inusitada, em que firmas
nem sempre honestas, transformavam as dependências do D.T.C em
seus escritórios particulares, muitas vezes dirigidos por servidores ali
lotados adredemente... ( MATO GROSSO, 1956, p. 67).

Desde a era Vargas, com a campanha “Marcha para Oeste”, isto é, a


política de incentivo à ocupação do interior brasileiro, o preenchimento das imensas
áreas “vazias” foi valorizado juntamente com a exploração das riquezas naturais. Os
22

colonos preferidos na Marcha, não eram os nativos ou próximos às características


regionais, mas sim, os sulistas de origem européia, ansiosos pelo progresso. Depois da
Segunda Guerra Mundial, as áreas de Mato Grosso foram ainda mais exploradas e suas
fronteiras agrícolas incentivadas.
Foi nesse cenário de transformação do Estado de Mato Grosso, no qual os
governantes abriam fronteiras agrícolas nas terras inexploradas do Centro-Oeste, que se
desenvolveu a Escola de Iniciação Agrícola “Gustavo Dutra”.
Os alunos vinham dos mais variados rincões do Estado. Em documentos
internos da Escola pode-se observar que havia alunos de Jaciara, Poconé, Cuiabá etc. Os
educandos, no afã das novas fronteiras agrícolas que se abriam em Mato Grosso,
deixavam de lado os conflitos da própria existência carregada de significação, onde
áreas eram devastadas pela sede de riquezas e poderio, e viam a escola como uma
novidade que os iria ajudar a entrar nesse mundo novo que se delineava.
Assim, o sistema educacional passou a representar um elemento importante
para a estabilidade de um sistema produtivo agrícola, principalmente no que tange ao
caráter técnico que poderia facilitar a produtividade e a fartura, tão incentivada na
época. O alargamento de fronteiras agrícolas fez surgir o ideal e as práticas de
incentivos a produção agrícola nacional mediante uma série de práticas retóricas de
formação e expansão do mercado de trabalho.

3-Fim da Segunda Guerra Mundial

A Escola de Iniciação Agrícola “Gustavo Dutra” (1947-1956) começou a


funcionar efetivamente no período próximo ao fim da Segunda Guerra Mundial, assim
sendo, os reflexos de todo esse processo, que culminou na transformação econômico-
político-social das gerações que dela participaram, também se externaram na instituição
de ensino.
A Segunda Guerra Mundial iniciou em setembro de 1939, quando tropas
alemães invadiram a Polônia. De um lado, estava o Eixo, liderado pela Alemanha, Itália
e Japão; do outro, os Aliados, França, Reino Unido, Estados Unidos, União Soviética e
China.
23

O Brasil que suspendeu relações diplomáticas com os regimes totalitários,


em 1942, declarou guerra aos países do Eixo, depois que algumas embarcações
brasileiras foram torpedeadas. Entretanto, somente em 1944, soldados brasileiros da
FEB (Força Expedicionária Brasileira), os famosos pracinhas, foram enviados para lutar
em solo europeu. Cerca de 25 mil soldados brasileiros chegaram à região de Monte
Cassino, na Itália.
A guerra terminou em maio de 1945, com a vitória dos Aliados.
Aproximadamente, 35 a 60 milhões de pessoas foram mortas, entre elas um grande
número de civis. Por volta de 500 pracinhas, mortos nos campos de batalha na Itália.
Cidades foram destruídas, indústrias também e as zonas rurais, arrasadas. As nações
ficaram com dívidas incalculáveis depois da Segunda Guerra Mundial.
Com o final da guerra, em 1945, foi criada a ONU (Organização das Nações
Unidas) com o objetivo principal de manutenção da paz mundial. Na época, começava
um período conhecido como Guerra Fria, no qual Estados Unidos e União Soviética se
colocaram em lados opostos. Os dois procuraram ampliar sua área de influência sem
entrar em conflitos armados, uma política geopolítica entre o capitalismo norte-
americano e o socialismo soviético.
Com a derrota das potências fascistas, em 1945, surge no cenário brasileiro
um clima de liberdade. Em eleições livres e diretas, os brasileiros elegem o General
Eurico Gaspar Dutra. Era o fim da ditadura do Estado Novo.
Gaspar Dutra em pronunciamento ao Congresso Nacional, na abertura da
sessão legislativa, proferiu a respeito da democracia e os novos rumos da educação
nacional:

Os problemas de educação merecem consideração primacial, pois que


a eles se acham diretamente ligadas as possibilidades do êxito da
democracia em nosso país, sem do certo que a prática de seus
postulados só poderá ser plenamente alcançada quando se alicerçar
numa opinião pública consciente e esclarecida por sólida e
generalizada educação. Por muito que tenhamos progredido durante
os últimos anos, devemos reconhecer que o nosso sistema educativo
ainda está longe de ser, como devera, poderoso instrumento
assegurador da igualdade de oportunidades. No aparelhamento e na
qualidade de seu sistema educativo é que os povos civilizados
encontram o mecanismo seguro para valorização do seu potencial
humano e sua integração produtiva na vida da coletividade.
Cotejando os mais recentes dados do nosso crescimento demográfico
com os do nosso movimento escolar, verificamos que sobre uma
população total estimada, para 1946, em cerca de 46 milhões e 700
mil habitantes, contamos com perto de 23 milhões e 200 mil menores
24

de 18 anos; assim, quase cinqüenta por cento de nossa população


está, pela sua idade a exigir que o Estado atenda ao seu direito a uma
educação sadia e construtiva, que os habilite, de futuro a colaborar
eficientemente para prosperidade e grandeza do País. Sobre este
amplo fundo demográfico, o quadro de nossas realidades culturais e
educativas é, ainda, acanhado e diminuto (INEP, 1987, p. 157).

De acordo com documento do Ministério da Agricultura, aos 13 de fevereiro


de 1948, a Escola de Iniciação Agrícola “Gustavo Dutra” contou com a colaboração de
um ex-expedicionário para vaga a existente de Operário Agrícola. Na época, foi enviada
carta à apreciação do Excelentíssimo General Eurico Gaspar Dutra que foi enviada por
este para competência da SEAV e, logo em seguida, para a própria instituição de ensino,
com deferimento. Em primeira instância, o pedido foi apenas de servente:

Cuiabá, 24 de dezembro de 1947.Ilustríssimo Sr. General Eurico


Gaspar Dutra.Prezado amigo.O emprego pleiteado pelo meu filho
expedicionário...que era na Saúde Pública Federal conforme
telegrama de Vossa Excelência, em meu poder depende de concurso
e ele não está apto a enfrentá-lo. Isto, me referindo ao primeiro
pedido.Agora, há uma vaga na Escola Agrícola “Gustavo Dutra” (S.
Vicente) que não depende de exigência de concurso.Dei já passos,
junto ao Doutor..., diretor da repartição, o qual me disse que aceitaria
o rapaz, desde que ele fosse nomeado.Ora, assim, sendo tenho que,
mais uma vez, solicitar-lhe o obséquio de Vossa Excelência nomeá-lo
para esse lugar de Servente, até que haja outra colocação melhor, pois
a minha situação aqui é aflitiva com 10 filhos, valendo somente de
minha aposentadoria da Imprensa Oficial com 300 cruzeiros mensal,
só esperando a ajuda do meu filho a fim de minorar a minha
situação.Desde já agradeço-lhe, pedindo a Deus graças para todos da sua
Excelentíssima família. Atenciosamente:...............

Em consulta ao Arquivo do Centro Federal de Educação Tecnológica de


Cuiabá foi proporcionada a identificação do documento. A carta passou a ser
identificada como um elemento importante na constituição do corpo institucional da
escola, pois o ex-expedicionário exerceu a função de Operário Agrícola. Além dele, em
estudo, na relação de funcionários e professores da Escola de Iniciação Agrícola
“Gustavo Dutra”, foi identificado um grande número de elementos que fizeram parte
das corporações militares da época, ou pessoas de conduta ilibada dentro das
instituições religiosas, principalmente, da Igreja Católica Apostólica Romana. Também,
como representação das instituições religiosas, dentro da área escolar, foi, naquela
época, a presença de um prédio em frente ao pavilhão pedagógico que abrigava tanto
uma escola rural isolada como uma pequena Igreja Católica. Então, a grande gama de
25

militares e religiosos, além de uma igreja dentro das imediações da escola, levam a uma
reflexão com relação ao ideário desenvolvido, nos anos 40 e 50, em suma, a formação
dos educandos da época estava relacionada a uma conduta próxima da organização de
instituições militares que resguardavam dispositivos disciplinares de conduta e
formação de valores.
Uma análise mais detida da instituição visualiza, também, um funcionário
sargento da corporação militar que ensinava, poderia dizer, os primeiros acordes
musicais aos discentes, além de dar instruções de procedimentos e normas militares. O
professor Albertino, reconhecido na escola por seus dotes musicais, foi apontado em
várias entrevistas como pessoa responsável pela banda da escola. Em entrevista, o
professor Destéfani, assim menciona o Professor Albertino:

Quando cheguei na escola já existia o hino da escola. A letra é


dele e a música do maestro Albertino. Mestre Albertino fez a
música que tinha uma banda muito boa, a banda da escola. A
capacidade dele, era também professor. Professor de música.
Tinha uma banda muito boa. Ele pegava os alunos que tinham
mais talento para música. Em poucas semanas, já faziam parte
da banda. Ele era fora de série.

Não existia concurso público para o ingresso de servidores na Gustavo


Dutra e a entrada baseava-se em critérios estabelecidos de cima para baixo. Primeiro
vinha como indicação por parte dos órgãos de decisão como o Ministério da Agricultura
e a SEAV e, logo em seguida, se houvesse vaga para determinado cargo, o diretor
pronunciava-se a favor da admissão do indicado. Então, para admissão havia um
clientelismo que excluía do processo pessoas que não faziam parte do interesse dos
responsáveis pelo sistema da época. Para isso, vários dispositivos eram acionados,
dentre eles, o próprio serviço de comunicações da Presidência da República. Os novos
rumos da educação nacional, depois do ano de 45, perpassam a constituição de uma
escola agrícola muito próxima à história da época. Donde o próprio rol dos servidores
contavam nomes ilustres, até mesmo, das forças expedicionárias brasileiras a favorecer
o delineamento de conduta, muito próximo, ao disciplinamento militar de algumas
instituições internas brasileiras.
E como testemunha de todo um disciplinamento militar da época, o
Professor Destéfani, assim se pronuncia:
26

O regime, naquela época, era praticamente militar. E o pessoal,


e os pais dos meninos gostavam muito porque os meninos eram
bem, bem assim, como se diz, bem educados. Eles realmente
aprendiam a conviver uma vida social muito boa, muito séria.

Capítulo II

O COTIDIANO ESCOLAR

A importância do estudo do cotidiano escolar, tanto como, das instituições


escolares na formulação de interpretações ou análises do passado ou do presente são
observadas com bons olhos por muitos estudiosos da educação. Décio Gatti Júnior
(2002), organizador da obra Novos temas da educação brasileira: instituições escolares
e educação na imprensa, menciona, na página quatro, as instituições escolares como
portadoras de “um arsenal de fontes e de informações fundamentais para a formulação
de interpretações sobre elas próprias e, sobretudo, sobre a história da educação
brasileira”(GATTI JUNIOR, 2002, p.4).
Gatti Júnior afiança, que no século XX, se tem procurado fazer uma
pesquisa maior das escolas. E, principalmente, um olhar mais minucioso de todos os
aspectos que fazem parte do conjunto educacional torna-se relevante, também, para os
estudiosos educacionais.
Éster Buffa, nos estudos de História e filosofia das instituições escolares,
apresenta como investigação das categorias de análise, a caracterização e utilização dos
espaços físicos, o espaço do poder, a organização do uso do tempo entre outros.
Ao se atentar para a Escola “Gustavo Dutra”, pode-se melhorar a qualidade
de pesquisa, buscando, na instituição, um cenário ideal para a representação de uma
época e de vislumbre de todo um cotidiano escolar neste capítulo. Aprendizado
Agrícola “Gustavo Dutra” (1943), Escola de Iniciação Agrícola “Gustavo Dutra”
(1947), Escola Agrícola “Gustavo Dutra” (1956), Ginásio Agrícola “Gustavo Dutra”
(1964), Escola Agrotécnica Federal de Cuiabá (1979) e Centro Federal de Educação
Tecnológica de Cuiabá (2006).
27

O enfoque central para análise é a Escola de Iniciação Agrícola “Gustavo


Dutra” no período de 22 de janeiro de 1947 a 5 de novembro de 1956.
Como responsável pela direção escolar, no período de outubro de 1948 a
outubro de 1960, se destaca o Diretor Áureo Lino da Silva, o autor da letra do célebre
Hino da Escola recitado e cantado na instituição:

Hino da Escola
Letra: Doutor Áureo Lino da Silva

No alto desta serra alcandorada


Do grande pantanal plantado a beira,
A escola há de crescer abençoada,
Tal como firme e impávida palmeira.

Gustavo Dutra, educandário amigo,


É a nossa escola e nosso lar também,
Que ensina separar o joio o trigo
Qual outro bom semeador do bem.

Sempre no estudo e no labor


Procura produzir e sempre mais,
Com mais primor,
Porque da produção nasce a fartura
Tal como o fruto nasce de uma flor.

Aprender trabalhando é o nosso lema,


Porque o trabalho eleva quem estuda,
Se quem estuda bem não tem problema
Quem bem trabalha, tem de Deus ajuda!

Ao proceder a uma análise substancial da Escola de Iniciação Agrícola


“Gustavo Dutra”, através do hino, já se atesta, no quarto verso, “Tão como firme e
impávida palmeira”, uma Escola que abriga tantas histórias no correr de vários anos.
28

A Escola, dentro de um cenário de monumentos naturais a olhos vistos,


modificados pelo homem no surgir de poucas árvores e flores, não comuns ao meio
natural que a cerca. O verde pantanal, plantado ao lado, assiste as muitas presenças no
educandário. Uma delas, as antíteses comuns a todo processo constitutivo a fazer com
que o pantanal observe, além de uma palmeira, no delinear do hino, um joio e um trigo
longe do grande pantanal plantado a beira.
Joio e trigo representam alegorias bíblicas não comuns à realidade do
pantanal, símbolos para representação de algo profundo a proliferar nas mentes dos
educandos que trabalham com afinco. Afinal, no hino da escola, trabalhar e estudar são
os lemas para não proliferar os joios e sim os trigos da produção, da fartura.
Segundo a significação das palavras, joio é planta daninha que nasce entre o
trigo e pode causar dano à plantação, também se refere à coisa de má qualidade; o trigo
é planta gramínea, cultivada em todas as terras temperadas, de cuja semente se faz o
pão.
O pão, além de alimento de farinha de trigo ou outro cereal, assado ao forno,
é meio de sustento. Pão como sustento para a população, que nutre a massa
trabalhadora. Pão que requer trabalho para ser produzido. Trabalho, atividade física ou
intelectual necessária à realização de tarefa. Trabalho como elemento para o progresso.
Quanto mais se produz, mais ocorre a fartura.
O engenheiro americano F. W. Taylor incentivou o aumento da produção,
no início do século XX, utilizando o método de organização objetiva do trabalho. No
Brasil, o método da organização científica do trabalho ou taylorismo dos anos 30 em
diante. O trabalho objetivava o aumento da produtividade. “A divisão do trabalho atinge
seu grau máximo com a taylorização, isto é, com a repartição altamente racional do
‘trabalho em cadeia’, tentando englobar todos os fatores necessários a uma
produtividade ótima” (JAPIASSÚ y MARCONDES, 1996, p. 262). Como já enunciava
o hino da escola, no décimo segundo e décimo terceiro versos: “Porque da produção
nasce a fartura/ Tal como o fruto nasce de uma flor”.
Em toda exposição planificada do hino da escola, cristão, com
características próximas ao taylorismo, a favor do trabalho, do progresso, da produção e
da fartura, subjaz uma política social que controla o indivíduo como um todo, para
tornar dócil o corpo e a consciência.
29

O corpo não sofre as penas de uma época de torturas físicas, aleijamentos ou


muito menos de esquartejamentos; o quadro se converte ao controle e normalização de
forma sutil, em prol, em última instância, como diz o hino, da produção.
Quanto mais trabalho físico e intelectual melhor para a produção, deixando
de lado os efeitos de cansaço e as variadas condições humanas para a realização do
mesmo.
A Escola de São Vicente, no município de Santo Antônio de Leverger-
Mato Grosso. Escola aprendizado e iniciação para muitos na arte de viver.
Além das belezas comuns da região, desponta todo um proceder através da
estrutura física dos prédios e das construções a relacionar com épocas tão notórias da
nossa inteireza. Escola de cenário idílico, dentro do estado de Mato Grosso. Instituição,
que por trás do lado literário das fascinações do cerrado brasileiro, apresenta
antagonismo ao proceder uma análise até do veio por trás da natureza nativa da região:
uma imperceptível para muitos, porém, comum anatomia política da Escola de Iniciação
Agrícola “Gustavo Dutra”, na perspectiva de seu poder disciplinador.
Michel Foucault, na sua grandiloqüência, evidencia uma época de correção
e educação nos vários âmbitos institucionais, a partir do século XIX, proliferando no
século XX, onde a punição deixa de ser dolosa para ser dirigida à alma.
Lentamente, cenas de punições hediondas deixam de aparecer no cenário
mundial no fim do século XVIII. Festas de esquartejamento, amputações, mostras de
cabeças decepadas pela famosa guilhotina na França e muitas outras fascinações para o
ser humano da época, donde o corpo sofria pela dor e humilhação, deixam de existir.
Com o intuito de exemplificação punitiva em que o corpo sofria pelo
suplício e pela humilhação, no próprio Brasil, ainda como reflexo do início do século
XVIII na Europa, Joaquim José da Silva Xavier, Tiradentes representou um ser
permeado de significação semântica de todo um proceder de uma época. Acusado de
liderança do movimento denominado Inconfidência Mineira, sem comunicações, numa
masmorra escura, por quase três anos, durante o processo de investigação denominado
Devassa, permaneceu Tiradentes.
Após a Devassa, Xavier ouviu sua própria sentença de morte no dia 18 de
abril. E, três dias depois da sentença, na manhã do dia 21 de abril de 1792, percorreu
em procissão as ruas do centro da cidade do Rio de Janeiro, escoltado pela cavalaria do
Vice-Rei de Portugal, no percurso da cadeia pública ao largo da Lampadosa, atual praça
Tiradentes, onde fora construído o patíbulo de enforcamento.
30

A cabeça de Tiradentes foi exposta em Vila Rica, atual Ouro Preto em


Minas Gerais, e os quartos do corpo dependurados em postes ao longo do Caminho
Novo-Cebolas, Varginha do Lourenço, Barbacena e Queluz (antiga Carijós). Além de
ter sido enforcado, decapitado e esquartejado, seus bens foram confiscados e sua
memória declarada infame na época:

Quase um século depois, quando o Brasil implantou a república, ele


foi proclamado herói nacional. E esta condição de herói nacional do
alferes dos Dragões de Minas não é injustificada em comparação com
o de seus companheiros de conspiração, o comportamento de
Tiradentes, ao ser interrogado, foi exemplar, ninguém o sobrepujou
em entusiasmo por uma Minas independente, livre e republicana;
reclamou para si o maior risco e não há dúvida alguma de que estava
disposto a assumi-lo. Conforme dizem ter Cláudio Manoel da Costa
afirmado, tomara que existissem mais homens desta têmpera!
Tiradentes não era um anjo, nem um homem o é. Mas, em uma
história particularmente carente de grandes homens, Joaquim José da
Silva Xavier impõe-se como uma exceção (MAXWELL, 1985, p.
222).

De memória infame a mártir da Inconfidência Mineira, Xavier representou


uma época de lutas sociais contra o domínio português e pela conquista de umas Minas
Gerais livre de impostos e explorações. O espetáculo público com a morte de Tiradentes
não diminuiu os problemas do governo luso com a plutocracia de Minas.
O Iluminismo formava um novo quadro sócio-político, que necessita de
outras fórmulas de expressão, o corpo deixava de sofrer as penas dos regimes
anteriores, como é evidenciado no texto a seguir:

“Os Iluministas querem substituir o “suplício” do Ancien Régime,


ritual sangrento do corpo a corpo que teatraliza o triunfo da ordem
real sobre criminosos escolhidos por seu valor simbólico, por castigos
aplicáveis a todos, em proporção com os delitos, úteis à sociedade,
educadores para os condenados. Com efeito, procedimentos
disciplinares lentamente aplicados no exército e na escola vão
superando rapidamente o enorme e complexo aparelho judiciário
elaborado pelas Luzes (CERTEAU, 2004, p. 112).

As análises procuram demonstrar que a dominação capitalista não se


manteria se fosse somente baseada na repressão. É necessário:
31

“[...]parar de sempre descrever os efeitos do poder em termos


negativos: ele ‘exclui’, ele ‘reprime’, ele ‘recalca’, ele ‘censura’, ele
‘abstrai’, ele ‘mascara’, ele ‘esconde’. De fato, o poder produz; ele
produz real; produz domínios de objetos e rituais de verdade. O poder
possui uma eficácia produtiva, uma riqueza estratégica, uma
positividade. E é justamente esse aspecto que explica o fato de que
tem como alvo o corpo humano, não para supliciá-lo, mutilá-lo, mas
para aprimorá-lo, adestrá-lo (FOUCAULT, 2005, p. XVI).

Os soldados, ainda no início do século XVII, eram representados com uma


figura ideal de vigor e coragem, o corpo, brasão de força e valentia.
A partir da segunda metade do século XVIII, o soldado converteu-se em
algo que se fabrica a partir de coações, reparando a postura de cada parte do corpo. O
corpo é apresentado como ‘objeto e alvo de poder’, ‘ao corpo que se manipula, se
modela, se treina, que obedece, responde, se torna hábil ou cujas forças se
multiplicam’(p. 117). Registra-se um anátomo-metafísico iniciado por Descartes e
complementado por médicos e filósofos, além de um registro técnico-político
constituído de regulamentos militares, escolares, hospitalares, afinal corpo submisso,
útil, inteligível.
‘O Homem Máquina’ de La Mettrie é uma redução materialista da alma e
uma teoria geral do adestramento reinando a ‘docilidade’. A docilidade está, como diz
Foucault, em corpo submetido, utilizável, que pode ser transformado e aperfeiçoado (p.
118).
O autor salienta a existência, a partir de então, de uma “mecânica do poder”,
nas tentativas de controle e direção de manobras corporais, sujeitando o corpo para o
tornar dócil. Foucault expressa que a disciplina nasce como uma arte do corpo humano
o qual o torna tanto mais obediente quanto útil e vice-versa. E “é dócil um corpo que
pode ser submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado”
(FOUCAULT, 2004, p. 118).
As disciplinas já aparecem há muito tempo nos colégios, nas escolas
primárias, nos hospitais, organizações militares...
Uma anatomia política, também mecânica do poder, elemento coercitivo.
Enquanto a exploração econômica separa a força e os produtos do trabalho, a coerção
disciplinar estabelece no corpo o elo entre uma aptidão aumentada e uma dominação
acentuada.
32

A história da racionalização utilitária do detalhe, pertencentes há tempos à


teologia cristã e ao ascetismo, se distribui na educação cristã, na pedagogia escolar e
militar, no treinamento.
Na Escola de Iniciação Agrícola “Gustavo Dutra” observa-se uma
instituição valorativa do delineamento de discentes próximos às organizações militares
através de uma série de práticas militarizantes destinadas a transformar o contingente
educacional em produtores da fartura agrícola, de um trabalhador agrícola adestrado
para a grande lavoura, qualificado para uma abrangência nacional que estava, na época,
além das paredes da instituição, no internato, no campo escolar.

1-Pequenas coisas

Na sociedade do século XXI, apenas uma pequena parcela dos homens em


geral, detecta a existência das pequenas coisas, enquanto a população, na sua maioria,
não as evidenciam. Os homens comuns, acostumados com a monotonia do cotidiano,
acabam por agir sem pensar e deixam de perceber detalhes e coisas na própria existência
das ações, dos fatos, dos dias.
Os dias correm do levantar ao dormir sem nada achar ou haver de diferente.
Desde um detalhe na vestimenta ou um cabelo não penteado ou a falta de cadarço no
sapato de outrem, a enxada recém-comprada, o item a mais na venda da esquina e assim
por diante.
As minúcias são deixadas de lado principalmente por parte do homem
comum. As pequenas coisas ficam tão minúsculas como se não existissem. O homem,
também, que adentra a Escola de Iniciação Agrícola “Gustavo Dutra”, no século XX,
advindo do garimpo, das lavouras, das pequenas cidades; o estudante, o pai, o familiar,
muitas vezes, mantêm uma visão imperceptível a todo um processo disciplinar que
valoriza os detalhes e as pequenas coisas.
O colarinho da camisa, o branco da veste, o emblema, o traçado da calça
comprida, o cabelo, a pasta escolar, o material escolar, os lençóis etc. Os indivíduos se
atêm aos aspectos gerais e não aos particulares, passa, assim sendo, a existir um
invisível para muitos, que está além da observação e, preso na visualização dos detalhes.
33

Entretanto, para o homem disciplinado, as pequenas coisas são importantes.


O discente dentro da escola “Gustavo Dutra” respeita os detalhes, sem deixar de lado as
pequenas coisas. Foucault salienta a importância às pequenas coisas cantada por Jean-
Baptiste de La Salle no Tratado sobre as Obrigações dos Irmãos das Escolas Cristãs.

Como é perigoso negligenciar as pequenas coisas. É um pensamento


bem consolador para uma alma como a minha, pouco indicada para
as grandes ações, pensar que a fidelidade às pequenas coisas pode,
por um progresso insensível, elevar-nos à mais eminente santidade:
porque as pequenas coisas nos dispõem às grandes... Pequenas coisas,
meu Deus, infelizmente dirá alguém, que podemos fazer de grande
para Vós, criaturas fracas e mortais que somos. Pequenas coisas: se
as grandes se apresentassem, praticá-las-íamos? Não as creríamos
acima de nossas forças?[...] Sim, pequenas coisas mas grandes
móveis, grandes sentimentos, grande fervor, grande ardor, e em
conseqüência grandes méritos, grandes tesouros, grandes
recompensas (FOUCAULT, 2004, p. 121).

Pequenas coisas podem gerar o muito, até mesmo a boa utilização das peças
aos alunos confiadas. Em livro de registro de entradas e saídas do ano de 1946, é
relacionado em detalhes o material de rouparia a cargo do roupeiro, roupas retiradas do
almoxarifado para serem entregues aos discentes.

Cabiam aos alunos:


1-camisas de tricoline;
2- camisas de cores para ginástica;
3- camisas de mescla azul;
4-camisas brancas de malhas;
5-camisas atletas brancas de morim;
6- camisas balalaica azul para frio;
7- camisas turfe;
8- camisas de meio brancas com emblema;
9- calças caqui;
10- paletós com calças dólmãs azuis mescla;
11- macacão mescla;
12-calções de linho branco para ginástica;
13- casquete de brim caqui;
14- gorras listradas para jogos;
34

15-botinas pretas com cordão;


16- botinas com elástico;
17- meias de algodão;
18- chinelas de pano e de couro;
19- sapatos tênis de borracha;
20- chuteiras sapatos para jogos;
21- perneiras pretas;
22-materiais para jogos;
23- mochilas marrons de lona;
24- cinturões de couro;
25- pijamas;
26- cuecas de zefir de diversas cores e de mesclas azuis;
27-aventais toalhas;
28- gorros feitos de morim cretone para copa e cozinha;
29- carretéis de linha para costura;
30- botões e agulhas para costura a mão;
31- cobertores de lã;
32- morim cretone para forro;
33- colchas brancas de fustão;
34- lençóis brancos de linho;
35- toalhas para rosto;
36-toalhas para banho;
37- fronhas brancas para travesseiros;
38- colchões de capim e travesseiros de capim;
39- camas patentes de solteiro.
Para os alunos receberem os materiais assinalados, era necessário preencher
um formulário de pedido interno. A devolução era necessária, ao final do ano. Um
estudante do primeiro ano rural, turma A, residente em Leverger, declarou a devolução
das vestes escolares antes da ida para casa. Fora a devolução no final do ano letivo, o
educando deveria sempre entregar as roupas aos guardas, pois, assim, elas eram
encaminhadas à lavanderia.
Em Portaria interna, o Diretor do A.A. 12 no dia 19 de dezembro de 1945,
assim decreta em poder de resolução redigida com as seguintes palavras:
35

1)Todo o vestuário de demais peças de roupas entregues a educando ficarão


doravante sujeitos à requisição, por escrito, por parte dos srs. Guardas ao sr.
Roupeiro, que os fornecerá e os receberá para reuni-las e entregar às lavadeiras;
2)Os senhores, Guardas ao receberem as peças sujas das mãos dos educandos para
serem entregues às lavadeiras, farão imediatamente a conferência das peças.
3)O educando será responsável pelas peças que receber e não devolver.
4)Pelas peças extraviadas será responsabilizado o educando, devendo ser prestada
conta aos respectivos pais, tutores ou responsáveis para a aquisição ou pagamento
da peça extraviada.
5)Não é permitido guardar roupas limpas fora da Rouparia do estabelecimento.
Esta resolução abrange calçados, chapéus e demais objetos que constituem o
uniforme.

O uniforme representa uma pequena peça, mas possui uma implicação


grande no educandário. A limpeza e a guarda do uniforme em espaço apropriado (a
rouparia do estabelecimento), demonstra a organização dos pertences aos alunos
confiados; o acatamento das normas prescritas em portarias internas; o cuidado com
objetos da escola e o respeito aos guardas, às autoridades escolares; além de
consideração às normas de higiene comuns ao século XX.
O culto às pequenas coisas faz do discente um centro de responsabilidades,
de forma que um mínimo detalhe passa a ser apreciado. Os detalhes dos uniformes,
muito incentivados em qualquer corporação militar, o tornam próximo ao educandário.
Das pequenas coisas se procedem às grandes, de acatamento até mesmo das normas
confiadas a cada aluno dentro da instituição. O disciplinamento já se fazia sentir desde
as pequenas coisas. Todos eram responsáveis pela criteriosa disposição, localização,
organização, das mínimas coisas dentro da escola. A escola passa a ser uma instituição
militar, que desde o menor até o maior dos cargos, exercia uma tarefa de confiança na
manutenção de algo bem maior, como a ordem, as virtudes de um cidadão que acata
toda as responsabilidades normativas e morais de uma época, objeto de análise do
próximo item.

2-O disciplinamento na Gustavo Dutra.


36

As instituições, ao serem consideradas globalmente, podem-se ter outra


impressão, até mesmo com relação à falta de organismos disciplinadores. No entanto,
desde as minúcias dos regulamentos, das inspeções e outros controles da vida dos
indivíduos se detectam estes organismos e, primeiramente, na distribuição do indivíduo
no espaço, já se atenta para os procedimentos disciplinares.
A localização espacial favorece a cerca, local heterogêneo e fechado,
protegido da monotonia disciplinar; o quadriculamento com indivíduos bem dispostos
em lugares propícios à vigilância. Corpos, elementos não descontrolados,
estruturalmente bem postos favorecendo a localização, a circulação controlada, a
medição de atuação do indivíduo na instituição, a regra das localizações funcionais, na
arquitetura, com lugares determinados para satisfazerem as necessidades de vigiar, de
impedir as comunicações perigosas e fazer criar um espaço útil e, as famosas filas, cada
um é definido pelo lugar que ocupa na série e pela distância que os separa dos outros. O
indivíduo, unidade, revela-se como a posição que se localiza na fila.
Os aparelhos disciplinares trabalham o espaço disciplinar, com indivíduos
distribuídos em espaços próprios, a cada um, sem aglomerarem-se com outros. Criando
condições de vigilância mais efetiva, de vigilância médica, militar e fiscal. Por exemplo,
num hospital, há o controle de idas e vindas, fichas de controle, individualização dos
corpos etc.
As disciplinas organizam também salas apropriadas, celas, lugares, filas
para garantir obediência, técnicas de poder. O espaço disciplinador favorece o controle,
a vigilância coletiva base para uma microfísica do poder.
A disciplina procede na distribuição do indivíduo no espaço. E ao olhar
para a Escola de Iniciação Agrícola “Gustavo Dutra”, pode-se atentar para indícios de
um internato modelo em ordem e disciplina. “No quadro das modernas teorias da
percepção, o espaço-escola é [...] um mediador cultural em relação à gênese e formação
dos primeiros esquemas cognitivos e motores, ou seja, um elemento significativo do
currículo, uma fonte de experiência e aprendizagem” (ESCOLANO, 2001, p. 26).
“Portadores de significados múltiplos, a arquitetura e o espaço escolares têm
se constituído nos últimos anos em promissoras vertentes de investigação sobre a
cultura escolar” (SOUZA, 2005, p. 8).
E mais, Souza (2001), salienta que no domínio dos silêncios ordinários, da
potencialidade das escutas, das dimensões simbólicas, nas tecnologias de controle de
37

mentes e corpos; os estudos do espaço e da arquitetura escolares se tornam como “eixos


potenciais de pesquisa e compreensão das instituições educativas”.
A Escola de Iniciação Agrícola “Gustavo Dutra” apresenta toda uma
potencialidade enquanto elemento investigativo, no entanto, a tarefa requer muita
atenção, olhar clínico e sensibilidade para cada elemento que surge na investigação.
Logo, no início, a tarefa se torna difícil até mesmo para o investigador, pois, afinal, os
poucos indícios aparentes necessitam de uma compreensão profunda para entender a
diversidade educacional. E de fio em fio, a teia se delineia, a propiciar o entendimento
de todo um processo complexo.
Construída na serra de São Vicente, no município de Santo Antonio do
Leverger, no estado de Mato Grosso, a escola possui uma área de cinco mil hectares. A
maior parte da área é cercada da paisagem típica do cerrado, comum à região central do
Brasil. O prédio principal da Gustavo Dutra abriga as instalações do pavilhão
pedagógico, do internato, do pavilhão administrativo, do refeitório e da lavanderia. As
construções, como do almoxarifado, do posto de saúde, das residências e outras são
próximas umas das outras. Até as oficinas didáticas de marcenaria-carpintaria,
sapataria, mecânica e as áreas de atuação prática de zootecnia e agricultura mostram-se
próximas ao pavilhão central. A usina é a mais distante do pavilhão.
Com relação ao pavilhão central, alguns dispositivos arquitetônicos do
educandário favorecem a visualização dos indivíduos. Através de uma fachada
imponente, comum às escolas federais agrícolas, construídas no século XX, já se pode
vislumbrar uma significação comum às instituições educacionais de internato muito
próximas às escolas militares da época, onde a ordem e a disciplina são valorizadas
desde a parte física até as tomadas de atitude.
A entrada na escola se dá com a subida em degraus. Cheios de significação,
escalados para algo imperceptível ou novo, diferente da realidade que circunda a
comunidade escolar.
O novo já aparece para interferir na mentalidade de cada um que adentra à
escola. Ao deixar de lado as interferências externas e introduzir todo um modo de ver,
de ouvir, de se portar, de gesticular diferente do antes de entrar na instituição de ensino.
Os degraus de entrada são galgados em direção a um salão de recepção que
abrigava, ao lado a secretaria escolar, a sala da direção e a sala dos professores. Os
primeiros delineamentos de comando e de vigilância começam a ocorrer. De uma sala
envidraçada, os membros da administração podem vislumbrar os discentes e todos que
38

adentram na escola. Também, antes de subir os degraus, no andar superior da escola,


através de uma sacada secreta, para os que estão abaixo, é possível observar todos os
que entram e saem da instituição.
Dentro da escola, as salas de aula são dispostas em filas de frente aos
corredores, possibilitando a circulação dos próprios educandos e também dos
controladores do processo de vigilância. Além disso, as janelas de cada sala de aula,
juntamente com as portas das mesmas, se localizam na frente dos corredores,
possibilitando a observação dos que estejam nos interiores das salas de aula.
E cada turma possui a sua própria sala de aula, com alunos dispostos em
filas. Os discentes possuem as suas próprias carteiras escolares individuais, bem
dispostas, a favorecer a visualização por parte do professor, do inspetor e de outros. A
colocação adequada de cada educando favorece a individualização de cada um, sem
aglomerações de corpos humanos.

Nas escolas do século XVII, os alunos também estavam aglomerados


e o professor chamava um deles por alguns minutos, ensinava-lhe
algo, mandava-o de volta, chamava outro, etc. Um ensino coletivo
dado simultaneamente a todos os alunos implica uma distribuição
espacial. A disciplina é, antes de tudo, a análise do espaço. É a
individualização pelo espaço, a inserção dos corpos em um espaço
individualizado, classificatório, combinatório (FOUCAULT, 2005, p.
106).

O arranjo do pátio de recreio, no centro do pavilhão pedagógico e


administrativo, a colocação das mesas escolares artisticamente alinhadas em filas, a
distribuição dos dormitórios semelhantes às salas de aula, quase tudo favorece o
controle. E mais e mais arranjos se dispõem beneficiando a vigilância geral e, também,
individual.
A existência de um culto cívico toda semana no pátio de recreio, constitui
uma das engrenagens para a boa organização espacial. Os discentes são dispostos em
fila por turmas e altura, ou seja, cada uma disposta em uma determinada fila e os alunos
menores na frente dos maiores. A visualização dos discentes é favorável ao corpo
docente e administrativo, pois os mesmos ficam num patamar acima e à frente dos
39

alunos. O arranjo, assim, propicia a apresentação de funcionários novos e autoridades


presentes, anunciação de eventos, leitura de regras e normas escolares, falácia de
ditames da instituição e até regência de hinos.
Assim, as minúcias do olhar em várias partes da instituição escolar, mostra-
se um dos passos para revelar as técnicas desse cálculo ínfimo e infinito como diz
Foucault.
Na escola foram encontradas, também, várias fichas de controle de entrada e
saída dos alunos do internato, além de controle das salas de aula e das atividades
práticas.
Em um livro de registro dos guardas, dos anos quarenta e cinqüenta, foram
achados relatos quanto à conduta de cada discente. Depois do controle, por meio das
fichas, tudo era relatado nos livros para maior conhecimento, principalmente das
irregularidades dos discentes.
Uma leitura detalhada dos livros de registro foi possível identificar uma
instituição disciplinar que se valia da observação contínua e diária. O discente era visto
em todos os locais da escola desde as salas de aula e até mesmo na horta, na pocilga...
As salas de aula eram bem dispostas em filas e existia a organização por etapas, ou seja,
da série inicial à série mais elevada. A série inicial ocupava a primeira sala do corredor
e assim por diante.

A disciplina é uma técnica de poder que implica uma vigilância


perpétua e constante dos indivíduos. Não basta olhá-los às vezes ou
ver se o que fizeram é conforme à regra. É preciso vigiá-los durante
todo o tempo da atividade e submetê-los a uma perpétua pirâmide de
olhares. É assim que no exército aparecem sistemas de graus que vão
sem interrupção, do general chefe até o ínfimo soldado, como
também os sistemas de inspeção, revistas, paradas, desfiles, etc., que
permitem que cada indivíduo seja observado permanentemente
(FOUCAULT, 2005, p. 106).

Nada escapava aos olhos atentos dos guardas e inspetores que se imbuíam
da autoridade escolar para concentrar esforços na manutenção da ordem, do respeito, da
boa conduta moral e dos preceitos próprios a uma época que se valia de vários
dispositivos de combate da ociosidade, do desperdício de tarefas a serem realizadas, da
diminuição de conteúdo a ser assimilado.
40

A organização, através de fichas de controle de cada aluno, foi muito


utilizada na escola de Iniciação Agrícola “Gustavo Dutra”. Existia a observância das
fichas pelos guardas. Os outros funcionários da instituição e mesmo a direção
valorizavam a organização e controle como forma de conhecimento das atuações dos
discentes em todas as localizações espaciais, pois, afinal, a escola era muito extensa e
tais procedimentos tornavam-se necessários, principalmente na informação da conduta
dos alunos nos alojamentos.
A escola, também, contava com várias áreas de atuação prática, onde a
aprendizagem tornava-se importante para a formação de um educando qualificado.
A cavalariça usada nas aulas práticas sobre eqüinos, muares e asininas; o
estábulo para aulas práticas de bovinocultura; o aviário para noções de criação de
frangos, galinhas e marrecos; o apiário para práticas de noção de Zootecnia, produção
de mel, cera, própolis e geléia real; a pocilga para criação de porcos; o paiol para o
entendimento da guarda de milho, feijão, arroz; o silo para ensino de armazenamento de
silagem; a estrumeira, a horta e a lavoura.Na horta, havia o ensino de produção de
pequenas culturas como o tomate, alface, beterraba, cenoura, couve, cebolinha, salsa e
outras culturas.Na lavoura, o plantio de arroz, feijão, milho, mandioca, abóbora, cana-
de-açúcar e banana.
Logo ao iniciar as tarefas do dia, os educandos eram postos em fila para
chamada, feita pelos guardas. O não comparecimento de algum aluno era anotado e
levado a conhecimento dos interessados na organização das atividades dos jovens.
As fichas de controle eram utilizadas desde o início de cada manhã, logo
após do desfecho do Hino Nacional e da leitura dos avisos. O discente respondia a uma
chamada de presença e as ausências eram anotadas. Os presentes eram recompensados
com um final de semana livre, os ausentes respondiam outras chamadas nos finais de
semana, quando eram obrigados a fazerem atividades extraclasse de trabalho duro nas
lavouras ou nas próprias instalações físicas:

A disciplina é o conjunto de técnicas pelas quais os sistemas de


poder vão ter por alvo e resultado os indivíduos em sua singularidade.
É o poder de individualização que tem o exame como instrumento
fundamental. O exame é a vigilância permanente, classificatória, que
permite distribuir os indivíduos, julgá-los, medi-los, localizá-los e,
por conseguinte, utilizá-los ao máximo. Através do exame, a
individualidade torna-se um elemento pertinente para o exercício do
poder (FOUCAULT, 2005, p. 107).
41

As chamadas eram repetidas em várias localizações espaciais: no pátio, nas


salas de aula, nas lavouras e em todos os locais onde era necessária a vigilância.
Se alguma pessoa procurasse um dos alunos da escola, era possível
identificá-lo facilmente, pois as fichas eram recolhidas logo após cada chamada.
Outro passo disciplinar importante era a procura, no mesmo dia, do aluno
faltoso. Em um livro de registro dos guardas foi relatada a fuga de alguns discentes, das
áreas de trabalho. Geralmente, os discentes fujões procuravam algum local de lazer. A
fuga era rápida e escapava da vista dos controladores, só que no mesmo dia o
responsável pelo ato era encontrado e levado para responder pela atitude impensada.
A pena, para o desvirtuamento das regras abalizadas pela lei imposta por
normativas prescritas em Documentos Internos, era passar outro final de semana no
afadigamento do trabalho que passava a ser também um meio de punição e de castigo a
todos aqueles que desvirtuassem as regras e normas escolares.
Com relação à valorização do código moral, analisado com mais
profundidade em capítulo seguinte, pode-se detectar um código severo, a que o discente:

“[...] deverá submeter-se, incondicionalmente, sob pena de


punição; no caso inverso, ou seja, de maior valorização dos
processos de subjetivação, a ênfase não estará no conteúdo da
lei ou nas suas condições de aplicação, mas na relação consigo,
sendo ela definida pela soberania de si sobre si mesmo” (FAÉ,
2004, p. 9).

Acima do pátio existiam também sacadas em forma de corredores que


permitiam, na época, a visualização dos que estavam abaixo. Um cerco muito
organizado permitia o disciplinamento fora e dentro. Os mínimos detalhes podiam ser
notados tanto pela vista aérea como pela térrea.
Com relação ao hino da escola, na primeira estrofe, existe evidência de uma
localização espacial que ultrapassa as cidades e situa, a escola, na serra de São Vicente
cercada do grande pantanal plantado a beira.
Uma edificação de mais de um pavimento, no meio do pantanal, reluz como
figura que evidência a valorização do homem longe da cidade.
“O lugar que a escola teve de ocupar na sociedade foi um ponto de especial
preocupação para os reformadores dos fins do século XIX e inícios do século XX”
(ESCOLANO, 2001, p. 30).
42

O meio natural é valorizado por parte dos higienistas e médicos. Uma escola
longe das imundícies das cidades favorecia o delineamento de um corpo saudável ao ar
livre, perto do campo. Ainda que houvesse o reforço de enfermeiros e, às vezes,
médicos na Escola de Iniciação Agrícola “Gustavo Dutra”, a vida perto das árvores, da
natureza, muito favorecia, para os planejadores da escola, a uma vida mais saudável.
Ao adentrar à escola, os hábitos anteriores são deixados de lado para uma
postura organizacional válida para o século XX, onde o aluno ,que antes vivia descalço,
passava a seguir um padrão higienista, pois possuía um espaço para os banhos diários,
para colocação adequada das roupas nos armários, para lavagens de roupas etc.
As vestes não podiam estar sujas ou rotas e, para isso, era necessária a troca
a cada ano e lavagem constante. Os espaços escolares organizados com rouparia para
abrigar roupas limpas, lavanderia para lavagem das vestes e outros, favoreciam o
controle do uso das vestimentas e a manutenção das mesmas.
O conglomerado de pessoas na instituição levava a preocupação de ordem
médica em nome de uma higiene salutar de todos os educandos, evitando, assim, os
males gerais físicos. Desde o final do século XIX, os imperativos de higiene são
proclamados na defesa de uma sociedade salva dos dissabores das moléstias graves. E
as escolas agrícolas, também, demonstraram valorizar esses imperativos ao decretar
portarias internas. A Direção exigia dos discentes a limpeza e organização dos pertences
e do próprio corpo físico.
A escola, afastada dos grandes centros urbanos, constituía-se em estratégia
de formação de indivíduos que valorizavam a pedagogia da natureza. Homens saudáveis
junto aos bons ares naturais, livres das aglomerações urbanas e das inúmeras
enfermidades físicas que acometem, todos os dias, as populações.
Afastar-se da cidade, também, era indicado por Rousseau como uma forma
de saída de um meio favorecedor do ócio, dos perigos da vida indolente, sedentária. “A
precaução mais rápida e mais fácil é tirá-lo do perigo local. Leve-o primeiro para fora
das cidades, para longe dos objetos capazes de tentá-lo” (ROUSSEAU, 1995, p. 43). A
escola, como agente de moralização desse tempo, proporcionou aos habitantes uma
vivência separada das tentações urbanas e, para isso, facilitou a entrada em um espaço
escolar, expressão de bons costumes sociais.
Os pais confiavam, à escola, seus próprios filhos. Depoimentos, de antigos
discentes do educandário, revelam que as famílias achavam que a Gustavo Dutra era um
tipo de colônia de correção, mas os mesmos discentes afiançavam não ser a escola um
43

tipo de instituição com este fim. Ao analisar o espaço escolar, a arquitetura escolar e
mesmo as normas de higiene, começa a se delinear um educandário muito próximo às
colônias de correção.
A Escola Agrícola de São Vicente deixa claro o poder moralizador, no
século XX, pois, “além de retirar a educação das novas gerações do monopólio da casa
e da igreja, serviria também, caso funcionasse de acordo com os imperativos de ordem
médica, para esvaziar as prisões e as galés ao fabricar uma moralidade higiênica e
higienizadora” (GONDRA, 2003, p. 534).

3-O tempo na escola

Como controle de atividade, há mostras visíveis das representações de


processos para adicionar e capitalizar o tempo no educandário Gustavo Dutra.
Segundo Foucault, no controle de atividade sabe-se utilizar corretamente o
tempo, estabelecendo rígidos horários de trabalho, repetitivos e constantes, construindo
um tempo integralmente útil, de qualidade em que o corpo deve ‘ficar aplicado a seu
exercício’.
O horário possui processos de estabelecer censuras, obrigar ocupações,
regulamentar ciclos de repetição.
O ato temporal é medido com decomposição de movimentos e gestos no
ajuste do corpo.
O controle disciplinar mantém relação entre os gestos e atitude global do
corpo. O bom emprego do corpo favorece a não ociosidade.
A utilização exaustiva de cada instante permite a não perda do tempo.
Foucault evidencia o emprego do tempo na obra Vigiar e Punir (2004) em:

“[...]quanto mais se decompõe o tempo, quanto mais se multiplicam


suas subdivisões, quanto melhor o desarticulamos, desdobrando seus
elementos internos sob um olhar que os controla, mais então se pode
acelerar uma operação ou pelo menos regula segundo um rendimento
ótimo de velocidade”.
44

O horário das atividades estudantil, autorizado pela portaria número 15 de


24 de abril de 1945, economiza o tempo de vida na instituição de modo muito
organizado. Há delimitação de hora para todas as atividades diárias. O início das
atividades ocorre às cinco horas da manhã, quando os discentes se levantam; a
Educação Física (5h00 às 6h00), o banho (6:00 às 6:15), o café ( 6h30 às 7h00); os
trabalhos práticos no campo e oficinas (7h00 às 10h00), o almoço e recreio (10h30 às
13h00), as aulas (13h00 às 17h00), a merenda (14h30); o jantar (17h00 às 19h00), o
estudo sob a vigilância dos guardas (19h00 às 20h30) e o silêncio (21h00).
Na era Vargas surgem mais escolas agrícolas dadas a controlar e propiciar a
formação de profissionais capacitados. Valorizava-se o aumento da produtividade no
campo e, à solução dos problemas que estavam na agricultura brasileira. A utilização de
populações rurais no campo para o desenvolvimento e expansão da agricultura alavanca
a importância de técnicas agrícolas mais avançadas. Pouco a pouco, as escolas agrícolas
florescem como educandários propícios ao desenvolvimento agrícola brasileiro, e para
boa resposta em todo o processo, as instituições voltam-se para o condicionamento e
controle temporal.
A cronometragem era parcelada, cada atividade deveria ser realizada em um
tempo previsto pelos professores. Durante os trabalhos práticos nas oficinas e campos, o
aluno era orientado a utilizar corretamente as ferramentas, o trator e outros. O discente
dominava os procedimentos do trabalhador rural na forma de produzir.
O sistema taylorista de divisão de tarefas é muito próximo ao sistema
ruralista. Taylor valorizou a cronometragem parcelada para cada operário. O trabalho
deveria ser realizado dentro de um tempo previsto pelos engenheiros.
“Começa-se a contar por quartos de hora, minutos e segundos”
(FOUCAULT, 2004, p. 128). A divisão do tempo na Escola de Iniciação Agrícola
“Gustavo Dutra” iniciava, às cinco horas da manhã, quando o discente despertava.
Assim, cada ato contínuo se vale de grande significação para aquele que deseja
aproveitar o tempo ao máximo possível, pois, afinal, longe de toda a vida lá fora, o
estudante se vê força de um disciplinamento satisfatório para ele que deverá trazer uma
conquista como profissional na ordem externa do mundo competitivo.
Levantar, forrar a cama, dobrar os lençóis, deixar tudo organizado para
responder a outras ordens esmiuçantes através dos momentos no São Vicente.
45

Entrar na fila do desjejum, às seis e trinta, o primeiro a chegar, era o


primeiro a receber o desjejum. O primeiro, depois dos servidores, dos professores,
afinal, os funcionários passavam a frente nas ordens das coisas.
E, assim, até o final do dia, com o toque de recolher dos guardas. As
repetições eram constantes dia por dia. Havia hora para as aulas nas salas, hora para as
aulas práticas. Hora para tudo, de maneira muito organizada.
No Item 6 da Portaria 708, de 1945, existe a representação do Ano Escolar
com uma temporalidade de dez meses de dias letivos nos cursos rurais e básicos.
Assim, as aulas iniciavam no primeiro dia de fevereiro e terminavam em novembro. Os
exames finais e outros trabalhos escolares eram concretizados no final de dezembro. As
férias escolares estavam concentradas nos meses de dezembro e janeiro.
Procura-se utilizar bem o tempo, garantir a qualidade do tempo empregado;
um controle ininterrupto, pressão dos fiscais, anulação de tudo o que possa perturbar e
distrair, como diz Foucault; trata-se de constituir um tempo integralmente útil. Os
discentes da “Gustavo Dutra” começavam cedo com atividades de Educação Física que
ajudavam o corpo a agüentar o batente do resto do dia. A merenda reforçada era uma
das fórmulas para o corpo estar pronto para os exercícios propícios a uma escola muito
similar aos modelos militares. Depois dos ingredientes certos para o início da manhã, os
ajustes, necessários para um bom empenho tanto das atividades práticas como teóricas
eram tomados, não anulando nada o que fosse necessário para se conseguir um bom
aproveitamento escolar diário.
Um tempo de boa qualidade, sem defeitos a aproveitar, na época, os
mínimos detalhes sem, até mesmo, deixar de começar qualquer atividade fora da hora
certa, isto é, no educandário as horas, os minutos, os segundos eram respeitados com
rigor. Um modelo muito parecido com a Europa, onde nem um minuto é perdido, tudo
na hora exata.
A elaboração temporal do ato acostuma os soldados, os alunos à marcha. A
marcha da escola era cronometrada ato por ato. Mesmo a hora cívica se tornava uma
verdadeira cópia das atividades militares. Os alunos em fila, por turma e alturas,
deveriam cantar o Hino Nacional e o da escola em conjunto, respeitando o hasteamento
da bandeira nacional e os condutores do processo à frente deles. Os mínimos gestos
eram valorizados, onde o corpo sofria as penas de todo esse sistema. Havia o
procedimento de sentido para os cantos dos hinos e o de descanso para a audição dos
recados, leituras de chamadas e outros.
46

A escola desfilava, também, em Cuiabá, e para ganhar das outras, no desfile,


deveria além de estar todo o conjunto bem uniformizado, seguir um padrão de desfile
organizado. Os instrumentos deveriam ser bem utilizados na organização da marcha, e:

O comprimento do pequeno passo será de um pé, o do passo comum,


do passo dobrado e do passo de entrada de dois pés, medidos ao todo
de um calcanhar ao outro; quanto à duração, a do pequeno passo e do
passo comum serão de um segundo, durante o qual se farão dois
passos dobrados; a duração do passo de estrada será de um pouco
mais de um segundo. O passo oblíquo será feito no mesmo espaço de
um segundo; terá no máximo 18 polegadas de um calcanhar ao
outro...O passo comum será executado mantendo-se a cabeça alta e o
corpo direito, conservando-se o equilíbrio sucessivamente sobre uma
única perna, elevando a outra à frente, a perna esticada, a ponta do pé
um pouco voltada para fora e baixa para aflorar sem afetação o
terreno sobre o qual se deve marchar e colocar o pé na terra, de
maneira que cada parte se apóie ao mesmo tempo sem bater contra a
terra (FOUCAULT, 2004, p.129).

Para a precisão na decomposição dos gestos e dos movimentos nos ajustes


temporais, ficava a cargo do sargento Albertino, que se responsabilizava todos os anos.
Pessoa notória em Mato Grosso, de conhecimento das artes musicais na boa condução
de uma marcha e, graças aos conhecimentos do sargento, a escola ganhava todos os
desfiles. A preparação dos alunos ocorria no correr do ano. O tempo para preparação era
necessário, assim como os atos eram medidos nos controles do corpo de cada educando
que participava dos desfiles.
Gestos e corpo respeitavam uma boa correlação, pois os primeiros, quando
bem empregados respondiam a uma boa resposta com relação ao corpo. Um retorno
favorável nos desfiles era reflexo de corpos disciplinados. Toda semana, os treinos
preparavam o estudante cada vez mais para os desfiles. Assim como estes, toda a escola
era treinada numa ginástica – uma rotina cujo rigoroso código abrangia ao corpo por
inteiro.
A utilização exaustiva do horário não valorizava a ociosidade. Havia horário
para tudo, até mesmo para as atividades mais simples como o lanche, o repouso e
outros. Os instantes, os segundos, os minutos se permeavam de importância na boa
condução dos trabalhos, principalmente, nas oficinas didáticas e nos setores. As horas
certas para molhar uma planta, para o plantio, para a preparação da terra se tornavam
fundamentais para uma colheita de valor. Quanto mais se respeitava o horário e quanto
47

mais rápido se faziam as atividades, o rendimento era melhor. Por isso, cada instante era
cheio de ordenações, de comandos impostos por apitos, sinais, chamada, etc.
O corpo manipulado pelas autoridades escolares se tornava o corpo útil e
que anunciava uma natureza e limitações funcionais. Um corpo de atitudes coagidas e
forçadas para a condução de algo valorizado nessa instituição de ensino. Afinal, uma
resposta a contento na condução dos corpos mostrava ser um revide favorável para o
funcionamento do organismo escolar. O poder disciplinar “tem por correlato uma
individualidade não só analítica e ‘celular’, mas também natural e ‘orgânica’”
(FOUCAULT, 2004, p. 132).

Capítulo III

A ORGANIZAÇÃO DO ENSINO AGRÍCOLA

Organização, arranjo, dispor para funcionar. O ex-diretor da instituição, dos


anos 50, no hino da Escola de Iniciação Agrícola “Gustavo Dutra” (primeiro verso da
quarta estrofe) salientava que o trabalho era o lema da instituição.
Organização e trabalho eram considerados como fundamentais nos anos 40
e 50. Ao lado dos pronunciamentos ufanistas, nacionalistas por trás do hino da
instituição, existiam verdades muito mais profundas que valorizavam a organização
como forma de melhoria da sociedade brasileira, afinal, a ordem favorece o progresso
como é evidenciado também na bandeira nacional brasileira.
Da organização do ensino agrícola cabe, segundo o Decreto-Lei número
9.613, de 1946, formar profissionais aptos às diferentes modalidades de trabalhos
agrícolas, qualificação profissional que lhes aumentasse a eficiência e a produtividade,
aperfeiçoar os conhecimentos e capacidades técnicas de trabalhadores agrícolas
diplomados.
A Escola de Iniciação Agrícola “Gustavo Dutra” muito valorizou a
formação profissional. O curso de Iniciação Agrícola, com duração de dois anos,
destinava-se a dar a preparação profissional necessária na execução do trabalho de
operário agrícola qualificado, e o de Mestria Agrícola, com a duração de dois anos, e
depois do curso de Iniciação Agrícola, tinham por finalidade dar a preparação
48

profissional necessária ao exercício do profissional de mestre agrícola. Os cursos


correspondiam à formação de quinta a oitava série ginasial.
Os estabelecimentos de ensino agrícola funcionavam em regime de
internato, como forma de ajuda aos alunos carentes e que residiam longe da instituição.
Na época, os discentes recebiam as fardas, atuais uniformes, e todos os materiais
necessários para o bom aproveitamento escolar. A alimentação era gratuita e feita no
refeitório da instituição de ensino. No estabelecimento, havia campos experimentais e
de demonstração agrícola.
A administração do estabelecimento possuía como autoridade o diretor na
presidência do funcionamento dos serviços escolares, no trabalho dos professores,
orientadores etc.
O plano de distribuição do tempo de cada semana compunha-se como
matéria do horário escolar, fixado pela direção do estabelecimento de ensino agrícola
antes do início do período letivo e com observância do número obrigatório de aulas
semanais de cada disciplina e de cada prática educativa.
Segundo o Decreto-Lei nº 9613, de 20 de agosto de 1946, que regia a vida
escolar, o candidato para ingressar na instituição não podia ser portador de doença
contagiosa e devia ser vacinado:

Para o Curso de Iniciação Agrícola devia:


a) ter doze anos completos;
b) ter recebido educação primária conveniente;
c) possuir capacidade física e aptidão moral para os trabalhos escolares realizados;
d) ser aprovado em exame vestibular.
Para o Curso de Mestria Agrícola:
a) ter concluído o Curso de Iniciação Agrícola;
b) possuir capacidade física para os trabalhos escolares que deviam ser realizados;
c) ser aprovado em exame vestibular.

Para as aulas, em todas as disciplinas e práticas educativas era necessária


freqüência obrigatória.

Mensalmente era aferida pelo professor, em cada disciplina, e a cada aluno,


uma nota resultante da avaliação de seu aproveitamento, por meio de exercícios. Se por
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falta de comparecimento, não se pudesse apurar o aproveitamento de um aluno, era


atribuída a nota zero.
O agrônomo Luís Gama, ex-aluno da instituição de ensino e formando de
1947, destaca o estabelecimento como formador de jovens mato-grossenses, em sua
maioria carente de recursos, e como instituição importante na ajuda aos educandos no
prosseguimento de seus estudos.
Luís Gama foi o primeiro ex-aluno a concluir um curso superior na escola.
O processo de seleção tinha como base o aproveitamento escolar e os alunos mais aptos
de cada turma eram encaminhados para a Escola Agrícola Nilo Peçanha, em Pinheiral
(RJ). Depois de passarem por várias provas de desempenho, prosseguiam os estudos na
Escola Técnica Federal de Barbacena (MG), sempre com tudo pago e onde concluíam
os estudos.
Gama, o primeiro mato-grossense integrante da turma formada em
Barbacena, voltou ao Rio de Janeiro para cursar a Escola Nacional de Agronomia da
Universidade Rural, onde se graduou:

[...] Como primeiro mato-grossense integrante da turma


formada em Barbacena, Luís Gama voltou ao Rio para cursar a
Escola Nacional de Agronomia da Universidade Rural, onde se
graduou. Esses anos todos de muito empenho e sacrifícios em
busca de uma formação superior são recordados hoje por
muitos “doutores” como Gama, que não se cansam de destacar
a extrema validade do apoio e orientação fornecidos a partir da
Escola de Cuiabá. [...] Se no passado à escola representou a
oportunidade única para os mato-grossenses que desejavam
uma formação superior inexistente na região, o relevante papel
da Escola se mantém nos dias de hoje (CONTATO, outubro de
1982).

Ao analisar o pronunciamento de Gama, pode-se detectar a dificuldade de


vagas, nos anos quarenta, para o ingresso em instituições agrícolas no Brasil, já que ele
foi o primeiro estudante da escola “Gustavo Dutra” a integrar turma em Barbacena.
Nas considerações relatadas acima, abre-se uma lacuna, no texto
dissertativo, para uma análise da escassez de escolas agrícolas na época, não atendendo
à demanda da população brasileira da época, assim sendo, o tempo útil passou a ser
analisado em parágrafos posteriores.
50

Maria Laura P. Barbosa Franco, da PUC-SP, em pesquisa feita para o


Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), em
1987, afiança terem formado em todo o período colonial apenas setenta e quatro
engenheiros agrônomos e nenhum veterinário.
Na primeira fase da República, segundo a mesma autora, houve um aumento
da oferta de escolas agrícolas. No período de 1910 a 1930, foram criadas 17 delas que,
juntamente com as do período imperial, ofereciam vinte escolas, sendo seis com cursos
de agronomia e veterinária; dez somente com curso de agronomia e quatro com curso de
veterinária. Melhorou a oferta de instituições agrícolas, mas ainda não foi o ideal.
Formaram-se mil quinhentos e setenta e sete agrônomos e trezentos e noventa e quatro
veterinários.
Só em 1942, a Lei Orgânica do Ensino Industrial criou o sistema de escolas
agrotécnicas, ainda não atendendo à demanda da população brasileira. E os
estabelecimentos de ensino agrícola não poderiam funcionar sem prévia autorização do
Ministério da Educação, reforça Franco.
Quanto ao tempo útil, a necessidade da escola em favorecer a
profissionalização dos educandos, na sua maioria de classes populares, propiciou a
organização rígida de um horário, evitando a ociosidade e valorizando o tempo útil.
Na escola “Gustavo Dutra” os discentes também eram os facilitadores do
trabalho no campo, as tarefas eram realizadas por eles no destocar dos campos no
enxadão até ao cuidado do gado. Alunos eram responsáveis pela limpeza do
estabelecimento, produção de hortaliças, plantio de culturas etc. A aprendizagem
ocorria na inteireza também da prática. A conciliação de trabalho e estudo deveria
utilizar o tempo de uma maneira profícua. A instituição mantinha um controle
minucioso de todos os alunos para a boa realização de todas as atividades.
Novas fórmulas empregadas para a expansão e produtividade agrícola são
evidenciadas. O trabalho associado ao estudo, principalmente no que tange à formação
dos discentes, era enaltecido, e os que infligiam as normas e deveres disciplinares
sofriam conseqüências de diversas formas.
Novas tendências de punições e castigos apresentam-se comuns no século
XX. O essencial era corrigir e reeducar. Assim, a observância pelos guardas, pelos
inspetores escolares e outros se tornava importante para todo o proceder disciplinar.
Ao investigar o acervo do Centro Federal de Educação Tecnológica de
Cuiabá, foi encontrado um livro de registros de atividades estudantis dos anos 40 e 50,
51

donde se observa a caução disciplinar a discentes que procediam de maneira irregular. A


observância dos discentes era notória e apresentava-se como fator representativo do
cotidiano escolar.
Existia o conselho de professores, como foi observado no livro de registros,
para tomada de decisões importantes com relação aos “maus alunos”.
Em um livro ata, encontrado em arquivo da Secretaria Escolar do Centro
Federal de Educação Tecnológica de Cuiabá, foi possível conhecer os bons alunos, os
que eram disciplinados, os que atendiam a todos os deveres. Eram eles que faziam todas
as tarefas escolares solicitadas pelos professores, acatavam as ordens, eram pontuais e
assíduos, contribuindo também na limpeza das instalações escolares e conservação dos
equipamentos, no zelo pelo patrimônio da escola; na comunicação de afastamento da
escola quando necessário, no cumprimento de todas as atividades e no cumprimento das
normas, instruções e regulamentos da Instituição.

1-As sanções disciplinares

De saída, ao se mencionar as sanções disciplinares, vem à mente os castigos


como um universo não estranho à sociedade brasileira e mundial. Ao fazer um
retrospecto da linha histórica, pode-se atentar para os vários fatores relacionados a um
corpo maior que seriam os castigos.
Quanto à própria significação da palavra castigo, Siqueira, assim define:
“Castigo, de maneira genérica, significa a aplicação de um corretivo que pressupõe a
transgressão de regra estabelecida. Na medida em que as sociedades foram sofrendo
transformações, especialmente a partir do momento em que passaram a ser regidas por
leis e normas escritas, verificamos claras alterações no uso dos castigos” (SIQUEIRA,
2000, p. 238).
Como delineamento de todo um processo que se restringe no final aos
castigos escolares, é possível vislumbrar a escravidão no Brasil como um dos elementos
para o desenvolvimento das punições. Toda sorte, ou melhor dizendo, todo tipo de
agressões físicas, ocorreu nos meandros da escravidão no Brasil. Depois dos
sofrimentos dentro dos navios negreiros, com mais de mil africanos, amontoados e
52

mantidos com correntes, em porões escuros e com pouco ar; os negros, depois de
escaparem do sarampo, da disenteria, do escorbuto ou alguma outra moléstia, eram
vendidos aos fazendeiros e sofriam de todo os tipo de castigos: surras, chicotadas,
prisões a correntes de ferro, uso de colares de ferros, privações de alimentações, uso de
botas de ferro ou de instrumentos para esmagar os polegares, colocações de cangas etc.
Os fazendeiros, os senhores feudais, os capitães-do-mato, eram protegidos por uma
legislação que permitia castigos, penas e maus tratos. Em uma das estrofes de “A
canção do africano”, Castro Alves retrata, em Espumas Flutuantes, o castigo mais
brando aplicado ao escravo, a surra:

“O escravo então foi deitar-se,


Pois tinha de levantar-se
Bem antes do sol nascer,
E se tardasse, coitado,
Teria de ser surrado,
Pois bastava escravo ser”

Castro Alves retratou poeticamente cenas dantescas dos castigos aplicados


aos escravos mesmo dentro dos tombadilhos “Em sangue a se banhar. Tinir de
ferros...estalar de açoites...” (ALVES, 2005, p. 184). E além de tudo isso, “Ouvem-se
gritos...o chicote estala. E voam mais e mais...”
Dos acordes da poesia, às manifestações propriamente ditas, os castigos
foram e continuam a serem aplicados a toda gama de condenados no Brasil, só que os
pobres e desvalidos, tão citados pelos políticos da República, continuaram a receber os
presentes do infortúnio da sorte, sendo os mais perseguidos.
Dos castigos aplicados aos negros aos castigos da violência política, a
exemplo castigos aplicados ao marinheiro, João Cândido, juntamente com outros 2.400,
no mês de novembro de 1910, se rebelaram e lutaram contra os castigos físicos das
chibatas aplicadas aos marinheiros do Brasil. Observam-se também castigos às
mulheres numa sociedade machista e patriarcal e, finalmente, castigos aplicados aos
alunos no interior das escolas.
As punições, como enfaticamente são delineados no texto, não são somente
as físicas, mas também de ordem moral, que ultrajam os seres como pessoas, tanto os
escravos, como os marinheiros e como todos os que carregam nos corpos as forças dos
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castigos e suas marcas profundas: de decepção, de moléstias mentais, de anulação de


privacidade etc.
Com relação aos castigos físicos escolares, muito se tem para analisar. Por
muito tempo, passaram a ser silenciados dentro dos espaços escolares principalmente
depois da Lei de 15 de outubro de 1827, pela qual “os castigos físicos ficavam
proibidos nas escolas, devendo ser substituídos pelos morais” (SIQUEIRA, 2000,
p.240).
Os castigos como palmatórias, reguadas, puxões de orelha, joelhos no milho
e outros, continuaram a existir secretamente nos âmbitos escolares. Os castigos físicos e
mesmo os morais permaneceram na obscuridade.
O silêncio parece ser uma arma de esconder verdades mantidas por todos os
responsáveis pelos castigos escolares. A manutenção do poderio dos superiores frente
aos menores na escala escolar, o acatamento às ordens estabelecidas pelos educandários,
o tornar selvagens em civilizados - muito próximo ao ideal do bom selvagem,
apresentado por Rousseau, e na nova resolução dos acontecimentos, a disciplina se vale
mais dos castigos morais do que dos físicos, afinal, os morais eram vistos como bem
melhores na ordem das influencias quanto aos homens em geral.
Dentro dos estabelecimentos de ensino, os castigos morais são evidenciados
com mais facilidade do que os físicos, entretanto, aparecem mais as listas de sanções do
que propriamente os resultados a elas aplicadas.
Os castigos morais são importantes quando não são respeitadas as sanções
disciplinares, analisadas uma a uma para manutenção de uma ordem pré-estabelecida
que culminará no sucesso em se formar estudantes prontos para uma vida cheia de
regras de conduta, de trabalho a serem cumpridos na lavoura, nas propriedades, nas
fábricas...
Todos os sistemas disciplinares funcionavam como um pequeno mecanismo
penal com leis próprias, delitos especificados, formas particulares de sanções e
instâncias de julgamento. Foucault evidencia:

Na oficina, na escola, no exército funciona como repressora toda uma


micropenalidade do tempo (atrasos, ausências, interrupções das
tarefas), da atividade (desatenção, negligência, falta de zelo), da
maneira de ser (grosseria, desobediência), dos discursos (tagarelice,
insolência), do corpo (atitudes ‘incorretas’, gestos não conformes,
sujeira), da sexualidade (imodéstia, indecência). Ao mesmo tempo é
54

utilizada, a título de punição, toda uma série de processos sutis, que


vão dos castigo físico leve a privações ligeiras e as pequenas
humilhações. Trata-se ao mesmo tempo de tornar penalizáveis as
frações mais tênues de conduta, e de dar uma função punitiva aos
elementos aparentemente indiferentes do aparelho disciplinar:
levando ao extremo, que tudo possa servir par punir a mínima coisa:
que cada indivíduo se encontre preso numa universalidade punível-
punidora (FOUCAULT, 2005, p.149).

As sanções normalizadoras foram encontradas pelo professor Abimael


Antunes Marques, ex-mestrando da UFMT, autor da dissertação Aprendizado Agrícola
“Gustavo Dutra”: seu papel e importância no contexto agrícola de Mato Grosso
(1943-1947), em um documento de Aviso aos alunos da data de 25 de fevereiro de
1947. Eram consideradas penalidades quando:
a) desobedecessem às ordens dos guardas ou se recusassem a executar
trabalhos para os quais fossem designados;
b) deixassem de cumprir rigorosa disciplina em trabalhos em classe e nas
refeições;
c) deixassem de observar os princípios da higiene ou, por motivos não
justificados, apresentasse as vestes rotas ou sujas;
d) provocassem distúrbios, brigas ou confusões, principalmente nas horas
de trabalho;
e) não observassem o devido respeito aos guardas, professores, chefe de
disciplina ou visitantes;
f) por desleixo ou propositadamente, inutilizassem peças de vestuário ou
sapatos, sendo que, neste caso, a conta seria remetida aos pais ou responsáveis para a
devida indenização;
g) sem a autorização dos vigilantes, se afastassem da escola para os
campos e matas ou se aproximassem dos veículos que passassem pela estrada;
h) depredassem árvores, culturas, ou maltratasse aves e outros animais ou,
ainda, apanhasse frutas sem a devida autorização;
i) deixassem de obedecer ou respeitar o seu colega em serviço de
vigilância ou de guarda.
Os desvios eram passíveis de penas. As penalidades chegavam às
repreensões, exclusões momentâneas das aulas, privações de recreio e de finais de
semana, repreensões do Diretor em presença dos alunos, privação de saída, suspensão
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das aulas por oito dias e, expulsão da escola. Para cada indisciplina, constante no aviso
aos alunos, uma penalidade ou mais era aplicada.
Marques apresenta um educandário que mantinha controle minucioso de
todos os passos dos alunos, a fim de que se pudesse classificá-los e julgá-los. As
enumerações das sanções disciplinares guardavam uma estratégia de dominação dos
discentes que viviam no educandário agrícola. Ao analisar um por um dos itens
relacionados, se detectam os reduzidos limites da área de ação dos educandos. Deveriam
manter-se sempre nos arredores próximos do prédio principal escolar, para favorecer o
controle. Nos itens g e h, a necessidade em não se afastarem da escola até mesmo
proporcionando a manutenção do meio ambiente externo que seria a natureza nativa da
região, não depredando árvores, plantas e mantendo além da fauna, a flora da região.
Princípios ecológicos eram valorizados na época, mas em vez de
conscientização da preservação da biodiversidade regional, penalidades eram aplicadas
aos indisciplinados.
A natureza passa mais a ser um dos elementos comuns a todo o processo de
disciplina escolar que aparece tanto na área interna como externa. Os educandos
deveriam seguir criteriosamente os passos correlacionados pelas autoridades da escola.
A manutenção do mobiliário, da estrutura arquitetônica, o respeito aos materiais
escolares a eles confiados e, afora a valorização dos pertences escolares, o respeito à
natureza que os cercavam.
O respeito às autoridades, aos visitantes, também, eram itens a serem
seguidos por parte dos discentes. O diretor, os guardas, os professores e outros
constituíam seres imbuídos de autoridade dentro da instituição de ensino, Autoridades
reflexo de uma época em que a lei era imposta não com atitudes de tortura por parte dos
responsáveis pela disciplina, como no Ancien Régime, mas através de regulamentos e
controles, próximos ao Iluminismo, que deixavam restritos os educandos a uma área de
atuação que não excedia o campo escolar e que mantinha a valorização das autoridades
como via de regra para o bom andamento da instituição.

2- O assujeitamento
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Meio dia de viagem para uns, quatro horas para outros, era a distância, da
Escola de Iniciação Agrícola “Gustavo Dutra”, até a capital. Depois de prestar
vestibular no Palácio da Instrução em Cuiabá, o jovem, qualificado para ingressar na
instituição, deixava a casa dos pais, despedia-se dos parentes e ia fazer parte de um
outro mundo, o de São Vicente era bem diferente do doméstico. Ele, como aluno de
internato, não fazia mais parte da sua própria cidade.
Entrava na instituição como um ser feliz, por vencer a prova classificatória e
ter sido aprovado depois de concorrer com vários outros, para alcançar, quem sabe, a
primeira vitória em um concurso e poder fazer um curso em uma escola federal,
novidade para os anos 40 e 50.
O senhor Aldenor Germando dizia ser esta uma outra época na qual as
crianças andavam descalças, não conheciam papel higiênico e muito menos descarga, e
tomar refrigerante era uma novidade em tanto.
A estrutura física da escola de S. Vicente parecia ser um outro mundo com
banheiro, papel higiênico, quarto etc. Os discentes recebiam da Superintendência do
Ensino Agrícola os materiais escolares completos, as fardas, diferentes para os trabalhos
práticos e para as aulas nas salas de aula. Os alunos enalteciam a beleza do uniforme, a
presença dos cadernos escolares, do livro didático, da pasta escolar, dos lápis, afinal,
tudo era novidade.
A botina e o sapato também eram inusitados para muitos que vinham do
garimpo ou de alguma propriedade rural. Até os da cidade achavam diferentes os
calçados. Assim, passavam de sem-calçados para calçados, mantendo os pertences
limpos e organizados.
Antes, ninguém se valia de organização e muito menos de limpeza, afinal,
as casas quando não eram de pau-a-pique, eram de palha. As crianças corriam,
brincavam, banhavam em córregos e rios, não conheciam chuveiro nem lavanderia.
No entanto, o discente, como sujeito de suas próprias ações, ao longo dos
vários anos não estudados na Gustavo Dutra, era notório desenvolver um outro modo de
ser dentro da instituição educacional. Em estudo de documentos encontrados no
CEFET, Centro Federal de Educação Tecnológica, identifica-se uma escola em que o
discente exercia um papel inicial ao adentrar no educandário, transformando-se em um
outro ser, no decorrer dos vários anos.
57

Essa modificação se processava em função dos regulamentos, normas,


condutas dos professores e dos funcionários em geral. Mesmo à distância entre a escola
e a capital, Cuiabá, colaborava para fazer deste ser um outro.
Os hábitos anteriores como ficar descalço ou, quem sabe, brincar, conversar
até altas horas, eram deixados de lado.
Um outro responde melhor aos comandos superiores, satisfazendo todo um
processo bem modelado onde, até mesmo os funcionários, passam a ser outros sujeitos
ao longo dos anos.
Ser tão importante a fazer a glória de uma época. A professora Anna Luiza
de Abreu Freitas, professora Anita, chegou no início da instituição. Nos anos 40,
conheceu todo o iniciar da Gustavo Dutra. Em fala revestida pela emoção, disse ter
vindo ainda jovem, deixando a capital e família para constituir um novo mundo.
Assinou termo de exercício no Aprendizado Agrícola “Gustavo Dutra”, redigido pelo
senhor Alcides Dutra:

Termo de exercício que assina a professora Senhorinha Ana Luiza de


Abreu, como abaixo se declara.Aos quinze dias do mês de janeiro de
1945, no Aprendizado Agrícola Gustavo Dutra, compareceu a
professora senhorinha Ana Luiza de Abreu, a quem dei exercício do
cargo de professora auxiliar do Aprendizado Agrícola Gustavo Dutra,
para o qual foi nomeada por portaria número 140 de 15 de Dezembro
de 1944 do Snr. Superintendente do Ensino Agrícola e Veterinário
Dr. Newton Belleza com a promessa de bem e fielmente
desempenhar as obrigações inerentes ao dito cargo. Do que para
constar eu, Alcides Dutra, Técnico Agrícola, interino, respondo pelo
expediente do Aprendizado Agrícola Gustavo Dutra, lavrei o presente
termo que vai devidamente assinado. Aprendizado Agrícola Gustavo
Dutra, 15 de janeiro de 1945.

Em São Vicente, a docente trocou a sociedade da capital por uma sociedade


disciplinar, tão próxima aos papéis foucaultianos. A falta de lazer, a não-presença de
familiares e muito mais gritavam e colaboravam para modelar um externo passível de
construção.
58

Uma construção de si e de vidas. A professora, sem perceber, foi se


assujeitando. “Através dessa técnica de sujeição, um novo objeto vai-se compondo e
lentamente substituindo o corpo mecânico” (FOUCAULT, 2004, p. 131).
A jovem, de natureza introspectiva, e um tanto quanto inocente, passou a
receber conselhos já do Arcebispo de Cuiabá, nos anos 40, para se portar de maneira
séria e fechada; tão próxima aos ditames e regulamentos de boa conduta de uma jovem
seguidora dos “bons costumes” da época.
A necessidade em ingressar em uma instituição federal urge como fator
importante para o respeito às ordens e à manutenção de uma integridade como
professora e mulher de respeito e de boa reputação. Aquele que viveu em São Vicente
não foi levado à força, nem muito menos obrigado a permanecer ali. As forças como um
todo, ajudaram a reforçar a sua permanência na instituição.
Apesar de ter sido professora no Asilo Santa Rita, em Cuiabá, Anna Luiza
assumiu um outro modo de atuação na escola agrícola.
O ex-aluno da professora, o senhor Sinval Jorge, coordenador financeiro do
CEFET-Cuiabá, disse que a professora mantinha respeito em sala de aula e afiançou que
para perguntar algo para ela era preciso levantar uma das mãos e esperar a atenção da
mesma.
O silêncio era um dos elementos importantes para o funcionamento de toda
a engrenagem disciplinar. O educando permanecia em silêncio durante todas as aulas.
Se, por acaso, necessitasse de alguma explicação por parte da autoridade superior, no
caso o professor, deveria levantar uma das mãos para, quem sabe, ouvir a resposta pelo
docente.
A linguagem não-verbal era uma forma de significação por parte de todos.
Um simples gesto afirmativo para dizer o sim, um olhar severo para afirmar o silêncio,
o levantar do corpo como forma de expressar respeito por uma das autoridades escolares
e tantas outras formas de corresponder à disciplina escolar.
O assujeitamento era bem melhor. As lembranças das brincadeiras na rua, os
gritos eufóricos por mais uma partida de futebol, a liberdade de correr ao vento, feito
uma pluma distante de regras e dissabores das obrigações impostas na instituição de
ensino, passaram a ser coisas de outra época.
Sob um olhar minucioso em um livro de registro de conduta dos discentes
dos anos 40, redigido pelos guardas, a sujeição também se fazia presente. O dito bom
comportamento, as notas satisfatórias, o acatamento de normas e regras, eram
59

respondidas com atitudes benéficas por parte de todos, enquanto, o desvirtuamento


gerava punições, castigos e até o desligamento da instituição.
O discente fazia parte de uma engrenagem disciplinar. O desvirtuamento por
parte do mesmo poderia fazer com que todos os outros elementos não funcionassem de
maneira satisfatória. Processo, um tanto quanto mecânico, deveria estar sempre a
contento para o bom funcionamento escolar.
Os alunos não eram analisados como pessoas capazes de errar, de ter
sentimentos, de ter necessidades físicas ou psicológicas. A fadiga, a solidão e outros,
não eram vistos com bons olhos pelos responsáveis pela organização disciplinar.
Carlos Roberto Jamil Cury, em “O trabalho como elemento da cultura”,
define cultura como “todo o processo de produção da existência em geral” (INEP/MEC,
1982). Em suma, cultura é um processo não apenas restrito à erudição, entretanto, um
termo mais amplo que abarca as relações familiares, o trabalho humano e outros como
suas partes fundamentais e integrantes.
Uma análise, da constituição da população de São Vicente, dos anos 40 e
50, pode-se atestar uma variedade de culturas que se entrelaçavam formando um corpo
estudantil heterogêneo. Os sujeitos chegavam à instituição com uma cultura advinda de
um mundo familiar, diferenciada de aluno para aluno, de servidor para servidor. Até
mesmo, as residências familiares eram distintas umas das outras, pois vinham de várias
localidades do Mato Grosso, dentre elas, Poxoréo, Cuiabá, Rosário Oeste, Alto
Araguaia, Santo Antonio do Rio Abaixo, Nossa Senhora do Livramento, Várzea
Grande, Nobres, Guiratinga, Diamantino, Alto Paraguai, Pedra Preta, Barra do Garças
etc e também de outras regiões do Brasil.
A segunda característica cultural da população de São Vicente diz respeito à
formação profissional dos pais dos discentes. Os alunos possuíam suas origens em
famílias de garimpeiros, pecuaristas, agricultores, motoristas, pescadores, boiadeiros
dentre outros, na sua grande maioria pobres e nascidos principalmente do próprio
Centro-Oeste.
Em terceira instância, os discentes que chegavam à instituição procuravam
nela algo mais, que não fazia parte de suas próprias culturas. A apropriação de uma
maior erudição sobeja à vontade de famílias das sociedades brasileiras, a utilização de
bens não-comuns ao meio familiar eram necessidades imperiosas para os
desafortunados de riquezas. Objetivavam ter acesso às profissões mais avantajadas
60

socialmente, assim como, o acesso a instituições de renome nacional ou, quem sabe,
internacional.
Dentro da instituição, o sujeito se via diante de uma cultura escolar
específica das escolas agrícolas. A cultura escolar ocorre dentro de um processo
complexo de interação e adaptação, onde o sujeito não se desfaz da cultura pré-
existente, mas dentro da instituição interage e se adapta aos moldes estabelecidos pelo
educandário. O ser começa a passar por mudanças radicais. A seqüência de papéis nas
rotinas diárias se faz sentir desde o despojamento do ser anterior. Ele, dentro da escola,
exerce funções de faxineiro, de secretário, de professor e outros. O professor Castilho
Destéfani mencionou as várias funções do professor dentro da escola. Dizia ele que no
período de férias escolares dos alunos, os professores lixavam carteiras, arrumavam
cartazes, organizavam salas de aulas...
O isolamento dentro do São Vicente, as proibições, os horários demarcados
e tantos outros favoreciam a mudança do ser. O outro ser, além de responder melhor aos
comandos superiores, favorecia o cultivo de um modelo próximo ao que se esperava
fora da instituição. Nesta, o novo caráter, mais racional, pronto a receber ordens,
disciplinado, satisfazia aos imperativos de ordem militar e de individualidade das
organizações públicas. O indivíduo se despojava do velho ser por sua própria vontade,
passando a sujeitar-se à sua nova identidade, para enquadrar num mundo que responde
a suas próprias necessidades.
Foucault identifica dois sentidos para palavra sujeito: “sujeito submetido ao
outro pelo controle e dependência, e sujeito fixado a sua própria identidade pela
consciência ou conhecimento de si. Nos dois casos, a palavra sugere uma forma de
poder que subjuga e sujeita” (FOUCAULT, 1995, p. 302-303).
No depoimento dos entrevistados, principalmente no do professor Castilho
Destéfani, a instituição de São Vicente passou a ser exaltada por diferir das escolas
atuais, os discentes do século XXI apresentam um caráter indisciplinado, se comparado
aos discentes da Escola de Iniciação Agrícola “Gustavo Dutra”:

“O regime, naquela época, era praticamente militar [...] Os pais dos meninos
gostavam muito porque os meninos se transformavam em disciplinados”.

A instituição era vista com muito bons olhos por todos, por passarem a
valorizar as tecnologias empregadas por parte do Estado. Os seres humanos percebem
61

que exige toda uma engrenagem, a maioria dos seus elementos, do maior ao menor em
posição social, respondia a contento
O indivíduo passava até mesmo a se sentir bem em estar em São Vicente,
pois aí se formou uma outra família e a escola possibilitava-lhe subir ao patamar da
universidade, conseguir projeção social... Afinal, aqueles que viveram em São Vicente
não serão nunca os mesmos, pois as modificações relacionadas com o ser, realizadas
em benefício da própria sociedade disciplinar e alcançando os méritos do progresso
pessoal, favoreciam a valorização.

3-A moralidade

Hilton Jupiassú e Danilo Marcondes (2001), definem moral em sentido mais


amplo, como sinônimo de ética, como teoria dos valores que regem a ação ou conduta
humana, tendo um caráter normativo ou prescritivo e, em sentido mais estrito, a moral
diz respeito aos costumes, aos valores e às normas de conduta específicos de uma
sociedade ou cultura, enquanto a ética considera a ação humana do seu ponto de vista
valorativo e normativo, em um sentido genérico e abstrato.
Pode-se diferenciar a moral do bem, da moral do dever, segundo Marcondes
e Jupiassú (2001). A primeira constitui o que é considerado como bem para o homem: a
sua própria felicidade, a realização, o prazer e como se pode atingi-lo, enquanto a moral
do dever é uma necessidade de realizar uma ação por respeito à lei. Kant atribui a moral
à esfera da razão prática que responde a pergunta: “O que devemos fazer?”.
Ao considerar a resposta do que devemos fazer dentro de nossa pessoa e
fora também agem várias respostas a nos afugentar integralmente. Afinal, até mesmo o
que é felicidade para o homem, o que é realização; são muito difíceis de serem
respondidos. Ser ou não ser, eis a questão. O ser humano afugentado pela sua aparência
esconde tantas questões difíceis de serem respondidas. Daí decorre, que muitas pessoas
defendem o dito bom comportamento, a boa conduta, muito mais próxima das
62

estabelecidas pelo sistema disciplinar da época como na Escola de Iniciação Agrícola


“Gustavo Dutra”.
Toda a sociedade disciplinar escolar valoriza normas de conduta muito
próximas aos preceitos cristãos e aos preceitos militares, embora não seja uma escola
que tenha aulas de ensino religioso e muito menos de regras militares. Só que o ensino
religioso e as regras eram sinalizadas desde as missas na Igreja, em frente à instituição,
a formação da banda da escola, as regras pela escola estabelecidas de organização de
uniformes escolares, de formação da conduta de cada discente, da incorporação de
normas aos discentes confiadas etc. A própria lei Orgânica do Ensino Agrícola
demonstra ser prioritária a valorização da ordem e do respeito às autoridades superiores.
Para existir uma boa relação de todos os elementos condicionados ao disciplinamento,
as vontades pecaminosas ao homem não eram aceitas dentro da instituição.
Os próprios discursos enalteciam a conduta respeitosa do homem e da
mulher. Uma escola mais para rapazes o professor, o diretor, o servidor em geral
deveriam ter uma conduta impecável, como exemplo para os seus estudantes. A
professora Anna Luiza salienta a necessidade em se portar de maneira séria, respeitosa.
As falácias, os discursos de comportamento já eram por ela e por outros enaltecidos.
Foucault menciona que isso nada mais é do que uma técnica muito utilizada para
valorização da espiritualidade ou à economia dos prazeres individuais. Devem-se
enaltecer os aspectos maniqueístas do que é bom ou ruim para o homem.
A República de maneira em geral defende a valoração dos bons costumes,
do respeito às autoridades como padrão de comportamento. Principalmente nas escolas,
tudo favorece os passos para uma boa conduta moral disciplinar desde a arquitetura, as
disposições, as precauções tomadas, o jogo de punições e responsabilidades. O
funcionário que adentrava ao educandário, como foi visto em serviços de comunicações
dos anos 40 e 50 pelo Ministério da Agricultura, deveriam responder a todo um padrão
estipulado de cima. Eram escolhidas as pessoas, para comporem o quadro de
funcionários da instituição, por conhecimento de conduta, de origens, às vezes, até por
terem sido ex-combatentes da Segunda Guerra Mundial ou, professores com rígidos
comportamentos cristãos..
As instituições de saber e poder deveriam encobrir todos os
comportamentos não relevantes para o conjunto educacional da época. Os atos não
importantes para o homem fechado em si mesmo deveriam ser desprezados, pois o
homem respondia a todo um processo disciplinar contentando-se com ele. De gestos de
63

ordem, de valoração da discrição, do respeito em sala de aula e fora dela, de reputação a


ser mantida e muito mais de controle dos prazeres e do corpo como um todo.
Foucault evidencia estudantes que respeitavam as condutas impostas.
Fiscalização severa era impetrada no educandário para propiciar os recatos do homem.
O libertino era considerado aquele que transgredisse as regras impostas.
A Idade Média impregnou nas cabeças a valorização dos bens espirituais ao
deixar de lado todas as cantigas em favor dos gostos terrenos, das satisfações mundanas
e carnais. O Renascimento caracterizou-se pelo racionalismo, pelo equilíbrio. Nos
discursos racionais, assim, os prazeres dos homens não eram escondidos, muito menos
na moral, na biologia, na psiquiatria etc.
Em vez de esconder os fatos decorrentes do ser humano, tudo ficava às
claras, ainda mais numa instituição como São Vicente. Em um livro de registro escrito
pelos guardas dos anos 40 e 50, observa-se a tendência em culpar e tomar atitudes
contra os pecaminosos e àqueles que não possuíam uma conduta disciplinar rígida que
eram punidos severamente por todos os delitos. A punição se fazia através de trabalhos
obrigatórios, chamadas a frente e mesmo desligamentos da instituição de ensino.
No mesmo livro, os atos sexuais eram apontados como um desvio às regras
da instituição e o homossexualismo como um ato repugnante. O estudante deveria se
manter recluso para as coisas do mundo, se preocupando apenas em estudar, fazer suas
atividades práticas e manter uma boa nota nas disciplinas escolares.
Os deslizes de conduta moral não deveriam existir numa instituição que
tanto pregava a moral e seus valores através dos discursos e das ações. Entretanto, eles
às vezes, ocorriam. A professora Ana Luíza comenta que as diferenças de faixas etárias
e os dormitórios grandes eram um dos únicos fatores a desencadear, desvio da
moralidade, mesmo com o policiamento de guarda enérgico:

“Lá tinha aluno de 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23 anos.
Tinha aluno mais velho do que eu... Eles eram alojados em um
dormitório grande, lá em cima. Eu me lembro que havia um
dormitório grande. Mas tinha guarda. E guarda bom. Guarda
enérgico...Mas onde há adolescente você sabe que sempre há um
deslize. Muito distante, mas de vez em quando a gente via, porque
tem esse deslize... A escola tomava providencias. O aluno era
suspenso. Houve um deles que, parece-me, até saiu do colégio”.
64

No século XIX e no século XX, as prescrições para uma boa conduta eram
apresentadas, só que, muitos transgrediam as regras, apesar da vigilância severa. A
professora Ana cita haver guarda bom e enérgico, no entanto, os desvirtuamentos
ocorriam dentro do próprio educandário. Os pedagogos, os médicos, da época,
condenavam as práticas sexuais de crianças e adolescentes. E numa sociedade
disciplinar, como a de São Vicente, era um escândalo qualquer atitude de
desvirtuamento da moral.
Era uma ciência essencialmente subordinada aos imperativos de uma moral,
como diz Foucault, e:

[...] “cujas classificações reiterou sob a forma de normas médicas. A


pretexto de dizer a verdade, em todo lado provocava medos; atribuía
às menores oscilações da sexualidade uma dinastia imaginária de
males fadados a repercutirem sobre as gerações; afirmou perigosos à
sociedade inteira os hábitos furtivos dos tímidos e as pequenas e mais
solitárias manias; no final dos prazeres insólitos colocou nada menos
do que a morte: a dos indivíduos, a das gerações, a da espécie”
(FOUCAULT, 2003, p. 54).

Quanto aos atos sexuais, demonstravam não serem permitidos na sua


inteireza. A instituição mantinha uma moral disciplinar que não aceitava nenhum desvio
dos padrões estabelecidos. Ao considerar as velhas proibições escolares, até o namoro
era proibido no colégio, pois, afinal, uma escola que se constitui de crianças e
adolescentes não podia se valer desse expediente, muito menos ingerir bebidas
alcoólicas.
A sociedade disciplinar do século XX, exerceu sobre o corpo uma forma de
poder que depositava a impedição aos atos socialmente desagradáveis. Ao observar as
fotografias da época, pode-se observar que quando muito, uma festa da primavera ou
outra festa em S. Vicente trazia meninas de fora para dançar com os estudantes. Neste
dia, os toques, os namoros eram possíveis depois de uma dança e outra. Era o dia
esperado pelos jovens discentes e o corpo respondia aos reflexos da juventude, sem
materializar-se nas épocas da clausura estudantil. E, depois da festa, era esperar outras
oportunidades ou, quem sabe, as férias escolares para possíveis namoros.
65

Numa análise mais detida do educandário, percebe-se que a realidade se


apresenta de forma diferente. Nem todos os discentes respondiam bem ao
disciplinamento e não acatavam as premissas moralizantes de uma época que se valia do
impedimento como via de regra. Na Gustavo Dutra, longe dos burburinhos dos
fiscalizadores, o homossexualismo e outras práticas sexuais ocorriam. Os próprios
guardas relataram toda ordem de fatores de desvirtuamentos.
É inegável a participação dos guardas e de todos os responsáveis pelo
disciplinamento dentro da escola, no entanto, a indisciplina também ocorria como forma
de desvirtuamento no interior do processo. Em número menor, é claro, ou seja, os
alunos indisciplinados eram em quantidade bem menor do que os disciplinados. As
resistências ao processo existiam, porém de uma maneira reduzida. Os indisciplinados
feriam os bem comportados, pois retratavam um discurso racional contra algum item do
processo.
Depois do ato não correto, o indisciplinado fazia uma confissão das atitudes.
A pressão de toda a instituição se valia como um processo até mesmo imoral
desrespeitar as normas, as ordens superiores. Os horrores dos procedimentos incorretos
afetavam o corpo disciplinar como um todo e, por isso, deveriam ser punidas.
Através da leitura dos relatórios e livro de registros dos guardas, foi possível
identificar uma escola que se valia do interrogatório, do fazer falar, combinando a
confissão com o exame, a narração de si mesmo com o desenrolar de um conjunto de
sinais e de sintomas decifráveis. O educando não continha nos gestos uma postura falsa,
eram decifráveis os atos de conduta incorretos, tanto que a captura dos faltosos e a
descoberta das faltas eram fáceis de serem identificadas.
O dever de dizer tudo e o poder de interrogar se faziam possíveis dentro da
instituição. Os pais confiavam os filhos a uma instituição que respondia bem a todo um
processo modelar do indivíduo, aquele aceito na sociedade. Os pais passavam os seus
direitos para outros responsáveis pela boa conduta dos seus pupilos. Os maus hábitos
morais, principalmente, eram perigosos para toda sociedade.
Quanto aos atos libertinos, sexuais, deveriam ser arrancados a força para
não ocorrerem mais dentro da instituição. Como responsáveis pela boa conduta dos
alunos, os servidores não podiam permitir o desvirtuamento. Por isso, nada de
esconderijos, os atos deveriam ser medidos na sua inteireza até na calada da noite. Em
uma folha avulsa, dos anos 40 e 50, existe uma lista de alunos libertinos ou que
cometeram faltas disciplinares. As escolas internas possuem uma organização rígida,
66

tanto que não dispensam nenhum requisito para o funcionamento a contento


institucional. Regalias não são possíveis nos mínimos comportamentos de
desvirtuamento. E para cada tipo de falta, um determinado tipo de pena. Mais leve, para
os casos menos “bárbaros” e penas duras para o grande desvirtuamento.
Com relação ao sexo, a sociedade do século XX, preconceituosa, capitalista
e militar, falou sobre ele e instaurou todo um processo de escuta, através de círculos
cada vez mais fechados, onde nada escapa aos olhos vigilantes. A verdade do sujeito, na
“Gustavo Dutra” aparece em função de táticas de poder.
O sexo, as partes sexuais passam a ser de conhecimento dos jovens no
século XX através das aulas de Ciências, de Medicina e de outras disciplinas. Na escola
de Iniciação Agrícola existia a disciplina de Ciências que no próprio conteúdo,
transcrito pela professora, existia o conhecimento do corpo humano como um todo.
Assim sendo, falava-se em sexo, mas, como um mecanismo de exclusão do
educandário, já que não podia ser praticado dentro das áreas do colégio.
Em suma, o conhecimento sobre sexo era possível, porém as vias de fato
não deveriam ocorrer por força de regulamentos e falares escolares. Entretanto, como o
que é proibido fascina, principalmente para os adolescentes, a vontades de saber mais
ocorria em alguns momentos, de maneira escondida na hora da prática e, aberta, quando
se era descoberto o ato ilícito.
Os depoimentos dos professores e ex-alunos da escola esclarecem muito
quanto aos padrões de moralidade que se assentava em não ferir uma comunidade
escolar que se valia de princípios bem estruturados de conduta. Era considerado imoral
o aluno que praticava o sexo dentro da instituição, que imolasse o colega com atos de
permissividade verbal ou em termos de ações contra os mesmos.Então, havia uma
censura dentro da instituição que se valia do mutismo sexual, do mutismo de atos
pecaminosos dentro da instituição. Não que o sexo fosse um erro, mas, um pecado
dentro da escola. Assim sendo, os mecanismos de censura respondiam bem a todo um
processo que valorizava mais o trabalho intelectual e físico. Devia se dirigir às mentes
para outros propósitos mais importantes, socialmente falando, pois os alunos
ingressaram na instituição com uma finalidade importante para os pais, para os
condutores do processo e para a sociedade do século XX.
67

CONCLUSÃO

Na Idade Moderna, as instituições educacionais se colocam em perfeita


simbiose com a investigação histórica das várias representações do ser humano.
Foucault, além de historiador das idéias, se tornou historiador social e quanto
historiador social observou a história nos seus múltiplos aspectos, ao mostrar como a
sociedade age na formação de mentalidades educativas, de valores pedagógicos, de
práticas formativas. Foucault foi um crítico das interpretações teológicas da história
com relação ao progresso, à evolução, ao crescimento da liberdade e ao individualismo.
Redigiu uma história intelectual que incluía práticas e teorias, corpos e mentes como
afiança Peter Burke (2006). A Escola de Iniciação Agrícola “Gustavo Dutra”, nas
décadas de 40 e 50, século XX, ansiava reproduzir uma sociedade disciplinar muito
próxima dos modelos foucaultianos vistos no correr do trabalho. Ao lado de todo um
ideário de vocação agrícola, que permeava os discursos dos dirigentes da época,
também almejava a possibilidade de desenvolvimento técnico necessário para dar
impulso à agricultura mato-grossense, além de valorizar a colonização das terras ditas
produtivas.
Instituição considerada como formadora dos menos favorecidos
socialmente, dos destituídos da riqueza econômica, incluía também em seus quadros
alunos das mais diversas origens até mesmo filhos de pecuaristas, garimpeiros e outros
bem sucedidos. Afinal, a falta de muitas escolas agrícolas federais no Brasil e o sistema
seletivo excludente impedia a entrada de muitos jovens na escola.
Uma rede de poderes moleculares se expande por toda a sociedade. O poder
dentro da “Gustavo Dutra” reflete essa rede que não é apenas própria do repressivo, mas
também, disciplinar e normalizador.
Ao reparar nas minúcias institucionais, pode se detectar as operações de
controle do corpo, que asseguram a sujeição constante de suas forças, como diz
Foucault, e lhes impõem uma relação de docilidade-utilidade.
A arquitetura escolar, o espaço escolar, os horários rígidos, os condutores do
processo favorecem o disciplinamento na escola.
Para a manutenção dentro do educandário, o aluno ia se assujeitando e se
transformando em um outro que respondia melhor a todo um processo disciplinador. Os
68

indisciplinados respondiam a todo um movimento não comum à instituição e podiam até


mesmo ser desligados do processo. A indução de novas formas de pensar, remete às
produções de assujeitamentos, tanto que a ordem dos discursos, as regras, os
regulamentos e outros respondiam bem dentro da escola. As indisciplinas quase não
ocorriam dentro da instituição.
A moralidade dos comportamentos, também, é perceptível dentro da
instituição. O indivíduo em suas próprias ações opera como sujeito moral aos códigos
prescritivos operantes em sua cultura, mas, a inserção dentro do educandário
possibilitou até mesmo um assujeitamento moral pertinente a todo o processo
disciplinar.
Em suma, a Escola de Iniciação Agrícola “Gustavo Dutra” respondia a um
processo disciplinar que se valia do ser como um todo, principalmente como ser-poder
de ação e ser-consigo.
E mais, a escola favorecia em função de arregimentar umas mãos-de-obra
disciplinadas, aptas para o trabalho agrícola. A função desempenhada na qualificação de
trabalhadores bem comportados, moralizados de acordo com uma sociedade da época
que, por trás dos vislumbres das diferenças da instituição e frente à realidade dos jovens
mato-grossenses, também, produziam seres assujeitados e prontos para responderem
uma ordem militar e ditatorial dos governantes da época.
Não obstante, também, a instituição representou papel importante na
formação de trabalhadores compromissados com os princípios sociais de respeito às
autoridades, ao próximo e, principalmente, de conduta que não agredia os valores dos
membros da sociedade da época.
.
69

Figura 1-Vista da Escola de Iniciação Agrícola “Gustavo Dutra” em 1947 e do


Centro Federal de Educação Tecnológica no ano de 2006. Um retrato vivo das
mudanças ocorridas no Ensino Agrícola do século XX para o século XXI.
Fonte: Arquivo do Centro de Educação Permanente do Centro Federal de
Educação Tecnológica de Cuiabá.
70

Figura 2- Desfile da Escola “Gustavo Dutra”, em 1950, na BR 364- KM 329, em


São Vicente-MT. Alunos são apresentados organizados em filas.
Fonte: Arquivo da Direção Escolar do Centro Federal de Educação Tecnológica de
Cuiabá.
71

Figura 3-Sala de aula dos anos 40. Um retrato do disciplinamento do século XX.
Fonte: Arquivo da Biblioteca Escolar do Centro Federal de Educação Tecnológica
de Cuiabá.
72

Figura 4- Desfile da Escola nos anos 70. Os famosos desfiles na Avenida Getúlio
Vargas, em Cuiabá, Mato Grosso.
Fonte: Arquivo da Direção Escolar do Centro Federal de Educação Tecnológica de
Mato Grosso.
73

Figura 5- Banda de música dos anos 50. A banda comandada pelo Sargento
Albertino entoava o Hino da Escola de autoria do Doutor Áureo Lino.
Fonte: Arquivo Escolar do Centro Federal de Educação Tecnológica de Mato
Grosso.
74

Figura 6- Barragem da Escola dos anos 50. Local de produção de alevinos e de


represamento de água.
Fonte: Arquivo Escolar do Centro Federal de Educação Tecnológica de Mato
Grosso.
75

Figura 07- O pátio interno da Escola de Iniciação Agrícola “Gustavo Dutra” nos
anos 40. A arquitetura escolar e o espaço escolar do educandário.
Fonte: Arquivo da Direção do Centro Federal de Educação Tecnológica de Mato
Grosso.
76

Figura 8- Área de plantio e plantações dos anos 40.


Fonte: Arquivo da Direção do Centro Federal de Educação Tecnológica de
Cuiabá.
77

Figura 09-Atual Centro Federal de Educação Tecnológica de Cuiabá


78

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DOCUMENTAÇÃO

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Ensino Agrícola (SEA) em Superintendência do Ensino Agrícola e Veterinário (SEAV).
Legislação Republicana Brasileira: 1889-2002. Brasília, DF: Senado Federal;
PRODASEN, 2003. 1 CD-ROM.
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BRASIL. Decreto-Lei n. 22.506, de 22 de janeiro de 1947. Altera a denominação dos
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da Agricultura números 1 a 3 de janeiro e marco de 1947, página número 131- Diário
Oficial de 25 de janeiro de 1947.
BRASIL. Decreto-Lei n. 40.268 de 5 de novembro de 1956, publicado no Diário Oficial
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BRASIL. Decreto-Lei n. 9613, de 20 de agosto de 1946: Lei Orgânica do Ensino
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PRODASEN, 2003. 1 CD-ROM.

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Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação do Império. Aprova a criação da
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Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. O Ensino Superior Agrícola no
Brasil. Viçosa: Imprensa Universitária, 1991.
BRASIL. Decreto n. 1606, de 29 de dezembro de 1906: Cria uma Secretaria de Estado
com a denominação de Ministério dos Negócios da Agricultura, Indústria e Comércio.
Legislação Republicana Brasileira: 1889-2002. Brasília, DF: Senado Federal;
PRODASEN, 2003. 1CD-ROM.
BRASIL. Decreto n. 8319, de 20 de outubro de 1910: Cria o Ensino Agronômico e
aprova o respectivo regulamento. Legislação Republicana Brasileira: 1889-2002.
Brasília, DF: Senado Federal; PRODASEN, 2003. 1 CD-ROM.
BRASIL. Decreto n. 8584, de 1º de marco de 1911: Cria uma escola média ou teórico
prática de agricultura no Estado da Bahia e aprova o respectivo regulamento. Legislação
Republicana Brasileira: 1889-2002. Brasília, DF: Senado Federal; PRODASEN, 2003. 1
CD-ROM.
BRASIL. Decreto n. 12012, de 29 de marco de 1916: Transfere a sede da Escola
Superior de Agricultura e Medicina Veterinária e da Escola Média Teórico Prática da
Bahia e reúne em um só os dois mencionados estabelecimentos de ensino e a Escola de
Agricultura anexa ao Posto Zootécnico Federal de Pinheiro, com a denominação de
Escola Superior de Agricultura e Medicina Veterinária. Legislação Republicana
Brasileira: 1889-2002. Brasília, DF: Senado Federal; PRODASEN, 2003. 1CD-ROM.
BRASIL. Decreto n. 13028, de 18 de maio de 1918: Aprova as instruções estabelecendo
as condições de escolha e as obrigações dos alunos que havendo concluído o curso de
uma escola, liceu ou instituto de ensino profissional, industrial, agrícola e veterinário,
tenham de ser pelo Governo Federal enviados ao estrangeiro para aperfeiçoamento
83

técnico e profissional. Legislação Republicana Brasileira: 1889-2002. Brasília, DF:


Senado Federal; PRODASEN, 2003. 1 CD-ROM.
BRASIL. Decreto n. 14252, de 10 de dezembro de 1943: Aprova o Regimento dos
Aprendizados Agrícolas. Legislação Republicana Brasileira: 1889-2002. Brasília, DF:
Senado Federal; PRODASEN, 2003. 1 CD-ROM.
BRASIL. Decreto n. 22380, de 20 de janeiro de 1933: Dá organização às diretorias
gerais do Ministério da Agricultura. Legislação Republicana Brasileira: 1889-2002.
Brasília, DF: Senado Federal; PRODASEN, 2003. 1 CD- ROM.
BRASIL. Decreto n. 23979, de 08 de marco de 1934: Extingue, no Ministério da
Agricultura, a Diretoria de Pesquisas Científicas, criada pelo Decreto número 22338, de
11 de janeiro de 1933, aprova os regulamentos das diversas dependências do mesmo
ministério, consolida a legislação referente à reorganização por que acaba de passar e dá
outras providencias do mesmo ministério, consolida a legislação referente à
reorganização por que acaba de passar e dá outras providencias. Legislação Republicana
Brasileira: 1889-2002. Brasília, DF: Senado Federal; PRODASEN, 2003. 1 CD-ROM.
BRASIL. Decreto n. 16826, de 13 de outubro de 1944: Aprova o Regimento da
Superintendência do Ensino Agrícola e Veterinário do Ministério da Agricultura.
Legislação Republicana Brasileira: 1889-2002. Brasília, DF: Senado Federal;
PRODASEN, 2003. 1 CD-ROM.
BRASIL. Decreto n. 22506, de 22 de janeiro de 1947: Altera a denominação dos
estabelecimentos de Ensino Agrícola, subordinados ao Ministério da Agricultura,
passaram a denominação de Escolas de Iniciação Agrícola. Legislação Republicana
Brasileira: 1889-2002. Brasília, DF: Senado Federal; PRODASEN, 2003. 1CD-ROM.

Diário Oficial da União

O Decreto n. 22.506 de 22 de janeiro de 1947: Passa o Aprendizado Agrícola “Gustavo


Dutra” a denominar-se de Escola de Iniciação Agrícola “Gustavo Dutra”, publicado no
Boletim do Ministério da Agricultura números 1 a 3 de janeiro e marco de 1947, página
número 131- Diário Oficial da União de 25 de janeiro de 1947.
84

O Decreto n. 40268 de 05 de novembro de 1956, publicado no Diário Oficial da União


de 7 de novembro de 1956, página número 21139, passou a Escola de Iniciação
Agrícola “Gustavo Dutra” a denominar-se Escola Agrícola “Gustavo Dutra”.

Diário Oficial do Estado de Mato Grosso / Gazeta Oficial do Estado de Mato


Grosso / Tipografia Oficial do Estado de Mato Grosso / Publicações Oficiais

MATO GROSSO. Diário Oficial do Estado de Mato Grosso, Cuiabá, n. 4711, 14 de


julho de 1938. Repartição de Terras e Obras Públicas, p.5.
MATO GROSSO. Relatório apresentado pelo Bel. Julio Strübing Muller, Interventor
Federal em Mato Grosso, ao Exmo Presidente da República Doutor Getúlio Vargas.
Cuiabá, Instrução Pública, 1940.
MATO GROSSO. 74-1947- Livro de Registro de Mensagens Enviadas à Assembléia
Legislativa, no período de 1947-1949. Cuiabá: Imprensa Oficial.
MATO GROSSO. 75-1948- Mensagem apresentada pelo Governador do Estado Doutor
Arnaldo Estevão de Figueiredo à Assembléia Legislativa em 13 de junho de 1948.
Cuiabá: Imprensa Oficial.
______. 76- 1949- Mensagem apresentada à Assembléia Legislativa pelo Governador
do Estado, Doutor Arnaldo E. de Figueiredo, em 1949. Cuiabá: Imprensa Oficial.
______. 77-1950- Mensagem apresentada à Assembléia Legislativa pelo Governador do
Estado, Doutor Arnaldo E. de Figueiredo, em 1950. Cuiabá: Imprensa Oficial.
______. 78-1951- Mensagem apresentada à Assembléia Legislativa pelo Governador do
Estado, Doutor Fernando Correa da Costa, em 1951. Cuiabá: Imprensa Oficial.
BRASIL. Anuário (1940- 1950).

______. 79-1951- Mensagem apresentada à Assembléia Legislativa pelo Governador do


Estado, Doutor Fernando C. da Costa, em 1951 a 1955. Cuiabá: Imprensa Oficial.
______. 80-1956- Livro de mensagens apresentadas à Assembléia Legislativa no
Governo de João Ponce de Arruda, no período de 1956 a 1960. Cuiabá: Imprensa
Oficial.
85

Arquivo do Centro Federal de Educação Tecnológica de Cuiabá.

APRENDIZADO AGRÍCOLA “GUSTAVO DUTRA”. (Mato Grosso). Teses (Temas,


Assuntos) e questionários aplicados aos cursos básico e rural. Cuiabá, 1946, 56 f.
ESCOLA DE INICIACÃO AGRÍCOLA “GUSTAVO DUTRA”. ( Mato Grosso). Ata
dos exames finais dos cursos básico e rural. Cuiabá, 1947, 1f.
ESCOLA DE INICIACÃO AGRÍCOLA “GUSTAVO DUTRA”. (Mato Grosso). Aviso
aos alunos. Cuiabá, 1947, 1f.
ESCOLA DE INICIACÃO AGRÍCOLA “GUSTAVO DUTRA”. (Mato Grosso).
Boletins de média dos exercícios e trabalhos práticos dos cursos básico e rural. Cuiabá,
1947, 10f.
ESCOLA DE INICIACÃO AGRÍCOLA “GUSTAVO DUTRA”. (Mato Grosso).
Boletins mensais do curso de adaptação. Cuiabá, 1947, 10f.
______ (Mato Grosso). Boletins mensais do curso básico. Cuiabá, 1947, 10f.
______ (Mato Grosso). Boletins mensais do curso rural. Cuiabá, 1947, 10f.
______ (Mato Grosso). Boletins mensais do curso básico. Cuiabá, 1948, 10f.
______ (Mato Grosso). Boletins mensais do curso básico e rural. Cuiabá, 1949, 16f.
______ (Mato Grosso). Horário das Atividades na Escola. Cuiabá, 1947-1950, 1f.
______ (Mato Grosso). Código Disciplinar. Cuiabá, 1947-1950, 6f.
ESCOLA DE INICIACÃO AGRÍCOLA “GUSTAVO DUTRA”. (Mato Grosso).
Solicitação do Ministério da Agricultura. Cuiabá, 1948.
______ (Mato Grosso). Portaria Interna Número 33. Cuiabá, 1947, 1f.
______ (Mato Grosso). Portaria Interna Número 28. Cuiabá, 1946, 1f.
______ (Mato Grosso). Portaria Interna Número 36/46. Cuiabá, 1946, 1f.
______ (Mato Grosso). Portaria Interna Número 34. Cuiabá, 1946, 1f.
______ (Mato Grosso). Aviso sobre multas, Cuiabá, 1947, 1f.
______ (Mato Grosso). Ordem de Serviço, Cuiabá, 1947, 1f.
ESCOLA DE INICIACÃO AGRÍCOLA “GUSTAVO DUTRA”. (Mato Grosso).
Comunicação do guarda, Cuiabá, 1947, 1f.
______ (Mato Grosso). Portaria Interna número 62, Cuiabá, 1949, 1f.
______ (Mato Grosso). Livro de Registros dos Guardas. Cuiabá, 1946-1956, 100f.
86

ESCOLA DE INICIACÃO AGRÍCOLA “GUSTAVO DUTRA”. (Mato Grosso). Livro


de Registros de Material Permanente do Almoxarifado. Cuiabá, 1948-1950, 100f.
______ (Mato Grosso). Livro de Posse. Cuiabá, 1945-1950, 100f.
______ (Mato Grosso). Livro de Registro de Material de Rouparia. Cuiabá, 1946-1948,
50f.

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