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PUC-SP
Paula Maria de Assis
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Profª. Dra. Circe Maria Fernandes Bittencourt
_____________________________________
Profª. Dra. Maria do Carmo Martins
___________________________________
Prof. Dr. Mauro Castilho Gonçalves
____________________________________
Profª. Dra. Vera Lucia Gomes Jardim
____________________________________
Prof. Dr. Kazumi Munakata
Minha família: tudo
Pela paciência e incentivo de minha família, sem isso não teria conseguido!
Beto, meu grande amor; Allê, Lucas e Gabriel, razões da minha vida. Meus
pais, meus exemplos. Vivi e Juju, me completam.
Resumo .............................................................................................................. 8
Abstract............................................................................................................... 9
Introdução..........................................................................................................10
2. Levantamento bibliográfico.................................................................13
6. Procedimetnos de análise................................................................ 29
7. Divisão do trabalho........................................................................... 34
4.4.3 Organização......................................................................129
4.6.1 Leitura................................................................................138
4.6.2 Escrita................................................................................141
4.6.5 História...............................................................................146
Referências Bibliográficas...............................................................................158
Resumo
8
Abstract
9
Introdução
1
Assis, Paula Maria. A Concepção de Educação na Revista Vozes durante os debates da LDB (1956 a
1965): O Período de Frei Aurélio Stulzer. Dissertação de Mestrado. São Paulo: PUC-SP. (2008).
11
Levando em consideração a expressiva entrada de religiosos
congregados e ordenados vindos da Europa para o Brasil, e tendo em vista que
parte deles se estabelecia no país tratando de fomentar os seus próprios
aparatos didáticos e de trabalho, houve interesse em compreender uma
possível “educação dos sentidos” a partir da ação missionária desses
religiosos.
Atrelar a pesquisa de doutorado à ideia de Educação dos Sentidos veio,
em primeiro lugar, com a minha participação nas disciplinas ministradas pelo
Professor Doutor Kazumi Munakata na Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (PUC-SP), tendo ele a proposta de um novo projeto com esse mesmo
título.2
A intersecção entre os trabalhos que associam a Educação dos Sentidos
e as escolas católicas pouco existe, entretanto, sobre educação católica ou
escolas católicas há uma longa tradição na historiografia da educação que visa
discutir esse assunto. Percebe-se que nos últimos anos um número
considerável de trabalhos procura fazer uma revisão do que foi a empreitada
da Igreja nas escolas católicas.
Como forma de se efetivar com credibilidade, a escola laica que
representava os ideais da República que nascia, teve que ocupar um espaço
não apenas geográfico, mas na mentalidade de uma sociedade que era
basicamente formada dentro da tradição católica; para isso fez uso de um
subterfúgio comumente observável na historiografia, mostrar que a Educação
Católica era a representante de um sistema colonial ou monárquico
ultrapassado.
Dessa maneira, os pensadores da República, não sem tempo, trataram
de colocar o estigma que as escolas católicas carregam até os dias de hoje, o
de uma escola tradicional, no sentido de uma escola obsoleta de ideias e de
métodos.
Essa imagem é ainda hoje observável, principalmente nos cursos de
licenciatura, em que muitos trabalhos referentes a Didática3 designam como
2
O Projeto foi apresentado no mês de abril de 2012 ao Programa de Pós Graduação em Educação:
História, Política, Sociedade.
3
Entre eles: Haydt, R.C.C. Curso de Didática Geral. 8 ed. São Paulo: Ática, 2006; Libâneo, J.C.
Didática. São Paulo: Cortez, 1994; Pilleti, C. Didática Geral. São Paulo: Ática, 2010; Malheiros, B.T.
Didática Geral. Rio de Janeiro: LTC, 2012.
12
escola tradicional, as escolas de cunho religioso dentro de uma periodização
superficial da historiografia da educação. Problemas na interpretação de
conceitos (tradicional/moderno) acabam por perpetuar a ideia de que a escola
“moderna” só existe no Brasil depois da República, mais precisamente depois
da segunda década do século XX.
Doravante, podemos observar que hoje existe a preocupação de uma
retomada do tema que admite que a Igreja Católica teve uma participação
importante no processo educacional, principalmente pelo longo período em que
prestou esse serviço, e também pelo fato de ter, bem ou mal, formado grande
parte da elite política e cultural do Brasil.
2. Levantamento Bibliográfico
Não foi pretensão nessa pesquisa uma busca exaustiva da bibliografia
sobre os temas educação dos sentidos e educação nas escolas católica, os
trabalhos consultados subsidiaram a pesquisa com contextualização e
elucidação das fontes.
Recentemente, um grupo de pesquisadores vem se organizando e
elegendo a Educação dos Sentidos, em específico, a História da Educação dos
Sentidos, como campo fértil de pesquisas. Esse grupo é formado por
pesquisadores Latino Americanos4 e vem apresentando painéis em congressos
Nacionais e Internacionais5, além de realizar apresentações em seminários.
Neste momento, forma-se um projeto de pesquisa no Programa Educação:
História, Política, Sociedade (EHPS) da PUC de São Paulo.
Entre as pesquisas podemos citar os trabalhos coordenados por
Taborda de Oliveira, dentre eles o projeto em andamento “A educação dos
sentidos na história: o tempo livre como possibilidade de formação (entre os
anos finais do séc. XIX e os anos iniciais do séc. XXI)” que o seu grupo
desenvolve na Universidade Federal de Minas Gerais. Esse Projeto visa
investigar a educação dos sentidos e o tempo livre. Também há o projeto
“Transformações nos padrões de manifestação e controle corporais na escola
4
Entre eles o Prof. Dr. Kazumi Munakata, o Prof. Dr. Marcus Aurélio Taborda de Oliveira, da Argentina;
podemos apontar os trabalhos da Profª Inês Dussel e Pablo Pineau, do Uruguai o Prof. Raumar Rodriguez
e ainda na Colômbia os trabalhos de Claudioa Ximena Herrera Bletrán.
5
Como por exemplo, o painel A Educação dos Sentidos na conformação de um “Novo Mundo”, América
Latina do séc XIX e início do séc. XX., apresentado no IX Congresso Iberoamericano de História da
Educação Latino-Americana (Cihela), em 2009.
13
paranaense na passagem do modelo doméstico para o modelo graduado”
(1882-1920), desenvolvido na Universidade Federal do Paraná (UFPR) e que,
indiretamente trata da educação dos sentidos.6
Como resultado das discussões entre projetos, apontamos algumas
considerações das pesquisas realizadas pelos grupos acima citados. Sobre o
tema da educação dos sentidos, destacamos os seguintes escritos: o texto de
Taborda de Oliveira (2006, p.1-34) com o título A Título de Apresentação –
Educação do Corpo na Escola Brasileira: Teoria e História; o trabalho de
Oliveira (2006, p. 57-70) cujo título é Violência, corpo e escolarização:
Apontamentos a partir da Teoria Crítica da sociedade; e, por fim o artigo de
Jardim (2006, p. 161-181), Educação Musical: A concepção escolar para o
ensino da Música.
O texto de Taborda Oliveira (2006) é um referencial teórico consistente
para o estudo da Educação dos Sentidos, trazendo discussões relevantes para
a formação de um campo de pesquisa e as possíveis fontes a serem
pesquisadas. Trata principalmente de como o corpo pode ser moldado dentro
do espaço escolar.
Oliveira (2006) faz um estudo mais específico de como o corpo pode ser
modelado de acordo com os interesses civilizatórios, analisa, em detalhe, a
violência como uma das faces do processo formativo ou deformativo do corpo e
como é abordado na escola. Entre seus referenciais teóricos estão Foucault,
Adorno e Horkheimer.
Jardim (2006) trata o Ensino de Música como disciplina escolar,
diferenciando-o do ensino de música para a formação profissional. Para a
autora, a educação musical escolar tinha o intuito de educar, e não formar. A
investigação faz uma análise contundente sobre o despertar dos sentidos
durante o ensino de música. O livro destacado conta ainda com mais sete
artigos que tratam diretamente da Educação Física.
Outro trabalho a considerar é a dissertação de mestrado do Programa
de História da PUC-SP do pesquisador Ney Moraes Filho (1993), que aborda a
Educação dos Sentidos na Escola Nova e como as tecnologias audiovisuais
foram incorporadas no currículo de História entre os anos de 1920 a 1960. Ele
6
Financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pela
Fundação Araucária.
14
descreve a experiência dos alunos ao ter contato com essa tecnologia. Seu
principal referencial é Peter Gay, além de fazer uso do conceito de
“representação” de Roger Chartier.
Há que se destacar, também, os trabalhos desenvolvidos pelos
pesquisadores da Argentina, do Uruguai e da Colômbia, que são referenciais
de análise da relação entre a educação dos sentidos e a formação de um
“Novo Homem”, dentro da concepção de modernidade.
A pesquisadora Inés Dussel e Daniela Gutierrez, da Falcultad
Latinoamericana de Ciencias Sociales (Flacso), Argentina, organizou em 2006,
o livro Educar La mirada: políticas y pedagogias de la imagen. Este trabalho é
fruto de apresentações do Seminário Internacional “Educar la mirada: políticas
y pedagogias de la imagen” realizado em Buenos Aires, em 2005. Nesta
coletânea, os autores tratam especificamente da educação do olhar e como
normalmente as imagens são depreciadas como uma forma de representação
inferior e menos legítima que a escrita, mesmo a imagem estando presente na
educação moderna. Dussel (2006, p.11) fundamenta a teoria de que “ver,
conocer y dominar” é uma sequência epistemológica e política central da
modernidade.
Outro autor hispano americano que propõe um estudo da educação dos
sentidos e das sensibilidades é José Pedro Barran no livro em dois volumes
sobre a Historia de la sensibilidad em El Uruguay, de (1994). O autor faz uma
reflexão sobre as mudanças sociais e culturais ocorridas no Uruguai durante os
séculos XIX e início do XX. O autor chama de época “bárbara” a primeira
metade do século XIX, período em que a exacerbação da violência, do sexo,
da morte é tida como “natural”. Percebe-se a tentativa de se colocar o Uruguai
dentro de um molde europeizado, pelo qual passavam os grandes centros da
América Latina, por meio da ação de uma minoria da elite que consegue
reprimir essa cultura de sentimentos exagerados e construir uma nova ordem
de sentimentos, condizente com a esperada sociedade “moderna”.
Pablo Pienau (2008),no livro Un ensayo sobre la estética escolar,
propõe uma nova forma de ver a cultura escolar a partir de fotos e relatos de
alunos e professores. Uma análise do sentir, do ver, do tocar que são
estimulados na escola e que ao mesmo tempo são tidos como naturais, na
15
verdade foram inculcadas, imprimindo no ser “éticas y políticas” de adequação
do novo cidadão (2008).
Há também alguns grupos e pesquisadores isolados que se dedicam ao
tema, numericamente significativos estão pesquisadores da Região de Minas
Gerais e Rio de Janeiro, muito provavelmente pela vasta documentação
disponível (estamos falando de documentos do Brasil Colônia e Império),
entretanto, podemos observar que também em São Paulo se verifica a
formação de novos grupos que se propõe a fazer estudos sobre Educação e
Religião, desprovidos do pré-conceito destas escolas.
Alguns nomes merecem uma visita bibliográfica, entre eles, um em
especial, Riolando Azzi, pela sua grande produção, que é base de
praticamente todos os trabalhos posteriores sobre o tema. Esse autor teve
diversos artigos publicados em periódicos7, tanto eclesiásticas quanto
históricas, além de ser um historiador muito requisitado das Congregações
Católicas para a produção de livros sobre a atuação destas no Brasil. Um
trabalho de destaque é História da educação católica no Brasil: a expansão da
obra de Champagnat no Brasil (1999), em três volumes que descreve a
participação, além dos Irmãos Maristas, das congregações católicas dedicadas
à educação. Seus estudos, de modo geral são voltados à educação católica,
com a entrada destas novas congregações vindas da Europa, e traçam um
contexto histórico e sócio cultural do período. Esses trabalhos têm como fonte
documentos das próprias congregações, cartas e dados estatísticos.
Um grupo relativamente grande de pesquisadores tem como eixo
temático de seus trabalhos a participação da Igreja Católica, com suas escolas,
na formação da elite política e econômica no Brasil, entre eles podemos citar: o
próprio Azzi que tem diversos artigos sobre o tema; Alípio Casali, na obra Elite
Intelectual e a restauração da Igreja; Romualdo Dias, Imagens de ordem: a
doutrina católica sobre autoridade no Brasil; José Eisemberg, As missões
jesuíticas e o pensamento moderno: encontros culturais, aventuras teóricas;
7
Ver:
Azzi, R. A vinda dos padres claretianos no Brasil. Convergência, nº 111, ano XI, p.172-193, abr 1978.
______. Antigas ordens religiosas do Brasil extintas no período colonial e imperial. Convergência, nº
100, ano X, p. 110-123, mar 1977.
______. Dom Macedo Costa e a reforma da Igreja no Brasil. REB, vol. 35, fac. 139, p. 683-701, set 1975.
______. O fortalecimento da restauração católica no Brasil (193-1940). Síntese-nova fase, nº 17, vol. VI,
p. 69-85, set-dez 1979.
16
Luiz Gonzaga de Souza Lima, Evolução política dos católicos e da Igreja no
Brasil: hipótese para uma interpretação; Ivan Manuel, Igreja e Educação
Feminina (1859-1919): Uma face do conservadorismo; Sergio Miceli,
Intelectuais e classe dirigente no Brasil (1920-1945), A Elite Eclesiastíca
Brasileira e Intelectuais à Brasileira. Essa categorização, relativamente
superficial, coloca aqui trabalhos de cunho histórico, sociológico e teológico.
Das novas pesquisas, também destacarei os trabalhos de Paula
Leonardi, que tem um apego às ordens e congregações religiosas femininas,
desenvolvendo um trabalho de gênero. Nessa linha também podemos incluir
Ivan Manuel entre outros. O livro Estado, Igreja e Educação: o mundo ibero
americano nos séculos XIX e XX, organizado por Wenceslau Gonçalves Neto,
reúne trabalhos desenvolvidos sobre a temática no Brasil, na América Latina e
nos países Ibéricos.
Especificamente sobre a história da educação católica no Brasil, no
período delimitado desta pesquisa, além dos já citados, os trabalhos
desenvolvidos pelos grupos de pesquisa Focus (Unicamp), coordenado pela
Profª Drª Agueda Bernadete Bittencourt; GEHER – Grupo de Pesquisa História
de Educação e Religiões (FE-USP), Grupo de Pesquisa Educação, Cultura e
Fenômeno Religioso (UERN); GPER – Grupo de Pesquisa Educação e
Religião (PUC-PR); PPE – Grupo de Pesquisa Política, Religião e Educação na
Modernidade (UEM); são significativos pelo número de trabalhos publicados
sobre o tema. Devemos considerar também que outros grupos de pesquisa,
que não os ligados diretamente à educação, também produzem trabalhos
sobre o tema, dentre os quais gostaria de destacar os trabalhos dos
pesquisadores do GEPHE – Centro de Pesquisa em História da Educação
(UFMG).
17
questão. Entretanto, traçar a história da Europa no século XIX sem um recorte
é uma empreitada praticamente impossível. Da mesma forma, contextualizar a
História da Igreja Católica no período, torna-se tarefa tão extensa quanto
contextualizar a História da própria Europa. Portanto, esta pesquisa parte de
um recorte entre os acontecimentos relativos à educação, ou à produção do
conhecimento na Igreja Católica no Século XIX.
A seleção bibliográfica teve bases nos trabalhos desenvolvidos pelos
pesquisadores brasileiros já citados anteriormente. Dentre as referências
podemos mencionar o trabalho de L.J. Rogier e R. Aubert: Nova História da
Igreja, cuja publicação em 5 volumes traz novas abordagens sobre a História
da Igreja, privilegiando os novos trabalhos desenvolvidos na Europa e Estados
Unidos da América. Importante destacar nessa obra o seu discreto toque
apologético, em alguns momentos até mesmo crítico, diferente de trabalhos
desse tipo que geralmente têm o comprometimento com a instituição.
É o caso do trabalho de Raymond Corrigan, A Igreja e o Século
Dezenove, apesar de apologética, tem seu valor na informação de fatos e
dados estatísticos sobre o século XIX. Também importante para esta pesquisa
é o trabalho de August Franzen, Breve História da Igreja, que teve sua primeira
publicação em 1965 e foi atualizada até 1988, cujo conteúdo é dividido em
quatro áreas temáticas: Igreja, Papas, Teológica e Universal.
Foram importantes referências obras como o Lexicon: Dicionário
Teológico Enciclopédico, publicado pela editora Loyola. O pequeno dicionário
da história da Igreja de Paul Christophe. De Peter Eicher, Dicionário de
Conceitos Fundamentais de Teologia. E também Dicionário de teologia
fundamental, de Rino Fisichella.
O início do século XIX é marcado pelo debate, dentro da Igreja, que
apontava em duas direções opostas, uma com tendência progressista e que
acreditava em um diálogo com a modernidade e outra conservadora que
acreditava que a contaminação com o mundo moderno colocaria em risco a
sobrevivência da Instituição. Esse debate teve altos e baixos durante todo o
século em questão, com várias correntes filosóficas que tentavam justificar as
posições assumidas. Em 1879 o então Papa Leão XIII faz uma tentativa de
estabelecer um consenso entre linhas divergentes e declara que a base do
18
pensamento católico naquele momento deveria ser norteado por Santo Tomás
de Aquino, na encíclica Aeterni Patris, em 4 de outubro.
Nesta pesquisa alguns excertos de Santo Tomás de Aquino foram
revisitados, entre eles partes da Suma Teológica, e DeVeritate. As obras que
tratam do pensamento tomistas também foram discutidas, entre elas, História
da Filosofia: Filósofos da Idade Média, de Theo Kobuch (org), que trata da obra
de Santo Tomás de Aquino ainda na Idade Média e de como esse pensamento
influenciou todo um grande período da História da Igreja e da sociedade
medieval.
A obra Iniciação à Filosofia de S. Tomás de Aquino, de H.D. Gardeil,
divide-se em duas partes, a primeira trata das ideias na Idade Média e a
segunda parte tenta demonstrar como o Tomismo foi “reinventado” no decorrer
do século XIX. No livro Tomismo Hoje, Fernando Arruda Campos, demonstra a
atualidade da obra e faz um histórico do que ele chama de “neotomismo”, ou
seja, como o tomismo foi introduzido na Igreja em uma tentativa de diálogo com
o mundo secular.
Outro trabalho importante para a compreensão da obra tomista é Ontologia
do Conhecimento em Tomás de Aquino, dissertação de mestrado de Antonio
Janunzi Neto, defendida em 2012 pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Nela, o pesquisador trata da teoria do conhecimento - ou Gnoseologia,
desenvolvendo uma empresa descritiva, analítica e resolutiva das questões do
conhecimento enquanto objeto do filosofar.
19
partida para o conhecimento. Romperam com o verbalismo medieval 8 e
propuseram a experimentação como método pedagógico, método esse
conhecido como Método Intuitivo ou Lição de Coisas. Nessa perspectiva, intuir
é pensar mediante à percepção dos objetos, dando ênfase ao empírico, na
observação direta, no ver, sentir e tocar, ou em outras palavras, entendiam que
o conhecimento só acontece em uma relação direta entre o observador e o
objeto a ser conhecido, portanto em uma relação de experiência (Manoel,
2008). Dessa forma, conhecer é uma experiência pessoal, é ver, é sentir, é
cheirar, é ouvir, era impossível compreender algo pelos olhos de outro, ainda
que esse outro tivesse o dom da palavra.
Rousseau é tido por muitos como um dos pioneiros na tentativa de
elaborar um método de educação baseado na experiência do livro em forma de
romance: Emílio, ou da Educação (1762). Nesta obra, a primeira fase da
educação de Emilio deve ocorrer fora da cidade, pois acredita que o homem
urbano já está corrompido. Dessa maneira, é no campo que a criança
aprenderá pelo exemplo, adquirindo conhecimento empírico. É na
experimentação que a criança vai exercer toda a sua sensibilidade, segundo o
teórico: “Eu prefiro que Emilio tenha olhos nas pontas dos dedos a os ter na
loja de um vendedor de candelabros” (Rousseau, 1973, p. 131).
Já Pestalozzi uniu teoria e prática, baseadas na ciência. Tido como
precursor do Método Intuitivo o educador acreditava que os desenvolvimentos
moral e intelectual deviam estar intrinsecamente ligados. A base do seu
método é a ideia de percepção sensorial. Para Pestalozzi (1946, p. 63), “[...] a
intuição da natureza é o único fundamento próprio e verdadeiro da instrução
humana, porque é o único alicerce do conhecimento humano”. Por isso o mais
importante não é ensinar determinados conhecimentos, mas desenvolver a
capacidade de percepção e observação dos alunos. Essa experiência
sensorial, entendida como um processo ativo de toda a mente, permite à
criança discriminar, analisar e abstrair a qualidade dos objetos. A base de seu
8
Sobre o verbalismo medieval podemos citar o exemplo de Santo Tomás de Aquino, no seu livro De
Magistro, que diz que: “As palavras pronunciadas pelos mestres provocam melhor o conhecimento que os
simples objetos sensíveis, na medida em que as palavras já são símbolos de conteúdo inteligível”
(Aquino, 1984). Ou seja, se eu aprendo a palavra maçã, eu sei o que é uma maçã, mesmo sem jamais ter
visto uma.
20
método está na “Lição de Coisas”9, e o pensador atribui ao professor a tarefa
de selecionar os objetos que serviram para essa “observação” tão valorizada.
Para Froebel (2006), seguidor de Pestalozzi, a educação é um agente
exterior que tem a função de agir internamente no que já está em potencial,
portanto é preciso que se considere a essência do indivíduo, “a educação deve
fundar-se e repousar sobre o interior e o mais íntimo da personalidade.”
(Froebel, 2006, p. 24). Se o exterior pode transformar o que, pela natureza, é
por si só bom, cabe à educação cuidar dessa força que atua sobre o ser.
Essa perspectiva sobre uma inovação no campo do ensinar e aprender
que vinha se desenvolvendo na Europa, associado às leituras de autores
comumente aceitos na academia como pensadores do método intuitivo, pode
nos levar a pensar que eram esses os referenciais diretos dos métodos
pedagógicos das congregações católicas.
Entretanto, desde a Contra Reforma, a Igreja Católica passa a repensar
alguns de seus dogmas e entra em crise com o Período das Revoluções, esse
momento histórico coloca em xeque a hegemonia política e cultural que a Igreja
exercia no mundo secular. Dessa forma, o Século XIX é o período em que a
Igreja se encontra desestruturada interna e externamente e é chegado o
momento de começar a se organizar para não desaparecer por completo; e
nessa perspectiva, torna-se fundamental o diálogo da Instituição com o mundo
exterior.
No processo de reestruturação houve radicalismos conservadores e
progressistas, de um lado a proposta de um retorno ao mundo medieval, e de
outro a inclusão da Igreja na modernidade. Tanto de um lado, quanto de outro
houve nomes que se destacaram por suas posições na tentativa de promover
mudanças. Dessa forma, alguns estudiosos defenderam a hipótese de que a
presença da Instituição e a retomada de espaço perdido, (tanto pelos
protestantes quanto pelos Estados Laicos) só seria possível se as palavras
sagradas fossem repassadas adiante. A partir de então a escola e a atuação
da imprensa se tornam ferramentas para a continuidade da Igreja.
9
Lição de coisas caracteriza-se por oferecer dados sensíveis à observação, indo do particular ao geral, do
concreto experienciado ao racional, chegando aos conceitos abstratos. Daí a ênfase ao contato direto com
a natureza, à observação da paisagem, ao trabalho de campo como pressupostos básicos do estudo. O
professor deve buscar seu material no próprio meio que envolve o aluno, em uma situação real
(Pestalozzi,1946).
21
Fazer uso de estudiosos da escola que representavam o que se
pretendia combater (o protestantismo, a laicidade e o liberalismo), pareceria
inapropriado, apesar de ter acontecido o diálogo com essas vertentes que
acreditavam na experiência como sendo fundamental para o processo de
aprendizagem. Buscou-se, então, em um estudioso medievalista a concepção
filosófica que privilegia a participação no processo de aquisição do
conhecimento, e o nome, aceito de pronto foi Santo Tomás de Aquino. Aliado a
isso não podemos desconsiderar que houve circulação dos conhecimentos
produzidos nos institutos superiores e Universidades laicas. Ou seja, os
métodos de educação estavam sendo revistos e houve a “contaminação” pelas
propostas protestantes.
É certo que existe uma gama de documentos a serem analisados sobre
o assunto, que são muitas vezes negligenciados ou ignorados por conta do
estigma que carregam as escolas católicas, tidas como detentoras de uma
educação tradicional.
A hipótese que passou a nortear este trabalho é de que as
Congregações católicas vindas da Europa trouxeram para o Brasil, métodos
pedagógicos próprios e modernos, desenvolvidos sob a égide da ciência, da
experiência, da educação dos sentidos e da moral católica cristã como forma
de manutenção de seu status quo. Isto é, podemos dizer que eram
conservadores nos seus propósitos morais, mas nada obsoletos na formulação
dos métodos.
O que buscamos é uma análise mais aprofundada dos documentos, de
modo a perceber as ações, leituras, prescrições desses religiosos. Percebe-se
que as escolas católicas desenvolveram seus próprios métodos. Observados
por outro prisma, quebra-se o estigma do que se convencionou chamar de
“educação tradicional católica” em alusão a uma educação obsoleta lançada a
essas escolas no final do século XIX e início do século XX no Brasil, como se o
seu padrão religioso explicasse definitivamente o seu plano pedagógico.
O século XIX foi o século que desencadeou o processo de
racionalização econômica, administrativa, política e cultural, um processo de
secularização em todas as esferas da vida cotidiana. Em resposta a essa
situação a Igreja Católica se reorganiza e inicia um momento de expansão,
dentro de um projeto de renovação interna com a integração de novos
22
membros e a formação de novas Ordens e Congregações, principalmente as
missionárias, entre os anos 1815 e 1870.
Para alguns autores esse processo de renovação, no âmbito das ideias,
era uma “falsa abertura” e não poderia ser considerada como uma verdadeira
renovação. Para Azzi (1996) havia um esforço para que a fé católica se
expandisse de forma a continuar como um dos “pilares” da sociedade:
O elemento fundamental da Restauração Católica é o esforço
para que, efetivamente, a fé católica volte a ser um dos
elementos constitutivos da sociedade. A Igreja deseja que
todas as nações do mundo passem a ser orientadas pelos
ensinamentos do magistério eclesiástico (p. 72).
23
educação do homem. No contexto desta política de restauração, o pesquisador
Manoel (1996) analisa que:
A educação era a atividade mais importante, porque a ela
cabia a formação integral do homem, conceito que envolve
muito mais do que a educação escolarizada, abrangendo todo
o conjunto de suas atividades. Portanto é compreensível que a
Igreja defina seu trabalho como magistério e a si mesma como
Mãe e Mestre – Mater et Magistra. A ela cabe ensinar aos
homens a Verdade que, embora revelada por Deus a todos,
possui mistérios que somente ela e seu clero podem
compreender e ensinar (Manoel, 1996, p.57).
10
Em contraponto ao Regime do Padroado, presente no Brasil até o final do Império.
24
O que se observa nesse período é a articulação da Igreja em duas
frentes. Em uma, criava e organizava uma verdadeira rede católica de
educação, em outra articulava um discurso justificador dessa rede escolar. Sob
esse aspecto, é importante ressaltar que a criação de uma rede católica de
ensino não se restringia apenas ao aspecto comercial que circunda a escola
particular. A questão era mais profunda. Tratava-se de aproveitar um espaço
ainda não ocupado pelo “inimigo”, o pensamento laico liberal e a educação
protestante, e nele desenvolver um trabalho que visava à formação de um
homem moderno e civilizado dentro das doutrinas católicas.
A ação concreta dessa complexa rede católica movimentava vultuosos
recursos humanos, e também financeiros, já que deslocava para o Brasil
congregações religiosas da Europa e exigia a construção de instalações,
compra de equipamentos e materiais didáticos. Esses materiais parecem ser a
chave fundamental para que possamos admitir a adoção de novos e modernos
métodos pedagógicos.
A presença de globos terrestres, mapas, laboratórios, museus,
esqueletos humanos, microscópios, coleção de cartazes, animais
taxidermizados, entre outros elementos que resistiram ao tempo, torna-se
vestígio de uma metodologia adotada por essas escolas que privilegiava a
experiência, que estimulava os sentidos, o ver, o tocar, o cheirar, o sentir como
um todo. Colocava-se, então, o objeto no centro do processo de
desenvolvimento do conhecimento, diferentes dos métodos livrescos baseados
na memorização e na repetição.
Poderíamos inferir que os usos desses materiais seriam a simples
apropriação do Método Intuitivo, tão em voga nas escolas protestantes e leigas,
e fundamentadas nos autores já descritos anteriormente. Entretanto, essas
congregações também trouxeram na bagagem métodos estruturados,
11
organizados e que eram seguidos como as Regras de Vida das próprias
congregações elaborados por seus Institutos e Escolas Superiores, ou nas
experiências com suas escolas na Europa e que não denominam seus
métodos como Intuitivo, mas levam o próprio nome da Congregação, esses
métodos eram muito parecidos nas propostas e na formação moral.
11
Regras de Vida aqui entendido como as normas de conduta que os integrantes da congregação seguiam,
incluindo também os votos.
25
Diante de tal explanação a pergunta central que norteia o trabalho é:
Quais as propostas metodológicas que sustentam a Educação dos Sentidos
nas escolas católicas? Subsequente a ela se desencadeiam outras perguntas
secundárias: Como essas propostas eram apresentadas aos agentes diretos
do processo de aquisição do conhecimento? De que forma essas propostas
poderiam formar o novo homem da modernidade de acordo com a moral
católica cristã?
A pesquisa entende que há na educação nas escolas católicas um
consenso, apesar das especificidades em torno de suas formas de agir, no
propósito da formação moral cristã, de um cidadão comprometido com a fé e
atuante dentro da Igreja. Principalmente porque todas as Congregações se
remetem diretamente a Roma e ao Papa. Era o pontífice, por meio de cartas,
encíclicas e bulas que determinava as linhas gerais para a educação.
Em um levantamento nos Arquivos da Cúria Metropolitana de São Paulo,
entraram no estado de São Paulo aproximadamente 16 congregações de
origem europeia entre os anos de 1865 e 191212. Apenas três declararam ser
de natureza ligada ao ensino, porém, praticamente todas elas acabaram por
abrir escolas junto à comunidade.
A proposta principal desta pesquisa é entender como a Educação dos
Sentidos é tratada no Guide des Écoles dos Irmãos Maristas e em que medida
ele traz a modernidade e a tradição como forma de se educar o cidadão
cristão, de modo a identificar a constituição de um método particular,
construído também a partir de práticas experimentais.
Nessa perspectiva, também se coloca como objetivo do trabalho
identificar quais os sentidos seriam privilegiados e que práticas isso implicaria;
identificar as vertentes teóricas para a elaboração destes métodos pedagógicos
mapear e organizar uma listagem de documentos, bem como sua localização
para futuras pesquisas sobre o Ensino Católico no Brasil.
12
Apenas foram computadas as congregações masculinas.
26
a. Sobre os Irmãos Maristas:
a.1.O Guide des Ècoles ou Guia das Escolas, dos Irmãos Maristas.
a.2. Bulletin de l’Institute des Petits Frères de Marie;
a.3. Revista Échos do Colégio Marista Arquidiocesano de São Paulo;
a.4. Documentos do Memorial do Colégio Marista Arquidiocesano de
São Paulo.
a.5. Livros da história dos Maristas, dos Irmãos (testemunhais e
memorialistas).
13
Toda vez que aparecer o Guia, trata-se do Guia das Escolas ou Guide des Ècoles dos Irmãos Maristas.
14
A referência bibliográfica que se refere às citações que constam como o Guia é a obra de: Furret, Jean-
Baptiste et alii, Guia das Escolas para uso nas casas dos Pequenos Irmãos de Maria: Documento do 2º
Capítulo Geral do Instituto Marista. Brasilia – DF: UmBrasil, 2009.
27
as escolas maristas eram abertas em pontos cada vez mais
distantes do centro administrativo e formador dos Irmãos
(Alves,1999,sem página).
15
Conforme publicado no site: http://www.champagnat.org/pt/260400000.php . Acesso em 10/05/2013.
28
todos os alunos, dando enfoque especial àqueles que tiveram melhor
desempenho. Em suas páginas estão demarcadas formas de conceber,
praticar e entender a educação, posto que era um informativo anual que
contava aos pais e tutores como tinha sido o ano letivo dentro do internato.
Paralelamente ao estudo dessa documentação (o Guide des Écoles, o
Bulletin de l’Institute des Petits Frères de Marie e os documentos do Memorial
do Colégio Arquidiocesano) farão parte também as correspondências e anuário
que constam no Arquivo da Cúria Metropolitana de São Paulo e do Arquivo
Público do Estado de São Paulo.
Todo esse corpus documental de tão variada procedência e
materialidade tem o propósito de traçar o que podemos chamar de cultura
escolar. Para Viñao Frago (1995), cultura escolar:
inclui práticas e condutas, modos de vida, hábitos e ritos – a
história cotidiana do fazer escolar -, objetos materiais – função,
uso, distribuição no espaço, materialidade física, simbologia,
introdução, transformação, desaparecimento... -, modos de
pensar, assim como significados e ideias compartilhadas.
Alguém dirá: tudo. Sim, é certo, a cultura escolar é toda a vida
escolar: fatos e ideias, mentes e corpos, objetos e condutas,
modos de pensar, dizer e fazer. O que sucede é que neste
conjunto há alguns aspectos que são mais relevantes que
outros, no sentido de que são elementos organizadores que a
conformam e definem (p. 68).
29
6. Procedimento de Análise
16
A análise de Peter Gay centra-se na domesticação dos instintos sexuais, refletindo sobre a
representação da sexualidade e as formas de resistência, característica da era vitoriana.
30
coletivo. Além disso, no sentido temporal, pensamos a “experiência” da
seguinte forma:
Além de ser um encontro da mente com o mundo, a
experiência é também um encontro do passado com o
presente. O amor e o ódio, esses indômitos motores da
história, têm também suas próprias histórias, longas e em boa
parte secretas: a pressão do passado é generalizada e
insistente. Chamar o hoje de “animal cultural” equivale a
enfatizar que ele é por natureza um animal que aprende a partir
da experiência, ainda que por vezes aprenda as lições erradas.
(...) Ela [a experiência] emerge do confronto e da colaboração
entre a reflexão consciente e a necessidade inconsciente,
mescla lembranças e anseios, e nem estes nem aquelas são
imutáveis ou acabados (Gay, 1989, p. 19).
31
reflexiva, num movimento entre o sensível e o cultural. Thompson (1981)
entende que:
Os homens e mulheres retornam como sujeitos, dentro deste
termo (experiência) – não como sujeitos autônomos,
indivíduos, mas como pessoas que experimentam suas
situações e relações produtivas determinadas como
necessidades e interesses e como antagonismos, e em
seguida “tratam” essas experiências em sua consciência e sua
cultura (...) das mais complexas maneiras (sim, “relativamente
autônomas”) e em seguida (muitas vezes, mas nem sempre,
através das estruturas de classe resultantes) agem, por sua
vez sobre sua situação determinada (Thompson, 1981, p.182).
33
Estudos desenvolvidos em várias áreas do conhecimento17, inclusive a
neurociência, já podem afirmar que estes sentimentos podem ser exagerados
ou contidos, em diferentes culturas. Portanto, a sensibilidade depende muito da
percepção, em um processo de apreensão e reconhecimento de mundo. O
sentir depende de uma experiência cultural, que pode ser coletiva ou não, e se
é cultural deixa vestígios.
Sendo assim, a sensibilidade que pode ser entendida como uma
expressão da subjetividade, quando compartilhada em uma cultura deixa
vestígios que se entendido pelo historiador revelam-se fontes objetivadas, o
que permite a leitura de seus significados. Gruzinski (2007), assim entende
esse processo:
O historiador precisa, pois, encontrar a tradução das
subjetividades e dos sentimentos em materialidades,
objetividades palpáveis, que operem como a manifestação
exterior de uma experiência íntima, individual ou coletiva
(p.19).
7. A divisão do trabalho
A pesquisa se divide em quatro capítulos.
O primeiro “A Igreja Católica e o século XIX”, busca traçar um histórico
estabelecendo relações entre os acontecimentos que marcaram a história da
Europa no século XIX e a reação da Igreja frente às mudanças, discutindo
conceitos de modernidade, tradição e restauração.
O segundo capítulo “Restauração e a Educação Católica” estreita a
discussão sobre o processo de centralização do poder Papal conhecido como
ultramontanismo e debate as divergências entre tradição e conservação nas
escolas católicas.
17
Ver: Gawande, Atul. A coceira. Piauí, ed 42- Anais da medicina, mar 2010.
http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-42/anais-da-medicina/a-coceira acesso em 10/08/2013.
34
O terceiro capítulo “Santo Tomás de Aquino e A Educação dos Sentidos”
tem por objetivo mostrar como o pensamento tomista influenciou e abriu
espaço para entrada de uma corrente progressista que, entre outras coisas
colaborou na elaboração do Guide des Écoles, dos Irmãos Maristas.
O quarto capítulo “Guide des École- o modo marista de ensinar”, faz
uma breve contextualização da Congregação fazendo uso das biografias e
cartas do Fundador do Instituto, Marcelino Champagnat e traz a análise do
principal documento desta pesquisa. O manual de formação dos Irmãos que se
tornaram professores nas escolas maristas tem por objetivo, além da própria
formação do mestre, a explanação e a uniformidade do método que será
adotado em todas as escolas da Congregação.
E as Considerações Finais.
35
Capítulo 1 – A Igreja e o Século XIX
18
Não podemos considerar apenas a Europa como o único ambiente irradiador da ideia de modernidade.
Nesse período os Estados Unidos da América também entram em um acelerado desenvolvimento
científico e cultural; entretanto, a proposta do trabalho é o diálogo com a Igreja Católica, e é na Europa
que isso se faz mais presente, por essa razão, neste trabalho, refiro-me exclusivamente às fontes
europeias.
36
Alemanha, seguido do colapso do Segundo Império na França
(p.19).
19
Se faz necessário deixar claro que apesar das especificidades regionais – que são importantes dentro do
seu contexto- ao falarmos de Antigo Regime estamos nos referindo a um fenômeno, como citado por
Mayer (1987), pan-europeu.
37
Nesse momento, a Igreja, progressivamente, é afastada dos negócios
públicos e vê o interesse pelas coisas espirituais diminuir. Como instituição,
percebe a necessidade de retornar ao seu lado humano, de se firmar como
monarquia independente de Estados; parece ter que redescobrir fontes de
energia para se manter, ou não desaparecer, no mundo que abandona o
espírito e se apega ao material. A instituição católica percebe que precisa de
forças para se reorganizar, defender “sua verdade” e lutar contra elementos
que, afeitos à ideia de moderno, lança-a para o passado. Para isso, toma
contato com a opinião pública por meio da imprensa e busca dentro de si
mesmo a estrutura capaz de retomar o contato com a humanidade.
A aparente fragilidade da instituição que a historiografia procura
ressaltar, principalmente após a Revolução na França, não pode ser tomada
como uma quebra bruta de poder, haja vista que é esta instituição que vai
fornecer subsídios para a formação da burguesia acanhada que cresceu e se
desenvolveu tendo como referência as estruturas das antigas Ordens.
Dessa forma, as forças da tradição refrearam o desenvolvimento da
sociedade baseada na liberdade, na fraternidade e na igualdade, sob a
benevolência daqueles mesmos que as pregavam. Sob esse aspecto, Arno
Mayer (1987) expõe a tese de seu livro em que analisa o fim do antigo regime,
não pelo viés progressista da modernidade, mas pelas forças contrárias que,
tendo a tradição como mantenedora destas forças também levou à queda o
antigo regime. Para o autor,
os elementos “pré-modernos” não eram os remanescentes
frágeis e decadentes de um passado quase desapercebido
mas a própria essência das sociedades civis e políticas
situadas na Europa. Isso não significa negar a importância
crescente das forças modernas que solaparam e desafiaram a
antiga ordem. Mas significa sustentar que até 1914 as forças
de inércia e resistência contiveram e refrearam essa nova
sociedade dinâmica e expansiva no interior do anciens régimes
que dominavam o cenário histórico europeu (p. 16).
38
coexistiu e foi responsável pela nova conformação da sociedade que veio
substituir efetivamente a antiga, após a Grande Guerra.
E isso só é possível, dentro da própria contradição, por se tratar de uma
instituição que apesar do caráter conservador, no sentido de manter o status
quo, é também flexível frente à modernidade. Portanto, não cabe classificar a
Igreja apenas nos aspectos decadentes, mas entender que em um passado
recente, do século XIX, era ela um dos pilares do Antigo Regime, e segundo
ressalta Mayer:
Como uma grande instituição corporativa, a Igreja dispunha de
considerável autoridade, através do quase-monopólio dos
serviços educativos e sociais e do controle exclusivo sobre os
ritos sagrados de nascimento, casamento e morte (p. 17).
39
De uma Igreja cercada por muros, voltada para a contemplação, com
uma considerável força política e econômica, que pouco dialogava com o
mundo externo, a não ser pela imposição de dogmas, viu-se surgir uma Igreja
que, se em um primeiro momento só vislumbrava sua existência em um
passado medieval, passou a buscar a ponderação entre o secular e a
inspiração do divino.
Dessa forma podemos pensar em duas vertentes de pensamento e
estruturação durante o “longo” século XIX (Hobsbawm, 1994). O primeiro que
diz respeito a um momento de introspecção e reorganização interna da Igreja
voltada para a hierarquização e a tentativa de acordos com estados
monárquicos em que se buscava uma “volta ao mundo medieval”; e um
segundo momento em que o diálogo com o mundo exterior se tornou
necessário e a participação da sociedade secular se fez mais presente.
Essas duas formas da Igreja se reestruturar podem ser verificadas nas
atitudes, encíclicas, cartas ou discursos dos Papas20 no período. Convém
lembrar que quando nos referimos a estes papas, não estamos tratando
exatamente da forma como este ou aquele se coloca, mas estamos nos
referindo ao pensamento de um grupo sob o seu comando (pontificado). Ou
seja, dentro de uma estrutura hierárquica temos um nome (do papa) que
expressa o pensamento de um grupo.
Para Corrigan:
Nenhum papa, no entanto pode governar sozinho.
Embora seu poder seja limitado na teoria, ou em virtude da
definição dogmática, ele não pode ser um autocrata. Ensina,
governa e administra uma Igreja divinamente instituída, através
de uma hierarquia de bispos divinamente constituída. O bispo,
por sua vez, é monarca em sua diocese, é um pai para seu
povo, e o papa, ao dirigir-se-lhe, chama-o de “Venerável
Irmão”. Mas fora do elemento aristocrático no Episcopado, a
Igreja tem traços essencialmente democráticos. Todo cristão
que raciocina sabe que possui direitos inalienáveis. Sabe que a
liberdade, a igualdade e a fraternidade já eram características
da Cristandade muitos séculos antes de se tornarem as
sagradas ilusões de uma sociedade revolucionária sem Deus
(1946, p.74).
20
Os Papas do século XIX foram: Pio VII (1800-1823); Leão XII (1823-1829); Pio VII (1829-1830);
Gregório XVI (1831-1846); Pio IX (1846-1878); Leão XIII (1878-1903).
40
Dessa maneira podemos pensar a estrutura desta instituição como um
campo de disputas internas, para não dizer também externas, que a torna
dinâmica; e o século XIX é a prova de um intenso debate de ideias, calorosos
desentendimentos, e que em alguns momentos transcende os muros da Igreja
e se mostra ao mundo principalmente na imprensa, leiga ou institucional.
Os debates e exposições de ponto de vista, pouco contaram com a
participação do resto da humanidade que assistiu a tudo. E se assistiu foi
porque aí já se vislumbrava a mudança no modo de ver o mundo; se até então,
os homens comuns em nada participavam deste universo, a não ser pelos ritos
e pela mística que a própria instituição representava, agora, essa mesma
humanidade continuava não participando efetivamente, mas podia observar e
até mesmo, muitas vezes, expressar sua opinião em relação aos
acontecimentos.
41
Tais conceitos não se subordinam apenas ao seu contexto temporal,
mas sim, à forma como foram compreendidos dentro de toda a estrutura
cultural e social, de modo sistematizado e organizado. Conceituar aqui, não se
reduz à significação fragmentária, mas sim, à apreensão das circunstâncias
históricas que estão além de coisas e nomes. Dessa forma, termos como
restauração, romanização, ultramontanismo, tão comumente aplicados às
políticas que transformaram o modo como a Igreja Católica atua frente a
sociedade nos séculos XIX e início do XX, não podem ser usados sem uma
crítica e uma definição.
A título de categorização, os conceitos usados nessa pesquisa se
restringem a Romanização, Ultramontanismo e Restauração, sendo que não
serão entendidos como sinônimos, pois apesar de fazerem parte desta política
mais abrangente, estes conceitos têm significados próprios.
O termo Romanização surgiu na historiografia no final do século XIX e
início do século XX para explicar a forma como a adoção dos padrões culturais
romanos foi processada nas províncias e nas regiões de fronteira do Império.
Theodor Mommsen (1854) e Francis John Haverfield, em sua obra The
Romanization of Roman Britain (1905), construíram uma ideia de que a adoção
das práticas culturais romanas pelos provinciais refletia a posição superior e
mais avançada de Roma. Ao difundir entre os provinciais a cultura clássica, os
romanos criaram o contexto propício para o desenvolvimento da noção de
civilizado21, responsável pela ligação entre o mundo antigo e o moderno. Tal
noção exprimia a ideologia imperialista britânica, perante a qual o conceito de
progresso estava interligado ao Império Romano. A experiência imperialista
romana foi apropriada pelos discursos ideológicos das potências coloniais que
a utilizaram para justificar e para legitimar o direito de conquista. O papel das
populações nativas foi relegado, assim, à recepção passiva da “civilização”.
Para essa corrente historiográfica, a romanização estava baseada em uma
definição de oposição binária: provinciais/bárbaros/passivos versus
21
Elias (1990) conceitua que tudo o que pode ser feito pela sociedade, pode se categorizar como
‘civilizado’, ‘incivilizado’. Como citado por Rozante (2013): “A tecnologia, as maneiras,
desenvolvimento do conhecimento científico, costumes, hábitos, religião, a maneira como homens e
mulheres vivem juntos, as diferentes formas de punição determinada pelo Estado, entre outros tantos que,
por mais que se tentasse relacioná-los, provavelmente algum fato seria esquecido, o que torna difícil
estabelecer um conceito fechado sobre civilização”. (p. 31)
42
romanos/civilizados/ativos, processo pelo qual o “não-civilizado” alcançava a
“civilização” (BUSTAMANTE, 2006, p.110).
Usado dentro do contexto teológico, o termo passou a designar as
políticas centralizadoras emanadas de Roma em meados do século XIX. Para
Hanicz (2006 ), romanização passou a ser um conceito
(...) utilizado por muitos estudiosos da história da Igreja
Católica para referir- se ao processo de centralização
patrocinado por Roma. Ele só tem esse significado para a
comunidade semântica católica romana, sob o comando do
Papa e da Cúria Romana (p. 19).
O autor ainda acrescenta que o uso deste conceito pode ser entendido
apenas como o momento de internalização e de reestruturação pelo qual a
Igreja Católica passou, momentos antes de se voltar a um processo de
secularização, ou seja, voltar-se para o mundo. Dessa maneira, podemos
inferir que ao usar o termo Romanização não estamos incluindo o processo
“modernizante” que permitiu a tentativa de diálogo com o mundo exterior.
Quanto ao termo Ultramontanismo, esse aparece como o conceito mais
conservador de todos, em várias esferas do conhecimento humano que tratam
do assunto. Para o Dicionário Teológico da Comunidade Wesleyana 22, de
vertente metodista, o verbete aparece como:
(...) um movimento que propõe a volta dos fundamentos
institucionais e políticos do Catolicismo Medieval e que, por isso,
contempla a Idade Média como referencial de sociedade e de fé,
olhando para este momento histórico onde não somente a
unidade da Igreja, mas também a unidade política e a paz social
estavam plenamente asseguradas. Daí a sua reação contra tudo
aquilo que represente o rompimento com essa paz embora, no
caso do Ultramontanismo francês esse debate se dirija mais
especificamente contra a Maçonaria e os galicianos enquanto os
ultramontanos italianos atacam o modernismo e o estado laico,
razão pela qual os ultramontanos da Itália lutarão contra o
Rissorgimento e a formação do estado italiano sob a bandeira da
laicidade (acesso em 01/07/2013).
22
Em: http://comunidadewesleyana.com.br/2012/05/dicionario-teologico-ultramontanismo.html . Acesso
em 10/08/2013.
43
Nas pesquisas acadêmicas, um nome de grande expressão no meio é
Riolando Azzi, por conta de seus inúmeros trabalhos sobre o catolicismo no
Brasil. Em uma de suas obras, o autor define assim o termo ultramontano:
Na realidade, não é possível analisar a característica da
catolicidade desvinculando-a da romanidade. Como a partir de
meados do século XVIII, parte expressiva do clero francês
aderira à ideologia liberal, veiculada pelos enciclopedistas, o
grupo fiel à Santa Sé passou a ser designado como
ultramontano, ou seja, aquele que se alinhava ao lado do
Pontífice Romano, o qual residia, a partir da ótica francesa,
além dos Alpes, ou seja, ultramontes (AZZI, 1992, p.109).
23
Galicanismo é usado para designar um grupo do clero de tendência separatista da França em relação à
Roma e ao Papa. A origem do nome provém da Galícia, nome antigo da França.
44
proclamada a encíclica da Infalibilidade Papal, Pastor Aeternus, e esta é aceita
por toda a Igreja, inclusive pelo grupo opositor. Dessa maneira, é desfeita a
batalha travada entre ultramontanos e galicanos. Contudo, o termo passou a
designar todos os atos de censura e repressão vindos de Roma.
Já, quando nos referimos à Restauração da Igreja Católica, estamos
admitindo uma mudança da forma de ver o mundo, com uma abertura maior ao
diálogo e ao debate. Assim, o termo Restauração adequa-se com maior
flexibilidade para melhor serem entendidas as políticas que foram adotadas
pela Igreja.
A escolha de um termo tão genérico quanto Restauração possibilita
pensar no seu uso restrito e delimitado de uma pesquisa. Restauração nos
remete a uma amplidão de significados que pode se tornar aplicável nos mais
distintos usos, podemos pensar desde a restauração de uma obra de arte ou
na restauração de um dente, ou ainda, na restauração de um sistema político
ou religioso.
Ao se restaurar não estamos construindo um novo, mas estamos
introduzindo novos elementos em uma estrutura já existente e que foi
danificada por causas internas ou externas. Ao restaurar um edifício, um
engenheiro ou arquiteto, ou mesmo um restaurador, mantem uma estrutura que
foi avariada pela ação do tempo, ou por fatores físicos ou climáticos, colocando
novos elementos a fim de garantir que sua estrutura original não se
desconfigure. Da mesma maneira, um dentista ao restaurar um dente, age de
maneira a tentar reestabelecer a forma original de um dente danificado com o
uso de materiais que possam se aproximar da aparência do próprio dente,
mantendo a sua função original (Hanicz, 2006). Tanto em um quanto em outro
caso, existe a incorporação de novos elementos ou materiais para que o antigo
não perca sua forma original.
O uso do termo Restauração constitui uma categoria que tem validade
epistemológica e científica dentro da própria historiografia. É aplicável para
explicar vários processos, movimentos, mudanças. Não se prende a épocas,
lugares ou acontecimentos específicos. O processo de Restauração é
complexo e tem uma dinâmica própria, uma vez que o próprio catolicismo
assim o é, complexo e dinâmico. Dessa maneira a restauração entendida
dentro do processo, caracteriza mudanças, reação ou renovação, capaz de
45
receber influência do lugar e do tempo. Nesse sentido, qualifica e reflete a ideia
que se tem de uma época e da dinâmica que ocorre nas instituições.
Assim sendo, nesta pesquisa ao tratarmos do movimento de
internalização e centralização estamos falando de Ultramontanismo ou
Romanização; e referente ao processo de abertura ao diálogo e à incorporação
de novos elementos estamos nos referindo à Restauração.
46
Capítulo 2 – Restauração e Educação Católica
48
para cuidar do ensino e da educação. Mais preocupado com o ensino
secundário, pouco se interessou pelas escolas primárias. No decreto de 17 de
março de 1808, entrega aos Irmãos das Escolas Cristãs (La Salle), a
administração das escolas iniciais e permite a formação de professores e
diretores para atuarem nestas escolas.
Da queda de Napoleão até a década de 1830, poucas foram as
mudanças ocorridas no sistema educacional. Apenas em 1830 foram feitas
modificações e introduzido o princípio da liberdade, que dizia sobre o ensino:
“Ele será provido, sucessivamente, por leis separadas e no menor prazo
possível, em relação aos seguintes objetos: 8° - A instrução pública e a
liberdade de ensino” (apud Foulquiè, p. 70, 1957).
Com os crescentes movimentos populares, de inspiração, a burguesia
vê ameaçado o “dogma sagrado da propriedade”, e encontra na Igreja a
possibilidade de uma aliança de posição conservadora, fazendo uso da
influência moral que a Igreja ainda exercia em alguns pontos do país. Isso
trouxe vantagens como na Constituição de 1848 que incluiu a liberdade de
ensino, o que possibilitou que as escolas católicas encontrem o espaço que
lhes fora tomado pela laicidade; e essa liberdade permite incluir o ensino
confessional nas escolas de ensino com o primário:
O ensino é livre. A liberdade de ensino se exerce de acordo
com as condições de capacidade e de moralidade
determinadas pelas leis, e sob a vigilância do Estado. Esta
vigilância se estende a todos os estabelecimentos de educação
e de ensino, sem nenhuma exceção (Apud Foulquié, p.71,
1957).
49
A retomada da Igreja na participação política estendeu as vantagens
com relação ao ensino e foi incluída a “Lei Falloux” 24 (15 de março de 1850),
que ampliava a liberdade do ensino para o secundário25, assegurando ao clero
uma notável influência no ensino público. Porém, para reduzir a influência de
elementos de esquerda, os católicos não só aparecem como anti-socialistas,
mas dão demonstrações de sua afirmação anti-republicana.
Isso se efetiva no golpe de Estado de 02 de dezembro de 1851, com a
entrada de Luiz Bonaparte – Napoleão III, recebendo total apoio da Igreja.
Como afirma Aubert (1975), este soube corresponder a todo esse apoio, não
que estivesse desejoso de favorecer a Igreja, mas “apreciava as vantagens da
influência moral e social da religião na oposição aos efeitos da propaganda
revolucionária” (p.31). Entre as vantagens que a Igreja adquire no período,
Aubert destaca:
O aumento do orçamento dos cultos, não mais insistiu na
aplicação dos artigos orgânicos, reprimiu as tendências
hostis à religião no ensino oficial e procurou ocasiões para,
aos olhos da população, associar a Igreja ao prestígio do
estado (1975, p. 31).
24
Conde de Falloux foi responsável por introduzir o Catolicismo liberal em oposição ao conservadorismo
do Partido Católico na França. Sua visão com relação à educação era do provimento de uma Universidade
Laica, mas com a participação efetiva dos católicos liberais, dessa maneira, formando um clero mais
aberto aos pensamentos e ciências modernas. Em um folheto da História do Partido Católico, Falloux
escreve uma declaração sobre seu ponto de vista com relação à educação na Universidade. Segundo ele:
"Para salvar uma nação, não é suficiente que a educação seja irrepreensível do ponto de vista religioso; é
necessário também que, em tudo que é legítimo, a educação se ponha de acordo com o meio social que
espera o homem ao sair da juventude. Evitemos que ele tenha de se envergonhar de seus mestres, que seja
tentado a lhes imputar sua inferioridade no fórum, no exército ou em qualquer outra carreira. Educar
moços no século XIX como se, ao deixar a escola, devessem ingressar na sociedade de Gregório VII ou
de São Luís, seria tão pueril como educar nossos jovens oficiais em Saint Cyr no manejo do aríete ou da
catapulta, escondendo-lhes o uso da pólvora e do canhão". Oliveira, P. Revolução e Contra Revolução. In:
http://www.revolucao-contrarevolucao.com/verartigo.asp?id=183 Acesso em 20/07/2013.
25
Dizia a lei: “A lei reconhece duas espécies de escolas primárias ou secundárias: 1º) As escolas fundadas
ou mantidas pelos municípios, os departamentos ou o Estado, e que recebem o nome de escolas públicas;
2º) As escolas fundadas ou mantidas por particulares ou associações e que recebem o nome de escolas
livres”.
50
efetivo passou de 34 208, em 1851, a 890243, enquanto os religiosos, que, em
1851, mal ultrapassavam os 3 000, chegaria, em 1961, a 17 650” (Aubert,
1975, p32).
O desenvolvimento de congregações, e consequentemente o aumento
de pessoal, permitiu que a participação na educação fosse cada vez maior,
uma vez que tornavam-se responsáveis pela formação de professores, o que
incluía a docência do clero nas escolas públicas, as quais eram também, cada
vez mais, confiadas totalmente aos religiosos. Dessa forma, multiplicaram-se
as escolas e colégios católicos.
Para Foulquié (1957), o ano de 1875 marca o máximo de liberdade no
setor do ensino, segundo ele:
O período que vai da lei Falloux à década de 80 foi um dos
mais prósperos ao ensino cristão. A Igreja, segundo os estudos
dos adeptos do laicismo, se tornou a principal, ou melhor, a
única beneficiária desta liberdade, solicitada com tanta
insistência, sob a Restauração, por liberais voltarianos, que
temiam sua influência (p.73).
52
Art. 13- Nenhuma congregação religiosa pode ser formada sem
autorização dada por lei que determinará as condições de seu
funcionamento.
Ela não poderá fundar novo estabelecimento a não ser em
virtude de decreto aprovado em Conselho de Estado.
A dissolução da congregação ou extinção de qualquer
estabelecimento poderão ser pronunciadas por decreto
aprovado no Conselho de Ministros.
Art. 14- Ninguém poderá dirigir, seja diretamente, seja por
pessoa interposta, um estabelecimento de ensino, de qualquer
espécie nem ministrar o ensino, se pertencer a congregação
religiosa não autorizada (Fouquie, 1957).
26
Jules Ferry (1832-1893) foi ministro da educação na França e promoveu uma reforma no sistema de
ensino. Adepto das ideias positivistas de Auguste Comte, era um republicano e anticlerical. Foi
responsável por ornar as escolas francesas laicas e republicanas e o ensino público gratuito e obrigatório
53
Regime. Nesse caso, a Igreja, no sentido de manter a ordem estabelecida pela
burguesia; viu na primeira uma ferramenta útil tanto no que se refere às
questões de ordem prática – a Igreja assumiu um espaço que o Estado não
tinha estrutura para ocupar – quanto de ordem moral – a Igreja ainda mantinha
influência sobre boa parte da população.
Dessa maneira, podemos dividir em duas partes a participação das
congregações católicas na França no século XIX. A primeira parte que vai de
1830 (Revolução de 30) a 1875, tende a uma maior liberdade de atuação
destas congregações, em que praticamente todo o ensino primário era
destinado às escolas católicas, inclusive muitas universidades. E um segundo
momento, que vai de 1875 a 1914, é marcado com a exclusão das
congregações do ensino público gratuito. As escolas públicas foram todas
laicizadas, com a retirada dos professores congregados das escolas.
54
desde a forma como participava da vida cotidiana da sociedade, até a atuação
nas esferas políticas e econômicas. E essas particularidades se difundiram e
se espalharam à medida que a Igreja se ramificava entre as novas terras, como
na América e Ásia, com as Grandes Navegações. A Igreja se tornou então
uma Instituição internacional, capaz de impor-se em território estrangeiro com
aval dos estados e da sociedade.
Desse modo, as particularidades foram cada vez mais se intensificando,
e o poder da instituição se fazia mais presente nessas sociedades. Se a Igreja
exercia influência – política, econômica ou cultural – em determinado local,
também era influenciada por costumes, poderes políticos já instituídos, ou
mesmo legislações. Muito comum era a participação efetiva do clero no espaço
político, e não difícil a ocupação de cargos eclesiásticos por indicações dos
governantes locais. Também o quase monopólio da Igreja na educação, por
muito tempo perpetuou o seu poder de influência. As particularidades também
eram visíveis nas festividades, nos rituais, e na própria relação entre Igreja e
povo.
A descentralização de poder do papa gerava um descontrole sobre a
estrutura como um todo da Instituição, e seu poder era difundido dentro da
própria estrutura hierárquica, com a maior proximidade maior do bispo em
relação ao papa, junto à população, e o poder temporal dos governantes locais.
Dessa forma, podemos dizer que apesar da relevância do nome da instituição,
a falta de uma uniformidade tendia à particularização da Igreja, caracterizando
verdadeiras Igrejas Nacionais. Assim, a pulverização do poder acabava por
ocasionar uma vulnerabilidade muito maior da Instituição, e isso se fez sentir
na medida em que a sociedade abria espaço para o pensamento liberal. Prova
disso é a própria Revolução Francesa que estatizou as Igrejas e tornou o clero
funcionário público.
Assim, no século XIX, pensar em dar poder ao Papa, superior ao poder
dos bispos e das autoridades seculares locais, é muito mais do que ver na
figura do papa um ditador, mas, outrossim, é pensar em dispor de uma
identidade capaz de restaurar a própria instituição. Para Auber (1975), isso
significa dizer que,
(...) inevitavelmente teria como consequência a redução da
autoridade real dos bispos, e por uma uniformização da
55
disciplina, da liturgia e, mesmo, das formas de piedade,
centralização essa que levaria à renúncia aos costumes locais
veneráveis e à adoção, em toda a Igreja, de um “estilo de vida”
religioso análogo ao da Itália (p. 59).
57
mando arbitrário do Papa. Mas, desde então, pelo contrário, a
ação papal se caracterizou pela tranquilidade, segurança e
moderação (p.193).
58
como a própria fé e a ação missionária da Igreja. Aliado a isso, o
desenvolvimento das comunicações possibilitou a aproximação entre o Papa e
seus fiéis. Não por menos que o Papa Pio IX ficou conhecido como o primeiro
Papa amado da História Moderna. (Stein, 2001, p. 37.)
A centralização de poder se perpetuou sob o comando de Leão XIII, que
reformou a cúria possibilitando um maior controle das dioceses no mundo; isso
significava que os bispos espalhados pelo mundo tinham agora a função de
diplomatas e a eles cabiam o envio constante de relatórios detalhados sobre a
situação da Igreja mundo afora. Outra medida centralizadora, tomada a partir
das políticas francesas contra as congregações e como forma de maior
controle sobre aqueles que promoveram a oposição no Concílio, foi a
transferência das casas-mães para Roma, ou seja, as congregações que
surgiram fora das vistas romanas, tiveram que se estabelecer nas
proximidades do controle da Santa Sé. “A reforma da Cúria, tratada
anteriormente, contribuiu particularmente para reforçar as intervenções das
congregações romanas no conjunto do mundo católico, concentrando o
governo da Igreja nas mãos de alguns homens” (Aubert, 1975, p.70). Assim, o
Papa passou a delegar seu poder aos seus representantes fora de Roma.
Dessa forma, o direito canônico afirmaria explicitamente que pela
expressão “Santa Sé”, “deve-se entender não apenas o Papa, mas também as
congregações romanas (cânon 7).” Insensivelmente, aliás, a partir do fim do
pontificado de Leão XIII, também essas Congregações passaram a usufruir da
mesma autoridade que o Magistério infalível. As reações antimodernistas de
Pio X, foram então somadas à obediência incondicional não apenas no que diz
respeito às ordens estritas do sumo pontífice, mas também às manifestações
de sua vontade transmitidas eventualmente por membros de seu círculo.
Ao assumir o pontificado em 1878, o Papa Leão XIII teve pela frente
inúmeras dificuldades, principalmente no diálogo com a “modernidade”
expressa nas revoluções políticas e sociais e nas filosofias e ciências
nascentes.
A grande dificuldade nesse diálogo está na visão de mundo concebida
pela Igreja, uma visão “essencialista” em que o mundo era pré-concebido por
Deus, ou seja, não havia espaço para a interferência do homem na história. Ao
fiel cabia apenas aceitar a vontade de Deus. Leão XIII inaugurou um novo
59
discurso que ultrapassava a visão essencialista a favor de uma concepção que
levasse em conta a categoria histórica.
A ordem era a “inserção” social dos cristãos em todos os
ambientes e camadas da sociedade. Essa inserção no mundo
supõe a intervenção humana na categoria histórica,
manifestando a superação da concepção essencialista. (Stein,
2001, p. 38).
60
Capítulo 3 – Santo Tomás de Aquino e a Educação dos Sentidos
61
A ciência racionalista se desenvolvia entre os protestantes, livre do
dogmatismo católico, que aprisionou os intelectuais da Igreja, no século XIX,
que se encontravam em atraso científico em relação ao mundo secular.
Contraditoriamente, enquanto a Santa Sé se recluía na tentativa de se
reestruturar internamente, os intelectuais católicos (clérigos ou leigos)
encontraram espaço para vencer o ‘complexo de inferioridade’ dos demais
pensadores da época, e nesse ambiente encontraram uma “liberdade
científica” (quando não se tratava de questões, relativamente pouco
numerosas, nas quais o dogma não estivesse em jogo). Dessa maneira,
surgiram na Europa, em especial na Alemanha, Itália e na França, grupos de
estudos católicos que pregavam o diálogo com o universo científico que se
formava nas grandes universidades laicas da Europa. Esses grupos
desenvolveram pesquisas em todas as áreas, mas em especial, na Filosofia, e
na História.
Dentre os grupos formados, um em especial foi bastante controverso,
que se intitulava Católicos liberais. A contradição vinha exatamente do que, até
então, não se podia imaginar juntos. Um pensamento católico que iniciava um
diálogo com o mundo que se tentava combater, um mundo que vinha na mão
do liberalismo. À frente deste grupo alguns nomes se sobressaíram, entre eles
Domingos Henrique Lacordaire, restaurador da ordem dos Dominicanos.
Juntamente com um grupo de linha mais progressista existiam outros
mais conservadores preocupados com uma possível invasão do pensamento
moderno nas estruturas já consolidadas em anos de existência. Dessa
maneira, da mesma forma que alguns grupos dentro da Igreja acreditavam que
o caminho para a retomada do espaço deveria vir do desenvolvimento científico
e de uma filosofia também pautada no racionalismo científico, outra parte
acreditava que a reconquista da sociedade deveria vir de um clero mais zeloso
e piedoso, capaz de falar com as massas católicas – camponeses, artesãos,
classe média. Esse grupo que dessa forma exteriorizaria um poderoso
movimento de associações “bem disciplinadas, capazes de transmitir aos
diversos setores da vida cotidiana as palavras de ordem da hierarquia.”
(Aubert, 1975, p. 164)
Essa tendência queria o afastamento das novas vocações do mundo das
ciências, temendo que os jovens pudessem ser influenciados por esses
62
pensadores e pediam o desligamento dos jovens das Universidades como
estavam postas, e lutavam para que estes fossem formados exclusivamente
em Universidades Católicas, como sugere Aubert (1975):
Mais preocupados em ter bons padres do que padres eruditos,
os partidários dessa tendência eram francamente hostis ao
sistema germânico que obrigava os jovens clérigos a fazerem
seus estudos nas faculdades de teologia pertencentes às
universidades do Estado; ambicionavam substituir esse
sistema pelo dos seminários diocesanos em vigor na França e
na Itália. Além disso, muitos deles desejavam que mesmo os
jovens leigos não frequentassem as universidades, cujo corpo
docente era não somente protestante em sua imensa maioria,
mas quase sempre de orientação racionalista; e preconizavam
a criação de uma universidade católica (p. 164).
27
Ignaz von Döllinger (1799-1890). Nascido na Baviera, teve forte influência no movimento que negava
a Infalibilidade Papal, promulgada no Concílio Vaticano I. Teólogo e historiador da Igreja Católica, esse
Padre fazia parte de um grupo de intelectuais da Igreja que pregava a aproximação com o mundo
moderno. Por suas diferenças ideológicas e por constantes desentendimentos com grupos Ultramontanos
da Igreja, que colocava em dúvida alguns dogmas, foi excomungado da Igreja, o que quase provocou um
cisma, não fosse por suas declarações de que não queria ver essa situações entre Romanos e Alemães.
63
quase que imediata. O Papa Pio IX em carta ao arcebispo de Munique
censurava os ataques e repreendia o fato de que uma assembleia de teólogos
fosse reunida sem mandato da hierarquia, a quem “cabe dirigir e supervisionar
a teologia”; explicitava, além do mais, que o sábio católico não estava ligado
apenas a definições solenes, devia também levar em conta o magistério
ordinário, as decisões das congregações romanas e o ensinamento comum
dos teólogos. Ou seja, essa liberdade pregada não poderia existir sem o crivo
hierárquico dos superiores desses “sábios”. Essa atitude levou alguns
pensadores a um isolamento defensivo no plano das ideias, da mesma maneira
que a submissão das autoridades levou à limitação, já que intervinha nas
diretrizes de pesquisas concluindo que quase sempre eram inaceitáveis.
Em meio a tantas controvérsias e indefinições sobre qual tendência a ser
seguida, o Papa convoca o Concílio Vaticano I, que possibilitou as discussões
entre as ideias do moderno que pregava a razão acima de todas as coisas, e
as tendências conservadoras que acreditavam que esse pensamento moderno
colocaria fim à Instituição; chegou-se a ser publicada a Constituição Dei Fillius
e a Igreja se pronunciou quanto à relação entre fé e razão. Admitindo que não
existe um conflito entre uma e outra, e como demonstra Corrigan (1946),
(...) a fé não é um ato cego da inteligência (...) é um
assentimento do intelecto. Não se baseia na evidência do
conhecimento científico, mas, firmado em fundamentos
racionais, aceita a verdade daquilo que Deus revelou. (...) A
razão natural e a fé divina podem divergir como fonte de
conhecimentos, mas entre elas nenhum verdadeiro conflito é
possível. Os dogmas da Igreja talvez não sejam
compreendidos, e as conjecturas da Ciência podem ser tidas
como fatos. Mas o mesmo Deus é autor do natural e do
sobrenatural, e ele não pode contradizer a si mesmo. A Igreja
anima investigações científicas, que podem e devem levar a
Deus (p. 211).
A Dei Fillius, não pôs fim às discussões, muito pelo contrário, os debates
se acirraram e se prolongaram até que, Leão XIII, ao assumir o Papado
percebe a necessidade de se organizar um pensamento comum, que
representasse uma “filosofia sã e autêntica, a qual, sem perder suas
características de saber humano autônomo, pudesse prestar um indispensável
serviço à fé e à revelação cristã” (Campos, p.35,1989). Sendo assim, ao
publicar a encíclica Aeterni Patris em 4 de outubro de 1879, Leão XIII marca a
64
retomada do tomismo como linha condutora do pensamento católico. Para
Aubert (1975):
Com Leão XIII, surgiu enfim a preocupação de dar aos
católicos palavras de ordem positivas, o que demonstrou a
nitidez de sua consciência em relação à importância de “frente
intelectual” dentro da perigosa situação em que, desde meados
do século XVIII, se encontrava o catolicismo (p. 167).
Não por menos, Leão XIII passou a ser considerado como aquele que
deu o impulso decisivo no neotomísmo. Esse movimento que já vinha
ganhando um grande número de adeptos em algumas universidades e se
mostrava ambíguo na sua interpretação. De um lado alguns pensadores de
tendência tradicionalista repudiavam as investidas mais críticas dos
pensadores modernos e contemporâneos na tentativa de preservar as
“verdades tomistas”. De outro lado, uma corrente mais progressista definida por
Cardoso (1989),
(...) que se caracteriza pela abertura ao pensamento moderno
e contemporâneo, por uma atitude crítica, em face deste, ao
mesmo tempo que por um constante esforço de assimilação às
teses tomistas dos aspectos da verdade, contidos porventura
neste mesmo pensar (p.30).
28
Aubert cita alguns intelectuais, entre eles: Na Alemanha, J. Clemens, H. Plassmann, C. von Schäzler e
principalmente, o padre J. Kleutgen (Theologie der Vorzit, 1853-1870, Philosophie der Vorzeit, 1860-
1863); na Espanha, o dominicano Gonzales, que em 1853 fundou a revista La ciência Cristiana; na
França o padre d’Hulst; na Bélgica, o dominicano Lepidi e o professor da Universidade Católica, A.
Dupont.
65
Isso, contudo, não intimidou o Papa que tratou de promover uma
reforma nas Universidades e Colégios católicos sob seu domínio, instituiu
Santo Tomás como patrono das escolas católicas, além de reestruturar a
Academia Santo Tomás, colocando à frente jovens pensadores. Para Aubert
(1975):
A ele se deve a liquidação definitiva dos sistemas tradicionais e
ontológicos e do ecletismo espiritualista, cuja voga acarretou
um enfraquecimento considerável para o pensamento católico;
devolveram às novas gerações de religiosos o gosto por uma
síntese coerente, tal como encontrada em Santo Tomás (p169).
66
pessoal”. Sem dúvida foi Mercier que impulsionou o instituto. Dele foi a
proposta de,
(...) fazer desse instituto, ao mesmo tempo, um centro de
ensino de alto nível, onde os estudantes seriam levados a um
trabalho pessoal dentro de uma atmosfera de total autonomia
em relação à teologia, e um centro de pesquisa, onde seriam
representados os problemas e as soluções tomistas cujos
dados concretos haviam sido modificados em consequência
dos progressos tanto do pensamento filosófico como das
ciências experimentais (Roger, 1975, p. 252).
67
possuem interesse para a teologia. Colocando um ponto final na quirela, Leão
XIII dá razão ao Instituto em Lovaina, resolvendo o problema com a
substituição do “prefeito” da Universidade de Roma.
Retornar à filosofia de Tomás de Aquino exigia uma restauração do
próprio pensamento, o que impunha a necessidade de realizar uma escolha
nas teorias a serem restauradas, deixando de lado questões que não
condissessem com o “progresso” da época e, por outro lado escolher os
aspectos contidos no pensamento moderno, assim como o progresso científico,
integrando-os no campo doutrinário do tomismo. Campos (1989) ao analisar a
questão da retomada do tomismo afirma que:
O tomismo tradicional deveria, dessa forma, enriquecer-
se com estes aspectos valiosos, trazidos pelo pensamento de
épocas posteriores, através da assimilação orgânica e
hierárquica destes valores – ‘vetera novis augere’. De outra
feita, esta assimilação orgânica e hierárquica das ‘verdades
novas’ deveria ser feita a partir de uma constante e
aprofundada reflexão sobre o próprio tomismo, numa tentativa
de explicação de suas próprias riquezas, implícitas mas não
explicitamente formuladas (p. 35).
68
Esses “congressos científicos internacionais dos católicos”
tiveram a dupla vantagem de contribuir para despertar o
interesse dos católicos pelas ciências modernas e de permitir
aos sábios de diversos países confrontar suas opiniões dentro
de um clima bastante estimulante (p184).
69
interpretações dos Padres, muitas das quais são dependentes
das opiniões de época, e indicava em relação a vários
aspectos, interessantes elementos para a solução de
problemas levantados pelos progressos da ciências naturais
(p179).
Para esta empresa, não caberia uma discussão sobre todos os aspectos
do pensamento tomista, ou neotomista adotado pela Igreja como forma de
homogeneização de uma filosofia católica, portanto, o que se busca aqui são
subsídios para as discussões que perpassam esta pesquisa, a saber: sobre os
conhecimentos aplicados à educação, em especial, o conhecimento sensível 29.
O pensamento filosófico católico aceito dentro da doutrina cristã
proposto na encíclica Aeterni Patris buscava encontrar um pensamento capaz
de dar respostas adequadas às inquietações e angústias que afligiam os
homens, clérigos ou leigos, bombardeadas constantemente pelo mundo
racionalista, e , assim como na época de Santo Tomaz de Aquino, tentar
responder ao conflito que opunha o conhecimento pela fé ao conhecimento
pela razão.
O neotomismo aparenta ser a melhor resposta, pois, dentro do contexto
histórico apresenta-se como a mais alta expressão da filosofia cristã,
considerada em seu duplo aspecto de filosofia tradicional e moderna (Campos,
1998), e atende assim, as expectativas de ordem conservadora, no sentido de
29
As principais obras que discute o conhecimento sensível são: Suma Teológica, De Veritate,
Comentários de Tomas de Aquino ao III Livro do De Anima de Aristóteles.
70
manutenção dogmática e, as de ordem progressista, que viam na modernidade
a possibilidade de manter a instituição viva.
Sob o aspecto de uma filosofia tradicional, o ‘repensamento’ do tomismo
evidencia a reflexão sobre o ser, visto que o ser é o ato de existir, e essa
reflexão o coloca no centro do sistema – metafísica do ser – e acima de tudo a
metafísica do ato existencial, que repensado no contexto de uma doutrina de
participação, busca apresentar soluções válidas para o problema do ser infinito,
na formulação de provas da existência de Deus e na reflexão da obra divina.
Conforme esclarece Campos (1998):
Essa metafísica do ser encontra, por outro lado, sua
justificação crítica numa gnosiologia de cunho eminentemente
realista, que permite afirmar a transubjetividade de nossa ideia
de ser, do nosso conhecimento, do ser do mundo e, através da
aplicação analógica, implícita na própria ideia do ser, a
existência dos seres espirituais e do próprio Ser divino (p.50).
71
de internalização, o objeto conhecido se corrompe (durante a alimentação de
um ser –animal, vegetal – o alimento ao ser ingerido é transformado dentro do
ser que o ingeriu). Na segunda, Tomás pega como exemplo o calor que aquece
os corpos, um metal que ao ser aquecido em uma temperatura elevada pode
ter sua forma alterada, “nesse tipo de assimilação, de acordo com
determinadas condições casuais, sempre há alteração física daquele que
recebe e também há a possibilidade de corrupção” (Janunzi Neto, 2012, p.26).
Por fim, a assimilação do objeto dentro da perspectiva cognociva, a
assimilação que ocorre no processo de conhecimento, nenhuma das partes se
corrompe, nem objeto nem o sujeito. Para Janunzi Neto (2012), nesse
processo,
(...) acontece tanto a recepção quanto a alteração. A primeira
se dá pelo fato de que quando um sujeito conhece, ele passa a
ter em si um conhecimento que outrora não possuia, graças à
presença imanente do objeto. A segunda porque, ocorre em
certa medida, o mesmo sujeito passa de um estado de
ignorância para um estado de ciência. (p.26).
72
abertura para o mundo, e dessa forma, o conhecimento seria o
aperfeiçoamento do ser humano como tal, ou seja, o cumprimento de sua ânsia
de saber.
A noção de perfeição implica um binômio conceitual importante para
Aquino, potência e ato. Na obra do autor não existe propriamente uma
definição destes conceitos, mas sua aplicabilidade, ou seja, referem-se a
princípios gerais que se aplicam a todo tipo de ser. Entendido como ato, o fim,
a perfeição, onde se pretende chegar; em contraposição, a potência representa
a imperfeição em si, “contudo, essa imperfeição não pode ser entendida como
um simples limite, mas deve-se levar em consideração que a potência sempre
é capacidade ordenada a um certo ato” (Janunzi, 2012, p. 28).
Se assim entendido, para se chegar ao saber –ato- a sensibilidade é o
processo para se atingir a perfeição – potência – e isso é possível pelo sentido.
Para Janunzi Neto (2012):
Segundo esta razão, se o sentido é entendido como potência,
isto é, se entende também como certa imperfeição, pois neste
estado ainda não há o conhecimento do sensível. Entretanto,
por ser uma potência – e sendo que a potência está ordenada
a seu específico ato – ele está estruturado de tal forma a
receber o objeto sensível, seu princípio de atualização a partir
da percepção da sua forma (p. 25).
73
por duas espécies de sentido, ou classes, a saber: os sentidos externos e os
sentidos internos; a diferenciação das classes se dá praticamente pela
localização dos órgãos específicos de cada sentido.
De acordo com Tomás, os sentidos externos são cinco: visão, olfato,
audição, paladar e olfato; e são considerados externos por residirem em órgãos
corpóreos externos. O autor também categoriza de acordo com o grau de
imaterialidade. Sendo assim, a visão é a mais sublime, pois não há contato
corporal e o paladar e tato, estariam no fim da lista pelo contato corpóreo direto
com o objeto30.
Já os sentidos internos são: sentido comum, memória, imaginação,
cognitiva. A memória é o sentido capaz de conservar a forma recebida pelos
sentidos externos; para Tomás: “se a potência sensitiva é ato de um órgão
corporal, deve haver uma potência para receber as espécies e outra para
conservar”31.Quanto à imaginação, é responsável por reter as formas recebidas
dos sentidos anteriores e produzir uma imagem material do apreendido
sensivelmente. A cognocitiva apreende as formas não reconhecidas pelos
sentidos anteriores e são identificadas pela assimilação do que já se conhece.
No homem, essa faculdade age por comparação, ou seja, julgando o sensível
apreendido de acordo com sua utilidade ou finalidade para o indivíduo.
Já o sentido comum, é descrito como aquele responsável pela função de
“receber as formas das coisas sensíveis”32, de modo semelhante aos dos
sentidos externos, entretanto, há ressalva:
O sentido interno não é chamado comum por atribuição, como
se fosse um gênero, mas como raiz e princípio comum dos
sentidos externos. Deve-se dizer que o sentido próprio julga
seu objeto discernindo-o dos outros que se referem ao mesmo
sentido, mas discernir o branco do doce, nem a vista nem o
gosto pode fazê-lo: pois para discernir uma coisa da outra, é
preciso conhecê-las a ambas. É, portanto, ao senso comum
que pretende fazer o discernimento, pois só a ele são referidas,
como a um termo comum, todas as apreensões dos sentidos.
(Suma Teológica)
30
Suma Teológica
31
Suma Teológica
32
idem
74
sentidos utilizados pelo ser. Cada órgão externo capta o objeto ao qual ele é
responsável, e o sentido comum irá diferenciá-lo internamente.
Classificados os órgãos do conhecimento sensível, o ato de
conhecimento destes sentidos é constituído por duas etapas centrais: externa e
interna. Para Aquino:
Deve se dizer que há na parte sensível duas operações. Uma
que é só por mutação. Por exemplo, a operação dos sentidos
se realiza quando o sentido é modificado pelo sentido. A outra
é a formação, pela qual a imaginação forma para si a imagem
de uma coisa ausente ou jamais vista (Suma Teológica).
33
De veritate.
76
Abordado até aqui de forma genérica, o conhecimento é um processo de
assimilação que pressupõe espiritualidade, portanto se aplica tanto ao
conhecimento intelectual quanto ao conhecimento sensível.
Os conceitos primeiros são “as sementes da ciência”34, e através das
pesquisas e da inquirição, o ser humano é capaz de adicionar e conquistar
conhecimentos. Para o homem, o modo de conhecer é o da ratio, e tem duas
características próprias: “a dependência da experiência sensorial e a
discursividade” (Aersten, 2000, p. 256). – Ordem do saber demonstrativo e
ordem do saber conceitual.
O conceito de ciência de Aquino vem da tradição aristotélica, que define
scientia, a princípio traduzido apenas como ciência, com um significado mais
preciso, “designa um conhecimento fundamentado, um saber que se dá em
razão de uma comprovação. Por isso, somente a conclusão de uma
comprovação é ‘cientifica’ em sentido próprio” (Aersten, 2000, p.253). Essa
estrutura implica que scientia seja um conhecimento derivado, ou seja, a
conclusão de uma comprovação é fundamentada pelo que já se sabe – Ciência
pressupõe conhecimentos prévios.
Ciência exige a finitude da fundamentação, que precisa ser atribuída à
coisa primeira, que ele entende como uma analogia entre comprovação e
conceito, uma relação de fundamentação. “O princípio maior do saber, o
princípio da não-contradição, baseia-se em algo que o entendimento apreende
e sem o qual não se pode entender nada, a saber: o ‘ente’.35
Dessa forma, Tomás introduz o motivo circular, que, assim como para
Aristóteles, é mais que perfeito, em contraposição ao movimento linear. O
motivo do círculo é fundamental para a compreensão de mundo. O fim de todas
as coisas é o retorno à primeira, e esse retorno é a união à origem: origem e
término, princípio e fim.
Na obra Summa contra gentiles, a ideia de Tomás de Aquino é assim
exposta:
Por natureza, habita em todas as pessoas a ânsia de conhecer
as causas do que vêem: por isso, e movidas pela surpresa, as
pessoas começaram a filosofar sobre o que viam, mas cujas...
34
De veritate
35
De veritate
77
permaneciam ocultas; quando encontravam as causas, então
se aquietavam (Livro III).
78
Capítulo 4 – O Guide des École – O modo marista de ensinar
36
Mande mentsur l’éducation domestique (Carta pastoral sobre a educação no lar), pelo
cardeal Giraud, arcebispo de Cambrai.
79
Em nome de todos estes nomes, a busca por uma nova sociedade em que o
social se desconfigura do núcleo familiar e se reestrutura em novos patamares.
Não mais a sociedade da família, mas a sociedade do Estado, a educação não
é não mais na casa do pai, mas na escola. Nesse sentimento de perda
demonstrado pelo Cardeal, sua esperança ainda se deposita nas escolas que
tomaram para si a função de educar na moral e na religião, ambas católicas.
Ao adentrar ao século XIX, a escola já é o lugar por excelência da
educação e da aquisição do conhecimento, o lugar da formação, da
formatação, do cidadão e do fiel (católicos ou não). Também é o lugar de
disputa, de luta e de busca. Disputa das identidades escolares que precisam
ser formadas. Luta em formar professores para a escola existir e busca da
criança e do jovem que deve ser formado dentro de novos padrões.
Padrões de uma sociedade “moderna”, que entende o fim do mundo
explicado em Deus e acolhe o homem para explicar o mundo. Uma sociedade
em que surgem novos padrões, novos estilos de vida, novos valores, novas
referências, nova ordem cultural. O homem é o princípio do bem e do mal.
Essa é a modernidade. Uma época “de contestação, de tensão, de embate,
mas um embate resultante da convivência entre a razão cristã e a razão
técnico-científica”(Hanicz, 2006, p. 39). Engana-se quem acredita na
modernidade nascendo do novo, a modernidade é o novo rejeitando o velho,
mas também é a coexistência, um se formando sobre o outro.
Bem sabia o Cardeal Giraud que, assim como a sociedade que se
transformava, a escola se instituía com nova configuração. Mas não sabia o
Cardeal que a Igreja tentaria acompanhar tal mudança, na mesma proporção
que a sociedade mudava. Como visto na primeira parte deste trabalho, o
século XIX foi o século da busca de uma nova identidade para a Igreja católica
e, consequentemente, para a escola católica. Da mesma maneira que linhas de
pensamentos modernos se formavam na Instituição, ideias do antigo se
mantinham, com forte apego à tradição de outros tempos de hegemonia
político-cultural.
Desse modo, a Congregação dos Irmãos Maristas é representante da
corrente liberal sem, entretanto, perder de vista que está subordinada à uma
Instituição maior que as correntes ideológicas divergentes, está subordinada à
Santa Sé e de lá acata as determinações propostas pelo Papa. Assim, se
80
existiu espaço para a construção de um programa pedagógico com tendências
voltadas à ideia de modernidade foi porque houve espaço dado, permitindo que
a Congregação espalhasse pelo mundo um método que transparecesse essa
modernidade.
Não há a pretensão de se fazer aqui um trabalho institucional, nem a
exaltação de um método pedagógico revolucionário, mas um trabalho de
identificação de uma corrente modernizante liberal que via, na transformação
da escola, um espaço para que a Igreja continuasse a existir, ocupando seu
lugar nessa nova sociedade e que tinha como fundamentação na Educação
dos Sentidos a forma de educar para a nova sociedade, a fim de atender à
pátria e à religião.
A estrutura organizada, aliada à conservação dos materiais pedagógicos
e a disponibilidade de uma vastidão de documentação, fez com que a pesquisa
de desenvolvesse dentro da Congregação sem apologias institucionais,
buscando apenas subsídios para explicar que escolas tidas como tradicionais
faziam uso da ciência e das tecnologias, tanto no “como” ensinar, como na
estruturação do seu “arsenal” pedagógico.
Nessa medida, não se pretende fazer um histórico da Congregação, haja
vista que isso já foi feito e com muita competência37. Mas uma localização
temporal do momento em que o Guia foi elaborado se faz necessária. Para
isso, serão utilizadas as biografias do Fundador: a escrita por Jean Baptist
Furet (1999), que publicou o livro logo após a morte de Marcelino Champagnat;
na obra de Joannes Martuns Ladeira (1921); além da documentação
digitalizada no site da Congregação38
Faz-se necessário um comentário sobre a obra de Furet. Foi ele o autor
do Guide des Ècoles e, além de sistematizar o Guia, foi responsável pela
biografia de Champagnat, sendo contemporâneo deste, ou seja, Furet foi um
dos primeiro Irmãos da Congregação e conviveu por mais de 20 anos com o
Fundador o que, para ele, é um dos atestados de veracidade da obra
biográfica. Nas suas palavras, suas recordações são verdadeiras:
(...) pois tivemos a vantagem e o favor de passar cerca de vinte
anos com nosso venerando Pai, participar do seu Conselho,
37
Ver: Azzi, R. História da educação católica no Brasil: a expansão da obra de Champagnat no Brasil.
São Paulo: SIMAR, 1999.
38
http://www.champagnat.org/ acesso em 20/08/2013.
81
acompanhá-lo em muitas viagens, debater com ele a respeito
de tudo quanto se refere à Regra, às Constituições e ao
método de ensino que legou aos Irmãos e, de modo geral, a
tudo o que interessa ao Instituto. Escrevendo esta biografia,
podemos, pois, afirmar que narramos o que vimos, ouvimos e
aquilo que pudemos examinar e estudar durante muitos anos
(Furet, 1999, p. XIV).
39
Apesar de só ser canonizado pelo papa João Paulo II, em 18 de abril de 1999, Marcelino Champagnat, o
Fundador da Congregação sempre foi tido pelos Irmãos como santo, principalmente por seus gestos e
atitudes.
82
Mas ensinar o quê? A fé, a religião? Mais do que isso, ensinar novos
hábitos, novas condutas, o que chamava a atenção de todos por onde os
alunos passavam. Nos relatos de Ladeira (1921), sobre a educação oferecida
pelos Irmãos nos vilarejos no interior da França, encontramos o seguinte:
Os Irmãos esforçavam-se sobretudo por disciplinar os alunos,
estabelecer o silêncio, incutir hábitos de ordem e asseio.
Mostraram aos meninos o que era delicadeza, modéstia,
civilidade. Introduziram entre eles a emulação. Enfim, apareceu
com evidencia meridiana, que a escola recebia direção optima.
Mal teria decorrido um mês, e já os alunos tinham mudado
completamente. A piedade, a reserva, a modéstia dos mestres
parecia terem passado para os meninos (...). O público não se
fartava de vê-los desfilar, pelas ruas e andarem para as
aldeias, dois a dois, em ordem e caladinhos (p. 58).
40
A escolaridade não era obrigatória; as crianças compareciam muito irregularmente às aulas, sobretudo
durante o período dos trabalhos nos campos. Era-lhes fácil serem gazeadores (cf. LPC 1, doc. 298, p.
543).
83
tempo possível, para subtraí-los aos maus exemplos e às
múltiplas ocasiões de ofenderem a Deus.
Recomendar-lhes com freqüência o respeito para com os
ministros de Jesus Cristo, a obediência às autoridades civis;
combater, sem trégua, o espírito de independência, a grande
chaga de nosso tempo, persuadindo-os de que a obediência
aos pais e às autoridades civis e eclesiásticas é mandamento
divino e dever sempre e em toda parte.
Inspirar-lhes o gosto e o amor pelo trabalho; mostrar-lhes que a
preguiça é um dos vícios mais perniciosos para a alma e para o
corpo, e fonte de uma infinita de faltas.
Formá-los à compostura e boas maneiras: incutir-lhes o amor à
ordem e à higiene, obrigando-os a pôr em prática as lições
recebidas sobre estas questões, a ser muito leais com todos,
especialmente com as pessoas constituídas em dignidade
(Furet, 199,p. 119).
41
Em: http://www.champagnat.org/510.php?a=2b&id=1088&cat=1 acesso em
20/08/2013
84
manter a simpatia de todos os partidos e em parte alguma
foram molestados. As eleições de dez de dezembro, confiando
o governo ao Príncipe Luís Napoleão, acalmaram as
inquietações sobre o futuro do país e permitiram vislumbrar
uma era de segurança, na qual a França iria entrar. Houve
renovação religiosa em todos os espíritos amantes da ordem.
O Sr. de Falloux, homem profundamente religioso, foi nomeado
ministro da Instrução Pública e dos Cultos. O clero e todos os
bons católicos aproveitaram-se desta conjuntura para
reivindicar a liberdade de ensino. Depois de ingentes esforços,
viram suas reivindicações atendidas pela lei de 15 de março de
1850. Essa lei42 concedia liberdade ao ensino secundário e
conferia às congregações religiosas, reconhecidas pelo Estado
e votadas ao ensino primário, o direito de apresentar os alunos
aos exames nas escolas públicas e isentava os membros do
serviço militar (Furet, 1999,p. 232).
42
. Esta lei chama-se “Lei Falloux”, embora o Visconde de Falloux não fosse mais ministro da Instrução
pública no momento da promulgação.
85
membros da instituição e pelas visitas regulares dos superiores
aos estabelecimentos (p. 251).
43
Escôrço biográfico do segundo provençal dos Irmãos Maristas no Brasil Central, Rio de Janeiro,
Livraria Francisco Alves. 1941, pp. 54-57.
86
É sobre o Guia que recai a análise deste trabalho. O Guia, entendido
dentro de um contexto, assumindo correntes filosóficas e participando de
momentos em que as contradições entre o moderno e o tradicional estão
nitidamente presentes. A busca por uma educação do homem sob a
perspectiva de uma sociedade racionalista, moderna, disciplinada e preparada
para assumir seu espaço no mundo do trabalho ao qual era destinado, sem,
entretanto, deixar que as tradições, ritos e morais de anos se perdessem.
Dentro de todo o contexto traçado até aqui, o Guide des Écoles é a síntese
do que os católicos esperavam de um instituto de educação. Nele é possível
observar as correntes teóricas que predominaram na sua elaboração. O
pensamento tomista, o liberalismo católico, a importância da educação dos
sentidos, da educação moralizante católica cristã. A mescla de todas essas
variáveis trouxe a novidade de um método moderno dentro da educação
católica, opondo-se ao método baseado na memorização e repetição.
Não se pode afirmar que este novo método seja o pioneiro, o inovador que
serviu de base para as demais congregações, mas pode-se dizer que é um
Guia correspondente a uma tendência em voga no período em que foi
elaborado.
O Guide des Écoles ou Guia das Escolas44 é o primeiro documento oficial
impresso, que descreve o pensamento pedagógico e educativo dos Irmãos
Maristas. Sua novidade está na proposta de ser um material acessível e de
fácil manuseio para os Irmãos que assumiam a tarefa de lecionar em distantes
escolas, mantendo assim uma uniformidade no processo educativo. Sua
primeira edição data de 1853, fruto da experiência dos anos de práticas dos
Irmãos com as escolas na França, teve seu texto redigido nos trabalhos do 2º
Capítulo Geral45. Trata-se de um texto normativo, dedicado à formação
pedagógica e focado nas práticas educativas.
44
No decorrer da pesquisa, tanto será usado a nomenclatura de Guide des École, quanto Guia das
Escolas, ou apenas Guia, sempre nos referindo ao mesmo documento.
45
O Capítulo Geral é uma assembleia representativa do Instituto. Nas assembleias elegem-se os
membros gestores e conselheiros. Também é o momento em que os Irmãos debatem sobre temas e
desafios, definindo propostas de ações. Segundo o próprio Instituto, os Capítulos, de certa forma, refletem
o momento histórico e social do período de sua realização. Atualmente, os Capítulos são convocados a
cada 8 anos. O Primeiro Capítulo Geral foi realizado em 1839, um ano antes da morte do Fundador. O
Segundo Capítulo foi realizado 13 anos depois, e foi marcado pela aprovação da Regra de Vida, forma de
governo e metodologia educativa do Instituto.
87
É importante deixar claro que o Guia das Escolas, assim como os
Irmãos Maristas, representam uma dentre tantas outras congregações voltadas
para a educação, que participam da empreitada de fazer com que as novas
propostas da Igreja se efetivassem. Então, por que o Guia e os Irmãos
Maristas? Primeiramente pela atuação da congregação no Brasil, com a
implantação de diversas escolas em todo o território nacional. Segundo, pela
proposta de fidelidade traçada, bem como pelo próprio conteúdo proposto pelo
Guia às escolas. E por fim, pela pertinência e adequação da documentação
apresentada.
Dessa maneira, muito mais do que um guia para a formação do mestre
Marista, o Guia das Escolas representa em si, todo um contexto histórico,
político e social, no qual viviam os jovens mestres que o elaboraram. O Guia
responde a uma política de restauração da Igreja, como uma possibilidade de
que as novas diretrizes traçadas pelo Vaticano se efetivassem.
Dentro desta proposta, o Guia é exemplo da participação de um grupo,
da Igreja que acredita que a sobrevivência desta se deva ao fato que seja
necessário a incorporação do pensamento moderno como forma de instituir
uma nova identidade, sem, entretanto, abandonar o propósito primeiro que é o
de manutenção da Igreja na participação secular desta nova sociedade.
Este grupo ao qual nos referimos é o de pensamento mais liberal dentro
de todo o processo de restauração da Igreja. Prova disso, além dos indícios
presentes no próprio o texto, é a citação de alguns intelectuais da Igreja, o que
orienta para a definição de qual linha os Irmãos estão seguindo. Dentre eles,
por exemplo, podemos citar Lacordaire, que aparece em uma citação sobre a
educação moral e educação da vontade, como forma disciplinar de obediência.
De acordo com o Guia:
À medida que os alunos crescem, cumpre também exortá-los a fazer
esforços pessoais e submeter-se de maneira racional ao
regulamento; importa mostrar-lhes, nesta mesma obediência, o meio
de vencer aquilo que há neles de inclinação ao mal e desenvolver o
que existe de bom na sua natureza. “Uma criança que nunca pensa,
que jamais delibera, que é passiva em todos os seus atos, disse
Lacordaire; um dia não será adequada a não ser para obedecer
molemente aos homens e às coisas que a dominam pelo efeito do
acaso” (Furet, 2010, p. 55).
88
determinadas regras. Ou seja, educar a criança, dentro de um ambiente em
que existam regras expostas aos alunos de forma clara e que estes entendam
os motivos pelas quais elas existam e devam ser seguidas, significa formar
cidadãos capazes de entender os motivos de sua própria existência no mundo.
A novidade está no fato de colocar o aluno dentro do processo de
legitimação de regras, entretanto, não abre mão, das regras pré-existentes,
conforme o Guia:
Sem dúvida, não se trata de educar os alunos a obedecer
mecanicamente, sem que compreendam o que existe de justo e
benfazejo nas ordens dadas; finalmente, a obediência continua sendo
o meio mais eficaz, e único em certos casos, de formar a vontade,
sobretudo na juventude (Furet, 2010,p. 54).
46
La Conduite de Ècoles Cherétiennes, Procedimentos das Escolas Cristãs, era o manual
pedagógico dos Irmãos das Escolas Cristãs, popularmente conhecidos como Irmãos
Lassalistas. Com a primeira edição publicada em 1720, tinha como finalidade promover a
educação cristã por meio de escolas populares.
89
momento em que poderia abrir classes para o ensino. Enquanto preparava os
Irmãos, foi contratado um jovem leigo que havia convivido com os Irmãos
Lassalistas; no texto o autor relata:
Em La Vallá, não havia escola. O Padre Champagnat suspirava
ardentemente pelo momento em que os Irmãos pudessem abrir
aulas. Contratou um professor leigo em 1818. Era um moço que tinha
convivido com os Irmãos das Escolas christãs. Preparo não lhe
faltava. E melhor ainda, conhecia a fundo o methodo simutaneo
mutuo de São João Baptista de la Salle, methodo que o Padre
Champagnat queria usar na sua congregação (Ladeira, 1921,p. 52).
47
Guide des Écoles se ubica en el nuevo cuerpo normativo del Instituto como medio concreto
para lograr la unidad a través de la uniformidad pedagógica y provocar a su vez la cualificación
del servicio que prestaban los Hermanos en las escuelas comunales.
90
escolas católicas, a formação do novo cristão que se aglutina juntamente com
as características anteriores.
Assim, para a formação destes novos indivíduos, é necessário que se
forme, antes de tudo, o mestre capaz de desenvolver as características já
citadas (cidadão, civilizado, católico/cristão). A pergunta era: “Quem ensina
quem ensina?”. insere-se no contexto do século XIX, em que os católicos, de
certa maneira, estavam atrasados em relação às novas propostas
pedagógicas, principalmente em relação às escolas laicas e às protestantes.
Ou seja, além de buscar novos métodos para o ensino, também foi preciso
formar o mestre dentro das novas formas de ensinar.
Botto (1999), ao desenvolver seu trabalho sobre o método intuitivo no
século XIX, aponta para a necessidade da formação do professor, e citando
Nóvoa (1987) esclarece que:
Durante o século XIX a formação dos professores repousa,
essencialmente, não sobre a aquisição de um corpo de saberes e de
saber-fazer, mas sobre a aprendizagem de um saber ensinar um
certo número de conhecimentos adquiridos antes de entrar nas
escolas normais (Botto apud Nóvoa, 1987 s/p).
91
2. As qualidades das boas disciplinas, que ele faz pender
fortemente para a autoridade moral e a bondade, numa época em
que os castigos físicos eram largamente empregados.
3. A importância que se deu ao catecismo e ao cuidado que tomou
para a formação de bons catequistas.
4. O ensino do canto, então desconhecido nas escolas primárias.
5. As regras no concernente à formação dos jovens Irmãos, que
deram grande uniformidade e coesão à nossa maneira de ensinar
e de educar os jovens (Furet, 2010, p.19).
92
métodos foram desenvolvidos para facilitar o processo de aprendizagem. O
destaque fica, sem dúvida para o método intuitivo, entretanto, dentro do
contexto político religioso em que se formavam as novas congregações, a
aplicabilidade de um método baseado nos conceitos teóricos desenvolvidos
pelos protestantes, era algo inadmissível para uma congregação católica.
O que se sabia era a necessidade de se buscar novas formas
facilitadoras do processo de ensino e aprendizagem, e que propostas
baseadas na memorização e na repetição já não cabiam na modernidade que
buscava a racionalização, inclusive aplicada à sociedade; assim, Schelbauer
(2003) entende que:
O método era considerado como um guia, um caminho seguro para
alcançar os objetivos e metas estabelecidas. Isso ajuda a explicar
porque tal elaboração atinge o campo educacional precisamente no
momento em que era forçosa a racionalização dos sistemas
educativos com a difusão da escolarização em massa (p. 31).
Este termo, formado a partir de uma palavra grega cuja raiz significa
caminho, refere-se a todas as formas que adotam uma forma explícita
e cuidadosa para realizar qualquer trabalho, para realizar um bom
empreendimento. I. - A partir desta definição segue-se que agir com o
método adequado é ser racional, é o homem fazer metodicamente o
que o animal faz por instinto, e de todas as obras do homem, a
educação é a mais séria, e que também requer um método mais
eficaz, e que não deve ser abandonada ao acaso. (...) Ter um
método, ou seja, saber exatamente aonde se quer chegar e,
conscientemente, escolher o caminho certo, o professor estará
cuidando de suas crianças, do país e dele próprio. (Rozante apud
Buisson, 1911, verbete methode).
93
formação que se pretende atingir. Sempre pautado nos ensinamentos do
Fundador, o texto ressalta:
(...) ele (Fundador), por exemplo, a respeito da aula dos mais
pequenos, que considerava a mais importante? Ele enfatizou os
cuidados que os Irmãos, incumbidos de tal aula, devem ter para com
essas tenras crianças que, pela sua inocência, ele considerava como
anjinhos. Sublinhava os meios que se devem tomar para lhes ensinar
as primeiras verdades da religião, inspirando-lhes a piedade a virtude,
aplainando-lhes as dificuldades na aprendizagem da leitura. O
espírito de Deus, do qual estava repleto, e o terno amor que tinha
pelas crianças haviam-lhe revelado as necessidades específicas da
tenra idade delas e os segredos para conquistar-lhes o coração, para
inculcar-lhes a piedade e formar-lhes as faculdades da alma (Furet,
2010, p. 19).
94
tradições do nosso Instituto, no que se reporta à educação cristã da
infância. (Furet, 2010, p.21)
95
4.3 A concepção de Educação
A primeira parte do Guia se concentrava na definição do conceito de
Educação e abrange a educação física, a educação intelectual, a educação
moral e a educação cristã. Ao colocar a Educação como ponto inicial, os
Irmãos tiveram a preocupação de deixar claro sua concepção de educação, as
particularidades que se pretende com o ensinar marista e apresentar as
especificidades dessa forma de educar. Dentro dessa definição fica também
claro que o propósito do Guia está ligado à prática:
A educação é a arte de formar as crianças ou, em outros termos, é o
conjunto dos esforços metodológicos, mediante os quais se orienta o
desenvolvimento de todas as suas faculdades. Para que tal
desenvolvimento seja completo, deve abranger a vida física da
criança, tanto quanto a sua natureza intelectual e moral (Furet,
2010p. 24). (Grifo original)
96
Os autores falam de fundamentos teóricos, entretanto, citar pedagogia e
psicologia, não torna explicável o que se “entende por”, apenas aponta para a
importância de se aplicar esses conceitos nas “crianças”, prevalecendo, assim,
o caráter prático. Diferentemente dos outros Guias de educação usados nas
escolas católicas, como a Ratio Studiorum e a Conduite, o Guia dos Irmãos
tenta dar suporte científico às orientações. Porém, isso é apenas citado, não
constam quais eram os princípios teóricos da Pedagogia e da Psicologia
empregados. O que se observa é que a prática é reforçada e se recomenda
“aos jovens mestres o estudo dos bons tratados teóricos” (Furet, 2010, p.25).
Ou seja, recomenda-se a busca teórica em outros livros, pois no Guia, o jovem
mestre não terá esse suporte teórico dito como importante para a educação.
Como citado, anteriormente, o Guia como método estabelece objetivos
claros a serem seguidos e justificam a “Importância da Educação”, colocando-a
em duas categorias. A primeira, “para a própria criança”, no sentido de orientá-
la em direção aos bons princípios cristãos a partir da sua infância. Diz o texto:
48
Essa citação mostra que o texto original foi modificado, uma vez que o Papa Bento XV esteve no
Pontificado entre os anos de 1914 e 1922, além disso, a citação foi retirada de uma carta enviada em
comemoração ao centenário do Instituto, em 1917.
97
O duplo objetivo da educação, então atendia à religião e ao Estado,
formando o católico e o cidadão, ao mesmo tempo, incorporando o modelo de
homem civilizado dentro dos padrões da fé cristã.
Quanto às “Características da Educação”, os autores definem como
educação completa aquela que aglutina “educação física, intelectual, religiosa e
social”:
A educação física supervisiona e auxilia a formação do
corpo pela observância das normas de higiene, pelo exercício,
pelos jogos e pela ginástica. A educação intelectual cultiva as
faculdades da criança, ornamenta-lhe o espírito de
conhecimentos multiformes e úteis, metodicamente
escalonados.
A educação moral e religiosa empenha-se em fazer da
criança não somente um adulto, mas um cristão. (...) A
educação social prepara a criança para as funções que vai
desempenhar na sociedade (Furet, 2010,p. 26).
98
4.3.1 A Educação Física
A educação física se apresenta como fundamental para se incluir novos
costumes e condutas, na expectativa de se moldar e modelar corpo e mente,
incluindo a própria aparência, os gestos, a linguagem, o modo de se vestir.
Boschilia, em sua análise sobre a construção da identidade masculina nos
colégios católicos, esclarece que a educação é vetor para a busca da
civilidade, sendo que a autora entende civilidade sob a perspectiva de Norbert
Elias. Segundo ela:
Vista por Norbert Elias como uma condição para o controle de
si e a contenção da violência, a civilidade passou a ser
considerada um aspecto essencial para superar a
agressividade e a impulsividade ou a falta de controle interno,
típicas da sociedade medieval (Boschila apud Elias,
1999,p.245).
Mais do que ensinar sobre higiene das crianças, limpeza das salas de
aulas ou dos jogos desenvolvidos nos pátios das escolas, a educação física foi
responsável por introduzir novos padrões de comportamento que acompanhou
a reconfiguração do homem com condutas mais compatíveis com a sociedade
que se instituía.
Dessa forma, o Guia passou a discorrer sobre a educação física
taxando-a como uma das práticas educacionais mais relevantes a ser
considerada, enfatizando a higiene como fundamental para o melhor
desenvolvimento do corpo e dos sentidos, além de ser fator civilizatório,
incluindo a criança em um padrão de higiene e socialização que pede o mundo
civilizado.
Na escola, a educação física consiste, primeiramente, numa
série de medidas higiênicas, no referente ao arejamento, à
limpeza, à postura etc; em segundo lugar, em exercícios
corporais, como jogos e ginástica (Furet, 2010, p.28).
99
O espaço físico da escola é constituído dentro de um padrão que os
maristas acreditam que seja o mais confortável para facilitar o aprendizado do
aluno. As instruções que o Guia oferece para o estabelecimento físico do
espaço são bem genéricas e há uma preocupação com o bem estar dos
alunos, como por exemplo, a sugestão de que as janelas das salas de aula
devam ter postigos (uma pequena abertura na própria janela) para que seja
aberta mesmo nos dias mais frios, de modo que o ar circule pelo ambiente.
Além disso, o tamanho das salas de aulas deve variar de acordo com o número
de alunos. “ (...) deve-se adequar o número de alunos à capacidade das salas;
preconiza-se para cada aluno a média de cinco metros cúbicos de ar” (Furet,
2010, p.29).
A preocupação com a luz também ditava as medidas espaciais das
janelas, era necessário assim cuidar para que o ambiente fosse bem iluminado
evitando que se “canse a vista”. Sugere-se também que as disciplinas que
exigiam mais das vistas fossem de curta duração. Esses dois aspectos são
assim relatados:
Para que a luz seja suficiente, é preciso que a superfície das
janelas alcance cerca de 1/5 do soalho da sala. Para que os
olhos descansem, não se prolonguem por demais as aulas que
exigem esforços constantes da vista, tais como o desenho ou a
escrita continuada (Furet, 2010, p.29).
100
chuva e lá deverá ser pendurado, “o aquecimento servirá para que as roupas
sejam secas”. (Furet, 2010p. 30)
Em relação à limpeza, existem conselhos, tanto para o espaço físico
quanto para o corpo. A limpeza do corpo é pensada com relação à saúde de
todos e com relação à própria sociabilidade das crianças:
(...) infelizmente bastante comum entre as crianças, é a causa da
insalubridade do ar da escola e pode tornar-se o princípio causador
de muitas doenças. Pelo contrário, a limpeza contribui grandemente
para a conservação da saúde, já que favorece a transpiração que,
imperceptivelmente, se faz pelos poros. Do mesmo modo, propicia
os hábitos de decência e ordem; ela espalha, de maneira palpável,
a pureza interior e a inocência, contribuindo para recordar o respeito
que o homem deve a si mesmo; enfim, ela agrada, atrai a
benevolência e constitui um laço de sociabilidade. A criança, cujo
exterior inspira desprazer, experimenta uma espécie de vergonha
que prejudica a sua atividade. A limpeza há de notar-se em todas as
circunstâncias, pois há uma limpeza compatível com a própria
pobreza (Furet, 2010, p.30).
101
adequadas à estatura das crianças. “Se muito altas, prejudica a postura; se
demasiado baixas, forçam o aluno a se curvar e levarão a contrair hábitos
desgraciosos e mesmo prejudicial a saúde” (Furet, 2010p.31).
O Guia também sugere que o professor tenha a paciência de explicar
aos alunos a razão de se adotar todos esses cuidados com a higiene e a saúde
que são exigidos na escola, o professor deve aproveitar o momento também
para falar das necessidades desses hábitos fora do ambiente escolar, ou seja,
em casa, nos cuidados com a moradia, roupas e alimentação. Essa é uma
maneira de se educar pais e responsáveis pelos alunos, fazendo com que as
crianças levem os padrões de higiene e limpeza para dentro de casa. Ao final
dos conselhos, pede-se uma atenção especial com relação à questão do
alcoolismo e do fumo: “Nos países onde esses conselhos não são objetos de
nenhum curso oficial de ensino, pode-se associá-lo às lições de boas maneiras
e de moral, ou fazer deles o objeto de ensino ocasional” (Furet, 2010, p.31).
O Guia faz uma diferenciação dentro da educação física ligada aos
exercícios corporais: os jogos e a ginástica. Ambas com a preocupação de dar
ao corpo e à mente limites para a convivência sadia. Para os jogos percebe-se
uma liberdade dos alunos nessa atividade, que é mostrada como brincadeiras
que “devem desenvolver ao mesmo tempo, qualidades corporais, como a
destreza e a agilidade, e certas qualidades da alma, como a coragem e a
lealdade, entre outra” (Furet, 2010, p.32). As Crianças conhecem as regras e
brincam ou jogam sem a interferência direta do professor, que fica ao lado
apenas a observar. De caráter socializante, esse tipo de atividade busca
estimular a convivência dentro de regras pré-definidas.
Quanto à Ginástica, a atuação do professor era mais direta, “o mestre
trata de alcançar a precisão dos esforços musculares, a amplitude dos
movimentos e certa cadência nos esforços exigidos do organismo” (Furet,
2010, p.32).
O Guia define a Ginástica como:
(...) exercício racional e metódico com tripla finalidade: higiênica,
estética, econômica: higiênica, porque fortifica a saúde; estética,
porque previne deformações corporais; econômica, porque ensina a
reduzir ao mínimo o esforço muscular. Além do mais, a ginástica
favorece indiretamente o trabalho do espírito. (Furet, 2010, p.33)
102
Como dito de início, a educação física aplicada nas escolas dos Irmãos
Maristas tem como função fundamental estabelecer novas condutas sociais de
convivência coletiva e ao mesmo tempo disciplinar o corpo de modo a atender
ao modelo de civilidade que se impunha. Boschilia (2012) atenta para o fato de
que “no rol destes signos, a postura corporal, as expressões faciais e até
mesmo olhar, visto como ‘espelho da alma’, eram considerados aspectos
relevantes” (Furet, 2010,p. 246).
103
de maneira sintética, alguns princípios, a fim de lhes associar
os processos práticos imediatamente ao alcance dos jovens
Irmãos (Furet, 2010, p.37).
104
Dessa forma, a educação é peça importante na articulação entre os
saberes ensinados na escola e a experiência vivida pelo aluno, ou seja, essa
articulação só é possível se desenvolvidas as qualidades de bom senso e
reflexão, isso compete ao mestre, pois só assim “(...) a instrução se torna
verdadeiramente útil” (Furet, 2010, p. 36).
Para que o mestre consiga entender melhor o estudo da inteligência, os
autores decompõe a operação da inteligência sob três aspectos:
1º As que abastecem as ideias, isto é, a percepção externa
que, pelos sentidos nos informa daquilo que se passa em torno
de nós; e a consciência ou percepção interna que nos faz
conhecer o que se passa dentro de nós.
2º Aquelas que combinam e elaboram as ideias, isto é, o juízo
e o raciocínio, a que se pode acrescentar a imaginação.
3º Aquilo que concerne às ideias e aos conhecimentos, isto é, a
memória (Furet, 2010, p.36).
105
discernimento, de tal modo, que é impossível delimitar o que os sentidos
podem recolher do mundo:
A cor, a forma, as dimensões o uso dos objetos que a cercam,
os sons da língua que ela fala, as letra e palavras que lê, a
fisionomia das pessoas que as cercam e mil outras noções são
conhecidas da criança mediante os sentidos (Furet, 2010, p.
37).
Também sugere que para o ensino, o mestre deve empregar o uso dos
sentidos e da consciência, ou seja, sempre que possível os objetos de ensino
devem ser mostrados às crianças, sendo que na falta destes, serão
empregados gravuras e quadros que os representem. O Guia exemplifica:
(...) em vez de dar a definição abstrata de metro, é muito
melhor, não se detendo nessa noção indireta, trazer para a
sala de aula um metro dobrável, mostra-lo aos alunos, servir-se
diante deles e fazer com que eles o empreguem (Furet, 2010,
p. 37).
106
mestre desenvolvê-los. Na verdade, o que se busca é a concentração da
criança para que esta seja capaz de, através da observação direta de objetos,
refletir dobre os mesmos.
Na prática, o Guia enumera oito “meios” (Furet, 2010, p. 38) para que os
movimentos internos e externos aconteçam, entre eles a eliminação de ruídos
e a manutenção da ordem e da tranquilidade. As aulas precisam ser divididas
em horários curtos entre 20 e 30 minutos, pois um período maior pode causar
fadiga e o aluno não seria capaz de manter a atenção sustentada. Aulas de
desenho e escrita não necessitam de tanta concentração, por isso devem ser
intercaladas com as demais disciplinas curriculares. Uma forma de manter a
atenção é com questionamentos, que devem ser constantes, não deixando que
as crianças se dispersem. A narrativa é essencial para a introdução de
conceitos abstratos “já que as crianças escutam sempre muito atentamente as
histórias” (Furet, 2010p.38). A apresentação de objetos desperta a atenção, e
“torna o ensino intuitivo e visual” (Furet, 2010p. 38). Outra forma de manter a
atenção é retirar das lições trabalhos escritos, dessa maneira, os alunos se
manterão atentos às “noções ensinadas” (2010, p.38).
Destas dicas, destacaremos uma por chamar a atenção do mestre para
sua atuação em classe, para que ele se atente ao treino da entonação de voz e
cuide da dicção e que, além disso, coloque animação na entonação da voz. Por
fim, o Guia sugere, e isso será uma constante, a competitividade entre os
alunos.
O Guia atribui ao espírito de observação, como sendo uma qualidade
preciosa, pois é importante a formação de pessoas “conscientes, reflexivas e
prudentes”. Ou seja, uma pessoa com o espírito de observação desenvolvido é
capaz de tirar de um objeto uma grande quantidade de propriedades. “Num fato
que se pesquisa irrompem circunstâncias que ficariam desapercebidas à
pessoa dissipada que olha tudo de maneira superficial” (p. 39).
Essa qualidade deve ser desenvolvida passo a passo, por momentos
diferentes, os autores prescrevem como se treina o espírito observação:
Pode-se iniciar levando o aluno a observar todos os elementos
de um objeto simples: caderno, boné, canivete etc. Em
seguida, far-se-á que ele descreva um objeto mais complicado
para o seu nível: automóvel, casa, pomar etc.
Progressivamente chega-se a aprender a observar máquinas,
107
insetos, flores, paisagens. Mais tarde, em outra ordem de
idéias, passa-se a analisar um texto literário, um quadro
artístico etc. Nos passeios escolares também se pode tirar
vantagem e potenciar o desenvolvimento do espírito de
observação, enquanto se ampliam os conhecimentos dos
alunos (Furet, 2010, p.39).
108
científico ao propor que o aluno tenha autonomia em tirar conclusões das suas
experiências com o mundo sensível. Entretanto, essas conclusões devem ser
acompanhadas e monitoradas de perto pelos mestres para evitar que os
dogmas da Igreja sejam contestados. Assim, a possibilidade da educação
moralizante tem início no concreto, no observável.
As “verdades incontestáveis” (Furet, 2010, p.40) devem ser ensinadas
por um longo período e somente quando as crianças estiverem amadurecidas
poderá se falar das opiniões discutíveis. Entre as verdades incontestáveis
estariam as de fácil observação e reflexão, e entre as opiniões contestáveis
estão as hipóteses científicas e as controvérsias teológicas. Quanto a estes
últimos devem-se evitar julgamentos.
Outra faculdade da inteligência que é responsável pela elaboração das
ideias é a imaginação. Lembrando que a imaginação, para Santo Tomás de
Aquino é um dos sentidos internos, juntamente com a memória. Para Tomás de
Aquino, a imaginação “é responsável por reter as formas recebidas dos
sentidos anteriores e produzir uma imagem material do apreendido
sensivelmente”.
A imaginação não é fruto aleatório da mente, mas do contato direto com
o objeto observável pelos sentidos é associado a algo já conhecido. Assim,
imaginar o futuro ou lugar distante sempre remeterá a algo aproximado de
coisas já conhecidas. Corroborando com isso, o Guia define que:
A imaginação é a faculdade que retém e reproduz as imagens
dos objetos captados pelos sentidos, e em seguida associa as
parcelas dos conhecimentos sob o controle da razão (Furet,
2010, p.41).
109
castigos dos céus. Porém, se não contar com o contrapeso do bom senso,
pode tornar-se quimérica:
Forja sonhos de riqueza, de felicidade, de aspirações e
ambições que, na maior parte do tempo vão além das forças
humanas, arrojando com isso suas vítimas a empreendimentos
insensatos. (Furet, 2010, p.42)
110
acordo com o Guia, isso deve ser entendido como a associação entre o
sensível e o racional. O Guia traz uma discussão bem pertinente que considera
duas tendências opostas de memorização. Com relação à primeira:
(...) consiste em empregá-la em demasia e exige dela a
exatidão, palavra por palavra, em todas as lições, sob o
pretexto de qual a criança é incapaz de captar perfeitamente
bem o sentido daquilo que deve aprender; que a criança está
inclinada a negligenciar, por preguiça, se não exige esta
fidelidade ao texto, e que ela não retém perfeitamente bem
senão aquilo que recitou de cor (Furet, 2010, p.43).
111
Em suma, o processo de Educação Intelectual está associado ao
desenvolvimento de faculdades treináveis, tendo por base conceitos teóricos
da psicologia e práticas desenvolvidas considerando a formação tanto do aluno
quanto do mestre. A superficialidade com que a teoria é tratada é mais uma
demonstração da necessidade da rápida formação do mestre, que poderá
futuramente, com tratados de psicologia, complementar seus estudos.
A parte prática do Guia tenta ressaltar a importância da experiência e do
desenvolvimento das sensibilidades. Tanto uma, quanto outra devem ser
mediadas pelo professor, a fim de que a formação do cidadão e do bom cristão
se efetive de forma plena.
112
foi bem formado, as inclinações puras e virtuosas vêm apoiar as decisões da
razão e imprimem na alma o impulso para o bem” (Furet, 2010, p.47).
No Guia, para formar o coração da criança é preciso empregar os
seguintes meios: moldar as ideias; levá-la a praticar bons atos e colocá-la em
ambiente favorável.
Moldar as ideias consiste em transpor um conjunto de ideias correntes
na escola. Esse conjunto é repassado através do que chamam de atmosfera
moral: “é ela que, pela voz do mestre, reprova todo o sentimento repreensível,
faz vibrar de maneira uníssona todas as consciências retas e permite aos
desejos generosos de expandir-se moldando, dessa forma e aos poucos”
(Furet, 2010, p.48).
A prática de bons atos vem pela experiência cotidiana e pela vivência
escolar. Cabe ao mestre observar as atitudes das crianças e sempre repudiar
os maus comportamentos e encorajar e elogiar os bons sentimentos. Essas
atitudes sempre serão seguidas de exemplos: “mencionam-se passagens da
vida de Nosso Senhor Jesus Cristo e dos Santos” (Furet, 2010, p.49).
Complementando a formação do que pode ser chamado de uma nova
estética pela escola, o Guia coloca que a educação da sensibilidade também
passa pela concepção de boas maneiras, que se refere às normas de conduta
que os bons cristãos devem seguir e como devem se comportar frente à uma
sociedade cristã. Educar para as boas maneiras não significa desenvolver “um
cerimonial de convivência mundana, variável segundo a moda e o país, em que
o coração não estaria envolvido” (Furet, 2010, p.50), e sim educar o coração
para a benevolência e o respeito. Essas virtudes são conseguidas pelo hábito e
pelo exemplo. Pede-se que o professor dedique atenção especial em inspirar
nos alunos sentimentos como: a gratidão, o respeito, a compaixão e a
caridade; e os hábitos que devem adquirir, como: amabilidade no trato com o
outro, procedimentos de respeito e regras de convivência.
Em contrapartida, os que devem ser repudiados são:
(...) ser encrenqueiro, dar apelidos, zombar uns dos outros, de
se causarem incômodos, de insultar os passantes, jogar
pedras, maltratar animais, danificar árvores, frutas, riscar
mesas, escrever nas paredes, seja na escola, seja alhures
etc.(Furet, 2010, p.50).
113
A prática de boas maneiras, segundo o Guia, deve extrapolar o ambiente
escolar se estendendo para as atitudes que as crianças devem demonstrar em
outros espaços sociais, o que deve ser observado pelos mestres aos andarem
pelas ruas.
114
educação cristã preserva as características mais conservadoras da Igreja
Católica. Primeiro pelo método como ela se efetiva, com a aplicação de lições
de Catecismo como maneira de educação religiosa propriamente dita e,
segundo, pelo fator de serem as crianças, propagadoras das novas
concepções do que se espera de um católico atuante na sociedade. Essa
constatação evidencia de forma clara a exposição que o Guia faz sobre a
finalidade da instrução religiosa, de acordo com os autores:
A educação cristã da criança tem duplo objeto. De um lado, é
preciso instruí-la (a criança) das verdades da religião e para
tanto concorrem as lições de catecismo. De outro lado, é
preciso iniciá-la na vida cristã, isto é, formá-la à piedade, levá-
la a pensar, a sentir-se e conduzir-se como discípula de Jesus
Cristo. A primeira reporta-se especialmente ao ensino do
catecismo, isto é, à instrução cristã. A segunda, não menos
importante, trata da maneira pela qual se pode conduzir a
criança a viver cristanamente, isto é, a formação cristã (Furet,
2010, p.58).
115
mestre o preparo de toda a lição. Para as crianças maiores, o Guia sugere o
uso de manuais editados.
O Guia demonstra passo a passo como se dá a recitação da lição:
1º Para recitar o catecismo, os alunos poderão ser
questionados da seguinte maneira. Um aluno, indicado pelo
professor, formula a primeira pergunta da lição; outro responde
e formula a segunda pergunta; um terceiro dá a resposta; este,
no seu turno, faz a próxima pergunta, e assim por diante.
Quando a lição estiver concluída, recomeça-se e se continua a
recitá-la, até que o professor faça o sinal de parar (Furet, 2010,
p. 68).
116
cantos religiosos, orações bem feitas, belas cerimônias e
altares bem decorados; em suma, é preciso sublinhar a
importância de tudo o que se refere ao culto exterior: livros
didáticos verdadeiramente cristãos, e outros pormenores da
mesma ordem não podem deixar de conferir, insensivelmente,
um cunho religioso ao espírito dos nossos alunos (Furet, 2010,
p. 75).
117
ser desenvolvido pelo exemplo de figuras heroicas e pelo ensino da história
nacional.
Qualquer país tem uma galeria de cidadãos ilustres, que
podem conquistar a admiração das crianças e jovens,
despertando-lhes sentimentos generosos. Este sentimento de
patriotismo é um dos mais nobres que se possa cultivar na
infância, contanto que se atenha aos limites da justiça em
relação às outras nações (Furet, 2010, p.97).
119
que essa educação é um processo em que se busca dar uma identidade de
maneira que se promova ao mesmo tempo a uniformidade das crianças
formadas nas escolas maristas, e as diferencie frente às formadas em outras
escolas.
120
obediências ao regimento da escola e à vigilância do Mestre. Assim, a
disciplina é:
(...) a alma da casa de educação: anima tudo: põe tudo no seu
devido lugar, mantém cada um no seu dever, apontando-lhe o
caminho que deve seguir; produz esta bela ordem, esta
regularidade perfeita, este conjunto e uniformidade que fazem
a honra de uma casa de educação, conquistando-lhe a
confiança do público. Em suma, a disciplina protege a fé, a
piedade dos alunos, preserva a inocência e os bons costumes,
assegura o progresso, previne as faltas e, consequentemente,
tende a suprimir as punições (Furet, 2010, p.103).
121
um código de comportamento social e regras de civilidade que marcaram a
Idade Moderna.
Para Boschilia (2012), civilidade entendida sob a concepção de Norbet
Elias como “condição para o controle da violência, (a civilidade) passou a ser
considerada um aspecto essencial para superar a agressividade e a
impulsividade ou falta de controle interno, típicas da sociedade medieval” (p.
245). Ainda para a autora:
Esse lento e contínuo processo de aprendizagem exigiu que o
homem moderno se afastasse dos excessos, dos arroubos e
do descontrole e procurasse forjar uma nova estrutura psíquica
mais condizente com a moderação, a reserva, a prudência,
enfim, com a polidez e o domínio de si. (...) ou seja, a busca do
domínio de si implicava o fato de o homem procurar modelar
não só os seus gestos, mas também sua aparência, sua
linguagem, seu modo de se vestir e sua inteligência (Boschilla,
2012, p. 246).
122
mestre e que o primeiro e principal cuidado deste último seja
formar crianças na piedade e na virtude (Furet, 2010, p. 105).
4.4.2 O Ensino
É possível inferir que as razões de se colocar lado a lado a disciplina e o
ensino, considera-se o fato de ser o Guia, como descrito no princípio, um
manual que devia ser seguido como as próprias Regras da Congregação, e se
basear nas experiências e práticas de antigos Irmãos.
123
Enquanto Regras, estas devem ser seguidas, sem inventivas ou
modificações, a fim de garantir a uniformidade nas escolas da Congregação
que se espalharam pelo mundo. Enquanto experiência, valoriza-se a atividade
como incontestável.
A caracterização do ensino começa pela definição de método e formas
de ensino, sendo que método é:
(...) um conjunto de meios lógicos que o mestre emprega para
transmitir os conhecimentos aos alunos, bem como para
cultivar o seu espírito. A experiência demonstra que,
paralelamente aos talentos e à dedicação, o mestre que possui
o melhor método alcança os melhores resultados. Alias, é
evidente que o professor deve servir-se de bom método de
ensino, já que o seu objetivo é desenvolver harmonicamente as
faculdades do aluno e transmitir-lhe um conjunto de
conhecimentos logicamente concatenados. (Furet, 2010, p.
144)
124
O Irmão não tem auditório desse tipo (para adultos). Os
seus alunos são crianças, de inteligência ainda fraca, não
pode abranger o discurso por inteiro, a sua mobilidade
natural impede-os de ficar tentos por muito tempo e a sua
memória é incapaz de reter as partes essenciais do
exposto que, alias, eles não podem reter. Em tal caso,
prazerosamente e com muita correção, tem-se
comparado o professor que fala a alguém que quisesse
encher uma garrafa, despejando, de um jato, o balde de
água (Furet, 2010, p. 146).
126
não disponibiliza de outro elemento para despertar a sensibilidade. Mesmo
assim, ainda há ressalva:
No entanto, importa lembrar que o verdadeiro ensino é aquele
do mestre, embora se possa convir que o livro simplifique a
tarefa do docente e a do aluno. O mestre extrai do livro matéria
pronta e adaptada às inteligências a que se destina. Encontra
ai um guia que é suficiente acompanhar, para não esquecer
nenhuma questão essencial; constitui mesmo excelente auxiliar
para a disciplina, porque o livro oferece múltiplos meios de
ocupar uma divisão, quando outra reclama seus cuidados,
atenção e assistência (Furet, 2010p. 155).
127
O Guia enumera diversas maneiras de se proceder nestas lições, e
indica como as correções e avaliações devem ser feitas. O catecismo é um dos
exemplos de lição de memória:
Se for o texto do catecismo diocesano, pode-se pedir que o
aluno recite as perguntas e as respostas, então se procede
como se iniciou acima. Nas outras matérias, quando elas forem
repartidas por perguntas e respostas, formula-se a pergunta e
o aluno responde (Furet, 2010p. 156).
128
reforçar a necessidade de higiene, conforme disposto na Educação Física. Ou
seja, sabe-se da limpeza e do asseio dos alunos também pela forma como ele
trata o caderno e também o livro.
O quadro negro, os cartazes murais e jornais preparatórios de aula são
procedimentos exclusivos dos mestres. O Guia ressalta a importância destes
materiais como forma de organização metódica para a elaboração e melhor
andamento das aulas, evitando que se perca tempo e facilitando o trabalho do
professor. O quadro negro deve estar presente em todas as salas de aula e,
segundo descrição apresentada no Guia, deve funcionar como “uma espécie
de caderno aberto diante de todos os alunos que nele podem acompanhar com
facilidade as explicações ou exercícios”. Para isso, o Mestre deve ser
organizado e, de preferência, solicitar que um aluno escreva no quadro, de
modo que assim, o professor não dê as costas aos alunos, evitando a
indisciplina.
Sobre a preparação da aula, o Guia orienta que deva ser feita com
antecedência e bem elaborada, evitando que se perca tempo de aula. Também
é sugerido que a preparação seja feita de forma escrita: “este trabalho pode ser
feito por escrito e, dessa forma, constar em diário de aula, cujo emprego é
excelente para a formação de jovens mestres” (Furet, 2010p. 165).
4.4.3 Organização
Por fim, o último capítulo desta segunda parte, conforme a divisão
proposta no Guia, irá tratar da estrutura física da escola, recebendo o título de
Organização Material. O Guia deixa claro que a proposta é de dar informações
sobre “á parte material de uma escola”.
Algumas recomendações têm aspecto higienista, que se preocupa com
dimensões de salas, carteiras ou janelas e outras dizem respeito ao material
que o professor fará uso nas aulas. De uma maneira ou de outra, existe a
ressalva de que neste quesito os Irmãos devem se adaptar conforme as
disposições legais de cada país.
Quanto à arquitetura, a escola deve ser localizada em terreno seco e de
local provido de água potável, e ser construída, de preferência, distante de
outras construções, a fim de que a tranquilidade seja mantida. Também existe
a orientação para que seja construída em apenas um pavimento e, caso seja
129
necessário mais um acima, e que também existam escadas seguras e largas
para se evirarem acidentes.
As salas de aula, como já mencionado na Educação física, têm medidas
que devem preservar a circulação de ar e a entrada de luz no ambiente. O
pátio é o local de socialização das crianças e o espaço destinado às atividades
de Educação Física. Deve estar disposto de forma que tenha espaço suficiente
para a mobilidade das crianças e que seja aberto, sem “cantos escuros” o que
facilitará a vigilânciados alunos pelos Irmãos. Os sanitários devem ser em
número suficiente para atender proporcionalmente ao número de alunos, e
devem ser constantemente higienizados para se evitar a transmissão de
doenças contagiosas.
Sobre a mobília das escolas: mesas e cadeiras, estantes de mestre,
quadros negros, conforme se indica no Guia, são os que estão disponíveis em
quase todas as escolas, sem grandes diferenciações. Os Irmãos devem usar o
que estiver disponível. O que difere as escolas católicas das não católicas é a
presença de elementos que remetem à instrução católica, tipo crucifixos nas
paredes, imagens de santos e de passagens bíblicas. Uma pia com água benta
é o que não pode faltar em uma escola Marista: “um quadro de São Marcelino
Champagnat” (Furet, 2010, p. 169).
Por fim, o Guia sugere que as escolas devam providenciar “coleções
diversas”, de acordo com as aulas oferecidas:
Aqui atemo-nos a nomeá-las genericamente, já que existe
grande variedade: quadros de leitura, coleção de pesos e
medidas, mapas geográficos, quadros murais para o ensino
das ciências ou, o que é preferível, amostras de história
natural, alguns aparelhos para experiências científicas,
biblioteca escolar, segundo a importância da escola. Da
mesma maneira, os cursos de canto exigem alguns
instrumentos de música, especialmente harmônicos, os cursos
de desenho, as coleções de modelos etc. (Furet, 2010, p. 169).
Pela lista de materiais é possível inferir o seu uso nas disciplinas aos
quais pertencem, mas de qualquer maneira, a parte final do Guia irá explicitar o
uso de tais materiais. Entretanto, é interessante notar que todos os objetos
descritos primam pelo uso do aparelho sensitivo do aluno, em especial a visão,
mas também o tato, e a audição.
130
Outra questão a ser observada é a de que, se por um lado, aspectos do
mundo moderno são privilegiados, como a importância da higiene, de se
pensar a arquitetura da escola de modo a gerar conforto ao aluno na mesma
proporção em que facilita a vigilância; os símbolos que representam o
tradicionalismo católico também devem estar presentes, como crucifixos e pias
de água benta.
4.5 O Educador
Tão importante em educar as crianças e jovens para uma nova
configuração social, é educar também quem educará estes alunos. Quando se
quer “formar bons cristãos e virtuosos cidadãos”, espera-se que os
responsáveis por esta formação também o sejam, principalmente porque o
exemplo é uma das bases da educação. Tudo o que o Guia expõe para o
Irmão educador, sobre o que as crianças devam aprender, o mestre já deve
saber. E isso vai além das disciplinas específicas, além do ensinar a ler e a
contar. Ou seja, se a higiene é um aspecto de suma importância dentro da
educação Marista, o Irmão precisa mostrar nos seus atos como manter o
asseio. Se o Irmão cobra dos alunos a disciplina, ele também deve estar em
constante observação sobre os seus próprios atos, a fim de que os alunos o
tomem como exemplo.
Se o século XIX é um período de reestruturação e de introdução de
novos hábitos, os Irmãos também precisam passar por um período em que
serão necessárias mudanças nas suas próprias estruturas culturais e
psíquicas, compatíveis ao mundo que se está formando ao seu redor. Nessa
medida, confluir a educação dos educadores às Regras rígidas e disciplinares
da Congregação, facilita a manutenção de uma uniformidade nos métodos de
ensino, nas atitudes comuns aos mestres, no desenvolvimento de materiais
pedagógicos e principalmente, no uso de todos estes elementos para a
formação de novas gerações que irão constituir a sociedade idealizada por
essa Igreja restaurada.
A terceira parte do Guia vai cuidar de caracterizar mais explicitamente o
Educador Marista. É a parte menor, quanto ao número total de páginas se
131
comparado às demais. Isso se explica, porque este tema já vem sendo tratado
no decorrer de todo o Guia, mas que aqui, a função, as qualidades e a
formação do mestre, são apresentadas de forma mais clara e sintetizada.
Ao se referir aos educadores da criança, o Guia não está apenas
chamando à responsabilidade aos Irmãos, mas inclui todos os âmbitos sociais
que a criança convive, portanto, são educadores: os pais, o sacerdote e o
professor primário. Os pais são educadores naturais:
Eles são, diz Dupanloup49, os primeiros e imediatos
cooperadores de Deus na educação dos filhos. É juntamente
com Deus que eles se encarregam desta tarefa, com Deus
que, aliás, lhes deixa toda a doçura e toda a glória do trabalho
(Furet, 2010, p. 172).
49
Felix Dupanloup (1802-1878), Bispo de Orleãs durante o II Império, participou do Grupo de Católicos
Liberais, que liderou uma batalha contra a Infalibilidade Papal e contra o movimento Ultramotano. A
Citação de Dupanloup como referências na obra educacional, é mais um indício do caráter Galicano, na
aceitação do mundo moderno, na obra dos Irmãos Maristas.
132
do educador prevení-la e sufocá-la “no seu nascedouro e no seu primeiro
germe” (p. 174). Ainda que a magistratura represente a ordem do Estado, útil
para a manutenção geral da ordem, o educador, segundo o Guia, tem uma
função mais importante:
Se a pátria deve profundo reconhecimento aos magistrados
que a livram dos maus elementos, muito mais deve ela aos
educadores, cujas lições lhes preparam virtuosos cidadãos que
um dia serão a sua força e a sua glória e já agora constituem a
sua mais cara esperança (Furet, 2010p. 174).
133
Se em um primeiro momento o Guia faz questão de relembrar as
funções e qualidades do educador, agora vai tratar, exatamente, da formação
deste mestre. Da organização da própria estrutura da Congregação na missão
de formar esse futuro professor. A formação do mestre é concomitante à
formação religiosa do Irmão, porém, o Guia deixa claro que o objetivo deste é a
formação do educador. Essa formação deve acontecer sob dois aspectos: a
formação teórica e a formação prática.
Quanto à formação teórica, ela acontece em duas frentes, uma para
desenvolver as qualidades e a outra para a formação pedagógica. Assim como
para as crianças e jovens, que são expostos a uma nova formação dentro dos
padrões de modernidade, como já exposto anteriormente, os futuros
educadores também devem passar por uma formação semelhante. Espera-se
que as crianças adquiram novos hábitos e atitudes, entretanto, a grande parte
da sociedade não está dentro destes padrões, o que faz que concluamos que a
formação do jovem mestre tenha que passar por essas mesmas mudanças.
Assim posto, o Guia trata de salientar que as qualidades físicas,
intelectuais e morais devem fazer parte da formação geral do mestre. Como
descrito na Educação Física, o desenvolvimento das qualidades físicas dos
jovens mestres deve passar pela formação higienizadora. O jovem mestre deve
ter boa saúde, para suportar as fadigas do ensino. Aconselha-se que o jovem
saiba mediar o “repouso conveniente e uma mescla sabiamente combinada de
trabalho intelectual, de recreação e de exercícios corporais” (2010, p. 181).
Também se espera do jovem Irmão esforço “em adquirir uma fisionomia meiga
e hábitos de boa educação, que lhe valerão a estima e a simpatia dos alunos e
dos pais deles” (Furet, 2010, p. 181).
Das qualidades intelectuais:
Possuir as faculdades de inteligência normalmente
desenvolvidas e estar acostumado a servir-se delas, saber
julgar, observar e raciocinar, de ser apto a captar facilmente
uma questão e desenvolve-la: eis o primeiro objetivo da
educação intelectual do futuro educador (Furet, 2010, p. 181).
134
Dentre as qualidades morais, estão: a meditação, o exame particular, a
direção dos seus superiores, o esforço pessoal. O Guia ressalta que estas
qualidades, assim como as outras, são exemplos para os alunos, daí deriva a
necessidade de os jovens se prestarem e cuidarem destas qualidades.
Sobre a formação pedagógica, o Guia determina o estudo de tratados
pedagógicos e do Guia, como forma de se manter uma uniformidade de ensino,
além de que evita as experiências particulares na formação dos alunos, “o
estudo da pedagogia permite ao jovem mestre abreviar consideravelmente o
tempo de aprendizagem e de evitar uma multidão de falhas nos primeiros
tempos de magistério” (2010, p. 183).
O Guia das Escolas deve ser um instrumento que deve fazer parte do
cotidiano, não apenas para a formação, mas como regra de conduta dos
mestres. Durante a formação dos professores, aconselha-se que o Guia deva
ser lido com o acompanhamento e que seja comentado por algum “professor
perito”.
Os autores do Guia também sugerem a leitura de algumas obras, porém,
os títulos são tão genéricos e sem autoria, que tornou impossível sua
localização.. Entre elas: Noções de psicologia aplicada; Elementos de fisiologia
e higiene; Elementos desenvolvidos de metodologia. Além destes, o Guia
sugere também:
1º Os bons tratados de educação, comentados pelos
professores peritos, ou analisados com a supervisão deles;
2º Obras que apresentam especialmente a formação do
educador apóstolo e do bom catequista (Furet, 2010, p. 183).
135
Os estudos teóricos são a base da formação profissional do
educador; mas pouco vale conhecer pelos livros a alma e as
faculdades, as leis de seu funcionamento e de seu cultivo na
criança e os princípios de ensino que daí se deduzem;
enquanto o candidato a mestre não tomou contato com a
própria criança, não se pode reputar educador (Furet, 2010p.
183).
50
O Guia usa as terminologias, aulas, disciplinas ou matérias, ao se referir à mesma coisa: disciplina
escolar. Também usa o termo aula para de referir a sala, ou turma.
137
Também é importante deixar claro, que dentro desta pesquisa, não há a
pretensão de se fazer uma análise histórica da constituição das disciplinas
escolares apresentadas, mas, apenas de relacioná-las às propostas de
educação que o próprio Guia sugere. Ou seja, proposta é realizar uma análise
pautada na educação dos sentidos, como vem sendo desenvolvido no decorrer
deste trabalho.
Sob o nome de “metodologia especial”, o Guia conceitua: “designa-se a
maneira de que se vale o mestre para ensinar as diversas matérias do ensino:
Leitura, escrita, aritmética e outras.” (2010, p. 201). Visa apontar a melhor
“sistemática para ensinar os alunos e ler e escrever”. Nesta proposta de
colocar à disposição uma metodologia para que os professores pudessem
ensinar, incluem-se as disciplinas de Língua materna (gramática e expressão);
História; Geografia; Lições de coisas e Ginástica, Canto, Desenho (estas
últimas três, assim agrupadas).
Estas disciplinas, o Guia classifica como “ramos do ensino primário”,
nessa medida, em que os autores fizeram a escolha por colocar apenas
“matérias” do ensino elementar e não contemplar as disciplinas que foram
sugeridas em outras partes do Guia, que se destinavam ao ensino secundário,
principalmente as ligadas a Educação Social, como por exemplo: economia
política ou ensino cívico.
4.6.1 Leitura
Das disciplinas tratadas, a primeira é a leitura51, que logo de início já lhe
é atribuída o título de “chave dos conhecimentos”. Sem dúvida, esta é a
primeira por ser considerado que os estudos se efetivam a partir da leitura,
“visto que as outras matérias dela se supõem e dela se servem” (Furet, 2010,
p. 203).
O Guia apresenta a leitura em três períodos, que devem ser avançados
conforme um supere o outro. O primeiro período é o da leitura mecânica, que
constitui em uma leitura silabada, e permite a leitura de palavras fáceis. Como
exemplo dado no Guia: “a-mi-go; só-li-do; pa-po. Então, abordam-se as sílabas
51
Como aparece no Guia, os nomes das disciplinas estão em letras minúsculas.
138
em que a consoante é composta (...); e palavras como fla-ma; es-trei-to, blo-
co.” (2010, p.204).
Após a explicação do que é a leitura mecânica, os autores do Guia
começam a discorrer sobre como, efetivamente, se faz para ensinar em sala de
aula:
1º Estudo no quadro ou sobre murais, de elementos novos que
constituem a lição do dia. O mestre oferece a pronúncia, às
vezes com pequena explicação (...)
2º Escrita cursiva na ardósia ou no caderno, do assunto da
lição, tanto para gravá-lo na memória quanto para fazer
avançar a leitura e a escrita.
3º Retomada da lição com exercícios de recapitulação que
oferecem o silabário e os cartazes murais. (...) Não entraremos
no detalhe de certos procedimentos, cujo uso deve ser
subordinado ao número de alunos, como os seguintes: letras
em relevo, letras móveis, gestos ou mímicas apropriadas, de
que alguns tiram bom proveito para manter a atenção dos
alunos (Furet, 2010, p. 205).
140
4.6.2 Escrita
A escrita e a leitura são tratadas em separado, dentro da “metodologia”
do Guia, não significando que se ensine primeiro a ler e depois a escrever,
mas, de acordo com o autor, os processos de aprendizagem ocorrem com
tempos diferentes. Os exercícios de escrita devem estar presentes desde a
entrada da criança na escola, entretanto “este ensino corre paralelo com o da
leitura, sem que seja, porém, tão rápido” (Furet, 2010, p. 209). De acordo com
o autor, as crianças são capazes de distinguir os elementos da escrita mais
rapidamente do que são capazes de reproduzir. Para escrever, a criança
precisa de tempo para desenvolver destreza nas mãos, o que retardaria a
leitura se prosseguissem juntas.
A questão da destreza deve ser ponderada. Crianças de pouca idade
terão mais dificuldade em apresentar lições em que a caligrafia esteja
impecável. Entretanto, isso não quer dizer que o mestre deva aceitar páginas
inelegíveis, por conta da preguiça do aluno. Espera-se que o bom
desenvolvimento da escrita leve o aluno à agilidade, destreza e rapidez ao
escrever, e que sua escrita seja de fácil leitura a todos.
A escrita como descrita no Guia, tem muito da educação do corpo, uma
vez que para se atingir o objetivo acima descrito, a postura é essencial. O Guia
propõe que:
1º O corpo deve permanecer reto e no prumo. Evite apoiar todo
o peso sobre o lado direito, porque, para não tornar pesada a
escrita, importa que o braço direito esteja bem livre nos seus
movimentos. A cabeça um pouco inclinada para frente, sem
pender para a esquerda, mau hábito entre as crianças é
prejudicial à vista. As pernas não ficarão nem cruzadas, nem
dobradas para trás.
2º A caneta segura-se sem rigidez entre os três primeiros
dedos esticados. Tome-se cuidado de que o dedo indicador
não esteja demasiado levantado.
3º A posição do caderno varia de acordo com o tipo de escrita
(Furet, 2010, p. 210).
141
escrita, a postura deve ser mantida. Dessa forma podemos entender que, como
descrito anteriormente, a educação física pede em todos os âmbitos da
educação um gesticular e postura que vão além das atividades de jogos e
ginasticas. Ela está presente nas aulas de escrita e em todas as demais aulas
que se usa a escrita – leitura, gramática, aritmética, história e geografia.
Os materiais a serem usados nestas aulas são: caderno, canetas,
pedras ardósias, quadro negro, silabário, modelos alfabéticos. Os exercícios de
escrita são feitos individualmente, sob a constante vigilância de todos os
mestres, que além de se atentarem para a caligrafia, devem vigiar a postura e
o asseio com a lição.
142
3º Quando a noção de substantivo se tiver tornado familiar aos
alunos, na sequencia de diversos exercícios deste tipo, pode-
se passar ao substantivo próprio, fazendo com que citem
nomes de pessoas, cidades, rios, montanhas etc.
4º Em seguida, faz-se descobrir os substantivos do texto
escolhido num dos seus livros (Furet, 2010p. 215).
143
3º Vocabulário do verbo.
a) Encontrar a ação própria para tal objeto.
b) Dizer para que servem tais objetos
nomeados.(Furet, 2010, 218).
4.6.4 A Aritmética
Tão importante quanto ler e escrever é saber calcular. Na mesma
proporção, o Guia coloca que tão importante quanto saber ensinar a ler e a
escrever, é ensinar o “aluno a calcular com segurança e rapidez diversos
cálculos necessários na vida, seja para conduzir as despesas domésticas, seja
para exercer uma profissão” (Furet, 2010p. 227).
Ou seja, assim como todas as outras disciplinas, o Guia coloca como
fundamental que o professor se aproprie de todos os conhecimentos e isso
inclui a aritmética. O caráter abstrato do cálculo é colocado como maior
dificuldade em se ensinar a matéria, por isso o mestre deve fazer uso, sempre
144
que possível de “procedimentos intuitivos”, para iniciar os alunos principiantes
na numeração e no cálculo.
O Guia explicita que pelos procedimentos intuitivos, “(...) mediante
aplicações concretas, ele tornará inteligíveis as noções que não podem ser
utilmente retidas a não ser que sejam compreendidas” (Furet, 2010, p. 229). Ao
passo que, o aluno só poderá aprender um conteúdo se o anterior estiver
suficientemente fixado. Assim, o professor deverá com constância sempre
retornar as lições anteriores.
A numeração e o cálculo devem ser ensinados, desde o princípio, tanto
quanto possível, sob a forma material. No início os alunos contam nos dedos,
com o auxílio de bastonetes, bolinhas de gude, pedrinhas ou ábaco. Depois “se
suprimem os objetos, passando-se às representações gráficas no quadro
negro: pontinhos, linhas, quadrados ou retângulos etc” (Furet, 2010, p. 229)
Para explicar melhor, são demonstrados exemplos de “procedimentos
intuitivos”:
Frações: A criança que vê a maçã cortada em quatro partes, a
folha de papel dobrada em duas partes, logo compreende o
que é metade, a quarta parte. Se somarmos 1,2,3 porções de
maçã, ela saberá o que significa um quarto, ¼, dois quartos,
2/4, ou a metade, três quartos, ¾. Com o metro dobrável, faz-
se constatar da mesma forma 4/10, 6/10 etc. (Furet, 2010, p.
229).
145
É constante em demonstrar ao jovem mestre a funcionalidade das
matérias, seja na vida profissional, que o aluno virá a ter, seja em situações
cotidianas. Entretanto, uma coisa deve ser observada, sempre é chamada a
atenção de que os alunos das escolas dos Irmãos tem o dever de se
comportarem de maneira diferenciada, como se formassem uma identidade
própria em relação aos demais alunos.
4.6.5 A História
Nesse momento, os Irmãos entendem que história nacional, história
sagrada e história geral são integradas, fundem-se em uma mesma história e
que deve ser ensinada sob esses aspectos. Assim, o mestre não pode ignorar
o ponto de vista religioso ou patriótico ao ensinar qualquer que seja o fato
histórico. Por estarem integradas, “as histórias” devem ser cuidadosamente
ministradas aos alunos, evitando-se questões polêmicas (não se explica o que
se entende por questões polêmicas).
A história também é vista como um importante recurso para por em ação
as faculdades intelectuais dos alunos. Pelas aulas de histórias:
A imaginação se desenvolve, ao acompanhar o relato dos
acontecimentos longínquos; o raciocínio se forma por meio das
apreciações motivadas pelos fatos e das suas consequências.
Com frequência, o mestre encontra a oportunidade de mostrar
a ação de Deus no mundo, as felizes consequências de virtude
e as funestas sequelas do vício (Furet, 2010, p. 236).
146
personagens, localização da cena, detalhes importantes, como
as pirâmides.
3º. O mestre faz a exposição acompanhada da narrativa, em
que os atores são conhecidos pelas explicações precedentes.
A cena representada pela gravura leva, assim, a falar da causa
da partida, a duração da viagem, o ponto da chegada, a
permanência etc. o que forma um todo.
4º. O mestre formula perguntas; os alunos repetem, na ordem
por ele desejada, as diversas partes.
5º. Por fim, alguns releem o fato de ponta a ponta.
6º O mestre não deve deixar de tirar alguma lição moral dos
acontecimentos que acaba de relatar (Furet, 2010, p. 237).
4.6.6 Geografia
A geografia, assim como a história, tem a dupla função de instruir os
alunos a ser cidadão dentro de um mundo católico. Sob o ponto de vista da
educação intelectual, promove o desenvolvimento da imaginação, entretanto,
“não se presta ao raciocínio” uma vez que, segundo consta no Guia, é uma
“matéria” que necessita de muita memorização.
A função da geografia, como matéria na escola é: “compreender melhor
os povos que cercam aquele de que fazemos parte, indiretamente, ela explica
grande número de fatos históricos antigos e recentes” (2010, p. 239). Mas
147
também deve atender a identificação de localização da criança no espaço em
que ela vive.
Apesar de fazer uso de mapas em todas as aulas, e de que o mapa é
um elemento fundamental nas aulas de geografia, o Guia afirma que não é
possível fazer uso do método intuitivo no ensino desta disciplina. “Mas bastam
alguns exemplos felizes ou algumas gravuras para poder, em seguida, atribuir
toda a terminologia à habitual representação nos mapas” (2010, p. 240).
O mapa não é tido como um objeto a ser analisado dentro de uma
sistemática como os demais feitos até aqui. A função do mapa é apenas de
informar e de avaliar o aprendizado do aluno. O Guia usa as terminologias
“mapas falantes” e “mapas mudos”. Os falantes trazem informações que
devem ser decoradas, conforme a indicação do mapa (rios, países, estados,
continentes etc.). Dos mapas mudos, as informações são suprimidas e chama-
se o aluno à frente dele para que o aluno possa dizer o que foi decorado do
mapa falante.
Os procedimentos que devem ser adotados para que o mestre se
prepare para as aulas, na geografia, são bem sucintos. De acordo com o Guia,
o andamento da lição deve ser assim posto em prática:
1º. Controle da lição precedente por meio de questionamentos
ou pela recitação de um texto, se for o caso, diante do mapa,
tanto quanto possível.
2º. Exposição da lição do dia com o auxílio do mapa falante.
3ª. Recapitulação por meio de perguntas. Os alunos passam
diante do mapa.
4°. Enfim, indicação da próxima lição e do tema que se vai
fazer (Furet, 2010, p. 241).
148
As lições de coisas, no Guia das Escolas, remete à introdução de
conhecimentos científicos, começando pela observação de objetos familiares
às crianças. De acordo como o Guia:
Elas (crianças) iniciam pelos entretenimentos simples que
desenvolvem a faculdade de observação, apresentando às
crianças objetos, e chegando, aos poucos, às noções
ordinárias de ciências, sob a forma experimental. Em suma, é o
conhecimento rudimentar das ciências físicas e naturais,
transmitido por procedimentos intuitivos (Furet, 2010, p. 243).
150
necessárias para as suas explicações e próprias a provocar o
espírito de observação dos alunos (Furet, 2010p. 244).
152
Durante as aulas, o mestre deve estar atento para que a disciplina se
mantenha, para verificar se além de cantar os alunos mantem a postura
esperada para que o som saia da melhor forma. “É preciso tomar cuidado com
as falhas ordinárias dos iniciantes, de principalmente não ter a postura correta,
não abrir suficientemente a boca, pronunciar mal e, mais que tudo, gritar”
(Furet, 2010, p.249)
Por se tratar de escolas católicas, o canto faz parte dos cultos e
cerimônias religiosas. Os cantos que foram aprendidos nas aulas também
podem ser usados nas missas, por exemplo. Para as aulas de canto, os alunos
menores não precisam saber ler para acompanhar a aula, basta que o mestre
faça com que memorizem o canto. Para os que já sabem ler, convém ao
mestre colocar no quadro negro, algumas palavras para facilitar a
memorização.
Quanto ao desenho, tem por finalidade:
(...) desenvolver os pendores naturais da criança a reproduzir a
forma das coisas que ela enxerga e de ensinar-lhe a observar
melhor e a reproduzir fielmente os objetos por um traçado
conveniente. (...) Cumpre conduzi-la a uma imitação mais exata
e a um gosto mais apurado (Furet, 2010, p. 250).
154
Considerações Finais
155
proporção que seus ideais se espalhavam pelo mundo: liberalismo,
racionalismo e tantos outros “ismos”; a Igreja ia perdendo seu espaço.
Assim, na entrada do século XIX, a configuração mundial é outra tanto
em termos políticos, quanto econômico, social e cultural. Aquela Igreja
estruturada nos moldes medievais não se sustentaria por muito mais tempo.
Nessa medida, as mudanças deveriam acontecer. As propostas de mudanças
seguiram dois caminhos opostos: um pedia o retorno ao mundo anteriormente
posto; o outro exigia a assimilação desta nova sociedade.
Por questões de desestruturação e falta de um poder centralizado, as
duas vertentes conviveram o que possibilitou o contato, o intercambio entre o
moderno e o tradicional. Foi nesse contexto que diversas Congregações foram
criadas, e assim também seguindo propostas diferentes. Em comum, havia o
peso de uma Instituição com mais de mil anos.
Os Irmãos Maristas seguiram a proposta progressista de um diálogo
com o mundo racionalista. O Guia dá indícios deste mundo pautado no
cientificismo quando admite que as ciências são ferramentas no processo de
ensinar e fazem uso da psicologia e da pedagogia nesses termos. Não
admitem o uso da terminologia “método intuitivo”, como apresentado pelos
protestantes, mas buscam no pensamento tomista fundamentação para uma
educação pautada na experiência, fazendo uso dos sentidos para que os
alunos apreendam o mundo real. Presam pela disciplina como forma de
controle das vontades, acreditam que a Educação Física é capaz de moldar
novas relações de sociabilidade, com a prática de exercícios coletivos ou a
introdução de novos hábitos de higiene.
Contudo também se mantém presos as tradições, pregam por uma
educação moralizante, cultivam rituais e mantém a hierarquia de poder. Os
dogmas são repassados por métodos ultrapassados, como por exemplo, a
recitação e a memorização nas aulas de catecismo.
A aparente contradição entre a modernidade e o tradicionalismo
corresponde à realidade em que o Guia é elaborado. Sua novidade está na
sistematização de um plano de ensino voltado para a formação do mestre que
vai cuidar da educação de jovens e crianças, na formação de uma nova
sociedade que está se configurando em um mundo racional e civilizado.
156
A Educação dos Sentidos é privilegiada; não basta apenas falar em um
objeto e esperar que a criança seja capaz de elaborá-lo em seu pensamento.
Mostra-se o objeto, a criança tem contato com ele, pela visão, audição ou tato,
sente o cheiro, experimenta o sabor; o conhecimento é guiado pelas perguntas
dos mestres, fazendo com que se siga pelos caminhos determinados e que se
chegue às verdades esperadas.
Se essa é a educação que se espera que as crianças tenham, também
é essa educação que os mestres vão receber; daí a necessidade de se
elaborar um Guia para os jovens professores. Um Guia que atenda à urgência
da formação e que sirva de único modelo pedagógico, independente do espaço
geográfico ou da condição social de seus alunos. Um Guia que deve ser
seguido como as próprias Regras da Congregação.
Dessa forma, os Irmãos Maristas trouxeram para o Brasil um jeito de
ensinar e de aprender que atende à formação de uma nova sociedade
civilizada, conforme lhe é solicitada e, ao mesmo tempo, mantém as tradições
religiosas de um país formado em sua grande maioria por católicos. Trouxe as
novidades de um mundo racional sem abrir mão da moral cristã católica.
157
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Fontes
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