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ISSN 1413-389X Temas em Psicologia - 2010, Vol.

18, no 1, 20 – 33

Procedimento de avaliação em terapia de casais a


partir de múltiplos instrumentos
Alessandra Turini Bolsoni-Silva
Universidade Estadual Paulista

Edna Maria Marturano


Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto

Resumo
Os problemas conjugais podem prejudicar o relacionamento entre pais e filhos, favorecendo o
surgimento de problemas de comportamento e, também, podem suscitar problemas
psicológicos. Diante da carência de estudos que avaliem diversos repertórios comportamentais
que se inter-relacionam, o presente trabalho tem por objetivo apresentar resultados de
avaliações, a partir de múltiplos instrumentos, de três casais que buscaram atendimento em uma
clínica escola. Os resultados indicaram que os participantes apresentavam déficits em
comunicação, em resolução de problemas e em expressão de afeto, confirmando achados da
literatura. Foram relatados também problemas em outras áreas, os quais influenciavam no
relacionamento conjugal. Destaca-se que os filhos apresentavam indicativos de problemas de
comportamento. Discute-se a relevância de colher dados a partir de diferentes instrumentos e a
necessidade de programas de intervenção considerarem as dificuldades individuais, além de
estabelecerem objetivos próprios para cada pessoa que busca por atendimento.
Palavras-chave: terapia de casais, habilidades sociais, problemas de comportamento,
avaliação.

Assessment procedure in marital therapy using multiple


instruments

Abstract
Conjugal problems may damage parents and children relationships favoring the appearance of
behavioral problems and also causing psychological problems. Given the lack of studies that
value several interrelated behavioral repertoires, the present paper aims to present assessment
results employing multiple instruments in regards to the three couples that sought clinical
services in a University. Results indicated that participants were presenting communication
deficits, problem solving difficulties and problems in expressing affection confirming literature
findings. Some people reported problems in other areas, influencing the conjugal relationship.
It stands out that the children were presenting indications of behavioral problems. The relevance
of data collection applying different instruments is discussed and it becomes necessary some
intervention programs to consider the individual difficulties, besides setting up objectives for
each person who searches for service.
Keywords: couple therapy, social skills, behavior problems, assessment.

Conflitos no relacionamento conjugal financeira e no trabalho (Block-Lerner,


podem surgir a partir de múltiplas variáveis, Adair, Plumb, Rhatigan & Orsillo, 2007;
tais como problemas na comunicação, Bodenmann & Shantinath, 2004; Byrne,
estratégias de resolução de problemas, Carr & Clark, 2004; Carr, 2006; Russel &
histórico familiar, problemas de ordem Listel, 1992; Silva & Vanderbergh, 2008;

________________________________________
Endereço para correspondência: Alessandra Turini Bolsoni-Silva – Av. Eng º Luiz Edmundo C. Coube,
s/n. Vargem Limpa – Cep.: 17.015-970 – Bauru – S.P. Fone: (14) 3103.6087.
E-mail: bolsoni@fc.unesp.br
21 Bolsoni-Silva, A. T. & Marturano, E. M.

Witkin, Edleson, Rose & Hall, 1983; problemas moderado ou severo. Os


Vanderbergh, 2006). Carr (2006) acrescenta programas comportamentais trabalharam
a vulnerabilidade individual, a infidelidade comunicação e solução de problemas. No
e a ansiedade/depressão como fatores entanto, os resultados indicaram que os
preditivos de problemas conjugais. tratamentos focados emocionalmente foram
Problemas conjugais podem ter mais efetivos que os comportamentais.
impacto em outros aspectos do Adicionalmente, a terapia cognitiva
relacionamento. Fincham e Beach (1999) combinada aos outros tratamentos não
apontam que o conflito conjugal pode afetar aumentou a efetividade. Os autores
negativamente tanto a saúde dos cônjuges sinalizam que o treino em comunicação e
(depressão, desordens alimentares, em solução de problemas é importante, mas
alcoolismo, desordens de ansiedade e que ensinar os casais a melhorar a
psicopatologias) quanto a saúde familiar expressão de afeto e a empatia também é
(práticas parentais pobres, ajustamento relevante para melhorar o relacionamento.
pobre da criança, aumento da probabilidade Ainda que cada abordagem trabalhe
de conflitos pais-criança e conflitos entre aspectos condizentes aos seus pressupostos
irmãos). teóricos, Davis e Piercy (2007) encontraram
A discórdia no casal parental está aspectos comuns a três teorias avaliadas
relacionada a problemas de comportamento (terapia focada emocionalmente, terapia
em crianças (Dessen & Braz, 2005). Kanoy, cognitivo-comportamental e teoria de
Ulku-Steiner, Cox & Burchinal (2003) sistemas internos familiares): relação
verificaram, a partir de um estudo terapêutica, variáveis do cliente e do
longitudinal, que quanto maior o conflito terapeuta e variáveis de expectativas. Os
conjugal, maior o uso de agressividade nas autores também constataram que nos três
interações com os filhos. Solantaus, modelos se trabalha, em algum grau, a
Leinonen e Punamãki (2004) verificaram cognição, o afeto e o comportamento para
que quanto mais frequentes os conflitos alterar o ciclo coercitivo.
conjugais, associados a outras variáveis de Segundo Vanderbergh (2006), tanto a
contexto, maiores eram os problemas de terapia comportamental como a cognitivo-
comportamento em crianças, tanto os comportamental têm utilizado com sucesso
internalizantes como os externalizantes. o treino em comunicação e em solução de
Loeber e Hay (1997) afirmam que a problemas no atendimento de casais. Na
exposição da criança a níveis intensos de opinião de Silva e Vanderbergh (2008),
violência e conflito favorece um aumento seria mais importante o treino em
de suas próprias tendências agressivas. comunicação (escuta ativa, treino
Assim, é possível supor que os conflitos expressivo), de forma a auxiliar a
conjugais, além de causarem dificuldades aprendizagem quanto a negociar aspectos
na saúde da criança, servem de modelo de do relacionamento, enfrentamento de
agressividade a ela. problemas e convivência em geral, além de
Intervenções com casais têm sido favorecer a empatia.
propostas para atenuar problemas no Ao melhorar a interação conjugal,
relacionamento conjugal. Diversos modelos podem ocorrer mudanças em outras áreas,
de terapia conjugal têm sido desenvolvidos. tais como redução de estresse e melhoria da
Para uma revisão teórica da área, satisfação conjugal (Bodenmann &
remetemos o leitor ao trabalho de Ferez- Shantinath, 2004). Assim, a intervenção
Carneiro e Diniz-Neto (2008) e, para um com o casal pode ser um recurso de
panorama nacional, à revisão de Ferreira prevenção da violência doméstica e de
(2005). atenuação dos efeitos da discórdia conjugal
Byrne et al. (2004) revisaram 22 sobre a relação pais-filhos.
estudos (1982-2002) que avaliavam Conforme assinala Silveira (2008), em
tratamentos para casais, por meio de terapia nosso meio, intervenções preventivas do
comportamental ou terapia focada conflito de casais são viáveis e tendem a ser
emocionalmente. As terapias bem aceitas pela população atendida. Entre
comportamentais conseguiram resultados os desafios que o atendimento a casais
de curto e longo prazo para casais com apresenta para o profissional de psicologia,
Terapia conjugal e avaliação 22

destacamos neste artigo os da avaliação seus problemas, favorecendo ao terapeuta


para subsidiar a intervenção. obter dados e promover empatia. A
Pesquisas conduzidas com casais põem observação do comportamento com
em relevo a avaliação de diferentes recursos de tecnologia de vídeo tem-se
variáveis do relacionamento conjugal, por mostrado produtiva em contexto de
meio de instrumentos, seja de relato ou de pesquisa sobre relações familiares (Dessen
observação direta. Entre as variáveis mais & Braz, 2005), no entanto, no dia a dia da
frequentemente focalizadas na pesquisa clínica, limitações de ordem prática
empírica estão a satisfação no frequentemente impedem o uso rotineiro
relacionamento, a comunicação e a dessa tecnologia.
expressão do afeto. Norgren, Souza, O presente artigo se apresenta como
Kaslow, Hammerschmidt, & Sharlin (2004) uma proposta de avaliação comportamental
verificaram que o nível de satisfação por meio de instrumentos de autorrelato
conjugal era maior quanto maior a para subsidiar intervenções com casais, em
proximidade e a coesão conjugal e quanto famílias com filhos crianças ou
mais adequadas fossem as estratégias de adolescentes. Tem por objetivo apresentar
comunicação e de resolução de problemas. resultados de avaliações, na forma de
Witkin et al. (1983) avaliaram satisfação estudos de casos, de cônjuges que buscaram
conjugal, comunicação conjugal, atendimento para casais, considerando os
classificação do cônjuge e mudanças próprios comportamentos de cada cônjuge e
esperadas do cônjuge. Ronan, Dreer, sua percepção sobre o comportamento dos
Dollard e Ronan, (2004) avaliaram a forma filhos. Foi utilizado um procedimento de
como o casal controla a expressão de raiva, avaliação com múltiplos instrumentos de
estratégias para lidar com conflitos, relato, dirigidos e não dirigidos, para avaliar
resolução de problemas e comunicação tanto comportamentos positivos como
conjugal. Angera e Long (2006) focaram a indicativos de problemas, seja dos
avaliação de empatia e de satisfação cônjuges, seja de seus filhos.
conjugal. Cornelius e Alessi (2007) Quanto à questão sobre o que avaliar,
avaliaram satisfação conjugal, acredita-se que é relevante avaliar não
comportamentos de comunicação, estresse e apenas comportamentos “problema”, mas
saúde conjugal. também recursos que os participantes já
As pesquisas relatadas trazem possuem, de forma a ampliá-los e torná-los
implicações para procedimentos de funcionalmente equivalentes às dificuldades
avaliação, de forma a garantir a avaliação relatadas (Goldiamond, 1974/2002). A
de múltiplos comportamentos que reflitam avaliação focaliza comportamentos
as dificuldades enfrentadas na interação (comunicação e habilidades sociais
conjugal. Fatores contextuais que conjugais), cognições (definição e avaliação
influenciam os problemas conjugais do cônjuge e percepção do filho) e afetos
também devem ser considerados. Uma (expressão de emoções e satisfação
segunda questão para a prática da conjugal).
intervenção com casais envolve o como No que se refere à questão de como
avaliar para intervir, sustentando coerência avaliar, o procedimento de avaliação está
teórico-metodológica na prática clínica. A baseado no autorrelato de cada cônjuge, de
literatura apresenta uma diversidade de acordo com a visão de que os tratamentos a
estratégias e procedimentos, baseadas em partir da perspectiva analítico-
instrumentos de relato e observação direta. comportamental devam avaliar e
Os instrumentos padronizados de estabelecer objetivos individuais de
relato parecem ser mais sensíveis para a atendimento (Marçal, 2005). A
detecção de atitudes positivas (Lavee & consideração dos diferentes pontos de vista
Avisar, 2006). Por outro lado, como dos parceiros é também uma tendência dos
assinalam Silvares e Gongora (1998), o uso estudos acerca do relacionamento conjugal
da entrevista clínica, com pouca (Ferez-Carneiro & Neto, 2008). Combina-
estruturação, é muito importante no início se o relato espontâneo com o relato
do procedimento de avaliação para que as dirigido, de modo a preservar as vantagens
pessoas sintam-se à vontade para relatar de cada modalidade. Procura-se detectar
23 Bolsoni-Silva, A. T. & Marturano, E. M.

convergências e divergências entre os (antecedentes e consequentes). As


relatos e delimitar tanto as dificuldades perguntas auxiliam os participantes a
como os recursos a serem trabalhados na exemplificarem suas potencialidades
intervenção. (comunicação, afeto e resolução de
problemas) e também dificuldades na vida
conjugal e em outras áreas que, porventura,
Método vivenciam, tais como problemas com
Participantes drogas, emprego, estresse, timidez,
infidelidade, ansiedade/depressão, histórico
Participaram do estudo três casais que
do casal e da família. Para este trabalho são
procuraram atendimento em um Centro de
apresentadas apenas as queixas.
Psicologia Aplicada (CPA) de uma
universidade pública no ano de 2008. As b) Para avaliar características do
queixas que motivaram a busca por relacionamento conjugal (comunicação,
atendimento e os dados demográficos dos afeto, definição e avaliação do cônjuge e
participantes encontram-se na Tabela 1, na satisfação conjugal) foi aplicado o
seção Resultados. O tempo de casamento Questionário de Relacionamento Conjugal
dos casais 1, 2 e 3, no momento da coleta, (QRC). A partir desse instrumento, obtêm-
era de 6, 4 e 5 anos respectivamente. se sete conjuntos de informações (Bolsoni-
Silva, 2003) que avaliam, em linhas gerais,
comunicação, afeto e resolução de
Instrumentos problemas e, de forma específica, os itens:
Foram utilizados três instrumentos definição do parceiro(a), expressividade de
para avaliar o relacionamento conjugal e carinho entre os parceiros(as), comunicação
habilidades sociais, dois para avaliar o estabelecida entre o casal, identificação e
comportamento dos filhos e um que estabilidade de características positivas e
mensurou dados demográficos. A escolha negativas do(a) parceiro(a) e avaliação do
dos instrumentos obedeceu a alguns relacionamento conjugal. Cada tópico é
critérios. O primeiro foi a combinação de iniciado com questões que permitem três
avaliação não dirigida com dirigida, de alternativas de resposta: frequentemente,
modo a obter informações complementares algumas vezes, nunca ou quase nunca. Uma
que subsidiassem a definição de objetivos análise fatorial exploratória para as
comportamentais (Marçal, 2005). O perguntas do tipo likert, a partir dos dados
segundo critério foi o de coerência com o de Bolsoni-Silva (2003), com uma amostra
referencial teórico e com a decorrente de 48 casais, indicou dois fatores
necessidade prática de propiciar hipóteses (explicando 61,7% da variância): o primeiro
funcionais acerca dos comportamentos. O incluiu a definição/percepção do cônjuge,
terceiro foi que os instrumentos, em características positivas, sentimentos
conjunto, fornecessem informações sobre expressos e sentimentos recebidos; o
variáveis que a literatura aponta como segundo, características negativas atribuídas
relevantes no relacionamento de casais, ao cônjuge. A fidedignidade teste-reteste,
envolvendo comportamentos (comunicação obtida com dados de 12 casais e um mês de
e habilidades sociais conjugais), cognições intervalo entre as aplicações, foi de 0,84
(definição e avaliação do cônjuge) e afetos para as mulheres e 0,94 para os homens (
(satisfação conjugal e expressão de rho de Spearman, p < 0,05).
emoções). O último critério se relacionou c) O Inventário de Habilidades Sociais
ao interesse em investigar problemas Conjugais (IHSC) foi aplicado para avaliar
emocionais e de comportamento nos filhos. habilidades sociais envolvidas na
a) Para avaliar o histórico das queixas conjugalidade. O instrumento conta com 31
e identificar problemas de saúde e em itens (Villa, 2002). Tem consistência
outras áreas, correspondente ao conceito de interna satisfatória (Villa, 2005) e
variáveis históricas e interdependências estabilidade temporal (Del Prette, Villa,
comportamentais, foi aplicado o Roteiro de Freitas & Del Prette, 2008).
Entrevista Semi-Estruturado para Casais. d) O Questionário de Respostas
Essa entrevista obtém dados relacionados a Socialmente Habilidosas (QRSH) foi
queixas e a variáveis relacionadas utilizado para avaliar o repertório
Terapia conjugal e avaliação 24

socialmente habilidoso dos filhos (Bolsoni- dificuldades de interação. São necessárias


Silva, Marturano & Loureiro, prelo). É duas sessões de duas horas cada para obter
composto por uma lista de 18 todas as informações. Antes de as pessoas
comportamentos socialmente habilidosos serem encaminhadas para o atendimento, os
apresentados por crianças e os pais devem dados são organizados de forma a obter um
responder se um comportamento se aplica estudo de caso que garante objetivos
(escore 2), se aplica em parte (escore 1) ou individuais, além dos do grupo. Os
não se aplica (escore 0). participantes e as terapeutas assinaram um
e) A Escala de Comportamento Termo de Consentimento Livre e
Infantil A2 (ECI-A2) foi utilizada para Esclarecido de forma a permitir a utilização
avaliar indicativos de problemas de dos dados para pesquisa. O projeto teve
comportamento dos filhos. Apresenta 36 aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa
itens com descrições de comportamentos da universidade em que foi conduzido.
(por exemplo, “briga frequentemente com
outras crianças”). Cada item tem três
alternativas de resposta: o comportamento
Resultados
descrito se aplica (escore 2), aplica-se em Em um primeiro momento são
parte (escore 1) ou não se aplica (escore 0) apresentadas as queixas e os dados
à criança. A ECI-A2 tem adaptação demográficos dos participantes (Tabela 1),
brasileira, com índices satisfatórios de provenientes do instrumento de triagem. Na
fidedignidade e determinação de ponto de sequência, são apresentados estudos de
corte para problemas em nível clínico casos, organizados por casais.
(Graminha, 1994). Conforme a Tabela 1, as queixas que
f) Dados demográficos foram obtidos motivaram os participantes a buscar pelo
por meio de roteiro de entrevista utilizado atendimento envolvem relacionamento
no Centro de Psicologia Aplicada (CPA) distante e com poucas atividades e lazer em
para triagem dos clientes. Fornece comum, excesso de críticas, mentiras,
informações sobre idade, grau de instrução, agressividade, falta de comunicação, falta
profissão e membros da família. de participação do cônjuge nas tarefas
domésticas e as relacionadas à educação
dos filhos e outros problemas emocionais,
Procedimentos tais como timidez, ansiedade, nervosismo e
Este trabalho é parte de um estudo uso de drogas. Quanto aos dados
maior que conta com avaliação e demográficos, verifica-se que a idade dos
intervenção junto a casais. Os participantes participantes varia de 31 a 45 anos e, em
buscam o serviço de Terapia sua maioria, têm baixa escolaridade e
Comportamental em Grupo para Casais, profissões condizentes. O número de filhos
vinculado ao Estágio Supervisionado, a varia entre as pessoas, sendo que o casal 1
partir de divulgação na rádio da possui dois filhos, M2 e H2, cinco filhos e o
universidade e, também, pela triagem do casal 3 possui três filhos; com exceção de
CPA, que ocorre no início de cada ano H1, os demais se queixaram dos
letivo. comportamentos dos filhos na idade da pré-
Os dados foram colhidos na sequência adolescência ou adolescência. Os três casais
em que os instrumentos foram apresentados tinham renda baixa, não ultrapassando
no texto. Quanto ao repertório dos filhos, os quatro salários mínimos.
pais foram instruídos a responderem para
aquele com o qual encontravam maiores
25 Bolsoni-Silva, A. T. & Marturano, E. M.

Tabela 1 - Descrição de queixas e de dados demográficos dos participantes. A letra “M”


significa mulher e “H”, homem; encontram-se grifadas as idades das crianças que os pais
indicaram como tendo mais dificuldades de interação.

Participantes Queixas Dados demográficos


M1 Quanto ao esposo (H1) - 34 anos
- esposo fica pouco tempo em casa - 1 º grau incompleto
- deixa de ajudar nas tarefas - comerciante
- deixa de ajudar na educação dos filhos - menino de 11 anos e menina de
- deixa de conversar 4 anos – ambos filhos do casal.
- deixa de expressar afeto
Quanto a si mesma
- muito crítica
- sente-se sisuda, mal-humorada
- impaciente
- pouco afetiva

H1 Quanto à esposa (M1) - 37 anos


- estressada - 1 º grau incompleto
Quanto a si mesmo - mecânico
- estressado - menino de 11 anos e menina de
- ausente em relação ao cuidado com os filhos 4 anos

M2 Quanto ao casal - 40 anos


- falta de diálogo - 1 º grau incompleto
- falta de tempo e lazer para o casal - cozinheira
- falta de consistência em relação à educação dos filhos - cinco meninos: 13 anos, 14
- esposo (H2) rígido e agressivo anos, 9 anos, 7 anos e 4 anos –
- esposo é muito exigente (casa e filhos) e então brigam todos filhos do casal
diariamente

H2 Quanto à esposa (M2) - 45 anos


- tímida para expressar afeto em público e em casa - 1 º grau completo
- nervosa, briga na frente de outras pessoas - caseiro e motorista
- deixa de perguntar/conversar sobre a vida dele - cinco meninos: 13 anos, 14
Quanto a si mesmo anos, 9 anos, 7 anos e 4 anos
- exigente e detalhista
- dificuldade em negar pedidos

M3 Quanto ao casal - 31 anos


- esposo (H3) deixa de participar da educação dos filhos - 3 º grau incompleto
- deixa de participar do cotidiano familiar - dona de casa
- possuem pouco tempo e lazer juntos - meninas de 1 ano, 7 e de 10
- deixam de ter atividades em comum anos
- esposo é usuário de drogas Filhas de união anterior do
- esposo mente sobre onde está ou esteve esposo

H3 Quanto ao casal - 35 anos


- muita briga com a esposa (M3) - 3 º grau – Medicina Veterinária
- relacionamento distante - meninas de 1 ano, 7 e de 10
- possuem pouco tempo e lazer juntos anos
- deixam de ter atividades em comum
- falta afeto entre o casal
- deixam de conversar sobre os problemas
Terapia conjugal e avaliação 26

Ao considerar cada casal, buscando No que diz respeito a problemas de


integrar as informações fornecidas pelos comportamento (ECI), ambos relataram
instrumentos utilizados, é possível problemas em nível clínico e concordaram
caracterizar cada família no que se refere a: quanto a dificuldades com o sono, medo,
aspectos mencionados por ambos os mostrar-se preocupado e muito agarrado à
cônjuges; aspectos mencionados por apenas mãe.
um deles; características que trazem
problemas para o relacionamento e
potencialidades que poderiam ser ampliadas Aspectos mencionados por apenas
em uma intervenção. Para a descrição um dos cônjuges
desses resultados são utilizados todos os M1 apontou um maior número de itens
instrumentos (entrevista semi-estruturada, que H1 para todos os instrumentos
QRC, IHSC, QRSH e ECI) descritos utilizados. No Roteiro de Entrevista ela
previamente no sentido de destacar mencionou problemas quanto à participação
convergências e divergências de dados, bem do esposo nas tarefas domésticas e quanto a
como as variáveis mensuradas por mais de sua pouca presença em casa; ela considera-
um deles ou por apenas um. se impaciente, muito crítica e pouco afetiva.
Quanto à definição do cônjuge, apontou que
ele é insensível e que gostaria que ele fosse
Casal M1 e H1 mais confiável, companheiro, sincero, bom
pai e amigo. Nas características da
Aspectos mencionados pelo casal
comunicação, refere que ele escuta pouco,
Ambos mencionaram que a esposa é ela deixa de pedir algo a ele, ele deixa de
estressada e, também, concordaram que H1 é considerar o que ela pensa e eles não
ausente na educação dos filhos (Roteiro de conversam para tomar decisões. No IHSC
Entrevista). Quanto à caracterização/definição ela afirma haver problemas quanto a
do cônjuge, três itens foram citados pelos relacionamento sexual, lidar com críticas,
dois: excesso de crítica e déficit quanto a ser demonstrar carinho/expressar sentimento e
compreensivo e a manter diálogo (QRC). lidar com brincadeiras.
Quanto a características da comunicação, Quanto ao comportamento do filho,
nove itens foram mencionados, dos quais M1 acrescentou déficits em fazer perguntas,
parte ocorre em excesso (você fala demais, expressar desejos, tomar iniciativas,
você está sempre certo(a), você impõe expressar direitos, opiniões e negociar, bem
opinião, ele(a) impõe opinião) e parte como problemas de comportamento
ocorre com baixa frequência (você escuta, relacionados a asma, problemas com a
você permite que ele(a) fale, pede mudança alimentação, tique, destruição de objetos,
de comportamento, discute assunto tristeza, mentira, timidez e insegurança.
delicado, você expressa sentimento, H1 identificou, no IHSC, itens que se
dividem tarefas). Ambos classificaram o referem a conversar, cobrar acordos feitos,
relacionamento conjugal como regular. M1 expressar opinião, lidar com críticas e pedir
e H1 deixam de apontar aspectos negativos ajuda. Para o comportamento socialmente
da relação quando questionados diretamente habilidoso do filho, H1 acrescentou apenas
sobre esse assunto, mas identificam três que o filho não interage de forma não
aspectos positivos que gostariam que verbal, no entanto, quanto a problemas de
ocorressem com maior frequência: convidar comportamento ele identificou muitos
a namorar, mudar aparência e passear. outros problemas: dores de cabeça e
A partir do IHSC o casal concordou estômago, é nervoso, gagueja, rouba, é
que havia déficit quanto a elogiar, agitado, é irrequieto e é irritável, rói unhas,
agradecer elogio e dizer não para tarefas é desobediente, hiperativo, é difícil e fala
que são de responsabilidade do(a) cônjuge. palavrões.
Quanto ao comportamento dos filhos
(QRSH), esposo e esposa concordaram que
o filho apresenta déficits em oferecer ajuda, Problemas e potencialidades
expressar frustração de maneira apropriada, Há problemas entre os cônjuges para
elogiar, negociar e manter o bom humor. se comunicar, expressar sentimentos
Terapia conjugal e avaliação 27

positivos, lidar com críticas, expressar comportamentos socialmente habilidosos


opiniões, negociar tarefas e outras do filho, M2 e H2 concordam apenas
demandas, há falta de aproximação/coesão quanto a déficit em fazer perguntas, fazer
conjugal, problemas no relacionamento carinhos e negociar. Quanto aos problemas
sexual e problemas emocionais (por de comportamento, a pontuação total da
exemplo o estresse). O filho apresenta ECI alcançou escore clínico no relato de
déficits em comunicação e expressão de M2 e H2, e diversos itens foram apontados
sentimento e, quanto aos problemas de pelos dois cônjuges: tem dores de cabeça e
comportamento, há relatos de de estômago, é nervoso, é agitado, é
manifestações internalizantes, irrequieto, destrói objetos, é preocupado, é
externalizantes e outros problemas como irritável, é desobediente, é difícil e fala
hiperatividade. palavrões.
As potencialidades apontadas por
ambos os cônjuges foram: não haver
ingratidão e rebeldia, haver carinho e Aspectos mencionados por apenas
simpatia. Também classificaram um ao um dos cônjuges
outro como bons cônjuges. M1 e H1 As queixas trazidas por M2 e H2 são
afirmaram que ambos consideram o que o bem distintas, a partir da Entrevista. M2
outro pensa, ainda que apenas em parte das aponta faltar tempo para o casal e
vezes, o que é um adequado consistência na educação dos filhos, afirma
comportamento pré-corrente para trabalhar que o marido é rígido e agressivo e que
a expressão de opiniões, por exemplo; também brigam todos os dias. Já H2 define
também afirmaram que ambos pedem a a esposa como tímida, mas também como
opinião do(a) cônjuge. A partir do IHSC, nervosa; quanto a si mesmo afirma ter
M1 e H1 afirmam demonstrar carinho, dificuldades em negar pedidos. Quanto à
conversar, expressar desagrado, pedir ajuda, comunicação conjugal não há itens
lidar com críticas e ambos dizem o que não apontados por H2 que não tenham sido
gostam no relacionamento sexual. mencionados por M2. Por outro lado, ela
deixou de indicar apenas dois itens,
apontando comportamentos que ocorrem
Casal M2 e H2 em excesso ou com baixa frequência.
Quanto aos itens de comunicação, com
Aspectos mencionados pelo casal
exceção do item ele(a) te faz calar,
A partir da entrevista ambos apontado apenas por H2, os demais
identificaram problemas quanto à apontados por ele também o foram por M2,
comunicação e apontaram que H2 é muito mas ela, entretanto, sinalizou quase todos os
exigente. Quanto à definição do(a) cônjuge, itens avaliados como problemas no
o casal concorda haver déficits em ser relacionamento. M2 avaliou o
sensato, confidente e em ser calmo; também relacionamento como insatisfatório e H2
afirmam haver em demasia a rebeldia e a como satisfatório, portanto, de forma
crítica. Reiterando o que afirmaram na totalmente distinta. No IHSC os itens
entrevista verifica-se o relato de ambos mencionados apenas por M2 foram:
quanto a comportamentos que ocorrem com conversa sobre qualquer assunto,
baixa frequência: você fala, você permite demonstra carinho, diz o que não gosta no
que ele(a) fale, discute assunto delicado, relacionamento sexual, lida com
ele(a) considera o que você pensa. Ambos brincadeiras e convence cônjuge da
queixaram-se de passearem pouco, tendo própria opinião; os identificados apenas
pouco tempo para o casal e também por H2 foram: pede ajuda em tarefas, diz
definiram o relacionamento como não em relacionamento sexual, diz não
conflituoso. No IHSC seis itens foram para tarefas e diz o que pensa. Quanto ao
apontados por ambos: insiste em fazer o comportamento socialmente habilidoso do
que deseja, toma a palavra em conversação, filho, os itens mencionados por H2 também
expressa opinião, diz não para tarefas, lida o foram pela esposa, mas ela identificou
com críticas e diz o que gosta em praticamente todos os itens avaliados como
relacionamento sexual. Na avaliação dos deficitários. Na avaliação dos problemas de
Terapia conjugal e avaliação 28

comportamento, com exceção do item apontados por ambos os cônjuges: ele(a)


muito agarrado à mãe, apontado apenas por escuta, ele(a) fala demais, ele(a) considera o
H2, os demais que ele mencionou também o que você pensa, você impõe opinião, ele(a)
foram por M2, que acrescentou os itens faz impõe opinião; ambos afirmaram não se
xixi da cama, gagueja, tem dificuldade com darem bem, haver conflitos e autoritarismo.
sono, tem tique, é solitário, é tímido e No IHSC poucos itens foram apontados por
inseguro. ambos: lidar com críticas, expressar
sentimento e dizer não para tarefas. Os
déficits apontados em habilidades sociais da
Problemas e potencialidades
filha foram: cumprimenta, expressa
Para M2 e H2 foi possível notar, frustração de maneira apropriada e faz
também, problemas conjugais quanto a elogios. M3 e H3 afirmaram que a filha é
comunicação, expressão de sentimentos nervosa, gagueja, rouba, tem dificuldade
positivos, resolução de problemas, lidar com a alimentação, é agitada, irrequieta,
com críticas, expressar opiniões, negociar destrói objetos, briga, é irritável,
tarefas, falta de aproximação/coesão desobediente, hiperativa, mente e maltrata
conjugal, problemas no relacionamento outras crianças. A pontuação total da ECI
sexual. O filho apresenta mais déficits do alcançou escore clínico no relato de ambos.
ponto de vista da mãe que do pai, mas
ambos sinalizaram problemas quanto à
comunicação e à expressão de sentimento, Aspectos mencionados por apenas
e, quanto aos problemas de comportamento, um dos cônjuges
há relatos de internalizantes, externalizantes M3 afirmou que o marido é usuário de
e de outros problemas, sobretudo pela mãe. drogas e que mente; ele, por outro lado,
Parece haver certa assimetria no casal, no indicou, já na entrevista, problemas com a
sentido de que a esposa tem muito mais comunicação e com o afeto. Quanto à
queixas que o marido, vê mais problemas comunicação (QRC) apenas um item foi
na relação e se mostra mais insatisfeita. mencionado somente por H3 (crítica) e M3
Apesar das dificuldades, há também apontou diversos déficits (confiável,
potencialidades, por exemplo, ambos confidente, sincero, inteligente, bom pai e
definiram o cônjuge como sinceros, bons caseiro) e dois excessos (egoísta,
pais e caseiros. Afirmaram, também, pedir insensível). No que se refere à comunicação
opinião e dividir tarefas. Vários itens no H3 sinalizou três itens não apontados pela
IHSC ocorreram com alta freqüência, do esposa: você fala demais, pede mudança de
ponto de vista de M2 e H2: cobra acordos comportamento, você está sempre certo;
feitos, elogia, recebe elogio, expressa apenas M3 relatou: você fala, discute
opinião, toma iniciativa para assunto delicado, ele(a) te faz calar,
relacionamento sexual, expressa carinho e conversam para tomar decisão e dividem
desagrado e pede ajuda. tarefas. M3 avaliou o relacionamento como
regular e H3 como insatisfatório. Nota-se
Casal M3 e H3 bastante diferença entre as avaliações no
IHSC; os itens mencionados apenas por M3
Aspectos mencionados pelo casal foram: conversa sobre qualquer assunto,
A partir da entrevista, o principal elogia, demonstra carinho, toma iniciativa
aspecto levantado foi que estão distantes e para relacionamento sexual, lida com
passam pouco tempo juntos, tendo pouca críticas, lida com brincadeiras e expressa
atividade em comum. Ambos avaliam o(a) opiniões; os itens apontados somente por
cônjuge como controlador(a), ingrato(a), H3 foram: insiste em fazer o que deseja,
rebelde; além desses itens em excesso, os toma palavra, pede ajuda e expressa
apontados como pouco frequentes foram: desagrado.
sensato(a), companheiro(a), carinhoso(a),
compreensivo(a), simpático(a), bom(boa)
Problemas e potencialidades
esposo(a), mantém diálogo, é amigo(a) e é
calmo(a). A avaliação da comunicação a Conforme apresentado, os problemas
partir do QRC identificou cinco itens identificados referem-se à comunicação, ao
Terapia conjugal e avaliação 29

afeto e à resolução de problemas, além de e dos filhos, no caso das habilidades sociais
outros problemas como nervosismo e uso de oferecer ajuda, expressar frustração de
de drogas. A filha foi avaliada pelos pais maneira apropriada, elogiar, ter bom humor
como tendo déficits em habilidades sociais e negociar; c) foram identificados
e problemas de comportamento, sobretudo problemas de comportamento nos filhos,
externalizantes. sobretudo em itens que correspondem à
Da mesma forma que na análise dos externalização, que podem ter relação com
outros dois casais, também é possível comportamentos agressivos dos cônjuges
sinalizar potencialidades quanto à (destruir objetos, desobedecer, mentir),
comunicação no que se refere a falar e a além de itens que envolvem dificuldades
escutar o que cada um tem a dizer, a pedir emocionais (é agarrado à mãe, é tímido,
algo, a expressar sentimento, a pedir tem dores de cabeça), que também podem
opinião. Ambos os cônjuges relataram ser reflexo de um ambiente com brigas e
elogiar e agradecer elogio recebido, cobrar desentendimentos; d) foram identificados, a
acordos, expressar opiniões e conversar partir dos instrumentos, comportamentos
sobre sexualidade, encerrar conversação, que já ocorrem nas relações familiares que
fazer perguntas, expressar desagrado e envolvem comunicação, afeto e resolução
lidar com críticas. de problemas, indicando que ainda que haja
dificuldades, as pessoas já apresentam um
repertório inicial que deve ser utilizado na
Discussão promoção e/ou ampliação de repertórios.
Enquanto objetivos específicos de cada As queixas apontadas individualmente
instrumento, pode-se afirmar que o Roteiro pelos cônjuges em parte refletem achados
de Entrevista permitiu identificar problemas da literatura, ao apontarem a falta de
que os outros instrumentos deixaram de comunicação (Bodenmann & Shantinath,
mensurar: problemas emocionais (timidez, 2004; Byrne et al., 2004; Silva &
ansiedade, estresse), uso de drogas. O QRC Vanderbergh, 2008; Witkin et al., 1983;
permitiu avaliar, além das habilidades Vanderbergh, 2006) e a presença de
sociais de comunicação, de expressão de problemas emocionais tais como: timidez,
afeto e de resolução de problemas, a forma ansiedade, nervosismo e uso de drogas
como cada cônjuge se define e avalia seu (Carr, 2006). Por outro lado eles buscaram
parceiro quanto a características positivas e atendimento também por presenciarem
negativas, indicando aspectos valorizados outras dificuldades tais como: falta de afeto,
por eles e também o que esperam do ter poucas atividades e lazer em comum,
parceiro. O QRC também avaliou a haver excesso de críticas e agressividade e
satisfação do relacionamento conjugal. O por terem que administrar pouco
IHSC permitiu aprofundar a avaliação de envolvimento do cônjuge em tarefas
habilidades sociais relacionadas à domésticas e nas relacionadas com a
conjugalidade, sobretudo acerca da educação dos filhos. O uso de múltiplos
sexualidade, pois para o QRC poucas instrumentos e da entrevista clínica
pessoas afirmaram que o relacionamento (Silvares & Gongora, 1998) para definir
sexual era insatisfatório. O QRSH e a ECI objetivos individuais (Marçal, 2005) parece
mensuraram, respectivamente, habilidades ter sido efetivo para o diagnóstico das
sociais e problemas de comportamento dos dificuldades e para a identificação das
filhos, favorecendo analisar relações entre potencialidades a serem promovidas na
conjugalidade, parentalidade e repertório intervenção pretendida.
comportamental dos filhos. A agressividade é preditiva de
A partir das análises conduzidas foram violência doméstica seja na relação
identificadas algumas convergências entre conjugal, seja em relação aos filhos (Brito,
os instrumentos: a) a entrevista, o QRC e o Zanetta, Mendonça, Barison, & Andrade,
IHSC identificaram itens com problemas na 2005; Jaeyop, Sookyung, & Clifton, 2009)
comunicação e na expressão de afeto, além e, portanto, deve ser cuidadosamente
da existência de conflitos na resolução de avaliada para ser foco de intervenção. Outro
problemas; b) nota-se alguma relação entre aspecto a ser considerado, a partir das
déficits de habilidades sociais dos cônjuges queixas relatadas, é a falta de coesão e de
Terapia conjugal e avaliação 30

aproximação dos cônjuges; como afirmam contextual relevante quando se avalia a


Norgren et al. (2004), o nível de satisfação qualidade da relação conjugal (Dessen &
conjugal é maior quanto maior a Braz, 2005).
proximidade e coesão conjugal e quanto Quanto aos comportamentos dos
mais adequadas as estratégias de filhos, identificaram-se dificuldades quanto
comunicação e de resolução de problemas. aos itens: “oferece ajuda”, “faz perguntas”,
Os resultados do QRC reiteram essa “cumprimenta”, “expressa sentimentos de
hipótese porque a maioria dos participantes frustração adequadamente”, “faz elogios”,
avaliaram a satisfação conjugal como “toma iniciativas”, “faz carinhos”,
regular ou insatisfatória. A avaliação da “apresenta bom humor” e “negocia”.
satisfação conjugal tem sido apontada como Interessante notar como esses déficits em
importante medida na identificação de habilidades sociais (Del Prette & Del Prette,
conflitos (Witkin et al., 1983; Bodenmann 1999) também foram citados pelos casais, a
& Shantinath, 2004). partir da avaliação do QRC e do IHSC.
Quando questionados sobre quais os Concorda-se com Block-Lerner et al.
comportamentos de que não gostavam no (2007), que apontam para a relevância de
cônjuge (QRC), os participantes relataram avaliar e de promover habilidades sociais,
novamente agressão, falta de participação e porque os resultados deste estudo
de coesão conjugal, além de pouco afeto. O identificaram diversos déficits nesse
afeto como foco a ser avaliado e ensinado repertório (casais e filhos) que estão
em programas com casais é menos citado certamente relacionados aos aspectos
quando comparado à comunicação e à apontados pela literatura de relacionamento
resolução de problemas, mas de fato conjugal, sobretudo comunicação, afeto,
concorda-se com autores que afirmam a sua satisfação, coesão, companheirismo e
relevância (Block-Lerner et al., 2007; resolução de problemas.
Bolsoni-Silva, 2003; Cornelius & Alessi, Quanto aos problemas de
2007; Davis & Piercy, 2007), pois déficits comportamento, a avaliação detectou
relacionados ao afeto apareceram em necessidade de atendimento clínico para
diversos momentos da avaliação, a partir de todas as crianças avaliadas. Os três casais
instrumentos distintos. O QRC e o IHSC concordaram nessa avaliação. Prevaleceram
identificaram problemas na expressão de os problemas externalizantes (“rouba”,
afeto para a maioria dos participantes. “fica agitado”, “é irrequieto”, “destrói
Portanto, defende-se que programas de objetos”, “é irritável”, “é desobediente”,
intervenção devam primeiramente “mente”, “maltrata outras crianças”, “fala
promover comportamentos que ampliem as palavrões”), mas também houve relato de
trocas positivas entre o casal, na problemas internalizantes (por exemplo “é
comunicação e na expressão de afeto, para muito agarrado à mãe” e “é tímido”). Como
então trabalhar comportamentos que afirmam Kanoy et al. (2003), quanto mais
envolvem lidar com conflitos e críticas. frequentes os conflitos conjugais, maior o
Outro componente da avaliação que uso de agressividade nas interações com os
merece destaque é o relacionamento sexual filhos e consequente impacto para os
estabelecido entre o casal, em que houve comportamentos dos filhos. Brito et al.
relato de dificuldades por praticamente (2005) encontraram associação entre
todos os participantes. Esses resultados violência doméstica e conflito conjugal.
concordam com achados da literatura Quanto aos comportamentos dos filhos,
(Block-Lerner et al., 2007; Russel & Listel, Gottman (1998) e Solantaus et al. (2004)
1992) e reiteram a necessidade de os afirmam que os problemas conjugais podem
programas de intervenção tratarem desse favorecer o surgimento de problemas
assunto. externalizantes e internalizantes nos filhos.
Referências a pouco lazer e atividades Goldiamond (1974/2002), enquanto
em comum foram encontradas nos relatos. behaviorista radical, defende, com seu
O lazer escasso pode estar relacionado ao modelo construcional, que ao promover
estresse, sensível à intervenção comportamentos funcionalmente
(Bodenmann & Shantinath, 2004). O tempo equivalentes, os comportamentos focos de
ocupado em atividades conjuntas é fator sofrimento podem diminuir de ocorrência
Terapia conjugal e avaliação 31

sem serem atendidos diretamente. Então o intervenção e também aqueles que


interesse é sempre na ampliação de necessitam de investimento em
comportamentos, a partir daqueles que já intervenções.
estão presentes no repertório dos
indivíduos, o que pode ser obtido a partir de
uma avaliação ampla, com instrumentos
não dirigidos e dirigidos, considerando as Referências
interdependências comportamentais, tanto
Angera, J. J. & Long, E. C. J. (2006).
aspectos negativos como positivos das
Qualitative and Quantitative Evaluations
interações sociais.
of an Empathy Training Program for
Concorda-se também com a
Couples in Marriage and Romantic
perspectiva de Marçal (2005) que aponta
Relationships. Journal of Couple e
para a necessidade de uma avaliação
Relationship Therapy, 5(1), 1-26.
individualizada que implicará em objetivos
específicos para cada participante, sendo,
Block-Lerner, J., Adair, C., Plumb, J. C.,
então, um aspecto destacado no presente
Rhatigan, D. L. & Orsillo, S. M. (2007).
trabalho. Por outro lado, a literatura chama
The case for mindfulness-based
a atenção para a utilização de
approaches in the cultivation of
procedimentos padronizados, seja na
empathy: does nonjudgmental, present-
avaliação (Lavee & Avisar, 2006), seja na
moment awareness increase capacity for
intervenção (Block-Lerner et al., 2007), que
perspective-taking and empathic
se mostraram mais efetivos em comparação
concern? Journal of Marital and Family
com os não padronizados, o que também foi
Therapy, 33(4), 501-516.
garantido nesta pesquisa. Entretanto, ainda
que haja padronização, Russel e Listel
(1992) reiteram que as intervenções Bodenmann, G. & Shantinath, S. D. (2004).
precisam garantir flexibilidade às The Couples Coping Enhancement
necessidades próprias do casal e de cada Training (CCET): A New Approach to
pessoa, o que só será possível se a avaliação Prevention of Marital Distress Based
diagnóstica for conduzida de maneira Upon Stress and Copin. Family
individualizada e com instrumentos que Relations, 53(3), 477-484.
mensurem apropriadamente as variáveis-
alvo. Bolsoni-Silva, A. T. (2003). Habilidades
sociais educativas, variáveis contextuais
A partir deste estudo pode-se concluir:
e problemas de comportamento:
a) parece que o uso de múltiplos
comparando pais e mães de pré-
instrumentos que avaliem aspectos do
escolares. Tese de Doutorado,
relacionamento conjugal e também outras
Universidade de São Paulo, Ribeirão
dificuldades é necessário para garantir um
Preto.
atendimento diferenciado e efetivo; b) é
interessante o uso de procedimentos
padronizados desde que eles garantam Bolsoni-Silva, A. T. B., Marturano, E. M.
flexibilidade a partir de necessidades & Loureiro, S. R. (no prelo). Estudos de
individuais dos participantes; c) o confiabilidade e validade do
relacionamento conjugal influencia a Questionário de Respostas Socialmente
parentalidade e os comportamentos dos Habilidosas Versão para Pais – QRSH-
filhos, assuntos que devem ser avaliados e Pais. Psicologia: Reflexão e Crítica,
garantidos em intervenções; d) avaliações e 24(2).
subsequentes intervenções com casais
devem garantir o mapeamento dos Brito, A. M. M., Zanetta, D. M. T.,
comportamentos socialmente habilidosos. Mendonça, R. De D. C. V., Barison, S.
Z. P. & Andrade, V. A. G. (2005).
Estudos futuros com maior número de
Violência doméstica contra crianças e
participantes devem ser conduzidos de
adolescentes: estudo de um programa de
forma a identificar comportamentos que os
intervenção. Ciência e Saúde Coletiva,
casais já possuem e que possam ser mais
10(1), 143-149.
bem aproveitados em programas de
Terapia conjugal e avaliação 32

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Nota dos autores:


Alessandra Turini Bolsoni-Silva – Doutora, Docente do Departamento de Psicologia, Faculdade de
Ciências (FC), Universidade Estadual Paulista - UNESP - Bauru.
Edna Maria Marturano – Doutora, Docente do Departamento de Neurociências e Ciências do
Comportamento, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - FMRP-USP

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