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INTRODUÇÃO À SAGRADA ESCRITURA

Prof. Dr. Altamir Andrade

COMO LER A BÍBLIA?

1. Luis Alonso Shokel propõe a pergunta: É difícil ler a Bíblia?1 Tempos atrás isso era constatado porque não
haviam edições disponíveis e poucos eram os que liam; um grupo seleto. Mesmo a tradução de Lutero era
proibida por ser protestante. Alguns conheciam retalhos (breviários), outros conheciam a Bíblia, embora não
a liam. Alguns caminhos, no entanto, foram facilitando a leitura.

2. Outra pergunta: Por que não escutá-la? Talvez seja mais fácil. A liturgia optou pela forma oral: um lê, a
comunidade escuta; e se imaginarmos outros canais da realidade? A dificuldade mais radical consiste em
aceitar a Bíblia como fato natural: válido para crentes e não crentes. O sentido religioso é pressuposto como
confessional e/ou piedoso. Concepção pouco encarnacionista, estreitamente sacral. Tende a fazer a Bíblia
inacessível. Se fosse aceita como outro livro da cultura não seria tão difícil escutá-la. E a maioria dos textos
bíblicos que foram compostos para a recitação oral? Será mais fácil escutar a Bíblia se se conta com boas
traduções e bons leitores. É fácil escutar a Bíblia? Atualmente, não! Então volta-se, assim, à primeira pergunta:
É difícil ler a Bíblia?

3. Não é difícil ler, difícil é saber ler! Deixar de ser analfabeto não é saber ler. Schokel propõe que se poderia
medir a capacidade de ler pela capacidade de lentidão na leitura, de repetição, de ficar a sós com o texto e
consigo mesmo. É maneira diferente de ler: não por distração, por curiosidade e informação, por utilidade. O
leitor que pratica a arte de ler desfruta sem evadir-se, se enriquece espiritualmente, compreende realidades
valiosas sem desdenhar a informação2. Nesse sentido, ler assim é muito mais útil e distraído que a leitura
utilitária.

4. Um slogan se repete: “A Bíblia pertence a outra cultura”; às vezes até apelidada de “primitiva” que mesmo
exegetas corroboram essas afirmações. Qualquer obra importante requer tempo e esforço para abrir-se ao
leitor, sob pena de cair só na pele da narrativa. A Bíblia está escrita à imagem e semelhança do homem:
amassada com o barro da experiência humana; com o espírito da vida insuflado nela! Encerra e guarda um
paraíso onde Deus passeia. Exilada, sofre a condenação à morte injusta. Quando pronuncia sua última palavra,
“entrega seu espírito”. Não é difícil ler, difícil é saber ler. É preciso se re-educar na arte de ler. Um dos
obstáculos nesta arte é a pressa. Ela impede o ritmo justo, impede de re-ler. Na música isso é claro: não se toca
rapidamente uma canção que é lenta só para acabar [mais] rápido. É preciso reler os versos, repeti-los. Que a
palavra bíblica seja para nós como um sonho: fecha-nos os olhos e abre-nos a fantasia. Como a criança que
pinta por sua conta um quadro que apenas lê no livro.

5. Existem, nas livrarias, várias obras ensinando como ler a Bíblia. Não me oponho; pelo contrário, são
extremamente úteis e faço muito uso delas em minhas leituras. O que não vejo é “como não ler”, que, de
certa forma, também seria muito útil. Apresento, então, um ensaio a modo de conclusão: não ler
pensando que foi escrita em português; não ler pensando que a tradução foi uma coisa muito fácil de ser
realizada; não ler pensando que pode ser usada como pedra para se atirar nos outros; não ler se
esquecendo de que é uma tradição oriental; não ler pensando que os profetas eram adivinhos; que Jesus
pode ser manipulado em favor deste ou daquele grupo; que os Evangelhos são a agenda de Jesus; que os
livros descrevem os eventos tal e qual aconteceram; que o texto pode ser atualizado antes de ser entendido
no contexto; achando que os nossos pressupostos vêm em primeiro lugar; achando que as personagens
bíblicas apenas acertavam; achando que os povos vizinhos não são importantes nas narrativas.

Reflita e anote: Quais conclusões tirar das observações dessa aula? Qual é o tipo de leitura que você tem feito
da Bíblia? Quais pontos geram mais dificuldade em sua leitura bíblica?

1ALONSO SCHÖKEL, Luis. Hermeneutica de la Palabra: hermeneutica biblica. Vol I. Madrid: Cristiandad, 1986, p.
203-215.
2 Um bom artigo nesta direção é o de AZEVEDO, Walmor Oliveira. O que é ler? Estudos Bíblicos (1991), n.32, p.46-57,

1991.

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