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Conferência Teológica - IFT 2023

Paulo Won - Fortaleza, 20-21/1/2023


Conferência Teológica
1 - a revelação dupla

Paulo Won © ITFiladél a 2023


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a revelação dupla de deus


terminologia

• Por revelação entendemos ser o ato de Deus se apresentar e manifestar sua pessoa e glória à sua criação principal, o ser
humano.

• A palavra traduzida por "revelar" é:


‣ ‫( גָּ ָלה‬g l h) no Antigo Testamento;
‣ ποκαλ πτω (apokalypt ) no Novo Testamento. O verbo grego φανερ ω (phanero ), que transmite a ideia de
manifestar, também é usado muitas vezes.

• Ambas expressam a ideia de "trazer à luz o que estava oculto".

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ἀ

ύ

fi

ό

a revelação dupla de deus
terminologia

• Existem duas formas de revelação divina ao ser humano:


‣ Revelação Geral (revelatio realis): é a automanifestação divina a todos os homens, em todos os tempos e sub
todas as circunstâncias por meio de Sua providência.
‣ Revelação Especial (revelatio verbalis): está intrinsecamente relacionada à Palavra de Deus o cânon fechado e
autoritativo sobre a Igreja.

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a revelação dupla de deus


terminologia

• A terminologia da revelação, seja ela geral ou especial está arraigada na antiga concepção hebraica das duas
formas distintas de Yahweh revelar-se aos seres humanos.

• O Salmo 19 é uma ode que exalta a manifestação de Yahweh sobre toda a criação e, de forma específica, em
relação ao seu povo, Israel.

• A criação é o grande palco em que se descortina a revelação do Criador cuja finalidade é a sua própria glória e o
alcance dos humanos criados à sua imagem e conforme a sua semelhança (cf. Gn 1:26,27).

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O próprio som dos dois movimentos do salmo revela algo dos seus dois
interesses: o largo alcance da revelação de Deus no universo, sem
palavras, que se expressa nas linhas exuberantes dos versículos 1-6, e a
clareza da Sua palavra escrita, refletida na linguagem quieta e concisa dos
versículos 7-10, ao qual o escrutínio do coração dos versículos 11-14 é a
resposta do adorador.

— KIDNER, Derek. Salmos 1-72: introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova, 2008, p. 115.

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1 Os céus proclamam a glória de Deus,

e o firmamento anuncia as obras das suas mãos.


O primeiro bloco: A revelação geral
2 Um dia discursa a outro dia,

e uma noite revela conhecimento a outra noite.


3 Não há linguagem, nem há palavras,

e deles não se ouve nenhum som.


4 No entanto, por toda a terra se faz ouvir a sua voz,

e as suas palavras chegam até os confins do mundo.


Aí, pôs uma tenda para o sol,
5 que é como um noivo que sai dos seus aposentos,

e se alegra como um herói a percorrer o seu caminho.


6 Principia numa extremidade dos céus, e até a outra vai o seu percurso;

e nada pode se esconder do seu calor.

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O segundo bloco: A revelação especial

7 A lei de Yahweh é perfeita e restaura a alma;

o testemunho de Yahweh é fiel e dá sabedoria aos simples.


8 Os preceitos de Yahweh são retos e alegram o coração;

o mandamento de Yahweh é puro e ilumina os olhos.


9 O temor de Yahweh é límpido e permanece para sempre;

os juízos de Yahweh são verdadeiros e todos igualmente, justos.


10 São mais desejáveis do que ouro, mais do que muito ouro depurado;

e são mais doces do que o mel e o destilar dos favos.

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O terceiro bloco: a resposta do povo de deus


11 Além disso, por eles se admoesta o teu servo;

em os guardar há grande recompensa.


12 Quem há que possa discernir as suas próprias faltas?

Absolve-me das que me são ocultas.


13 Também da soberba guarda o teu servo; que ela não me domine.
O segundo bloco: A revelação especial
Então serei irrepreensível e ficarei livre de grande transgressão.
14 As palavras dos meus lábios e o meditar do meu coração sejam agradáveis

na tua presença,
Yahweh, rocha minha e redentor meu!

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a revelação dupla de deus


Dentro do salmo 19

• Os elementos da criação citados no salmo, principalmente, a figura do Sol, é


considerado uma forma de diminuir as divindades idólatras, dentre elas, Shamash,
o deus-Sol, colocando-os todos como meras criações de um Deus glorioso que se
estabelece acima de todas as coisas.

• Na concepção do salmista, todo no universo criado revela a glória do Deus-Criador.


O próprio paralelismo existente entre os versos “Os céus proclamam a glória de
Deus” e “e o firmamento anuncia as obras das suas mãos” reforçam essa ideia.
Entretanto, é apresentado apenas um caráter descritivo do reflexo da glória divina
per se.
Utu - Shamash, deus sol mesopotâmico

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a revelação dupla de deus


Dentro do salmo 19

• O segundo bloco enfatiza a importância da Palavra de Yahweh.


• São utilizados vários vocábulos sinônimos para expressar a revelação específica de Deus ao seu povo: Lei (‫תּוֹרה‬,
ָ
tor h), testemunho (‫ﬠדוּת‬,ֵ ꜥ u ), preceitos (‫קּוּדים‬
ִ ‫פּ‬,ִ piqqu iym), mandamento (‫מ ְצוָ ה‬,ִ mi w h), temor (‫יִ ְר ָאה‬,
yirʾ h) e juízo (‫מ ְשׁ ָפּט‬,ִ mi p ).

• Todos os sinônimos expressam não apenas um conceito subjetivo, mas a realidade material da revelação de Deus, cuja
expressão máxima é a Torá, citada em primeiro lugar de forma simbólica.

• Então, enquanto o primeiro bloco exalta a grandeza de Deus (‫ֹלהים‬


ִ ‫א‬,ֱ ʾelohiym, cf. Gn 1:1), o criador de todas as coisas,
o segundo mostra a forma de Yahweh (‫יהוה‬, yhwh) se relaciona com todo o seu povo, por meio da revelação de Sua
palavra.

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a revelação dupla de deus
Dentro do salmo 19

• O terceiro bloco, dos versículos 11-14, é o ponto-chave desse salmo, pois realça a diferença e a superioridade
da revelação de Yahweh descritos no segundo bloco em relação à manifestação geral de Deus expresso por
meio do cosmos no primeiro bloco.

• Essa diferença não implica antagonismo ou um espírito antitético. Pelo contrário: que é descrito e louvado no
segundo bloco serve de complemento para o primeiro.

• Então, quais são as razões apresentadas pelo salmista em relação à supremacia da revelação verbal de Yahweh
sobre a revelação não-verbal de Deus?

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a revelação dupla de deus


Dentro do salmo 19

• A revelação expressa por meio da Torá (e todos os sinônimos associados a ela) tem uma implicação direta na vida
do povo escolhido.

• Em outras palavras, enquanto a manifestação divina na natureza expressa características gerais de Deus, quanto a
sua grandeza e glória, é apenas e tão somente pela revelação expressa pela Lei que o povo tem o conhecimento de
Yahweh suficiente para que possam com Ele gozar de um relacionamento pactual.

• A Lei, nesse sentido, é “mais desejáveis do que ouro, mais do que muito ouro depurado; e são mais doces do que o
mel e o destilar dos favos”, pois concede ao povo escolhido direção (v. 11); perdão (v. 12) e irrepreensibilidade (v.
13). São exatamente essas palavras da Torá de Yahweh que devem estar na boca e no coração de seu povo.

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a revelação dupla de deus


Dentro do salmo 19

• O salmo 19 expressa a realidade da dupla revelação divina:


‣ A primeira é aquela que verbalmente não é expressada, mas que todo ser humano tem a condição de contemplar
e entendê-la, pelo menos em sua dimensão mais geral, com relação a glória de Deus — o que chamamos de
revelação geral.
‣ A segunda é a verbal, específica em seu conteúdo, que apresenta ao povo de Deus o conhecimento específico
para que este conheça o Senhor e partilhe com Ele de um relacionamento pactual e redentivo — o que
chamamos de revelação especial.

• Embora, essas duas terminologias não façam parte da tradição judaica, o Salmo 19 foi assimilado desde muito cedo
pela tradição posterior cristã como a evidência mais contundente dessa auto-revelação divina ampla e mais restrita.

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Conferência Teológica
2 - teologia natural
na história

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Teologia natural
no catolicismo medieval (escolástica)

• Dentro da concepção católica medieval da revelação geral, Deus, por meio dos elementos criados e dispostos na
natureza provê ao ser humano não apenas meios para um conhecimento geral de sua pessoa e de seus atributos,
como também, dados necessários para a construção de uma teologia natural através da qual o ser humano, por meio
da razão, poderia alcançar um conhecimento maior do Deus Criador.

• Esse conhecimento não era algo exclusivo que a revelação especial como o conhecimento dos propósitos divinos
expressos na encarnação e na redenção, embora essa revelação especial fosse essencial para a revelação do Filho e
de Seu plano salvífico. Entretanto, haveria uma possibilidade de num conhecimento científico de Deus.

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Alguns dos mais antigos escolásticos foram guiados pelo lema “Credo ut
intelligam”, e, depois de aceitarem as verdades da revelação especial pela
fé, consideravam necessário elevar a fé à compreensão por meio de uma
demonstração racional daquelas verdades, ou pelo menos, provar a sua
racionalidade. Tomás de Aquino, porém, considerava impossível isso, exceto
na medida em que a revelação especial contivesse verdades que também
fizessem parte da revelação natural.

— BERKHOF, Loius. Teologia Sistemática, 4ª ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2017, p. 36.

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Teologia natural
santo tomas de aquino

• Tomás de Aquino (1225-1274) cunhou uma frase que ficou marcada na história:
“toda a verdade é a verdade de Deus”.

• De acordo com Berkhof, “Ele [Tomás de Aquino] sustentava que não poderia
haver conflito entre as verdades da revelação natural e as da revelação
sobrenatural. Se parece haver conflito, há algo de errado com a filosofia da
pessoa”.

• Assim, a teologia natural proposta pelo Escolasticismo não se tratava de uma


escolha entre a revelação geral sobre a sobrenatural, mas sim, o
reconhecimento que haveria formas do ser humano conhecer certas facetas do
caráter de Deus por meio de sua observação sobre a ordem criada.
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Teologia natural
pós-aquino

• Para a tradição subsequente a Aquino, o Escolasticismo católico medieval, embora a revelação natural não poderia dar todas
as respostas, haveria sim a possibilidade de se construir, paralelo à teologia da revelação verbal, uma teologia natural.

• Entretanto, a teologia natural dentro do Catolicismo levou na prática à aceitação de que não somente o cosmos apresentava
pistas para a investigação da pessoa de Deus, mas esse mesmo mundo oferecia dentro de sua materialidade, elementos
físicos que de alguma maneira colocariam o fiel e o devoto em contato com Deus. Nesse sentido, toda a questão da
construção de uma teologia voltada para a veneração de imagens, abstinência de prazeres carnais e indulgências com
vistas ao perdão divino ganharam espaço e acabaram por suplantar a importância da revelação especial que o próprio
Tomás de Aquino considerava como algo superior sobre a teologia natural.

• Os reformadores do séc. XVI combateram o dualismo das revelações, ou seja, colocando a revelação geral sempre sob a
supremacia da revelação escriturística, conceito esse que vai tomar forma com a expressão “sola scriptura”.

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Teologia natural
A partir da reforma protestante

• A Reforma colocou novamente no centro das atenções a questão dos efeitos


da Queda e do pecado humano. Enquanto na visão do Catolicismo, o pecado
original não afetara o "sensus religiosus" do ser humano, Lutero, Calvino e
todos os demais reformadores continentais afirmavam o estado irreversível
de corrupção causado pelo pecado que obscureceu a sensibilidade humana
ao divino, apartando-o completamente de qualquer possibilidade intrínseca
de se atingir um conhecimento divino que o habilitasse a ter um
relacionamento com o seu Criador.

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Teologia natural
A partir da reforma protestante

• Na linguagem de Calvino desenvolvido em seu primeiro volume das


Institutas, é como se uma cegueira tivesse acometido o homem pecador,
tornando a sua vista opaca para a realidade divina e espirituais.

• Apenas por meios da lente da revelação especial, mediado pelo testemunho


do Espírito Santo, é que o homem passa não somente a reconhecer o Deus
Criador, mas também por meio desse reconhecimento e subsequente
comunhão, passa a ver a natureza como reflexo da glória de Deus (cf. 1Jo
2:20, 27; 2:21, 26): “a Escritura, coletando-nos na mente conhecimento de
Deus que de outra sorte seria confuso, dissipada a escuridão, nos mostra
em diáfana clareza o Deus verdadeiro”.

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Teologia natural
Debate moderno

• Esse movimento alça a natureza a um patamar elevado, ou seja, a natureza em si seria capaz de apoiar reflexões
filosóficas e teológicas sem quaisquer “amarras” oferecidas pela religião. De acordo com muitos pensadores
modernos, é possível construir uma teologia natural, em um sentido desvirtuado de como essa teologia era entendida
desde os tempos da patrística.

• Ao invés de entender a teologia natural como “a investigação sistemática de uma relação proposta entre o mundo
cotidiano de nossa experiência e uma realidade transcendente afirmada”, ou seja, Deus, hoje consideramos que a
teologia natural é qualquer esforço racional de se provar a existência de Deus com base direta na observação da
natureza.

🔎 MCGRATH, Alister. Teologia Natural: uma nova abordagem. São Paulo: Vida Nova, 2019, p. 14.

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Teologia natural
Debate moderno

• Embora a própria revelação da Palavra nos mostre as limitações de se chegar a um entendimento razoável de Deus
por meio da revelação geral, o esforço de uma teologia natural construída da análise da realidade criada a partir do
pressuposto da existência de um Deus pessoal e soberano é amplamente apoiada nas escrituras hebraicas, no Novo
Testamento, e, por fim, a tradição ampla cristã, especificamente a tradição reformada.

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Teologia natural
liberalismo alemão

• Outro movimento importante dentro do desenvolvimento dos conceitos de


revelação está relacionado a tratar a própria experiência religiosa como forma de
revelação. Em termos de classificação, a experiencia religiosa estaria no meio
termos de uma revelação geral e de uma revelação especial. Esse movimento foi
capitaneado principalmente pelo protestantismo liberal alemão a partir do séc.
XIX, por expoentes como F. D. E. Schleiermacher (1768-1834) e A. B. Ritschl
(1822-1889).

• Segundo McGrath, “Schleiermacher, em seu livro The christian faith [Fé cristã]
(segunda edição, 1834), destaca que a fé cristã não é primordialmente conceitual;
F. D. E. Schleiermacher A. B. Ritschl
antes, as doutrinas devem ser encaradas como expressões secundárias de sua
verdade religiosa primária, que vem com a experiência da salvação”.
🔎 MCGRATH Alister. Teologia sistemática, histórica e losó ca: uma introdução à teologia cristã. São Paulo: Shedd Publicações, 2005, p. 247.
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Teologia natural
conclusão

• O fato dos céus proclamarem a glória de Deus (cf. Sl 19:1) demonstra que podemos perceber facetas dessa glória por
meio da natureza, partindo já de um pressuposto que esse Deus existe e se comunica com os seres humanos de uma
forma geral, e, como diria alguém na história desse país, de forma “ampla, geral e irrestrita”.

• Logo, não olhamos para a natureza para encontrar Deus nela, mas por conhecer a Deus, olhamos para a natureza com
uma visão renovada, munidos desses óculos da fé que Calvino mencionou e que hoje nós chamamos amplamente de
cosmovisão cristã, ou uma cosmovisão bíblica. Não existe, portanto, uma visão neutra da realidade. Ou partimos da
cosmovisão cristã para reconhecer a voz de Deus que ecoa na ordem criada, ou um simples olhar “neutro” para essa
realidade não será suficiente para nos revelar o Deus verdadeiro.

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Toda filosofia [ou ciência] que reivindica um ponto de


partida cristã confronta-se com o tradicional dogma da
autonomia do pensamento filosófico, implicando sua
independência de quaisquer pressupostos religiosos.

— DOOYEWEERD, Herman. No crepúsculo do pensamento ocidental: Estudo sobre a pretensa autonomia do


pensamento filosófico. Brasília: Monergismo, 2018, p. 41.

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Conferência Teológica
3 - a revelação geral

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I.1 Ainda que a luz da natureza e as obras da criação e da providência


de tal modo manifestem a bondade, a sabedoria e o poder de Deus,
que os homens ficam inescusáveis, contudo não são suficientes
para dar aquele conhecimento de Deus e da sua vontade
necessário para a salvação; por isso foi o Senhor servido, em
diversos tempos e diferentes modos, revelar-se e declarar à sua
Igreja aquela sua vontade; e depois, para melhor preservação e
propagação da verdade, para o mais seguro estabelecimento e
conforto da Igreja contra a corrupção da carne e malícia de Satanás
e do mundo, foi igualmente servido fazê-la escrever toda. Isto torna
indispensável a Escritura Sagrada, tendo cessado aqueles antigos
modos de revelar Deus a sua vontade ao seu povo.

— Confissão de Fé de Westminster (1646)

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A teologia da revelação geral
a confissão de fé de westminster

• O primeiro parágrafo da Confissão, de forma resumida, porém, clara, expressa a diferenciação entre a revelação natural e
a revelação especial. A primeira é definida por sendo a expressão material de todos os aspectos criados por Deus no
cosmos, tal como temos no texto: “a luz da natureza e as obras da criação”, ou seja, a revelação de Deus, por meio de toda
a criação, de forma irrestrita a todos e em todos os tempos, acorda de seus atributos mais básicos.

• Toda obra da natureza releva a glória de Deus segundo a Sua providência. De acordo com a Confissão, “não são suficientes
para dar aquele conhecimento de Deus e da sua vontade, que é necessário para a salvação” (I.1, cf. 2Tm 3:15). Por
providência divina, temos na Confissão V.1, “Pela sua muito sábia providência [...] Deus, o grande Criador de todas as
coisas, para o louvor da glória da sua sabedoria, poder, justiça, bondade e misericórdia, sustenta, dirige, dispõe e governa
todas as suas criaturas, todas as ações e todas as coisas, desde a maior até a menor”.

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Pois tu formaste o meu interior, tu me teceste no seio de


minha mãe. Graças te dou, visto que por modo
assombrosamente maravilhoso me formaste; as tuas
obras são admiráveis, e a minha alma o sabe muito bem

— Salmo 139:13,14 (ARA)

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A teologia da revelação geral
a inescusabilidade humana

• Outro ponto importante está relacionado à inescusabilidade humana diante do conhecimento de Deus expresso por meio
da criação, expressão de sua providência e de seus atributos, tais como a bondade, a sabedoria e o poder.

• Nesse sentido, há uma concordância com o que o apóstolo Paulo defende em Rm 1:20: “Porque os atributos invisíveis de
Deus, assim o seu eterno poder, como também a sua própria divindade, claramente se reconhecem, desde o princípio do
mundo, sendo percebidos por meio das coisas que foram criadas. Tais homens são, por isso, indesculpáveis”.

• Embora o ser humano não possa ser isento de culpa relacionado ao conhecimento de Deus expresso na natureza e na
ordem criada, ele também não pode, pelos próprios meios e por sua capacidade cognitiva inata em conhecer a Deus na
plenitude (cf. 1Co 1:21; 2:13-14).

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A teologia da revelação geral


a inescusabilidade humana

• Por causa da insuficiência da revelação geral, Deus revelou-se ao seu povo — O Israel étnico na Antiga Aliança, e ao
Israel de Deus, ou seja, à Igreja, no Novo Testamento — por meio da revelação especial, chamada também de
específica ou escriturística, que consiste na revelação da palavra de Deus, de forma específica e registrada pelos
profetas e pelos apóstolos que nos encaminham no conhecimento dos propósitos do Deus-Pai, por meio da redenção
e sacrifício promovido por Jesus Cristo, o Filho, e administrado e aplicado aos eleitos por intermédio da habitação e
da atuação do Espírito Santo

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a teologia da revelação geral
sua utilidade

• Podemos afirmar, com base em toda a fenomenologia religiosa dentro da História da humanidade, que o ser humano
tem intrínseco a ele um grau de anseio em conhecer algo que está fora do seu próprio alcance, que possa explicar os
elementos naturais internos e externos que lhe fogem da compreensão. Nesse sentido, o divino é evocado e todas as
pessoas passam a ter um certo grau de conhecimento de Deus, o que João Calvino chama de "sensus divinitatis".
Esse senso pelo divino (ou também, "semem religionis") permanece no ser humano criado à imagem e conforme a
semelhança de Deus (cf. Gn 1:26) mesmo que este tenha caído no pecado na Queda.

• O que temos após o Éden é que esse sentido, embora presente, foi afetado de forma a impedir qualquer tipo de
possibilidade do ser humano, de forma orgânica e intrínseca, buscar e conhecer ao Deus Criador. Nesse sentido, “a
humanidade não enxerga com clareza, não raciocina direito, não escolhe com sabedoria e não ama como deveria.
Portanto, não há a devida atenção à revelação divina." (John Steakhouse).

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a teologia da revelação geral


sua utilidade

• Esse conhecimento advindo da revelação geral, incipiente e ainda insuficiente para a salvação, é despertado por meio
dos próprios elementos criados, evocados com propriedade e beleza no Salmo 19. Entretanto, para além de elementos
impessoais e materiais, o verdadeiro conhecimento de Deus somente por ser estabelecido por um relacionamento
pessoal com Ele. É nesse sentido que a revelação geral expressa na criação não conduz o ser humano ao contato
direto com Deus.

• Outro motivo para isso é que o ser humano é essencialmente limitado em seu físico, emoções e intelecto. Não há
como, com meios ordinários, que o ser humano possa compreender o grau de especificidade salvífica da revelação
divina por meio da simples observação dos elementos criados intra ou extra se. O único meio para tal é por meio da
auto-revelação (automanifestação) a nível pessoal, dentro de um contexto e de um tempo específicos, e que provê
meios para que o ser humano possa estabelecer laços de relacionamento (aliança) com o Deus criador.

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a teologia da revelação geral


sua eficácia

• A natureza testemunha sobre o seu Criador. Todos os elementos criados, cada qual da sua maneira manifestam a
glória de Deus (cf. Sl 19:1). Em termos de eficácia, podemos analisar duas, uma positiva e outra negativa. Em primeiro
lugar, a revelação geral nos descortina facetas gerais e amplas dos atributos de Deus, tais como sua grandeza,
providência, sabedoria e glória. Por meio dos elementos criados no cosmos, Deus comunica ao ser humano, de forma
parcial, sua identidade.

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Esse conhecimento natural de Deus deve ser completado
pela revelação, que dá acesso a informações de outra
forma inatingíveis. Contudo, o conceito de revelação vai
além da ideia da transmissão do conhecimento sobre
Deus, pois ele carrega em si a noção da auto-revelação

— MACGRATH, Alister. Teologia sistemática, p. 247.

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a teologia da revelação geral
sua eficácia

• A revelação geral de Deus apresenta uma eficácia negativa, que está relacionado ao juízo de Deus sobre toda a
humanidade. Nesse sentido, a revelação natural divina se transforma no grande promotor que depõe contra o ser
humano que mesmo tendo a noção da existência e da grandeza de Deus, não o reconheceu como tal. O apóstolo Paulo
aborda essa questão nos seguintes termos em Romanos 1:18-21.

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A ira de Deus se revela do céu contra toda impiedade e perversão dos homens que detêm a
verdade pela injustiça; porquanto o que de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles,
porque Deus lhes manifestou. Porque os atributos invisíveis de Deus, assim o seu eterno
poder, como também a sua própria divindade, claramente se reconhecem, desde o
princípio do mundo, sendo percebidos por meio das coisas que foram criadas. Tais
homens são, por isso, indesculpáveis ( ναπολογ τους, anapolog tous); porquanto,
tendo conhecimento de Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças;
antes, se tornaram nulos em seus próprios raciocínios, obscurecendo-se-lhes o coração
insensato.

— Romanos 1:18-21

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Conferência Teológica
4 - a teologia da
revelação especial

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A teologia da revelação especial


introdução

• Por revelação especial, entendemos ser a automanifestação de Deus por meio da inspiração do Espírito Santo a
revelar ao seu povo sua vontade específica em relação à sua salvação. Em outras palavras, é a verbalização, e
consequentes transmissão escrita, daquilo que é necessário para que o ser humano eleito possa relacionar-se com
Deus-Pai por meio da obra de Cristo, no poder e na comunhão do Espírito Santo.

• A revelação especial é definida por outras duas terminologias, que são usadas de forma intercambiável na Confissão:
“Escrituras Sagradas” e “Palavra de Deus”. A primeira herda o sentido autoritativo empregado primeiramente ao
Antigo Testamento (cf. 2Tm 3:16). Assim, ao falarmos na revelação especial, referimo-nos especificamente à Bíblia
Sagrada, formada pelo Antigo e Novo Testamentos, em seus sessenta e seis livros canônicos.

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A teologia da revelação especial


introdução

• Em segundo lugar, a Palavra de Deus é a expressão de que o conteúdo revelado é de procedência divina, ou seja, de
inspiração divina, registrada por meios humanos. Essa revelação especial é delimitada canonicamente nos sessenta e
seis livros que compõe a Bíblia, que a partir da Reforma Protestante, com a contribuição decisiva de João Calvino,
deixou de ter os acréscimos (apócrifos). Assim, afirma-se que apenas e tão somente os sessenta e seis têm status
canônico.

• Por ser esse o corpo de livros inspirados, é, consequentemente, reconhecido e recebido como procedência divina (cf.
2Tm 3:16) e de autoridade sobre a igreja.

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A teologia da revelação especial
locus da revelação

• A questão do locus da revelação especial obteve destaque nas discussões teológicas dentro do seio da Igreja durante
muitos séculos. Após todo o processo de fechamento canônico, cuja expressão derradeira foi a deliberação do
Concílio de Calcedônia em 419, quando todos os sessenta e seis livros da Bíblia foram recebidos como literatura
autoritativa, a Igreja passou a desenvolver uma teologia própria no sentido de considerar a doutrina como forma de
revelação.

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A teologia da revelação especial
locus da revelação

• Nesse sentido temos a tradição católica neo-escolástica que advoga um peso capital da tradição (depositum fidei) e
da função exclusiva ao clero, de interpretar as Escrituras, o que chamamos de magistério eclesiástico ("ecclesia
docens" em contrates aos leigos, chamados de "ecclesia audiens"). Aliás, esse entendimento permanece até hoje
como base fundamental do Catolicismo.

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O ofício de interpretar autenticamente a Palavra de Deus
escrita ou transmitida foi confiada unicamente ao
Magistério vivo da Igreja, cuja autoridade é exercida em
nome de Jesus Cristo, isto é, foi confiado aos bispos em
comunhão com o sucessor de Pedro, o bispo de Roma

— Catecismo da Igreja Católica, 85.

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A teologia da revelação especial
locus da revelação

• Há um senso de que a revelação especial de Deus ainda está em progresso, uma vez que pode ser muito bem
desenvolvida pela tradição e chancelada pelo magistério sem necessariamente ter respaldo no texto sagrado, texto
esse que é concebido como fruto da tradição, e não o contrário.

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Por esta razão, pela fé divina e católica, deve-se crer em
todas essas coisas que estão na Palavra de Deus conforme
encontradas nas Escrituras e na tradição, às quais são
apresentadas pela igreja como questões de fé divinamente
reveladas por Deus, seja por meio do julgamento sagrado
da Igreja, seja em seu magisterium comum e universal.

— Concílio Vaticano I

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fi
A teologia da revelação especial
locus da revelação

• Se concebermos que a revelação especial é a própria palavra registrada, recebida e aceita como autoritativa sobre a
Igreja, devemos indagar sobre as vantagens que essa forma registrada teve dentro de todo o processo de transmissão
dessa mensagem à Igreja. De acordo com Timothy Ward, são três:

1. Transmissão;

2. Exame;

3. Acessibilidade.

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A teologia da revelação especial


transmissão

1. Primeiramente, temos a questão da transmissão. Por mais que levemos em consideração que as sociedades do
Oriente Próximo priorizavam a transmissão oral de seus costumes e tradições, não podemos negar que esse tipo de
comunicação possui um risco inerente: a inexatidão da informação original transmitida ao longo do tempo. É como
se brincássemos de telefone-sem-fio. Por mais que eu me atente ao conteúdo daquilo que ouço, não há garantias
de que que transmitirei fielmente a outrem o que fora falado no início. Nesse sentido, a forma escrita garante a
transmissão e a preservação mais precisa do conteúdo revelado originalmente.

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A teologia da revelação especial
exame

2. Em segundo lugar, temos a oportunidade para examinarmos, de maneira repetida, um mesmo texto. Esse ponto é
facilmente atestado no estudo e na leitura da Bíblia. Não se espera de um estudante sério das Escrituras que tenha
uma compreensão holística e detalhada do conteúdo bíblico com uma única e simples leitura. O faro teológico é
desenvolvido à medida que um mesmo texto é lido e relido. Esse exame repetido só se torna possível quando o
conteúdo a qual estamos recorrendo não muda, ou seja, está registrado em forma escrita.

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A teologia da revelação especial
Acessibilidade

3. Por fim, temos a questão da acessibilidade, possibilitada pelo texto bíblico impresso. Já imaginou dependermos
apenas da transmissão oral de conhecimento para termos acesso à mensagem bíblica? Como já discutimos, essa
realidade bateu à porta da igreja primitiva na medida em que os apóstolos e as testemunhas oculares morriam. O
processo da escrita da revelação divina, além de possibilitar a preservação da mensagem apostólica original,
permitiu também que cada vez mais pessoas tivessem acesso a essas informações de forma confiável.

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É mais proveitoso para nós estudar as
palavras de Deus escritas na Bíblia. É a
Palavra escrita de Deus que ele nos
ordena estudar.
— GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática atual e exaustiva. Nova edição com índices. São Paulo: Vida Nova, 2010, p. 15.

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A teologia da revelação especial
A supremacia das Escrituras expressa na insuficiência da revelação geral

• O fato determinante para a necessidade da revelação especial está relacionado à Queda do ser humano e da sua
consequente incapacidade de alcançar o conhecimento do Deus Trino. Nesse sentido, para que a comunhão outrora
quebrada no Éden fosse restabelecida, foi necessário a revelação específica, que justamente indica o caminho da
salvação apresentando, em primeiro lugar o Deus Trino e a obra redentiva que por Ele é feita na vida de todos os que
se achegam à revelação pela fé

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Não bastava simplesmente saber da existência de Deus e
conhecer algo sobre ele. Enquanto Adão e Eva tinham,, em seu
estado original,. uma inclinação positiva (ou, no mínimo,
neutra) em relação a Deus e podiam responder de forma direta,
depois da Queda eles foram afastados de Deus e ser rebelaram
contra ele; sua compreensão de assuntos espirituais ficou
obscurecida. Seu relacionamento com Deus não se tornou
meramente inativo; ele se perdeu e precisava de restauração.
Assim, a situação humana ficou complicada e, por isso, havia a
necessidade de uma instrução mais completa.

— ERICKSON. Teologia Sistemática, p. 164.

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A teologia da revelação especial
A supremacia das Escrituras expressa na insuficiência da revelação geral

• Em termos de natureza e essência, a revelação especial é pessoal. De acordo com McGrath, “Em sentido mais
elaborado, o conceito de ‘revelação’ não significa mera transmissão de um conjunto de conhecimentos, mas sima
manifestação pessoal de Deus na História”. Isso se deve ao fato do próprio Deus revelador ser um ser pessoal (cf. Êx
3:14; Nm 6:24-26). De acordo com John Stackhouse, "a fé cristã [...] é uma atitude de confiança num Deus pessoal,
com o qual o alicerce dessa fé será a revelação pessoal".

• Essa revelação, por estar baseada no aspecto relacional, é antrópica, ou seja, o Deus transcendente se revela de
forma a alcançar nossas limitações especiais, temporais, sensoriais, cognitivas, linguísticas e espirituais.

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A teologia da revelação especial


A supremacia das Escrituras expressa na insuficiência da revelação geral

• Em termos de natureza e essência, a revelação especial é pessoal. De acordo com McGrath, “Em sentido mais
elaborado, o conceito de ‘revelação’ não significa mera transmissão de um conjunto de conhecimentos, mas sima
manifestação pessoal de Deus na História”. Isso se deve ao fato do próprio Deus revelador ser um ser pessoal (cf. Êx
3:14; Nm 6:24-26). De acordo com John Stackhouse, "a fé cristã [...] é uma atitude de confiança num Deus pessoal,
com o qual o alicerce dessa fé será a revelação pessoal".

• Essa revelação, por estar baseada no aspecto relacional, é antrópica, ou seja, o Deus transcendente se revela de
forma a alcançar nossas limitações especiais, temporais, sensoriais, cognitivas, linguísticas e espirituais.

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Ao empregarmos o termo analógico, referimo-nos a algo


'da mesma qualidade'; em outras palavras, a diferença
se faz pelo grau e não pela espécie ou categoria. Deus é
poderoso, assim, como os seres humanos são
poderosos, mas Deus tem muito mais poder. Quando
dizemos que Deus conhece e que os seres humanos
conhecem, temos o mesmo sentido em mente, mas,
enquanto um ser humano conhece algumas coisas,
Deus conhece tudo.
— ERICKSON. Teologia Sistemática, p. 164.

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A teologia da revelação especial
A supremacia das Escrituras expressa na insuficiência da revelação geral

• Afirmar a insuficiência da revelação geral é também homologar a doutrina da suficiência das Escrituras Sagradas,
como revelação especial divina. Em termos gerais, tudo o que é pertinente à nossa salvação e santificação estão
contidos na Bíblia (cf. 2Tm 3:15-17).

• Mesmo que pela Providência seja concedida ao ser humano a possibilidade de conhecer a Deus por meio de sua
revelação especial, esse conhecimento, a despeito de ser suficiente para a salvação, não é, em hipótese alguma, algo
que diz respeito ao conhecimento pleno em relação à pessoa de Deus e à obra no universo. Nesse sentido, existe
sempre mais sobre Deus do que aquilo que somos capazes de compreender, ou seja, o conhecimento de Deus, ainda
que revelado, sempre será parcial.

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A teologia da revelação especial


A supremacia das Escrituras expressa em sua inspiração e autoridade

• Sobre o termo autoridade, sigo a definição de Millard Erickson: “Com autoridade da Bíblia queremos dizer que as
Escrituras, como expressão da vontade de Deus para nós, têm o supremo direito de definir no que devemos crer e
como devemos viver. [...] Autoridade é o direito de impor crenças e/ou ações” (Teologia Sistemática, p. 232).

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A teologia da revelação especial
A supremacia das Escrituras expressa em sua inspiração e autoridade

• Nem a Bíblia e nem a Confissão vão estabelecer uma doutrina específica e analítica sobre s inspiração bíblica.
Existem algumas tradições de pensamento que variam do extremo da teoria do ditado, em que Deus ditou letra por
letra o conteúdo bíblico sem nenhuma influência cultural ou linguística de seus autores, até teorias voltadas à intuição
religiosa dos seus autores. Entretanto, a posição defendida, principalmente dentro da Reforma é a inspiração
plenária-verbal.

‣ Plenária significa simplesmente ‘plena’ e que todas as partes das Escrituras têm origem em Deus. Ela está
fundamentada na declaração bíblica inequívoca que ‘toda Escritura é inspirada por Deus’”.

‣ A complementação verbal se refere à crença de que, de acordo com Erickson, “a influência do Espírito Santo se
estende além da direção dos pensamentos e abrange a seleção das palavras usadas para transmitir a mensagem”,
ou seja, a Bíblia comunica exatamente o que Deus quis revelar sobre si mesmo (cf. Mt 5:17,18).
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A teologia da revelação especial


A supremacia das Escrituras expressa em sua inerrância e infalibilidade

• A inerrância e a infalibilidade estão intimamente atreladas à autoridade das Escrituras, ou seja, uma vez que Deus é
quem inspirou o texto por meio do Seu Espírito, essa palavra é livre de qualquer tipo de erro ou falsificação.

‣ Inerrância limitada: apenas aos assuntos pertinentes à salvação.


‣ Inerrância ilimitada: a todo o texto bíblico (cf. 2Tm 3:16).

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A teologia da revelação especial


A supremacia das Escrituras expressa em sua necessidade

• A Escritura é necessária para a salvação do eleito (cf. I.1). Relacionado com a necessidade de para cumprir o
propósito salvífico do crente, pela providência divina foi também necessário o registro gráfico dessa revelação para
que a Igreja, em todos os tempos, fosse por ela beneficiada.

• A supremacia das Escrituras, sola scriptura, é decisivamente apoiada e evidenciada na doutrina da necessidade as
Escrituras, uma vez que a fé cristã, em primeiro lugar, passa a estar ancorada na sintetização da revelação verbal,
imutável por todas as gerações, e não na tradição da igreja que é, por definição, algo mutável e cumulativo.

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A teologia da revelação especial


A supremacia das Escrituras expressa em sua clareza

• A doutrina da clareza das Escrituras é de vital importância por comunicar a verdade de que Deus, a considerar todos
os seus atributos, principalmente os incomunicáveis aos seres humanos, revela-se de forma clara, no sentido de
comunicar aquilo que é necessário com a finalidade do ser humano criado possa conhecer ao Deus Trino e ser salvo
de sua condição de Queda. Na palavras de Grudem, “dizer que as Escrituras são claras é dizer que a Bíblia está
escrita de modo tal que seus ensinamentos podem ser compreendidos por todos os que leram buscando o auxílio de
Deus e dispondo-se a acatá-la”.

• "scripture interpret scripture": A Escritura interpreta-se a si mesma.

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Conferência Teológica
5 - a supremacia
das escrituras sagradas

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A supremacia das escrituras sagradas
expressa na insuficiência da revelação geral

• O princípio basilar da doutrina da revelação, tanto em nível geral como em nível especial, está relacionado à auto-
revelação de Deus ao ser humano, ou seja, Deus é o único que, de forma ativa, transmite o conhecimento de si ao ser
humano. Sem esse revelação o ser humano não seria capaz de conhecer a Deus.

• O fato determinante para a necessidade da revelação especial está relacionado à Queda do ser humano e da sua
consequente incapacidade de alcançar o conhecimento do Deus Trino. Nesse sentido, para que a comunhão outrora
quebrada no Éden fosse restabelecida, foi necessário a revelação específica, que justamente indica o caminho da
salvação apresentando, em primeiro lugar o Deus Trino e a obra redentiva que por Ele é feita na vida de todos os que
se achegam à revelação pela fé.

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Não bastava simplesmente saber da existência de Deus e conhecer algo


sobre ele. Enquanto Adão e Eva tinham,, em seu estado original,. uma
inclinação positiva (ou, no mínimo, neutra) em relação a Deus e
podiam responder de forma direta, depois da Queda eles foram
afastados de Deus e ser rebelaram contra ele; sua compreensão de
assuntos espirituais ficou obscurecida. Seu relacionamento com
Deus não se tornou meramente inativo; ele se perdeu e precisava de
restauração. Assim, a situação humana ficou complicada e, por isso,
havia a necessidade de uma instrução mais completa.
— ERICKSON. Teologia Sistemática, p. 164.

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A supremacia das escrituras sagradas
expressa na insuficiência da revelação geral

• Podemos dizer que a necessidade da revelação especial decorre da insuficiência da insuficiência da revelação geral.
Como afirma a própria Confissão, "não são suficientes para dar aquele conhecimento de Deus e da sua vontade
necessário para a salvação". Entretanto, isso não significa que a revelação geral e a especial são mutuamente
excludentes, pelo contrário, a revelação geral torna necessária a revelação especial e a revelação especial completa
a revelação geral, ou seja, são complementares e funcionam de forma harmoniosa.

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A supremacia das escrituras sagradas
expressa na insuficiência da revelação geral

• Em termos de natureza e essência, a revelação especial é pessoal. De acordo com McGrath, “Em sentido mais
elaborado, o conceito de ‘revelação’ não significa mera transmissão de um conjunto de conhecimentos, mas sima
manifestação pessoal de Deus na História”. Isso se deve ao fato do próprio Deus revelador ser um ser pessoal (cf. Êx
3:14; Nm 6:24-26).

• Essa revelação, por estar baseada no aspecto relacional, é antrópica, ou seja, o Deus transcendente se revela de
forma a alcançar nossas limitações especiais, temporais, sensoriais, cognitivas, linguísticas e espirituais.

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A supremacia das escrituras sagradas


expressa na insuficiência da revelação geral

• Em termos de natureza e essência, a revelação especial é pessoal. De acordo com McGrath, “Em sentido mais elaborado,
o conceito de ‘revelação’ não significa mera transmissão de um conjunto de conhecimentos, mas sima manifestação
pessoal de Deus na História”. Isso se deve ao fato do próprio Deus revelador ser um ser pessoal (cf. Êx 3:14; Nm 6:24-26).

• Essa revelação, por estar baseada no aspecto relacional, é antrópica, ou seja, o Deus transcendente se revela de forma a
alcançar nossas limitações especiais, temporais, sensoriais, cognitivas, linguísticas e espirituais.

• Entretanto, dada a limitação se todas as facetas da existência humana de um lado e a transcendência do Deus Criador de
outro, a forma pela qual a linguagem antrópica da revelação alcança o ser humana é por meio de sua natureza analógica.

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A supremacia das escrituras sagradas


expressa na insuficiência da revelação geral

• Afirmar a insuficiência da revelação geral é também homologar a doutrina da suficiência das Escrituras Sagradas,
como revelação especial divina. Em termos gerais, tudo o que é pertinente à nossa salvação e santificação estão
contidos na Bíblia (cf. 2Tm 3:15-17). “Todo o conselho de Deus” aponta, então, para todo o que nos leva ao
conhecimento de Cristo e a salvação por intermédio Dele. Entretanto, a suficiência da Bíblia não se restringe ao seu
plano soteriológico.

• O fato é que a Bíblia é a base para que, mesmo em situações que são previstas biblicamente, possamos, à luz da
Escritura e também na prudência cristã, administrarmos o culto e o governo da Igreja de forma coerente com a Bíblia.

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A supremacia das escrituras sagradas


expressa na insuficiência da revelação geral

• Mesmo que pela Providência seja concedida ao ser humano a possibilidade de conhecer a Deus por meio de sua
revelação especial, esse conhecimento, a despeito de ser suficiente para a salvação, não é, em hipótese alguma, algo
que diz respeito ao conhecimento pleno em relação à pessoa de Deus e à obra no universo. Nesse sentido, existe
sempre mais sobre Deus do que aquilo que somos capazes de compreender, ou seja, o conhecimento de Deus, ainda
que revelado, sempre será parcial.

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A supremacia das escrituras sagradas
expressa na sua inspiração e autoridade

• Sobre o termo autoridade, sigo a definição de Millard Erickson: “Com autoridade da Bíblia queremos dizer que as
Escrituras, como expressão da vontade de Deus para nós, têm o supremo direito de definir no que devemos crer e
como devemos viver. [...] Autoridade é o direito de impor crenças e/ou ações” (Teologia Sistemática, p. 232).

• Essa autoridade da escritura é advinda do próprio testemunho de Deus, seu autor primário. Ao afirmar que a
autoridade das Escrituras está acima da própria autoridade outorgada à Igreja, não nega-se a autoridade da mesma.
Pelo contrário, a igreja testemunha no sentido de obedecemos à vontade de Deus em sua palavra. Entretanto, em
última análise, o que move a igreja e promove o seu testemunho, é a atuação interna do Espírito Santo, ou seja, o
"testimonium Spiritus Sancti internum".

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A supremacia das escrituras sagradas


expressa na sua inspiração e autoridade

• A supremacia das Escrituras, relacionada à sua autoridade sobre a Igreja, está alicerçada firmemente na crença de
que as Escrituras Sagradas foram divinamente inspiradas. Como a própria CFW diz, “A autoridade da Escritura
Sagrada, razão pela qual deve ser crida e obedecida, não depende do testemunho de qualquer homem ou igreja, mas
depende somente de Deus (a mesma verdade) que é o seu autor; tem, portanto, de ser recebida, porque é a palavra de
Deus (2Tm 3:16; 1Jo 5:9, 1Ts. 2:13)”.

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A supremacia das escrituras sagradas
expressa na sua inspiração e autoridade

• O tema da divina inspiração bíblica não é recorrente no texto sagrado. Entretanto dois textos do Novo Testamento
merecem destaque por estabelecer as bases neotestamentárias para o conceito de inspiração aceito largamente a
partir da Reforma Protestante.

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A supremacia das escrituras sagradas
expressa na sua inspiração e autoridade

• O primeiro texto é 2Tm 3:16,17: “Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a
correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa
obra”. Ao afirmar que a Bíblia é inspirada por Deus, ou seja, θε πνευστος (theopneustos) — um hapax legomenon do Novo
Testamento — estamos associando diretamente o texto escrito em forma humana a uma autoria primária divina.

• Nesse sentido, estabelece-se o significado da inspiração que pode ser condensado na fórmula utilizada por Erickson:
"compreendemos a inspiração das escrituras como a influência sobrenatural do Espírito Santo, exercida sobre os autores
da Bíblia, que fez com que seus textos fossem um registro da revelação ou resultassem, de fato, na Palavra de Deus".
Expandindo um pouco mais essa definição resumida, a inspiração pode ser considerada como o modo pela qual a
revelação de Deus veio a ser transmitida ao ser humano.

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A supremacia das escrituras sagradas


expressa na sua inspiração e autoridade

• O segundo texto que atesta a inspiração das Sagradas Escrituras é 2Pe 1:20,21: “sabendo, primeiramente, isto: que
nenhuma profecia da Escritura provém de particular elucidação; porque nunca jamais qualquer profecia foi dada por
vontade humana; entretanto, homens [santos] falaram da parte de Deus, movidos pelo Espírito Santo”.

• Em termos gerais, a profecia mencionada por Pedro é uma referência ampla ao conteúdo da revelação associado ao
instrumento pela qual essa revelação se materializou, ou seja, os homens [de Deus], por meio da agência do Espírito
Santo. Nesse sentido, a inspiração pressupõe que todo o conteúdo revelado em linguagem humana é procedência
divina e expressa, mesmo por meio das limitações da linguagem humana, toda a revelação divina necessária para
que o ser humano conheça o Deus Trino.

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A supremacia das escrituras sagradas


expressa na sua inspiração e autoridade

• Ademais, a procedência divina do conteúdo da revelação é demonstrável por diversos outros textos bíblicos que,
embora em seu contexto específico não tiveram como objetivo o cânon completo, estabelecem o parâmetro principal
da inspiração, ou seja, um processo vertical, em que o Deus-revelador se comunica com o ser humano-destinatário.

• No Antigo Testamento, vemos o processo originador da revelação, ou seja, da inspiração, na utilização dos profetas da
fórmula do mensageiro: “Assim diz Yahweh” (‫)כי אמר יהוה‬. No Novo Testamento, temos citações em relação, por
exemplo, à inspiração por meio de Davi (At 1:6, cf. Sl 69:25; 109:8) e aos outros profetas (At 3:18,21; 4:25).

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A supremacia das escrituras sagradas


expressa na sua inspiração e autoridade

• Existem algumas tradições de pensamento que variam do extremo da teoria do ditado, em que Deus ditou letra por
letra o conteúdo bíblico sem nenhuma influência cultural ou linguística de seus autores, até teorias voltadas à intuição
religiosa dos seus autores.

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A supremacia das escrituras sagradas
expressa na sua inspiração e autoridade

• Entretanto, a posição defendida, principalmente dentro da Reforma é a inspiração plenária-verbal.


• De acordo com Ward, “‘Plenária’ significa simplesmente ‘plena’ e que todas as partes das Escrituras têm origem
em Deus. Ela está fundamentada na declaração bíblica inequívoca que ‘toda Escritura é inspirada por Deus’”.

• A complementação verbal se refere à crença de que, de acordo com Erickson, “a influência do Espírito Santo se
estende além da direção dos pensamentos e abrange a seleção das palavras usadas para transmitir a mensagem”,
ou seja, a Bíblia comunica exatamente o que Deus quis revelar sobre si mesmo (cf. Mt 5:17,18). Portanto, dado que
Deus inspirou o texto sagrado, Ele se configura como autor primário das Escrituras e, assim, a Bíblia é a palavra de
Deus.

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Conferência Teológica
6. Afinal, que livro é
a Bíblia sagrada?

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A palavra está bem próxima de vocês;


está em sua boca e em seu coração;
por isso vocês poderão obedecer-lhe.

— Deuteronômio 30:14

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Afinal, que livro é a bíblia sagrada?


Um deus que se comunica com o seu povo

• J. I. Packer (1926 — 2020), teólogo anglicano


inglês, afirmou que o Deus a quem adoramos é
um Deus que fala.

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Afinal, que livro é a bíblia sagrada?
Um deus que se comunica com o seu povo

• A própria Bíblia Sagrada já deixa essa verdade explícita a partir das suas primeiras linhas:
“No princípio Deus criou os céus e a terra. Era a terra sem forma e vazia; trevas cobriam a face do abismo, e o
Espírito de Deus se movia sobre a face das águas. Disse Deus (‫ֹלהים‬ִ ‫אמר ֱא‬ ֶ ֹ ‫וַ יּ‬, wayy ʾmer ʾel him): ‘Haja luz’, e
houve luz” (Gênesis 1:1-3).

• Nesse sentido, Deus é revelado nas Escrituras como o Deus verdadeiro por causa da sua capacidade comunicativa.

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Não a nós, Yahweh, nenhuma glória para nós,
mas sim ao teu nome, por teu amor e por tua fidelidade!
Por que perguntam as nações: “Onde está o Deus deles?”
O nosso Deus está nos céus, e pode fazer tudo o que lhe agrada.
Os ídolos deles, de prata e ouro, são feitos por mãos humanas.
Têm boca, mas não podem falar,
olhos, mas não podem ver; "um deus que não
têm ouvidos, mas não podem ouvir,
nariz, mas não podem sentir cheiro; fala é uma
têm mãos, mas nada podem apalpar, fraude!"
pés, mas não podem andar;
e não emitem som algum com a garganta.
Tornem-se como eles aqueles que os fazem e todos os que neles confiam.
— Salmo 115:1-8
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Afinal, que livro é a bíblia sagrada?


Um deus que se comunica com o seu povo

• Quando fala, de forma geral, Yahweh o faz de maneira que os seres humanos possam entender o que está sendo
transmitido (cf. Deuteronômio 30:14).

• Os desígnios eternos de Deus são descortinados a seres humanos mergulhados em limitações, que vão desde a sua
própria capacidade cognitiva até elementos fora dele, como o fator tempo, os contextos social, histórico e político,
entre outros.

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Além disso, palavra e ato, as dimensões religiosa e


histórica, aquilo que foi falado por Deus e aquilo que foi
falado por seres humanos está tão entrelaçado e
entranhado que a separação é impossível. As partes
históricas da Escritura também são uma revelação de
Deus.
— BAVINCK, Herman. Dogmática Reformada: Prolegômena, v. I, 2002, p. 404.

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Afinal, que livro é a bíblia sagrada?
questionamentos iniciais

• De acordo com o Livro Guinness dos Recordes, há pouca


dúvida de que a Bíblia Sagrada é o maior best-seller de todos
os tempos. É impossível chegar a um número preciso, mas de
acordo com um levantamento da Sociedade Bíblica Britânica, a
quantidade de cópias produzidas de 1815 a 1975 situa-se
entre 2,5 a 5 bilhões de volumes.

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Afinal, que livro é a bíblia sagrada?
questionamentos iniciais

• Afinal, a Bíblia é ou não é um livro de ficção? Ela contém fatos reais ou mitos? Ou, para ser mais conciliador: É um
livro que mistura eventualmente essas duas dimensões? Que tipo de literatura é a Bíblia Sagrada? Que livro é esse
que foi capaz de atingir essa marca inigualável? Como o ajuntamento de documentos antiquíssimos, escritos em
várias épocas, por diversas pessoas e dentro de vários contextos históricos, sociais e econômicos conseguiu romper
as fronteiras do judaísmo, estabelecendo-se como a obra mais traduzida de todos os tempos? Como a Bíblia Sagrada
alcançou todo o mundo ao longo de pelo menos dois milênios, sendo traduzida para mais de 350 línguas e dialetos?

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Afinal, que livro é a bíblia sagrada?
designação

• Há duas formas intercambiáveis de denominar o livro sagrado.


‣ A primeira é a mais usual: a Bíblia. O termo bíblia é uma apropriação que a língua portuguesa fez do substantivo
grego biblion (βιβλίον). Essa palavra ocorre 34 vezes no Novo Testamento e significa, primariamente, um
documento escrito que pode ser um livro ou um pergaminho, um bilhete, etc.
‣ Alternativamente, podemos chamar a Bíblia de Escritura, termo esse que vem do latim scriptura (cuja forma grega
é γραφή, graphē). Esse termo diz respeito aos escritos que são considerados como autoritativos.

• Entretanto, no uso comum, Bíblia e Escritura, acompanhados do qualificativo sagrado, possuem um sentido sinônimo
e são usados de forma intercambiável.

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Afinal, que livro é a bíblia sagrada?


antes da bíblia ser um livro

• Muito antes de termos a Bíblia Sagrada em nossas mãos como um livro editado e bem-acabado, o conteúdo da
Palavra de Deus passou por diversas formas de transmissão, a saber, a transmissão oral e a transmissão escrita.

• A Bíblia nem sempre esteve em um formato de livro. Aliás, no começo dos fatos geradores da história bíblica não
havia registro físico de informação ou conteúdo.

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No princípio, não havia a palavra escrita. Havia somente uma palavra falada, e,
conforme registrado posteriormente no livro de Gênesis, Deus criou o
universo falando palavra no vazio. Os primeiros adoradores de Deus não
podiam escrever os pensamentos sobre Deus ou as suas experiências com
ele, mas podiam falar a respeito dele e, isso, eles fizeram. Muito antes de
terem inventado o seu próprio sistema linguístico, e mesmo depois de sua
invenção, os hebreus contavam e recontavam suas histórias, muitas das
quais foram posteriormente registradas na Bíblia.

— MILLER, Stephen N. e HUBER, Robert V. A Bíblia e sua história: o surgimento e o impacto da Bíblia. Barueri: SBB, 2006, p. 12.

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Afinal, que livro é a bíblia sagrada?
antes da bíblia ser um livro - a transmissão oral

• A primeira maneira de transmissão das histórias — por exemplo, da criação do mundo, dos patriarcas, do chamado
de Israel — foi por meio da transmissão oral. Sobre essa forma de comunicação que se construiu a forma inicial, e
que nada mais é do que o antigo costume consolidado de contar histórias e narrativas, para repassar os relatos de
pessoa a pessoa, de geração a geração.

• O próprio texto bíblico dá testemunho dessa prática:


“Com nossos próprios ouvidos ouvimos, ó Deus; os nossos antepassados nos contaram os feitos que realizastes no
tempo deles, nos dias da antiguidade” (Salmo 44:1).

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Afinal, que livro é a bíblia sagrada?


antes da bíblia ser um livro - a transmissão oral

• As antigas histórias da criação do universo foram


transmitidas por meio oral e posteriormente
transformadas em textos, ou poemas, como é o caso da
Epopeia de Gilgamesh ou do mito acadiano da criação
Enuma Elish (ca. 1750 a.C.).

Tabuleta V da Epopeia de Gilgamesh, datada do antigo período babilônico, 2003-1595 a.C. Museu Sulaymaniyah, Iraque Paulo Won © ITFiladél a 2023
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Afinal, que livro é a bíblia sagrada?
antes da bíblia ser um livro - a transmissão oral

• A transmissão oral não está restrita apenas ao Antigo Testamento, ou seja, a uma época em que a escrita não havia
sido inventada. A forma inicial de transmissão da mensagem do evangelho — estamos falando já do Novo Testamento
— também foi a oralidade.

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Os evangelhos foram escritos dentro da memória viva dos acontecimentos
que eles narraram. O evangelho de Marcos foi escrito bem dentro do
período de vida de muitas das testemunhas oculares, ao passo que os
outros três evangelhos canônicos foram escritos no período em que as
testemunhas oculares viventes estavam se tornando escassas,
exatamente no período de tempo em que o testemunho delas pereceria
com elas se não fosse colocado por escrito.
— BAUCKHAM, Richard. Jesus e as testemunhas oculares: os evangelhos como testemunhos oculares. São Paulo: Paulus, 2011, p. 21.

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Afinal, que livro é a bíblia sagrada?
antes da bíblia ser um livro - a transmissão escrita

• Como as primeiras páginas da Bíblia foram escritas?


• O maior risco que há no processo de transmissão oral é a própria limitação humana em se lembrar daquilo que lhe foi
transmitido, e, logo, comunicar eficazmente a outrem a mensagem recebida. Ainda que a capacidade dos antigos em
memorizar textos e reproduzi-los com fidelidade seja muito maior do a nossa, que vivemos no século XXI, sempre há
um risco de inconsistência.

• O desenvolvimento da escrita há mais de 5 mil anos, na Suméria, possibilitou o registro gráfico daquilo que antes
habitava apenas na mente das pessoas. A escrita tornou-se o meio mais prático para que as informações pudessem
ser transmitidas de geração em geração de forma fidedigna, precisa e consistente.

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Enquanto os hebreus passavam a sua cultura adiante de boca em boca, os


primeiros sistemas de escrita do mundo estavam entrando em uso. Na
Mesopotâmia, onde Abraão recebeu o chamado do Senhor, um tipo de escrita
chamada cuneiforme estava sendo usada. No Egito, onde os descendentes de
Jacó trabalhavam como escravos, estavam em uso os hieróglifos.

— MILLER, Stephen N. e HUBER, Robert V. A Bíblia e sua história: o surgimento e o impacto da Bíblia. Barueri: SBB, 2006, p. 14.

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Afinal, que livro é a bíblia sagrada?
antes da bíblia ser um livro - a transmissão escrita - A escrita cuneiforme

Cilindro de Ciro, Museu Britânico, Londres Paulo Won © ITFiladél a 2023


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Afinal, que livro é a bíblia sagrada?
antes da bíblia ser um livro - a transmissão escrita - A escrita hieróglifa

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Afinal, que livro é a bíblia sagrada?
antes da bíblia ser um livro - a transmissão escrita - A escrita hieróglifa

Jean-François Champollion (1790 — 1832)

Pedra (Estela) de Roseta Paulo Won © ITFiladél a 2023


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Afinal, que livro é a bíblia sagrada?
antes da bíblia ser um livro - a transmissão escrita

• Podemos constatar o desenvolvimento da transmissão escrita dentro da


própria Bíblia. Quando a narrativa avança de Gênesis para o Êxodo, vemos
que a questão do registro e da transmissão escrita vai ganhando destaque.

• Em Êxodo, por exemplo, encontramos a primeira menção do registro


gráfico de algo considerado como Palavra de Deus. Na verdade, o próprio
Deus fez isso, ou seja, ele mesmo escreveu os seus mandamentos nas
duas tábuas de pedra: “E, tendo acabado de falar com ele no Monte Sinai,
deu a Moisés as duas tábuas do Testemunho, tábuas de pedra, escritas
pelo dedo de Deus” (Êxodo 31:18, ARA). Posteriormente, Deus ordenou que
o conteúdo da Lei fosse escrito, preservado e transmitido como tal
(Deuteronômio 31:9-13)
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Afinal, que livro é a bíblia sagrada?


antes da bíblia ser um livro - a transmissão escrita

• O papiro era uma folha feita de fibras de uma planta aquática (Cyperus papyrus) que
nasce às margens do rio Nilo, no Egito, e em algumas regiões da Galileia. Essas fibras
eram entrelaçadas, prensadas e secas de modo a formar uma superfície favorável ao
registro gráfico. A própria palavra de origem grega biblion (βιβλίον) que dizer, entre
outras coisas, papiro.

“No quarto ano do reinado de Jeoaquim, filho de Josias, rei de Judá, o Senhor dirigiu
esta palavra a Jeremias: ‘Pegue um rolo [χαρτίον βιβλίου, chartion bibliou] e
escreva nele todas as palavras que falarei’” (Jeremias 38:18 [43:18, LXX]).

“Ele ditou todas essas palavras, e eu as escrevi com tinta no rolo [ἐν βιβλίῳ, en
biblio]” (Jeremias 36:18 [43:18, LXX]).
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Afinal, que livro é a bíblia sagrada?


antes da bíblia ser um livro - a transmissão escrita

• Na busca por um material durável, desenvolveu-se o uso do pergaminho


(μεμβράνα, membrana), que consiste na escrita sobre folhas feitas de
couro animal tratado (ovelha, bode etc.). Os mais importantes manuscritos
bíblicos escritos a partir do século IV e a maioria dos textos que compõem
a coleção dos Manuscritos do Mar Morto foram escritos em pergaminhos,
cujos textos e fragmentos são mantidos até hoje em um bom estado de
conservação.

• O apóstolo Paulo conhecia o uso do pergaminho, pois tal qual registrado


em 2Timóteo 4:13, ele solicita que lhe sejam trazidos “os livros,
especialmente os pergaminhos” (τὰ βιβλία μάλιστα τὰς μεμβράνας,
ta biblia malista tas membranas).
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Afinal, que livro é a bíblia sagrada?


antes da bíblia ser um livro - a transmissão escrita

• O livro, tal como conhecemos hoje, foi desenvolvido


por volta do século II, quando folhas de papiro foram
encadernadas para o uso dentro das igrejas. Já a
partir do século IV ou V esses mesmos códices
começaram a ser produzidos utilizando-se o
pergaminho, um material muito mais durável e
resistente ao manuseio. O Codex sinaiticus (séculos
IV — V), por exemplo, foi a primeira Bíblia em
pergaminho completa, com Antigo e Novo
Testamentos (e mais a adição de alguns apócrifos)
Códice Sinaítico, Biblioteca Britânica, Londres encadernados em formato de códice.

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Afinal, que livro é a bíblia sagrada?
antes da bíblia ser um livro - a transmissão escrita - As vantagens

1. TRANSMISSÃO. Por mais que levemos em


consideração que as sociedades do Oriente
Próximo priorizavam a transmissão oral de
seus costumes e tradições, não podemos
negar que esse tipo de comunicação
possui um risco inerente: a inexatidão da
informação original transmitida ao longo do
tempo. A forma escrita garante a
transmissão e a preservação mais precisa
do conteúdo revelado originalmente.

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Afinal, que livro é a bíblia sagrada?
antes da bíblia ser um livro - a transmissão escrita - As vantagens

2. EXAME, ou seja, examinarmos, de maneira repetida, um mesmo texto. Esse ponto é facilmente atestado no estudo e
na leitura da Bíblia. Não se espera de um estudante sério das Escrituras que tenha uma compreensão holística e
detalhada do conteúdo bíblico com uma única e simples leitura. O faro teológico é desenvolvido à medida que um
mesmo texto é lido e relido. Esse exame repetido só se torna possível quando o conteúdo a qual estamos recorrendo
não muda, ou seja, está registrado em forma escrita.

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Afinal, que livro é a bíblia sagrada?
antes da bíblia ser um livro - a transmissão escrita - As vantagens

3. ACESSIBILIDADE, possibilitada pelo texto bíblico impresso. Já imaginou dependermos apenas da transmissão oral de
conhecimento para termos acesso à mensagem bíblica? Como já discutimos, essa realidade bateu à porta da igreja
primitiva na medida em que os apóstolos e as testemunhas oculares morriam. O processo da escrita da revelação
divina, além de possibilitar a preservação da mensagem apostólica original, permitiu também que cada vez mais
pessoas tivessem acesso a essas informações de forma confiável.

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É mais proveitoso para nós estudar as
palavras de Deus escritas na Bíblia. É a
Palavra escrita de Deus que ele nos ordena
estudar.
— GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática atual e exaustiva. Nova edição com índices. São Paulo: Vida Nova, 2010, p. 15

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Afinal, que livro é a bíblia sagrada?
A Bíblia como livro composto de livros

• A Bíblia é um livro e, como tal, é uma obra literária. Mas, diferente das obras literárias “normais”, divididas em
capítulos, por exemplo, a Bíblia é dividida em livros, divisão essa que o próprio texto bíblico atesta:

‣ lei de Moisés como um bloco, ou seja, a Torá (por exemplo, em 2Reis 14:6); livro de Moisés (Marcos 12:26);
‣ livro das palavras do profeta Isaías (Lucas 3:4; cf. 4:17); livro dos profetas (Atos 7:42);
‣ livro dos salmos (Atos 1:20);
‣ Evangelho de João como uma obra literária (cf. João 20:30); Evangelho de Lucas como o primeiro volume de uma
obra literária maior (cf. Atos 1:1 e Lucas 1:1-4), etc.

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Afinal, que livro é a bíblia sagrada?


A Bíblia como livro composto de livros

• Gênero literário é uma categoria de composição de texto, cuja classificação pode ser feita de acordo com critérios
semânticos, sintáticos, fonológicos, formais, contextuais e outros.

• A Bíblia também é organizada de maneira teológica, ou seja, tendo como critério a compreensão humana da ação de
Deus na sua revelação especial-redentiva. No plano de análise macro, ela é dividida em Antigo Testamento e Novo
Testamento. O Antigo Testamento é também chamado de Bíblia Hebraica por ser a Escritura dos judeus, escrito
majoritariamente na língua hebraica.

• O conjunto completo Antigo e Novo Testamentos compõe a Escritura Sagrada dos cristãos.

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Juntar os livros da Bíblia entre duas capas de um livro faz com que eles
estejam disponíveis a nós todos ao mesmo tempo. Mesmo que eles tenham
muita coisa em comum, não podemos esquecer que cada livro tem a sua
própria história do desenvolvimento e sua própria perspectiva peculiar. A
despeito de várias amarras literárias entre elas, a maioria dos livros da
Bíblia é relativamente independente um do outro, como os livros que estão
em qualquer biblioteca.
— ZILONKA, Paul P. e GORMAN, Michael J. “The Bible: A Book, a Library, a Story, an Invitation”, pp. 8-9

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Afinal, que livro é a bíblia sagrada?
O ANTIGO TESTAMENTO

• O discurso oral é a forma predominante por meio da qual Yahweh se comunicava com o seu povo. Nos estágios
iniciais — abundantemente no Pentateuco e em Josué — Yahweh expressava sua vontade através de discurso
direto.

• É isso que podemos ver, por exemplo, na primeira vez em que se Deus dirigiu ao ser humano criado:
“Então Deus os abençoou (‫ויברך‬, way re ) e lhes disse (‫ויאמר‬, wayy ʾmer): ‘Frutificai e multiplicai-vos;
enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu e sobre todo o animal que se move
sobre a terra’” (Gênesis 1:28, ARC).

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Afinal, que livro é a bíblia sagrada?


O ANTIGO TESTAMENTO

• No decorrer do desenvolvimento histórico do Antigo Testamento, Yahweh escolheu para si mensageiros (profetas) que
passaram a ter como tarefa principal transmitir fielmente sua vontade a Israel, ou àqueles a quem ele queria se dirigir
(por exemplo, aos pagãos). Nesse sentido, Moisés é considerado o mais importante deles.

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Em Israel nunca mais se levantou profeta (‫נביא‬, n iyʾ; προφήτης, proph t s
[LXX]) como Moisés, a quem o Senhor conheceu face a face, e que fez todos
aqueles sinais e maravilhas que o Senhor o tinha enviado para fazer no Egito, contra
o faraó, contra todos os seus servos e contra toda a sua terra. Pois ninguém jamais
mostrou tamanho poder como Moisés nem executou os feitos temíveis que Moisés
realizou aos olhos de todo o Israel.

— Deuteronômio 34:10-12

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À medida que o Antigo Testamento se desenrola, uma
forma de falar divino ganha proeminência: Deus fala
por meio de seus profetas escolhidos com palavras
que eles proferem em línguas humanas comuns.
— WARD, Timothy. Teologia da revelação, p. 39.

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Afinal, que livro é a bíblia sagrada?
O ANTIGO TESTAMENTO

• Deus falava aos profetas por meio de discurso direto, e os profetas, por sua vez, transmitiam a mensagem divina ao
restante do povo de forma indireta. Essa forma de comunicação indireta fica clara, por exemplo, no comissionamento
do profeta Jeremias:

“Mas o Senhor me disse: Não digas: Eu sou um menino; porque a todos a quem eu te enviar, irás; e tudo quanto te
mandar, falarás” (Jeremias 1:7, ARA).

• A forma mais característica de o profeta expressar a origem divina de seus oráculos passou a ser a declaração
(fórmula declaratória, ou chamada fórmula do mensageiro) “Assim diz Yahweh”

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Afinal, que livro é a bíblia sagrada?


O ANTIGO TESTAMENTO

• Para os judeus, apenas o Antigo Testamento é considerado Escritura Sagrada. A Bíblia Hebraica é dividida dentro
dessa tradição em três partes:
‣ a Instrução ou Tradição (‫תורה‬, tor h);
‣ os Profetas (‫נביאים‬, n e ı̂ʾim);

‣ e os Escritos (‫כתובים‬, k e im).

• Baseado nessa divisão tripartite, a Bíblia Hebraica também é chamada pelo acrônimo Tanakh (‫תנ׳׳ך‬, acróstico das
primeiras letras dos nomes das divisões do Antigo Testamento em hebraico).

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Afinal, que livro é a bíblia sagrada?


O ANTIGO TESTAMENTO

• Depois do retorno dos judeus do exílio babilônico já sob o domínio


do Império Medo-Persa, Filipe II da Macedônia e Alexandre, o
Grande, expandiram as fronteiras do Império Greco-Macedônico e
posteriormente derrotaram os persas, impondo seu domínio sobre
todo o Oriente Próximo. Nessa expansão, o aramaico deixou de ser
a língua franca, dando lugar ao grego. Foi dentro desse contexto
histórico que a Bíblia Hebraica foi pela primeira vez traduzida para
um vernáculo, ou seja, para o grego. Comumente chamamos essa
tradução de Septuaginta (LXX), uma denominação mais geral em
relação às várias traduções gregas surgidas em grandes
comunidades judaicas da diáspora como, por exemplo, em
Alexandria, nos séculos II e III a.C.
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Afinal, que livro é a bíblia sagrada?
O ANTIGO TESTAMENTO

• Colocando em perspectiva a época de Jesus, encontramos a


seguinte situação: os judeus, na sua maioria, não falavam mais o
hebraico como sua língua corrente. Agora, a língua falada era o
grego no seu dialeto comum (κοινή, koinē), embora dentro dos
círculos da elite religiosa o hebraico ainda fosse utilizado para fins
litúrgicos e literários.

• Com o passar do tempo, desde a tradução da LXX, a escritura


oficial dos judeus passou a ser, em muitos lugares, a Bíblia
Hebraica em sua versão grega. É a essa tradução, ou tradição de
tradução, que Jesus e os apóstolos recorrem na maioria das vezes
para citar textos veterotestamentários.
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A igreja cristã nasceu com uma Bíblia em


seu berço — a saber, a Septuaginta
grega.
— ZILONKA, Paul P. e GORMAN, Michael J. “The Bible: A Book, a Library, a Story, an Invitation”, pp. 10.

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Afinal, que livro é a bíblia sagrada?
O Novo testamento

• O Novo Testamento, à semelhança do Antigo, começa com uma intensa rede de comunicação de mensagens divinas:
anjos são enviados como portadores de desígnios específicos de Deus para anunciar o nascimento de Jesus.

• O elemento novo do Novo Testamento é a própria Palavra do Deus encarnado (Jesus Cristo), que veio ao mundo — de
forma direta e pessoal (cf. João 1:14) — para anunciar tête-à-tête à própria humanidade a mensagem definitiva para
a salvação do ser humano.

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Afinal, que livro é a bíblia sagrada?


O Novo testamento

• Os discursos de Jesus não são a única forma do divino comunicar no Novo Testamento. Depois de morrer, ressuscitar
e ascender aos céus, Jesus enviou ao mundo os seus agentes previamente comissionados (os apóstolos) para levar
adiante sua mensagem. Nesse sentido, os apóstolos estão para o Novo Testamento como os profetas estão para o
Antigo. Em termos de estrutura geral, o Novo Testamento pode ser dividido em três partes:

1. Evangelium, ou seja, o quaternário dos Evangelhos (Mateus, Marcos, Lucas e João);

2. Paulinium, composto pelas treze cartas atribuídas ao apóstolo Paulo (Romanos, 1 e 2 Coríntios, Gálatas, Efésios,
Filipenses, Colossenses, 1 e 2 Tessalonicenses, 1 e 2 Timóteo, Tito, Filemom);

3. e, por fim, o Apostolos (Atos dos Apóstolos, as Cartas Gerais com a adição de Hebreus e o Apocalipse de João).

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Eis que dias vêm, diz o SENHOR, em que farei uma aliança
nova com a casa de Israel e com a casa de Judá. Não
conforme a aliança que fiz com seus pais, no dia em
que os tomei pela mão, para os tirar da terra do Egito;
porque eles invalidaram a minha aliança apesar de eu
os haver desposado, diz o SENHOR.

— Jeremias 31:31,32, ACF

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Afinal, que livro é a bíblia sagrada?
O Novo testamento

• Além do uso veterotestamentário do conceito de nova aliança, essa ideia já era conhecida e foi registrada nos escritos
de Cumrã (cf. CD 6.19; 8.21; 19.33-34; 20.12) como interpretação e variação da profecia de Jeremias supracitada.
Além disso, a literatura apócrifa do Antigo Testamento também se refere à Bíblia Hebraica no geral como “aliança de
nossos pais” (1Macabeus 2:50, cf. 1Macabeus 7:17).

• Posteriormente, os cristãos associaram a nova aliança que Yahweh prometeu a Jeremias com a própria pessoa e obra
de Jesus Cristo, dentro do entendimento de que a Bíblia Hebraica fora toda cumprida nele.

• Por fim, as próprias palavras de Jesus (repetidas também por Paulo em 1Coríntios 11:25) em sua refeição derradeira,
relacionam seu ministério com o oráculo de Jeremias: “Da mesma forma, depois da ceia, tomou o cálice, dizendo:
‘Este cálice é a nova aliança no meu sangue, derramado em favor de vocês’” (Lucas 22:20).

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Afinal, que livro é a bíblia sagrada?


O Novo testamento

• Hebreus, uma defesa cabal da superioridade de Cristo sobre a “antiga aliança”, também se refere à “nova aliança”
nesses termos:

“E, por isso, é Mediador de um novo testamento, para que, intervindo a morte para remissão das transgressões que
havia debaixo do primeiro testamento, os chamados recebam a promessa da herança eterna” (Hebreus 9:15, ARC).

“De tanto melhor aliança Jesus foi feito fiador” (Hebreus 7:22, ACF); “Mas agora alcançou ele ministério tanto mais
excelente, quanto é mediador de uma melhor aliança que está confirmada em melhores promessas” (Hebreus 8:6,
ACF).

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Afinal, que livro é a bíblia sagrada?


O Novo testamento

• De onde vem a denominação "Novo Testamento"?


‣ Pelos registros que temos da tradição antiga da Igreja,
é provável que o primeiro a usar a denominação “antiga
aliança” foi Melito de Sardes (?-180), por volta de 170.
De acordo com o testemunho de Eusébio de Cesareia,
Melito de Sardes (? — 180) teve contato e aprendeu na
Palestina o número e a ordem dos livros da Antiga
Aliança, mas não chamou a Bíblia Hebraica como tal.

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Afinal, que livro é a bíblia sagrada?


O Novo testamento

• De onde vem a denominação "Novo Testamento"?


‣ Irineu de Lião (130 — 202) também fez uso frequente
das expressões “antiga aliança” e “nova aliança”, sem
ter nomeado oficialmente a Bíblia Hebraica e seu
completo cristão dessa forma.

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Afinal, que livro é a bíblia sagrada?


O Novo testamento

• De onde vem a denominação "Novo Testamento"?


‣ É provável que o primeiro a usar a palavra testamento
para se referir ao Antigo e ao Novo Testamento tenha
sido Tertuliano (160-220) já no começo do século II da
Era Cristã: “Se eu não esclarecer esse ponto com
perguntas feitas pelas antigas escrituras ("scripturae
veteris"), retirarei do novo testamento ("novum
testamentum") a confirmação de nossa interpretação”.

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Afinal, que livro é a bíblia sagrada?


O Novo testamento

• De onde vem a denominação "Novo Testamento"?


‣ Orígenes de Alexandria (184 — 253) deixou registrado
em grego mais um testemunho da dupla divisão
testamental da Bíblia cristã: “As divinas escrituras do
assim chamado Antigo Testamento e do chamado
Novo”. Ele acrescenta também em seu Comentário de
João o seguinte: “A harmonia dos ensinamentos que
são comuns a ambos os assim chamados Antigo e Novo
Testamento”.

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Afinal, que livro é a bíblia sagrada?


divisão artificial da bíblia

• A divisão moderna do texto bíblico em capítulos remonta à Idade Média


com Stephen Langton (1150 — 1228), arcebispo da Cantuária, que
empreendeu as primeiras divisões sobre a Vulgata Latina. Posteriormente,
o método de Langton foi aprimorado pelo Cardeal Hugo de Saint-Cher
(1220 — 1263). A partir desse processo, a divisão em capítulos foi sendo
gradualmente assimilada e adotada, permanecendo nas Bíblias traduzidas
já no contexto da Reforma Protestante do século XVI.

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Afinal, que livro é a bíblia sagrada?
divisão artificial da bíblia

• A divisão dos capítulos em versos ou versículos, partiu das


mãos de um rabino judeu chamado Isaac Nathan ben
Kalonymus (1450 — ?), cerca de duzentos anos depois de
Langton. Em 1440, ele dividiu e numerou os versículos da
Bíblia Hebraica para a elaboração de uma concordância.

• Entretanto, o sistema que adotamos hoje foi desenvolvido


em meados do século XVI por Robert Stephanus Estienne
(1503 — 1559) que dividiu o texto da Vulgata (incluindo os
apócrifos) em versículos em 1555.
Robert Stephanus Estienne

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Afinal, que livro é a bíblia sagrada?


A bíblia é a palavra de deus

• A Bíblia é a Palavra de Deus escrita de forma acessível para que todo o povo de Deus possa obedecer fielmente à sua
vontade. É o livro em que toda a revelação que Deus fez sobre si, revelação essa suficiente para a salvação do seu
povo, foi registrada.

• A Bíblia não é um livro de mistérios insondáveis à mente humana, mas um livro cuja mensagem é inteligível. Sem
dúvidas, temos muitos pontos que não são de fácil entendimento.

• Também é verdade que temos problemáticas dentro do texto bíblico sobre as quais nós provavelmente nunca teremos
respostas conclusivas e finais, mesmo aplicando a máxima hermenêutica "scripture interprets scripture".

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Afinal, que livro é a bíblia sagrada?


A bíblia é a palavra de deus

• A Bíblia é uma diversidade de escritos pertencentes aos mais variados gêneros literários, que apresentam, tal qual
um teatro, uma única e coerente história.

• Conforme Bartholomew e Goheen, “A Bíblia certamente é uma única história que se desenrola”. Mas a história de
quem? Uma história que envolve quais personagens? Uma história que acontece em que ambiente? Em que tempo?

• Essas são as perguntas básicas que tentaremos responder ao longo deste curso.

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A Bíblia é a palavra de Deus em linguagem


humana.

— BAVINCK, Herman. Reformed Dogmatics, vl. 1, p. 389.

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