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A NOVA FRONTEIRA

PARA O FUTURO DA
CONSTRUÇÃO ESPAÇO RESERVADO
PARA IMAGEM
Paulo Oliveira
Índice

I. Introdução 03

A cadeia de valor da incorporação 12


II. imobiliária e o grande hiato

III. Breve histórico do desenvolvimento 16


das ferramentas de projeto digital

IV. Uma reflexão sobre o “Vale da Morte” 19

V. Conclusão: A nova fronteira 21


INTRODUÇÃO
Na indústria da construção, os problemas de produtividade, qualidade,
desperdício de materiais e falta de previsibilidade têm sido
sistematicamente debatidos. Trata-se de uma questão estrutural da maior
relevância, já que no contexto da indústria, o setor de construção tem sido
fortemente criticado por figurar entre os que possuem índices de
produtividade mais baixos. Para um setor de tamanha importância
econômica e social, a preocupação das maiores empresas globais de
ESPAÇO RESERVADO
consultoria procede. De acordo com a relatório do congresso
PARA IMAGEM
Construbusiness 2021 (FIESP), no Brasil perdemos em média, anualmente,
4,4% de produtividade no período entre 2014 e 2019. Em seguida, entre
2019 e 2021, a queda média da produtividade foi de 6,1% ao ano. A perda
de atratividade do setor para captar mão de obra direta é também um
problema sério e agrava esta situação. Uma confirmação deste fato é que
a idade média dos trabalhadores nos canteiros tem aumentado
significativamente, mostrando que a população mais jovem tem optado
pelo trabalho em outros setores econômicos. Diante deste contexto, a
projeção do déficit habitacional brasileiro para 2030 é assustadora ou
seja 30,7 milhões de unidades, praticamente o quádruplo do déficit
registrado em 2019.
Figura 1
Já é ponto pacífico que a solução para estes problemas
passa, necessariamente, pela industrialização da
construção. Sabemos que a industrialização não acontece
de forma espontânea. A pressão para a redução de custos,
melhoria da qualidade e aumento da produtividade gera,
num primeiro momento, a racionalização de processos
construtivos. Depois disto são introduzidos elementos
produzidos pela construção off-site e, no último estágio,
evolui-se para a construção modular, através de módulos
volumétricos (3D) e painéis (2D).

A pauta da industrialização tem sido colocada como


estratégica pelas principais lideranças e entidades setoriais ESPAÇO RESERVADO
brasileiras do setor de Arquitetura, Engenharia e Construção PARA IMAGEM
(AEC). Europa, América do Norte, Austrália, Japão e China,
adotaram a construção off-site e modular há décadas, que
dobrou de tamanho nos últimos 5 anos e tem crescido a
uma taxa superior ao dobro do crescimento da construção
tradicional. Estes países têm plena consciência da
importância de deslocar o máximo possível das atividades
de construção do canteiro de obras para a indústria, o que
gera benefícios substanciais, ou seja: ganhos de qualidade,
desempenho, sustentabilidade e produtividade. Mais do que
isso, não há como atender o crescimento da demanda nos
grandes centros urbanos por infraestrutura social,
habitacional, educacional, para transportes, saúde e
educação, sem a industrialização da construção.

Figura 2
Em artigos e e-books publicados pelo autor, estes temas têm sido
explorados e aprofundados, destacando-se a relevância da construção
modular e off-site na pavimentação do caminho para a industrialização da
construção. Nestas publicações, enfatiza-se a necessidade do
embasamento nos seguintes processos:

• Pré-construção, como a metodologia mais ágil e econômica para se


chegar a qualquer produto de engenharia pretendido;
• Fast construction, que é a rota mais rápida e direta para compactar e
acelerar o processo construtivo;
ESPAÇO RESERVADO • BIM (Building Information Modeling), através do projeto colaborativo e
PARA IMAGEM integrado, somando-se as competências dos diversos agentes da cadeia
de valor envolvidos.

Nestas atividades, a gestão da Pré-construção, para ser eficaz, deve


atender as diretrizes do PMBOK , ou seja, as melhores práticas de gestão
®

de projeto do Project Management Institute (PMI). Metodologias como o


Lean Construction, Engenharia Simultânea, Engenharia e Análise do Valor
(EAV) e Target Costing ou Custeio Meta, também são utilizadas e muito
bem-vindas nesta etapa, adicionando valor através da racionalização e
eficácia do projeto. Benefícios relevantes são: redução custos e garantia
da construtibilidade – fluxo ágil e contínuo na etapa subsequente, ou seja,
de Construção ou de Produção (fabricação e montagem, no caso da
construção modular e off-site).

Figura 3
Com a Indústria 4.0, o avanço da digitalização no setor de
construção teve início com a introdução do Building Information
Modeling (BIM), que num primeiro momento teve seu uso
limitado à etapa de Pré-construção. Os processos de pré-
construção ganharam maior agilidade e consistência através
de computação em nuvem, de softwares e aplicativos mobile,
além do uso da Internet das Coisas (IoT), da automação, da
inteligência artificial (IA), de big data, de realidade virtual e
realidade aumentada. A visualização dos fluxos de trabalho e a
comunicação da equipe de projeto com os stakeholders, com o
cliente e seus representantes se tornam mais ágeis, assim
como a organização e a automatização de tarefas.
A Pré-construção gera como outputs: planejamento de alto
nível, plano de ataque e orçamento executivos, além de um
projeto de fabricação em BIM, que atualmente, na construção
modular, pode avançar ao menos até a 5ª dimensão (BIM 5D),
automatizando boa parte do orçamento através da geração
automática de quantidades de insumos e seus custos dos
insumos, a partir da inserção das informações no IFC (Industry
Foundation Classes). O IFC é um formato de arquivo que
contém dados, que permite o intercâmbio de todas as
informações de um modelo, sem perda ou distorção de dados,
garantindo a interoperabilidade do BIM.
Figura 4 – Modelo BIM
Neste ponto, para avançarmos, vale relembrar as dimensões do BIM:
• 3D: Modelagem (construção virtual);
• 4D: Planejamento (análise do tempo);
• 5D: Orçamentação (análise dos custos);
• 6D: Sustentabilidade (social, econômica e ambiental);
• 7D: Gestão e Manutenção (gerenciamento dos ativos).
A logística e suprimentos de alto nível também se beneficiaram da integração
digital das cadeias de valor no setor, através da adoção de processos já
utilizados nos setores mais modernos da indústria. Isto é necessário para que
a fabricação e a montagem aconteçam a partir da sincronização da cadeia de
valor, num modelo just in time, de forma a evitar custos de estoques
desnecessários e a garantir uma operação ágil e precisa, de ponta a ponta,
passando pelo recebimento de insumos, pelo transporte de componentes
industrializados e de módulos, até a montagem de dos mesmos no local da
obra.
Há ainda muito a ser feito na etapa de Pré-construção para facilitar o trabalho
e aumentar a produtividade, ampliando o uso da realidade virtual e
aumentada, do projeto generativo e de gêmeos digitais ou digital twins. Os
gêmeos digitais são representações de réplicas virtuais de objetos, processos
e sistemas reais. O projeto generativo explora o machine learning e combina o
projeto paramétrico à inteligência artificial. Os projetistas informam
parâmetros requeridos para o projeto, no software de projeto generativo. A
partir daí, o software gera, rapidamente, uma infinidade de opções, com todas
as combinações possíveis de solução. A partir deste ponto, os projetistas
avaliam os resultados e optam pela melhor alternativa, para atender as
Figura 5 necessidades do projeto.
A qualidade dos projetos atualmente desenvolvidos é
muito superior à de 20 anos atrás. As ferramentas de
projeto digital utilizadas pelo setor AEC permitem a
geração de resultados equivalentes ao das empregadas
nos setores mais modernos da indústria.

Olhando agora para a etapa de Produção, com enfoque


nas metodologias tradicionais de construção, existem
boas metodologias e ferramentas digitais disponíveis
para a gestão e controle desta etapa. Mesmo que a Pré-
construção tenha sido bem desempenhada, esta etapa
representa os maiores riscos e incertezas em qualquer
projeto ou empreendimento, em decorrência de:

• Elevada fragmentação dos agentes da cadeia de valor


envolvidos na Produção de uma obra e do enorme
empenho na integração e gestão dos mesmos;
• Problemas climáticos e;
• Gestão de um grande contingente humano e da
segurança, no canteiro de obra.

Aparentemente, a simples missão de “cumprir o


planejado” é, na realidade, um enorme esforço de
energia para qualquer equipe de Produção competente
e bem gerenciada.

Figura 6
No caso da construção modular e off-site, já num nível mais avançado de
produção industrializada, em que boa parte da “construção” é transferida
para uma fábrica, há empresas especializadas em softwares para a
fabricação, geralmente derivados de outros setores industriais, como a
indústria automotiva. Não há inconveniente nisso. Afinal, a indústria da
construção usa fortemente o setor de fabricação de veículos como
benchmark.

Com uma motivação diferente, a RIB SAA, empresa com sede em Viena,
na Áustria, é um bom exemplo de desenvolvimento de softwares de
gestão e controle da Produção, desenvolvidos exclusivamente para a
construção industrializada. Esta empresa possui mais de 20 anos de
experiência na pré-fabricação de elementos de concreto armado e
protendido e, portanto, conhece bem a construção industrializada de
concreto. A partir de sua experiência e conhecimento técnico na
fabricação, desenvolveu softwares, com o objetivo de fazer a gestão e
controle do fluxo de trabalho de Produção, de forma integrada,
digitalizada e automatizada. Os softwares da RIB SAA abrangem desde o
planejamento de vendas, gestão da aquisição de insumos e da produção,
até a logística de montagem. Com uma interface de usuário intuitiva, o
sistema permite o gerenciamento do fluxo de trabalho com facilidade e
precisão. Isto independe se os processos de produção estão mais ou
menos automatizados ou robotizados ou do layout da fábrica. A
plataforma está preparada para “agregar módulos e funcionalidades”,
conforme o estágio de evolução do sistema de fabricação.
Figura 7 – Construção Modular
No que tange aos equipamentos para a fabricação e montagem de painéis e de
módulos, houve grandes avanços, atendendo todos os tipos de chassi estrutural:
wood frame, light steel frame, estrutura metálica, madeira engenheirada e
concreto pré-fabricado. Fábricas modernas, que atendem grande escala de
produção são fortemente automatizadas e robotizadas. Exploram IoT, machine
learning, bem como sensores e computação em nuvem, para alcançar alta
produtividade, evitando falhas, aumentando os padrões de qualidade do produto
e a confiabilidade da produção.
Para o setor de construção, priorizar a digitalização na etapa Pré-construção foi
determinante para a obtenção de ganhos substanciais de qualidade nos
projetos, culminando em um fluxo de construção mais ágil e em produtos de
melhor qualidade. Na construção modular e off-site, em especial, estes
benefícios são ainda mais amplos e evidentes. A qualidade no detalhamento dos
projetos de fabricação de produtos da construção civil em modelos BIM, é
equivalente a dos projetos de engenharia mecânica produzidos por setores mais
modernos da indústria, em outras plataformas digitais de projeto.
Como se pode constatar, a inovação e a digitalização permitiram avanços
significativos nas etapas de Pré-construção e de Produção para as
metodologias de construção tradicional e, sobretudo para a construção
industrializada.
Particularmente no caso da construção modular e off-site, se fôssemos aplicar a
Teoria das Restrições de Goldratt (TOC – Theory of Constrains):
• Que restrição nos impede de obtermos ainda mais precisão, qualidade e
produtividade, no estágio global atual da industrialização da construção?
• O que ainda nos afasta de atuarmos, na fabricação e montagem, no mesmo
estágio de produtividade e eficácia dos setores mais modernos da indústria?
Figura 8
Vale aqui destacar que por maior que seja o
nosso empenho, jamais seremos uma
indústria 100% off-site, como a automotiva.
Sempre teremos serviços realizados no
canteiro de obra (on-site) que poderão, no
limite, representar cerca de 15% do total.

Obviamente estas atividades sempre serão


motivo de um cuidado maior de planejamento,
gestão e controle. Mas a “nova fronteira” se
localiza justamente no hiato entre as etapas
de Pré-construção e de Produção. Não existe
um sistema único e competente de
planejamento, controle e gestão do fluxo
contínuo, que engloba todas as atividades e
processos, desde a concepção de um produto
ou empreendimento, até a etapa de operação
e manutenção. Há um “Vale da Morte”, entre a
Pré-construção e a Produção como veremos
adiante. Esta é a nova fronteira que
precisamos desbravar!

Figura 9
2. A CADEIA DE VALOR DA INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA E O GRANDE HIATO

Na figura 10, Gomes (2019) apresenta o ciclo de empreendimento imobiliário inserido na cadeia de valor de Porter. As atividades e
os tempos estimados de cada uma, foram agrupados por este autor, nas etapas de Pré-construção, Construção e Pós-construção.

Figura 10 - Cadeia de valor da Incorporação Imobiliária

Fonte: GOMES (2019)

A figura anterior, que contempla o ciclo da cadeia de valor da Incorporação Imobiliária com metodologias tradicionais de
construção, poderia ser completada, inserindo-se a etapa de Operação & Manutenção, para que tenhamos todo o ciclo de vida do
empreendimento representado. Isso é particularmente importante se considerarmos que cerca de 85% do custo com uma
edificação, ao longo do seu ciclo de vida, se dá exatamente durante a sua operação e manutenção.
Porém, a preocupação atual do autor, reside nas etapas das áreas
coloridas e, mais particularmente, na interface entre as áreas vinho e
verde. Numa análise do fluxo entre as etapas Construção e Pós-
construção há continuidade. Isto se justifica uma vez que a
responsabilidade pela gestão de ambas é da construtora.
Independentemente de ser uma empresa verticalizada, ou de utilizar
empreiteiros integrados por ela para realizar a construção.
Por outro lado, a Pré-construção é uma atribuição da incorporadora, ainda
que as atividades englobadas nesta etapa sejam terceirizadas. Enquanto
a Construção compreende a gestão e controle de atividades executivas
físicas, na etapa de Pré-construção são realizadas atividades
administrativas, burocráticas, de marketing e vendas e, sobretudo, um
grande esforço intelectual de desenvolvimento de soluções de engenharia
e de detalhamento das várias etapas do projeto, planejamento, plano de
ataque e orçamento.
No ambiente de incorporação imobiliária, as áreas de negócio geralmente
têm peso relevante na operação. Muitas vezes as áreas técnicas
responsáveis por engenharia e projeto ficam muito pressionadas pela
operação e não lhes é concedido tempo suficiente para o
desenvolvimento adequado do projeto. Isso é um grande equívoco, com
sérias consequências para a etapa de Construção, pela falta de
detalhamento e planejamento, além de erros de orçamento, que geram
um fluxo descontínuo de produção, problemas de qualidade e de
retrabalho, com impacto direto no aumento de custos e redução da
margem de lucro do empreendimento.

Figura 11
Além disso, o grande hiato ou descontinuidade do fluxo de
trabalho entre as etapas de Pré-construção e de Construção, é
hoje, na visão do autor, uma das principais razões do sacrifício
da margem ou até mesmo do prejuízo registrado em
empreendimentos imobiliários. Aí reside o “vale da morte”. As
boas práticas de gestão de projeto sugerem que a equipe de
Produção participe da Pré-construção. Sem dúvida isso é
importante e diminui o impacto da descontinuidade.

Conforme destacamos, a Figura 10 cobre os processos de


incorporação imobiliária aplicados à construção tradicional.
Para a construção industrializada mais adequado, na
atualização desta figura, mudarmos o nome da etapa de
Construção para Produção, inserindo também mais uma etapa
de projeto, o Projeto de Fabricação. Na construção
industrializada a atividade de logística e suprimento de alto
nível, permeia e conecta todas as etapas, desde o
planejamento e gestão do suprimento de insumos e
componentes industrializados, até a fabricação, transporte,
içamento e montagem do módulos e dos componentes
produzidos pela construção off-site.

Seja na construção industrializada ou na tradicional, o hiato


entre a Pré-construção e a Produção, ou o “Vale da Morte”,
pode destruir a geração de valor de um projeto ou
empreendimento.
Figura12
Entre as etapas de Pós-construção e de Operação &
Figura 13 - Ciclo de vida de um produto ou empreendimento imobiliário Manutenção, também pode haver uma quebra no
fluxo de trabalho (segundo ponto de ruptura), uma
vez que a responsabilidade por esta etapa é do
proprietário do ativo imobiliário. Isso não acontece
quando o empreendimento tem, desde a sua
concepção, o futuro responsável pela operação
como o próprio proprietário do empreendimento.
Projetos bem desenvolvidos em modelo BIM já
devem conter no IFC os dados e informações
relevantes dos sistemas prediais e componentes do
ativo imobiliário, para a gestão e controle da
Operação & Manutenção explorando a Dimensão 7D
do BIM, facilitando e simplificando as atividades e
serviços desempenhados nesta etapa, tais como
execução de reparos, substituição de lâmpadas e de
componentes, etc.

Como resolver então a descontinuidade e o grande


hiato entre as etapas de Pré-construção e de
Construção, ou de Produção (fabricação e
Fonte: AUTOR
montagem)?
3. BREVE HISTÓRICO DO DESENVOLVIMENTO
DAS FERRAMENTAS DE PROJETO DIGITAL

Na engenharia mecânica, os projetos digitais avançaram muito antes do


que no setor de construção. O engenheiro francês Pierre Bézier, da
Renault, desenvolveu o UNISURF, em 1968, para o desenho de peças
automotivas. O UNISURF é considerado o precursor do CAD (Computer
Aided Design). No final da década de 1970 e início da década de 1980,
surgiram empresas especializadas no desenvolvimento de softwares com
base no CAD, como a Dassault Systèmes e a Autodesk. Com isso, o CAD
passou a ser mais utilizado e difundido.
A Autodesk foi fundada em 1982 e, um ano depois, lançou o AutoCAD, o
primeiro programa CAD significativo para PCs, utilizado, sobretudo, para o
detalhamento de desenhos técnicos. O CAD deu nova dinâmica ao
mercado, com recursos que facilitaram o detalhamento, a revisão, a
análise e a coordenação de projetos. A Dassault Systèmes, criada em
1981, passou a liderar iniciativas de projeto digital sobretudo nas
indústrias automotivas e aeroespaciais, com a visão de transformar e
expandir o status quo, em um design de produto virtual e integrado, já em
plataformas 3D.
No setor de construção, a complexidade dos projetos passou a exigir um
nível elevado de precisão, confiabilidade na comunicação e na
transferência e compartilhamento de dados que as ferramentas da
plataforma CAD já não podiam oferecer. Na década de 1970, o primeiro
conceito bastante similar ao BIM, Building Product Model (BPM) ou
Modelo de Produto de Construção, foi atribuído ao professor Charles M.
Figura 14 Eastman.
Em 1974, o professor Eastman e uma equipe do Instituto de
Tecnologia da Georgia, apresentaram o conceito Building
Description System (BDS), ou Sistema de Descrição da
Construção. Segundo Eastman et al. (1974): - “o sistema BDS foi
iniciado para mostrar que uma descrição baseada em
computador de um edifício poderia replicar ou melhorar todos os
pontos fortes de desenhos como um meio para a elaboração de
projeto, construção e operação, bem como eliminar a maioria de
suas fraquezas.”. Este conceito foi essencial para a mudança dos
projetos e documentos em papel, para os projetos digitais,
utilizando softwares para agilizar e facilitar o trabalho de projeto e
a produção de desenhos técnicos, os chamados CAD (Computer
Aided Design).
Em 1992, seguindo as diretrizes de Eastman, G. A. van Nederveen
e F. P. Tolman publicaram um artigo sobre a modelagem de
informações da construção, útil para estruturar um modelo único
de construção, consolidando a visão dos diferentes participantes
da elaboração de um projeto. Trata-se da primeira utilização do
termo Modelling Building Information, que evoluiu para o Building
Information Modeling (BIM). Foi uma mudança de paradigma,
explorando um sistema computacional para o gerenciamento,
controle e integração dos processos, tecnologias e documentos
utilizados nos projetos de construção.
Figura 15 – Modelo BIM
Na década seguinte, surge a modelagem 3D no setor de Arquitetura,
Engenharia e Construção, através do BIM, permitindo a inserção, em um
ambiente virtual, de todas as ferramentas utilizadas até então em papel, com
maior eficácia na comunicação e colaboração entre a equipe de projeto e
todos os stakeholders. Em 2002, a Autodesk adquiriu o Revit, software de
modelagem paramétrica criado em 1997 pela Charles River Software, que
possibilitava projetar não somente os elementos de arquitetura, como
também todos os objetos das demais especialidades de projeto.

Em 2001, para complementar os pacotes de projeto 3D do Revit, a Autodesk


lançou o Navisworks, que permite a combinação de modelos 3D, a gestão e
compatibilização de projetos (incluindo a verificação de interferências) e a
geração de imagens e de animações 3D
Em 2003, a Autodesk e a Bentley tiveram papel essencial na adoção e difusão
do BIM, em uma conferência de construção civil em Seattle, nos EUA, quando
a nova tecnologia foi apresentada à General Services Administration (GSA), o
órgão máximo de gestão de edificações públicas nos EUA. Após este evento,
evidenciou-se a necessidade de uma modelagem em 3D parametrizada,
integrada com o cronograma e as análises de compatibilidade, modelagem,
dimensionamento, instalações, bem como análises termoacústicas e
energéticas das edificações. Isso inspirou a implantação de um plano para a
adoção do BIM, no setor público de construção americano. O BIM passou a
ser adotado em larga escala pelas empresas de projeto, construção e pelos
fornecedores de materiais de construção e, a partir daí, foi difundido para
vários outros países.
Figura 16
4. UMA REFLEXÃO SOBRE O “VALE DA MORTE”

Retomando a preocupação com a descontinuidade entre as etapas de Pré-construção e de Construção (metodologias


tradicionais), ou de Produção (construção industrializada):
• Uma vez definido o problema, como resolvê-lo?
• Ganhamos muita qualidade na etapa de Pré-construção e no detalhamento dos projetos, mas como transferir essa qualidade
para a etapa seguinte (Construção ou Produção)?
Nossa preocupação em racionalizar processos e reduzir os custos envolvidos na Pré-construção e na Construção ou Produção, é
notável. Temos feito isso no setor:
• A partir da implementação de melhoria contínua nos processos e mediante o uso de ferramentas competentes (softwares e
aplicativos mobile);
• Utilizando a inteligência e competência de gestores experientes;
• De forma estanque nestas, ou seja: com foco específico e restrito na Pré-construção ou na Construção ou Produção.
Estas ações surtem efeito e colaboram para aprimorarmos e gerarmos resultados melhores na Pré-Construção e na Construção
ou Produção. Por outro lado, não exploramos a visão sistêmica para pensarmos e resolvermos o todo. Precisamos somar as
competências e a experiência de profissionais que compreendem muito bem o contexto e todo o ciclo dos projetos e
empreendimentos da cadeia de valor da construção, mas que também tenham preocupação, clareza e bons insights sobre o
futuro da construção, para resolvermos, de forma colaborativa, esta ruptura.
A proposta é de realização de um trabalho massivo de planejamento estratégico. Uma única plataforma digital de gestão ao
longo de todo o ciclo de vida do empreendimento, conectando as etapas parece ser uma resposta óbvia. A melhor imagem desta
plataforma é a de um sistema de ERP (Enterprise Resource Planning, ou Planejamento dos Recursos da Empresa), mas
desenvolvido especificamente para o setor de construção. Este sistema computacional não seria somente um grande
barramento econômico-financeiro, como os grandes ERP’s de mercado. Necessitamos de um sistema integrado de gestão de “A
a Z”, que permeie as interfaces das etapas do ciclo de vida do projeto e do empreendimento, permitindo a gestão, controle e
integração de todo o ciclo de vida dos projetos e dos empreendimentos, num pipeline contínuo.
Os processos BIM certamente serão essenciais para alimentar este
sistema. Um modelo corretamente desenvolvido carregará boa parte das
informações importantes que serão utilizadas, mas não são em si a
solução integrada de software de que precisamos para a gestão e
controle integrado de todo o ciclo do empreendimento imobiliário,
garantindo continuidade, sobretudo nas interfaces entre as etapas.

Outras novidades estão a caminho, como a proposta da expansão das


dimensões do BIM para 8D (Segurança no Canteiro de Obras), 9D (Lean) e
10D (Industrialização da Construção). Isto trará múltiplos benefícios e
converge com as necessidades do setor, que busca excelência e
aproximação com os níveis de produtividade da indústria.

Precisamos, com urgência, de uma força-tarefa mobilizando


representantes de toda a cadeia de valor e os fabricantes de softwares,
para um aprofundamento nesta questão e preparação de um
planejamento estratégico setorial que dará as diretrizes para o
desenvolvimento desta nova plataforma robusta, capturando, certamente,
atributos e funcionalidades de aplicativos e softwares já existentes, mas
indo muito além.

Figura 17
5. CONCLUSÃO: A NOVA FRONTEIRA

Em meio a essa discussão, outras preocupações como a questão


da “produtização”:

• Como podemos ter, com maior clareza, as características e


atributos dos produtos que queremos fabricar e projetá-los para
que sejam produzidos em larga escala, com custos
competitivos?

Esta visão não somente confronta, como extrapola a ideia de que


o produto é uma simples consequência de um projeto. A
produtização gera mais valor e dá novas perspectivas para a
ampla integração e exploração das competências somadas dos
players estratégicos da cadeia de valor, buscando a
escalabilidade de forma conjunta e compartilhando os
resultados. Gêmeos virtuais, projeto generativo, metaverso,
realidade virtual e aumentada, sempre com o objetivo de oferecer
uma jornada do cliente cada vez mais rica em experiências
imersivas e sensoriais, ocuparão um espaço importante neste
caminho para o futuro da construção, em direção à Indústria 4.0.

Figura 18
O planejamento estratégico setorial proposto deverá priorizar a
transposição da nova fronteira, que reside justamente na
concepção, a partir do desenho de processos destacado, de um
sistema digital e integrado, para a gestão e controle da cadeia de
valor do setor de construção, ao longo de todo o ciclo de vida dos
projetos e empreendimentos. Este sistema não poderá admitir, de
forma alguma, rupturas, sobretudo nas interfaces entre as etapas.
Deverá ter como premissa um fluxo contínuo e integrado de
atividades, passando pela Pré-construção, Construção ou
Produção, Pós-construção e Operação & Manutenção. Não basta
transformarmos a construção numa indústria. A industrialização
é muito importante, mas devemos nos lembrar que sempre
teremos atividades on-site. Por mais que consigamos minimizar
estas atividades, teremos a necessidade de um planejamento
mais robusto para as mesmas. O mundo exige respostas firmes
da construção não somente para atender o crescimento da
demanda, mas em todas as perspectivas, inclusive em direção às
melhores práticas de ESG e ao netzero. Se não conseguirmos
operar de forma integrada, com controle dos processos,
qualidade, desempenho e prazos e, mais do que isso, elevando a
produtividade setorial para outro patamar, falharemos. Portanto,
foco na missão!
Figura 19
Referências

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Incorporadoras Imobiliárias. São Paulo, dez. 2017. Disponível em:<https://www.abrainc.org.br/wp-content/uploads/2018/03/Cadeia-de-
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ABRAINC. O ciclo da incorporação imobiliária. Cartilha guia. Associação Brasileira das Incorporadoras Imobiliárias. 2018. Disponível
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GOMES, F. As causas do baixo investimento em tecnologias digitais e suas consequências para vantagem competitiva no setor de
incorporação imobiliária no Brasil. Dissertação de Mestrado. Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio
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RIB SAA. ITWO Smart Production. From design, to production, to construction site. The automation solution for prefabrication industry.
Disponível em:<https://www.rib-saa.com/en/>. Acesso em: 25fev. 2023.
SPBIM Arquitetura Digital. A história do BIM. Disponível em:<https://spbim.com.br/a-historia-do-bim/>. Acesso em: 25fev. 2023.
TD SYNNEX. Autodesk: história do software líder e mais utilizado pelos profissionais do setor. Disponível
em:<https://www.datech.pt/software/autodesk-historia-do-software-lider-e-mais-utilizado/>. Acesso em: 22 fev. 2023.
Paulo Oliveira
• Graduado pela Faculdade de Engenharia Civil de Itajubá – MG e pós-graduado em várias
disciplinas na área de Materiais de Construção pela Escola Politécnica da USP
• MBA Executivo Internacional, com especialização em Administração Estratégica pela FIA-USP
• Project Manager Professional (PMP), pelo Project Management Institute (PMI)
Cursa o programa de Mestrado em Inovação na Construção da Escola Politécnica da USP
(ConstruINOVA)
• 15 anos de experiência como diretor de unidades de negócios e de serviços de empresas de
engenharia, construção e incorporação: Método Engenharia, Brookfield Incorporações/TEGRA,
JHSF Incorporações S/A (onde também foi CEO) e Mutual Engenharia e Construções, tendo
sido CEO de Incorporações da JHSF e da Mutual
• 20 anos de experiência na direção de indústrias nacionais e multinacionais de produtos
químicos para a construção: Fosroc, Denver e Sika
• Especialização no Reino Unido e nos Estados Unidos em Patologia e Terapia do Concreto,
Grautes e Revestimentos de Alto Desempenho para Pisos (RAD)
• É professor do curso de Mestrado Profissional do IPT e de cursos de Recuperação, Reforço e
Proteção de Estruturas de Concreto
• Foi conselheiro da revista Téchne e coordenador editorial das revistas Pisos Industriais e
Impermeabiliza
• Mais de 50 trabalhos técnicos publicados no Brasil e no exterior
• Foi presidente da ABCI (Associação Brasileira da Construção Industrializada)
• Coordenou o Comitê CT-501 do IBRACON – Instituto Brasileiro do Concreto – que elaborou a
norma NBR 14.050 da ABNT, sobre Revestimentos de Alto Desempenho (RAD) para Pisos
Industriais
• Concebeu e coordenou o Planejamento Estratégico do setor de Pisos Industriais e
Revestimentos de Alto Desempenho para Pisos no Brasil, culminando com a criação da
ANAPRE – Associação Nacional de Pisos e Revestimentos

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