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https://jornal.usp.br/artigos/a-biblia-pode-ser-considerada-um-documento-historico/
São Luís
2022
UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO - UFMA
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS - CCH
CURSO DE LICENCIATURA PLENA EM LETRAS
São Luís
2022
Ficha gerada por meio do SIGAA/Biblioteca com dados fornecidos pelo(a) autor(a).
Diretoria Integrada de Bibliotecas/UFMA
Borralho, Lilyan.
A Base bíblica da Matrix : uma leitura à luz das
escrituras / Lilyan Borralho. - 2022.
37 p.
Orientador(a): Naiara Araújo.
Monografia (Graduação) - Curso de Letras - Inglês,
Universidade Federal do Maranhão, São Luís, 2022.
1. Bíblia. 2. Cinema. 3. Literatura. 4. Matrix. I.
Araújo, Naiara. II. Título.
LILYAN VELOSO BORRALHO
COMISSÃO EXAMINADORA
________________________________________________
Profª. Drª. Naiara Sales Araújo
Universidade Federal do Maranhão
________________________________________________
Profª Me.Talita Ruth Sousa
Universidade Estadual do Maranhão
________________________________________________
Profª Me. Gladson Fabiano De Andrade Sousa
Secretaria Estadual de Educação - SEDUC
(MATRIX, 1999)
RESUMO
O trabalho apresentado traz como tema: “A base bíblica do filme Matrix”. Matrix foi lançado
em 1999 pelos irmãos Wachowski e acabou provocando intensas reações nos cristãos do
mundo todo, pois é quase impossível assistir Matrix e não perceber uma forte analogia com o
cristianismo. O presente estudo tem por principal objetivo apresentar de forma clara e concisa
a bíblia como fonte de inspiração artística, destacando a sua relação com a literatura,
apresentando alguns gêneros literários presentes na bíblia sagrada e sua relação com o
cinema, pois muitos filmes carregam uma bagagem religiosa, tendo seus enredos baseados
em histórias ou personagens bíblicos. Para a abordagem temática, a pesquisa se deu no
enfoque qualitativo do tipo bibliográfica, exploratória e descritiva. Como suporte teórico foram
utilizados os apontamentos de Nogueira (2021), Keller (2001), Irwin (2003), Sommers (2007).
Através da análise do filme e das pesquisas realizadas, foi possível observar muitas
mensagens bíblicas sobretudo a de que devemos deixar para trás os conceitos que o mundo
tenta fazer com que assimilemos como verdade, além disso, a Inteligência artificial que é tão
pregada no filme, simboliza como nós seres humanos, quando nos permitimos ser
“transformados” em máquinas programadas, personifica nossa própria artificialidade e
superficialidade perante os fatos. A Matrix é uma espécie de prisão psicológica ao aceitarmos
tudo o que nos é imposto e não questionamos nada.
The paper presented brings as its theme: "The biblical basis of the movie Matrix". Matrix was
released in 1999 by the Wachowski brothers and ended up provoking intense reactions from
Christians all over the world, because it is almost impossible to watch Matrix and not notice a
strong analogy with Christianity. This study's main objective is to present in a clear and concise
way the bible as a source of artistic inspiration, highlighting its relationship with literature,
presenting some literary genres present in the holy bible and its relationship with cinema,
because many movies carry a religious baggage, having their plots based on biblical stories
or characters. For the thematic approach, the research was based on the qualitative approach
of the bibliographic, exploratory, and descriptive type. As theoretical support were used the
notes of Nogueira (2021), Keller (2001), Irwin (2003), Sommers (2007).
Through the analysis of the movie and the research done, it was possible to observe many
biblical messages, especially that we should leave behind the concepts that the world tries to
make us assimilate with truth and the artificial intelligence that is so preached in the movie,
symbolizes us human beings, when we allow ourselves to be transformed into programmed
machines, symbolizing our own artificiality, superficiality. The Matrix is a kind of psychological
prison, when we accept everything that is imposed on us and question nothing.
1 INTRODUÇÃO 12
5 CONCLUSÃO 35
REFERÊNCIAS 36
12
1 INTRODUÇÃO
A Bíblia é uma coleção de livros inspirados por Deus (2Tm 3,14-17), escritos
por homens e mulheres para registrar aquilo que Deus os revelou. Desta forma, é
importante destacar que o autor principal da bíblia é o próprio Deus, pois como diz em
Gálatas (1: 1-12): “Mas faço-vos saber, irmãos, que o evangelho que por mim foi
anunciado não é segundo os homens. Porque não o recebi, nem aprendi de homem
algum, mas pela revelação de Jesus Cristo”.
Segundo o crítico Janet Sommers, (2007 p, 78) considerar a bíblia como
literatura ganhou notoriedade nas últimas décadas. De um ponto de vista global, ela
apareceu com maior frequência a partir da década de 1970, dando nome a livros e
supostamente identificando um novo paradigma para a interpretação bíblica.
O autor, Leandro Thomaz de Almeida, voltou sua atenção para a leitura
religiosa da Bíblia e destacou exatamente o fato dessa leitura estar marcada por uma
postura ingênua do leitor que, diante do texto sagrado, não questiona suficientemente
o suposto caráter factual das narrativas. Ele vê a abordagem literária da Bíblia como
uma reação a essa forma religiosa de ler, como vemos na citação abaixo:
[...] a leitura da Bíblia por muito tempo desconsiderou a característica
literária de seus textos, o que fez com que fossem tomados, em sua maioria,
como descrições literais de fatos do mundo, sejam estes relacionados à
criação do universo, ao dilúvio, à ascensão do Cristo etc. Essa leitura –
praticada, por exemplo, pelo puritanismo inglês do século XVII – continua
viva hoje em dia, ao menos em círculos teológicos muito conservadores.
Atualmente, no entanto, cada vez mais se fortalece a compreensão de que
a leitura da Bíblia tem muito a ganhar se levar em consideração o caráter
literário dos textos que a compõem. Almeida, (2011, p. 13-14).
Há muitos livros que abordam a Bíblia como texto literário ou a relação existente
entre teologia bíblica e literatura como é o caso de: O código dos códigos, de Frye
(2004), A arte da narrativa bíblica, de Robert Alter (2007), Os escritores e as
Escrituras, de Karl-Joseph Kuschel (1999), Guia literário da Bíblia, organizado por
Alter e Frank Kermode (1997) e Literatura e espiritualidade, de José Carlos Barcellos
(2001).
O escritor Argentino Jorge Luis Borges, considerava haver três histórias
fundamentais no corpo da literatura: a história de Tróia, narrada na “Ilíada”; a história
de Ulisses, narrada na “Odisseia”; e a história de Jesus, narrada na Bíblia. Ele era um
defensor de peso da bíblia enquanto literatura.
Pode-se dizer que, por muitos séculos, essas três histórias—a história de
Tróia, a história de Ulisses, a história de Jesus—têm sido suficientes à
humanidade. As pessoas as têm contado e recontado muitas e muitas vezes;
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também temos a presença de produções religiosas tais como, Davi (1997) de Robert
Markowitz, A Arca de Noé (1999), de John Irvin, Jesus – a maior história de todos os
tempos (1999) de Roger Young entre outras.
É importante mencionar que o número de produções religiosas tem aumentado
consideravelmente com o decorrer dos anos e a aproximação entre a bíblia e o
cinema possibilita apreender dessa expressão artística, novas linguagens e
compreensões que possibilitem novas interpretações do religioso.
Compreende-se que essa aproximação entre cinema e as artes, em geral, e a
teologia não deve ser utilizada de modo instrumentalista para reforçar ideias religiosas
e teológicas, de modo apologético e sim como aprendizado para novas linguagens e
compreensões que possibilitem novas interpretações do religioso.
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Literatos como Oscar Wilde e filósofos como Karl Marx acreditavam que as
máquinas poderiam ser aliadas perfeitas para a emancipação da humanidade. Cem
anos depois desse pensamento, surgiu uma corrente literária com uma visão distópica
frente aos utopistas do passado: o cyberpunk. Mas o que é Cyberpunk? De que forma
esse gênero se caracteriza? De que forma a trilogia Matrix pode estar relacionada ao
cyberpunk?
Segundo Shiner apud Dyens, (2001, p. 105), o termo cyberpunk foi criado pelo
escritor norte-americano Bruce Bethke em 1983, em sua short-story 2homônima. É
importante mencionar que ela apareceu em uma estória publicada em novembro de
1984 na revista Amazing Stories, mas seu uso foi popularizado alguns meses mais
tarde pelo jornalista Washington Post, Gardner Dozois no seu artigo de 30 de
dezembro de 1984, Intitulado, ‘’FC nos anos 80”.
Quando se fala em cyberpunk logo vem à memória William Gibson, um dos
principais autores de ficção cyberpunk, autor de Neuromancer (1984), livro que serviu
de inspiração para o filme Matrix (1999). Segundo Oliveira Adriano (2011), Matrix é
uma narrativa profundamente influenciada pela ficção cyberpunk, gênero
extensamente abordado pelos teóricos do pós-moderno.
Matrix possui muitas referências à cultura cyberpunk que segundo Ketterer,
(1992), é um gênero de ficção científica de personagens com vida social e econômica
1
https://artrianon.com/2017/05/02/o-que-e-a-matrix-uma-analise-da-realidade-na-literatura-no-
cinema-e-em-nossas-vidas/
2
Short-story é um gênero literário que difere do conto e da novela, tipicamente na língua inglesa.
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pobre, no entanto, com conhecimento e uso pleno de alta tecnologia. Segundo Kellner
(1995), o cyberpunk é uma resposta à proliferação da tecnologia e da cultura de
massa, elementos que ele incorpora em seu material temático.
Conforme Moylan (2000), a trilogia Matrix, iniciada em 1999 com The Matrix e
concluída em 2003 com Matrix Reloaded e Matrix Revolutions, dos diretores Larry e
Andy Wachowski, representa o mais emblemático sucesso cinematográfico do
cyberpunk, subgênero da ficção científica que se caracteriza pela apropriação de
tecnologias de ponta para o embate com o poder ditatorial de mega-corporações, da
luta de rebeldes hackeando o sistema em um cenário avançado de distopia.
Segundo o crítico Adriana Amaral (2006)
Cyber é grego; significa controle. Com ela foi formada a palavra cibernética,
indicativa de um sistema de controle altamente tecnológico que combina
computadores, novas tecnologias e realidades artificiais como estratégia de
manutenção e controle [...] O punk, [...] indica a rispidez e a atitude da dura
vida urbana [...] Como fenômeno subcultura, cyberpunk [...] significa uma
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O que é a Matrix? A Matrix é o mundo que se apresenta aos nossos olhos para
que não vejamos a verdade. Mas que verdade? Que somos escravos. Em Matrix, a
condição do homem é de escravidão, todos foram subjugados pelas máquinas. Assim
como no Cristianismo, a escravidão é resultado da ação do próprio homem.
Segundo Juri Castelfranchi, professor de Sociologia de Ciência da Tecnologia
na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o filme está mais atual do que
nunca e a discussão em torno dele é tão grande que daria para fazer um “congresso
internacional de uma semana inteira” e nos leva quase sempre à discussão entre o
que é sonho e o que é realidade, a Matrix é um mundo fictício, as pessoas estão
“dormindo” e precisam acordar para a realidade. Mas que realidade?
É quase impossível assistir ao filme e não se questionar acerca da realidade:
“até que ponto o que vivemos é realidade e não uma farsa?" Como saber a diferença
entre o mundo dos sonhos e o real?
Há um momento em que Morpheu faz algumas indagações a Neo acerca da
realidade:
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“ O que é real? Como você define o real? Se você está falando sobre o que
você pode sentir, o que você pode cheirar, o que você pode saborear e ver,
o real são simplesmente sinais elétricos projetados pelo seu cérebro”.
“ Já teve um sonho (...) que você tinha certeza de que era real? E se você
não conseguisse acordar desse sonho? Como saberia a diferença entre o
sonho e o mundo real? MATRIX, 1999,
A matrix nos mostra como o ser humano avalia a realidade numa sociedade
como a nossa. Avalia pelos sentidos, como diz a citação acima, por aquilo que
podemos tocar, apalpar, ver, saborear, cheirar.
Observa-se que o filme oferece a sua resposta para a “realidade”, fazendo
referência a coisas tão cotidianas como um déjà vu, dando-lhe sentido, moldando-o
ao sistema proposto. Matrix é uma espécie de realidade virtual na qual todos nós
estamos dormindo e vivemos como se fosse real, um mundo projetado para enganar
as pessoas, Neo, acreditava que vivia de forma livre, mas tudo isso era uma ilusão,
na verdade, o que se compreende é que o mundo é uma Matrix ilusória e os homens
são escravos, estão com os olhos vendados, alienados.
Compreende-se através do filme, que Neo tem o papel principal na história, ele
se sentia inquieto, sentia como se houvesse algo de errado com o mundo que vivia,
estava esgotado de viver na ilusão, queria enxergar de fato, como era a realidade,
saber o que estava por trás das aparências, sair da zona de conforto e embarcar em
uma jornada em busca de respostas.
Não poderia deixar de mencionar algumas alusões do filme Matrix com Alice
no país das maravilhas e Alice através do espelho, logo no início do filme. No momento
em que Neo estava dormindo diante do computador, de repente ele acorda e percebe
que a tela havia escurecido completamente, e que alguém estava se comunicando
com ele através de mensagens que apareciam na tela do seu computador, sendo que
uma delas dizia o seguinte: “Siga o coelho branco”. Nota-se que este coelho branco
estava tatuado no ombro da garota que estava com Choi, para quem Neo prestava
serviços como hacker.
Após ver a tatuagem, Neo acompanha Choi e a garota até uma boate
underground, onde é abordado por Trinity, que fala pela primeira vez sobre a Matrix.
Percebe-se também que Alice caiu na toca do coelho e entrou no País das Maravilhas:
Alice se levantou num pulo, porque constatou subitamente que nunca tinha
visto antes um coelho com bolso de colete, nem com relógio para tirar de lá,
e, ardendo de curiosidade, correu pela campina atrás dele, ainda a tempo de
vê-lo se meter a toda pressa numa grande toca de coelho debaixo da cerca
(CARROLL, 2002, p.11).
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Ademais, em outra cena ainda mais inspirada nos livros de Alice, Neo encontra-
se com Morpheus num hotel abandonado. Alice, em Alice através do espelho,
atravessa o espelho de sua casa e se vê em uma campina na qual ela vai encontrando
personagens de xadrez como rainhas e peões, e descobre que está dentro de um
jogo.
Paralelamente, no filme, o chão do hotel em que ele encontra Morpheus é todo
quadriculado, como se eles estivessem em um tabuleiro e como se não bastasse,
neste mesmo hotel, ele tem um déjà vu: vê o mesmo gato duas vezes passando pelo
corredor. Similarmente, aconteceu o mesmo com Alice e o gato de Cheschire. “Ainda
estava olhando para o lugar onde o vira quando ele apareceu de novo de repente”
(CARROLL, 2002, p. 64).
Na cena da primeira conversa entre Morpheus e Neo, em uma parte do diálogo,
o primeiro comenta: “Eu imagino que agora você deve estar se sentindo um pouco
como Alice, caindo dentro da toca do coelho”.
Ao analisar o personagem Neo em relação a sua saída da zona de conforto,
lembrei também da alegoria da caverna, de Platão, escrita no livro a República, que
fala de prisioneiros que desde o nascimento estão acorrentados no interior de uma
caverna e só conseguem ver o que está a sua frente, uma parede iluminada por uma
fogueira, e assim, só enxergam as sombras exibidas nas paredes. Um dos
prisioneiros sai do mundo ilusório para o mundo real, consegue se libertar e percebe
que passou sua vida vivendo daquilo que era projetado, mas a partir do momento em
que se inquieta e tenta buscar o que é real, ele ver a realidade como ela é, consegue
enxergar além das aparências.
O personagem Morpheus oferece a Neo a oportunidade de enxergar com seus
próprios olhos, porém para isso, terá que sair da ilusão virtual para o mundo real. A
escolha entre sair ou ficar é dada a ele em forma de um ritual no qual lhe são ofertadas
duas pílulas, uma vermelha e outra azul, para que este escolha e tome apenas uma
delas.
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A ditadura perfeita terá a aparência da democracia, uma prisão sem muros na qual os prisioneiros não
sonharão sequer com a fuga. Um sistema de escravatura onde, graças ao consumo e ao divertimento, os
escravos terão amor à sua escravidão.
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(9:6): "Porque um menino vos nasceu, um filho se nos deu; e o governo estará sobre
os seus ombros; e o seu nome será: Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte, Pai Eterno,
Príncipe da Paz.
No livro do evangelista Lucas (7:19) observa-se a expectativa messiânica: E
João, chamando dois dos seus discípulos, enviou-os a Jesus, dizendo: ``És tu aquele
que havia de vir, ou esperamos outro?". No filme o personagem principal, Neo é
apresentado como o eleito, o escolhido, o esperado, uma espécie de redentor cuja
vinda havia sido profetizada pelo oráculo (uma referência mais clara ao "Oráculo de
Delfos", presente, sobretudo, nos textos clássicos da filosofia grega; e também uma
possível referência às profecias de Isaías acerca da vinda do Messias, o Ungido de
Deus.
Conforme os estudiosos Leão; Souza (2004)
Há uma cena em que Neo encontra-se fugindo dos agentes após ter ficado
preso na Matrix e em meio a muita correria, perto de encontrar a rota de saída ele se
depara com o agente Smith esperando-o no quarto. Neo é baleado e tido como morto
e, nesse momento, Trinity que estava fora da Matrix, sussurra no ouvido de Neo e diz:
por favor, me ouça (...) O Oráculo, ela me disse que eu me apaixonaria e que (...) esse
homem seria o Escolhido. Você entende? Você não pode estar morto (...) porque eu
te amo".
Figura 3: Trinity e Neo .
A cobra era o animal mais esperto que o Senhor Deus havia feito. Ele
perguntou à mulher:
- É verdade que Deus mandou que vocês não comessem as frutas de
nenhuma árvore do jardim?
A mulher respondeu:
Podemos comer as frutas de qualquer árvore, menos a fruta da árvore que
fica no meio do jardim.
Deus nos disse que não devemos comer dessa fruta, nem tocar nela. Se
fizermos isso, morreremos.
Mas a cobra afirmou:
Vocês não morrerão coisa nenhuma! Deus disse isso porque sabe que
quando vocês comerem a fruta dessa árvore, os seus olhos abrirão e vocês
serão como Deus, conhecendo o bem e o mal. A mulher viu que a árvore era
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bonita e que as suas frutas eram boas de se comer. E ela pensou como seria
bom ter entendimento, aí apanhou uma fruta e comeu e deu ao seu marido e
ele também comeu. (GÊNESIS 3: 1-6)
Segundo William Irwin em seu livro Matrix- bem-vindo ao deserto do real (2003),
o caminho de Neo tem muitos elementos da história de Jesus, incluindo a concepção
imaculada. Na cena em que ele é resgatado da Matrix, Neo acorda e se vê num
invólucro que lembra um ventre, é desligado dos cabos com aspecto de cordão
umbilical e desliza por um tubo que pode simbolizar o momento do parto. Além disso,
como os humanos são “cultivados, não nascem” no mundo real dominado por
máquinas, o despertar de Neo e seu surgimento naquele mundo é quase literalmente
uma “concepção imaculada”.
É importante também mencionar que no primeiro filme da trilogia, quando Neo
vende um software ilegal para Choi, este diz: “Aleluia! Você é meu salvador, cara! Meu
Jesus Cristo particular!” Neo era o nome do hacker Thomas Anderson e,
etimologicamente, portanto, Anderson significa “filho do homem”, um epíteto assumido
por Jesus - “E, tomando consigo os doze, disse-lhes: Eis que subimos a Jerusalém, e
se cumprirá no Filho do homem tudo o que pelos profetas foi escrito” Lucas (18.31),
“Quando levantardes o Filho do homem, então sabereis que sou quem digo ser” João
(8:28).
De acordo com Jorge Miklos e Gislene Lima Pereira em artigo: O trajeto
Antropológico nos filmes de Sci –Fi : Um estudo do filme Matrix na perspectiva da
Mitocrítica, Matrix refere-se aos preceitos da teologia bíblica, mas vem moldado ao
mundo contemporâneo, em que o novo Messias – Neo, sente dúvidas sobre si mesmo,
sente angústia, medo e paixão. Neo, um novo Messias para o mundo contemporâneo,
que se apaixona pela bela Trinity e que não crê em si próprio, se é ou não o Escolhido.
Quando Neo tem o seu encontro com Morpheus, observa-se que ele é tratado
com um alguém superior, mas que precisa fazer uma escolha. Da mesma forma que
Jesus, mesmo sendo um ser “poderoso” e “divino” precisou escolher entre sua vida e
a sua morte para a salvação de muitos, Neo também precisou fazer uma escolha,
escolher entre a pílula azul e a vermelha. Neo tinha diante de si, dois caminhos: ingerir
a pílula azul e continuar “dormindo” ou ingerir a pílula vermelha e “acordar”, ser liberto
e, este fato apresentado no filme me fez lembrar do livro do evangelista João 8: 32
que diz: E conhecereis a verdade e a verdade vos libertará.
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MORPHEU -Eu imagino que deves está se sentindo um pouco como Alice,
escorrendo pela toca do coelho.
NEO- Eu acho que sim
MORPHEU -Vejo isso em seus olhos, você é um homem que aceita o que
ver, porque pensa está sonhando. Ironicamente não está longe da verdade.
Você acredita em destino Neo?
NEO-Não
MORPHEU-Por que não?
NEO-Porque não gosto da ideia de não poder controlar a minha vida.
MORPHEU -Eu sei exatamente o que quer dizer.
MORPHEU- Deixe que eu diga porque está aqui. Está aqui porque sabe de
alguma coisa. Uma coisa que não sabe explicar, mas você sente. Você sentiu
a vida inteira que há alguma coisa errada com o mundo, você não sabe o que
é, mas está ali, como uma farpa em sua mente deixando-o louco. Foi essa
sensação que o trouxe a mim. Você sabe do que eu estou falando.
NEO: Matrix?
MORPHEU: Você quer saber o que é Matrix?
Matrix está em toda parte, está a nossa volta, mesmo agora nessa sala aqui,
você a ver quando olha pela janela ou quando liga a televisão, você sente
quando vai trabalhar, quando vai à igreja, quando paga seus impostos. É o
mundo que acredita ser real para que não perceba a verdade.
NEO: Que verdade
MORPHEU: Que você é um escravo, como todo mundo, você nasceu em um
cativeiro, nasceu em uma prisão que não pode ver, sentir ou tocar, uma prisão
para sua mente. Infelizmente não se pode explicar o que é Matrix, é preciso
que veja por si mesmo. Essa é a última chance, depois disso não haverá
retorno. Se tomar a pílula azul, fim da história, vai acordar na sua cama e
acreditar no que você quiser. Se tomar a pílula vermelha fica no país das
maravilhas e eu vou te mostrar até onde vai a toca do coelho.
Lembre-se, eu estou oferecendo a verdade, nada mais.
The Matrix. Warner, 1999.
Esta citação acima, pode ser associada à questão do livre arbítrio que é tão
pregado no cristianismo. Nós cristãos, aprendemos desde cedo que somos livres para
fazermos nossas escolhas e que em nossa vida existem dois caminhos: a porta
estreita ou a porta larga.
Mateus 7. 13-14 diz assim: “Entrai pela porta estreita; porque larga é a porta, e
espaçoso o caminho que conduz à perdição, e muitos são os que entram por ela; E
porque estreita é a porta, e apertado o caminho que leva à vida, e poucos há que a
encontrem.” Assim como Neo, nós também precisamos escolher qualquer caminho a
seguir, cada caminho tem suas implicações, Neo escolheu a pílula vermelha, o
caminho mais difícil, mas este caminho o levou a conhecer a verdade, a partir daquele
momento, seus olhos abriram e Neo acordou depois de uma vida inteira “dormindo”.
Além das semelhanças observadas entre Neo e Jesus Cristo, o filme ainda
apresenta outras, com personagens e situações bíblicas. Cypher, por exemplo, é o
traidor dos rebeldes e pode ser uma referência a Judas Iscariotes, o traidor de Jesus,
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ou ao próprio Lúcifer - já que o nome Cypher parece ser uma forma reduzida de
Lúcifer.
5 CONCLUSÃO
A partir da presente pesquisa foi possível verificar uma estreita ligação entre
Matriz e a Bíblia. O caráter comprovadamente multidisciplinar de Matrix dá margem a
uma multiplicidade de abordagens que permitem um rico diálogo com diversas áreas
do conhecimento.
Como se pode perceber, de forma clara e concisa, a bíblia apresenta-se como
fonte de inspiração artística, destacando sua relação com a literatura e com o cinema.
Como fonte literária, a Bíblia é considerada um clássico, não somente por seu sucesso
de vendas, mas por sua atemporalidade, por sua capacidade de sempre dizer algo
novo em cada releitura feita por quem dela desfruta.
No tocante à relação Bíblia e cinema, percebe-se que este tem bebido em
fontes bíblicas ao longo de toda a sua história, seja de forma direta, seja de forma
indireta. Nós mencionamos também a correlação existente entre a bíblia e o cinema
e as influências do Cyberpunk, pois Matrix possui muitas referências a esta cultura.
Em suma, estudar sobre a Matrix é se permitir abrir nossas mentes para
entender a diferença entre o mundo real e o mundo ilusório, pois a realidade nem
sempre apresenta de forma palpável ou concreta.
A mensagem que o filme nos transmite é que estamos vivendo numa simulação
da realidade, mas nos conformamos. Nessa perspectiva, estamos tão acomodados,
que não conseguimos enxergar a realidade como ela é, estamos com os olhos
vendados e as mentes sedadas, e sair desse lugar acaba sendo um processo dolorido.
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REFERÊNCIAS
CULLER, Jonathas, Literary theory: a very short introdution . New York: Oxford
University Press Inc. 2011.
FISCHER, Steven Roger. História da leitura. São Paulo: Editora UNESP, 2006.
JOY, B. Por que o futuro não precisa de nós. In: YEFFETH, G. (org.) A pílula
vermelha: questões de ciência, filosofia e religião. Tradução de C. S. M. Rosa. São
NOGUEIRA, Paulo A. S. O conceito de texto, contexto e leitor na interpretação de
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Campo, v. 33, n. 3, p. 175-190, set.-dez. 2019. Paulo: Publifolha, 2003. pp. 216-252
João. Português. In: Bíblia de referência Thompson. Tradução de João Ferreira de
Almeida. São Paulo: Vida, 1999, p.962-986. Edição contemporânea. Novo
Testamento.
KUGEL, James L. Como ler a Bíblia: um guia para a escritura ontem e hoje (vol 1
)São Paulo: Via Lettera( Povo do Livro), 2012.
37
Oliveira Adriano,
Ketterer
Douglas Kellner
Adriana Amaral
Moylan
Juri Castelfranchi
FILMES MATRIX