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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO - UFMA

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS - CCH


CURSO DE LICENCIATURA PLENA EM LETRAS

https://jornal.usp.br/artigos/a-biblia-pode-ser-considerada-um-documento-historico/

LILYAN VELOSO BORRALHO

A BASE BÍBLICA DO FILME MATRIX: uma leitura à luz das Escrituras

São Luís
2022
UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO - UFMA
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS - CCH
CURSO DE LICENCIATURA PLENA EM LETRAS

LILYAN VELOSO BORRALHO

A BASE BÍBLICA DO FILME MATRIX: uma leitura à luz das Escrituras

Monografia apresentada ao Curso de Letras


Português-Inglês da Universidade Federal do
Maranhão - UFMA, como requisito à obtenção do
título de Licenciatura em Letras Português-Inglês.

Orientadora: Profª. Drª. Naiara Sales Araújo

São Luís
2022
Ficha gerada por meio do SIGAA/Biblioteca com dados fornecidos pelo(a) autor(a).
Diretoria Integrada de Bibliotecas/UFMA

Borralho, Lilyan.
A Base bíblica da Matrix : uma leitura à luz das
escrituras / Lilyan Borralho. - 2022.
37 p.
Orientador(a): Naiara Araújo.
Monografia (Graduação) - Curso de Letras - Inglês,
Universidade Federal do Maranhão, São Luís, 2022.
1. Bíblia. 2. Cinema. 3. Literatura. 4. Matrix. I.
Araújo, Naiara. II. Título.
LILYAN VELOSO BORRALHO

A BASE BÍBLICA DO FILME MATRIX: uma leitura à luz das Escrituras

Monografia apresentada ao Curso de Letras


Português-Inglês da Universidade Federal do
Maranhão - UFMA, como requisito à obtenção do
título de Licenciatura em Letras Português-Inglês.

Orientadora: Profª. Drª. Naiara Sales Araújo

COMISSÃO EXAMINADORA

________________________________________________
Profª. Drª. Naiara Sales Araújo
Universidade Federal do Maranhão

________________________________________________
Profª Me.Talita Ruth Sousa
Universidade Estadual do Maranhão

________________________________________________
Profª Me. Gladson Fabiano De Andrade Sousa
Secretaria Estadual de Educação - SEDUC

SÃO LUÍS, ______ de _______________________ de 2022.


Ao meu DEUS, pela sua constante
presença em minha vida e pela força que
me dá todos os dias para seguir e
conquistar meus objetivos.
À minha mãe, Maria Elisa Salazar Veloso
Borralho que é uma bênção na minha vida
e sempre me incentivou a lutar e a não
desistir jamais.
AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus por ter me sustentado e ter permitido que eu


chegasse até aqui, a caminhada não foi fácil, muitas foram as pedras no caminho,
tantas vezes eu pensei em desistir, principalmente por problemas de saúde e pela
distância na qual moro, São José de Ribamar. Por muitas vezes senti cansaço pelo
longo trajeto com vans e ônibus lotados, e quando finalmente chegava para assistir a
aula, já estava desanimada, sentindo mal-estar, mas prossegui, dia-a-dia lutando. E,
sempre acreditei em uma frase que resume minha trajetória: “só a luta muda a vida!”,
e enquanto existir sangue correndo em minhas veias, continuarei na batalha.
Aprendi muito com o curso, vou saindo e levando comigo uma grande bagagem
de conhecimento, pois não apenas estudei, adquiri muitas experiências através dos
programas de extensão – Pibid (Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à
docência) e CLC (Centro de Línguas e Cultura do Maranhão).
Guardarei comigo muitas lembranças dos meus professores, e dos amigos que
a UFMA me presenteou, (Apoliana Santos, Alexandre Gonçalves, Ana Bruzaca,
Karina Góes, Rita de Cássia, Leudenir Chaves e Kedma Gama).
Recordo-me de tantos momentos vividos na sala; nos corredores do Centro de
Ciências Humanas; na fila do restaurante universitário; na cantina e jamais esquecerei
daquele cafézinho depois do almoço, sentirei tanta saudade disso tudo.
Agradeço aos meus pais, em especial à minha mãe que foi minha maior
incentivadora, do começo do curso até a reta final, sempre me ensinou a correr atrás
dos meus sonhos, quando eu pensava em desistir, me encorajava, me ajudava com
as passagens, xérox. Muito obrigada de verdade.
Agradeço ao meu tio Leosvaldo, que mesmo morando em outro estado
acompanhou minha vida acadêmica, me ligava para saber como estava o curso e
muitas vezes quando eu estava um pouco desanimada, era surpreendida com uma
mensagem dele que dizia: “Confiança, você é capaz, conte comigo”.
Agradeço à minha amiga Messiane Menez, obrigada por tudo, você sabe o
quanto contribuiu para que eu chegasse até aqui, que Deus abençoe sempre nossa
amizade.
Agradeço à minha amiga Karina Goés, cursamos algumas disciplinas juntas,
mas nos aproximamos esse ano e agradeço pela parceria, pelo incentivo, por não
soltar minha mão, por lutarmos juntas, mesmo com o desgaste físico e emocional
seguíamos lutando, uma dando força para outra.
Agradeço à minha amiga do trabalho, Hérica Bruzaca, que tem me incentivado
muito, um ser especial que sempre tenta me colocar para cima, e empresta os seus
ouvidos para ouvir-me com tanta paciência, além dos conselhos que fazem eu abrir
os olhos para uma Lilyan que muitas vezes tenho dificuldade de ver, uma Lilyan,
capaz. Obrigada.
À minha orientadora, Dra. Naiara Sales Araújo, obrigada pela paciência na
orientação desta monografia.
O meu muito obrigado a todos os amigos e familiares que contribuíram de
forma direta ou indireta para a conclusão deste trabalho.
“A matrix está em todo lugar. É tudo o que nos
rodeia. Mesmo agora, nesta sala. Você pode
vê-la quando olha pela janela, ou quando você
ligar sua televisão. Você pode sentir isso
quando você vai para o trabalho, quando você
vai à igreja, quando paga os impostos. É o
mundo que foi colocado diante dos seus olhos
para cegá-lo da verdade”.
Morpheus.
“Porque meus olhos doem ?
-Porque você nunca os usou
Neo e Morpheus.
“Eu lhe mostro a porta, mas é você que tem
que atravessá-la”

(MATRIX, 1999)
RESUMO

O trabalho apresentado traz como tema: “A base bíblica do filme Matrix”. Matrix foi lançado
em 1999 pelos irmãos Wachowski e acabou provocando intensas reações nos cristãos do
mundo todo, pois é quase impossível assistir Matrix e não perceber uma forte analogia com o
cristianismo. O presente estudo tem por principal objetivo apresentar de forma clara e concisa
a bíblia como fonte de inspiração artística, destacando a sua relação com a literatura,
apresentando alguns gêneros literários presentes na bíblia sagrada e sua relação com o
cinema, pois muitos filmes carregam uma bagagem religiosa, tendo seus enredos baseados
em histórias ou personagens bíblicos. Para a abordagem temática, a pesquisa se deu no
enfoque qualitativo do tipo bibliográfica, exploratória e descritiva. Como suporte teórico foram
utilizados os apontamentos de Nogueira (2021), Keller (2001), Irwin (2003), Sommers (2007).
Através da análise do filme e das pesquisas realizadas, foi possível observar muitas
mensagens bíblicas sobretudo a de que devemos deixar para trás os conceitos que o mundo
tenta fazer com que assimilemos como verdade, além disso, a Inteligência artificial que é tão
pregada no filme, simboliza como nós seres humanos, quando nos permitimos ser
“transformados” em máquinas programadas, personifica nossa própria artificialidade e
superficialidade perante os fatos. A Matrix é uma espécie de prisão psicológica ao aceitarmos
tudo o que nos é imposto e não questionamos nada.

PALAVRAS-CHAVE: Bíblia. Matrix. Cinema. Literatura.


ABSTRACT

The paper presented brings as its theme: "The biblical basis of the movie Matrix". Matrix was
released in 1999 by the Wachowski brothers and ended up provoking intense reactions from
Christians all over the world, because it is almost impossible to watch Matrix and not notice a
strong analogy with Christianity. This study's main objective is to present in a clear and concise
way the bible as a source of artistic inspiration, highlighting its relationship with literature,
presenting some literary genres present in the holy bible and its relationship with cinema,
because many movies carry a religious baggage, having their plots based on biblical stories
or characters. For the thematic approach, the research was based on the qualitative approach
of the bibliographic, exploratory, and descriptive type. As theoretical support were used the
notes of Nogueira (2021), Keller (2001), Irwin (2003), Sommers (2007).
Through the analysis of the movie and the research done, it was possible to observe many
biblical messages, especially that we should leave behind the concepts that the world tries to
make us assimilate with truth and the artificial intelligence that is so preached in the movie,
symbolizes us human beings, when we allow ourselves to be transformed into programmed
machines, symbolizing our own artificiality, superficiality. The Matrix is a kind of psychological
prison, when we accept everything that is imposed on us and question nothing.

KEYWORDS: Bible. Matrix. Movie theater. Literature.


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 12

2 A BÍBLIA COMO INSPIRAÇÃO ARTÍSTICA 13

2.1. A Bíblia com Fonte Literária 14

2.2. A Bíblia e o Cinema 18

3 CYBER PUNK: influências 19

3.1 As Características do Gênero 20

4 MATRIX: uma análise à luz das escrituras sagradas 23

4.1 Visão Geral da Obra 24

4.2 A Bíblia em Matrix 29

5 CONCLUSÃO 35

REFERÊNCIAS 36
12

1 INTRODUÇÃO

A relação entre religião e literatura tem, ao longo do tempo, despertado o


interesse de muitos pesquisadores. Como consequência, o interesse da crítica tem se
estendido ao universo cinematográfico, cuja principal fonte de inspiração é a literatura.
O interesse pelo tema iniciou-se a partir do momento em que me matriculei na
disciplina “Literatura e Cinema”, ministrada no curso de Letras da Universidade
Federal do Maranhão pela orientadora deste trabalho, Profª Dra. Naiara Sales Araújo.
No decorrer da disciplina assistimos e analisamos alguns filmes e, Matrix foi um deles.
Resolvi comprar a trilogia e embarcar em uma viagem rumo ao mundo da Matrix, tendo
em vista que gostaria de saber a fundo o que ela representava, como compreender,
entender e, ao analisar de forma mais profunda, fazer comparação intrínsecas ao
Cristianismo no contexto bíblico.
Entendemos que a discussão em questão é relevante, pois como afirma William
Irwin em seu livro Matrix- bem-vindo ao deserto do real, (2003) olhar para a Matrix é
olhar para nossa mente.
Dada a abrangência do tema da pesquisa, busca-se delimitá-lo na seguinte
problemática: O que o filme e as pesquisas nos revelam sobre a relação da bíblia com
a Matrix? Posto isto , o presente estudo buscou ainda responder questões norteadoras
elencadas a seguir: Qual a base bíblica da Matrix? Quais personagens da Matrix se
assemelham com personagens da bíblia sagrada?
Para tanto, delimitamos como principal objetivo deste trabalho analisar e
destacar de forma clara e concisa alguns aspectos da base bíblica do filme Matrix.
Com os seguintes objetivos específicos: comparar os principais personagens do filme
com personagens bíblicos e analisar axiomas bíblicos contidos no filme.
A pesquisa proposta foi do tipo exploratória e descritiva por assumir
características de maior familiaridade com o assunto tratado tendo em vista a torná-lo
mais conhecido, buscando ainda classificar, explicar e interpretar fatos que ocorrem
sem promover interferência neles. Em face do exposto o estudo realizado foi
desenvolvido por meio de pesquisa bibliográfica, apoiada em análises do filme e livros
sobre Matrix, além de correlações com estudos bíblicos e demais obras que se
mostraram propícias de significância.
13

Dessa forma, o presente trabalho está dividido em cinco seções. A primeira


seção se constitui em apresentar a temática pesquisada, bem como os motivos pela
escolha da investigação e o objetivo. Na segunda seção, apresentamos uma breve
reflexão sobre a inspiração da Bíblia para muitos autores tendo em vista produções
na literatura e no cinema. Nós mencionamos as influências no Cyber Punk com
características do gênero. Na quarta seção fazemos uma breve análise do filme Matrix
comparando com a bíblia sagrada. E por último, apresentamos as considerações
finais, nas quais inclui o posicionamento, de maneira reflexiva, sobre a pesquisa.
A compreensão da relevância do tema põe em destaque uma análise
desafiante, pois assim como na Matrix, a realidade do mundo é aparente, transitória e
não representa aquilo que de fato os homens precisam e desejam. É necessário que
o homem supere sua tendência de apegar-se a coisas insignificantes para encontrar
a verdade de Deus. Esperamos com o desenvolvimento deste estudo produzir aporte
teórico capaz de ir ao encontro das dúvidas e superação de questionamentos.
14

2 A BÍBLIA COMO INSPIRAÇÃO ARTÍSTICA

Ao longo da história da arte, a Bíblia serviu como inspiração para muitos


escritores, entre estes está o famoso poeta e dramaturgo inglês, autor do célebre
romance Romeu e Julieta, William Shakespeare (1564-1616), que com frequência
utilizava referências arrebatadas da Bíblia.
E não só Shakespeare, mas é frequente encontrarmos citações bíblicas ao
longo de toda a história da literatura mundial, daí a importância de se estudar de forma
aprofundada.
Na bíblia encontramos muitas manifestações e alusões à música e poesia e
tem sido grande fonte de inspiração para artistas.
É interessante mencionar que desde as primeiras páginas de gênesis, a arte já
se manifesta, observa-se a figura de um Deus criativo, que “desenhou” e “pintou” o
mundo usando uma criatividade sobrenatural.

2.1. A Bíblia com Fonte Literária

Para o pesquisador e poeta português José Tolentino Mendonça (2008), antes


de ser uma escritura sagrada, a Bíblia é um grande clássico da literatura mundial.
A narrativa sagrada se configura com um clássico da literatura, não somente
por seu sucesso de vendas, mas por sua atemporalidade, por sua capacidade de
sempre dizer algo novo em cada releitura feita por quem dela desfruta. A partir das
palavras do estudioso Ítalo Calvino é possível classificar a Bíblia como um clássico da
literatura, haja vista sua influência e atemporalidade:
Dizem-se clássicos aqueles livros que constituem uma riqueza para quem os
tenha lido e amado; mas constituem uma riqueza não menor para quem se
reserva a sorte de lê-los pela primeira vez nas melhores condições de
apreciá-los. - Os clássicos são livros que exercem uma influência particular
quando se impõem como inesquecíveis e também quando se ocultam nas
dobras da memória, mimetizando-se como inconsciente coletivo ou
individual. - Toda releitura de um clássico é uma leitura de descoberta como
a primeira. - Toda primeira leitura de um clássico é na realidade uma releitura
[...]. - Um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha
para dizer (CALVINO, 2007, p. 10/11).

Na bíblia encontramos uma biblioteca inteira em um só volume com escritos


milenares, sobre praticamente todas as áreas do conhecimento, história, sermões,
biografias, poesias, parábolas, cânticos, textos proféticos, entre outros.
15

A Bíblia é uma coleção de livros inspirados por Deus (2Tm 3,14-17), escritos
por homens e mulheres para registrar aquilo que Deus os revelou. Desta forma, é
importante destacar que o autor principal da bíblia é o próprio Deus, pois como diz em
Gálatas (1: 1-12): “Mas faço-vos saber, irmãos, que o evangelho que por mim foi
anunciado não é segundo os homens. Porque não o recebi, nem aprendi de homem
algum, mas pela revelação de Jesus Cristo”.
Segundo o crítico Janet Sommers, (2007 p, 78) considerar a bíblia como
literatura ganhou notoriedade nas últimas décadas. De um ponto de vista global, ela
apareceu com maior frequência a partir da década de 1970, dando nome a livros e
supostamente identificando um novo paradigma para a interpretação bíblica.
O autor, Leandro Thomaz de Almeida, voltou sua atenção para a leitura
religiosa da Bíblia e destacou exatamente o fato dessa leitura estar marcada por uma
postura ingênua do leitor que, diante do texto sagrado, não questiona suficientemente
o suposto caráter factual das narrativas. Ele vê a abordagem literária da Bíblia como
uma reação a essa forma religiosa de ler, como vemos na citação abaixo:
[...] a leitura da Bíblia por muito tempo desconsiderou a característica
literária de seus textos, o que fez com que fossem tomados, em sua maioria,
como descrições literais de fatos do mundo, sejam estes relacionados à
criação do universo, ao dilúvio, à ascensão do Cristo etc. Essa leitura –
praticada, por exemplo, pelo puritanismo inglês do século XVII – continua
viva hoje em dia, ao menos em círculos teológicos muito conservadores.
Atualmente, no entanto, cada vez mais se fortalece a compreensão de que
a leitura da Bíblia tem muito a ganhar se levar em consideração o caráter
literário dos textos que a compõem. Almeida, (2011, p. 13-14).

Há muitos livros que abordam a Bíblia como texto literário ou a relação existente
entre teologia bíblica e literatura como é o caso de: O código dos códigos, de Frye
(2004), A arte da narrativa bíblica, de Robert Alter (2007), Os escritores e as
Escrituras, de Karl-Joseph Kuschel (1999), Guia literário da Bíblia, organizado por
Alter e Frank Kermode (1997) e Literatura e espiritualidade, de José Carlos Barcellos
(2001).
O escritor Argentino Jorge Luis Borges, considerava haver três histórias
fundamentais no corpo da literatura: a história de Tróia, narrada na “Ilíada”; a história
de Ulisses, narrada na “Odisseia”; e a história de Jesus, narrada na Bíblia. Ele era um
defensor de peso da bíblia enquanto literatura.
Pode-se dizer que, por muitos séculos, essas três histórias—a história de
Tróia, a história de Ulisses, a história de Jesus—têm sido suficientes à
humanidade. As pessoas as têm contado e recontado muitas e muitas vezes;
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elas foram musicadas; foram pintadas. As pessoas as contaram inúmeras


vezes, porém as histórias continuam ali, ilimitadas. Pode-se pensar em
alguém, em 1.000 ou 10.000 anos, tornando a escrevê-las. (2007, p. 55)

De acordo com essa citação, observa-se que a Bíblia também é reconhecida


por sua beleza e qualidade literária.
Não se pode deixar de destacar que de acordo Kugel, (2012 p. 44), no período
da Idade Média, a bíblia se tornou um documento misterioso e seus aspectos literários
foram colocados em segundo plano, o acesso aos textos e a capacitação para sua
leitura estavam limitados a poucos privilegiados: membros do clero e homens capazes
de lidar com a Vulgata latina a partir dos métodos consagrados e da tradição de leitura
já estabelecida.
De acordo com Steve Fischer, (2006, p. 207) a Reforma Protestante
transformou o cristianismo ao destronar o catolicismo do posto de único mediador da
leitura bíblica, instaurando um acesso direto ao cristão com o texto que ele tem como
sagrado. Assim, houve um interesse crescente pelos textos bíblicos. Segundo
Sommers (2007 p. 80), homens como Martinho Lutero lutaram para defender o direito
ao “livre exame” das escrituras para os leigos e, aproximando-os dos textos, passos
importantes foram dados no exame das características literárias da bíblia, ao
desenvolver a abordagens que alguns chamam de histórico gramaticais.
Diante disto, observa-se que os reformadores contribuíram para o
desenvolvimento de uma cultura letrada, estimulando novos hábitos de leitura.
De acordo com Culler (2011 p.31), a bíblia não apenas se aproxima da
Literatura, a bíblia é literatura, se retirarmos o aspecto teológico, é possível observar
que não será tão diferente de grandes clássicos, como Homero, Ilíada e Odisseia.
É importante frisar que no caso da bíblia, quando se afirma que ela é literatura,
não significa dizer que ela é ficção e sim que seus escritores usaram diversos recursos
literários ao escrevê-la e, apesar de ser considerada literatura, não pode ser resumida
a apenas isso, pois ela é mais do que isso, são textos revelados e inspirados por Deus.
No livro de Salmos (78: 4– 7) diz assim:

Não os encobriremos aos seus filhos, mostrando à geração futura os louvores


do SENHOR, assim como a sua força e as maravilhas que fez; porque ele
estabeleceu um testemunho em Jacó, e pôs lei em Israel, a qual deu a nossos
pais para que a fizesse conhecer a seus uma filhos;
para que a geração vindoura a soubesse, os filhos que nascessem, os quais
se levantassem e a contassem a seus filhos; para que pusessem em Deus a
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sua esperança e não esquecessem das obras de Deus, mas guardassem os


seus mandamentos.

Segundo Tremper Longman, (2012) à medida que lemos de Gênesis a


Apocalipse, passamos por histórias, leis, poesias, sabedoria, profecia, evangelhos,
epístolas e literatura apocalíptica. E quando conhecemos o estilo — o gênero — da
literatura que estamos lendo, podemos entendê-la melhor. Lemos história com uma
postura diferente de quando lemos uma poesia. Gêneros diferentes evocam
expectativas e estratégias de interpretação diferentes.
Os gêneros literários são divididos em três grupos: narrativo ou épico, lírico e
dramático a partir dos filósofos da Grécia antiga: Platão e Aristóteles. Ao lermos e
analisarmos a bíblia sagrada observa-se fortemente a presença destes gêneros
literários, porém, é pertinente destacar que a parábola, não faz parte da classificação
dos gêneros literários, mas assume critérios literários bem definidos. Observe a
citação do crítico Garrido.

Linguagem característica de Jesus são as parábolas. Para falar do Reino e


sua missão, Jesus recorreu-se para diferentes gêneros: anúncios proféticos,
bem-aventurança sapienciais, comentários de texto, discursos, exortações,
mas pode dizer que as parábolas são seu gênero literário favorito. Nelas
sintetizam o seu conhecimento da vida e revelam a personalidade de Jesus.
Ouso dizer que, as parábolas, Jesus não só foi um grande criador do gênero
literário, mas encontrou o gênero literário adequado para expressar o Reino.
A Palavra, o conteúdo e a missão formam a unidade original. É por isso que
são atuais e tem a virtude de transmitir o conhecimento de Jesus.
Garrido, (2006, p.134)

As parábolas são muitas utilizadas na Bíblia Sagrada, principalmente nos três


primeiros livros do Novo Testamento (Mateus, Marcos e Lucas). De acordo com
Cozzer, (2016 p. 53), Jesus utilizava as parábolas como um rico recurso didático para
ensinar ao povo as verdades do Reino de Deus. Assim, podemos considerar as
parábolas como textos fictícios criados por Jesus, como forma didática de ensinar. Por
essa razão, o cinema também se utiliza da bíblia como fonte de inspiração, como
veremos na seção seguinte.
18

2.2. A Bíblia e o Cinema


Desde sua origem, o cinema procurou refletir acerca da sociedade e com a
religião não poderia ser diferente, a utilização de elementos religiosos nos roteiros de
muitos filmes aponta para o fato de que a religião e o cinema têm muito em comum.
Sabemos que há uma correlação entre o cinema e a bíblia e isso não é mais novidade,
uma vez que há uma quantidade considerável de temas bíblicos adaptados e
recriados em filmes.
De acordo com Nogueira (2021), não se pode esquecer que muitas dessas
produções cinematográficas tiveram forte impacto na imaginação religiosa de milhões
de pessoas em todo o globo e dessa forma, é impossível ignorar o sentimento de
devoção dos espectadores ao assistirem uma das vidas de Cristo, nas telas dos
cinemas e canais de TV aberta na Semana Santa. As narrativas bíblicas determinam
o tema da narrativa cinematográfica. Todavia, ao ler a narrativa dos evangelhos, o
espectador associará as imagens do filme à leitura que faz. A imaginação bíblica fica
de alguma forma não dissociada da imaginação do filme.
O cinema causa um grande impacto na experiência de percepção e
interpretação. Constata-se que criações ficcionais inspiradas em textos e temas
bíblicos acabam apresentando um caráter canônico. A exemplo disso, temos o filme
(“Deixados para Trás” 2020). Nota-se que esse filme teve um impacto tão grande no
meio evangélico brasileiro, que se tornou uma espécie de espelho para enxergar e
interpretar o texto bíblico.
Segundo Nogueira (2021), o papel dos filmes como mediação para a leitura e
imaginação do texto bíblico é um tópico que deveria interessar não só a hermenêutica
bíblica, mas também à crítica da ideologia religiosa do mundo contemporâneo, uma
vez que eles não são assistidos apenas por espectadores religiosos.
Daniel (1998) afirma que o religioso nasce no mundo cinematográfico através
das abordagens explícitas dos filmes sobre a paixão e morte de Jesus Cristo.
De acordo com George José Rodrigues de Melo em seu artigo a “Bíblia no
cinema”, (2012) durante a década de 1980, os filmes que retratam a vida de Jesus
Cristo tentam provocar a discussão de temas proibidos no campo religioso, como em,
Je Vous Salue, Marie‟(1984) de Jean-Luc Godard que trata da virgindade ou em A
Última Tentação de Cristo‟ (1988) de Martin Scorsese, que tem como tema a condição
humana de Jesus ou ainda, Jesus de Montreal‟ (1989) de Denys Arcand, o qual
atualiza o amor, a morte e a ressurreição para a atualidade. Na década de 1990,
19

também temos a presença de produções religiosas tais como, Davi (1997) de Robert
Markowitz, A Arca de Noé (1999), de John Irvin, Jesus – a maior história de todos os
tempos (1999) de Roger Young entre outras.
É importante mencionar que o número de produções religiosas tem aumentado
consideravelmente com o decorrer dos anos e a aproximação entre a bíblia e o
cinema possibilita apreender dessa expressão artística, novas linguagens e
compreensões que possibilitem novas interpretações do religioso.
Compreende-se que essa aproximação entre cinema e as artes, em geral, e a
teologia não deve ser utilizada de modo instrumentalista para reforçar ideias religiosas
e teológicas, de modo apologético e sim como aprendizado para novas linguagens e
compreensões que possibilitem novas interpretações do religioso.
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3 CYBER PUNK: influências

Neste capítulo, discorreremos sobre o subgênero da ficção científica, o cyberpunk.


Segundo o professor e psicanalista Rafael Oliveira1 (2017), Neuromancer foi uma das
precursoras do subgênero de ficção científica intitulado cyberpunk, pois nos apresenta
a máxima da “alta tecnologia, baixo nível de vida” (high tech, low life). Assim, esta obra
foi uma das grandes influências tanto na literatura do gênero quanto no cinema, sendo
o maior exemplo, a trilogia de filmes Matrix (1999), das irmãs Wachowski, que
utilizaram de várias referências da obra de Gibson.

3.1 As Características do Gênero

Literatos como Oscar Wilde e filósofos como Karl Marx acreditavam que as
máquinas poderiam ser aliadas perfeitas para a emancipação da humanidade. Cem
anos depois desse pensamento, surgiu uma corrente literária com uma visão distópica
frente aos utopistas do passado: o cyberpunk. Mas o que é Cyberpunk? De que forma
esse gênero se caracteriza? De que forma a trilogia Matrix pode estar relacionada ao
cyberpunk?
Segundo Shiner apud Dyens, (2001, p. 105), o termo cyberpunk foi criado pelo
escritor norte-americano Bruce Bethke em 1983, em sua short-story 2homônima. É
importante mencionar que ela apareceu em uma estória publicada em novembro de
1984 na revista Amazing Stories, mas seu uso foi popularizado alguns meses mais
tarde pelo jornalista Washington Post, Gardner Dozois no seu artigo de 30 de
dezembro de 1984, Intitulado, ‘’FC nos anos 80”.
Quando se fala em cyberpunk logo vem à memória William Gibson, um dos
principais autores de ficção cyberpunk, autor de Neuromancer (1984), livro que serviu
de inspiração para o filme Matrix (1999). Segundo Oliveira Adriano (2011), Matrix é
uma narrativa profundamente influenciada pela ficção cyberpunk, gênero
extensamente abordado pelos teóricos do pós-moderno.
Matrix possui muitas referências à cultura cyberpunk que segundo Ketterer,
(1992), é um gênero de ficção científica de personagens com vida social e econômica

1
https://artrianon.com/2017/05/02/o-que-e-a-matrix-uma-analise-da-realidade-na-literatura-no-
cinema-e-em-nossas-vidas/
2
Short-story é um gênero literário que difere do conto e da novela, tipicamente na língua inglesa.
21

pobre, no entanto, com conhecimento e uso pleno de alta tecnologia. Segundo Kellner
(1995), o cyberpunk é uma resposta à proliferação da tecnologia e da cultura de
massa, elementos que ele incorpora em seu material temático.
Conforme Moylan (2000), a trilogia Matrix, iniciada em 1999 com The Matrix e
concluída em 2003 com Matrix Reloaded e Matrix Revolutions, dos diretores Larry e
Andy Wachowski, representa o mais emblemático sucesso cinematográfico do
cyberpunk, subgênero da ficção científica que se caracteriza pela apropriação de
tecnologias de ponta para o embate com o poder ditatorial de mega-corporações, da
luta de rebeldes hackeando o sistema em um cenário avançado de distopia.
Segundo o crítico Adriana Amaral (2006)

O termo cyberpunk foi cunhado pelo escritor norte-americano Bruce Bethke


em seu conto homônimo, publicado primeiramente em um fanzine em 1980.
Em 1984, Bethke republicou a estória na prestigiosa revista de ficção-
científica Amazing Stories. Também em 1984, o escritor William Gibson
lança, Neuromancer, primeira parte da sua trilogia sobre o ciberespaço. Ao
contar a estória de Case, um pirata digital, Gibson estabelece toda uma
problemática e estética (seus personagens foram chamados de Mirrorshades
porque usavam um figurino de jaquetas de couro pretas e óculos escuros
espelhados) para uma geração de escritores. A estória sobre a paranóia de
um hacker frente ao poder das megacorporações que aprisionam os
indivíduos é a principal narrativa de Neuromancer e, também está presente
em Matrix, na dicotomia Anderson/Neo, em sua passagem do mundo
“real/aparente” ao mundo virtual. (ADRIANA AMARAL, 2006)

Através da citação acima, observa-se que o Cyberpunk foi um movimento que


emergiu como um subgênero da ficção científica na década de 1980. O movimento
cyberpunk nos faz refletir acerca da relação do homem com tecnologia, o caráter
subversivo do indivíduo frente ao sistema e a exploração do ciberespaço como
ambiente entre seres humanos e a inteligência artificial.
A palavra Cyberpunk, sintetizava duas ideias centrais da temática: cyber, como
ideia de alta tecnologia (implantes cibernéticos, biotecnologia, tecnologia digital); e
punk, inspirado no movimento sociocultural homônimo, marcado pela iconoclastia e
rebeldia.
O estudioso Douglas Kellner (2001) define cyber e punk oferecendo mais pistas
sobre as características temáticas:

Cyber é grego; significa controle. Com ela foi formada a palavra cibernética,
indicativa de um sistema de controle altamente tecnológico que combina
computadores, novas tecnologias e realidades artificiais como estratégia de
manutenção e controle [...] O punk, [...] indica a rispidez e a atitude da dura
vida urbana [...] Como fenômeno subcultura, cyberpunk [...] significa uma
22

postura vanguardista incisiva em relação à tecnologia e a cultura ávida de


abraçar o novo e disposta a rebelar-se contra as estruturas e as autoridades
estabelecidas (DOUGLAS KELLNER, 2001, p.383)

É importante frisar que na época em que o Cyberpunk nasceu, já havia passado


o período conhecido como era dourada da ficção científica. Os temas da famosa “era
dourada” estavam voltados para as explorações espaciais, ataques de civilizações
alienígenas e futuros em que a tecnologia seria uma espécie de aliada do homem,
ajudando-o a combater as mazelas sociais, porém a “era dourada” não conseguiu
sobreviver à contracultura dos anos 1960, sendo 'infectados' por essa e pelas diversas
lutas sociais ocorridas naquele período. Desta forma, surgiu a chamada New Age da
ficção científica. E como leitor, você já pode imaginar que as temáticas da New Age,
divergiam da “era dourada”.
O movimento cyberpunk considerou-se, inicialmente, um herdeiro direto
da New Age da ficção científica, a questão principal não era mais o que é - e o que
não é - humano ou máquina e as fronteiras dessa relação (como no filme Blade
Runner, de Ridley Scott, por exemplo), mas sim como o encontro humano-máquina
serve enquanto possibilidade de luta aos indivíduos (como no filme Matrix).
De acordo com Grossman e Lacayo (2005), Neuromancer foi a primeira obra
do gênero a receber os principais prêmios do segmento de ficção científica. A obra
não só se tornou referência em seu nicho, mas deu também visibilidade ao próprio
movimento figurando na lista da revista Time entre as 100 novelas escritas desde
1923, em língua inglesa.
Segundo Adriana Amaral (2006) é a partir de Neuromancer (1984), que o
cyberpunk flerta com o status de “literatura séria”. O cenário do cyberpunk começa a
sofrer mudanças e caminhar para um pensamento unificado entre literatura e teoria,
assumindo-se como uma apresentação do material tecnológico da sociedade.
De acordo com o pesquisador Kevin McCarron (1995), o cyberpunk apresenta
questões filosóficas de ordem moderna e percebe-se que isso nos remete à dicotomia
cartesiana mente/corpo, e compreende-se que a mente pura apresenta um
desprendimento puritano do corpo, sendo este, um acidente de percurso. A narrativa
cyberpunk discute as hierarquias humanas sugerindo uma diminuição e, quase um
borrão, nas diferenças entre animais, humanos, androides, etc. Nota-se que há uma
desconsideração em relação ao físico, uma fascinação com as formas pelas quais a
carne é irrelevante comparada com a memória.
23

Em Matrix, fica claro que o corpo e a mente encontram-se desprendidos e há


uma espécie de glorificação da mente enquanto elemento superior ao corpo, afinal é
por meio dela que são acessados os mundos dentro e fora da própria matrix. A
superioridade da mente sobre o corpo é enfatizada no filme, uma vez que a mente
desencadeia e comanda as ações de luta entre as personagens.
O computador, seja o hardware ou o software, é essencial por ser uma metáfora
para a memória humana. Sendo assim, o grupo de resistência montado por Morpheus
está tentando preservar a memória humana do esquecimento provocado pelas
máquinas.
Sobre essa temática, McCarron(1995) lista ainda outros pontos centrais na
ficção cyberpunk, dos quais destacam-se os mais importantes, relacionando com
Matrix :
• Falta de interesse pela reprodução biológica – O interesse pelo sexo só
aparece para os que estão fora da Matrix, ou seja quando Neo e Trinity tem
contato íntimo ou mesmo na “rave”/ orgia protagonizada pelos habitantes de
Zion nesse mesmo momento.
• Há possibilidade de mundos paralelos – Os mundos de dentro e fora da
Matrix.
• O ciberespaço é apresentado teologicamente – Conceitos religiosos
permeiam a trilogia com o intuito de apresentar a matrix como uma entidade
simbólica e mística.
• Há uma sátira ao “capitalismo” e à “sociedade” em geral, mas, há uma
utilização extensiva dos meios de comunicação para divulgar as obras – Essa
característica é o grande paradoxo de Matrix e de toda a cultura cyberpunk,
ou seja, é um produto que critica os usos da tecnologia pela sociedade e ao
mesmo tempo utiliza-se das estratégias de mídia existentes nela para se
promover. McCarron (1995)

Como se pode perceber, as narrativas cyberpunk tratam a tecnologia como um


dos maiores problemas que a sociedade enfrenta.
No capítulo seguinte analisaremos Matrix, um filme inspirado na narrativa
Neuromancer 1984, de William Gibson, onde o termo “matrix”, que no livro é uma rede
mundial de computadores, aparece pela primeira vez em uma obra de ficção científica.
24

4 MATRIX: uma análise à luz das escrituras sagradas

Matrix é um filme de ficção científica e ação, produzido pela Warner Bros e


dirigido pelas irmãs Wachowski, estreado nos cinemas Americanos no dia 31 de
março de 1999. Parte de uma trilogia (The Matrix, Matrix Reloaded e Matrix
Revolutions), o filme tornou-se um ícone dentro do mundo cyberpunk, subgênero de
ficção científica.
A obra nos remete a uma situação de enorme complexidade, um mundo
paralelo, porém imensamente comum ao nosso, onde a maioria das pessoas vivem
imersas em um mundo ilusório e são raros os que procuram a liberdade e desejam
viver em um mundo real onde possam tomar suas próprias decisões e fazer parte do
lugar primário do ser humano, a realidade. Neo, o protagonista, assume o papel de
homem que busca a liberdade, livrado da Matrix por Morpheu, que vê nele as
características de um homem que pode mudar a humanidade, livrando-a das
máquinas e reconquistando para os homens a capacidade de controlarem suas
próprias vidas.

4.1 Visão Geral da Obra

O que é a Matrix? A Matrix é o mundo que se apresenta aos nossos olhos para
que não vejamos a verdade. Mas que verdade? Que somos escravos. Em Matrix, a
condição do homem é de escravidão, todos foram subjugados pelas máquinas. Assim
como no Cristianismo, a escravidão é resultado da ação do próprio homem.
Segundo Juri Castelfranchi, professor de Sociologia de Ciência da Tecnologia
na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o filme está mais atual do que
nunca e a discussão em torno dele é tão grande que daria para fazer um “congresso
internacional de uma semana inteira” e nos leva quase sempre à discussão entre o
que é sonho e o que é realidade, a Matrix é um mundo fictício, as pessoas estão
“dormindo” e precisam acordar para a realidade. Mas que realidade?
É quase impossível assistir ao filme e não se questionar acerca da realidade:
“até que ponto o que vivemos é realidade e não uma farsa?" Como saber a diferença
entre o mundo dos sonhos e o real?
Há um momento em que Morpheu faz algumas indagações a Neo acerca da
realidade:
25

“ O que é real? Como você define o real? Se você está falando sobre o que
você pode sentir, o que você pode cheirar, o que você pode saborear e ver,
o real são simplesmente sinais elétricos projetados pelo seu cérebro”.
“ Já teve um sonho (...) que você tinha certeza de que era real? E se você
não conseguisse acordar desse sonho? Como saberia a diferença entre o
sonho e o mundo real? MATRIX, 1999,

A matrix nos mostra como o ser humano avalia a realidade numa sociedade
como a nossa. Avalia pelos sentidos, como diz a citação acima, por aquilo que
podemos tocar, apalpar, ver, saborear, cheirar.
Observa-se que o filme oferece a sua resposta para a “realidade”, fazendo
referência a coisas tão cotidianas como um déjà vu, dando-lhe sentido, moldando-o
ao sistema proposto. Matrix é uma espécie de realidade virtual na qual todos nós
estamos dormindo e vivemos como se fosse real, um mundo projetado para enganar
as pessoas, Neo, acreditava que vivia de forma livre, mas tudo isso era uma ilusão,
na verdade, o que se compreende é que o mundo é uma Matrix ilusória e os homens
são escravos, estão com os olhos vendados, alienados.
Compreende-se através do filme, que Neo tem o papel principal na história, ele
se sentia inquieto, sentia como se houvesse algo de errado com o mundo que vivia,
estava esgotado de viver na ilusão, queria enxergar de fato, como era a realidade,
saber o que estava por trás das aparências, sair da zona de conforto e embarcar em
uma jornada em busca de respostas.
Não poderia deixar de mencionar algumas alusões do filme Matrix com Alice
no país das maravilhas e Alice através do espelho, logo no início do filme. No momento
em que Neo estava dormindo diante do computador, de repente ele acorda e percebe
que a tela havia escurecido completamente, e que alguém estava se comunicando
com ele através de mensagens que apareciam na tela do seu computador, sendo que
uma delas dizia o seguinte: “Siga o coelho branco”. Nota-se que este coelho branco
estava tatuado no ombro da garota que estava com Choi, para quem Neo prestava
serviços como hacker.
Após ver a tatuagem, Neo acompanha Choi e a garota até uma boate
underground, onde é abordado por Trinity, que fala pela primeira vez sobre a Matrix.
Percebe-se também que Alice caiu na toca do coelho e entrou no País das Maravilhas:

Alice se levantou num pulo, porque constatou subitamente que nunca tinha
visto antes um coelho com bolso de colete, nem com relógio para tirar de lá,
e, ardendo de curiosidade, correu pela campina atrás dele, ainda a tempo de
vê-lo se meter a toda pressa numa grande toca de coelho debaixo da cerca
(CARROLL, 2002, p.11).
26

Ademais, em outra cena ainda mais inspirada nos livros de Alice, Neo encontra-
se com Morpheus num hotel abandonado. Alice, em Alice através do espelho,
atravessa o espelho de sua casa e se vê em uma campina na qual ela vai encontrando
personagens de xadrez como rainhas e peões, e descobre que está dentro de um
jogo.
Paralelamente, no filme, o chão do hotel em que ele encontra Morpheus é todo
quadriculado, como se eles estivessem em um tabuleiro e como se não bastasse,
neste mesmo hotel, ele tem um déjà vu: vê o mesmo gato duas vezes passando pelo
corredor. Similarmente, aconteceu o mesmo com Alice e o gato de Cheschire. “Ainda
estava olhando para o lugar onde o vira quando ele apareceu de novo de repente”
(CARROLL, 2002, p. 64).
Na cena da primeira conversa entre Morpheus e Neo, em uma parte do diálogo,
o primeiro comenta: “Eu imagino que agora você deve estar se sentindo um pouco
como Alice, caindo dentro da toca do coelho”.
Ao analisar o personagem Neo em relação a sua saída da zona de conforto,
lembrei também da alegoria da caverna, de Platão, escrita no livro a República, que
fala de prisioneiros que desde o nascimento estão acorrentados no interior de uma
caverna e só conseguem ver o que está a sua frente, uma parede iluminada por uma
fogueira, e assim, só enxergam as sombras exibidas nas paredes. Um dos
prisioneiros sai do mundo ilusório para o mundo real, consegue se libertar e percebe
que passou sua vida vivendo daquilo que era projetado, mas a partir do momento em
que se inquieta e tenta buscar o que é real, ele ver a realidade como ela é, consegue
enxergar além das aparências.
O personagem Morpheus oferece a Neo a oportunidade de enxergar com seus
próprios olhos, porém para isso, terá que sair da ilusão virtual para o mundo real. A
escolha entre sair ou ficar é dada a ele em forma de um ritual no qual lhe são ofertadas
duas pílulas, uma vermelha e outra azul, para que este escolha e tome apenas uma
delas.
27

Figura 1: Cena da pílula

Fonte: Avila (2021)

O caminho de Neo, e de todos os humanos que conseguiram sair da Matrix,


iniciou-se realmente a partir do momento que eles se desapegaram da falsa realidade
e de seus confortos e prazeres. Todavia, o que proporciona a aceitação daquele
mundo à mente humana é justamente o contrário: o conforto materialista e o apego
ao falso cotidiano, despido de reflexões e questionamentos.
É possível mencionar que o material passa, é algo ilusório, passageiro, escorre
pelas nossas mãos, é algo que vai se dissolvendo com o tempo, não perdura. Na
Bíblia sagrada, no livro de Mateus capítulo 16 versículo 24, Jesus disse aos seus
discípulos: “Se alguém quiser acompanhar-me negue-se a si mesmo, tome a sua cruz
e siga-me”. Nesta passagem, observa-se que Jesus apresenta-nos condições para
sermos seus seguidores, mas para isso precisamos renunciar a nós mesmos.
Em relação ao filme, deixar a Matrix para trás, é renunciar a vida que está diante
dos seus olhos, ou seja, abandonar os conceitos que o mundo tenta fazer com que
assimilemos como verdade desde que nascemos, é uma tarefa que cada um deve
fazer por si mesmo, é embarcar em uma jornada do autoconhecimento, é aceitar que
esse é um mundo ilusório e que alguns indivíduos estão tão habituados a essa
realidade ilusória que até mesmo defenderão esse sistema, caso ele seja ameaçado.
Percebe-se que a Matrix impõe a nós, seres humanos, tantos estímulos
externos que acabamos incorporando esses estímulos como se fossem vontades
nossas, coisas que realmente queremos, então nos esquecemos de entender qual é
a nossa realidade, o que é real para nós e o que nos faz realmente felizes.

A ditadura perfeita terá a aparência da democracia, uma prisão sem muros na qual os prisioneiros não
sonharão sequer com a fuga. Um sistema de escravatura onde, graças ao consumo e ao divertimento, os
escravos terão amor à sua escravidão.
28

O mundo “real”, ou seja, o ambiente fora da Matrix, era, aparentemente, mais


material e palpável, mas, para se viver nele, era preciso valorizar muito mais a verdade
que ele continha do que a materialidade.
Os personagens Neo, Morpheus e Trinity estavam mais preocupados em viver
na realidade, por mais dura que ela fosse do que continuar no mundo ilusório criado
pelo programa de computador.

Figura 2: Personagens Morpheus, Neo e Trinity

Fonte: Carvalho (2020)

Matrix marcou a história do cinema por conta do seu lado filosófico, e é


importante frisar que o primeiro filme da trilogia é baseado em Neuromancer,
mostrando um novo estado de consciência, no qual a tecnologia e a mente humana
se fundem, uma aventura com elementos e questionamentos filosóficos.
A principal relação entre a trilogia das Wachowski e o livro de Gibson
(Neuromancer) é a visão da Matrix como rede de informações, a tecnologia no
cotidiano, a realidade virtual, a visão de corpo como prisão para a mente, e a
inteligência artificial como constante ameaça por trás de acontecimentos obscuros.
De acordo com Oliveira Adriano, (2011) o filme Matrix foi alvo de uma
significativa repercussão crítica. Só no Brasil já foram lançados dois livros contendo
artigos e ensaios de renomados autores: A pílula vermelha Yeffeth, (2003) e Matrix:
bem-vindo ao deserto do real, de Irwin, (2003). Este fato pode ser visto, em parte,
como consequência da forma como o filme retrata explicitamente a realidade virtual,
numa época em que a cultura do ciberespaço havia se tornado foco de extensos
esforços teóricos.
29

4.2 A Bíblia em Matrix

Quem é cristão, ao assistir Matrix, logo percebe a presença de literatura bíblica


na produção do filme. Não é preciso ser nenhum especialista em análise de filmes
para observar que algumas “coincidências” com o cristianismo são fáceis de serem
percebidas.
A mensagem central do filme é que todos nós vivemos numa simulação da
realidade e que apenas poucos não se conformam e tentam acordar. Esta mensagem
nos remete à passagem bíblica de Romanos capítulo 12 versículo 2 que diz: “E não
sedes conformados com este mundo, mas sedes transformados pela renovação do
vosso entendimento, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita
vontade de Deus”.
À medida que vamos assistindo, observa-se fortemente a questão do
pluralismo religioso. É possível identificar algumas religiões, porém o cristianismo é
uma das religiões mais focadas no filme e isso é nítido.
Não poderia deixar de mencionar aqui que os termos Oráculo e eleito utilizados
no filme, são bastante comuns na bíblia como exemplo temos:

Porque o rei da Babilônia pára na encruzilhada, na entrada dos dois


caminhos, para consultar os oráculos, sacode as flechas, interroga os ídolos
do lar, examina o fígado” (EZEQUIEL 21,21).

Na citação acima, observa-se o rei da Babilônia consultando os seus deuses,


pois necessitava compreender os oráculos (respostas) às suas dúvidas. É pertinente
destacar que consultar os oráculos era uma prática bastante comum entre os pagãos,
eles tinham o costume de consultar imagens, objetos, espíritos, ou seja, qualquer
coisa relacionada aos seus deuses que pudesse trazer alguma resposta para suas
dúvidas e indagações.
No filme Matrix, o oráculo disse a Morpheu que ele encontraria o escolhido, o
eleito, a pessoa que romperia o poder da Matrix e libertaria a humanidade com a
verdade. Na bíblia sagrada, observa-se que a vinda de Jesus também foi anunciada
através das profecias. Os profetas do antigo testamento anunciavam a vinda do
Messias, o eleito: Isaías (7:14): “Portanto o Senhor mesmo vos dará um sinal: eis que
uma virgem conceberá, e dará à luz um filho, e será o seu nome Emanuel”. Isaías
30

(9:6): "Porque um menino vos nasceu, um filho se nos deu; e o governo estará sobre
os seus ombros; e o seu nome será: Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte, Pai Eterno,
Príncipe da Paz.
No livro do evangelista Lucas (7:19) observa-se a expectativa messiânica: E
João, chamando dois dos seus discípulos, enviou-os a Jesus, dizendo: ``És tu aquele
que havia de vir, ou esperamos outro?". No filme o personagem principal, Neo é
apresentado como o eleito, o escolhido, o esperado, uma espécie de redentor cuja
vinda havia sido profetizada pelo oráculo (uma referência mais clara ao "Oráculo de
Delfos", presente, sobretudo, nos textos clássicos da filosofia grega; e também uma
possível referência às profecias de Isaías acerca da vinda do Messias, o Ungido de
Deus.
Conforme os estudiosos Leão; Souza (2004)

encontramos o primeiro elemento da filosofia cristã: o Messias, o Cristo do


cristianismo é aquele que resgatará toda a humanidade e estabelecerá um
tempo de paz e plenitude para todos. Em Matrix, esse messias é Neo, aquele
que vencerá as máquinas e acabará com a guerra. Nesse particular é
interessante a comparação entre Neo e Jesus: ambos são jovens, não se
sentem de modo algum revestidos de poderes especiais até que chega um
dia em que algum acontecimento desencadeia a transformação definitiva em
suas vidas. Leão; Souza ( 2004, p. 04)
.

Há uma cena em que Neo encontra-se fugindo dos agentes após ter ficado
preso na Matrix e em meio a muita correria, perto de encontrar a rota de saída ele se
depara com o agente Smith esperando-o no quarto. Neo é baleado e tido como morto
e, nesse momento, Trinity que estava fora da Matrix, sussurra no ouvido de Neo e diz:
por favor, me ouça (...) O Oráculo, ela me disse que eu me apaixonaria e que (...) esse
homem seria o Escolhido. Você entende? Você não pode estar morto (...) porque eu
te amo".
Figura 3: Trinity e Neo .

Fonte: Chain Gartenberg 2019.


31

Trinity em inglês significa Trindade e analisando as escrituras sagradas,


observa-se que foi no Batismo de Jesus que a primeira manifestação da trindade é
narrada: “Batizado Jesus, saiu logo da água, e eis que se lhe abriram os céus, e viu o
Espírito de Deus descendo como pomba, vindo sobre ele. E eis uma voz dos céus,
que dizia: Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo” (Mt 3.16-17). É este
acontecimento que marca o início do ministério público de Jesus, como o Escolhido,
o Messias, o ungido de Deus, que receberia poder. Igualmente no filme, Neo recebe
poder, ao enxergar a realidade codificada na Matrix.
No final do filme Matrix Reloaded, o arquiteto diz a Neo:
“A primeira Matrix que eu desenhei era naturalmente muito perfeita, ela era
uma obra de arte, pura, sublime. Um triunfo igualado somente pela sua falha
monumental. A inevitabilidade da sua destruição é evidente para mim agora
como uma consequência da imperfeição inerente em todo ser humano”
( Matrix 1999)

Quando o arquiteto fala em “primeira Matrix”, percebe-se a analogia com o


jardim do Éden.
O Senhor Deus plantou um jardim na região do Éden, no leste, e ali pôs o ser
humano que ele havia formado. O senhor fez com que ali crescessem árvores
lindas de todos os tipos, que davam frutas boas de se comer. No meio do
jardim ficava a árvore que dá vida e também a árvore que dá conhecimento
do bem e do mal.
No Éden, nascia um rio que regava o jardim e que, saindo dali, e dividia,
formando quatro rios. O primeiro é o Pisom, que rodeia a região de Havilá,
onde há ouro. O ouro dessa região é puro, e ali também há um perfume raro
e pedras preciosas. O segundo rio é o rio Tigre, que passa a leste da Assíria.
E o quarto rio é o Eufrates. (Gênesis 2 -8-14).

Através dessa citação, observa-se como o jardim do Éden era um lugar


encantador, criado com perfeição, assim como a primeira Matrix relatado pelo
arquiteto, mas a desobediência do primeiro casal, acabou destruindo toda aquela
perfeição criada com tanto esmero.

A cobra era o animal mais esperto que o Senhor Deus havia feito. Ele
perguntou à mulher:
- É verdade que Deus mandou que vocês não comessem as frutas de
nenhuma árvore do jardim?
A mulher respondeu:
Podemos comer as frutas de qualquer árvore, menos a fruta da árvore que
fica no meio do jardim.
Deus nos disse que não devemos comer dessa fruta, nem tocar nela. Se
fizermos isso, morreremos.
Mas a cobra afirmou:
Vocês não morrerão coisa nenhuma! Deus disse isso porque sabe que
quando vocês comerem a fruta dessa árvore, os seus olhos abrirão e vocês
serão como Deus, conhecendo o bem e o mal. A mulher viu que a árvore era
32

bonita e que as suas frutas eram boas de se comer. E ela pensou como seria
bom ter entendimento, aí apanhou uma fruta e comeu e deu ao seu marido e
ele também comeu. (GÊNESIS 3: 1-6)

Segundo William Irwin em seu livro Matrix- bem-vindo ao deserto do real (2003),
o caminho de Neo tem muitos elementos da história de Jesus, incluindo a concepção
imaculada. Na cena em que ele é resgatado da Matrix, Neo acorda e se vê num
invólucro que lembra um ventre, é desligado dos cabos com aspecto de cordão
umbilical e desliza por um tubo que pode simbolizar o momento do parto. Além disso,
como os humanos são “cultivados, não nascem” no mundo real dominado por
máquinas, o despertar de Neo e seu surgimento naquele mundo é quase literalmente
uma “concepção imaculada”.
É importante também mencionar que no primeiro filme da trilogia, quando Neo
vende um software ilegal para Choi, este diz: “Aleluia! Você é meu salvador, cara! Meu
Jesus Cristo particular!” Neo era o nome do hacker Thomas Anderson e,
etimologicamente, portanto, Anderson significa “filho do homem”, um epíteto assumido
por Jesus - “E, tomando consigo os doze, disse-lhes: Eis que subimos a Jerusalém, e
se cumprirá no Filho do homem tudo o que pelos profetas foi escrito” Lucas (18.31),
“Quando levantardes o Filho do homem, então sabereis que sou quem digo ser” João
(8:28).
De acordo com Jorge Miklos e Gislene Lima Pereira em artigo: O trajeto
Antropológico nos filmes de Sci –Fi : Um estudo do filme Matrix na perspectiva da
Mitocrítica, Matrix refere-se aos preceitos da teologia bíblica, mas vem moldado ao
mundo contemporâneo, em que o novo Messias – Neo, sente dúvidas sobre si mesmo,
sente angústia, medo e paixão. Neo, um novo Messias para o mundo contemporâneo,
que se apaixona pela bela Trinity e que não crê em si próprio, se é ou não o Escolhido.
Quando Neo tem o seu encontro com Morpheus, observa-se que ele é tratado
com um alguém superior, mas que precisa fazer uma escolha. Da mesma forma que
Jesus, mesmo sendo um ser “poderoso” e “divino” precisou escolher entre sua vida e
a sua morte para a salvação de muitos, Neo também precisou fazer uma escolha,
escolher entre a pílula azul e a vermelha. Neo tinha diante de si, dois caminhos: ingerir
a pílula azul e continuar “dormindo” ou ingerir a pílula vermelha e “acordar”, ser liberto
e, este fato apresentado no filme me fez lembrar do livro do evangelista João 8: 32
que diz: E conhecereis a verdade e a verdade vos libertará.
33

MORPHEU -Eu imagino que deves está se sentindo um pouco como Alice,
escorrendo pela toca do coelho.
NEO- Eu acho que sim
MORPHEU -Vejo isso em seus olhos, você é um homem que aceita o que
ver, porque pensa está sonhando. Ironicamente não está longe da verdade.
Você acredita em destino Neo?
NEO-Não
MORPHEU-Por que não?
NEO-Porque não gosto da ideia de não poder controlar a minha vida.
MORPHEU -Eu sei exatamente o que quer dizer.
MORPHEU- Deixe que eu diga porque está aqui. Está aqui porque sabe de
alguma coisa. Uma coisa que não sabe explicar, mas você sente. Você sentiu
a vida inteira que há alguma coisa errada com o mundo, você não sabe o que
é, mas está ali, como uma farpa em sua mente deixando-o louco. Foi essa
sensação que o trouxe a mim. Você sabe do que eu estou falando.
NEO: Matrix?
MORPHEU: Você quer saber o que é Matrix?
Matrix está em toda parte, está a nossa volta, mesmo agora nessa sala aqui,
você a ver quando olha pela janela ou quando liga a televisão, você sente
quando vai trabalhar, quando vai à igreja, quando paga seus impostos. É o
mundo que acredita ser real para que não perceba a verdade.
NEO: Que verdade
MORPHEU: Que você é um escravo, como todo mundo, você nasceu em um
cativeiro, nasceu em uma prisão que não pode ver, sentir ou tocar, uma prisão
para sua mente. Infelizmente não se pode explicar o que é Matrix, é preciso
que veja por si mesmo. Essa é a última chance, depois disso não haverá
retorno. Se tomar a pílula azul, fim da história, vai acordar na sua cama e
acreditar no que você quiser. Se tomar a pílula vermelha fica no país das
maravilhas e eu vou te mostrar até onde vai a toca do coelho.
Lembre-se, eu estou oferecendo a verdade, nada mais.
The Matrix. Warner, 1999.

Esta citação acima, pode ser associada à questão do livre arbítrio que é tão
pregado no cristianismo. Nós cristãos, aprendemos desde cedo que somos livres para
fazermos nossas escolhas e que em nossa vida existem dois caminhos: a porta
estreita ou a porta larga.
Mateus 7. 13-14 diz assim: “Entrai pela porta estreita; porque larga é a porta, e
espaçoso o caminho que conduz à perdição, e muitos são os que entram por ela; E
porque estreita é a porta, e apertado o caminho que leva à vida, e poucos há que a
encontrem.” Assim como Neo, nós também precisamos escolher qualquer caminho a
seguir, cada caminho tem suas implicações, Neo escolheu a pílula vermelha, o
caminho mais difícil, mas este caminho o levou a conhecer a verdade, a partir daquele
momento, seus olhos abriram e Neo acordou depois de uma vida inteira “dormindo”.
Além das semelhanças observadas entre Neo e Jesus Cristo, o filme ainda
apresenta outras, com personagens e situações bíblicas. Cypher, por exemplo, é o
traidor dos rebeldes e pode ser uma referência a Judas Iscariotes, o traidor de Jesus,
34

ou ao próprio Lúcifer - já que o nome Cypher parece ser uma forma reduzida de
Lúcifer.

Figura 4: Cypher- cena do bife

Fonte: Carolina Marcello

O personagem Cypher é o Judas da história pelo fato de trair os “discípulos”


da Matrix tentando impedi-los de voltarem para a nave. A sua traição é feita em troca
de ilusão do mundo virtual, inclusive, ele diz que a “ignorância é uma bênção”.
Não poderia deixar de destacar que no fim de Matrix Revolutions, Neo derrota
Smith, mas isto acaba lhe custando sua própria vida e isso pode ser comparado a
Jesus, pois ele se entregou ao seu destino, morrendo na cruz. Ao destruir Smith,
observa-se que ele também é destruído, vemos as máquinas carregarem seu corpo,
seus braços abertos, da mesma forma como Jesus na cruz.
Como podemos perceber, na trilogia Matrix encontram-se muitas semelhanças
com as escrituras sagradas.
35

5 CONCLUSÃO

A partir da presente pesquisa foi possível verificar uma estreita ligação entre
Matriz e a Bíblia. O caráter comprovadamente multidisciplinar de Matrix dá margem a
uma multiplicidade de abordagens que permitem um rico diálogo com diversas áreas
do conhecimento.
Como se pode perceber, de forma clara e concisa, a bíblia apresenta-se como
fonte de inspiração artística, destacando sua relação com a literatura e com o cinema.
Como fonte literária, a Bíblia é considerada um clássico, não somente por seu sucesso
de vendas, mas por sua atemporalidade, por sua capacidade de sempre dizer algo
novo em cada releitura feita por quem dela desfruta.
No tocante à relação Bíblia e cinema, percebe-se que este tem bebido em
fontes bíblicas ao longo de toda a sua história, seja de forma direta, seja de forma
indireta. Nós mencionamos também a correlação existente entre a bíblia e o cinema
e as influências do Cyberpunk, pois Matrix possui muitas referências a esta cultura.
Em suma, estudar sobre a Matrix é se permitir abrir nossas mentes para
entender a diferença entre o mundo real e o mundo ilusório, pois a realidade nem
sempre apresenta de forma palpável ou concreta.
A mensagem que o filme nos transmite é que estamos vivendo numa simulação
da realidade, mas nos conformamos. Nessa perspectiva, estamos tão acomodados,
que não conseguimos enxergar a realidade como ela é, estamos com os olhos
vendados e as mentes sedadas, e sair desse lugar acaba sendo um processo dolorido.
36

REFERÊNCIAS

CARROLL, L. Alice: edição comentada. Tradução de M. L. Borges. Rio de Janeiro:


Jorge Zahar, 2002.

COZZER, Roney Ricardo. Introdução ao Novo Testamento. Joinville, SC:


Faculdade FABRA, 2020.

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In: abiblia.org. Publicado em: 10/11/2011. Disponível em: Quais os gêneros


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http://www.abiblia.org/ver.php?id=2759. Acesso em: 17/11/2017

IRWIN, W.(org.) Matrix: bem-vindo ao deserto do real. Tradução de M. M. Leal. São


Paulo: Madras, 2003

DANIEL, Roberto Francisco. Cinema – uma experiência mística. Bauru: EDUSC –


Editora da Universidade do Sagrado Coração, 1998.

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