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Açailândia
2022
JUCILENE DA SILVA SOBRAL
Açailândia
2022
Ao Manoel Delamar e à Maria José,
meus pais e à Alysson Franco, meu
marido, pelas referências cotidianas
sobre o significado da vida, o que me
enche de orgulho e enaltece a minha
admiração.
AGRADECIMENTOS
5. CONCLUSÃO ............................................................................................. 45
1 INTRODUÇÃO
A citação no livro explana uma ideia sobre observar nuances da vida cotidiana
humana em estágios diferentes:
2. O ESTÍMULO DA IMAGINAÇÃO
Cada ser humano tem dentro de si dois tipos de pessoas, conforme afirma
o escritor. Os dois tipos refletem o âmago da alma de cada indivíduo, recriando
páginas e transformando o silêncio, como um espião de cada atitude. Mesmo
buscando-se imaginar através do olho de vidro, a cegueira está dentro de cada
um, ainda que se tenha dois olhos.
Um dia virei meu avô. Minha mãe me vestiu de pirata. Eu nem sabia o
que era carnaval. Coloquei aquela venda no olho. Eu desejava retirar
a venda que cobria o meu olho e me impedia de ver melhor. Faltava
luz para o meu olhar. Nesse momento, eu me imaginei com um olho
de vidro, como aquele do meu avô e comecei a imaginar como era a
vida dele. Foi então que me acostumei com aquela venda nos olhos.
Com um olho eu via as fantasias, as máscaras e confetes. Com o outro
eu invadia os sonhos, via navios e encontrava tesouros. Com um olho
eu via as pessoas no carnaval e com o outro eu as imaginava em um
baile de reis e rainhas (QUEIRÓS,2004, p.11-12).
Com o olho direito meu avô via o sol, a luz, o futuro, o meio-dia. Com
o olho esquerdo ele via a lua, o escuro, o passado, a meia0noite. Um
dia me falaram que a alma tem dois olhos. Com um, ela olha para o
tempo, com o outro, ela namora a eternidade. Um olho é do amor e o
outro é do desamor (QUEIRÓS,2004, p.8).
Meu avô não deixou herança a não ser sua história. Sobraram os
ternos de linho engomados no guarda-roupa, a mala com as pílulas, a
cadeira de balanço embalando todo o silêncio do mundo. Mas para
mim, depois de passar de mão em mão, restou seu olho de vidro, agora
sobre a minha mesa, dormindo num pires. E sempre que passo diante
dele repito: olho de vidro não chora. Olho de vidro brilha por não ver.
Nunca vou saber o que o olho de vidro do meu avô não viu (QUEIRÓS,
2004, p.46).
''Meu avô via a vida pela metade, eu cismava, sem fazer meias perguntas.
Tudo para ele se resumia em meio-mundo. Mas via a vida por inteiro, eu sabia.''
Tal característica de dualidade é uma prospecção de um mundo irreal. Dois
universos. Um universo bom e um mau, a capacidade de olhar projetando a
reconstrução de memórias, onde cada situação era representada por nomes e
havia um olhar para tudo que há no seu mundo imaginário.
A criança idealiza tudo através do que é visto. Desta maneira, surge o ser
solitário na sua jornada de identificação das coisas. A criança vê com o olho, o
toque, o cheiro e o sons. Com a intuição dos sentidos, tem percepções do
universo no qual está inserida.
Existe uma lacuna não preenchida pelo que não foi visto pelo olho de vidro
do avô, levando ao menino a criação de um ambiente de superproteção,
identificado pela magia em torno da causa sentimental que envolve o grau de
parentesco avô-neto, no universo de transição de fases, onde tudo se
transforma.
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3. METODOLOGIA DO TRABALHO
Um dia virei meu avô. Minha mãe me vestiu de pirata. Eu nem sabia o
que era carnaval. Meu desejo era agastar a venda que cobria o meu
olho e me impedia de ver melhor. Faltava luz par ao eu olhar. Mas sem
a venda eu deixaria de ser o pirata e ainda mataria a alegria da minha
mão de me ver como seu pai. Com um olho eu via o baile, as máscaras,
os disfarces. Com o outro eu invadia caravelas, assaltava navios,
vencia mares, me assustava com os tesouros. Com meu avô eu via
visível e me encantava com o invisível. Não ter o olho é ver duas vezes.
Com um olho você vê o raso e com o outro mergulha o fundo
(QUEIRÓS,2004, p.11-12).
Quando o toque não supre o desejo pela busca, o irreal tenta transpor a
imaginação, dando espaço aos sentidos. Com a insegurança gerada pelo tato,
surgem outros sentidos que concretizam as ambições do olhar de vidro, sendo
o paladar, o olfato, o cheiro e o sabor:
Minha avó se aprumou com o dia. Vagou pela casa perseguindo algum
motivo para explicar a ausência do marido. Nem o silêncio, que tudo
sabe, respondeu. Ela debruçou na janela, buscando um milagre no fim
da rua. Passou uma hora e mais duas horas e mais três horas e só o
vazio crescia (QUEIRÓS,2004, p.43)
Tal relação entre olho degustador e mar não é uma coincidência. Uma vez
que o avô tenta digerir o mundo, através do sal do mar, que nada mais é que
algo dentro de cada ser:
Sob esse aspecto, o sal está ligado a uma concentração típica. Pela
evaporação do supérfluo, logo aparece, numa solução de sal, matéria
essencial, preciosa. O mito é naturalmente levado ao extremo pela
intuição da interiorização. Como afirma Nicolas de Locques, “o sal é
sempre o íntimo do íntimo”. Ou seja, o sal é a essência da essência, a
substância da substância. Daí, uma razão de valor substancial, não
discutida (BACHELARD, 1996, p.151).
O avô com seu olhar de vidro não almeja mais devorar o mar, tendo em
vista que seu olhar já digeriu todos os sofrimentos através das lágrimas
vivenciadas por ele e por seus entes queridos. Existe uma essência por trás
desse olho, emitindo ensinamentos para a vida do menino. Não há como
identificar como tal transmissão acontece, pois na obra o narrador pontua que
''O silêncio é a essência'' (QUEIRÓS, 2004, p.11).
Lembro-me de que quando sua dor era maior que a cruz, ela se
assentava na cama, entre lençóis e brancura e se punha a cantar. A
melodia invadia a casa, os cômodos, os quintais, os vizinhos. Sua voz
afinada desafinava a nossa esperança. A música foi sua maneira de
prolongar a partida. Não havia remédio maior que a canção para
ultrapassar seu desespero (QUEIRÓS,2004, p.20-21).
Nesse universo de fábula infantil que virava uma festa, o silêncio seria
incapaz de desconstruir tal liberdade das cenas: ''Cachoeiras, ruas, quintais,
matos, árvores, escolas e livros.'' Desafiando todo o cerne do silêncio, surge a
mãe que cria e projeta sonhos através da sua cantiga.
Dizem que ele viajou para São Paulo. Naquele tempo. São Paulo ficava
quase em outro país. Foi comprar esse olho que não vi. Ele jamais
acreditou que, em terra de cego, quem tem um olho é rei. Venceu
longos dias de estrada, poeira, lama, fantasiado de pirata, como se
fosse carnaval. Tudo para conquistar um olho. Meu avô era vaidoso,
mesmo sem desejar ter reinado (QUEIRÓS,2004, p.7).
mundo sem memória com um lado quente e outro frio'' (p.44). Essa tensão nos
conduz à uma imaginação da matéria partindo dessa dicotomia: O olho de vidro
do meu avô, em um choque de realidade na projeção de imagens quentes e frias.
Ele nos doava um sorriso leve com meio canto da boca, como se
zombando de nós. O pensamento vê o mundo melhor que os olhos, eu
tentava justificar. O pensamento atravessa as cascas e alcança o miolo
das coisas. Os olhos só acariciam as superfícies. Quem toca o bem
dentro de nós é a imaginação (QUEIRÓS,2004, p.5).
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Dizem que ele viajou para São Paulo. Naquele tempo, São Paulo ficava
quase em outro país. Foi comprar esse olho que não via. Ele jamais
acreditou que, em terra de cego, quem tem um olho é rei. Venceu
longos dias de estrada, poeira, lama, fantasiado de pirata, como se
fosse carnaval. Tudo para conquistar um olho. Meu avô era vaidoso,
mesmo sem desejar ter reinado (QUEIRÓS,2004, p.7)
A viagem para São Paulo foi uma experiência dura no contexto de vida
cotidiana do avô. Aqui ele extrai seu orgulho, desprezando coisas superficiais,
onde as suas vontades ultrapassam limites impossíveis.
Nem sempre tudo está ao alcance das mãos, alguns sonhos e conquistas
ficam na imaginação. O universo do olho de vidro traz consigo a semelhança do
olho como órgão, o músculo. Mas na sua introdução, remete que a transparência
do elemento vidro penetra os caminhos da imaginação.
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Ele partia no meio da tarde. Andava pelo lado direito da rua, segurando
a bengala na mão esquerda. Procurava as sombras dos muros com se
sentisse calor. Tinha os sapatos engrazados, brilhantes e pretos como
jabuticabas. Andava leve como os gatos em cima dos muros. Se
chovia, trocava a bengala pelo guarda-chuva preto. Continuava
procurando as sombras. Não olhava para os lados. Sem ver, ele
também achava que não era visto. Sabia o caminho de cor. Minha avó
reparava em sua partida e tinha certeza de sua volta. Eu ficava dividido,
morando em dois corações (QUEIRÓS,2004, p.32-33).
com o avô, deixa subentendido que existiam segredos ocultos nesses passeios.
Tal segredo também gera um contexto duvidoso no aspecto da avó esperar a
sua volta. Na verdade, não se sabe se o menino estava apenas criando um
imaginário dentro da explosão amorosa que representada os olhares do amor.
Porém, a síntese que o olho artificial produz cria uma imagem literária
onde a naturalidade é perturbada. No ambiente doméstico, o olho é um elemento
de paz, ora representado pelas inquietações dos desejos e anseios e das suas
reais necessidades. A água é o posto do fogo, logo, a consonância das
transformações das imagens, como fases da vida do avô, até chegar ao estágio
da morte do avô:
Para o narrador existem dois caminhos que podem ser alicerçados pela
verdade e a dúvida, então a figura da imagem imaginada, refletida através da
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Meu pai dirigia um caminhão muito grande e bonito. Viajava para longe,
levando manteiga para as cidades que só produziam pão. Bom Destino
tinha pão e manteiga. Passava dias distantes e voltava trazendo uma
carroceira de notícias. Eu ficava impressionado como era grande o
mundo do meu pai. Ele colocava um travesseiro sobre os seus joelhos,
me assentava em cima e me entregava o volante para eu dirigir.
Naquele tempo eu não sabia nem frear meus pensamentos. Tinha só
duas pernas; imagina dirigir um caminhão com dez rodas
(QUEIRÓS,2004, p.28).
5. CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS