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Clair

[2022]
Todos os direitos dessa edição reservado à
EDITORA CABANA VERMELHA
Parque Universitário - Campinas/SP

TÍTULO ORIGINAL:
A Game of Fate
DIRETORA EDITORIAL:
Elaine Cardoso
TRADUÇÃO e PREPARAÇÃO:
Renata Broock
REVISÃO:
Mari Vieira e Sara Lima
LEITURA FINAL
Gisele Oliveira
PROJETO GRÁFICO DE MIOLO E ADAPTAÇÃO DE CAPA:
Elaine Cardoso
CAPA ORIGINAL
Giulia F. Wille

Todos os direitos reservados ©. Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida,
armazenada ou introduzida em um sistema de recuperação, ou transmitida, em qualquer
forma ou por qualquer meio (eletrônico, mecâni-co, de fotocópia, de gravação, ou outros),
sem permissão prévia por escrito do autor e da editora.
SUMÁRIO

1
UM JOGO DE EQUILÍBRIO
2
UM JOGO DO DESTINO
3
UM JOGO DE MODERAÇÃO
4
MALDITAS MOIRAS
5
UM CONTRATO SELADO
6
UMA ALMA POR UMA ALMA
7
MONTE OLIMPO
8
NA ILHA DE LEMNOS
9
UM JOGO DE MEDO E FÚRIA
10
JOGOS MENTAIS
11
UM JOGO PARA UM DEUS
12
UM JOGO COM UMA DEUSA
13
REDENÇÃO
14
UMA BATALHA DE FORÇA DE VONTADE
15
UM JOGO DE TRAPAÇA
16
UMA BATALHA POR CONTROLE
17
PONTO DE QUEBRA
18
AS TRÊS LUAS
19
PROJETO ANOS DOURADOS
20
UM JOGO DE PAIXÃO
21
UMA MEMÓRIA MARCADA
22
UMA BARGANHA AMARGA
23
OLÍMPIA
24
O BAILE DE ASCENSÃO
25
PARA SEU PRAZER, UMA MONTAGEM
26
O PASSEIO DE UMA VIDA
27
ENSINANDO NOVOS TRUQUES
A UM DEUS ANTIGO
28
UM PIQUENIQUE NO SUBMUNDO
29
UMA TORTURA COMO NENHUMA OUTRA
30
TRAIDOR
31
REIVINDICANDO UMA RAINHA
BÔNUS – MINTA, A HORTELÃ
BÔNUS II – COMPAIXÃO
AGRADECIMENTO
NOTA DA AUTORA
SOBRE A AUTORA
DEDICATÓRIA

Este livro é dedicado a duas das mulheres mais poderosas que conheço:
Leslie e Regina, minhas motivadoras, minhas mentoras, minhas irmãs de
alma. Obrigada por me mostrarem meu próprio poder. Eu as amo em todas as
vidas, eu as amo para sempre.
1
UM JOGO DE EQUILÍBRIO

Hades se manifestou perto da Costa dos Deuses.


À luz do sol, o litoral ostentava águas azul-turquesa e praias brancas e
cristalinas, tudo diante do cenário de falésias, grutas e um mosteiro feito de
mármore branco e verde que podia ser acessado depois de subir trezentos
degraus. Os mortais vinham aqui para nadar, velejar e mergulhar com
snorkel. Era um oásis, até que o sol fazia sua ardente descida no céu.
Após o crepúsculo, o mal se movia na noite escura, sob um céu de estrelas
e um oceano de luar. Vinha em navios e atravessava a Nova Grécia, e Hades
estava aqui para neutralizá-lo.
Ele se virou, cascalho rangendo sob seus pés, caminhou na direção da
Companhia Coríntia, uma pesqueira que ocupava uma grande extensão da
costa. A fachada de gesso do armazém combinava perfeitamente com a
arquitetura antiga que adornava a orla, parecendo desgastada, embranquecida
e charmosa. Uma lâmpada preta simples destacava uma placa com o nome da
empresa, escrito em uma fonte que ostentava prestígio e poder –
características admiráveis quando pertenciam aos melhores da sociedade.
E perigosas quando pertenciam aos piores.
Um mortal se moveu nas sombras. Já estava lá quando Hades chegou e,
sem dúvida, achava que estava bem escondido, talvez estivesse, para outros
mortais, mas Hades era um deus – dominava as sombras.
Quando Hades passou, o homem se moveu, e o deus se virou, sua mão
agarrando a do mortal, que apertava uma arma entre os dedos. Ele olhou para
a arma e depois para o homem, um sorriso perverso brincando nos lábios.
No segundo seguinte, estacas afiadas se estenderam das pontas dos dedos
de Hades, afundando na pele do homem. A arma caiu no chão e o mortal se
ajoelhou, com um grito gutural.
— Por favor, poupe-me, meu senhor — implorou o homem. — Eu não
sabia.
Hades sempre achava intrigantes os momentos antes da morte de um
mortal. Especialmente quando ele encontrava um mortal assim – alguém que
havia matado sem pensar e ainda dessarte temia sua própria morte.
Hades apertou mais forte, e quando o homem tremeu, o deus riu.
— Sua morte não é iminente — revelou Hades, e o mortal olhou para
cima. — Mas vou conversar com seu empregador.
— Meu empregador?
Hades quase gemeu. Então o mortal ia se fazer de burro.
— Sísifo de Éfira.
— E-ele não está aqui.
Mentira.
O conhecimento cobria sua língua feito cinza, secando sua garganta.
Hades levantou o homem pelo braço, as estacas ainda enfiadas na pele
dele, até que seus olhares estivessem nivelados. Foi desse ângulo que o deus
notou uma tatuagem no pulso do homem. Era um triângulo, agora
combinando com as lanças que se estendiam de seus dedos.
— Não preciso de sua ajuda para entrar naquele armazém — declarou
Hades. — O que eu preciso é que seja um exemplo.
— U-um exemplo?
Hades decidiu usar ações para explicar, esculpindo duas fissuras profundas
no rosto do homem. Enquanto o sangue cobria a pele, o pescoço e as roupas,
o deus arrastou o homem para a entrada do armazém, abriu as portas com um
chute e entrou.
O que antes da costa aparentava ser um prédio agora parecia ser um muro,
porque em vez de entrar em um espaço fechado, Hades se viu em um pátio
aberto para o céu escuro acima. A terra estava à mostra e havia grandes
tanques com peixes. O ar cheirava a maresia, podridão e sal. Hades odiou o
fedor.
Trabalhadores vestidos com macacões pretos se viraram para assistir ao
deus empurrar o mortal que sangrava. O homem se debateu, mas se conteve
antes de cair no chão. Em frente a Hades, outro homem se aproximou,
ladeado por dois grandes guarda-costas. Ele estava vestido com um terno
branco, e seus dedos eram roliços e sufocados com anéis de ouro. Seu cabelo
era curto e preto, sua barba grisalha bem cuidada.
— Sísifo, n-não foi minha culpa — explicou o homem cambaleando para
frente. — Eu…
Sísifo sacou uma arma e atirou no homem. Ele caiu, batendo no chão com
um baque alto. Hades olhou para o corpo imóvel e depois para Sísifo.
— Ele não estava errado — disse Hades.
— Eu não o matei porque ele deixou você entrar em minha propriedade.
Eu o matei porque ele desrespeitou um deus.
Uma exibição como essa geralmente vinha de um súdito leal. Desses,
Hades tinha poucos, e ele sabia que Sísifo não era um deles.
— Esta é a sua versão de um sacrifício?
— Depende — respondeu o homem, estalando o pescoço e entregando a
arma ao guarda-costas à direita. — Você aceita?
— Não.
— Então são negócios.
Sísifo endireitou as lapelas do paletó e ajustou as abotoaduras, Hades
notou a mesma tatuagem de triângulo no pulso dele.
— Vamos? — O mortal gesticulou para Hades ir na frente, em direção a
um escritório no lado oposto do pátio. — Divinos primeiro.
— Eu insisto, vá na frente — recusou Hades.
Apesar de seu poder, nunca estava ansioso para virar as costas para
ninguém.
Os olhos de Sísifo se estreitaram ligeiramente. O mortal deve ter visto a
recusa de Hades em ir na frente como uma forma de desrespeito, sobretudo
porque mostrava que Hades não confiava nele. Irônico, considerando que
Sísifo havia quebrado uma das mais antigas regras de hospitalidade – a lei de
Xênia – matando um concorrente depois de convidá-lo para seu território.
Era apenas uma das transgressões de Sísifo que Hades estava aqui para
resolver.
— Muito bem, meu senhor. — O mortal ofereceu um sorriso frio antes de
se dirigir para seu escritório, os dois guarda-costas a reboque. A presença
deles era divertida, como se os dois mortais pudessem proteger Sísifo de
Hades.
Hades se viu pensando em como iria matá-los. Ele tinha várias opções –
poderia invocar as sombras e deixá-las consumir os dois, ou poderia subjugá-
los sozinho. Ele supôs que a única consideração real era se queria ou não
sujar seu terno de sangue.
Os dois guarda-costas tomaram seus lugares, um de cada lado da porta,
quando Sísifo entrou em seu escritório. Hades não olhou para eles quando
passou.
O escritório de Sísifo era pequeno. A mesa era de madeira maciça e
escura, e estava cheia de papéis empilhados. Havia um telefone antiquado de
um lado, uma garrafa de cristal e dois copos do outro. Atrás dela, um
conjunto de janelas dava para o pátio, obstruído por persianas.
Sísifo escolheu ficar atrás da mesa; um movimento estratégico, imaginou
Hades. Colocou algo físico entre eles. Provavelmente também era onde ele
guardava um estoque de armas. Não que armas fossem úteis contra ele, mas
Hades existia há séculos e sabia que mortais desesperados tentariam qualquer
coisa.
— Bourbon? — perguntou Sísifo, enquanto abria a garrafa.
— Não.
O mortal olhou para Hades por um momento antes de se servir de um
copo. Tomou um gole e perguntou:
— A que devo o prazer?
Hades olhou para a porta. Dali, podia ver os tanques, apontou para eles.
— Sei que está escondendo drogas em seus tanques — disse Hades. —
Também sei que usa esta empresa como uma fachada para mover as drogas
pela Nova Grécia, e que você mata qualquer um que fique no caminho.
Sísifo olhou para Hades por um momento, e então tomou um gole lento de
seu copo antes de perguntar:
— Veio para tirar minha vida?
— Não.
Não era mentira. Hades não ceifava almas – Tânatos sim, mas o Deus do
Submundo podia ver que a visita de Sísifo estava chegando, e em breve. A
visão veio, espontaneamente, como uma memória de muito tempo atrás.
Sísifo, vestido com elegância, desmaiava ao sair de uma sala de jantar
sofisticada.
Nunca recuperaria a consciência.
E antes que isso acontecesse, Hades teria equilíbrio.
— Então devo supor que quer uma porcentagem?
Hades inclinou a cabeça para o lado.
— Algo assim.
Sísifo riu.
— Quem teria pensado, o Deus dos Mortos veio para barganhar.
Hades cerrou os dentes. Não gostou da implicação das palavras de Sísifo,
como se o mortal pensasse que tinha uma vantagem.
— Como penitência por seus crimes, você doará metade de sua renda aos
sem-teto. Você é, afinal, responsável por muitos deles.
As drogas traficadas por Sísifo tinham destruído vidas, devorando os
mortais de dentro para fora com o vício e inflamando a violência nas
comunidades, e embora ele não fosse o único responsável, foram seus navios
que as trouxeram para o continente, seus caminhões que as transportaram em
toda a Nova Grécia.
— A penitência não é atribuída na vida após a morte? — perguntou Sísifo.
— Considere isso um favor. Estou permitindo que comece cedo.
Sísifo passou a língua pelos dentes, depois riu baixinho.
— Sabe que nunca o descrevem como um deus justo.
— Não sou justo.
— Forçar bandidos como eu a doar para instituições de caridade é justo.
— É um equilíbrio. Um preço a pagar pelo mal que você espalhou.
Hades não acreditava em erradicar o mundo do mal, pois não acreditava
que fosse possível. O que era ruim para um era a luta pela liberdade para
outro – a Grande Guerra tinha sido um exemplo. Um lado lutava por seus
deuses, sua religião, o outro lutava pela liberdade de um opressor. O melhor
que ele podia fazer era oferecer um toque de redenção para que a sentença no
Submundo pudesse eventualmente levar a Asfódelo.
— Mas você não é o Deus do Equilíbrio. Você é o Deus dos Mortos.
Não adiantaria explicar o funcionamento das Moiras, o equilíbrio que elas
lutavam para criar no mundo, então permaneceu em silêncio. Sísifo tirou um
estojo de metal do bolso interno do paletó e pegou um cigarro.
— Vou dizer uma coisa. — Ele levou o cigarro aos lábios e o acendeu. O
cheiro de nicotina encheu a pequena loja – um cheiro químico de cinza e
coisas velhas. — Vou doar um milhão e não vou mais violar a lei de Xênia.
Hades parou um momento e usou o silêncio para reprimir a onda de raiva
que as palavras do mortal acenderam, suas mãos se fechando em punhos. Não
muito tempo atrás, teria deixado a fúria dominá-lo, enviando o mortal para o
Tártaro sem pensar duas vezes. Em vez disso, deixou a escuridão fazer o
trabalho por ele. Do lado de fora do escritório de Sísifo, Hades chamou as
sombras e elas deslizaram pelo exterior do prédio, escurecendo as janelas à
medida que avançavam.
Ele observou enquanto Sísifo se virava, os olhos seguindo as sombras até
se aproximarem dos dois guarda-costas na frente do escritório. No segundo
seguinte, elas entraram em todos os orifícios de seus corpos e os guardas
caíram, mortos.
Os olhos de Sísifo voltaram para os de Hades e ele sorriu.
— Pensando bem, você tem um acordo, Lorde Hades — disse Sísifo. —
Duzentos e cinquenta milhões.
— Trezentos e cinquenta — retrucou Hades.
Os olhos do mortal brilharam em desafio.
— Isso é mais que metade da minha renda.
— Punição por desperdiçar meu tempo — declarou Hades. Ele começou a
se virar e sair do escritório antes de fazer uma pausa. Olhou por cima do
ombro para o homem. — E eu não me preocuparia com a lei de Xênia,
mortal. Você não tem muito tempo de sobra.
Sísifo ficou em silêncio após as palavras de Hades. Fitas de fumaça
dançaram do cigarro entre seus dedos. Depois de um momento, ele o colocou
em sua bebida.
— Diga-me uma coisa — disse. — Por que negociar e equilibrar? Você
tem esperança para a humanidade?
— Você não tem nenhuma? — retrucou Hades.
— Eu vivo entre os mortais, Lorde Hades. Confie em mim, se tiverem a
opção de inclinar a balança para um lado ou para o outro, escolherão a
escuridão. É o caminho mais ágil com o benefício mais rápido.
— E mais a perder — acrescentou Hades. — Não me eduque sobre a
natureza dos mortais, Sísifo. Venho julgando sua espécie há milênios.
Hades parou do lado de fora da porta, olhando para os dois homens que
estavam a seus pés. Ele não se deleitava com a ideia de devolvê-los à vida
para espalhar a violência e a morte, mas sabia que as Moiras exigiriam um
sacrifício – uma alma por uma alma – e era provável que elas escolhessem
almas boas, puras e inocentes.
Equilíbrio, Hades pensou, e de repente odiou a palavra.
— Acordem — ordenou.
E quando eles inalaram, Hades desapareceu.
2
UM JOGO DO DESTINO

Hades apareceu em seu escritório na Nevernight, uma de suas casas noturnas


mais populares em Nova Atenas. Era quase onze horas e à meia-noite, ele
costumava vagar pelo lounge do andar superior, escolhendo mortais que
ansiavam por barganhar seus maiores desejos e vontades: saúde, amor e
riquezas. Apenas essas eram as coisas que ele podia conceder. Não incluía
pedidos como: criar vida, devolver vida ou conceder beleza – esses desejos
não concederiam.
— Você está atrasado.
A voz de Minta era como um chicote, estilhaçando seus pensamentos. Ele
a sentiu no momento em que entrou na sala – toda fogo e gelo – e preferia
ignorá-la quando ela estava assim.
Concentrou-se em ajustar a gravata e as abotoaduras, silenciosamente
aliviado por ter escolhido usar a magia das sombras para derrubar os guarda-
costas de Sísifo, então não teria que ouvi-la exigindo respostas. Com a
aparência restaurada, virou-se para a ninfa de cabelos flamejantes. Os lábios
dela, um tom mais escuro que o cabelo, estavam franzidos em um beicinho.
Ela não gostava de ser ignorada.
— Como posso estar atrasado, Minta, se não cumpro a programação de
ninguém além da minha?
Minta tinha sido sua assistente desde o início, e ela passou por fases em
que tentara exercer direitos sobre ele – direitos ao seu tempo, ao seu reino e
ao seu corpo. A ânsia da ninfa por controle não passou despercebida por ele.
Reconheceu o traço nela porque ele próprio o possuía.
— Atrasos não são atraentes, Hades, mesmo os de um deus — retrucou
ela.
Um sorriso ameaçou seus lábios, mas ele permaneceu composto. Sua
diversão só iria irritá-la ainda mais.
— Enquanto você estava enrolando — Hades estreitou os olhos quando
ouviu a alfinetada —, eu tive que entreter seus convidados.
Ele franziu o cenho e medo subiu pelo fundo de sua garganta. — Quem
está esperando por mim?
Sabia pela expressão de Minta – a forma como os olhos se estreitaram, a
ligeira curva da boca – que ele não gostaria da resposta.
— Lady Afrodite.
— Porra — resmungou Hades.
Minta nem tentou esconder a diversão, os lábios se curvando em um
sorriso sarcástico.
— Pode ser que queira se apressar — acrescentou Minta. — Quando
insisti para que ela esperasse por você aqui, ela disse que havia muito para
entretê-la lá embaixo.
Fantástico. A única coisa que acontecia quando Afrodite se entretinha era
guerra.
Ele suspirou.
— Obrigado, Minta.
Claramente satisfeita com a expressão de gratidão de Hades, Minta
descruzou os braços, deixando-os cair ao lado do corpo.
— Devo pedir a Ilias que lhe traga uma bebida, meu senhor?
— Sim. Na verdade, diga a ele para não deixar que meu copo fique vazio
esta noite.
Hades desapareceu e apareceu no salão de sua casa noturna, onde andou
silencioso e invisível. Como sempre, estava cheio de mortais e humanoides –
ninfas, sátiros, quimeras, centauros, ogros e ciclopes. Alguns usavam ilusão,
outros não. Alguns apenas desejavam experimentar a emoção de frequentar a
casa noturna mais notória de Nova Atenas; outros olhavam ansiosamente
para o salão do andar de cima, esperando que um dos funcionários de Hades
oferecesse a senha da noite.
Uma senha não garantia um jogo com o Deus dos Mortos, era apenas mais
uma etapa do processo. Assim que os mortais passavam pelas portas da sala,
o medo se instalava e, esse medo ou os afastava, ou os deixava desesperados.
Era nos desesperados que Hades estava mais interessado – aqueles que
poderiam mudar se tivessem a chance.
Era um processo delicado, e envolvia muitos jogadores. Hades havia
perdido seu quinhão de barganhas, e ele podia senti-las em sua pele, uma
coceira sem fim, um lembrete do fracasso, mas se pudesse salvar uma vida do
caminho da destruição, sentia que valia a pena.
Hades sentiu o cheiro da magia de Afrodite – sal marinho e rosas – e a
encontrou sentada no colo de um homem de meia-idade. Ele tinha cabelos
escuros e ralos. A testa estava oleosa e o rosto era gorducho, fundindo-se a
um pescoço suado, ao redor do qual os braços de Afrodite estavam
entrelaçados, os seios pressionados contra o peito dele. Hades notou uma
aliança de ouro no dedo anelar esquerdo do homem. Não precisava olhar para
a alma do mortal para saber que era um desgraçado infiel.
— Por que não vamos para a minha casa, baby? — perguntou o homem
enquanto as mãos exploravam o corpo da deusa, movendo-se pelas costelas e
coxas. Hades se encolheu ao observar a interação.
— Ah, eu realmente gostaria de ficar um pouco mais — dizia Afrodite. —
Você não quer barganhar com Hades?
O homem a apertou, enfiando os dedos no traseiro dela.
— Não quero mais. Você é tudo que eu preciso.
— É mesmo? — disse Afrodite arquejante, e se inclinou para mais perto,
os lábios rosados a centímetros dos dele.
Hades teve que admitir, a Deusa do Amor era uma grande atriz. Ela
escondia o ódio pelo homem e o distraía com as mãos subindo pelo peito
dele. Hades sentiu a magia dela aumentar e sabia que ela estava obrigando o
homem a lhe dizer a verdade quando fez a próxima pergunta.
— E o que estava faltando antes?
Hades sabia a resposta porque podia vê-la. As inseguranças do mortal
ganhavam garras à medida que ele envelhecia, e elas se entrelaçavam com o
narcisismo e necessidade de se sentir importante. Ele tinha o ressentimento
como um filho, perto do coração, e isso envenenou o sangue dele, alimentou
as mentiras e fez com que começasse a trair a esposa. Ele tinha um pouco de
humanidade na culpa que estava sobre os ombros como uma gárgula
maliciosa. Para adormecer a dor, ele bebia, mas a tolerância à bebida havia
crescido nos últimos anos, o que significava que ele precisava de mais para se
sentir desapegado do que a vida dele havia se tornado.
O homem tinha uma alma quebrada, e Hades tinha a sensação de que
Afrodite estava prestes a destruí-la.
— Sou inseguro. Preciso saber que ainda sou desejado por outras
mulheres.
— E não é suficiente saber que é desejado por sua esposa? — Os lindos
lábios de Afrodite se torceram em uma careta. Os olhos do homem se
arregalaram, a mente em desacordo com o que estava saindo da boca. Hades
tinha visto isso antes.
— Eu amo minha esposa — declarou — Estou apenas procurando sexo.
— Isso é tudo? — Ela piscou e então falou com uma voz velada pela
escuridão e cheia de promessa. — Nesse caso, quando você voltar para sua
esposa esta noite, ela não o desejará mais. Vai se encolher ao seu toque e
ficar nauseada quando seus lábios tocarem os dela. Vai negá-lo, vai deixá-lo,
e você nunca vai se recuperar.
Os olhos do homem se arregalaram, ele não estava mais segurando
Afrodite, as mãos afastadas da pele dela como se a deusa queimasse.
Esta era Afrodite em sua verdadeira forma. O mundo mortal acreditava
que ela não era nada mais que um ser sexual, que buscava entretenimento e
prazer tanto de deuses quanto de mortais, mas a verdade é que podia ser uma
deusa vingativa, especialmente com aqueles que traíam o amor.
Provavelmente era hora de Hades se fazer notado.
— Afrodite — cumprimentou ele, abandonando a ilusão.
A deusa se virou para encontrar seu olhar e sorriu.
— Hades — ronronou em uma voz sensual, e mesmo tendo acabado de
amaldiçoar o mortal que ela ainda usava como cadeira, os olhos dele
nublaram com desejo ao ouvir o som.
— Eu acho que esse mortal já teve emoção suficiente por uma noite. Por
que você não o deixa escapar?
A feição de Afrodite mudou à menção do mortal, ela se virou para encará-
lo antes de sair do colo dele.
— Corra, cobra.
O mortal obedeceu e vagou no meio da multidão, atordoado.
— O que foi?? — retrucou Afrodite quando olhou outra vez para Hades.
Ele ergueu as sobrancelhas, surpreso com a maldade dela.
— Nada. Apesar de que você dificilmente tenha ajudado o homem ao tirar
o único amor que ele jamais conheceu.
Ela tirou o pó das mãos.
— Ele traiu esse amor, então nunca mais o terá.
— Eu não acho que sua punição seja injusta — explicou Hades. — Mas
tem o potencial de criar um monstro.
Ela sorriu, a expressão travessa.
— Então ele é todo seu. Monstros são seu território, Hades.
Minta se aproximou naquele momento, equilibrando uma bandeja de
bebidas. Era assim que a ninfa passava a maior parte das noites na
Nevernight. Servindo bebidas, flertando com mortais e imortais e coletando
informações dos clientes de elite de Hades.
— Lady Afrodite — disse Minta, passando para a deusa uma taça de vinho
rosé. — Lorde Hades.
Ela entregou um copo de uísque e se afastou, ele se virou para Afrodite,
que levantou uma sobrancelha pálida.
— Pois não? — indagou ao ver a expressão inquisidora dela.
— Aquela ninfa quer dar pra você — declarou ela.
Um erro que nunca mais cometerei, pensou.
Hades não respondeu ao comentário. Em vez disso, disse:
— Você não costuma enfeitar meus salões com sua presença, Afrodite. O
que posso fazer por você?
Ela tomou um gole do vinho, seus olhos cor de espuma do mar nos dele.
— Tinha a esperança de que você se interessasse por uma pequena aposta.
— Não aposto com deuses.
— Apenas um jogo, Hades — disse, inocente, e então instigou: — Está
com medo?
— Um jogo sob este teto nunca é apenas um jogo.
Nem mesmo para mim, pensou. Sempre havia a possibilidade de perder,
tendia a perder tanto quanto os mortais com quem negociava, mas aqueles
pedidos ele podia atender. Não confiava no que Afrodite pediria. — Por que
solicitar um jogo? O que é que você quer, Deusa?
— Por que devo querer alguma coisa? — perguntou ela. — Talvez eu
esteja apenas entediada e precisando de entretenimento.
— Não há nada mais perigoso do que uma Afrodite entediada — meditou
Hades.
Ela fez beicinho.
— Por favor, Hades?
Ele encontrou o olhar dela e tomou um gole de seu copo antes de
responder.
— Não, Afrodite.
Ela estava atrás de mais do que entretenimento. Era a maneira como ela se
portava, rígida e tensa. Algo a tinha trazido aqui, e se ele tivesse que dar um
palpite, tinha a ver com o marido dela.
— Tudo bem. — Ela ergueu o queixo em desafio. — Você forçou minha
mão.
Ele olhou para ela, sabendo o que diria a seguir.
— Tenho um favor em aberto com você, Hades. Desejo usá-lo.
Um favor devido entre deuses era como um pacto de sangue. Depois de
invocado, não poderia ser retirado.
— Você desperdiçaria um favor em um jogo de cartas? — perguntou. Ele
sabia a resposta – o que quer que tivesse trazido Afrodite aqui, valia a pena
gastar um favor.
Os olhos dela brilharam.
— Não é um desperdício.
Ele tomou um gole de seu uísque, o que o impediu de dizer qualquer coisa
de que pudesse se arrepender, e então disse entredentes:
— Um jogo, Afrodite. Não mais que isso.
Ela se iluminou como se ele tivesse dado a ela as estrelas no céu.
— Obrigada, Hades.
Ele estalou os dedos e os dois se teletransportaram para a suíte Rubi no
andar de cima. Era um dos vários quartos que Hades usava para negociar com
os mortais. Todas tinham nomes de pedras preciosas. Ele escolheu este
intencionalmente, para provocar Afrodite. Rubi era paixão – algo que faltava
nos dias de hoje. As paredes eram vermelhas e um tecido preto cobria do
chão ao teto, emoldurando fotos monocromáticas sensuais. Um baralho de
cartas fechadas estava no centro de uma mesa, que estava posicionada sob
uma luz fraca.
Quando Hades tomou seu assento, ofereceu o baralho a Afrodite.
— Gostaria de dar as cartas?
— Não. — Um sorriso curvou os lábios dela. — Vou deixar você manter
um pouco de poder, Aidoneus.
Ele olhou feio. Não gostava desse apelido. Os mortais usavam-no por
medo. Ela o usava agora para insultá-lo.
— Vinte e um, então.
— Cinco mãos — disse Afrodite. — Quem ganhar mais decide os termos.
Hades concordou e deu a primeira mão – e perdeu. Seus dedos se
fecharam em sua coxa.
— O que você vê quando olha para minha alma, Hades? — perguntou
Afrodite de improviso, franzindo os lábios enquanto ele dava as cartas
novamente.
A pergunta não foi tão surpreendente. Era uma que ele recebia com
frequência, mas não de Afrodite.
— Por que pergunta?
Quando ela encontrou seu olhar, ele viu que estava falando sério e que
também temia a verdade. Estava presente nos olhos da deusa, uma sombra
que cintilava na expressão dela. Ela ficou um tempo sem olhar para ele e se
concentrou nas cartas.
— Mostre-me — disse, ele deu a ela outra carta antes de revelarem as
mãos: Hades tinha dois ases e um doze de ouros; Afrodite, uma mão ruim.
Ela franziu a testa com a perda, mas continuou a falar enquanto Hades dava
uma terceira mão.
— Só me pergunto se sou tão horrível quanto Hefesto parece pensar.
Afrodite não era horrível, mas a união com Hefesto tinha endurecido o
coração dela e destruído o espírito da deusa. O que restou foi uma casca
rancorosa e cínica.
Hades também tinha sido amargo, mas ao contrário de Afrodite que lidou
com a raiva e solidão se divertindo com mortais e deuses, ele se isolou cada
vez mais de todos e de tudo até que a única coisa que as pessoas podiam fazer
era inventar histórias e contos sobre o indescritível Deus do Submundo.
— Hefesto não acha que você é horrível, Afrodite. Ele só tem medo de
amá-la. — Ela ofereceu uma risada zombeteira, então Hades desafiou: —
Você já disse a ele que o ama?
— Que relevância isso tem para a minha pergunta?
Tudo, Hades queria dizer.
— Você foi um presente para Hefesto numa época em que você ostentava
seus amantes. Do ponto de vista dele, você era uma noiva relutante.
Não importava que Hades soubesse a verdade. Não importava o fato de
que ele sabia que Afrodite sempre foi encantada pelo Deus do Fogo. Nos
tempos antigos, nas raras ocasiões em que Hades foi ao Monte Olimpo, ele a
pegou observando Hefesto, principalmente franzindo a testa porque ele a
ignorava.
Mas Hades conhecia bem Hefesto. O deus era de um tipo diferente. Ele
não estava ansioso para ficar sob os holofotes, muito menos para falar. Tinha
prazer na solidão e inovação, e em seu coração, ele se sentia… indigno,
sobretudo devido ao seu tratamento na antiguidade. Como era um deus com
apenas uma perna, ele era frequentemente – e erroneamente – zombado. Com
o tempo, Hefesto se adaptou, confeccionando próteses, e agora ostentava uma
feita de ouro.
— Não estou surpreso que Hefesto não esteja interessado em forçar você à
monogamia.
Afrodite ficou em silêncio por um momento, concentrando-se no jogo
deles, e quando eles viraram as cartas, Hades mordeu a língua – uma mão
ruim. Ele tinha dado cartas demais para si mesmo.
Afrodite estava na liderança.
Por fim, ela admitiu:
— Pedi o divórcio a Zeus. Ele não vai conceder.
As sobrancelhas de Hades se ergueram.
— Hefesto sabe?
— Eu imagino que ele saiba agora.
— Se quer o amor de Hefesto, por que pedir o divórcio?
— Eu não vou ansiar por ele.
— Você está enviando mensagens confusas, Afrodite. Você quer o amor
de Hefesto, mas pede o divórcio. Já tentou falar com ele?
— Você já? — retrucou ela, encarando Hades. — Ele podia muito bem ser
mudo!
Hades fez uma careta. Ele tinha a sensação de que Hefesto era calado
porque o temperamento dela era como um pavio curto.
— Você não respondeu à minha pergunta — disse Hades.
O deus a observou por um momento. Ele particularmente não gostava de
responder perguntas sobre a alma. Muitas vezes, deuses e mortais não
estavam prontos para ouvir o que ele tinha a dizer. Afrodite não era diferente.
Partes da alma dela eram um jardim, cheio de rosas, lírios e sol, sonhadora e
quieta. Outras eram uma tempestade, furiosa sobre um mar revolto: furiosa e
devastadora. Ela estava quebrada, dividida em dois como um espelho
rachado, montada em uma linha. Um dia, ela escolheria um lado.
— Você tem uma alma linda, Afrodite. Apaixonada. Determinada.
Romântica. Mas está desesperada para ser amada, e se acha detestável.
Ele falou enquanto jogavam a última mão, e quando Afrodite virou as
cartas, um largo sorriso apareceu no rosto dela. O que quer que ela sentisse
sobre os comentários de Hades se perdeu com a excitação.
— É hora de decidirmos os termos, Hades.
Ele fez uma careta e se recostou na cadeira, olhando. Afrodite jogou a
cabeça para trás rindo.
— Alguém não gosta de perder.
Suas palavras eram como um atiçador em seu lado. Hades não se
importava de perder. Perdia o tempo todo quando negociava com mortais,
mas não queria perder para Afrodite.
A deusa pressionou um dedo no queixo e murmurou, como se não
soubesse o que pedir a ele. Ela estava desperdiçando seu tempo. Sabia o que
queria, mas quando ele estava prestes a reclamar, ela falou:
— Apaixone-se, Hades. Melhor ainda: encontre uma garota que se
apaixone por você. — Então Afrodite bateu palmas e exclamou: — É isso!
Faça alguém se apaixonar por você!
A mandíbula de Hades se apertou, Afrodite encarou como se desejasse ver
sua alma. Os termos dela eram insultantes. Se fosse tão fácil se apaixonar, ele
não estaria sozinho agora.
— Essa é a sua ideia de piada? — perguntou, sua voz baixa e calma,
apesar da raiva torcendo suas entranhas. Teria que torturar alguém apenas
para liberar a tensão em seu corpo.
— Não é uma piada — disse, levantando uma sobrancelha loira fina. —
Você ofereceu conselhos de amor. Siga-os.
Não é uma piada, então, mas uma retribuição. Ela estava frustrada com ele
por oferecer sua opinião sobre o casamento dela.
— E se não conseguir atender a esses termos?
O sorriso da deusa cortou o rosto dela perversamente.
— Então você vai libertar Basil do Submundo.
— Seu amante? — Hades não conseguiu esconder o nojo de sua voz. Eles
tinham acabado de passar os últimos minutos discutindo o amor dela por
Hefesto, e aqui estava ela pedindo por um homem – o herói dela, para ser
exato. Basil lutou e morreu por ela na Grande Guerra. — Por quê? Você não
quer que Hefesto admita que a ama?
Ela o encarou.
— Hefesto é uma causa perdida.
— Você nem tentou!
— Basil, Hades. É ele quem eu quero.
— Por que você se imagina apaixonada por ele?
— O que você sabe sobre o amor? Você nunca amou em toda a sua vida.
Essas palavras não o machucaram, mas o envergonharam. Ele se inclinou
para a deusa.
— Basil ama você, é verdade, mas se você não o ama, não faz sentido.
— Melhor amor unilateral do que amor nenhum.
Você é tola, Hades queria dizer. Em vez disso, respondeu:
— Tem certeza de que é isso que quer? Você já pediu o divórcio a Zeus,
agora me pediu para ressuscitar seu amante, caso eu não consiga cumprir os
termos de seu contrato. Hefesto saberá.
Afrodite estava quieta, e ele reconheceu a incerteza dela no jeito que ela
brincou com o lábio.
Finalmente, ela respondeu:
— Sim. É isso que eu quero. — Ela respirou fundo e sorriu. — Seis
meses, Hades. Isso deve ser tempo suficiente. Obrigada pelo entretenimento.
Foi… revigorante.
Com isso, a Deusa do Amor desapareceu.
3
UM JOGO DE MODERAÇÃO

Faça alguém se apaixonar por você.


As palavras eram uma provocação cruel que ecoava na mente de Hades
enquanto ele rondava a escuridão de sua casa noturna para clarear a cabeça.
Talvez ele tenha ido longe demais ao criticar a escolha de Afrodite de
pedir o divórcio a Zeus, mas Hades sabia que a deusa amava Hefesto e, em
vez de admitir, ela pensou em forçar o Deus do Fogo a expressar seus
sentimentos incitando-o. O que Afrodite não conseguiu entender é que nem
todo mundo pensava como ela, muito menos Hefesto. Se ela queria
conquistar o amor dele, seria por meio de paciência, gentileza e atenção.
Isso significava que ela teria que ser vulnerável, algo que Afrodite, deusa e
guerreira, desprezava.
E se ele entendia alguma coisa, era isso. O desafio de Afrodite o forçou a
reconhecer suas próprias vulnerabilidades, suas fraquezas. Ele franziu o
cenho com a ideia de encontrar alguém que quisesse carregar sua vergonha,
seus pecados, sua malícia, mas se falhasse, as Moiras se envolveriam, e ele
sabia o que exigiriam se devolvesse Basil à Terra dos vivos.
Uma alma por outra.
Alguém teria que morrer e ele não poderia opinar sobre a vítima das
Moiras.
O pensamento fez seu corpo apertar, outro fio adicionado aos outros
esticando sua pele. Ele odiava isso, mas era o preço para manter o equilíbrio
no mundo.
Um cheiro o tirou de seus pensamentos e o fez parar. Era familiar – flores
silvestres, tanto amargas quanto doces.
Deméter, ele pensou.
O nome da Deusa da Colheita era amargo em sua língua. Mas não poderia
ser – Deméter tinha poucas paixões na vida, e uma delas era o ódio dela pelo
Deus dos Mortos.
Ele inalou outra vez, sentindo o cheiro mais profundamente. Algo estava
errado. Misturado com o cheiro familiar estava a doçura da baunilha e uma
leve nota de lavanda. Um mortal, talvez? Alguém com o favor da deusa?
O cheiro o tirou da escuridão em que ele havia permanecido até a beirada
da sacada, onde ele esquadrinhou a multidão e a encontrou de imediato.
A mulher que cheirava a baunilha, lavanda e sua inimiga estava sentada na
beira de um de seus sofás em um vestido rosa que deixava pouco para a
imaginação. Gostou da forma como o cabelo dela se enrolava, caindo em
ondas luminosas pelas costas. Seus dedos coçaram para tocá-lo, puxá-lo até
que a cabeça dela inclinasse para trás e ela o olhasse nos olhos.
Olhe para mim, ordenou, desesperado para ver o rosto dela.
Ela parecia olhar para todos os lugares antes de seu olhar parar nele. Sua
mão apertou o copo, a outra agarrou o corrimão da sacada.
Ela era linda – lábios exuberantes, maçãs do rosto salientes e olhos verdes
como a primavera. A expressão dela estava assustada no início, os olhos se
arregalando ligeiramente, transformando-se em algo feroz e apaixonado
enquanto o olhar da mulher varria seu rosto e sua forma.
Ela é sua, uma voz ecoou em sua cabeça, e algo dentro dele estalou.
Reivindique-a.
O comando era feroz. Ele teve que ranger os dentes para não obedecer, e
pensou que poderia quebrar o copo em sua mão por segurá-lo com muita
força. O impulso de sequestrá-la para o Submundo era forte, como um feitiço.
Ele nunca se considerou tão fraco, mas seu controle era um fio fino e puído.
Como podia querer tanto essa mulher? O que significava essa atração não
natural? Ele a encarou com mais força, procurando uma razão, e percebeu
que não era o único a sentir os efeitos de sua conexão. Ela se mexeu sob seu
olhar, o peito subindo e descendo enquanto a respiração acelerava, a pele
ficando muito rosada, e ele teve o pensamento de que gostaria de seguir
aquele rubor com seus lábios.
Daria qualquer coisa para saber o que ela estava pensando.
Estava tão preocupado com seus próprios pensamentos lascivos que não
sentiu ninguém se aproximar até que braços serpearam ao redor de sua
cintura. Ele reagiu rapidamente, agarrando as mãos que o seguravam e se
virou para encarar Minta.
— Distraído, meu senhor? — ronronou ela, divertindo-se.
— Minta — retrucou, liberando os braços da ninfa. — Posso ajudá-la?
Ele ficou frustrado com a interrupção, mas também grato. Se a tivesse
encarado por mais tempo, ele poderia ter deixado sua posição na sacada e ido
até ela.
— Já está focando em sua presa? — perguntou.
Por um momento Hades não entendeu, então fez a conexão. Minta supôs
que ele estava procurando por um interesse amoroso em potencial, alguém
que pudesse ajudá-lo a cumprir a barganha de Afrodite.
— Ouvindo nas sombras de novo, Minta?
A ninfa ergueu um ombro.
— É o meu trabalho.
— Você coleta informações para mim — disse ele. — Não de mim.
— De que outra forma eu vou mantê-lo longe dos problemas?
Hades riu.
— Tenho milhões de anos. Eu posso cuidar de mim mesmo.
— Por isso você acabou em uma barganha com Afrodite?
Ele estreitou o olhar e ergueu o copo.
— Não tinha dito que não devo ficar com o copo vazio esta noite?
Ela deu o seu melhor sorriso de foda-se e fez uma reverência.
— Imediatamente, meu senhor.
Ele se certificou de que Minta não estava mais à vista antes de voltar a
olhar para o salão. A mulher tinha se voltado para os amigos.
Hades os estudou em uma tentativa de discernir o tipo de companhia que
ela mantinha, quando notou alguém de quem não gostava particularmente –
um homem chamado Adônis. Ele era um dos mortais favoritos de Afrodite. O
motivo, ele não fazia ideia. O mortal era um mentiroso e tinha um coração tão
escuro quanto o Estige, mas ele supunha que a Deusa do Amor tinha
dificuldade em olhar para além do rosto bonito.
Esperava que a mulher não compartilhasse dessa qualidade. Ele franziu a
testa, imaginando se ela deixaria a casa noturna com ele esta noite, e então se
repreendeu por ter esses pensamentos. Sua preocupação deveria ir tão longe
quanto temer pelo bem-estar dela pelo simples fato de que Afrodite gostava
de punir qualquer um que desse atenção demais a seus amantes.
— Sua bebida, meu senhor — disse Ilias.
Hades olhou para o sátiro, aliviado por ter sentido a aproximação dele.
Ilias poderia ser mais bem descrito como outro assistente. Ele trabalhava
para Hades quase tanto quanto Minta, onde quer que Hades precisasse:
bartender na Nevernight, gerenciando seus restaurantes e impondo o governo
de Hades no Mundo Superior. Ele foi melhor no último. Com uma aparência
despretensiosa e agradável, os inimigos de Hades costumavam se surpreender
com a crueldade dele.
Hades não costumava empregar sátiros. Eram selvagens, propensos à
embriaguez e à sedução, mas Ilias era diferente e não por opção. Havia
cortado os laços com a tribo depois que eles o traíram, estuprando uma
mulher que amava. Ela havia se matado e Ilias os havia matado.
Hades pegou o copo e, antes que pensasse muito no assunto, disse:
— Tenho um trabalho para você.
— Sim, meu senhor?
Hades acenou para a mulher que o havia provocado com seus cabelos
dourados e olhos verdes.
— Aquela mulher – quero saber se ela sair daqui com alguém.
O silêncio seguiu a ordem de Hades, e quando o deus olhou para Ilias, ele
estava olhando de volta, sobrancelha erguida.
— Ela está em perigo, meu senhor?
Sim, pensou ele, ela corria o risco de nunca mais sair deste lugar. Algo
dentro dele queria desconsiderar toda civilidade e possuí-la. Algo nela o
chamava – um fio que puxava seu coração.
Ele congelou quando essas palavras vieram à tona em sua mente,
estreitando os olhos, e pensou: não pode ser.
Hades descascou camada após camada de ilusão que mantinha sua visão
protegida dos etéreos Fios do Destino. Eram como teias de aranha cintilantes
conectando pessoas e coisas – algumas eram fiapos, outras eram sólidas, sua
força aumentava e diminuía ao longo da vida. O salão inteiro era como uma
rede, mas Hades estava focado apenas em um cordão frágil que corria de seu
peito até a mulher de rosa cintilante.
Malditas Moiras.
— Meu senhor? — perguntou Ilias, sentindo a mudança repentina nele.
Não pode ser, ele pensou. O fio e sua colocação perto de seu coração
tinham um significado de uma maneira que ele não era capaz de entender – as
Moiras haviam tecido essa mulher em sua vida.
Ela estava destinada a ser sua amante.
— Lorde Hades?
— Sim? — respondeu o deus depois de um tempo, olhando para Ilias. —
Sim, ela está em perigo.
Ele saiu atordoado, parando na sombra para organizar seus pensamentos.
Seu peito estava apertado, o fio esticado, e ele teve o pensamento de que, se
continuasse sua retirada, ele poderia quebrar.
Isso é algum tipo de jogo.
Não seria a primeira vez que as Moiras balançavam um desejo na frente
dele, apenas para levá-lo embora. Essa era provavelmente a sua maior
habilidade – extrair seus desejos mais profundos, depois tecendo-os em sua
vida, apenas para desvendá-los quando desejavam.
Era tortura.
Quando era mais jovem, tinha sido mais divertido para as Moiras porque
suas reações eram cruéis, sua retribuição violenta, mas quanto mais irritado
ele ficava, mais as Moiras tomavam. Era como se as irmãs quisessem vê-lo
rasgar o mundo em pedaços.
Por um tempo, ficou obcecado, tentando barganhar por amor. Quando não
funcionou, ele decidiu desafiar as Moiras. Ele encontraria o amor; ele
forçaria. Os resultados foram um caso de uma noite com Minta e um
relacionamento tumultuado com outra ninfa chamada Leuce, que o traiu.
Sua ira foi rápida, e seu desejo de lutar contra as Moiras, anulado. Ele se
resignou a uma existência solitária, construindo muros ao redor de seu
coração e de sua alma. Existia sem expectativa de felicidade ou amor, e se
concentrava em barganha e equilíbrio.
Até agora.
Ele se lembraria para sempre da reação viciosa que seu corpo teve quando
colocou os olhos na mulher de rosa. Suas entranhas ainda tremiam. Como as
Moiras poderiam lhe oferecer um gostinho de como seria ter uma alma
gêmea, apenas para levá-la embora?
Tão facilmente quanto posso condenar uma alma ao Tártaro, ele
respondeu, rangendo os dentes.
Ele ainda estava frustrado enquanto se dirigia ao salão. Quando ele se
aproximou, Euríale, a górgona que montava guarda na entrada, acenou para
ele apesar de sua invisibilidade.
— Meu senhor — disse.
O deus sorriu, deixando cair sua ilusão.
A górgona era cega. Séculos atrás, os olhos tinham sido arrancados do
rosto e as cobras venenosas que uma vez enfeitaram a cabeça dela foram
cortadas em pedaços – um castigo por sua beleza. Hades a encontrou na
floresta. Ela estava deitada onde tinha sido atacada, enrolada em posição
fetal, soluçando e tremendo. Ele a pegou e a trouxe para o Submundo,
permitindo que ela se curasse antes de empregá-la.
Apesar do horror que ela experimentou e das tentativas de seus atacantes
de tirar o poder dela, eles não tiveram sucesso, pois sob aquela venda, o olhar
de Euríale ainda era potente. Depois que ela se curou, Hades a soltou sobre
seus atacantes, e a górgona transformou todos eles em pedra.
— Seu olfato me surpreende, Euríale.
— Você torna isso muito fácil — respondeu a górgona. — Pare de usar
colônia.
Hades riu, pressionou a mão no ombro dela e entrou no salão.
O ambiente aqui era muito mais moderado, uma mistura de mortais e
criaturas antigas conversando, bebendo e jogando. Alguns estavam relaxados,
outros no limite, inquietos enquanto esperavam ser chamados a uma das
suítes nas sombras, prontos para negociar os desejos mais profundos, não
importando as consequências. Hades vagou entre eles, avaliando e
procurando, tentando escolher seu primeiro contrato da noite, quando ele
contornou uma das mesas de jogo e parou, vislumbrando um familiar vestido
rosa e cabelos sedosos.
Era como uma sereia, atraindo-o com o perfume, a beleza e a presença
dela.
Ele deveria se virar, fundir-se com a escuridão e fingir que nunca colocara
os olhos nela, mas observar o perfil dela fez seu peito doer, e havia uma parte
dele que se ressentia com a sensação. Ele nunca quis que as Moiras tivessem
controle sobre sua vida amorosa e, no entanto, era inevitável.
Poderia ter controle, disse a si mesmo. Usar isso a meu favor para
cumprir minha barganha com Afrodite.
Hades não costumava se sentir culpado, mas esse pensamento deixou seu
peito doente e pesado.
Faça alguém se apaixonar por você.
A barganha foi insensível e injusta, mas Hades queria vencer.
Malditas Moiras.
Afastando seus pensamentos tumultuosos, ele se aproximou dela.
— Você joga? — perguntou ele.
Ela se virou para ele, e sua respiração ficou presa em sua garganta
novamente; estava preso pela beleza da mulher. Os olhos grandes e ornados
com cílios escuros. Uma poeira de sardas beijava a ponta do nariz e as maçãs
do rosto, desaparecendo sob um rubor que coloria a pele clara.
Hades tomou um gole de seu copo para molhar a garganta, mas o
movimento chamou a atenção dela para sua boca, e ele reprimiu um gemido
enquanto se perguntava se o gosto dela era como o cheiro: doce e proibido.
Depois de um momento, ela sorriu, um brilho brincalhão no olhar.
— Estou disposta a jogar, se quiser ensinar.
Você não diria isso se soubesse quem sou, pensou, tomando outro gole.
Qualquer um que entrasse em um jogo com ele estava sujeito às regras da
Nevernight – uma perda significaria um contrato.
Você é um desgraçado, disse a si mesmo enquanto se aproximava da mesa
e se sentava ao lado dela. O movimento agitou o ar, e o cheiro dela continuou
a invadir sua mente. Havia algo mais na atmosfera – uma eletricidade que
fazia seu coração disparar e os pelos de seus braços e pescoço se arrepiarem.
— Muita coragem sua sentar-se em uma mesa sem saber jogar —
confessou.
Pensou que ela poderia ter sentido o aviso em seu tom, porque ela arqueou
uma sobrancelha para ele e perguntou:
— De que outra forma eu aprenderia?
— Humm.
Ela estava certa, embora Hades não aconselharia correr antes de aprender
a andar, especialmente quando se tratava de barganhas com ele. Ainda assim,
a resposta dela ilustrou a astúcia e a vontade de tentar coisas novas, e ele
achou isso bastante atraente.
— Esperta.
Agora que estava perto dela, não conseguia parar de olhar. Queria saber
por que ela cheirava a flores silvestres. Qual era a ligação dela com Deméter?
Parecia intrusivo e errado remover as barreiras que barravam a alma dela de
seus olhos, mas ele estaria mentindo se dissesse que não queria saber quem
ela era sob aquele exterior perfeito.
Ela estremeceu, os ombros ágeis tremendo. Ela estava com frio ou
desconfortável?
— Nunca vi você antes — disse finalmente, esperando que isso explicasse
por que a encarava.
— Bem, nunca estive aqui antes — respondeu, e então estreitou os olhos.
— Você deve vir aqui com frequência.
Ele sorriu com o tom da voz dela, tingido de suspeita.
— Venho.
— Por quê? — Ela parecia mais curiosa que enojada, mas depois corou e
tentou se recuperar, acrescentando: — Quer dizer, você não precisa
responder.
— Responderei. — Ele encontrou o olhar dela, desafiador. — Se você
responder uma pergunta minha.
Diga sim, implorou silenciosamente, embora nunca a obrigaria. Diga sim
para que eu possa aprender tudo sobre você.
Um pequeno sulco apareceu entre as sobrancelhas dela enquanto
considerava sua proposta. A resposta a uma pergunta é um pequeno preço a
pagar se ela perder, Hades queria dizer. Outros colocam sua alma na linha.
Mas ele permaneceu quieto.
— Tudo bem — admitiu ela.
Foi um desafio não sorrir.
Ele respondeu à pergunta anterior dela:
— Venho porque é… divertido.
Não era uma mentira completa, e soava como algo que um mortal diria, e
para este momento, era isso que ele pretendia ser: frágil e humano.
— Agora você: por que está aqui esta noite?
— Minha amiga Lexa estava na lista — explicou, olhando para as mãos
enquanto entrelaçava os dedos no colo.
— Não — disse ele. — Essa é a resposta para uma pergunta diferente. Por
que você está aqui esta noite?
Ela encontrou seu olhar, um brilho travesso nos olhos, e ele se viu
desesperado para persegui-lo, aquele lampejo de desafio, aquele toque de
paixão.
Finalmente, ela disse:
— Vir hoje me pareceu um ato de rebeldia.
— E agora você não tem tanta certeza?
— Ah, tenho certeza que é rebelde — disse ela enquanto os dedos
arrastavam na mesa de feltro. O olhar de Hades os seguiram e ele pensou que
gostaria que aqueles dedos explorassem sua pele. Depois de um momento, ele
ergueu o olhar para ela. — Só não tenho certeza de como me sentirei amanhã.
Agora ele estava curioso.
— Contra quem você está se rebelando?
O sorriso dela era como uma flecha no peito dele: devastador, secreto,
sedutor.
— Você disse uma pergunta.
— Disse.
Bem jogado, querida, pensou com um sorriso.
Ela estremeceu outra vez.
— Está com frio?
— Quê?? — Ela pareceu surpresa com sua pergunta.
— Você está tremendo desde que se sentou aí.
Ela corou e se remexeu sob o olhar dele novamente, e então deixou
escapar:
— Quem era aquela mulher com você antes?
Ele franziu a testa, mas depois se lembrou.
— Ah, Minta. Está sempre com as mãos onde não deve.
Ela empalideceu e ele percebeu que tinha dito a coisa errada.
— Eu… acho que devo ir.
Não.
Eles não tinham falado o suficiente. Não sabia o nome dela, e ele queria
ensiná-la – ele queria ensiná-la tantas coisas. Antes que ele soubesse o que
estava fazendo, sua mão estava sobre a dela e algo elétrico faiscou entre eles,
arrancando um arquejo da deusa. Ela se afastou rapidamente.
— Não — disse ele, mas saiu como um comando, e ela olhou para ele.
— Perdão?
— Eu quis dizer que ainda não lhe ensinei a jogar. — Ele baixou a voz,
afastando a histeria que o fez estender a mão para ela. — Permita-me.
Por favor!
Ela desviou o olhar dele, e ele pensou que ela poderia fugir. Confie em
mim, ele queria implorar, embora soubesse que era uma coisa ridícula de se
pedir. Ele era a última pessoa em quem ela deveria confiar.
Finalmente, ela parecia decidida e disse na voz mais erótica que ele já
tinha ouvido:
— Então me ensine.
Eu vou. Tudo, ele pensou.
Ele embaralhou as cartas e explicou o jogo.
— Isto é pôquer. Nós vamos jogar pôquer fechado, começando com uma
aposta.
— Mas não tenho nada com que apostar — declarou.
Eu ficaria feliz em aceitar seu vestido.
— Uma resposta, então. Se eu ganhar, você vai responder a qualquer
pergunta que eu fizer, e se você ganhar, responderei a qualquer pergunta sua.
Ela fez uma careta, mas a expressão parecia em conflito com o corpo,
porque enquanto falava, ela se inclinou para ele. O ar entre eles engrossou, e
Hades achou difícil respirar.
— Combinado.
Empolgado, Hades continuou a explicar o jogo.
— Existem dez classificações no pôquer. A mais baixa é high card e a
mais alta é o royal flush. — O objetivo era tirar uma mão mais alta do que o
outro jogador. — Se você receber uma mão ruim, desista. É melhor que a
alternativa. Check e call se aplicariam se estivéssemos jogando por dinheiro,
mas como nossa moeda são respostas, o ponto é discutível. Talvez a
habilidade mais importante no pôquer seja sua habilidade de blefar.
— Blefar? — Isso pareceu despertar seu interesse.
— Às vezes, o pôquer é apenas um jogo de blefes… Especialmente
quando você está perdendo.
Hades deu a cada um deles cinco cartas, e eles demoraram olhando para as
mãos e depois um para o outro. Finalmente, a mulher colocou as cartas
viradas para cima.
— Você tem um par de rainhas — disse ele. — E eu tenho um full house.
— Então… você ganhou. — Ela não parecia tão chateada, mas
contemplativa, ainda tentando se lembrar das regras e entender o jogo. Hades,
por outro lado, estava impaciente e aproveitou a chance de fazer sua
pergunta.
— Contra quem você está se rebelando?
Ela sorriu, sarcástica.
— Minha mãe.
Ele ergueu uma sobrancelha.
— Por quê?
— Você terá que ganhar outra mão para eu responder.
Ele estava muito ansioso. Quando ele ganhou uma segunda vez, ele não
fez a pergunta, apenas olhou para ela com expectativa.
— Porque… — Ela fez uma pausa, e seus olhos se afastaram dos dele,
focando na mesa na frente deles, franzindo as sobrancelhas. Ela estava
procurando por uma resposta. Para uma maneira de evitar dizer a verdade,
Hades percebeu. Ela sorriu com tristeza quando disse: — Ela me irritou.
Havia um toque de escuridão em suas palavras, e ele queria perseguir
aquele momento. Foi a primeira vez que ele sentiu que ela estava se
segurando. Ele esperou por mais uma explicação, mas ela apenas sorriu.
— Você não disse que a resposta precisava ser detalhada.
Ele sorriu, imitando-a.
— Anotado para o futuro, garanto-lhe.
— Futuro?
— Bem, espero que esta não seja a última vez que joguemos pôquer.
Sobretudo agora. Ela estava ensinando a ele como ela pensava e
trabalhava, e ele estaria mais do que preparado para o próximo jogo. Ela não
seria capaz de cortar custos tão facilmente. Os termos seriam detalhados, as
apostas maiores.
A expressão dela ficou cautelosa, e ele teve a sensação de que ela não
tinha planejado vê-lo outra vez depois desta noite.
Algo passou por ele, sacudindo-o – uma emoção semelhante ao medo.
Tenho que vê-la de novo. Vou enlouquecer.
Ele afastou esses pensamentos. Termine o jogo, disse a si mesmo, e deu
outra mão e ganhou.
— Por que você está com raiva de sua mãe? — perguntou.
Ela ficou pensativa por um momento e então disse:
— Ela quer que eu seja algo que não sou.
Foi isso que eu senti sob a superfície? Sua verdadeira natureza,
desesperada para ser livre?
Perséfone baixou o olhar para as cartas.
— Não entendo por que as pessoas fazem isso.
Ele inclinou a cabeça.
— Você não está gostando do nosso jogo?
— Estou. Mas… não entendo por que as pessoas jogam contra Hades. Por
que elas iriam querer vender a alma para ele?
Você nunca esteve desesperada por algo? queria perguntar, mas sabia a
resposta. Podia sentir isso queimando entre eles.
— Elas não concordam em jogar porque querem vender a alma — disse.
— Elas o fazem porque acham que podem ganhar.
— Elas ganham?
— Às vezes.
— E você acha que isso o irrita?
Ela franziu os lábios com a pergunta, e o pavor apertou seu peito. Essa
deusa tinha conexões com Deméter, o que significava que ela tinha ouvido as
piores coisas dele. Se ele tivesse alguma esperança de desconstruir o mito que
havia sido erguido ao seu redor, teria que passar um tempo com ela, e isso
significava que ela precisava saber quem ele era, então ele respondeu com
sinceridade.
— Querida, eu ganho de qualquer maneira.
Os olhos dela se arregalaram e ela se levantou rapidamente, quase
derrubando a cadeira. Ele nunca tinha visto ninguém tão ansioso para deixar
sua companhia. Seu nome escapou da boca dela como uma maldição.
— Hades.
Ele estremeceu. Diga de novo, queria ordenar, mas manteve a boca
fechada. Os olhos da mulher escureceram e ele apertou os lábios. O olhar no
rosto dela iria assombrá-lo por uma eternidade. Ela ficou chocada, assustada,
envergonhada.
Ela cometeu um erro. Ele leu em seu rosto.
— Tenho que ir.
Ela se virou, fugindo dele como se fosse a própria Morte vindo para
roubar sua alma.
Pensou em persegui-la, mas sabia que não importava se a seguisse ou não.
Ela voltaria. Ela havia perdido para ele, e ele a havia marcado.
Ele engoliu o uísque e sorriu.
Talvez a barganha de Afrodite não fosse tão impossível afinal.
— O caminho mais rápido, o benefício mais rápido — murmurou.
4
MALDITAS MOIRAS

— Meu senhor. — A voz de Minta o tirou de seu devaneio. — Seu


primeiro compromisso chegou.
Porra. Ele estava definitivamente com o humor errado para entreter outra
barganha. Franziu a testa e foi beber de seu copo, mas percebeu que estava
vazio. Quando ele olhou para a ninfa, ela tinha a sobrancelha arqueada.
— Encantado, meu senhor? — A voz dela escorria julgamento.
— Sim — disse. Não via razão para mentir. — Estou.
O choque de Minta registrou-se nos olhos arregalados, e os lábios dela se
apertaram.
— Desespero não é lisonjeiro, Hades.
— Nem o ciúme — respondeu, empurrando o copo vazio para ela.
Ela fez uma careta.
— Onde está o mortal?
Os olhos dela brilharam quando respondeu:
— Na suíte Diamante.
No final da noite, Hades havia conquistado três contratos. Dois homens
em busca de riqueza, um jovem e um velho, e uma mulher em busca de amor.
Todos agora enfrentavam o desafio de superar o que mais pesava em suas
almas.
O mais jovem dos dois homens queria recuperar a poupança para a
faculdade, que ele havia drenado para sustentar o vício em cocaína. Ele teria
que largar o hábito para que Hades concedesse o desejo dele. O homem mais
velho estava tentando pagar a quimioterapia da esposa, e o maior fardo para a
alma dele? Ele a estava traindo antes do diagnóstico. Os termos de Hades
eram que ele tinha que ser honesto sobre a traição.
A mulher pediu amor, ou melhor, pediu que um homem específico se
apaixonasse por ela. Um colega de trabalho que ela vinha cobiçando por
anos.
Era um pedido que Hades ouvia com frequência, e que ele nunca poderia
conceder.
Ela se sentou em frente a Hades, parecendo desesperada e cansada, e
quando ele olhou para a alma dela, ele viu que estava tão entrelaçada com o
homem que ela amava, que ela não se parecia mais com seu verdadeiro eu.
Era um emaranhado de trepadeiras, cheia de espinhos, que se tornaram
afiados por conta de anos de rejeição.
— Mude seus termos — aconselhou.
Os olhos dela se estreitaram, e ela cerrou os dentes, ousando levantar a
voz.
— Mas é ele quem eu quero!
Era a segunda vez que ele ouvia aquele apelo esta noite, e nas duas vezes
tinha sido uma mentira.
— Eu não posso fazer outro mortal amar você — disse Hades. — Você
sempre pede amor ou nada.
Ela o encarou por um tempo, tentando segurar as lágrimas, antes de
concordar. Ele supôs que ela tinha decidido que era melhor ser amada por
alguém no final. Exceto que ela não ganhou o jogo, e após a derrota, Hades
encontrou o olhar aterrorizado e lacrimejante dela.
— Pare com esse desejo inútil por seu colega de trabalho — acrescentou
Hades.
Ela olhou feio.
— Não posso simplesmente… parar de amá-lo.
— Você deve encontrar um jeito — declarou ele. — Talvez depois disso
seus olhos se abram para um novo amor.
Hades começou a se levantar.
— Você nunca se apaixonou? — perguntou, e quando ele fez uma pausa,
os olhos dela se arregalaram com a percepção. — Você nunca se apaixonou.
Hades apertou os lábios.
— Cuidado, mortal. Esta vida é passageira. Sua existência no submundo
dura uma eternidade.
Ele começou a se levantar outra vez, e a mulher agarrou sua mão.
— Por favor! Você não entende! Eu não consigo escolher por quem me
apaixono!
Hades afastou a mão.
— Você desperdiça suas palavras e sentimentos, mortal.
Ele poderia ter falado mais. Ele poderia ter explicado que seu amor por
esse homem indiferente a deixava ressentida, que no momento em que ela
decidisse liberá-lo de seus afetos, melhoraria sua vida, mas ele sabia que ela
não o ouviria, então não falou. Em vez disso, ele desapareceu, retirando-se
para o Submundo.
Mas não para descansar.
Ele se teletransportou para a Biblioteca das Almas, localizada no palácio
espelhado das Moiras. Hades havia presenteado as três deusas com uma
porção de seu reino – uma ilha que flutuava no éter do Submundo. Era
acessível apenas para ele, e as Moiras eram incapazes de deixá-la.
Uma gaiola dourada, Láquesis chamara.
Uma prisão glorificada, Cloto cuspira.
Uma cela espelhada, Átropos dissera.
As Moiras podem ter escolhido descrevê-la como uma jaula, uma cela,
uma prisão, mas sabiam tão bem quanto Hades que fora construída de acordo
com suas especificações e para sua proteção.
— Vocês prefeririam viver entre as almas e divindades do Submundo? —
perguntava a elas toda vez que reclamavam. — Eles as apedrejariam, e eu
não impediria.
Nenhuma delas gostou de sua resposta, e responderam exigindo que
mudasse os jardins do lado de fora do palácio – um pedido que faziam com
frequência, e que ele atendia.
Não havia janelas na biblioteca, exceto por uma cúpula de vidro que
deixava entrar uma luz acinzentada. As paredes eram estantes do chão ao
teto, cheias de volumes encadernados em veludo preto. Cada volume
detalhava a vida de cada humano, criatura e deus.
Hades estendeu a mão e invocou o nome de Deméter, a Deusa da Colheita.
O livro veio até ele, caindo em suas mãos com um baque. Ao abri-lo, uma
projeção de fios ilustrava uma linha do tempo desde o nascimento da deusa
até o presente, que podia ser lida ou assistida como um filme.
Hades escolheu assistir, seguindo o fio desde o nascimento em meio a
batalhas até a existência vingativa após a Titanomaquia, até a criação do
culto, até que o fio se ramificou, significando a criação de outro fio de vida.
— Mostrem-me a quem este fio pertence — disse, e o ouro se partiu até
formar a imagem da garota da Nevernight.
Quando Hades olhou para ela, seu peito apertou.
Não à toa tinha o mesmo aroma que Deméter – era filha dela.
— Curioso sobre sua futura rainha? — Láquesis apareceu, vestida de
branco, o rosto emoldurado por longos cabelos escuros, na cabeça uma coroa
de ouro. Era a irmã do meio e tinha um cetro de ouro com o qual media a
vida mortal.
Futura rainha. As palavras o fizeram estremecer, e ele teve que cerrar os
dentes para não reagir.
— O nome dela? — perguntou Hades.
Ele não desviou o olhar da imagem cintilante.
— Chama-se Perséfone — respondeu Láquesis.
Perséfone, ele murmurou, testando em sua língua, surpreso com como
parecia certo, como soava perfeito.
— A Deusa da Primavera.
O olhar de Hades voltou-se para a Moira. Os olhos escuros dela olharam
de volta, sem fundo, sem emoção.
— Você quer me provocar.
Deusa da Primavera, Deusa do Renascimento, Deusa da Vida. Como
poderia uma filha da primavera tornar-se a noiva da morte?
— Sempre desconfiado, Hades — disse Cloto, aparecendo do nada. A
mais jovem das três Moiras não era diferente de Láquesis, vestida e com a
coroa de ouro. — Talvez desejemos recompensar nosso deus favorito.
— Vocês não gostam de deus nenhum — respondeu Hades.
— Nós desgostamos menos de você.
— Lisonjeado — retrucou.
— Se está descontente, desfaremos o fio — disse Átropos, aparecendo
diante de Hades e arrancando o livro de suas mãos. Ela era a mais velha e
ainda não parecia diferente das irmãs, vestida de vermelho-sangue, um par de
tesouras de ouro abomináveis penduradas em uma corrente em volta do
pescoço.
Hades olhou feio para as três.
— Conheço-as bem, Moiras — disse, dirigindo-se a todas de uma vez. —
Quem estão punindo?
Elas trocaram um olhar. Finalmente, Cloto respondeu:
— Deméter implorou por uma filha.
— Um desejo que foi concedido — falou Láquesis.
— Você é o preço que ela pagou — acrescentou Átropos.
— Eu sou o castigo — afirmou Hades.
As Moiras estavam cientes do ódio de Deméter por Hades. Ele estava
certo quando suspeitou de um truque.
— Se é assim que prefere entender — disse Cloto.
— Mas gostamos de pensar de forma diferente — murmurou Láquesis.
— É o preço pago pelo nosso favor — explicou Átropos.
Era como as Moiras funcionavam, e os deuses não eram imunes.
— Deméter está ciente? — perguntou Hades.
— Claro. Não temos o hábito de guardar segredos, Lorde Hades.
Hades ficou quieto. Se Deméter estava ciente, não admira que nunca
tivesse ouvido falar da Deusa da Primavera.
— Vocês quiseram punir Deméter, mas na verdade estão punindo
Perséfone — disse Hades.
A ironia não passou despercebida para ele, porque ele havia feito a mesma
coisa com ela. Ela estava ligada a ele pela barganha – a maior barganha que
ele já havia feito, porque no final, ela não precisava amá-lo. Milhares de
mortais e divinos igualmente tinham destinos tecidos pelas Moiras. Isso não
garantia um casamento amoroso, e um entre ele e a filha de Deméter era
ainda menos provável.
Láquesis estreitou os olhos.
— Você está com medo, Hades?
O deus a encarou, e as três Parcas riram.
— Nós podemos tecer os Fios do Destino, meu senhor, mas você mantém
o controle sobre como seu futuro se desenrola. — Cloto sumiu.
— Vai governar seu relacionamento como governa seu reino? — Láquesis
desapareceu.
— Ou deleitar-se com o caos? — Átropos desvaneceu.
E quando ele estava sozinho, as risadas alegres delas ecoaram ao seu
redor.
Você nunca se apaixonou?
As palavras da mortal voltaram para ele, enterrando-se sob sua pele como
um parasita.
Não, ele nunca tinha se apaixonado, e agora ele sempre se perguntava…
Perséfone o teria escolhido se tivesse liberdade?

Hades deixou a mansão das Moiras e se viu do lado de fora da casa de


Hécate. A Deusa da Bruxaria era uma residente de longa data do Submundo.
Hades permitiu que se instalasse onde desejava, e ela escolheu um vale
escuro para construir a cabana coberta de videiras. Depois, passou meses
cultivando trepadeiras venenosas.
Hades apenas ergueu uma sobrancelha quando descobriu o que ela tinha
feito.
— Não finja que meus venenos não foram úteis, Hades.
— Não tive tais pensamentos — respondeu ele.
Hades sorriu com a lembrança. Desde então, Hécate se tornou sua
confidente, provavelmente sua amiga mais próxima.
Ela estava do lado de fora, parada sob uma mancha de luar que fluía por
uma abertura na copa das árvores. No início, a deusa elogiou sua capacidade
de criar o que ela chamava de noite encantada, mas não era de surpreender.
Hades era um deus nascido das trevas. Era o que ele sabia melhor.
— O que o incomoda, meu rei? — perguntou quando ele se aproximou. —
É Minta? Posso sugerir lixívia para remediar a situação? É bastante doloroso
quando engolido.
Hades ergueu uma sobrancelha.
— Pensamentos assassinos já, Hécate? Ainda não é nem meio-dia.
Ela sorriu.
— Sou mais criativa à noite.
Hades riu, e eles caíram em um silêncio confortável. Hades, perdido em
seus próprios pensamentos. Hécate, olhando para a lua. Depois de um
momento, ela perguntou a ele outra vez:
— O que o incomoda?
— As Moiras — disse ele.
— Ah, as queridas. O que fizeram?
— Deram-me uma esposa — disse, erguendo as sobrancelhas. — A filha
de Deméter.
Hécate riu e logo cobriu a boca com a mão quando Hades olhou
enviesado.
— D-Desculpe — disse, e pigarreou, se recompondo. — Ela é horrível?
— Não — disse Hades. — Essa é provavelmente a pior parte. Ela é
maravilhosa.
— Então por que está tão triste?
Hades explicou a trajetória de sua noite com o mínimo de palavras
possível – a barganha de Afrodite, ter visto Perséfone pela primeira vez,
perceber que seu desejo primitivo de a reivindicar era anormal e descobrir o
fio que os conectava.
— Você deveria ter visto como ela olhou para mim quando percebeu
quem eu era. Ficou horrorizada.
— Duvido que tenha ficado horrorizada — disse Hécate. — Surpresa,
talvez; quem sabe até mesmo mortificada se os pensamentos dela foram
parecidos com os seus.
Hécate deu-lhe um olhar conhecedor, mas Hades não tinha tanta certeza.
Hécate não estava lá.
— Nunca vi você desistir de um desafio, Hades.
— Não desisti — declarou. Tinha feito o oposto: tinha, essencialmente,
ligado os dois pelos próximos seis meses.
Hécate esperou que explicasse.
— Ela jogou comigo.
— O quê??
— Ela me convidou para um jogo em sua mesa e perdeu — explicou
Hades.
Até amanhã de manhã, sua marca apareceria na pele de Perséfone, e
quando ela voltasse, ofereceria os termos de seu contrato. Se ela falhasse,
seria uma residente do Submundo para sempre.
— Hades, diga que não fez isso.
Ele apenas olhou para a deusa-bruxa.
— É a Lei Divina — disse.
Hécate o encarou, sabendo que não era verdade. Hades poderia ter
escolhido deixá-la ir sem exigir nada, e escolheu não o fazer. Se as Moiras
iriam conectá-los, por que não assumir o controle?
— Você não quer o amor dela? Por que você a forçaria a um contrato?
Depois de um momento, ele admitiu em voz alta:
— Porque não achei que ela voltaria.
Ele não olhou para Hécate, mas o silêncio dela lhe disse que tinha pena
dele, e ele odiava isso.
— O que você vai pedir a ela? — perguntou ela.
— O que eu peço a todos — disse ele.
Ele desafiaria as inseguranças da alma dela. No final, ele criaria uma
rainha ou um monstro. Qual seria, ainda não sabia.
— Como você se sente quando olha para ela? — questionou Hécate.
Hades não gostou dessa pergunta, ou talvez não tenha gostado de sua
resposta, mas falou com sinceridade mesmo assim.
— Como se eu tivesse nascido do caos.
Hécate sorriu.
— Já posso dizer que vou gostar dela. — Então os olhos da bruxa
brilharam com diversão. — Você deve dizer a Minta que vai se casar quando
eu estiver presente. Ela vai ficar furiosa!
5
UM CONTRATO SELADO

Hades apareceu no Tártaro.


No início de seu reinado, ele vinha aqui com mais frequência do que em
qualquer outro lugar em seu reino. Pós-Titanomaquia havia sido uma época
sombria. Nascido da guerra, Hades não conhecia nada além de sangue e dor,
mas ele não passou seu tempo no Tártaro por um desejo de existir com o
familiar. Ele fez isso com o desejo de punir os responsáveis por seu começo
sombrio: os Titãs.
Com o tempo, ele precisava disso cada vez menos.
Em raras ocasiões, ele vinha para canalizar raiva residual.
Esta noite não era diferente.
Ele estava em seu escritório, uma sala cavernosa, mas moderna, no pico de
uma das montanhas do Tártaro. Também funcionava como uma câmara de
tortura, as paredes cobertas com armas que Hades havia usado em muitos
humanos e humanoides desafortunados que se viram presos diante dele,
muitos deles guardando segredos, mesmo na vida após a morte. Parte do piso
era de vidro, e deste espaço elevado, Hades olhava para nível após nível de
tortura.
Ao longo dos anos, a prisão evoluiu. Começou no subsolo, com níveis
abrangendo quilômetros e quilômetros, todos dedicados a punir os crimes
mais perversos e torturar almas de maneiras absurdas – com vento, chuva
gelada e fogo, e as outras formas mais eficientes como afogamento no piche,
águias e abutres comendo fígados e carne sendo arrancada de corpos por
dentes afiados.
Enquanto essas formas de tortura ainda existiam, Hades evoluiu com o
Mundo Superior, esculpindo as montanhas e criando celas isoladas para
várias formas de tortura psicológica. Qualquer que fosse a variedade, Hades
só se importava que produzisse o mesmo resultado – sofrimento.
Hades pegou uma garrafa de uísque da mesa e tomou um gole antes de
estalar os dedos, convocando uma alma. O homem era aquele que Sísifo
matara a tiros no pátio de sua pesqueira.
Isidoro Angelos.
As mãos estavam amarradas atrás das costas, as pernas presas. O queixo
descansava no peito. Estava dormindo.
As almas tendiam a continuar no Submundo como estavam no Mundo
Superior, o que significa que se apegavam à rotina, mesmo que não
precisassem dela.
O sono era um exemplo disso.
— Bom, ele não é lindo? — disse Hermes, aparecendo no escritório de
Hades.
O Deus da Trapaça muitas vezes ia e vinha de seu reino, tendo assumido o
papel de psicopompo – guia para as almas – séculos atrás. Hades olhou para
ele. O deus estava na forma divina, dourado e espalhafatoso. Tinha grandes
asas brancas e um par de chifres curtos que saíam do lado da cabeça, quase
invisíveis no meio dos cachos. Os olhos dourados avaliaram o mortal.
— Não cobice os prisioneiros, Hermes — disse Hades.
— O quê? Posso apreciar beleza.
— Com seu histórico? Não. Você tende a esquecer o que está por baixo da
pele.
— Também tendo a fazer sexo alucinante — disse Hermes, suspirando. —
É um sacrifício que estou disposto a fazer.
Com isso, Hades se afastou do deus, revirou os olhos e girou o líquido na
garrafa antes de tomar outro gole.
— Talvez se você transasse com mais frequência, não sentiria a
necessidade de torturar seus súditos — acrescentou Hermes.
Hades rangeu os dentes, algo que ele tinha feito o dia todo. Sua mandíbula
doeria amanhã. As palavras de Hermes o frustraram por duas razões – que o
deus sentisse a necessidade de comentar sobre sua vida sexual e porque seus
pensamentos se voltaram para a bela Perséfone.
Ele sentiu um aperto em sua virilha que quase o fez gemer.
— Alguém já lhe disse que você pode precisar de terapia? — perguntou
Hermes. — Porque tenho certeza de que torturar pessoas é um sinal de
psicopatia.
Hades olhou para Hermes, que agora estava segurando um aguilhão, que
de repente acendeu, fazendo um terrível som de clique. O deus gritou e o
largou imediatamente.
Hades ergueu uma sobrancelha. Às vezes, era difícil lembrar que Hermes
era na verdade um guerreiro habilidoso.
— O quê? — desafiou ele. — Quase morri de susto!
Hades pegou o aguilhão do chão e se virou para o homem chamado
Isidoro sentado no centro de seu escritório, então disse:
— Acorde.
A cabeça do homem pendeu e os olhos abriram e fecharam, pesados de
fadiga.
Hades esperou enquanto o mortal se familiarizava com o ambiente, só
falando quando viu o reconhecimento em seu rosto.
— Bem-vindo ao meu reino — disse Hades.
Isidoro arregalou os olhos.
— Estou… estou no Tártaro?
Hades não respondeu. Em vez disso, disse:
— Você é Ímpio.
Os Ímpios eram mortais, e igualmente imortais, que rejeitaram os deuses
quando vieram à Terra durante a Grande Descida por várias razões – alguns
se sentiram abandonados, alguns sentiram que os deuses eram hipócritas,
outros não desejavam mais ser governados. No final, os dois lados entraram
em guerra, os Ímpios e os Fiéis. Hades não estava ansioso para se juntar à
luta; afinal, não importava de que lado ele se juntasse, seu reino cresceria de
qualquer maneira.
— E um membro leal da Tríade — acrescentou Hades.
A Tríade era um grupo de mortais Ímpios que se opunham aos deuses,
exigindo justiça, livre arbítrio e liberdade. Eles se denominavam ativistas, os
Olimpianos os chamavam de terroristas.
— Tr-Tríade? O que o faz pensar que sou um membro da Tríade?
Hades encarou o homem por um momento. Ele não gostava de responder a
perguntas, não gostava nada de falar, mas responderia a isso, pois isso
poderia impedir o homem de tentar mentir mais.
— Três razões — disse Hades. — Primeira, você gagueja quando mente.
Segunda, mesmo que não gaguejasse quando mente, posso sentir mentiras.
As suas são amargas e têm gosto de cinza, uma marca de sua alma. Terceira,
se não quer anunciar sua lealdade, não deve tatuá-la em sua pele.
Hades notou como os olhos do homem se voltaram para o braço direito,
onde o triângulo – o símbolo da Tríade – tinha sido tatuado.
— Então, você vai me torturar por minha lealdade?
— Vou torturá-lo por seus crimes — respondeu Hades. — O fato de você
ser um membro da Tríade é apenas um bônus.
Isidoro deu um grito gutural quando Hades empurrou o aguilhão no flanco
dele. O cheiro de carne queimada encheu suas narinas. Depois de alguns
segundos, ele se afastou. As costas do mortal estavam arqueadas, sua
respiração áspera.
— Deuses, Hades! Você realmente tem que fazer isso? — perguntou
Hermes, mas não fez nenhum movimento para cobrir os olhos ou mesmo
parecer enojado.
— Não finja que nunca torturou um mortal, Hermes. Todos nós sabemos
que sim — cuspiu Hades. Quando o aguilhão acendeu outra vez, o homem
olhou para Hades e o desafiou.
— Já fui torturado antes.
Hades sorriu maliciosamente.
— Não por mim.
O aguilhão era apenas o começo da tortura de Isidoro. Hades passou da
eletrocussão para o fogo, incendiando o chão sob os pés do homem,
mantendo-o vivo enquanto as chamas lambiam a pele dele. Ele gritou,
inalando fumaça, o que o fez tossir até cuspir sangue.
Em algum momento, Hades apagou as chamas com sua magia e, no
silêncio que veio depois, Hermes falou:
— Você está seriamente fodido, Hades.
— Vocês — falou Isidoro rouco, o peito subindo e descendo devagar. —
Vocês pensam que são intocáveis porque são deuses.
— É por isso mesmo que somos intocáveis — disse Hermes.
Hades ergueu a mão, silenciando o Deus da Trapaça.
— Não sabe o que está por vir — continuou Isidoro, sua voz vazia. A
cabeça pendeu para o lado, e não estava mais olhando para Hades, mas para a
parede. O deus agarrou o rosto carbonizado do mortal para que ele pudesse
olhar para ele.
— Hum, Hades… — começou Hermes.
— O que está por vir? — exigiu saber Hades.
— Guerra — respondeu o homem.

Era quase meio-dia, e Hades ainda não tinha dormido. Parecia haver areia
em seus olhos, e a voz de Hermes chiava em seus ouvidos. O deus o seguiu
de volta ao palácio e agora caminhava ao lado dele enquanto se dirigia para o
quarto. Hades tomou um gole da garrafa que trouxe do escritório no Tártaro.
— Poderia ter me dito que o estava torturando para obter informações —
reclamou Hermes.
— Está dizendo que se eu tivesse lhe contado, você teria se abstido de me
dizer como sou fodido? — perguntou Hades.
Hermes abriu a boca para responder, mas Hades falou em vez disso – uma
rara ocasião.
— A Tríade está se reorganizando. Preciso de seus olhos e ouvidos.
Hermes riu.
— Não está com medo deles, está?
— Fomos à guerra contra a Tríade, Hermes. Pode acontecer de novo. Não
subestime mortais desesperados por liberdade.
Hermes estreitou os olhos.
— Parece que você simpatiza com eles.
Hades encontrou o olhar do deus e respondeu como sempre fazia:
— O que é o mal para um é a luta pela liberdade para o outro.
Já havia dito isso antes, e diria novamente. O problema de Hades com a
Tríade eram as vidas inocentes que levavam com eles durante a luta.
— Não deixe sua arrogância cegá-lo, Hermes.
Desta vez, quando Hades começou a andar em direção a seus aposentos, o
deus não o seguiu.
Assim que Hades estava dentro do quarto, suspirou, pressionando os dedos
em sua têmpora. Fazia muito tempo que não tinha uma dor de cabeça, mas
este dia estava interminável. Hades atravessou a sala até a lareira e terminou
o uísque. Olhou para a garrafa vazia, contemplando os eventos do dia – de
ontem. Havia negociado, assassinado e torturado.
Todas as coisas que ele tinha certeza que sua futura esposa desaprovaria.
Futura esposa.
Malditas Moiras.
Hades jogou a garrafa, e ela se estilhaçou na parede de mármore preto.
Terei que parar de quebrar as coisas quando ela chegar aqui, pensou, e
então se repreendeu por soar tão… esperançoso.
Suspirou com raiva e foi em direção a sua cama, afrouxando a gravata.
Seus olhos começaram a arder. Precisava dormir. Em questão de horas, tinha
que estar de pé novamente. Tinha outro compromisso importante. Este em
seu próprio território, Iniquity, um clube exclusivo onde o pior da sociedade
se reunia sob sua proteção e governo.
Assim que puxou as cobertas, ouviu uma batida na porta.
— Vá embora — disse ele, pensando que só podia ser Minta.
Em vez disso, a voz de Ilias respondeu:
— Ah, acho que vai querer ouvir isso, meu senhor.
Hades suspirou.
— Pois não?
Ilias entrou, arqueando uma sobrancelha escura e sorrindo ironicamente.
— Não há descanso para os ímpios. A mulher da noite passada está do
lado de fora da Nevernight brigando com Duncan. Ele colocou as mãos nela.
É melhor se apressar.
Hades não conseguia descrever a sensação que o dominara, mas era como
se tudo dentro dele tivesse congelado por um segundo – seu sangue não
corria, seu coração não bombeava, seus pulmões não se expandiam.
Tão rápido quanto o gelo entrou em suas veias, ele se foi, substituído por
uma fúria incandescente.
— Por que você não disse antes? — retrucou ele antes de se
teletransportar para a entrada da Nevernight.
Do outro lado da porta, uma voz familiar ameaçou:
— Eu sou Perséfone, Deusa da Primavera, e se você quiser manter sua
vida fugaz, vai me obedecer.
Hades abriu a porta com violência. Ele se sentiu frenético até que seus
olhos se fixaram na deusa, e então ele ficou atordoado.
Estava na calçada desbotada, sob o sol muito brilhante, despojada da
ilusão humana. Chifres brancos de antílope brotavam do cabelo selvagem e,
apesar da altura, não conseguia deixar de pensar em como era delicada. Ele
gostou de vê-la assim. Parecia íntimo de alguma forma, porque ele sabia que
a estava vendo na forma real dela. Esta era Perséfone, a deusa que seria sua
rainha, e ela era tudo.
Ela não encontrou seu olhar, mas seus olhos estavam definitivamente nele,
trilhando seu corpo com uma intensidade na expressão que ele não conseguia
identificar, mas queria entender.
Apesar de sentir como se não tivesse controle sobre seu corpo, suas
emoções, sua magia, ele se recompôs o melhor que pôde e falou:
— Lady Perséfone. — O título dela parecia pesado em sua língua, e com
suas palavras, ela encontrou seu olhar, e outra vez, ele se assustou com os
olhos brilhantes dela – tão selvagens quanto os rios do Tártaro e tão verdes
quanto o vale de Asfódelo. Algo mudou na compostura da deusa quando
olhou para ele. Ela endireitou os ombros e ergueu o queixo.
— Lorde Hades.
Ela se dirigiu a ele formalmente e acenou com a cabeça. Ele não tinha
certeza do que ele não gostava nisso: o fato de que ela tinha usado seu título,
ou a linguagem corporal cerimonial dela. Ele franziu a testa, mas não
conseguiu pensar muito no assunto, porque Duncan chamou sua atenção.
— Meu senhor. — O ogro caiu de joelhos e abaixou a cabeça. — Eu não
sabia que ela era uma deusa. Aceito punição por meus atos.
— Punição? — repetiu Perséfone. Ela cruzou os braços no peito como se
estivesse desconfortável com a ideia. Hades cerrou os dentes, a mesma fúria
que o dominou no Submundo brilhou novamente.
— Eu encostei minhas mãos em uma deusa — disse o monstro.
— E uma mulher, em primeiro lugar — acrescentou Hades, infeliz.
Duncan estava errado. A punição iminente dele não tinha nada a ver com o
fato de que havia tocado alguém de sangue Divino – era porque havia
machucado uma mulher. Hades não tolerava a violência contra mulheres ou
crianças. Na verdade, ele odiava tanto que havia um nível especial no Tártaro
para os responsáveis por tais crimes, e aquelas punições eram distribuídas
pelas próprias Fúrias, as três temidas Deusas da Vingança; por Nêmesis, a
Deusa da Retribuição; e por Hécate, que se encarregava de punir
pessoalmente os agressores.
Nenhum humano ou humanoide seria perdoado, funcionário de Hades ou
não.
— Vou lidar com você mais tarde — garantiu Hades. — Agora, Lady
Perséfone.
Ele deu um passo para o lado, abrindo espaço para que ela entrasse na
Nevernight. Ela não hesitou como ele pensou que faria, entrando na escuridão
de sua casa noturna como se fosse a dona. Ele fechou a porta atrás dela e, por
um momento, ficaram presos juntos e o cheiro da magia deles se retorceu e
oprimiu. Hades reconheceu a rigidez na postura de Perséfone, porque ele
tinha ficado imóvel. A reação dela o relaxou, provavelmente porque ele
encontrou esperança na ideia de que a afetava da mesma maneira.
Ele considerou desafiar o que estava se formando entre eles, aproximando-
se e puxando o cabelo brilhante para longe do pescoço dela. Praticamente
podia ouvir a respiração dela estremecer quando desse um beijo na pele
macia. Derreteria em seus braços? Ou lutaria?
Ele se aproximou. Não achava que fosse possível, mas ela ficou ainda
mais rígida, as costas eretas. Estava tensa, como uma víbora pronta para
atacar. Era uma mordida que suportaria de bom grado, e ele se inclinou, a
mandíbula roçando o lado do rosto dela, seus lábios tocando a orelha dela.
— Você é cheia de surpresas, querida.
Ele foi muito arrogante, percebeu, despreparado para a reação de seu
corpo a ela. O cheiro dela penetrou em sua pele, inflamando seu sangue. Ele
ficou pesado e duro com o pensamento de envolver a cintura da deusa com o
braço, puxando-a contra ele, consumindo-a.
Porra.
Uma respiração audível o trouxe de volta à realidade, e antes que ela
pudesse encará-lo, ele estava abrindo a porta interna para Nevernight,
quebrando o estranho feitiço entre eles.
— Depois de você, deusa.
Ela piscou, e ele notou a confusão na expressão. Talvez ela pensasse que o
que acabara de experimentar era uma ilusão. Ele meio que esperava que ela
fugisse, mas novamente, aquela faísca de rebeldia entrou em seus olhos. Ela
segurou o olhar dele enquanto passava: um desafio e uma provocação.
Ele a seguiu e observou enquanto ela se aproximava da sacada, os olhos
examinando o andar de baixo. Imaginou o que ela estaria procurando, mas
não perguntou, apenas esperou até que ela olhasse para ele e continuasse
descendo as escadas.
Os saltos dela estalaram enquanto ela o seguia pelo salão, que era como
ele sabia que ela tinha parado de se mover, porque a casa noturna ficara
silenciosa.
— Aonde estamos indo? — perguntou ela. Havia suspeita na voz, e
lembrou a si mesmo que só porque ela havia entrado na Nevernight
voluntariamente, não era uma demonstração de confiança.
Hades fez uma pausa, virando-se para olhar para ela.
Não deveria ter olhado para trás. Quase o fez questionar o que estava
fazendo, atraindo esta bela deusa cada vez mais para dentro de seu reino.
— Meu escritório — disse ele. — Imagino que o que você tem a me dizer
exige privacidade.
Ela levantou uma sobrancelha, olhando para o espaço vazio.
— Parece que temos privacidade suficiente aqui.
— Não temos. — Ele se virou e subiu as escadas, satisfeito quando ouviu
o clique dos saltos seguindo.
No topo da escada, ele se virou para seu escritório e abriu uma das duas
grandes portas com um de seus símbolos em ouro – um bidente – enrolado
em trepadeiras e flores. Quando se virou para Perséfone, ela ainda estava a
alguns metros dele. A distância dela o frustrava.
— Você vai hesitar a cada passo, Lady Perséfone?
Ela fez uma careta.
— Eu estava apenas admirando sua decoração, Lorde Hades. Não reparei
ontem à noite.
— As portas dos meus aposentos costumam ficar ocultas durante o horário
de funcionamento da casa — respondeu ele, indicando a porta aberta. —
Vamos?
Ela ergueu o queixo e passou por ele. Ele a seguiu enquanto ela se movia
pelo chão de mármore preto e se familiarizava com seu escritório, os olhos se
fixando primeiro na parede de janelas que dava para o salão da casa noturna.
Era uma característica comum à maioria de seus escritórios: uma forma de
observar de cima. Apesar do calor lá fora, Hades mantinha o fogo em sua
lareira. Ele gostava de fogo, gostava da forma como as chamas dançavam,
gostava de observá-lo da mesa de obsidiana, mas raramente usava a área de
estar disposta à sua frente. Talvez ele o fizesse hoje, e convidasse a Deusa da
Primavera para se sentar.
Mas isso parecia muito civilizado, e Hades teve a sensação de que o que
quer que a deusa tivesse vindo dizer, era tudo menos educado.
Quando ele fechou a porta, ela ficou rígida de novo. Foi então que ele
percebeu que deveria ter feito mais para tranquilizá-la de que estava segura
com ele depois de sua terrível interação com Duncan. Moveu-se pelo salão
ruidosamente, não querendo assustá-la, e parou na frente dela, os olhos
procurando o rosto dela, passando pelos lábios, antes de cair no pescoço. A
pele perfeita estava avermelhada pelo aperto do ogro.
Precisou dar tudo de si para ficar onde estava e não se teletransportar para
o Submundo para torturar Duncan.
Antecipação é parte do tormento, lembrou a si mesmo.
Ele estendeu a mão para ela, querendo curar aquelas marcas na pele, mas a
mão dela agarrou seu braço. Seus olhares colidiram.
— Você está ferida? — perguntou ele.
— Não — sussurrou ela.
Havia algo íntimo nessa troca. Talvez fosse a proximidade deles, a
centímetros um do outro, pele tocando a pele. Depois de um momento, ele
assentiu e puxou o braço. Atravessou a sala, precisando da distância para não
fazer algo estúpido. Como beijá-la.
O cheiro da magia de Deméter o alertou de que ela estava prestes a
aumentar sua ilusão.
— É um pouco tarde para ser modesta, você não acha? — perguntou,
inclinando-se na mesa, puxando a gravata do pescoço. Não gostava da
sensação na pele, como uma restrição, mas o movimento atraiu o olhar dela, e
ele reconheceu a fome nos olhos dela, porque também sentiu. Em seu âmago.
— Interrompi alguma coisa?
O tom dela era quase acusatório, e ele considerou questionar seu ciúme,
mas decidiu que não o faria.
— Estava quase indo dormir quando ouvi você exigindo ser admitida no
meu estabelecimento. Imagine minha surpresa quando encontrei a deusa da
noite passada na minha porta.
Ela olhou carrancuda:
— A górgona te contou?
Ele lutou contra a vontade de sorrir ao ver a frustração dela.
— Não, Euríale não me contou. Eu reconheci sua magia como a de
Deméter, mas você não é Deméter. — Ele inclinou a cabeça, estudando-a da
mesma maneira que estudou a imagem dela na Biblioteca de Almas. —
Quando você saiu, consultei alguns textos. Eu tinha esquecido que Deméter
tinha uma filha. Presumi que você fosse Perséfone. A questão é: por que você
não está usando sua própria magia?
— Foi por isso que você fez isso aqui? — exigiu saber, removendo um
horrendo conjunto de pulseiras do pulso e segurando o braço, onde uma faixa
de pontos pretos marcava a pele da deusa.
Ele notou que ela tinha evitado responder sua pergunta. Não importa, ele
voltaria ao assunto. Em vez disso, concentrou-se na marca na pele dela, sua
marca, e sorriu.
— Esse é o resultado de perder para mim.
— Você estava me ensinando a jogar — argumentou ela.
— Semântica. — Deu de ombros. — As regras da Nevernight são muito
claras, Deusa.
— São tudo menos claras. — Ergueu as mãos e apontou para ele. — E
você é um idiota!
Ele se afastou da mesa, andando em direção a ela. Havia uma parte dele
que queria exigir respeito, uma parte dele que queria lembrá-la de que ele era
o Rei do Submundo, Deus dos Mortos, mas quando ele se aproximou dela,
ele se lembrou de quem ela era – Perséfone, Deusa da Primavera, sua futura
rainha. O pensamento o acalmou, e ainda assim, ela deve ter visto algo mais
brilhar em seus olhos, porque deu um passo para longe.
— Não me ofenda, Perséfone — disse, segurando seu pulso suavemente.
Sentiu uma estranha energia entre eles quando restabeleceu a conexão.
Traçou a sombra que borrava a pele de Perséfone, e ela estremeceu sob suas
mãos.
— Quando me convidou para sua mesa, você entrou em um acordo. Se
tivesse ganhado, poderia ter deixado Nevernight sem exigências, e quando
quisesse. Mas você não ganhou, e agora temos um contrato.
Eu poderia dar-lhe liberdade. As palavras entraram em sua cabeça,
espontâneas, nascidas de seus pensamentos anteriores, e ele foi subitamente
dominado pela culpa. Era verdade que não havia Lei Divina nesse caso, então
ele poderia deixá-la ir.
Mas enquanto a observava, ele espiou por baixo do belo exterior e viu a
alma dela pelo que era – uma deusa poderosa, enjaulada em dúvida e medo.
Era a razão pela qual usava a magia da mãe: a dela estava trancada,
adormecida.
Quanto mais ele olhava, mais fundo ele caía. Ela era inebriante, e a magia
dela cheirava a rosas doces, glicínias e algo completamente pecaminoso. Sua
própria magia cresceu dentro dele, desejando se emaranhar com a dela. Ele
queria tirá-la dela, persuadi-la a libertar aquele poder.
Porra, porra, porra.
Não tinha certeza do que ela viu em sua expressão, mas notou a forma
como a garganta dela se contraiu quando engoliu, e pensou que gostaria de
beijá-la ali, senti-la estremecer sob ele.
Ela falou e as palavras escorriam raiva contida.
— E o que isso significa?
— Significa que devo escolher os termos — falou, determinado.
De repente, essa barganha assumira um significado totalmente novo para
ele. Arrancaria as barras ao redor do corpo dela, a libertaria dessa gaiola
autoconstruída de ódio, e no final, se ela não o amasse, pelo menos ela seria
livre.
— Não quero ter um contrato com você — disse entredentes, os lindos
olhos brilhando. — Tire daqui!
— Não posso.
Não quero, ele pensou.
— Você colocou, você pode tirar.
Os lábios dele tremeram. Não deveria achar graça na situação dela. Sabia
que isso era angustiante, sabia que ela não entendia por que isso tinha que
acontecer. Ainda assim, ele sorriu porque ela era desafiadora, porque gostava
do fogo e da frustração dela.
— Você acha graça? — perguntou ela.
— Ah, querida, você não faz ideia.
— Sou uma deusa. Somos iguais.
Ela disse as palavras, mas ele sabia que não acreditava nelas.
— Você acha que nosso sangue muda o fato de que você voluntariamente
entrou em um contrato comigo? São regras, Perséfone. — Ela olhou para ele.
— A marca sumirá quando o contrato for cumprido.
— E quais são os seus termos?
Ele considerou o que tinha visto da alma da deusa. Ela era uma mulher
que equiparava Divindade com poder. Era o cerne da insegurança dela, e era
isso que ele desafiaria. Por fim, ele falou:
— Crie vida no Submundo.
Os olhos de Perséfone se arregalaram e ela empalideceu, a impossibilidade
das palavras se afirmando rapidamente. Ela apertou os dedos no pulso.
— O quê?
— Crie vida no Submundo — repetiu ele. — Você tem seis meses. E, se
falhar ou recusar, então você se tornará residente permanente de meu reino.
— Você quer que eu cultive um jardim em seu reino?
Ele faz uma careta. Ela já havia decidido que só havia uma maneira de
cumprir a barganha, e isso era através do poder que ela não tinha… ainda.
Ele deu de ombros.
— Suponho que essa seja uma forma de criar vida.
Foi uma pista, mas ela não entendeu. Em vez disso, olhou para ele.
— Se me sequestrar e levar para o Submundo, enfrentará a ira da minha
mãe.
— Ah, tenho certeza — meditou, imaginando isso agora, e ainda assim era
o preço que Deméter pagaria – primeiro por barganhar com as Moiras, e
segundo por esconder Perséfone dele. Quando a Deusa da Colheita viria
buscá-lo? Perguntou-se. — Bem como você vai sentir sua ira quando
Deméter descobrir o que você fez de forma tão imprudente.
Ele odiava ter falado essas palavras, e considerou tranquilizá-la de que a
protegeria da mãe, mas então Perséfone se endireitou, encontrou seu olhar e
aceitou seu desafio.
— Ótimo. Quando começo?
Ele quase sorriu.
— Venha amanhã. Mostrarei o caminho para o Submundo.
— Terá que ser depois da aula — disse ela.
Suas sobrancelhas se juntaram.
— Aula?
— Eu estudo na Universidade de Nova Atenas.
Um exemplo do quanto não sabia sobre essa mulher, e ficou curioso. O
que estava estudando? Há quanto tempo estava na faculdade? Onde morava
antes de Nova Atenas? O que Deméter havia ensinado a ela sobre os
Divinos?
Tudo isso devo descobrir a seu tempo, lembrou a si mesmo.
— Depois da… aula, então.
Eles se encararam por um longo momento, ainda se tocando, ainda
invadindo o espaço um do outro, e ele descobriu que estava contente com
isso – o silêncio, a sensação da energia dela – porque fazia seu peito ficar
mais leve.
— E o seu segurança? — perguntou de repente.
Hades franziu a testa, sobrancelhas baixando.
— O que tem ele?
— Prefiro que não se lembre de mim nesta forma. — Ela levantou a mão
para os chifres, e os olhos de Hades a seguiram. Eram lindos chifres,
graciosamente torcidos e com pontas afiadas, mas quando ele olhou,
desapareceram de sua vista, cobertos pela ilusão que Perséfone havia
invocado. Seus olhos, outra vez, caíram para os dela.
— Vou apagar a memória dele… depois que ele for punido por ter
maltratado você.
— Ele não sabia que eu era uma deusa.
Não venha em auxílio dele, ele queria dizer. Ele não merece sua gentileza.
— Mas ele sabia que você é uma mulher, e deixou a raiva guiá-lo. Então
ele será punido.
E eu vou desfrutar do processo completamente.
— O que isso vai me custar?
Ele se concentrou nela outra vez, nos cílios grossos, nos olhos
hipnotizantes e na boca sensual.
— Esperta, querida. Já sabe como funciona. A punição? Nada. A
memória? Um favor.
— Não me chame de querida — retrucou ela, e ele ergueu uma
sobrancelha, estranhando a súbita frustração da deusa. Talvez ela pensasse
que ele estava ficando muito confortável muito rápido. — Que tipo de favor?
— O que eu quiser — disse ele. — Para ser usado no futuro.
Ela estreitou os olhos, cética em relação ao pedido dele, e deveria mesmo
ficar. Os favores mais perigosos eram aqueles não especificados, e se ela
concordasse, isso lhe daria uma ideia do quanto ela realmente sabia sobre o
que significava ser Divino.
— Combinado.
Nada, ele pensou. Ela não sabe nada. Isso o deixou mais do que curioso.
Como Deméter pôde deixar a filha entrar em um mundo governado pelos
Divinos e não saber nada sobre eles? Teria que saber que mais cedo ou mais
tarde, Perséfone encontraria seu caminho para este mundo.
Apesar de seus pensamentos preocupantes, Hades sorriu para ela.
— Vou pedir ao meu motorista para levá-la para casa.
— Não é necessário.
— É sim — insistiu ele.
Hades não tinha o hábito de confiar no mundo. Sabia muito sobre o que
permanecia sob sua superfície.
— Certo — retrucou ela.
Ele franziu o cenho. Ela provavelmente estava mais do que pronta para ir,
exceto que ele não estava pronto para vê-la partir. Não logo após seu último
pensamento.
Mantenha-a segura, ele pensou enquanto segurava os ombros dela,
selando o espaço entre eles. Ele a desequilibrou, e os dedos dela agarraram a
frente de sua camisa, unhas arranhando seu peito. Pressionou os lábios na
testa dela, e o calor da pele correu para o fundo de seu abdome, fazendo seu
pênis pulsar e seus pensamentos se tornarem caóticos. Ele queria inclinar a
cabeça dela na sua direção, beijar a boca e provar a língua dela.
Concentre-se na tarefa, ele disse a si mesmo com raiva, e concedeu seu
favor a ela. Nos tempos antigos, os heróis gregos eram favorecidos pelos
deuses, recebiam armas especiais e ajuda durante a batalha e, em raras
ocasiões, até uma segunda chance na vida. Na modernidade, um favor
poderia significar qualquer coisa – acesso a clubes exclusivos, riqueza
insuperável ou proteção contra danos corporais.
Hades ofereceu a Perséfone o último, junto com o acesso ao seu reino. Ele
a soltou do beijo. A centímetros de distância, ela olhou para ele.
— Para que foi isso? — sussurrou.
Hades sorriu, passando um dedo em sua face quente.
— Para seu benefício. Da próxima vez, a porta se abrirá para você. Prefiro
que você não irrite Duncan. Se ele a machucar de novo, terei que matá-lo, e é
difícil encontrar um bom ogro.
— Lorde Hades — interrompeu a voz de Minta. — Tânatos está
procurando por você… ah…
A presença da ninfa o frustrou, porque significava que Perséfone não
estava mais olhando para ele. Ela tentou se afastar, mas Hades a segurou com
mais força, recusando-se a soltá-la.
— Não sabia que tinha companhia — disse Minta, sua voz cheia de
julgamento. Talvez Hécate estivesse certa quando sugeriu que ele contasse a
Minta sobre sua futura noiva.
— Um minuto, Minta — gritou Hades sem olhar para ela.
Quando ela se foi, o olhar de Perséfone voltou para o dele, e ele a estudou,
lábios apertados.
— Você não respondeu à minha pergunta — disse Hades. — Por que está
usando a magia da sua mãe?
Queria ver se ela admitiria o que já sabia, que ela não tinha magia própria.
Em vez disso, ela o surpreendeu sorrindo.
— Lorde Hades — disse, sua voz ofegante e sensual. Ela passou um dedo
pelo peito dele, e o movimento despertou seu desejo por ela mais uma vez.
Precisaria fazer justiça com as próprias mãos depois disso. Não aguentaria.
Ela conhecia seu poder? — A única maneira de obter respostas minhas é se
eu decidir entrar em outra aposta com você e, no momento, é improvável.
Então ela pegou as lapelas de seu paletó e as endireitou antes de se
inclinar, assim como ele havia feito mais cedo no saguão, e sussurrar:
— Acho que vai se arrepender disso, Hades.
Os olhos dela caíram para a prímula vermelha no bolso do paletó dele, e
quando ela roçou os dedos, as pétalas murcharam.
6
UMA ALMA POR UMA ALMA

Hades escoltou Perséfone para o andar de baixo. Queria garantir que ela
aceitasse a carona e apresentá-la a Antoni, seu motorista.
O ciclope esperava com paciência, vestido de terno preto e gravata.
Quando viu Perséfone, sorriu, o olho brilhando.
— Lady Perséfone — disse ele. — Este é Antoni. Vai garantir que você
volte para casa em segurança.
Embora soubesse que o ciclope cuidaria dela, sentiu a necessidade de
deixar isso claro, encarando Antoni enquanto falava.
Ela é importante.
— Estou em perigo, meu senhor?
A pergunta dela chamou sua atenção, e encontrou-a olhando para ele.
Apesar do tom sarcástico na voz, sentiu o desconforto dela.
Ninguém vai te prejudicar, ele queria dizer, mas essas palavras só iriam
inflamar o medo dela. Na verdade, Hades estava sendo excessivamente
protetor. Talvez tivesse algo a ver com o mortal que ele torturou na noite
passada, o homem que ameaçou uma guerra com a Tríade.
— Apenas uma precaução — assegurou. — Não gostaria que sua mãe
derrubasse minha porta antes que tivesse um motivo para isso.
Eles se encararam por um longo momento antes de Antoni pigarrear e
abrir a porta traseira do carro. Ambos olharam para Antoni, que apontou para
o carro.
— Minha senhora — ofereceu ele.
— Meu senhor. — Perséfone disse seu título naquela voz calma e
suspirosa. Isso o fez pensar em outras coisas, como ela poderia dizer seu
nome quando gozasse debaixo dele.
Ela se virou e deslizou para o banco de trás do carro. Quando Antoni
fechou a porta atrás dela, olhou para Hades. Conhecia aquele olhar. Foi um
olhar de você vai me agradecer depois, mas Hades não tinha tanta certeza. Se
Antoni não tivesse aberto a boca, ele poderia ter beijado a deusa novamente
do jeito que queria em seu escritório.
Mas talvez fosse disso que o ciclope o estivesse salvando, porque Hades
não tinha certeza de que soltaria Perséfone uma segunda vez.
Ele observou enquanto seu Lexus preto partia pela rua.
— Espero que você saiba o que está fazendo — disse Minta, inclinando-se
na porta atrás dele. Estava bisbilhotando do vestíbulo enquanto ele via
Perséfone partir.
Hades manteve os olhos no carro; estava na faixa da direita, quase fora de
vista.
— O que você acha que eu estou fazendo?
— Encorajando-a — disse Minta. — Se não tomar cuidado, vai se
apaixonar por você.
Estava feliz por não estar olhando para a ninfa, porque um sorriso curvou
seus lábios.
O Lexus finalmente sumiu de vista, e Hades virou-se para encarar Minta.
As feições da ninfa estavam contraídas, em parte devido ao brilho do sol e em
parte pelo julgamento fervilhante.
— Tânatos estava procurando por mim, ou você estava espionando? —
perguntou, referindo-se a intrusão anterior no escritório.
— Por que toda vez que o pego fazendo algo que não devia, de repente
sou uma espiã?
Hades não gostou daquelas palavras. A ninfa fingia que seu papel como
assistente de alguma forma significava que era sua guardiã.
— E o que eu não deveria estar fazendo, Minta?
Ela cruzou os braços.
— Diga-me, Hades. Você a teria beijado se eu não tivesse aparecido?
— Eu a beijei — respondeu ele. Os olhos da ninfa se arregalaram e depois
se estreitaram enquanto ele continuava: — Se você viu algo que não gostou,
Minta, sugiro que bata no futuro.
— Tânatos está esperando por você na sala do trono — disse, antes de se
virar e bater a porta atrás dela.
Hades suspirou e se teletransportou para o Submundo, onde encontrou
Tânatos. O Deus da Morte era alto e esbelto, ostentando cabelos platinados e
um par chifres de gaial pretos. Hades gostava de Tânatos e confiava nele
tanto quanto em Hécate. Era um deus bondoso e se importava com as almas.
Tinha sido um de seus maiores defensores, mais rei para eles do que Hades
jamais fora.
Ele se curvou quando Hades apareceu, as grandes asas pretas se arrastando
atrás dele como uma capa de seda.
— Meu senhor — disse, e quando se endireitou, olhos azuis brilhantes
encontraram os dele. — Temos um problema.
— O que é?
— As Moiras estão em alvoroço — explicou. — A tesoura de Átropos
quebrou.
Hades ergueu uma sobrancelha.
— Quebrou?
Tânatos assentiu.
— É melhor você vir.
O medo se acumulou no âmago de Hades, mas ele concordou e seguiu
Tânatos até a ilha das Moiras. Encontrou as três irmãs na sala de tecelagem.
No centro da sala havia um globo preto brilhante onde milhões de fios
haviam sido tecidos na superfície como uma tapeçaria. Cada fio representava
uma pessoa – um destino – que as Moiras haviam tecido para a existência.
Normalmente, as três irmãs sentavam-se em um arco ao redor do globo.
Cloto iniciaria o Fio da Vida, tecendo-o na superfície do mapa, e quando
fosse longo o suficiente, Láquesis começaria seu trabalho, tecendo nele um
destino, enquanto Átropos arrancava e desenrolava fios, determinando a
morte de todas as almas, cortando as linhas de vida com sua tesoura.
Exceto que, quando Hades apareceu, Cloto e Láquesis estavam
consolando Átropos, que chorava e soluçava em suas mãos.
— Você deve consertar isso, Hades! — exigiu Láquesis quando ela o
notou.
— Sim, você deve! — gritou Cloto.
— Minha tesoura! Minha linda tesoura! — gritou Átropos.
— Não posso ajudar se não souber o que aconteceu — disse Hades, já
frustrado com as três.
— Você não ouviu? — cuspiu Láquesis.
— A tesoura de Átropos quebrou! — Cloto fervilhava.
— Como? — perguntou Hades entredentes, os dedos se fechando em
punhos.
Ele estava perdendo a paciência, uma qualidade perigosa quando se
tratava das Moiras. Hades sabia que teria que lidar com isso com cuidado, ou
se encontraria à mercê delas.
— Átropos? — insistiu Hades.
Levou um momento para a Moira se acalmar. Então, ela falou, os olhos
escuros vermelhos de tanto chorar.
— Peguei um fio do globo, escolhi e teci uma morte, e quando fui cortar o
fio, não se partiu. Tentei de novo, e de novo, e de novo, e de novo, até que
minha tesoura quebrou.
A voz dela tremeu, e ela começou a uivar outra vez, um lamento horrível
que perfurou os ouvidos de Hades e o fez se sentir violento. Respirou fundo e
segurou até se sentir um pouco menos assassino.
— O fio de quem? — perguntou Hades em seguida.
Respirando com dificuldade e choramingando, Átropos olhou para Hades
de novo, olhar feroz e selvagem. Ele reconheceu o olhar feroz: era o olhar de
uma deusa, pronta para a vingança.
— É um mortal que procura enganar a morte! — fumegou. — Sísifo de
Éfira.
Hades fez uma careta para o nome, e uma sensação sombria penetrou em
seu peito. O mortal da pesqueira. Não era de todo surpreendente que o
homem de alguma forma tivesse conseguido encontrar uma maneira de
desafiar as Moiras. Tinha conexões no submundo do crime da Nova Grécia,
bem como na Tríade. Devia ter tentado várias opções – poções mágicas e
feitiços lançados por magos, mortais que praticavam magia obscura, até
relíquias – até encontrar algo que funcionasse.
— Conserte, Hades! — exclamou Cloto.
— Encontre-o! — gritou Láquesis.
— Conserte; encontre-o, Hades — disse Átropos. — Ou vamos
desentrelaçar a Deusa da Primavera de sua vida!
— Sim — sibilaram em uníssono. — Ou vamos desentrelaçar a Deusa da
Primavera de sua vida!
Então vocês vão começar uma guerra.
Os olhos de Hades brilharam, e ele quase verbalizou a ameaça – a
promessa – que estava fazendo agora, quando as irmãs começaram a gritar.
Levou um momento para Hades descobrir o porquê, mas finalmente
localizou a fonte de sua agonia. Um fio subiu à superfície do globo entre eles
e se desintegrou – e não foi devido à vontade das Moiras.
Uma alma por uma alma, pensou Hades. O universo teria equilíbrio,
mesmo contra a vontade dos deuses.
— Tânatos — disse Hades, voltando-se para o Deus da Morte. Era uma
ordem: — Leve-nos a essa alma moribunda.
O deus obedeceu, e os dois se encontraram no mundo superior do lado de
fora de um apartamento em ruínas no distrito da Macedônia.
Hades reconheceu o cheiro da morte no mesmo instante: pungente e fétido
e tangível. Era um odor ao qual nunca se acostumara, um que tomou conta de
sua mente e o enviou de volta aos seus primeiros e antigos dias no campo de
batalha sangrento, onde ele conhecera os vários cheiros de decomposição.
Trocou um olhar com Tânatos. Tinham chegado tarde demais.
Hades tocou a porta, e ela se abriu. Dentro, jazia um homem. Estava
esparramado no chão, de bruços com os braços abertos. Era como se ele
tivesse acabado de entrar em sua casa e desmaiado, sem vida.
— Só deveria morrer daqui a um ano — disse Tânatos. Embora não fosse
incomum que mortais tivessem mortes inesperadas, essas mortes ainda eram
orquestradas por Átropos.
E alguém havia negado a ela esse direito.
Hades olhou para o cadáver por um longo momento. O homem era jovem,
mas o rosto estava cheio de cicatrizes e crostas, e havia marcas e hematomas
na dobra do braço.
Evangeline, o deus pensou, sombrio.
— Nome? — perguntou Hades.
— Alexander Sotir — disse Tânatos. — Trinta e três.
Hades franziu a testa. Uma pontada no peito o pegou desprevenido, mas
ele reconheceu o que era: tristeza. Gostaria de ter ajudado esse homem a
superar seu vício.
— Hades — acrescentou Tânatos. — Olhe.
Seu olhar mudou do corpo para Tânatos para os arranhões pretos no chão;
estavam molhados e pareciam marcas de que algo tinha sido arrastado. Hades
os seguiu, e o que encontrou no canto da sala o enfureceu.
Era a alma de Alexander, e estava aos pés de Hades em posição fetal,
quebrada e machucada. Parecia mais esquelética do que humana. A pele ao
redor era como uma membrana, enegrecida e parecida com piche. O estado
da alma disse a Hades duas coisas sobre como o mortal havia morrido; que a
morte tinha sido traumática e não natural.
Hades tinha visto poucas almas neste estado, e sabia que não havia
esperança. Esta alma não tinha chance de cura, nenhuma chance de
reencarnar.
Este era seu fim.
— Fale com Ilias — instruiu Hades a Tânatos. — Quero saber a conexão
de Sísifo com este homem.
— Sim, meu senhor — disse Tânatos. — Devo…
— Vou cuidar dele — declarou Hades de imediato.
— Muito bem — assentiu e desapareceu, deixando Hades sozinho com a
alma.
O deus ficou ali por um momento, incapaz de se mover. Não tinha dúvidas
de que isso continuaria acontecendo. Cada morte quebraria uma alma? Cada
morte desgastaria outro fio ligando-o à sua futura rainha?
Ele só tinha certeza de uma coisa: encontraria Sísifo e colheria a alma do
homem ele mesmo.
Hades se ajoelhou e recolheu a alma em seus braços, teletransportando-se
para os Campos Elísios. Apesar do peso do dia, havia paz aqui no silêncio, na
forma como o vento movia a grama dourada. Era um espaço reservado para a
cura, e embora Hades soubesse que a alma de Alexander nunca se recuperaria
de seu terrível fim, ele lhe daria o melhor fim possível.
Sob o brilho do céu azul, Hades acomodou a alma sob as folhas de uma
romãzeira, carregada de frutos carmesins.
— Descanse bem — disse ele, e no segundo seguinte, a sombra se
transformou em uma faixa de papoulas vermelhas.

Hades trocou a paz dos Campos Elísios pelo horror do Tártaro,


teletransportando-se para a parte de seu reino carinhosamente conhecida
como A Caverna. Era a parte mais antiga de seu reino, ostentando altas
formações de pedra, cortinas cintilantes e piscinas cristalinas de água gelada.
A beleza natural fora prejudicada pelos apelos desesperados das almas que
aqui foram torturadas; parte da miséria eram os gritos ecoantes que
percorriam os tetos altos.
Hades se aproximou de uma das lajes de pedra, onde Duncan estava
esticado, pulsos e tornozelos acorrentados. Havia sido despido, e um pano
cobria a virilha. O peito subia e descia rapidamente, uma marca do medo. A
pele texturizada estava coberta de suor. Ele virou a cabeça e encontrou o
olhar de Hades, olhos redondos desesperados.
— Meu senhor, eu sinto muito. Por favor!
— Você colocou suas mãos em uma mulher — vociferou Hades,
cortando-o. — Uma que não causara nenhum dano, exceto por algumas
palavras mordazes.
— Isto nunca vai acontecer de novo! — O ogro começou a lutar com as
restrições, ofegante enquanto a histeria se instalava.
Os lábios de Hades se curvaram em um sorriso diabólico.
— Ah, disso eu tenho certeza — respondeu quando uma lâmina negra se
manifestou em sua mão. O Rei do Submundo inclinou-se sobre o ogro,
pressionando a lâmina no abdome bulboso. — Veja, a deusa que você tocou,
que tentou sufocar, que deixou uma marca, será minha esposa.
Assim que Duncan gritou sua recusa final, Hades mergulhou a faca no
abdome do ogro.
— Eu não sabia! — gritou Duncan.
Hades arrastou a faca para baixo, cortando fundo com a intenção de expor
o fígado da criatura e convocar abutres para se banquetearem com ele, mas
quanto mais Duncan se repetia… Eu não sabia, eu não sabia – mais furioso
Hades ficava. Quanto mais ele pensava em Perséfone, ágil e impotente,
suspensa pela garganta na mão do ogro, mais sua raiva desabrochava. Ele
mergulhou a lâmina no abdome do ogro uma vez, duas vezes, e de novo, e de
novo, até que ele não falou mais, até que sangue caísse da boca. Até que
estivesse morto.
Por último, Hades cortou as mãos dele e, quando terminou, recuou,
respirando com dificuldade, o rosto salpicado de sangue.
Não tinha sido uma tortura.
Foi uma matança.
Hades deixou cair a lâmina como se queimasse e colocou as mãos atrás da
cabeça. Fechou os olhos e respirou fundo até se sentir calmo novamente.
Estava louco, doente e violento. Como poderia pensar que um dia seria digno
de amor?
O pensamento era risível, e sua esperança era egoísta.
E ele soube então que a única maneira de manter Perséfone era se ela
nunca descobrisse esse lado dele. O lado que ansiava por brutalidade e
derramamento de sangue.

Mais tarde naquela noite, Tânatos encontrou Hades em seu escritório e


ofereceu um pacote embrulhado em pano branco.
— A tesoura de Átropos — disse ele.
Hades a levaria a Hefesto para que o Deus do Fogo pudesse restaurá-la.
Os dois estavam quietos, cada um perdido em seus próprios pensamentos.
Depois de um momento, o Deus da Morte falou:
— Que tipo de poder destruiria a magia das Moiras?
— O poder delas mesmas — respondeu Hades.
O que significava que era mais do que provável que Sísifo de Éfira tivesse
encontrado uma relíquia.
Após a Grande Guerra, catadores coletaram itens do campo de batalha:
pedaços de escudos quebrados, espadas, lanças, tecidos. Eram itens que
continham magia residual, itens que ainda poderiam representar uma ameaça
se caíssem em mãos erradas. Hades trabalhara durante anos para extrair
relíquias que circulavam no mercado ilícito, mas havia milhares, e às vezes
era preciso um desastre para descobrir quem estava na posse de uma.
Um desastre como Sísifo de Éfira.
De maneira alguma Hades deixaria um mortal como ele enganá-lo e
impedi-lo de conhecer o amor.
Ilias trouxera um arquivo antes. Confirmou o que Hades suspeitava –
Alexander Sotir era viciado em Evangeline e endividado com seu traficante,
Sísifo, mas fazer a conexão não adiantou até que Hades localizou o mortal.
— O que você vai fazer? — perguntou Tânatos.
— Visitar o Olimpo — respondeu Hades, estremecendo.
7
MONTE OLIMPO

O Olimpo era uma cidade de mármore sobre uma montanha. Era brilhante,
bonito e vasto. Várias passagens estreitas se ramificavam de um pátio cercado
de estátuas dos Olimpianos, levando a casas e lojas onde viviam semideuses e
seus servos.
Como os deuses e o Submundo, o Olimpo também evoluíra. Zeus havia
ordenado a instalação de um estádio e teatro além do ginásio existente, onde
os deuses treinavam e os mortais lutavam ou se apresentavam para eles. Era
um dos passatempos favoritos de Zeus e uma prática que não havia mudado,
embora o Deus do Trovão agora vivesse na Terra.
Hades não costumava se aventurar no Olimpo. Mesmo antes da Grande
Descida, era um lugar que ele preferia evitar, assim como preferia evitar
Olímpia, o novo Olimpo, mas havia alguns deuses que ainda residiam nas
nuvens, entre eles Atena, Héstia, Ártemis e Hélio.
Era Hélio quem Hades queria ver agora – Hélio, Deus do Sol, um dos
poucos Titãs que não moravam no Tártaro.
Hades encontrou Hélio descansando na Torre do Sol, um santuário feito de
mármore branco e ouro, que se erguia sobre os outros edifícios do Olimpo,
um pilar cortando as nuvens. A superfície brilhava com sua própria luz
interna, como o sol brilhando na água. Foi a torre de onde ele lançava sua
carruagem dourada de quatro cavalos pelo céu e para onde retornava à noite.
O Titã descansava em um trono de ouro, a cabeça apoiada no punho como
se estivesse entediado, não exausto de seu trabalho. Estava vestido com uma
túnica roxa, e o cabelo louro platinado caía em ondas sobre os ombros, a
cabeça coroada com a auréola do sol.
Hélio piscou lentamente para Hades, seus olhos baixos da cor de âmbar.
— Hades — falou, reconhecendo-o com um aceno preguiçoso, sua voz
profunda e ressonante.
— Hélio. — Hades inclinou a cabeça.
— Você deseja saber onde o mortal Sísifo está escondido.
Hades não disse nada. Não estava surpreso que Hélio soubesse por que
tinha vindo, era a razão pela qual Hades estava aqui. Hélio via tudo, o que
significava que ele testemunhava tudo o que ocorria na Terra. A questão era,
ele tinha escolhido prestar atenção, e escolheria compartilhar com Hades
agora?
Hélio era um babaca notório.
— Não está se escondendo. Eu o vejo agora — acrescentou o deus.
— Onde, Hélio? — disse Hades entredentes.
— Na Terra — respondeu o Titã.
Como Hélio havia lutado ao lado dos Olimpianos durante a Titanomaquia,
o Deus do Sol sentia que qualquer ajuda que oferecesse após a vitória deles
era um favor que ele não precisava conceder se não quisesse.
— Não estou com humor para seus jogos — disse Hades, sombrio.
— E não estou com disposição para visitas, mas todos devemos fazer
sacrifícios.
Uma pontada de raiva o percorreu, manifestando-se em um conjunto de
estacas pretas ejetadas de sua mão. Os olhos de Hélio foram para lá e ele
sorriu.
— Posso ver que ainda está lutando contra a raiva. Como vai esconder sua
verdadeira natureza da filha de Deméter? Encontrará mais almas para
torturar?
— Talvez eu comece com seu filho.
A boca de Hélio se apertou. Seu filho, Faetonte, estava no Submundo há
muito tempo. O menino ingênuo tentou dirigir a carruagem de seu pai e
perdeu o controle dos cavalos. Foi derrubado por Zeus depois de causar
grande destruição na Terra.
— Ele era um garoto estúpido que fez uma coisa estúpida — disse Hélio,
descartando a ameaça de Hades.
— Este mortal é um assassino, Hélio — declarou Hades, tentando
novamente.
— Não somos todos?
Hades o encarou. Deveria saber que o apelo não funcionaria. Hélio não
tinha nenhum senso real de injustiça, tendo ajudado sua neta, Medeia, a fugir
para Corinto depois que ela matou os próprios filhos.
— É uma barganha que você quer? — perguntou Hades.
— O que eu quero é ser deixado em paz — retrucou Hélio com mais vigor
por trás de suas palavras do que qualquer coisa que ele disse desde que Hades
chegou. — Se quisesse me envolver em assuntos mortais, eu teria descido
com o resto de vocês.
— E ainda assim você usa a terra deles para o seu gado — apontou Hades,
notando a sombra que passou sobre os olhos âmbar de Hélio.
Havia encontrado a fraqueza do Titã.
— Talvez eu tenha errado em mencionar seu filho, já que você se importa
mais com seus animais.
As mãos de Hélio apertaram os braços de seu trono. Pela primeira vez
desde que Hades chegou, o deus se endireitou.
Hélio idolatrava seu gado, também chamado de Bois do Sol. Eram
imortais, e ele os mantinha na ilha da Sicília, guardado por duas de suas
filhas. Qualquer um que os prejudicasse incorreria em sua ira. Ulisses e seus
homens aprenderam isso da maneira mais difícil.
Mas Hades não temia a ira de Hélio, nem quando se tratava de um mortal
que se atreveu a enganar a morte e nem quando se tratava de enfrentar o
desenrolar de seu destino com Perséfone.
— Você pede sangue, Hades.
— Se você está me perguntando se vou abater algumas cabeças de gado
para conseguir o que quero, então sim, peço sangue — respondeu Hades. —
Vou me deleitar pensando em sua agonia enquanto me sento em meu trono
com cinquenta de seu gado no Submundo.
Um silêncio tenso seguiu a ameaça de Hades, e ele podia ver e sentir a
raiva de Hélio. Queimava nos olhos do deus e os enfurecia, tão quente quanto
os raios do sol.
— O homem que você procura está sendo protegido por seu irmão.
Hades já sabia que não era Zeus; o Deus do Trovão nunca protegeria um
mortal que tivesse quebrado uma de suas leis mais queridas.
— Poseidon — sibilou Hades.
Não se dava bem com nenhum de seus irmãos, mas se tivesse que escolher
um para sacrificar, seria Poseidon. O Deus do Mar era ciumento, sedento de
poder e violento. Não gostava de compartilhar o poder sobre o Mundo
Superior com Hades ou Zeus e tentou mais de uma vez derrubar o Rei dos
Deuses, mas todas as tentativas falharam.
— Você não vai perturbar meu gado — disse Hélio. — Estamos
entendidos, Hades?
Hades estreitou os olhos, mas não disse nada. Ao dar meia-volta e deixar a
Torre do Sol, ouviu Hélio chamar.
— Hades!

Hades voltou ao seu escritório na Nevernight. Ele considerou ir direto para


Atlântida, a ilha e lar de seu irmão, e exigir que ele contasse onde estava
escondendo Sísifo; mas conhecia seu irmão, sabia que a violência que girava
dentro dele era maior do que a raiva que Hades tentava manter sob controle.
Qualquer acusação dirigida a seu irmão, mesmo que fosse verdade,
enfureceria o deus. Ao final do encontro, milhares estariam mortos.
Hades não pôde deixar de pensar na alma de Alexander, quebrada demais
para ser reparada. Uma alma tomada antes do tempo era demais, e o deus
sabia que haveria mais como ele se não agisse rápido. Ele tinha que pensar
em um plano alternativo, algo que desse a Hades a verdade que ele precisava
e evitasse a destruição. Seus olhos caíram para o pacote branco que ele havia
deixado em sua mesa – a tesoura de Átropos.
Talvez Hefesto tivesse uma solução. Ele pegou o pacote em suas mãos e
começou a se teletransportar, quando Minta bateu em sua porta e a abriu,
entrando no escritório.
— Entrar antes de ser convidado anula o propósito de bater — disse Hades
firmemente, frustrado pela interrupção. — Estou ocupado.
— Diga ao seu chaveiro — rebateu Minta. — Ela está lá embaixo.
As sobrancelhas de Hades franziram. — Perséfone está aqui?
Deveria chegar esta noite para sua visita ao Submundo. Uma sensação
estranha se desenrolou dentro de seu peito. Parecia excitante, quase como
esperança, mas quando ele se moveu para as janelas que davam para o salão
da Nevernight, esses sentimentos escureceram. Perséfone trouxe companhia;
um homem que ele reconheceu de imediato como Adônis, o mortal favorito
de Afrodite.
Os olhos de Hades se turvaram.
— Eu disse que isso aconteceria — dizia Minta. — Você a encorajou, e
agora ela acha que pode exigir uma audiência com você. Vou dizer a ela que
você está… indisposto.
— Você não vai dizer nada — Hades a parou. — Traga-a até mim.
Minta ergueu uma sobrancelha. — O homem também?
Estava tentando provocá-lo, e funcionou, porque Hades não pôde deixar
de responder com um sibilo amargo.
— Sim.
Minta fez um som estranho no fundo da garganta, algo parecido com uma
risada, e saiu. O olhar de Hades voltou para o andar de baixo.
Perséfone estava afastada de Adônis, os braços cruzados no peito. Apesar
da audácia da deusa, ele queria vê-la, especialmente depois da ameaça das
Moiras. Estaria apenas se punindo se a mandasse embora. Além disso, queria
saber por que viera e trouxera um mortal com ela.
Quando Minta apareceu lá embaixo, afastou-se da janela, colocou o pacote
de Láquesis de lado e serviu-se de uma bebida. Se não tivesse algo para
distraí-lo, andaria de um lado para o outro e preferia não ilustrar o caos de sua
mente agora.
No momento em que Minta voltou com Perséfone e Adônis a reboque,
Hades se posicionou perto das janelas novamente. Ele mal registrou a
aproximação de Minta, porque seus olhos se fixaram em sua deusa no
momento em que ela entrou na sala.
— Perséfone, meu senhor — disse Minta.
Ela estava determinada. Podia ver na expressão dela, na forma como a
cabeça estava inclinada, os lábios pressionados em uma linha dura. Viera
aqui para alguma coisa, e Hades ansiava por um momento em que se
aproximasse dele com um sorriso, sem reservas ou hesitações, porque o
queria e nada mais.
— E seu amigo Adônis — continuou Minta.
À menção do nome do mortal, fez o humor de Hades escurecer, e ele
olhou para Adônis, cujos olhos se arregalaram sob seu escrutínio. Ele achou
estranho que Afrodite tomasse esse homem como amante, dada a atração dela
por Hefesto. Eles eram opostos completos: este mortal, intocado pelos
sofrimentos do mundo. A pele era lisa, o cabelo brilhante e não chamuscado
pela forja, o rosto sem barba, como se deixar crescer a barba fosse uma
dificuldade para ele. E então havia a alma dele.
Manipulador, enganador e abusivo.
Hades olhou para Minta, assentindo. — Você está dispensada, Minta.
Obrigado.
Com a saída da ninfa, Hades bebeu o restante de sua bebida e atravessou a
sala para encher o copo. Não ofereceu a nenhum de seus dois visitantes nem
os convidou a sentar. Não era educado, mas não estava interessado em
parecer agradável.
Ele falou, uma vez que o copo estava cheio, encostado na mesa:
— A que devo esta… intrusão?
Os olhos de Perséfone se estreitaram com suas palavras e seu tom, e ela
levantou a cabeça. Não era o único lutando para ser amigável.
— Lorde Hades — disse ela, tirando um caderno de sua bolsa. — Adônis
e eu somos do Jornal de Nova Atenas. Temos investigado várias reclamações
sobre o senhor e gostaríamos de saber se você poderia comentar.
Outra coisa que ele não sabia sobre sua futura noiva – sua ocupação.
Jornalista.
Hades odiava a mídia. Gastava muito dinheiro para garantir que nunca
fosse fotografado e negava todos os pedidos de entrevista. Não recusava por
ter coisas a esconder, embora houvesse muitas que preferia guardar para si.
Simplesmente sentia que se concentravam nas coisas erradas – como seu
status de relacionamento – quando Hades preferia dar destaque a
organizações que ajudavam cães, crianças e moradores de rua.
Levou o copo aos lábios e tomou um gole; era beber ou mostrar sua raiva
de uma maneira pior.
— Perséfone está investigando — disse Adônis com uma risada nervosa.
— Estou… aqui apenas para apoio moral.
Covarde, Hades pensou antes de se concentrar no caderno que Perséfone
havia tirado da bolsa. Apontou para o bloco:
— Isso é uma lista das minhas ofensas?
Estaria mentindo se dissesse que não esperava isso. Era a filha de
Deméter; só ouvira o pior sobre ele. Sabia, porque ela tinha olhado para ele
com tanto ódio quando descobriu quem ele era na noite do jogo de cartas.
Ela leu alguns dos nomes na lista: Cícero Sava, Damen Elias, Tyrone
Liakos, Chloe Bella. Não podia saber o que ouvir esses nomes significava
para ele ou como isso o fazia se sentir. Isso o lembrava de seus fracassos.
Cada um era um mortal que havia feito uma barganha com ele, cada um havia
recebido termos na esperança de superar o vício que pesava em sua alma, e
cada um não teve sucesso, resultando em sua morte.
Ficou aliviado quando ela parou de ler a lista, mas então ela olhou para
cima e perguntou: — Você se lembra dessas pessoas?
Cada detalhe de seu rosto e cada preocupação em sua alma.
Mais uma vez, tomou um gole de sua bebida.
— Lembro-me de cada alma.
— E cada barganha?
Esta não era uma conversa que queria revisitar, e não pôde evitar a
frustração em sua voz enquanto falava, zangado por ela estar trazendo isso à
tona.
— O ponto, Perséfone. Vá direto ao ponto. Você não teve problemas com
isso no passado, por que agora?
O rosto dela corou, a tensão entre eles aumentando – uma coisa sólida que
ele destruiria se pudesse. Isso fez seus pulmões doerem e seu peito ficar
apertado.
— Você concorda em oferecer aos mortais tudo o que eles desejarem se
eles jogarem com você e ganharem.
Fez parecer que ele era o agressor, como se os mortais não implorassem
pela chance de jogar.
— Nem todos os mortais e nem todos os desejos — explicou ele.
— Ah, perdão, você é seletivo nas vidas que destrói.
— Não destruo vidas — disse firmemente. Ele oferecia uma maneira para
os mortais melhorarem suas vidas, mas uma vez que saíssem de seu
escritório, ele não tinha controle sobre suas escolhas.
— Você só divulga os termos do seu contrato depois de ganhar! Isso é
fraude.
— Os termos são claros: sou eu quem determina os detalhes. Não é
dissimulação, como você diz. É uma aposta.
— Você desafia o vício deles. Você revela seus segredos mais sombrios…
— Eu desafio o que está destruindo suas vidas. É escolha deles conquistar
ou sucumbir.
— E como você conhece o vício deles? — perguntou ela.
Um sorriso perverso cruzou o rosto de Hades, e de repente, ele pensou que
entendia por que ela estava aqui, por que ela estava fazendo essas acusações
para ele: porque ela agora era uma de suas apostadoras.
— Eu vejo a alma dos mortais — disse ele. — O que os sobrecarrega, o
que os corrompe, o que os destrói – e os desafia.
— Você é o pior tipo de deus!
Hades se encolheu.
— Perséfone… — Adônis falou o nome dela, mas o aviso foi perdido pela
reação de Hades.
— Estou ajudando esses mortais — argumentou ele, dando um passo
deliberado em direção a ela. Não era culpa dele se ela não gostasse de sua
resposta.
Ela se inclinou para ele, exigindo. — Como? Oferecendo uma barganha
impossível? Abstenha-se do vício ou perca a vida? Isso é absolutamente
ridículo, Hades.
Os olhos dela brilharam, e ele notou que o domínio sobre a ilusão da mãe
vacilava quanto mais irritada ficava.
— Tive sucesso.
Saberia disso se não estivesse tão ansiosa para ver apenas o mal nele. Não
era essa a marca de um bom jornalista? Entender e entrevistar ambos os
lados?
— Ah E qual foi esse sucesso? Suponho que não importa, já que você
ganha de qualquer maneira, certo? Todas as almas vêm a você em algum
momento.
Ele se moveu para diminuir a distância entre eles, sua frustração fervendo.
Ao fazê-lo, Adônis se colocou entre ele e Perséfone, e Hades fez o que queria
fazer desde que o mortal entrou em seu escritório – ele o paralisou,
mandando-o para o chão, inconsciente.
— O que você fez? — exigiu saber Perséfone e começou a alcançá-lo, mas
Hades pegou os pulsos dela e puxou-a contra ele. Suas palavras foram
ásperas e apressadas.
— Estou supondo que não quer que ele ouça o que eu tenho a dizer a você.
Não se preocupe, não vou pedir um favor quando apagar a memória dele.
Ela olhou feio para ele.
— Ah, que gentileza a sua — zombou, o peito subindo e descendo com
cada respiração raivosa. Isso o fez consciente de sua proximidade, lembrou-o
do beijo que ele havia pressionado na pele dela no dia anterior. Ele sentiu um
calor acumulando em seu abdome, e seus olhos caíram para os lábios dela.
— Quantas liberdades tomou com meu favor, Lady Perséfone. — Sua voz
estava controlada, mas ele sentia tudo menos calma. Por dentro, ele se sentia
cru e primitivo.
— Você nunca especificou como eu deveria usar seu favor.
— Não especifiquei, embora eu esperasse que você soubesse que não
deveria arrastar este mortal para o meu reino.
Os olhos dela se arregalaram. — Você o conhece?
Hades ignorou essa pergunta; ele voltaria a esse assunto mais tarde. Por
enquanto, ele iria desafiar a razão dela para vir a Nevernight, para começar.
— Você planeja escrever uma história sobre mim? — Pegou-se inclinando
o corpo, dobrando-a para trás e segurando-a com mais força, selando seus
corpos. Tinha certeza de que a única maneira que poderia chegar mais perto
dela era se estivesse dentro dela, um pensamento que fez seu estômago se
sentir vazio e seu pênis duro. — Diga-me, Lady Perséfone, você vai detalhar
suas experiências comigo? Como você imprudentemente me convidou para
sua mesa, me implorou para lhe ensinar cartas…
— Eu não implorei!
— Você poderia falar sobre como você enrubesce da cabeça aos pés na
minha presença e como eu faço você perder o fôlego.
— Cale-se!
Divertia-o que não quisesse ouvir isso: todas as maneiras de comunicar o
desejo que sentia por ele, todas as maneiras que o corpo da deusa traía as
palavras que saíram da boca. O corpo dela era flexível sob suas mãos, e sabia
que se deslizasse a mão entre as coxas de Perséfone, ela estaria quente e
molhada.
— Você vai falar do favor que lhe dei, ou está muito envergonhada?
— Pare!
Ela se afastou, e ele a soltou. Ela cambaleou para trás, respirando com
dificuldade, a linda pele corada. Embora não demonstrasse, sentia o mesmo.
— Pode me culpar pelas escolhas que fez, mas isso não muda nada —
disse Hades, e sentiu que estava desafiando a verdadeira razão pela qual
viera: dizer que seu acordo era injusto, por retribuição. — Você é minha por
seis meses – e isso significa que, se escrever sobre mim, vou garantir que
haja consequências.
— É verdade o que dizem sobre você — disse ela. — Você não dá
ouvidos a nenhuma oração. Você não oferece misericórdia.
Sim, querida, pensou ele, com raiva. Acredite no que todos dizem sobre
mim.
— Ninguém ora ao Deus dos Mortos, minha senhora, e quando o faz, é
tarde demais.
Ele terminou a conversa. Tinha compromissos, e ela tinha desperdiçado
seu tempo com acusações.
Hades acenou com a mão e Adônis acordou, inalando bruscamente. Ele se
sentou apressado, parecendo perplexo. Hades achava tudo nele irritante, e
quando o mortal encontrou seu olhar, ficou de pé, pedindo desculpas e
baixando a cabeça.
— Não responderei mais nenhuma das suas perguntas — disse Hades. —
Minta vai mostrar a saída.
Ele sabia que a ninfa esperava nas sombras. Ela nunca os deixara
realmente sozinhos, e ele odiou o olhar presunçoso no rosto dela quando
entrou no escritório pela entrada do Submundo. Talvez tenha sido isso que o
fez chamar sua deusa antes que ela partisse.
— Perséfone. — Esperou até que ela o encarasse. — Vou adicionar o seu
nome à minha lista de convidados esta noite.
As sobrancelhas dela se juntaram em confusão. Ela provavelmente pensou
que seu convite para visitar seu reino seria revogado depois do
comportamento dela, mas era importante, agora mais do que nunca. Apenas
assim ela o veria por quem realmente era.
Um deus desesperado por paz.
8
NA ILHA DE LEMNOS

Hades encontrou Afrodite esperando por ele nos degraus de sua mansão na
ilha de Lemnos. Era uma bela casa, construída pelo próprio Hefesto, uma
mistura de linhas modernas, filigrana intrincada e paredes de janelas que
ofereciam uma visão de cada nascer do sol glorioso e do pôr do sol
encantador.
Esta ilha era um lugar sagrado para Hefesto. Foi onde ele foi parar quando
Hera o expulsou do Olimpo. Como resultado da queda, ele quebrou a perna, e
o povo de Lemnos cuidou dele. Mesmo depois de ser convidado a voltar, o
deus preferiu ficar, pois havia construído uma forja, ensinado ao povo a
trabalhar o ferro e conquistado adoradores. Hades sempre considerou o fato
de o Deus do Fogo estar disposto a compartilhar esta ilha com Afrodite um
sinal de seu amor por ela, mas nunca disse a ela seus pensamentos – ela
provavelmente não ouviria, de qualquer maneira.
— Veio render-se? — perguntou Afrodite. Usava um vestido que parecia
o interior de uma concha e uma túnica de espuma do mar bordada com penas
esvoaçantes. O cabelo dourado brilhava, como ondas do mar nas costas.
— Vim para falar com seu marido — respondeu Hades.
— Não o chame assim — retrucou, os olhos brilhando com raiva.
— Por quê? Zeus concedeu seu divórcio?
— Ele recusou — disse, e desviou o olhar em direção ao oceano, onde o
sol estava baixo no céu. Ela fez uma pausa por um momento, e Hades
reconheceu o silêncio pelo que era – tempo para se recompor. O que quer que
ela estivesse prestes a compartilhar era difícil para ela. — Mesmo depois que
Hefesto concordou que era melhor.
Maldito Hefesto, Hades pensou consigo mesmo. O Deus do Fogo era pior
do que ele em dizer as coisas erradas.
— Ele não expressou uma gota de raiva quando eu disse o que tinha feito
— continuou Afrodite, olhando para Hades novamente. — Ele trabalha numa
forja o dia todo e não tem um pingo de fogo dentro dele.
— Você já considerou que ele não estava com raiva porque ele estava
esperando isso?
Afrodite o encarou, e Hades explicou:
— Você admitiu que nunca teve um casamento, Afrodite. Por que você
esperaria que Hefesto sentisse falta do que ele nunca teve?
— O que você sabe, Hades? Você também nunca teve um casamento.
Hades reprimiu o desejo de revirar os olhos. Todas as suas conversas com
Afrodite terminavam com ela rejeitando levianamente sua opinião ou
conselho e jogando sua própria solidão de volta para ela.
Por que tentei?
— Hefesto está em seu laboratório — disse Afrodite. Ela se virou, os pés
descalços se movendo sobre os degraus de mármore.
Hades seguiu atrás dela. Não entrou na casa, mas, em vez disso, virou por
uma passarela que cortava um jardim cheio de flores tropicais brilhantes e
gramados ornamentais. O caminho levava a uma ponte de vidro que ligava a
mansão a uma ilha vulcânica onde Hefesto mantinha sua oficina, esculpida na
maior montanha.
A oficina continha uma forja no nível inferior e um laboratório no nível
superior, onde ele fazia experimentos com tecnologia e encantamentos. Ao
longo dos anos, o Deus do Fogo criara armaduras e armas, palácios e tronos,
correntes e carruagens – e pessoas. A mais famosa tendo sido Pandora, que
ele moldou e esculpiu do barro. Mais tarde, ela seria usada como bode
expiatório, uma maneira de Zeus punir a humanidade. Hades nunca
perguntou a Hefesto sobre o destino dela, mas tinha a sensação de que
assombrava o deus até hoje.
— Ele está trabalhando em um projeto. Abelhas — disse Afrodite
enquanto caminhava, e havia uma nota de admiração em sua voz. — São
mecânicas, resistentes a doenças.
Abelhas estavam morrendo a um ritmo alarmante por várias razões –
parasitas e pesticidas, má nutrição e meio ambiente. Este último tinha mais a
ver com Deméter do que qualquer coisa, já que a Terra tendia a sofrer quando
seu humor estava sombrio. Hades sentiu que era um movimento estratégico
por parte da deusa, pois a perda de abelhas significava menos produção de
alimentos, o que resultava em uma dependência da Deusa da Colheita para
colheitas saudáveis.
As criações de Hefesto garantiriam que os mortais – e as abelhas – não
estivessem à mercê de uma deusa. Por outro lado, suas criações podem ser
vistas como um ato de guerra contra a deusa.
— Hefesto te contou isso? — perguntou Hades, curioso, porque se sim,
isso significava que estavam se comunicando.
— Não — declarou Afrodite, hesitando por um momento, como se ela
quisesse dizer algo, mas ficou quieta.
— Então esteve espionando? — questionou Hades, erguendo uma
sobrancelha.
Afrodite apertou os lábios. — De que outra forma eu vou saber o que meu
marido está fazendo?
— Você poderia… perguntar — sugeriu Hades.
— E receber um monossílabo como resposta? Não, obrigada,
— O que você esperava descobrir espionando-o? — questionou Hades.
Um silêncio pesado seguiu sua pergunta. Finalmente, ela respondeu:
— Acho que pensei que ele poderia estar me traindo.
Hades não pôde evitar; fez uma pausa para rir. Afrodite virou-se para
encará-lo.
— Não é engraçado! — retrucou ela. — Se ele não está me comendo, deve
estar comendo alguém.
Hades ergueu uma sobrancelha. — Foi isso que você descobriu ao
espioná-lo?
Os ombros de Afrodite murcharam, e ela desviou o olhar. — Não.
Parecia desapontada. Como se pudesse ter se sentido melhor se Hefesto
estivesse sendo distraído por mulheres ao invés de coisas.
— Humm — murmurou Hades, e Afrodite deu a ele um olhar contundente
antes de continuarem até a entrada do laboratório de Hefesto.
— Os ciborgues vão levá-lo até ele — disse ela.
Hades estreitou os olhos, desconfiado da saída rápida. — Você não vai
sair só para espionar, vai?
Afrodite revirou os olhos e cruzou os braços. — Tenho coisas melhores
para fazer, Hades.
Ele considerou desafiar a resposta dela, mas decidiu ficar calado,
contornando-a e entrando no laboratório de Hefesto sozinho.
Lá dentro, ele encontrou uma sala cavernosa cheia de invenções de
Hefesto – escudos, lanças, armaduras, elmos, peças de ferro detalhadas,
tronos inacabados, humanos robóticos e cavalos. No centro de tudo,
trabalhando com as costas curvadas sobre uma mesa de madeira, estava o
Deus do Fogo. Apesar das invenções modernas de Hefesto, sua área de
trabalho e estética geral prestavam homenagem às suas raízes antigas. A
barba loira era longa, o cabelo da mesma cor estava preso com uma tira de
couro. Trabalhava sem camisa, expondo as cicatrizes na pele, e usava uma
calça que ia até o meio da panturrilha.
— Lorde Hades — disse Hefesto enquanto o outro se aproximava,
continuando a trabalhar, soldando uma placa de circuito. Hefesto era
provavelmente o único deus que usava títulos com outros deuses por respeito
em vez de desdém.
Depois de mais alguns minutos de trabalho, Hefesto largou as ferramentas
e empurrou óculos transparentes para a cabeça. Levantou-se e olhou para
Hades com olhos cinzentos profundos. Hefesto era enorme, o físico esculpido
como uma estátua de mármore. Quando chegara a Lemnos, quebrara a perna,
e o membro tinha sido amputado. Em seu lugar havia uma prótese que ele
mesmo havia projetado. Era de ouro, mas minimalista, feito de formas
geométricas. Mesmo não tendo um físico perfeito, devia ser o mais forte
fisicamente e sem dúvida o mais inteligente dos deuses.
— Hefesto. — Hades assentiu, olhando para o metal e os fios espalhados
pela mesa. Apesar de já saber para que serviam essas peças, ele perguntou: —
No que está trabalhando?
— Nada — disse o deus de imediato.
Não surpreendeu Hades que Hefesto se calasse sobre seu trabalho. Nunca
fora de tagarelar, mas depois de seu exílio e o escrutínio que enfrentara de
outros deuses devido ao rosto cheio de cicatrizes e deficiência, ficou ainda
mais quieto.
— Não pode ser nada — disse Hades. — Não se parece com nada.
Hefesto piscou para o deus e então respondeu:
— Um projeto. — Ele pigarreou. — O que posso fazer por você?
Hades desviou os olhos, olhando ao redor da sala enquanto falava. —
Preciso de sua expertise. Preciso de uma arma. Uma para subjugar a violência
e encorajar a verdade.
Hefesto ofereceu uma sugestão de sorriso. — Parece um enigma — disse
ele.
— Você não ouviu a última parte — continuou Hades. — É para um
Olimpiano.
Hefesto levantou uma sobrancelha, mas assim como Hades suspeitava, o
Deus do Fogo não fez perguntas.
— Posso criar algo — declarou ele. — Volte daqui a um dia.
Houve silêncio por um momento, e então Hades disse:
— Você sabe que Afrodite espiona você.
Hades sentiu-se um fofoqueiro. Não sabia por que estava contando a
Hefesto o segredo de Afrodite. Talvez ele sentisse que era uma vingança por
sua barganha. Talvez esperasse que isso encorajasse a conversa entre eles,
exceto que Hefesto não reagiu à notícia, sua expressão passiva,
desinteressada.
— Ela está desconfiada — disse.
— Ou curiosa — respondeu Hades, porque era verdade.
— Suponho que ela pode estar as duas coisas — retrucou ele, virando as
costas para Hades e se concentrando novamente em seu trabalho. Hades
esperou apesar do silêncio e, finalmente, Hefesto falou com uma voz baixa e
áspera.
— Ela pediu o divórcio a Zeus. Ele não vai conceder.
— É o que você quer? — perguntou Hades. — O divórcio?
Ele observou o perfil do deus, a forma como a mandíbula se apertou e os
dedos se curvaram ao som da palavra. O Deus do Fogo olhou para Hades
então, as sobrancelhas franzidas, e havia uma sinceridade nos olhos que
Hades nunca havia percebido antes.
— Quero que ela seja feliz.

Hades apareceu no centro de um prado perfeitamente verde na ilha da


Sicília, onde cinquenta vacas brancas puras pastavam. A poucos metros de
distância, as filhas de Hélio, Faetusa e Lampetia, dormiam debaixo de uma
figueira, as respirações ofegantes rompendo o silêncio da noite.
Hades teve que admitir: sentiu-se um pouco culpado que essas duas
incorreriam na ira de Hélio pela manhã, mas não o suficiente para deixar o
pai delas impune pela mordacidade.
Assim que Hades começou a selecionar o melhor gado de Hélio para levar
com ele para o Submundo, seu telefone tocou.
Nunca tocava.
Algo está errado.
— Pois não? — atendeu rapidamente, apesar da chance de acordar as duas
irmãs.
Era Ilias.
— Meu senhor — disse — Lady Perséfone está desaparecida.
Nunca tinha sentido uma sensação de pavor tão aterrorizante. Milhares de
emoções convergiram para ele de uma vez: raiva, medo e alarme. Queria
saber por que Ilias não a tinha vigiado melhor, queria saber onde tinha
olhado, queria ameaçar acabar com a vida dele se a encontrasse em qualquer
condição que não fosse intocada.
Mas ele conhecia Ilias, e agora, ele conhecia Perséfone.
Linda e desafiadora Perséfone.
Ela não era de obedecer, especialmente quando mandada.
— Estarei lá em segundos — respondeu Hades e desligou.
Houve um breve de silêncio, no qual Hades lutou com cada demônio
dentro dele. Esse medo era irracional, mas lhe dizia algo importante.
Se as Moiras a levassem embora, o mundo não sobreviveria.
Depois de um momento, ele olhou para cima, observando as vacas
brancas, e falou:
— Esperava selecionar apenas as melhores entre vocês para se juntar a
mim em meu reino, mas parece que estou sem tempo.
Quando Hades desapareceu, todas as vacas no prado também
desapareceram.
9
UM JOGO DE MEDO E FÚRIA

Assim que os pés de Hades tocaram o solo do Submundo, ele pôde sentir
Perséfone. A presença dela em seu reino era como uma extensão de si
mesmo. Pesava em seu peito tanto quanto o fio que os conectava.
Ele se teletransportou novamente e apareceu nos Campos do Luto, onde
brotos de gladíolos brancos e orquídeas cresciam. Os Campos já tinham sido
reservados para aqueles que desperdiçaram suas vidas em amor não
correspondido. Foi uma das decisões que Hades tomou no início de seu
reinado e nasceu de sua raiva contra as Moiras. Se não estava destinado a
amar, então puniria aqueles que morreram por causa disso. Desde então, ele
havia enviado as almas que uma vez residiam aqui para outras partes do
Submundo, deixando o campo permanecer com uma bela paisagem, pois era
a visão que as almas recebiam a caminho do Campo do Julgamento.
A poucos metros de onde ele apareceu, deitada na margem do Estige,
estava Perséfone. Ele tentou absorver a cena através de sua raiva – Perséfone
estava de costas, o cabelo estava molhado e ela estava coberta com o manto
dourado de Hermes, o material fino e metálico grudado no corpo úmido.
Hermes se ajoelhava sobre ela; os lábios se curvaram em um sorriso. Estava
claramente interessado em Perséfone, e viu o deus bater nos lábios, falar e
fazer Perséfone rir.
Foi quando Hades decidiu separá-los.
Enviou uma explosão de poder em direção ao deus, que saiu voando para
o outro lado do Submundo. Ainda assim, Hades franziu a testa quando
Hermes não pousou tão longe quanto ele esperava, mas o impacto do corpo
batendo no chão foi satisfatório o suficiente.
Hades caminhou em direção a Perséfone, que se levantou e se virou,
esticando o pescoço para encontrar seu olhar. Ela deslocou a capa de Hermes
para que caísse sobre os ombros, revelando o vestido que ela usara na casa
noturna – fino e prateado com um decote que dava a entrever a curva dos
seios. Agora que estava molhado, agarrou-se a eles, acentuando os picos dos
mamilos duros.
Malditas Moiras, Hades pensou quando um fogo queimou um caminho de
seu peito direto para sua virilha.
— Por que você fez isso? — perguntou Perséfone.
O deus franziu a testa, apertando a mandíbula. Não sabia dizer se era para
suprimir sua reação ao corpo dela ou o pelo fato de que ela estava com raiva
do que fez com Hermes.
— Você testa minha paciência, Deusa, e meu favor — respondeu ele.
— Então você é uma deusa! — gritou Hermes com entusiasmo, rastejando
do buraco que seu corpo havia feito com o impacto.
Perséfone estreitou os olhos, e Hades percebeu que ele só conseguiu
deixá-la mais frustrada ao desmascará-la.
— Ele vai manter o seu segredo, ou ele vai parar no Tártaro — garantiu
Hades, afirmando seu ponto de vista ao olhar para o Deus da Trapaça, que se
aproximava agora, limpando poeira e graxa de sua pessoa. Hades achou
divertido ver o deus desarrumando, pois este se orgulhava da aparência como
muitos deuses.
— Você sabe, Hades, nem tudo tem que ser uma ameaça. Você pode
tentar perguntar de vez em quando – assim como você poderia ter me pedido
para me afastar de sua deusa aqui, em vez de me lançar através do
Submundo.
— Eu não sou a deusa dele! E você! — O tom de Perséfone estava cheio
de desdém enquanto ela se levantava. Hades estreitou os olhos, incapaz de
colocar em palavras o quanto ele odiava que falassem com ele dessa maneira
diante de outro Olimpiano, especialmente Hermes. — Você poderia ser mais
legal com ele. Ele me salvou do seu rio!
— Você não teria que ser salva do meu rio se tivesse esperado por mim!
— Certo, porque você estava ocupado no momento — Ela revirou os
olhos. — O que quer que isso signifique.
Ela revirou os olhos. Ela estava… com ciúmes? Hades se perguntou.
— Devo pegar um dicionário?
Quando Hades ouviu a risada alegre de Hermes, ele se virou para o deus.
— Por que você ainda está aqui?
Assim que as palavras saíram de sua boca, Perséfone balançou. Sem
pensar, estendeu a mão para ela, pegando-a pela cintura, e ficou surpreso
quando um gemido agudo escapou de algum lugar no fundo da garganta da
deusa.
Dor. Ela está com dor.
— O que há de errado? — Não estava acostumado com a histeria
crescendo dentro dele; parecia uma coisa estranha abrindo sua pele.
— Eu caí na escada. Eu acho que… — Ele a observou respirar
deliberadamente, estremecendo. — Acho que machuquei minhas costelas.
Hades poderia descrever o que sentia como raiva, mas era mais do que
isso. Ele estava com ódio do fato que ela tinha sido ferida em seu reino. Isso
o deixou doente, frustrado, o fez sentir como se tivesse perdido o controle.
Ficou surpreso ao notar o olhar de Perséfone suavizar, e depois de um
momento, ela sussurrou:
— Está tudo bem. Estou bem.
Exceto que ela não estava. Havia desmaiado em seus braços.
Então Hermes disse:
— Ela também tem um corte bem feio no ombro.
Essa mesma sensação de perder o controle o consumia, e era pesada, como
se ele tivesse sido jogado em um poço de piche. Sentiu sua mandíbula apertar
a ponto de achar que seus dentes iriam se partir, então a ergueu em seus
braços tão gentilmente quanto pôde, apesar do caos dentro dele.
— Aonde estamos indo?
— Para meu palácio — declarou.
Se pudesse curá-la, pelo menos poderia recuperar algum tipo de poder
sobre a situação, e ela estaria segura.
Transportou-os para seu quarto, e quando olhou para ela, ela abriu os
olhos. Por um momento, pareceu dispersa.
— Você está bem? — perguntou Hades, e ela encontrou seu olhar.
Quando ela assentiu, ele caminhou até sua cama e a colocou na beirada,
ajoelhando-se no chão na frente dela.
Em vez disso, ela perguntou:
— O que você está fazendo aqui?
Não respondeu, mas estendeu a mão para tirar o manto de Hermes dos
ombros dela. Ela parou ao seu toque, e pensou em dizer a ela para respirar,
mas decidiu que talvez estivesse reagindo à dor e não à sua presença. Não
estava preparado para o que a capa escondia – seu ombro estava rasgado até o
osso.
Corte bem feio? Hermes havia subestimado grosseiramente a ferida.
Hades sentou-se sobre os calcanhares, estudando o dano. Precisaria limpá-
la antes de curá-la, ou haveria chance de infecção. Embora fosse raro um
deus ficar doente; não era impossível, e ele não se arriscaria. Não com ela.
Ele deixou seu olhar vagar por ela, procurando por outras feridas. Os
mortos que habitavam o Estige eram cruéis, suas garras e dentes afiados, e
eles retalhavam suas vítimas. Perséfone teve sorte de ter saído do rio com um
ferimento no ombro.
Poderia ter sido pior.
Seu horror era real e doloroso, como bater em uma parede de tijolos.
Havia criado seu reino para desencorajar a exploração curiosa e, no entanto,
aqui estava Perséfone, inquisitiva e imperturbável.
Não foi até que Perséfone colocou um braço sobre o peito que Hades
ergueu o olhar para seus olhos; não tinha percebido que estava encarando. Ele
se repreendeu e ficou de joelhos, apoiando as mãos em cada lado de suas
coxas. O movimento o trouxe a dois centímetros de seu rosto. Mesmo tendo
quase se afogado no Estige, ela ainda cheirava a baunilha – doce e quente.
— Qual lado? — perguntou ele baixinho.
Ela segurou seu olhar por um momento, e notou como ela engoliu em seco
antes de cobrir sua mão com a dela e guiá-la para o tórax. Algo se juntou no
fundo de sua garganta, e ele queria desesperadamente limpá-la, mas não
podia.
Ele não estava respirando agora, também.
Concentrou-se no tórax dela, enviando uma onda de poder de dentro de
seu corpo para a mão, deixando a magia penetrar na pele dela.
Ela gemeu e se inclinou para ele, a cabeça descansando em seu ombro, e
algo parecido com fogo acendeu em seu abdome.
Porra.
Respirou fundo pelo nariz e pela boca, tentando se concentrar em sua
magia e não em sua ereção crescente.
Quando teve certeza de que ela estava curada, moveu a cabeça uma fração,
seus lábios nivelados enquanto falava.
— Melhor?
— Sim — sussurrou, e ele notou como os olhos dela caíram em sua boca.
— Seu ombro é o próximo. — Levantou-se e, quando ela começou a
olhar, parou-a com uma mão em sua face.
— É melhor você não olhar.
Doeria ainda mais se ela o fizesse.
Hades entrou no banheiro e molhou um pano. Não demorou muito, mas
quando voltou, descobriu que Perséfone havia se virado de lado e estava
deitada em sua cama com os olhos fechados.
Franziu a testa enquanto a observava.
Embora entendesse por que estaria exausta, não gostou. Isso o fez se
preocupar que talvez ele tivesse demorado muito para curá-la, ou talvez ela
tivesse se machucado mais do que ele pensava.
Ele se aproximou e se inclinou em direção a ela.
— Acorde, minha querida.
Quando ela se mexeu, ele se ajoelhou ao lado dela novamente, aliviado ao
ver que seus olhos estavam claros e brilhantes.
— Perdão. — A voz dela era um sussurro abafado, e o estremeceu.
— Não se desculpe.
Ele deveria estar se desculpando. Pretendia aconselhá-la sobre os perigos
do Submundo em sua visita esta noite, mas não teve a chance.
Começou a limpar o ombro dela, infundindo o pano úmido com sua magia
para que ela sentisse menos dor.
— Eu posso fazer isso — disse ela, e começou a se levantar, mas Hades a
segurou e encontrou seu olhar.
— Permita-me. — Ele queria isso: cuidar dela, curá-la, garantir que ela
estivesse bem. Não conseguia explicar por que, mas a parte dele que desejava
isso era primordial.
Ela assentiu, e ele retomou seu trabalho. Depois de um momento, ela
perguntou com voz sonolenta:
— Por que há pessoas mortas no seu rio?
O fantasma de um sorriso tocou seus lábios. — São almas que não foram
enterradas com moedas — disse ele.
Sentiu o olhar dela sobre ele quando ela perguntou, horrorizada:
— Você ainda faz isso?
Seu sorriso se alargou. — Não. Esses mortos são antigos.
— E o que eles fazem? Além de afogar os vivos?
— Isso é tudo que eles fazem.
A vida deles no Estige tinha sido inicialmente uma punição, um lugar
onde as almas eram condenadas por não possuírem moedas para atravessar o
rio. A moeda era um sinal de que uma alma havia sido devidamente enterrada
e, naquela época, Hades não tinha tempo para almas que não estavam sendo
cuidadas no Mundo Superior.
Era uma lembrança dolorosa, que ele havia decidido corrigir há muito
tempo. Ele fez os Juízes avaliarem todos eles, e aqueles que mereciam
descanso receberam água do Lete e foram enviados para Elísio ou Asfódelo.
Aqueles que teriam sido enviados ao Tártaro foram deixados nas
profundezas.
Hades não tinha certeza do que Perséfone achava de sua explicação, mas
ela ficou em silêncio depois disso e ele ficou feliz. As perguntas dela
trouxeram lembranças que ele preferia manter isoladas no fundo de sua mente
para sempre.
Esta era a segunda vez que sua presença desenterrava algo doloroso de seu
passado. Isso seria uma ocorrência comum? Essa era uma forma das Moiras o
torturarem?
Quando terminou de limpar a ferida dela, concentrou-se na cura. Demorou
mais do que as costelas machucadas, já que teve que curar tendões, músculos
e pele, mas uma vez que ele terminou, não havia sinal de que ela tivesse se
machucado. Ele soltou um suspiro curto, aliviado, e então colocou o dedo no
queixo dela para que o olhasse, em parte para garantir que estava bem e
porque queria ver sua expressão.
— Troque-se — aconselhou.
— Eu… não tenho nada para vestir.
— Eu tenho — disse, e a ajudou a ficar de pé. Não sabia se ela estava
tonta, mas ele preferia segurar sua mão com firmeza caso isso mudasse. Além
disso, gostava de sentir seu calor. Isso o lembrava de que ela era real.
Dirigiu-a para trás de um biombo e entregou-lhe um roupão preto, notando
o olhar de surpresa em seu rosto enquanto registrava o que estava segurando.
Ela arqueou uma sobrancelha. — Suponho que isso não seja seu.
— O Submundo está preparado para todos os tipos de convidados. — Era
a verdade, mas também não conseguia se lembrar a quem pertencia o roupão.
— Obrigada. — A resposta dela foi curta. — Mas eu não acho que quero
usar algo que uma de suas amantes também usou.
O comentário dela poderia tê-lo divertido, mas em vez disso, descobriu
que estava frustrado com a raiva dela. Encontraria isso toda vez que
discutissem amores passados? Nesse caso, a conversa envelheceria muito
rápido.
— É isso ou nada, Perséfone.
A boca dela se abriu. — Você não faria isso.
Ele estreitou os olhos, e uma emoção o atravessou com o desafio. — O
quê? Despir você? Alegremente, e com muito mais entusiasmo do que você
imagina, minha senhora.
Ela usou sua energia restante para encará-lo antes que seus ombros
murchassem.
— Tudo bem.
Enquanto ela se trocava, Hades se serviu de um copo de uísque,
conseguindo tomar um gole antes que ela saísse de trás do biombo. Quase se
engasgou com a bebida. Achava que o vestido prateado que estava usando
deixava pouco para a imaginação, mas estava errado. O roupão acentuava a
cintura fina, a curva dos quadris e as pernas bem torneadas. Dar a ela aquele
pedaço de tecido foi um erro, ele pensou enquanto se aproximava e pegava o
vestido molhado dela, pendurando-o sobre o biombo.
— E agora? — perguntou ela.
Por um momento, ele se perguntou se ela podia sentir seus pensamentos
pecaminosos.
— Você descansa.
Ele a ergueu em seus braços, esperando que ela protestasse, mas ficou
aliviado quando ela não o fez. Não seria capaz de explicar por que precisava
dessa proximidade, não a entendia completamente; só queria tocá-la, saber
que era cheia de vida e calor.
Ele a deitou na cama e puxou os cobertores sobre ela. Ela parecia pálida e
frágil, perdida em um mar de seda negra.
— Obrigada — disse calmamente, olhando para ele com pálpebras
pesadas. Ela franziu a testa e tocou o espaço entre suas sobrancelhas com o
dedo, traçando sua face, terminando no canto dos lábios. — Você está bravo.
Precisou dar tudo de si para permanecer onde estava, para não se inclinar
para o toque de Perséfone, para não pressionar os lábios nos dela. Se ele a
beijasse, ele não pararia.
Depois de um momento, sua mão caiu e ela fechou os olhos.
— Perséfone — disse ela.
— O que foi?
— Eu quero ser chamada de Perséfone. Não “lady”.
Outro sorriso fraco tocou seus lábios. Lady era um título com o qual ela
teria que se acostumar; havia ordenado à sua equipe que se dirigisse a ela
como tal.
— Descanse — disse apenas. — Estarei aqui quando acordar.
Sentiu sua respiração à noite, e quando teve certeza de que estava
dormindo, ele se teletransportou de volta para o Estige, aparecendo na
margem do rio. Sua magia brilhou, uma combinação de raiva, tesão e medo.
— Traga-me aqueles que cheiram a sangue de Perséfone! — ordenou ele,
e quando levantou os braços, quatro dos mortos irromperam do Estige, a água
correndo atrás deles como a cauda de um cometa. Os cadáveres gritaram,
soando e parecendo mais monstros do que corpos de mortais de carne e osso.
— Vocês provaram o sangue de minha rainha e, portanto, deixarão de existir.
Quando ele fechou os punhos, o lamento aumentou para um quase
impossível estridente, e os cadáveres se transformaram em pó que foi varrido
para as montanhas do Tártaro.
Na sequência, os ouvidos de Hades zumbiram e sua respiração estava
dura, mas a liberação foi eufórica.
Atrás dele, ouviu a risada familiar de Hermes. Ele se virou para encarar o
Deus da Trapaça.
— Sabia que voltaria — disse. Acenou com a cabeça em direção às
montanhas do Tártaro. — Sente-se melhor?
— Não. Por que ainda está aqui?
— Tão rude. Você ainda tem que me agradecer por salvar sua… como
devemos chamá-la? Amante?
— Não é minha amante — retrucou Hades.
Hermes não se divertiu, erguendo uma sobrancelha pálida.
— Então você acabou de me jogar no meio do seu reino por nada?
— É um esporte — respondeu.
— Divirta-se e eu vou me divertir também.
— O que isso deveria significar?
Hermes podia ser o mensageiro dos deuses, mas também era trapaceiro e
ardiloso. Gostava de confusão, e fora responsável por muitas batalhas entre
deuses.
— Só que vou gostar de ver suas bolas ficarem mais azuis a cada hora.
Hades ofereceu um pequeno sorriso, e após uma pequena pausa, olhou
para Hermes.
— Obrigado, Hermes, por salvar Perséfone.
Ele desapareceu antes que o deus pudesse sorrir.
10
JOGOS MENTAIS

Hades estava sentado em uma cadeira diante da lareira, bebendo e


observando Perséfone dormir. A lenta subida e descida do corpo da deusa
enquanto respirava acalmava seus nervos. Sua cabeça fervilhava com os
eventos dos últimos dias: ter descoberto sua conexão com a bela deusa, sua
barganha subsequente, a raiva dela dirigida a ele apenas por ser o Deus dos
Mortos.
Poderia odiá-lo, mas tinha deixado que chegasse perto dela hoje, e não
tinha certeza de que seria o mesmo. Esperava manter um mínimo de controle
sobre esta situação que as Moiras haviam tecido para ele, mas sentia que
estava perdendo aquela batalha cada vez que olhava para a mulher em sua
cama.
Ele havia perdido a compostura duas vezes no espaço de uma hora –
primeiro com Hermes e depois com os mortos no rio – porque essa deusa
estava curiosa, porque vê-la sangrar acendeu nele uma raiva tão ardente que
ele não teve outra lugar para expulsá-lo, exceto para aqueles que a feriram.
Talvez você deva meditar, ele ouviu a voz de Hécate ecoando em sua
cabeça.
— Foda-se a meditação — disse em voz alta.
Então Perséfone se mexeu e ele ficou imóvel. Ela se sentou rapidamente e
então parou e fechou os olhos.
Tonta, ele pensou, franzindo a testa.
Quando ela abriu os olhos novamente, estavam verde-garrafa e pareciam
brilhar como uma luz pálida fluindo através de uma janela silenciosa. Ela o
encarou com aqueles olhos pelo que pareceu uma eternidade. Seu corpo ficou
tenso sob o olhar dela, a mão que segurava o copo apertou com mais força, e
os dedos de sua outra mão pressionaram o couro flexível de sua cadeira. Seu
membro ficou duro, preso contra sua perna por suas calças.
— Quanto tempo fiquei aqui? — ela perguntou. A voz dela estava rouca, e
ele quis gemer. Em vez disso, conseguiu emitir um monossílabo.
— Horas.
Seus olhos se arregalaram. — Que horas são?
Deu de ombros, porque não sabia.
— Tarde.
— Tenho que ir.
Hades esperava que ela ficasse com raiva ou reagisse com histeria, mas ela
não o fez. Ela apenas se sentou lá em uma piscina de seda preta parecendo
linda, rosada e quente.
— Você veio até aqui. Permita-me oferecer-lhe uma visita pelo meu
mundo.
Levantou-se e bebeu o resto de seu uísque. Os olhos dela não se afastaram
dos dele quando ele se aproximou e puxou as cobertas dela, revelando uma
faixa de pele entre os seios, onde o roupão se abriu durante o sono. Teve que
dar tudo de si para desviar os olhos enquanto ela fechava o roupão. Depois de
um momento, estendeu a mão. Os dedos dela deslizaram nos dele, e ele se
pegou imaginando quando deixaria de se surpreender com a vontade dela de
tocá-lo. Ele a guiou para ficar de pé e esperou que ela olhasse para ele antes
de perguntar: — Você está bem?
— Melhor — respondeu ela em um sussurro.
Ele traçou a curva de sua face. — Acredite, estou arrasado por você ter
sido ferida em meu reino.
O olhar de Perséfone lhe disse que ela estava surpresa com suas palavras,
ou talvez sua sinceridade.
— Estou bem — sussurrou, mas bem não era bom o suficiente.
— Isto nunca vai acontecer de novo. Venha.
Ele a guiou para a sacada do lado de fora do quarto, onde a Floresta de
Cinzas se estendia por quilômetros, encontrando uma parede de montanhas
de obsidiana. Ela vagou na frente dele, os dedos entrelaçados com os dele
enquanto ela olhava por cima da sacada.
— Gosta? — perguntou ele.
— É lindo. — Ela respirou enquanto seu olhar vagava pela paisagem. —
Você criou tudo isso?
Ele assentiu. — O Submundo evolui da mesma forma que o Mundo
Superior.
Ele puxou a mão dela, e ela o seguiu descendo as escadas até o jardim
abaixo. Sentiu um arrepio de excitação quando a levou para a borda onde as
glicínias lavanda caíam, onde rosas escuras e peônias rosadas floresciam, e
sálvia roxa e vermelha se retorciam como serpentes na escuridão. Ela acharia
isso tão surpreendente?
Sua resposta veio assim que os pés dela tocaram o caminho de pedra
escura que levava ao jardim. Ela arrancou a mão da dele e se virou.
— Seu desgraçado!
Hades de súbito sentiu-se completamente ridículo. Sua boca se apertou. —
A boca, Perséfone.
— Não ouse! Isso… isso é maravilhoso!
Então ela estava impressionada. Mas por que a raiva?
— É — concordou ele.
— Por que você me pediria para criar vida aqui? — Ela parecia…
devastada, como se ver o reino dele e a flora que crescia aqui drenasse sua
esperança. Ela lamentava pelo que sentia que não tinha poder para criar?
Com um aceno de sua mão, ele desmantelou a ilusão. Revelar a verdade
de seu reino era como revelar a verdade de sua alma. O Submundo estava
desolado – um deserto de cinzas.
— É ilusão — explicou. — Se é um jardim que você deseja criar, então
realmente será a única vida aqui.
Hades invocou a ilusão de volta e foi na frente. Perséfone o seguiu, e ele
se perguntou o que ela estaria pensando. Estaria chocada com o que ele havia
mostrado a ela? Será que ela menosprezava o Submundo só porque sua
beleza era uma criação de sua própria magia? Não tinha a intenção de trazê-la
para uma visita ao Submundo para fazê-la se sentir impotente…, mas podia
sentir a dúvida e a raiva dela aumentarem. Por mais que odiasse ser a razão
para esses sentimentos, sabia que era a única maneira para ela alcançar seu
potencial. Um dia, Perséfone se cansaria de se sentir indefesa e sua rainha
renasceria das cinzas. Uma deusa.
Hades parou perto de um muro de contenção na parte de trás de seu
jardim. Do outro lado estavam os Campos de Asfódelos. A seus pés, a terra
era estéril e escura.
— Você pode trabalhar aqui — disse ele.
Se Perséfone queria cultivar um jardim, se essa era sua maneira de criar
vida ali, então ela teria que fazê-lo no solo cinza do Submundo.
— Ainda não entendo — disse Perséfone. — Ilusão ou não, você tem toda
essa beleza. Por que exigir isso de mim?
Porque é a vontade de sua alma, ele pensou.
— Se você não deseja cumprir os termos do nosso contrato, você só tem
que dizer isso, Lady Perséfone. Posso preparar uma suíte para você em
menos de uma hora.
— Não nos damos bem o suficiente para morarmos juntos, Hades.
Seu comentário inspirou algumas imagens lascivas – pele nua e gemidos
ofegantes.
Ele discordava.
— Com que frequência terei permissão para vir aqui e trabalhar?
— Com a frequência que quiser — disse, porque depois de hoje, ele
garantiria que ela nunca mais pegasse aquele portal. — Sei que você está
ansiosa para completar sua tarefa.
Seu olhar caiu no chão, e ela se abaixou para pegar um punhado de areia.
Não fora feita para nutrir a vida, e tinha a textura de osso moído. Ela se
levantou novamente.
— E … como devo entrar no Submundo? — perguntou ela. — Estou
supondo que você não quer que eu use o caminho por onde vim.
— Humm. — Era a pergunta que ele estava esperando, e sua resposta fez
seu corpo apertar com antecipação. Ele inclinou a cabeça para o lado, e ela
olhou de volta, os lábios entreabertos.
Era um convite suficiente.
Ele agarrou os ombros dela e puxou-a contra ele, trazendo sua boca para a
dela. Poderia ter oferecido seu favor sem encostar um dedo nela, mas era uma
desculpa para tocá-la. Poderia ter sido gentil, mas descobriu que era tudo
menos manso. Seu corpo reagiu como se estivesse pegando fogo e
desesperado para ser sufocado. Ele se sentiu ridículo; ele tinha beijado e
fodido, mas nunca sentira isto… o que quer que fosse. Este desejo ardente,
esta ânsia desesperada de reivindicar e proteger e amar.
Por outro lado, ele nunca tinha beijado ou fodido uma mulher destinada a
ser sua amante. Seria o fio a razão pela qual ele se sentia tão…
descontrolado?
Ele abriu os lábios da deusa, sua língua deslizando na dela, seus dentes
roçando os lábios de Perséfone. Ela tinha gosto de vinho e sal e cheirava a
um canteiro de rosas doces. O corpo dela tremeu, e ele a segurou com mais
força para que não houvesse espaço entre eles, sentindo todas as curvas
suaves dela contra os contornos duros de seu próprio corpo. Ela estava tão
entusiasmada, beijando-o com abandono descarado. Teve a sensação de que
ela não teria apreciado gentileza; que ela ansiava por paixão, áspera e crua.
Os braços dela envolveram o pescoço dele, e ele gemeu, o som vindo de
algum lugar profundo e há muito adormecido. Ele se moveu até pressioná-la
contra a pedra. As mãos dele desceram pela cintura e sobre o traseiro
redondo, onde ele a agarrou, erguendo-a do chão. Com as pernas dela
plantadas ao redor de sua cintura, os calcanhares dela cravando em suas
costas, sua ereção esfregando o lugar mais sensível dela, ele deixou seus
lábios vagarem, contornando a mandíbula dela, mordendo a orelha, beijando
o pescoço. De vez em quando ele parava e provava a pele dela, salgada do
rio. Ela se arqueou debaixo dele, arquejando, até que assumiu o controle,
passando as mãos pelo cabelo dele, soltando os fios até que caíssem em
camadas ao redor de seu rosto. Era seu cabelo que ela usava para controlá-lo,
porque quando as mãos dele deslizaram por baixo de seu roupão, roçando a
pele quente e macia entre as coxas, ela o agarrou com mais força, e foi esse
puxão forte que o trouxe de volta à realidade.
Tinha ido longe demais. Quebrou o beijo, respirando com dificuldade,
lutando para conter o desejo. Pretendia provocá-la para avaliar seu desejo,
mas tinha transformado o beijo em algo mais. Mesmo agora, continuava a
abraçá-la, lutando contra o desejo de começar de onde terminaram. Tudo o
que ele tinha que fazer era mover sua mão levemente, separar a carne úmida
com os dedos, e ele estaria dentro dela.
Mas não era assim que deveria ser. Ela não tinha nenhuma razão para
confiar nele com o corpo, nenhuma razão para confiar nele. Não a deixaria se
arrepender de seu tempo juntos, e quando ele fizesse amor com ela, não seria
contra um muro de jardim.
Isso viria mais tarde.
Ele a colocou no chão, mas não a soltou.
— Depois de entrar na Nevernight, você só precisa estalar os dedos e será
transportada até aqui.
Sabia que havia dito algo errado quando a cor sumiu do rosto dela e ela
tentou empurrá-lo, exigindo: — Você não podia oferecer um favor de outra
maneira?
— Você não pareceu se importar — apontou, gostando do rubor que tocou
a face e o pescoço elegantes dela. Queria dizer a ela que não deveria ficar
envergonhada, mas quando ela tocou os lábios com dedos trêmulos, perdeu o
fio da meada.
— Preciso ir — disse ela.
Hades concordou com a cabeça. Se ela não saísse agora, ele rescindiria sua
declaração anterior.
Foda-se, não vou esperar para amá-la em outro lugar, o jardim é perfeito.
— O que está fazendo? — exigiu saber ela quando o braço dele apertou
sua cintura.
Ele ficou em silêncio, estalando os dedos e se teletransportando. Quando
eles apareceram no quarto de Perséfone, ela estava segurando os braços dele
como um gato assustado. Ele esperou que ela se ajustasse, sua cabeça girando
lentamente, e quando reconheceu os arredores, ela arrancou os dedos de sua
pele um por um.
— Perséfone. — Havia mais uma coisa que ela precisava saber antes que a
deixasse para a noite. — Nunca traga um mortal ao meu reino outra vez,
especialmente Adônis. Fique longe dele.
Os olhos dela se estreitaram, brilhando com desafio. — De onde você o
conhece?
— Isso não é relevante.
Ele sentiu sua tentativa de se afastar, mas a segurou no lugar. Isso era
importante. Não a salvara dos monstros do Submundo só para tê-la
machucada pelos mortais.
— Eu trabalho com ele, Hades — disse ela.
Ele ignorou o prazer que sentiu ao ouvir seu nome nos lábios dela.
— Além disso, você não pode me dar ordens.
— Não estou lhe dando ordens — declarou — Estou pedindo.
— Pedir implica que tenho escolha.
Seu aperto aumentou, e ele se inclinou sobre ela, quase a dobrando para
trás para que seus rostos ficassem a centímetros de distância. Mais uma vez,
Hades pensou nos lábios, no gosto, no toque dela, e sabia que ela estava
tendo pensamentos semelhantes, porque ela fechou os olhos e engoliu em
seco.
Ele falou no silêncio entre eles.
— Mas se você o escolher, virei buscá-la, e posso não a deixar sair mais
do Submundo.
Os olhos dela se abriram.
— Você não faria isso — sussurrou ela.
Hades riu, sua respiração acariciando os lábios dela enquanto ele falava.
— Ah, querida. Você não sabe do que sou capaz.
Então ele desapareceu como fumaça desaparecendo no céu.
11
UM JOGO PARA UM DEUS

— Eu pedi uma arma, Hefesto.


Hades olhou para a pequena caixa em forma de octógono que o Deus do
Fogo estendia para ele. Era lindo – obsidiana e incrustado com jade e ouro –
mas, não parecia algo que pudesse conter um deus.
Quando Hades encontrou os olhos cinzas de Hefesto, sabia que havia
perdido alguma coisa. O deus sorriu com o canto da boca e deixou cair a
caixa aos pés de Hades. No segundo seguinte, pesadas algemas se fecharam
em seus pulsos, o peso delas mantendo seus braços presos ao lado do corpo, e
quando tentou levantá-los, descobriu que era impossível.
— E eu lhe dei correntes — respondeu o deus.
Hades tentou levantar os braços novamente, e seus músculos se
contraíram, veias subindo à superfície de sua pele, mas parecia que quanto
mais força ele fazia, mais as correntes o oprimiam.
— Diga o que achou — disse Hefesto.
— Brilhante — respondeu Hades, a palavra saindo de sua boca antes
mesmo que ele tivesse a chance de pensar, e ele se lembrou do que havia
pedido ao Deus do Fogo: uma arma que poderia subjugar a violência e
encorajar a verdade. Hades sorriu, apesar de se sentir uma cobaia. A
capacidade de Hefesto de criar e inovar nunca deixou de impressionar.
— Esta é uma arma perigosa — acrescentou Hades, mas quando olhou
para Hefesto, sabia que havia algo mais na mente do deus. Seus olhos
estavam ameaçadores, brilhando como aço. Hades endureceu; conhecia esse
olhar. Tinha-o visto nos olhos de todos os mortais e imortais que desejaram
sua morte.
— Você comeu minha esposa? — A pergunta não combinava com a
compostura fria ou tom desapaixonado de Hefesto, mas Hades se reconheceu
no Deus do Fogo e sabia que sob o exterior calmo, estava furioso por dentro.
— Não.
— Ελευθέρωσε τον — Hefesto disse, virando as costas cheias de cicatrizes
para Hades enquanto ele era libertado das amarras, as correntes retornando
para a caixa preta. Hades esfregou os pulsos quando todo o peso da pergunta
de Hefesto caiu sobre ele. Ele pensou que Hades estava dormindo com
Afrodite, e ele acreditou tão completamente que sentiu que precisava de
magia para obter a verdade.
Hades pegou a caixa e se endireitou, olhando para as costas de Hefesto.
— Por que me perguntar sobre Afrodite? — Não pôde evitar a frustração
em sua voz. Ele sabia por que Hefesto havia perguntado – porque, apesar de
sua indiferença fingida, ele se importava com sua esposa e com quem ela
escolhia para dormir. Ele a amava, e ainda assim escolheu ser miserável,
escolheu ser passivo.
— Não revelei o suficiente da minha vergonha? — perguntou Hefesto.
— Não é vergonhoso amar sua esposa.
Hefesto não disse nada.
— Se você temia a infidelidade dela, por que a liberou dos laços do
casamento?
O deus ficou tenso. Claramente, não sabia o que Afrodite havia
compartilhado com ele. Que na véspera de seu casamento com a Deusa do
Amor, Hefesto a tinha liberado de todas as obrigações desse casamento.
— Ela foi forçada a se casar comigo — disse Hefesto, como se isso
explicasse tudo. Embora fosse verdade. Zeus tinha arranjado seu casamento
para manter a paz entre aqueles que queriam Afrodite como esposa.
— Você não precisava concordar — declarou Hades.
Os músculos de Hefesto ondularam, e o Deus dos Mortos sabia que ele o
havia irritado. No entanto, quando ele falou, sua voz estava calma, sem
emoção.
— Quem sou eu para rejeitar um presente de Zeus?
Foi um comentário simples, mas disse muito sobre como Hefesto se via –
indigno de felicidade, favor, amor.
Hades suspirou. Na verdade, não cabia a ele se envolver no
relacionamento de Hefesto e Afrodite. Ele tinha o suficiente para se
preocupar como era com as Moiras, Sísifo e Perséfone.
— Obrigado, Hefesto — disse Hades, levantando a caixa. — Por seu
tempo.
Ele se teletransportou do laboratório cavernoso, aparecendo no céu sobre o
oceano, e se deixou cair entre nuvens ondulantes. Hades pousou na Terra, na
ilha de Atlântida. O impacto sacudiu o chão e estragou o mármore a seus pés.
Ao redor dele, o povo de Poseidon — mortais que se chamavam de Atlantes
— gritava. Levou segundos para seu irmão aparecer, de peito nu e vestindo
uma pteruges, uma saia decorativa feita de tiras de couro. Os antebraços
estavam cobertos de braceletes de ouro, o cabelo ondulado e loiro, coroado
com lanças de ouro, e dois grandes chifres espirais de markhor se projetavam
do topo de sua cabeça.
O Deus do Mar parecia estar preparado para a batalha, o que era justo.
Hades só visitava quando tinha contas a acertar, e desta vez não era diferente.
— Irmão. — Poseidon acenou com a cabeça.
— Poseidon — cumprimentou Hades.
Houve um momento de silêncio tenso antes de Hades perguntar:
— Onde está Sísifo?
Poseidon sorriu. — Você não é de gentilezas, não é mesmo, Hades?
Hades inclinou a cabeça para o lado e, ao fazê-lo, uma grande estátua de
mármore de Poseidon rachou e se partiu. Quando as peças caíram no chão,
mais membros do culto de Poseidon, que haviam parado para olhar, correram
para se proteger, gritando.
— Pare de destruir minha ilha! — ordenou Poseidon.
— Onde está Sísifo? — exigiu saber Hades novamente.
Os olhos de seu irmão se estreitaram e ele riu. — O que ele fez? Diga-me
que foi bom.
A raiva de Hades era aguda, e pela primeira vez desde que ele pediu a
Hefesto uma arma para conter a fúria de Poseidon, ele percebeu que era tanto
para ele quanto para seu irmão. Cansado de perder tempo, Hades jogou a
caixa aos pés de Poseidon. No segundo seguinte, o Deus do Mar se viu preso
em correntes. Por alguns segundos, Poseidon piscou em choque com o metal
ao redor de seus pulsos. Puxou, tentando quebrar as correntes com sua força,
músculos salientes, veias saltando; mas não importava o quanto ele tentasse,
não cediam.
— Que porra é essa, Hades? — retrucou ele.
— Diga-me onde Sísifo está escondido! — A voz de Hades era brutal e
áspera.
— Eu não sei onde seu maldito mortal está — cuspiu Poseidon. — Solte-
me!
Hades podia sentir o poder de Poseidon aumentando com sua raiva. O mar
ao redor da ilha se revolvia violentamente, lambendo as bordas da massa de
terra. Hades só esperava que pudesse obter as respostas que procurava antes
que a violência de seu irmão fosse desencadeada. Poseidon não lamentaria a
perda de seu povo se isso significasse vingança contra ele.
— Cuidado, irmão. Sua raiva pode adicionar adoradores ao meu reino.
Era a única coisa que ele poderia dizer que pelo menos daria uma pausa a
Poseidon.
O deus olhou, seu peito subindo e descendo com sua raiva, mas Hades
sentiu sua magia diminuir. Dada sua frustração, Hades havia esquecido que
as correntes extraíam a verdade de seu captor, o que significava que Poseidon
realmente não sabia onde Sísifo estava.
Precisava fazer uma pergunta diferente.
— Como você conheceu Sísifo de Éfira? — perguntou Hades.
Poseidon rugiu, claramente tentando lutar contra as palavras que a magia
puxou de sua garganta. — Ele salvou minha neta de Zeus.
— Ah. Agora estavam chegando a algum lugar.
— E você o recompensou?
— Sim — sibilou Poseidon.
— Você concedeu um favor a ele?
— Não.
— O que concedeu a ele?
— Um fuso.
Um fuso – uma relíquia, assim como Hades suspeitava. Explicava como
Sísifo conseguira roubar vidas de outro mortal.
— Você deu a um mortal a porra de um fuso? — rosnou Hades. — Por
quê?
Pela primeira vez desde que Hades começou a interrogar Poseidon, ele
parecia falar com facilidade quando disse:
— Para foder com você, Hades. Por que mais?
Era uma razão mesquinha, mas uma razão típica de Poseidon, no entanto.
— Eu lhe digo, no entanto. Eu vou fazer um acordo com você — disse
Poseidon. — Uma barganha, como você chama.
— Essas são palavras corajosas vindas de alguém que não tem poder para
lutar contra a magia que os mantém cativos — observou Hades.
— Eu ajudo você a encontrar Sísifo. Inferno, eu mesmo vou atraí-lo aqui.
Se…
Hades esperou, odiando o quão devagar Poseidon falava, quanto tempo ele
desperdiçava.
— Se você libertar meus monstros do Tártaro.
— Não.
Hades nem precisava pensar. Não abdicaria de nenhuma das criaturas que
viviam nas profundezas do Tártaro. Não tinham lugar no mundo moderno e
definitivamente não tinham lugar nas mãos de Poseidon.
O chão começou a tremer, e o oceano se ergueu em todos os lados da ilha,
brotando nas rachaduras que Hades havia criado no mármore de Poseidon.
Havia pressionado demais. Hades lançou sua magia como uma rede,
envolvendo a massa de terra em sombra para controlar seu irmão.
— Você perdeu seus monstros porque tentou derrubar Zeus — disse
Hades com os dentes cerrados. A magia de Poseidon era pesada, e ele sentiu
como se estivesse sendo enterrado vivo enquanto lutava contra sua parede de
sombras. — Agora está com raiva porque houve consequências para suas
ações. Que infantil.
O desgosto que Hades sentiu por seu irmão neste momento alimentou a
força de sua magia, embora a exibição de Poseidon não fosse surpreendente.
Sua vida tinha sido uma sequência de explosões infantis que tiveram
consequências terríveis para os envolvidos.
— Você afirma ser um rei e ainda segue o governo de Zeus — cuspiu
Poseidon.
— Sigo minha própria regra — disse Hades. — Isso simplesmente não se
alinha com a sua vontade.
Hades não costumava concordar com Zeus, mas pelo menos o Deus do
Céu acreditava na existência de uma sociedade livre. Acreditava que todos os
deuses tinham seu papel no mundo e que deveriam manter a ordem dentro de
sua especialidade e nada mais.
Poseidon não tinha a mesma opinião, e se pudesse governar supremo, ele o
faria.
O problema era que ele tinha dois irmãos igualmente poderosos que
poderiam – e o fariam, e o tinham – parado.
Hades fechou os olhos e alcançou sua escuridão, a parte de si mesmo que
nascera para guerra, caos e destruição. Para a parte de si mesmo que estava
desesperada por controle, ordem e poder. Ele aproveitou esse desespero, essa
vontade, essa força, atraindo-a para a superfície até que o poder que brotou
no fundo de seu peito explodiu em um fluxo de sombra. Passou por Poseidon
e sua parede de água, e o deus caiu de joelhos, o chão tremendo sob ele.
Os dois deuses respiraram com dificuldade e olharam um para o outro, e
quando a água se acalmou ao redor deles, Hades falou:
— Salvei seu povo e sua ilha. Me é devido um favor.
Havia uma chance de Poseidon não concordar, de ir para o mesmo lugar
escuro que Hades tinha ido para recuperar o poder, mas Hades esperava que o
Deus do Mar percebesse o que estava em jogo – mais do que apenas
monstros. Se ele lutasse, isso significaria o fim da Atlântida, seu povo e
talvez sua liberdade.
Zeus tinha tomado isso antes. Nada o impediria de fazê-lo novamente.
— Pense, Poseidon. Você realmente quer que seu império acabe por causa
desse mortal?
Ele podia ver a indecisão guerreando nos olhos de Poseidon. Neste ponto,
não se tratava mais de um mortal. Tratava-se de Hades e o fato de que ele
havia desafiado – e dominado – Poseidon na frente de seu próprio povo.
— Poseidon. — Uma voz musical e feminina chamou o nome do deus.
O olhar de Hades foi para Anfitrite, a esposa de Poseidon. Seus olhos
eram grandes e redondos e da cor de peridoto. Eram estranhos de se ver, e
estavam em um rosto delicado. Longos cabelos ruivos envolviam seu corpo
curvilíneo como uma capa. Ela era linda e profundamente apaixonada pelo
marido, apesar de sua infidelidade.
Na presença dela, a raiva de Poseidon evaporou e seu corpo caiu. Hades
observou como Anfitrite correu para ele, e o Deus do Mar a agarrou,
correntes chacoalhando enquanto o fazia. Eles se abraçaram antes de se
separarem e olharem nos olhos um do outro. Algo se passou entre eles, uma
comunicação sem palavras nascida de anos de parceria. Depois de um
momento, Poseidon olhou para Hades.
— Um favor, então — concordou ele.
— Você vai me ajudar a capturar Sísifo — disse Hades. — Já que você é
responsável por esta praga sobre o mundo.
Era a mesma coisa que pedir a ajuda de Poseidon, e Hades odiava isso;
mas provavelmente era a maneira mais fácil de tirar Sísifo das ruas e tirar o
fuso de circulação.
— Iniquity — disse Hades. — Amanhã à meia-noite.
— Sísifo não chegará a menos de dois quilômetros de seu território —
disse Poseidon. — E não tão rapidamente, sobretudo depois da sua…
exibição de poder nojenta. Será daqui a alguns dias, e será no meu território.
Hades não gostou da ideia de se encontrar no território de Poseidon. Isso
significava que ele tinha mais à sua disposição, tanto em poder quanto em
pessoas, mas o Deus do Mar estava certo. Era melhor encontrá-lo em um
lugar que não levantasse suspeitas de Sísifo.
— Tudo bem — disse Hades. — Ελευθέρωσε τον.
Quando Hades falou as palavras, Poseidon foi libertado das correntes.
Anfitrite ajudou o deus corpulento a ficar de pé, o que era quase cômico,
considerando que ela tinha metade do tamanho dele. Poseidon a puxou para
perto, as grandes mãos quase cobrindo a cintura dela, e a beijou. Hades
desviou os olhos, confuso pela demonstração de afeto. Se seu irmão amava
tanto a esposa, por que perseguia outras mulheres? Pareceram perdidos um
no outro por um momento, a raiva de Poseidon por seu irmão
momentaneamente esquecida.
Hades usou sua magia para recuperar a pequena caixa preta que Hefesto
lhe dera. Não havia como ele deixar algo tão útil e tão poderoso escapar de
suas mãos. Quando a caixa pousou na palma de Hades, Anfitrite olhou para
ele. Podia ser sua cunhada, mas ele sabia muito pouco sobre ela, exceto que
ela podia acalmar os mares e Poseidon.
Mas agora, Hades sentia a fúria dela.
— Acho que é hora de você ir embora, Lorde Hades — disse.
Ele sorriu com o canto da boca e assentiu antes de desaparecer.
12
UM JOGO COM UMA DEUSA

Hades voltou ao Submundo e convocou Ilias. Ele estava exausto depois de


gastar tanta energia mantendo a magia de Poseidon sob controle, mas tinha
um plano para localizar Sísifo. Foi a primeira vez que sentiu algum tipo de
sucesso desde o início dessa provação.
Serviu um copo de uísque e bebeu rapidamente, aproximando-se da janela
para olhar seu reino, avistando Hécate andando com Perséfone. As duas
deusas conversavam e riam, e Hades não pôde deixar de pensar o quão
perfeita Perséfone parecia em seu reino, como se fosse o lugar dela, como se
ela sempre devesse estar lá.
— Meu senhor? — perguntou Ilias.
Hades virou a cabeça e encontrou o sátiro ao lado dele, sobrancelha
erguida.
— Apreciando a vista? — perguntou, divertido.
Hades teria gostado mais se tivesse percebido que Ilias havia chegado.
— Tenho um trabalho para você — disse — Poseidon deu uma relíquia a
Sísifo. Um fuso, para ser exato.
Os olhos do sátiro se arregalaram. — Um fuso? Onde ele conseguiu isso?
— É seu trabalho — disse Hades. — Rastreie-o.
— E o que o senhor quer que eu faça quando encontrá-lo?
Normalmente, Hades dava rédea solta a Ilias sobre como ele lidava com
traficantes ilegais. O sátiro organizava ataques, queimava lojas, destruía
mercadorias. Em raras ocasiões, ele encontrou alguém digno de se juntar a
Iniquity.
— Eu quero o nome deles — respondeu. Ele os visitaria pessoalmente.
— Considere feito — Ilias se curvou, mas não saiu do lado de Hades.
Olhando para fora, acenando para Perséfone e Hécate.
— Ela está curiosa sobre o senhor — falou.
— Está ansiosa para examinar minhas falhas — corrigiu Hades.
O sátiro riu. — Gosto dela.
— Não estou buscando sua aprovação, Ilias.
— Claro que não, meu senhor.
Com isso, o sátiro partiu, e Hades observou até Perséfone não estar mais à
vista, mas podia sentir a presença dela em seu reino, uma tocha que queimava
um caminho através de sua pele. Considerou procurá-la, mas decidiu não o
fazer. Por mais que ele esperasse mudar a opinião de Perséfone sobre si
mesmo, ele também precisava que ela encontrasse consolo e amizade em seu
reino.
Não precisava.
Desejava.
Queria que ela encontrasse consolo em seus jardins, percorresse os
caminhos do Submundo com Hécate, celebrasse com as almas. Ele queria que
ela, um dia, pensasse no Submundo como seu lar.
Um sentimento estranho o dominou, um que ele conhecia e odiava:
vergonha. Se alguém pudesse ouvir seus pensamentos, riria. O Deus dos
Mortos, esperançoso de amor, e ainda assim não poderia evitar. Quando ele
tomou Perséfone em seus braços no jardim, quando ele a beijou, de repente
entendeu o que a vida deles poderia ser – apaixonada e poderosa. Queria isso
desesperadamente.
E apesar de sua antipatia por ele e suas barganhas, não podia negar seu
desejo. Sentiu isso quando os dedos dela puxaram seu cabelo, o corpo macio
dela se moldara ao seu, e o beijo dela era puro desespero.
Sentiu uma tontura, e um calor se espalhou por ele, indo direto para seu
pênis. Ele gemeu; teria que expelir um pouco dessa energia.
Tirou o paletó e a camisa, e foi para os Campos de Asfódelo.
— Cérbero, Tifão, Ortros, venham! — chamou, e se virou na direção de
seus dobermans que se aproximavam. Eles avançaram pela grama,
determinados em seus passos.
— Alto — ordenou Hades quando eles se aproximaram, e os três
obedeceram e se sentaram. Cérbero sentou-se no meio, Tifão à direita e
Ortros à esquerda. Eram cães bonitos com pelagem preta brilhante, orelhas
pontudas e cabeças em forma de cunha.
Os três nunca estavam separados, sempre viajando em bando, guardando o
Submundo de intrusos ou divindades indesejadas que vivessem fora dos
portões de seu reino. Às vezes, Hécate os recrutava para várias punições,
ordenando-lhes que se banqueteassem com as vísceras ou maltratassem uma
alma merecedora.
Hades preferia brincar.
— Como estão meus garotos, hein? — perguntou, acariciando as orelhas
dos cães. O comportamento deles mudou de feroz para brincalhão. Os rabos
dos cachorros balançavam e suas línguas penduravam para fora de suas
bocas. — Puniram muitas almas hoje?
Ficou algum tempo coçando atrás das orelhas.
— Bons garotos, bons, bons garotos.
Ele invocou uma bola vermelha do nada. Quando os cães a viram,
sentaram-se eretos, ofegantes com antecipação. Hades sorriu, jogando a bola
no ar, uma, duas vezes, os olhos dos cães seguindo com atenção extasiada.
— Qual de vocês é mais rápido, hein? Cérbero? Tifão? Ortros?
Enquanto ele chamava o nome de cada Doberman, eles ofereciam um
latido rosnado, impacientes pela perseguição.
Hades sorriu, sentindo-se um pouco diabólico.
— Fiquem — ordenou, e então jogou a bola.
Brincar com Cérbero, Tifão e Ortros não era como brincar com cães
normais. A força de Hades era grande, e quando ele jogou a bola, ela correu
por quilômetros, mas seus Dobermans eram anormalmente rápidos, capazes
de viajar pelo Submundo em minutos.
Hades esperou até que a bola desaparecesse, antes de se virar para os cães.
— Peguem!
A sua ordem, os cães partiram, os músculos trabalhando poderosamente.
Hades riu enquanto os três corriam para encontrar a bola. Eles voltaram em
pouco tempo, correndo em sincronia, a bola vermelha apertada na boca de
Cérbero, que a trouxe obedientemente para Hades e a deixou cair a seus pés.
Ele continuou brincando com seus cachorros, correndo em círculos pelo
prado, extravasando sua frustração e desejo até sentir-se ofegante e suado.
Ele jogou a bola mais uma vez, livre do peso de seus sentimentos, quando
se virou e encontrou Perséfone parada na clareira, observando-o com os olhos
arregalados.
Porra.
Ela era linda, e seus olhos viajaram ao longo dela, sem vergonha. Ela tinha
flores no cabelo – camélia, se ele tivesse que adivinhar – e elas se enfiavam
em longas mechas loiras encaracoladas. Ela usava uma regata azul com um
decote profundo, chamando a atenção para seus seios. Seu short era branco,
revelando suas longas pernas – pernas que ele teve em volta da cintura apenas
alguns dias atrás. Enquanto seus olhos viajavam de volta pelo corpo dela, ele
descobriu que o olhar dela tinha feito a mesma descida, e ele sorriu.
Poderia tê-la desafiado a negar sua atração, exceto que a Deusa da
Bruxaria estava aqui e marchando direto para ele.
— Você sabe que eles nunca se comportam comigo, depois que você os
mima — dizia ela, lançando os braços na direção onde Cérbero, Tifão e
Ortros haviam desaparecido. Sua reclamação era divertida, principalmente
porque os três eram rápidos em ouvir, sobretudo se instruídos a retornar ao
trabalho.
Ele sorriu. — Eles ficam preguiçosos sob seus cuidados, Hécate.
E obesos. Ela gostava de alimentá-los.
Seus olhos deslizaram para Perséfone. — Vejo que você conheceu a
Deusa da Primavera.
Percebeu como ela se retesou com o título.
— Sim, e ela tem muita sorte que eu fiz isso — disse Hécate, os olhos
brilhando. — Como ousou não a avisar para ficar longe do Lete?
Seus olhos se voltaram para Perséfone, que estava se esforçando para não
sorrir. Pareceu gostar de ouvir Hécate repreendendo-o, mas Hécate estava
certa, deveria tê-la avisado para não se aproximar de nenhum dos rios do
Submundo. O Lete, em particular, era poderoso, tirando as memórias de
almas como se tirasse o ar.
O que ele faria se ela o tivesse tocado? Bebido dele? Ele empurrou os
pensamentos para longe.
— Parece que devo desculpas, Lady Perséfone.
Ela estava surpresa. Talvez ela não esperasse que se desculpasse, mas ela
o encarou com aqueles olhos cor de esmeralda e lábios entreabertos, e ele
sentiu seu desejo renovado.
Então, a Trompa do Tártaro soou, e ele e Hécate se viraram em sua
direção.
— Estou sendo convocada — disse Hécate.
— Convocada? — perguntou Perséfone.
— Os juízes precisam do meu conselho.
Os Juízes, Minos, Radamanto e Éaco, muitas vezes convocavam Hécate
para sentenciar certas almas ao castigo eterno, principalmente aquelas que
haviam cometido crimes contra mulheres.
— Minha querida — disse Hécate a Perséfone —, avise da próxima vez
que vier ao Submundo. Voltaremos a Asfódelo.
— Eu adoraria — falou Perséfone com um sorriso, e isso fez o coração de
Hades bater mais forte.
Ela gostava de passar tempo com as almas. Ótimo.
Quando estavam sozinhos, Perséfone virou-se para Hades. — Por que os
juízes precisariam do conselho de Hécate?
Inclinou a cabeça para o lado, curioso com o tom exigente dela,
respondeu:
— Hécate é a Senhora do Tártaro e particularmente boa em decidir
punições para os ímpios.
— Onde fica o Tártaro?
— Eu diria, se achasse que você usaria o conhecimento para evitá-lo.
Mas dada a sua história, ele não confiava nela.
— Você acha que eu quero visitar sua câmara de tortura?
— Penso que é curiosa e está ansiosa para provar que sou como o mundo
supõe: uma divindade a ser temida.
Todas as coisas que provavelmente seriam confirmadas se ela encontrasse
seu caminho para sua câmara de tortura eterna.
Ela deu-lhe um olhar desafiador. — Você está com medo de que eu
escreva sobre o que vejo.
Isso o fez rir. — Medo não é a palavra certa, querida.
Ele temia pela segurança dela. Ele tinha pavor de suas suposições.
Ela revirou os olhos. — Claro que você não teme nada.
Ah querida, você não faz ideia, pensou enquanto pegava uma flor do
cabelo dela. Ele girou a haste entre os dedos e perguntou: — Você gostou de
Asfódelo?
Ela sorriu, e a honestidade disso o deixou sem fôlego. — Sim. Suas
almas… elas parecem tão felizes.
— Você está surpresa?
— Bem, você não é exatamente conhecido por sua bondade.
Hades apertou os lábios. — Não sou conhecido por minha bondade para
com os mortais. Há uma diferença.
— É por isso que você brinca com a vida deles?
Estudou-a, frustrado por sua pergunta e pela maneira como a fez – como
se esquecesse que os mortais vinham até ele para barganhar, e não o
contrário.
— Parece que me lembro de ter dito que não responderia mais às suas
perguntas.
Os lábios convidativos de Perséfone se separaram. — Você não pode estar
falando sério.
— Mortalmente sério.
— Mas… como vou te conhecer?
Ele sorriu com o canto da boca. — Você quer me conhecer?
Ela desviou o olhar, fulminante. — Estou sendo forçada a passar um
tempo aqui, certo? Não deveria conhecer melhor o meu carcereiro?
— Tão dramática — murmurou ele, e ficou quieto, considerando. Queria
responder às perguntas dela porque queria que ela entendesse sua perspectiva,
mas queria o controle. Queria a capacidade de limitar, de explicar até que a
compreensão fosse alcançada; queria poder fazer perguntas a ela também.
— Ah, não.
A voz de Perséfone chamou sua atenção, e ele levantou uma sobrancelha.
— O quê?
— Conheço esse olhar.
— Que olhar?
— Você fica com essa… expressão — explicou, e fez uma pausa, como se
não soubesse bem como explicar. Ele gostava de vê-la procurar as palavras
certas, sobrancelhas unidas sobre seus lindos olhos. — Quando você sabe o
que quer.
— Fico? — perguntou, e não pôde deixar de provocá-la. — Você
consegue adivinhar o que eu quero?
— Não leio mentes! — Sua pergunta a perturbou, o rosto ruborizando. Ela
poderia ser mais leitora de mentes do que pensava.
— Que pena — disse ele. — Se você gostaria de fazer perguntas, então
proponho um jogo.
— Não — retrucou ela categoricamente. — Não vou cair nessa de novo.
— Sem contrato — garantiu ele. — Nem favores, apenas perguntas
respondidas. Como você quer.
Ela ergueu o queixo e estreitou aqueles olhos adoráveis, e ele teve o
pensamento fugaz de que gostaria que ela o olhasse assim enquanto
cavalgava seu pênis, forte e rápido.
Porra, ele pensou.
— Tudo bem — concordou ela depois de um tempo. — Mas eu escolho o
jogo.
Seu instinto foi rejeitar a oferta dela, e as palavras estavam na ponta de sua
língua. Não, eu dou as cartas. Mas enquanto considerava as consequências,
ele pensou que poderia ser uma chance de mostrar a ela que ele poderia ser
flexível.
Finalmente, ele sorriu. — Muito bem, Deusa.
Ele levou Perséfone para seu escritório, de onde a vira caminhar com
Hécate mais cedo. Ele a deixou sozinha por alguns minutos, tempo suficiente
para se trocar, e quando voltou, ela estava parada perto das janelas. Quando
ele apareceu, ela olhou para ele por cima do ombro.
Seus passos vacilaram, e ele parou na porta, olhando.
Ela era linda, envolta na paisagem do Submundo.
— É uma linda vista — disse ela.
— Muito — ofegou ele, e então pigarreou. — Fale-me sobre este jogo.
Ela sorriu e se virou totalmente para ele. — Chama-se pedra, papel,
tesoura.
Ela explicou o jogo, demonstrando as várias formas – pedra, papel e
tesoura – com as mãos. Apesar de seu entusiasmo, Hades não ficou
impressionado.
— Parece horrível.
— Você só está bravo porque nunca jogou. O que há de errado? Com
medo de perder?
Hades riu da pergunta. — Não. Parece bastante simples. A pedra vence a
tesoura, a tesoura vence o papel e o papel vence a pedra. Como exatamente o
papel vence a pedra?
— O papel cobre a pedra — disse Perséfone.
— Não faz sentido algum. Pedra é claramente mais forte.
Perséfone encolheu os ombros. — Por que um ás é um curinga no pôquer?
— Porque são as regras.
— Bem, é uma regra que o papel cobre a pedra — disse ela.
Hades sorriu com a réplica. Tinha sorrido mais na última hora do que toda
em sua vida.
— Pronto? — perguntou ela, levantando a mão e formando um punho.
Hades imitou seus movimentos, e ela riu. Era óbvio que isso era divertido
para ela, e ele gemeu internamente. As coisas que ele já fazia por ela.
— Pedra, papel, tesoura, vai! — Ela falou as palavras com fervor. Sem
dúvida estava se divertindo, e por isso, Hades estava feliz.
— Isso! — gritou ela, braços voando no ar. — Pedra vence tesoura!
Hades franziu a testa. — Maldição. Achei que você escolheria papel.
— Por quê?
— Porque você acabou de elogiar o papel. — explicou.
Ela riu um pouco mais. — Só porque você perguntou por que o papel
cobre a pedra. Isso não é pôquer, Hades. Não se trata de dissimulação.
— Não? — Ele discordava. Estava certo de que se jogasse este jogo por
tempo suficiente, ele aprenderia a tendência dela de escolher uma das três
opções sobre as outras. Era um algoritmo, e a maioria das pessoas tinha um
padrão, mesmo que não percebesse.
O silêncio se estendeu entre eles por um momento, a excitação anterior de
Perséfone diminuindo. A atmosfera estava mudando, e Hades não gostou.
Queria recapturar seu devaneio anterior, não explorar segredos mais
sombrios.
De repente, ele se perguntou se poderia distraí-la, diminuir a distância
entre eles e pressionar seus lábios nos dela, mas ela desviou o olhar, respirou
fundo e perguntou: — Você disse que teve sucesso antes com seus contratos.
Conte-me sobre eles.
Hades apertou os lábios antes de se retirar para o bar do outro lado da sala
para se servir de uma bebida. O álcool o ajudaria a relaxar e, com sorte, o
impediria de dizer algo de que se arrependesse.
Queria uma chance de explicar, lembrou a si mesmo.
Sentou-se em seu sofá de couro preto antes de responder.
— O que há para contar? Ofereci o mesmo contrato a muitos mortais ao
longo dos anos. Em troca de dinheiro, fama, amor, eles deveriam abandonar
um vício. Alguns mortais são mais fortes do que outros e conseguem mudar
seus hábitos.
Era um pouco mais complicado do que isso, e enquanto falava, podia
sentir os fios que cobriam sua pele queimando de cada barganha fracassada
que fizera com as Moiras.
— Vencer uma doença não se trata de força, Hades — disse enquanto se
sentava em frente a ele, dobrando a perna debaixo dela.
— Ninguém disse nada sobre doenças.
— O vício é uma doença. Não pode ser curado. Deve ser administrado.
— É administrado — argumentou ele.
Ele conseguia isso mantendo os mortais em seus acordos, lembrando-os
do que eles perderiam se falhassem – sua vida.
— Como? Com mais contratos?
— Essa é outra pergunta — retrucou, mas ela parecia imperturbável e
levantou as mãos, sinalizando que estava pronta para outra rodada. Hades
colocou sua bebida de lado e refletiu sua postura. Quando ela colocou pedra e
ele tesoura, ela perguntou:
— Como, Hades?
— Não peço a eles que desistam de tudo de uma vez. É um processo lento.
Não queria admitir que não havia dado nenhuma maneira para os mortais
administrarem seus vícios. Cabia a eles encontrar maneiras de ficarem
limpos. Quando não deu mais detalhes, jogaram outra rodada.
Desta vez, para alívio de Hades, ele venceu.
— O que você faria? — perguntou ele, porque ele estava curioso, e não
tinha respostas.
Ela piscou, franzindo as sobrancelhas.
— O quê?
— O que você mudaria? Para ajudá-los?
Mais uma vez, ele sentiu uma pontada de frustração quando a boca dela se
abriu em surpresa com a pergunta, mas sua expressão mudou rapidamente,
tornando-se determinada. — Primeiro, eu não permitiria que um mortal
apostasse sua alma.
Ele resmungou com a crítica dela, mas ela continuou.
— Em segundo lugar, se você vai fazer uma barganha, desafie-os a ir para
a reabilitação se forem viciados – e faça ainda melhor – pague por isso. Se eu
tivesse todo o dinheiro que você tem, o gastaria ajudando as pessoas.
Ela não tinha ideia de sua influência ou de como ele mantinha o equilíbrio
barganhando com os piores do mundo para alimentar os necessitados do
mundo.
— E se eles tivessem uma recaída?
— E daí? — perguntou ela, como se não fosse nada. — A vida é difícil lá
fora, Hades, e às vezes vivê-la é penitência suficiente. Os mortais precisam
de esperança, não de ameaças e punição.
Hades considerou as palavras dela. Sabia que a vida era difícil, mas sabia
disso porque podia ver o fardo sobre as almas quando elas chegavam à sua
porta, não porque realmente entendia o que era ser mortal e existir no Mundo
Superior.
Depois de um momento, ergueu as mãos como ela havia feito antes para
sinalizar outro jogo. Quando ele ganhou, ele pegou seu pulso e virou sua
mão, colocando a palma da mão, os dedos roçando o curativo amarrado lá.
— O que aconteceu?
A risada dela era ofegante, como se pensasse que ele era bobo por
perguntar.
— Apenas um arranhão. Não é nada comparado com costelas machucadas,
prometo.
Hades apertou a mandíbula. Talvez não houvesse comparação, mas não
gostou de não poder evitar que fosse ferida em seu reino. Na verdade, isso era
uma pequena parte de um medo maior: que ele não pudesse protegê-la
daqueles que desejavam prejudicar a ele.
Depois de um momento, beijou sua palma, enviando um choque de magia
para sua pele, curando a ferida. Quando ele se afastou, encontrou seu olhar
aquecido.
— Por que isso te incomoda tanto? — sussurrou.
Porque você é minha, queria dizer, mas essas palavras congelaram na
garganta. Não podia dizê-las. Eles se conheciam há uma semana, e ela não
tinha conhecimento do fio que os unia, apenas o acordo que a forçava a estar
aqui. Então, em vez disso, ele tocou seu rosto. Queria beijá-la, de alguma
forma comunicar essa necessidade desesperada que tinha de mantê-la segura
em todos os sentidos, mas assim que começou a se inclinar para frente, a
porta de seu escritório se abriu e Minta entrou. Ela parou de repente, seus
olhos se estreitando em fendas.
Não tinha ordenado que ela batesse?
— Sim, Minta? — perguntou, sua mandíbula apertada. É melhor ela ter
uma boa razão para esta interrupção…, mas ele duvidava que fosse o caso.
— Meu senhor — disse firmemente. — Meu senhor, Caronte solicitou sua
presença na sala do trono.
— Ele disse o motivo? — Não tentou esconder a irritação em sua voz.
— Ele pegou um intruso.
— Um intruso? — perguntou Perséfone, os olhos curiosos virando para
Hades. — Como? Não se afogaria no Estige?
— Se Caronte pegou um intruso, é provável que ele tenha tentado se
esconder em sua balsa — respondeu, levantando-se e estendendo a mão para
ela pegar. — Venha, você vai comigo.
Se ela estava curiosa sobre ele e seu reino, ela gostaria de estar presente de
qualquer maneira. Talvez ela visse a exigência que os mortais lhe faziam.
Ela pressionou os dedos na palma da mão dele, e ele a conduziu pelos
corredores de seu palácio até a cavernosa sala do trono, com Minta liderando
o caminho.
No início de seu reinado, Hades usava esta sala com mais frequência do
que qualquer outra parte de seu palácio. Era o único lugar que as almas
temiam mais do que o Tártaro, porque era um lugar de julgamento. Ele se
sentaria em seu trono de obsidiana, ladeado por bandeiras negras com
narcisos dourados, e lançaria almas em uma eternidade sombria sem pensar
duas vezes. Então, ele tinha sido implacável e zangado e amargo, mas agora,
este era o lugar menos favorito em seu reino.
Caronte esperou por eles, sua pele morena contrastando com suas vestes
brancas. Ele era um daimon – uma criatura divina que transportava almas
através do rio Estige. Ele encontrou o olhar de Hades antes de deslizar para
Perséfone, seus olhos escuros brilhando com curiosidade. Sob seu olhar,
Perséfone começou a retirar a mão da dele, mas o aperto de Hades aumentou.
Ele a guiou em direção ao seu trono, manifestando um menor ao lado dele,
composto das mesmas bordas irregulares, mas em marfim e ouro.
Gesticulou para que ela se sentasse e sabia que ela estava prestes a
protestar.
— Você é uma deusa. Você vai se sentar em um trono.
Essas palavras eram semelhantes ao que estava realmente pensando. Você
será minha esposa e rainha. Você vai se sentar em um trono.
Ela não protestou. Depois que ela se sentou, Hades sentou-se também,
voltando sua atenção para o daimon.
— Caronte, a que devo a interrupção? — perguntou ele.
— Você é o Caronte?
A mandíbula de Hades se apertou, não apenas com a interrupção da deusa,
mas com a evidente admiração na expressão e no tom. Era verdade que
Caronte não era como o mundo superior o representava. Era régio, um filho
de deuses – não um esqueleto ou um velho – e estava prestes a enfrentar uma
temporada no Tártaro se não tirasse aquele sorriso do rosto.
— Sou, de fato, minha senhora.
— Por favor, me chame de Perséfone — ofereceu ela, seu sorriso
combinando com o dele.
— Minha senhora está bom — interrompeu Hades. Seu povo não a
chamaria por seu nome de batismo. — Estou ficando impaciente, Caronte.
O barqueiro abaixou a cabeça, provavelmente para esconder uma risada e
não por respeito, mas quando olhou para Hades novamente, sua expressão era
séria.
— Meu senhor, um homem chamado Orfeu foi pego entrando
sorrateiramente em minha balsa. Ele deseja uma audiência com você.
Claro, ela pensou. Outra alma ansiosa para implorar pela vida – se não a
sua própria, a de outrem.
— Faça-o entrar. Estou ansioso para voltar à minha conversa com Lady
Perséfone.
Caronte convocou o mortal com um estalar de dedos. Orfeu apareceu de
joelhos diante do trono, com as mãos amarradas atrás das costas. Hades
nunca tinha visto o homem antes, e não havia nada particularmente notável
nele. Ele tinha o cabelo encaracolado que grudava no rosto, pingando água do
Estige. Seus olhos eram opacos, cinzentos e sem vida. Não era em sua
aparência que Hades estava interessado de qualquer maneira, era sua alma,
carregada de culpa. Agora isso o interessou, mas antes de olhar mais fundo,
ele ouviu a inspiração audível de Perséfone.
— Ele é perigoso? — perguntou ela.
Ela havia feito a pergunta a Caronte, mas o daimon olhou para ele em
busca de uma resposta.
— Você pode ver sua alma. Ele é perigoso? — perguntou Perséfone,
olhando para Hades. Não tinha certeza do que o deixara tão frustrado com a
pergunta dela. Talvez fosse sua compaixão?
— Não.
— Então, liberte-o dessas amarras.
Seu instinto era lutar contra ela, repreendê-la por desafiá-lo na frente de
uma alma, Caronte e Minta. Mas olhando nos olhos dela, vendo a alma da
deusa, como ela estava desesperada para ver a compaixão dele, ele cedeu e
libertou o homem das amarras. O mortal não estava preparado e caiu no chão
com o que Hades sentiu ser um ruído gratificante. Ao se levantar do chão, ele
agradeceu a Perséfone.
Hades rangeu os dentes. Onde está meu agradecimento?
— Por que você veio para o Submundo? — A pergunta de Hades foi mais
um latido. Estava achando difícil conter sua impaciência.
O mortal olhou nos olhos de Hades, sem medo. Impressionante… ou
arrogante. Hades não conseguia decidir.
— Vim pela minha esposa. Desejo propor um contrato – minha alma em
troca da dela.
— Eu não negocio almas, mortal — respondeu o deus.
O fato de sua esposa ter morrido foi um ato das Moiras. As três
consideraram sua morte necessária, e Hades não iria interferir.
— Meu senhor, por favor — Ele ergueu a mão para silenciar as súplicas
do homem. Nenhuma quantidade de explicação do equilíbrio divino ajudaria,
e assim Hades não tentaria. O mortal olhou para Perséfone.
— Não olhe para ela em busca de ajuda, mortal. Ela não pode ajudá-lo.
Poderia ter dado rédea livre a ela sobre seu mundo, mas ela não podia
tomar essas decisões.
— Fale-me de sua esposa — disse Perséfone.
As sobrancelhas de Hades se uniram com sua pergunta. Ele sabia que ela o
estava desafiando, mas qual era o objetivo dela?
— Qual era o nome dela?
— Eurídice — disse ele. Ela morreu um dia depois de nos casarmos.
— Sinto muito. Como ela morreu?
Hades deveria desencorajar essa conversa. Isso só daria esperança ao
homem.
— Ela foi dormir e não acordou.
Hades engoliu. Ele podia sentir a dor do homem, mas ainda havia culpa
pesando sobre sua alma. O que tinha feito com sua esposa? Por que sentia
tanta culpa por sua morte?
— Você a perdeu tão de repente. — Perséfone parecia tão triste, tão infeliz
pelo homem.
— As Moiras cortaram o fio da vida dela — disse Hades. — Não posso
devolvê-la aos vivos, e não negocio para devolver almas.
Notou os dedos delicados de Perséfone fechando-se em punho. Ela
tentaria atingi-lo? O pensamento o divertiu.
— Lorde Hades, por favor… — Orfeu arquejou. — Eu a amo.
Seus olhos se estreitaram e ele riu. Ele a amava, sim, ele podia sentir isso,
mas a culpa lhe dizia que o mortal estava escondendo algo.
— Você pode tê-la amado, mortal, mas não veio aqui por ela. Veio por
você mesmo. Não vou atender ao seu pedido. Caronte.
Hades recostou-se em seu trono enquanto Caronte obedecia ao seu
comando, desaparecendo com Orfeu. Ele devolveria o homem ao Mundo
Superior, onde ele pertencia, onde choraria como outros mortais por sua
perda.
No silêncio, Perséfone fervilhava. Ele sentiu sua raiva, ondulando. Depois
de um momento, ele falou:
— Você quer me dizer para abrir uma exceção.
— Você deseja me dizer por que não é possível — retrucou ela, e os lábios
de Hades se contraíram.
— Não posso abrir exceções, Perséfone. Você sabe quantas vezes sou
solicitado a devolver almas do Submundo?
Constantemente.
— Você mal quis escutá-lo. Eles ficaram casados por apenas um dia,
Hades.
— Trágico — disse ele, e era, mas Orfeu não era o único com esse tipo de
história. Ele não podia gastar tempo tendo pena de cada mortal cuja vida não
foi como esperava.
— Você é tão desalmado assim?
A pergunta o frustrou. — Não são os primeiros a ter uma triste história de
amor, Perséfone, nem serão os últimos, imagino.
— Você trouxe mortais de volta por menos — disse ela.
A declaração dela o surpreendeu. A que ela se referia?
— O amor é uma razão egoísta para trazer os mortos de volta. — Ela
ainda não tinha aprendido que os mortos eram realmente favorecidos.
— E a guerra não é?
Hades sentiu seu olhar ficar sombrio. A raiva que suas palavras inspiraram
queimou através dele. — Você fala sobre o que não sabe, Deusa.
As barganhas que ele havia feito para devolver os heróis da guerra
pesavam muito sobre ele, mas a decisão não foi tomada de ânimo leve, e ele
não tinha sido influenciado por deuses ou deusas. Olhou para o futuro e viu o
que estava por vir se não concordasse. O sacrifício era o mesmo: uma alma
por uma alma. Fardos que ele carregaria para sempre. Fardos que estavam
gravados em sua pele.
— Diga-me como você escolhe lados, Hades — disse ela.
— Não escolho — falou entredentes.
— Assim como você não ofereceu outra opção a Orfeu. Teria sido abrir
mão de seu controle oferecer a ele pelo menos um vislumbre de sua esposa,
segura e feliz no Submundo?
Não havia pensado nisso, e também não teve muito tempo para pensar no
momento, porque Minta falou.
Ele havia esquecido que a ninfa ainda estava na sala.
— Como você ousa falar com Lorde Hades…
— Basta — Hades a interrompeu e se levantou. Perséfone o seguiu. —
Terminamos aqui.
— Devo acompanhar Perséfone até a saída? — perguntou Minta.
— Você pode chamá-la Lady Perséfone — retrucou ele. — E não. Nós não
terminamos.
Ele registrou o choque dela por apenas um momento antes de se virar para
Perséfone. Ela não estava olhando para ele, mas vendo Minta partir. Ele
chamou a atenção da deusa, seus dedos tocando o queixo dela.
— Parece que você tem muitas opiniões sobre como gerencio meu reino.
— Você não mostrou compaixão por ele — disse ela, e sua voz tremeu.
Compaixão? Não se lembrava do tempo que passaram no jardim? Quando
ele lhe mostrou a verdade do Submundo? Não era compassivo usar sua magia
para que suas almas pudessem viver uma existência mais pacífica?
— Pior, você zombou do amor que ele tinha por sua esposa.
— Eu questionei seu amor. Não zombei dele.
— Quem é você para questionar o amor?
— Um deus, Perséfone.
A culpa daquele homem não era à toa.
Ela estreitou os olhos. — Todo esse poder, e você não cria nada com ele,
apenas sofrimento.
Hades se encolheu. Não podia evitar; as palavras dela eram como facas.
— Como você pode ser tão apaixonado e não acreditar no amor?
Ele riu amargamente e disse:
— Porque a paixão não precisa de amor, querida.
Havia dito a coisa errada. Sabia antes que as palavras saíssem de sua boca,
mas estava com raiva e as suposições dela o fizeram querer machucá-la da
única maneira que podia: com palavras, e funcionou. Os olhos dela se
arregalaram e ela deu um passo para longe como se não pudesse suportar
estar tão perto.
— Você é um deus implacável!
Ela desapareceu e ele a soltou. Se não o tivesse acusado de apenas ferir os
outros, poderia ter tentado ajudá-la a entender seu lado das coisas, poderia até
ter-lhe dito sobre a culpa que ele percebia na alma de Orfeu, mas não
conseguiu fazê-lo.
Que ela pense o pior.
13
REDENÇÃO

Hades estava diante do terreno desolado que havia dado a Perséfone. O solo
ainda estava seco como osso, sem sinais de vida.
Ela não vinha há quatro dias. Não voltara para visitar Hécate ou Asfódelo
ou regar o jardim.
Não voltara para ele.
Você é um deus implacável.
As palavras dela ecoaram em sua cabeça, amargas e raivosas e…
verdadeiras. Ela estava certa.
Ele era implacável.
A evidência estava ao seu redor, e ele a via agora, de pé no jardim do
palácio, cercado por belas flores e árvores exuberantes. Estava na ilusão de
beleza que ele mantinha, nas caridades que apoiava, nas barganhas que fazia.
Foi sua tentativa de apagar a vergonha que sentia por quem fora: um deus
impiedoso, sem coração, desconfiado.
— Por que você está deprimido? — A voz de Hécate veio de trás dele.
— Não estou deprimido — disse Hades, virando-se para encarar a deusa.
Cérbero, Tifão e Ortros sentaram-se obedientemente a seus pés. Usava uma
túnica sem mangas, de cor carmesim, e seu cabelo longo e grosso estava em
uma trança.
Hécate arqueou a sobrancelha. — Parece que você está deprimido.
— Estou pensando — disse ele.
— Em Perséfone?
Hades não respondeu no mesmo instante. Depois de um tempo, disse:
— Ela acha que sou cruel.
Explicou o que havia acontecido na sala do trono, reconhecendo sua
tendência de barganhar – isso por aquilo –, não de fazer concessões.
Perséfone estava certa, ele poderia ter oferecido a Orfeu um vislumbre de
Eurídice no Submundo. Talvez tivesse descoberto, então, por que o mortal
sentia tanta culpa por sua morte.
— Ela não disse que você era implacável pelas razões que você pensa —
disse Hécate.
O deus encontrou os olhos escuros. — Como assim?
— Perséfone espera encontrar amor, assim como você, Hades, e em vez de
confirmar isso, você zombou dela. Paixão não requer amor? O que você
estava pensando?
O rosto de Hades estava quente, e ele fez uma careta. Ele odiava sentir,
especialmente constrangimento.
— Ela é… frustrante!
— Você também não é flor que se cheire. — Hécate nivelou seu olhar.
— Diz a bruxa que usa veneno para resolver todos os problemas —
resmungou Hades.
— É muito mais eficaz do que ficar deprimido.
— Não estou deprimido! — falou Hades bruscamente e então suspirou,
apertando a ponte de seu nariz. — Desculpe, Hécate.
Ela lhe ofereceu um meio sorriso. — Diga-me o que você teme, Hades.
Levou um momento para encontrar as palavras, porque ele realmente não
sabia.
— Que ela esteja certa — declarou ele — Que ela não veja em mim nada
além do que sua mãe disse.
— Bem, para sua sorte, Perséfone não é a mãe dela. Uma verdade que é
tão importante para você lembrar.
Supôs que era tão injusto continuar comparando-a com Deméter quanto
era para Perséfone compará-lo com as palavras de Deméter, mas havia uma
parte dele que se perguntava por que ele agonizava. Era apenas uma questão
de tempo até que as Moiras levassem suas tesouras para esses fios que os
mantinham entrelaçados.
— Se você quer que ela entenda, você deve compartilhar mais.
— E dar a ela mais assunto para os artigos que ela quer escrever? Acho
que não.
Ainda estava frustrado com sua visita a Nevernight, apenas para descobrir
que ela estava lá para acusá-lo de destruir vidas mortais.
Hécate ergueu uma sobrancelha. — Eu nunca vi você se importar com o
que as outras pessoas pensam, Hades.
E agora sabia por que nunca se preocupou antes: porque se importar era
um incômodo.
— Ela será minha esposa — disse Hades.
— E isso não dá a ela o direito de conhecê-lo de maneira diferente de
qualquer outra pessoa? — Hécate perguntou. — Com o tempo, ela vai
aprender mais sobre você – como você pensa, como você se sente, como você
ama – mas ela não pode se você não se comunicar. Comece com Orfeu.

Quando Hades voltou ao castelo, ele encontrou Tânatos esperando por ele
em seu escritório. O Deus da Morte parecia mais pálido do que o normal, os
olhos vibrantes sem brilho, os lábios vermelhos sem cor. Normalmente, ele
tinha uma presença calmante, mas Hades podia sentir o desconforto, e ele o
compartilhou.
— Tivemos outro — disse Tânatos.
De alguma forma, Hades sabia o que o deus diria, mesmo antes de abrir a
boca. Foi como Hades antecipou: Sísifo não se contentou em apenas evitar a
morte iminente. Ele queria evitar a morte completamente.
— Quem desta vez? — perguntou Hades.
— Seu nome era Éolo Galani.
Hades ficou quieto por um momento, atravessando a sala até a mesa. Era
uma tentativa de afastar-se um pouco da fúria que sentia pelo mortal que
estava desafiando a morte e prejudicando outros.
— A alma?
Tânatos balançou a cabeça.
Hades bateu os punhos na mesa. Uma fissura apareceu no centro da
obsidiana perfeita e brilhante. Os dois deuses ficaram em silêncio por um
momento enquanto cada um deles processava como seguir em frente.
— Que ligação ele tem com Sísifo?
— Há apenas uma. Ambos eram membros da Tríade — respondeu
Tânatos. Nossas fontes dizem que Éolo era um membro elevado da
organização.
Hades franziu as sobrancelhas. Entendia os motivos de Sísifo para matar
Alexandre. Era um subalterno cujo vício o levou a uma dívida. Sísifo o via
como descartável, mas um membro de alto escalão da Tríade era diferente. A
morte tinha sido uma declaração de guerra. O que motivara Sísifo? Teria
descoberto sobre o encontro de Hades com Poseidon? Estaria enviando uma
mensagem? Achava-se invencível agora que estava de posse da relíquia?
— As Moiras? — perguntou Hades depois de um momento.
— Furiosas.
Não tinha certeza do motivo de ter perguntado; sabia que estariam em
alvoroço. Não visitava a ilha desde que devolvera a tesoura de Átropos, e
mesmo isso fora uma provação. Assim que entrou, as três começaram a dar-
lhe sermões e fazer ameaças. Só podia imaginar como soariam agora,
gemendo em um coro horrendo, ameaçando Hades da única maneira que
sabiam: desfazer o que ele sempre quis.
Ele já estava fazendo um bom trabalho por conta própria.
— O que faremos? — perguntou Tânatos, e sua voz estava calma, cheia de
uma melancolia que Hades sentiu em seu peito.
Virou-se, ajeitou a gravata e abotoou o paletó.
— Convoque Hermes — respondeu Hades.
Tânatos franziu as sobrancelhas pálidas. — Hermes? Por quê?
— Porque eu tenho uma mensagem para enviar — disse Hades.
Para a sorte de Hermes, isso nem exigiria palavras.

Hades deixou o Submundo e se teletransportou para Nevernight. Esperava


fazer suas rondas habituais, vagando sem ser visto entre os mortais e
humanoides que se amontoavam no andar de baixo, enviando sua equipe para
entregar senhas para o salão acima, antes de subir para barganhar; exceto que,
quando chegou, foi convocado para a sacada por Ilias.
— Meu senhor — disse o sátiro quando Hades se aproximou.
— Sim, Ilias?
Ele acenou para algo à distância, e os olhos de Hades se estreitaram
enquanto o seguia.
— Aquela ninfa. Acredito que ela é uma das de Deméter, está aqui para
espionar Perséfone.
Deméter tinha todos os tipos de ninfas a seu serviço – alseídes, dafnaias,
melíades, náiades e crineias –, mas esta era uma dríade, uma ninfa de
carvalho. Usava uma ilusão, provavelmente esperando que passasse
despercebida, mas Hades podia ver sua pele verde sob a magia. Mesmo que
sua natureza não fosse aparente, era óbvio que estava tramando algo. Seus
olhos desconfiados percorriam a multidão. Estava claramente procurando por
alguém.
— Lady Perséfone chegou? — perguntou Hades, mantendo seu tom
neutro, e ainda depois da conversa embaraçosa que tivera com Hécate em seu
jardim, não pôde deixar de ficar esperançoso.
— Sim — respondeu Ilias, e Hades sentiu uma mistura de alívio e tensão
crescer dentro dele de uma vez, um empurrão e um puxão que o deixou
ansioso para vê-la. — A ninfa a seguiu. Eu não a impedi de entrar, pois achei
que o senhor pudesse querer falar com ela.
— Obrigado, Ilias — disse Hades — Retire-a do salão.
A pedido de Hades, Ilias falou em seu microfone. Em segundos, dois
ogros emergiram das sombras. Os olhos da ninfa se arregalaram com a
aproximação deles, um de cada lado. Houve uma breve troca, mas ela não
resistiu e permitiu que as duas criaturas a acompanhassem na escuridão da
casa noturna. Deixá-la-iam em uma pequena sala sem janelas para esperar até
que Hades estivesse pronto para confrontá-la.
— Você sabe o que fazer — disse Hades. — Estarei lá em breve.
Ilias realizaria uma verificação de antecedentes da ninfa, descobriria seu
nome, seus associados e sua família. Era uma espécie de ardil, uma maneira
de armar palavras para que Hades pudesse obter o que queria da ninfa – para
que ela desafiasse sua senhora.
— Ah, e Ilias: marque um encontro com Katerina quando terminar.
Katerina era a diretora da Fundação Cipreste, organização sem fins
lucrativos de Hades. Se ele ia ajudar os mortais da maneira que Perséfone
desejava, teria que criar algo especial, e sabia exatamente quando revelar o
projeto – no próximo Baile Olímpico.
Saiu da sacada e invocou sua ilusão, movendo-se sem ser visto pelo salão
da Nevernight em busca de Perséfone. Ela tinha que estar na casa noturna,
porque ele havia selado as entradas do Submundo para impedi-la de ir e vir
sem seu conhecimento.
Enquanto ele procurava nas sombras, ele encontrou Minta, que estava
discutindo com Mekonnen. Hades revirou os olhos; não havia nada de
incomum nisso. A ninfa brigava com todos os funcionários.
— Nós não somos uma caridade! — dizia Minta.
— Ela não está pedindo caridade. — Apesar da raiva de Minta, Mekonnen
permaneceu calmo. Era uma característica que Hades admirava no ogro que
havia colocado à disposição de Duncan.
— Ela está pedindo o impossível. Hades não perde seu tempo com mortais
de luto.
Havia verdade nisso e, ainda assim, ouvir as palavras em voz alta, ouvi-las
ditas em um tom tão descuidado e tão grosseiro, enviou uma lança direto em
seu coração. Havia soado dessa forma ao dispensar Orfeu? Não admira que
Perséfone tenha ficado horrorizada.
De repente, ele estava em desacordo com a maneira como Minta e
Perséfone o viam, pois lhe ocorreu que elas pensavam da mesma forma.
Minta esperava que ele recusasse um mortal em apuros, e Perséfone supunha
o mesmo.
— Desde quando você decide o que Hades considera digno, Minta? —
perguntou Mekonnen, e Hades sentiu verdadeiro apreço pelo ogro.
— Uma pergunta para a qual gostaria muito de ouvir a resposta — disse
Hades, saindo da sombra.
Minta virou-se para enfrentar Hades, a surpresa em seu rosto evidente em
suas sobrancelhas levantadas e lábios entreabertos. Claramente, não tinha
tanta confiança falando em seu nome quando seu senhor estava presente.
— Meu senhor — disse Mekonnen, inclinando a cabeça.
— Eu ouvi certo, Mekonnen? Há uma mortal aqui para me ver?
— Sim, meu senhor? É uma mãe. A filha está na UTI do Hospital Infantil
Asclépio.
Hades fechou a boca em uma linha sombria. A Fundação Asclépio era
uma de suas instituições de caridade. Havia facetas em ser o Deus dos Mortos
que não gostava, e uma delas era a morte de crianças. Por mais que
entendesse o equilíbrio da vida, nunca aceitaria que a morte de crianças fosse
necessária.
— A criança ainda não se foi, meu senhor.
— Leve-a até meu escritório — instruiu Hades. Começou a se afastar, mas
parou. — E Minta, eu sou seu rei, e você deve se dirigir a mim como tal. Não
deve falar em meu nome.
Hades cruzou o salão de sua casa noturna com Minta em seus calcanhares.
A ninfa agarrou seu braço, e Hades se virou para encará-la.
— Você esquece seu lugar — sibilou.
Ela nem se mexeu, apenas olhou furiosa. Não se deixou intimidar pela
raiva dele, nem sentiu medo da ira.
— Em qualquer outro momento, você teria concordado comigo! —
retrucou ela.
— Nunca teria concordado com você — disse ele. — Você supõe
entender como eu penso. Claramente, não entende.
Virou-se e subiu as escadas, mas a ninfa continuou a segui-lo.
— Sei como você pensa — disse a ninfa. — A única coisa que mudou é
Per…
Hades se virou para ela novamente e levantou a mão. Ele não tinha certeza
do que pretendia fazer, mas acabou cerrando o punho.
— Não diga o nome dela. — As palavras escorregaram entre seus dentes,
e ele girou, abrindo a porta do escritório.
Sentiu Perséfone e Hermes lá dentro, mas não os viu. Anos de existência
em batalha o impediram de hesitar na porta, mas estava no limite e não podia
negar que pensar neles escondidos nesta sala juntos o descontrolava.
Por que eles estão aqui juntos para começar? É por isso que não a
localizara no salão antes?
Cerrou os dentes com mais força do que o necessário.
— Você está perdendo seu tempo! — falou Minta, puxando-o de seus
pensamentos e redirecionando sua frustração. Perguntou-se a que ela estava
se referindo – a mortal ou Perséfone?
— Meu tempo não é finito para que eu o perca — retrucou Hades.
Os lábios de Minta se apertaram. — Isto é uma casa de jogos. Os mortais
negociam por seus desejos, eles não fazem pedidos ao Deus do Submundo.
— Esta casa é o que eu digo que é.
A ninfa olhou feio. — Você acha que isso vai convencer a deusa a pensar
melhor de você?
Seus olhos se estreitaram, e ele rosnou:
— Eu não me importo com o que pensam de mim, e isso inclui você,
Minta. Ouvirei a oferta dela.
A expressão severa dela relaxou, olhos arregalados, e ela ficou em um
silêncio atordoado por um momento antes de sair sem dizer nada.
Hades estava feliz por ter alguns segundos para controlar sua raiva, e era
ainda mais importante fazê-lo agora, porque sabia que tinha uma audiência.
As magias de Perséfone e Hermes roçavam as bordas da sua, inflamando seu
sangue de uma forma que o fez querer se enfurecer, mas antes que pudesse
piorar, as portas de seu escritório se abriram e uma mulher mortal entrou.
Estava desgrenhada, como se tivesse se vestido às pressas. O decote de seu
suéter caía em um ombro, e usava um casaco comprido que fazia seu corpo
parecer um balão. Apesar de sua aparência casual, manteve a cabeça erguida,
e ele sentiu determinação sob seu espírito quebrado.
Ainda assim, ela congelou quando o viu, e ele odiou a forma como isso fez
seu peito se apertar. Sabia por que era o inimigo do Mundo Superior: porque
carregava a culpa por levar todos os entes queridos embora, porque não tinha
feito nada para contradizer aquelas crenças antigas sobre seu reino infernal;
mas isso nunca o incomodara até esta noite.
— Você não tem nada a temer.
Sua voz tremeu e ela riu. — Disse a mim mesma que não hesitaria. Que
não iria deixar o medo me vencer.
Hades inclinou a cabeça para o lado. Houve muito poucos momentos em
sua vida em que sentiu verdadeira compaixão por um mortal, mas agora
sentia por esta mulher. O cerne de sua alma era bom e gentil e… simples. Ela
não queria nada além de paz, e ainda assim ela tinha o oposto.
Hades falou em voz baixa. — Mas você tem tido medo. Por um longo
período.
A mulher assentiu com a cabeça, e lágrimas escorreram pelo seu rosto.
Secou as lágrimas ferozmente, as mãos tremendo, e novamente riu, nervosa.
— Eu disse a mim mesma que não choraria também.
— Por quê?
— Os Divinos não se comovem com minha dor.
Ela estava certa, ele não se comoveu com sua dor, mas se comoveu com
sua força.
— Suponho que não posso culpá-lo — continuou a mulher. — Eu sou uma
em um milhão, suplicando por uma graça para mim mesma.
Ela era uma de um milhão que tinha feito o mesmo pedido e, no entanto,
este ainda era diferente.
— Mas você não está suplicando para si mesma, está?
A boca da mulher tremeu, e ela respondeu em um sussurro:
— Não.
— Diga.
— Minha filha. — As palavras foram um soluço, e ela cobriu a boca com
a mão para reprimir sua emoção. Depois de um momento, ela continuou,
limpando o rosto. — Ela está doente. Pinealoblastoma. É um câncer
agressivo.
Ele estudou a mulher; a dor morava dentro de sua alma quebrada. Ela
tinha lutado para conceber. Depois de vários abortos devastadores e
tratamentos dolorosos, ela finalmente conseguiu o que queria: uma menina
perfeita. Mas aos dois anos, ela começou a ter problemas para andar e ficar
em pé, e toda a euforia que a mulher sentia se transformou em desespero.
Ainda assim, sob aquela tristeza horrível, sentia a esperança que ela ainda
tinha para sua filha, os sonhos que ainda tinha para a criança. A mulher lutou
para ter essa criança, e lutaria para mantê-la na Terra, mesmo que isso a
matasse.
E isso a mataria.
Hades apertou os punhos com o pensamento.
— Quero vender minha vida em troca da dela.
Muitos mortais haviam oferecido o mesmo, a vida de um que amavam por
outro, e ninguém queria mais isso do que as mães que imploravam a seus pés.
Ainda assim, ele nunca aceitara.
— Meus contratos não são para almas como a sua.
— Por favor — sussurrou a mulher. — Darei qualquer coisa. O que quiser.
Uma risada sem humor escapou dele. O que você sabe sobre o que eu
quero? ele queria dizer enquanto seus pensamentos se voltavam para
Perséfone.
— Você não pode me dar o que eu quero.
A mulher piscou e pareceu chegar a algum tipo de conclusão tácita,
porque abaixou a cabeça entre as mãos e seus ombros tremiam enquanto
soluçava.
— Você era minha última esperança. Minha última esperança.
Hades se aproximou dela, colocou os dedos sob seu queixo e ergueu sua
cabeça. — Não vou fazer um contrato com você porque não desejo tirar nada
de você. Isso não significa que não irei ajudá-la.
A mulher inalou bruscamente, seus olhos se arregalando, em choque com
as palavras de Hades.
— Sua filha tem meu favor. Ela ficará bem, e será tão corajosa quanto a
mãe, eu acho.
— Ah, obrigada! Obrigada! — Ela jogou os braços ao redor dele. Ele
endureceu, não esperando que ela reagisse de forma física, mas depois de um
momento, abraçou-a de volta antes que ele a afastasse. — Vá. Cuide de sua
filha.
A mulher deu alguns passos para trás. — Você é o deus mais generoso.
Os lábios de Hades se contraíram quando ele riu. — Vou alterar minha
declaração anterior. Em troca do meu favor, você não dirá a ninguém que a
ajudei.
As sobrancelhas da mulher se ergueram. — Mas…
Ele ergueu a mão para silenciá-la. Tinha suas razões para pedir anonimato,
entre elas que essa oferta poderia ser mal interpretada. Ele pôde oferecer-lhe
a garantia de que sua filha ficaria bem porque ela ainda não estava morta,
apenas no limbo. Não era o mesmo que Orfeu pedindo o retorno de Eurídice
ao Mundo Superior.
Hades tinha mais controle sobre as almas no limbo porque eram como
curingas, seu destino era indeterminado. Havia várias razões para isso: às
vezes o destino original precisava mudar e as Moiras usavam o limbo como
um mecanismo para alterar vidas; às vezes a própria alma não sabia se
desejava viver ou morrer, e o limbo era uma maneira de dar-lhes um tempo
para decidir.
Finalmente, ela assentiu e então abriu um sorriso, as lágrimas ainda
escorrendo pelo rosto.
— Obrigada. — Ela se virou. — Obrigada!
Hades observou a porta depois que ela saiu, a satisfação que sentiu em
ajudar a mortal se dissolvendo em algo desagradável assim que ficou
sozinho, Hermes e Perséfone ainda escondidos em seu escritório. Virou-se,
sua magia crescendo, e forçou os dois para fora do espelho sobre sua lareira.
Hermes, tendo estado nestas situações inúmeras vezes, preparou-se e pousou
de pé. Perséfone não teve tanta sorte. Ela caiu de quatro com um baque alto.
— Rude — disse Hermes.
— Poderia dizer o mesmo — respondeu Hades, seus olhos rapidamente
mudando para Perséfone enquanto ela se levantava, limpando as mãos e os
joelhos. Parecia diferente, mas supôs que era por causa de como estava
vestida. Usava blusa branca e calça preta, e seu cabelo estava em um coque
no topo de sua cabeça, expondo sua mandíbula angulosa e seu pescoço
gracioso. Gostou de vê-la assim. Parecia… confortável.
— Ouviu tudo o que você queria? — perguntou a ela.
Ela olhou feio. — Eu queria ir para o Submundo, mas alguém revogou
meu favor.
Ele não havia revogado seu favor; ele apenas a impedira de entrar no
Submundo antes que tivesse a chance de falar com ela. Infelizmente, ele
agora precisava falar com Hermes, e sem audiência.
Ele se voltou para o Deus da Trapaça. — Eu tenho um trabalho para você,
mensageiro.
Hades estalou os dedos e enviou Perséfone para o Submundo. Hermes
ergueu uma sobrancelha, parecendo particularmente crítico.
— O quê? — retrucou Hades.
— Você poderia ter lidado melhor com isso.
— Não pedi sua opinião.
— Não é opinião, é fato. Até mesmo Hécate concordaria comigo.
— Hermes… — avisou Hades.
— Eu posso convocá-la para provar minha teoria.
— Você está em meu território, Hermes, não esqueça.
— E eu sou seu mensageiro, não esqueça.
Eles olharam um para o outro. Receber conselhos de Hermes sobre
relacionamentos era como pedir o mesmo a Zeus – inútil.
— Sorte minha que não são suas habilidades de mensageiro que estou
procurando, Deus dos Ladrões.
14
UMA BATALHA DE FORÇA DE
VONTADE

Enquanto Hades ia para o Submundo, sentiu o peito apertar com culpa. Era
como ter pedras empilhadas em seu corpo, e ele pensou nas palavras de
Hermes. Você poderia ter lidado melhor com isso. Mas enquanto considerava
suas ações, não via outro caminho. Estava pedindo a Hermes que roubasse e
preferia não se explicar para Perséfone, mesmo que achasse que tinha boas
razões.
Mas ele agonizava. Era este um momento em que ele deveria ter se
comunicado? Deveria ter contado a ela toda a história por trás da missão que
havia atribuído a Hermes? Que queria que o Deus da Trapaça interceptasse
todos os carregamentos de Sísifo? Com isso, Hades pretendia desmantelar
seu império. Ou bastaria pedir-lhe que lhes desse um momento de
privacidade?
E com esse pensamento, ele de repente entendeu por que não havia feito
tal oferta: ela essencialmente o espionara, e ele reagiu com raiva em vez de
ser calmo e racional.
Ele gemeu.
Era um maldito desastre nisso.
Ainda assim, foi procurá-la e a encontrou na biblioteca. Estava na ponta
dos pés, as mãos apoiadas ao lado de uma bacia na qual estava contido um
mapa do Submundo. Ela se inclinou cada vez mais perto da superfície
aquosa, e o movimento deixou Hades ansioso porque a bacia também
funcionava como um portal. Um toque e ela seria transportada para outro
local no Submundo. Normalmente, isso não o preocuparia tanto porque ele
poderia recuperá-la rapidamente, exceto que ele sabia como sua mente
funcionava e as chances eram de que ela acabasse caindo nas águas
flamejantes do Flegetonte.
Ele escolheu aquele momento para anunciar sua presença.
— A curiosidade é uma qualidade perigosa, minha senhora.
Perigosa. Exasperante. Excitante. Era multifacetada e tinha seu lugar, mas
ele preferia que ela estivesse curiosa sobre outras coisas, como ele próprio.
Ela se virou para encará-lo, seus lindos olhos verdes se arregalando. Sua
mão foi para seu coração, e os olhos de Hades caíram para seus seios
perfeitos. Por um momento, tudo o que ele podia focar era o endurecimento
de seus mamilos, esticando contra seu top branco.
— Não me chame de minha senhora — retrucou, e então olhou de volta
para a bacia. — Eu… Este mapa do seu mundo não está completo.
Hades avançou. Gostava do modo que ela precisava inclinar a cabeça para
trás apenas para retribuir seu olhar. Parou a centímetros dela, desejando
diminuir ainda mais a distância, desejando erguê-la em seus braços e fazer
amor com ela contra esta bacia. Talvez eles caíssem e se encontrassem entre a
flora do Submundo. Deuses, como ansiava por tomá-la sob seu céu.
Sua respiração afiada o tirou de seus pensamentos carnais, e seu olhar se
moveu para a água. Ela se virou para olhar o mapa, de costas para ele agora.
Esta posição não era melhor. A partir daqui, poderia passar o braço em volta
da cintura dela e colar o corpo dela novamente em seu peito, pressionar
beijos em seu pescoço enquanto sua outra mão explorava, percorrendo seus
seios, descendo pelo abdome e entre as coxas.
Sacudiu a cabeça, tentando espantar esses pensamentos.
— O que você vê?
— Seu palácio, Asfódelo, o Rio Estige e o Lete… e só. Onde estão os
Campos Elísios? O Tártaro?
Ele sorriu para sua ânsia de entender o Submundo, mesmo que uma parte
dele se sentisse desconfortável. Se ele pudesse evitar, ela nunca exploraria as
montanhas e cavernas do Tártaro. Essa parte de seu reino era uma
manifestação de sua alma – escura e angustiante.
— O mapa os revelará quando você conquistar o direito de saber.
— O que você quer dizer com conquistou?
— Apenas aqueles em quem mais confio podem ver este mapa na sua
totalidade. — O mapa era uma verdadeira arma, e Hades dava acesso a
poucos; entre eles, Tânatos e Hécate.
— Quem pode ver o mapa completo? — Então sua voz se apertou, e seus
olhos se estreitaram desconfiados. — Minta pode ver?
O ciúme dela o interessou, e ele não pôde deixar de incitá-la. — Isso a
incomodaria, Lady Perséfone?
— Não — disse rapidamente, e deixou os olhos caírem para onde suas
mãos descansavam na bacia.
Estava mentindo. Ele podia perceber na inflexão de sua voz e na
linguagem de seu corpo, e saborear a mentira no ar entre eles. Ele deveria
desafiá-la, tanto quanto fez no dia em que ela veio para Nevernight para
exigir respostas por suas barganhas. Você poderia falar sobre como você
enrubesce da cabeça aos pés na minha presença e como eu faço você perder
o fôlego? Pôde apontar que ela não havia colocado espaço entre eles desde
que ele se aproximou, que estava se inclinando para mais perto dele enquanto
falavam, arqueando as costas de uma forma que chamava a atenção para suas
curvas.
Isso o fez querê-la ainda mais, e sabia que se a beijasse agora, ela o
deixaria tomá-la. O intercurso seria rude, rápido e desesperado, e cheio de
arrependimento.
Não podia amá-la e tê-la mentindo para ele, então virou-se, precisando de
distância, e recuou para as estantes, mas ela o seguiu, sufocando-o com seu
calor e seu cheiro.
Ela lutou para acompanhar o passo dele, ofegando: — Por que você
revogou meu favor?
— Para ensinar uma lição — respondeu sem olhar para ela.
— Para não trazer mortais para o seu reino? — Achou estranho que seus
pensamentos fossem para Adônis e não para Orfeu. Não tinha certeza do que
fazer com isso.
— Para não ir embora quando você está com raiva de mim — disse ele.
— Perdão?
Ela parou, deixando de lado os livros que carregava, e Hades se virou para
encará-la. Seu coração disparou, e ele questionou se poderia ter essa
conversa.
— Você me parece alguém que tem muitas emoções e nunca foi ensinada
a lidar com todas elas, mas posso lhe garantir que fugir não é a solução.
Só que eu não sou um bom exemplo nesse caso, pensou. Estava dando este
discurso tanto para si mesmo quanto para ela.
— Eu não tinha mais nada a dizer a você.
— Não se trata de palavras — declarou, frustrado, e então fez uma pausa
para respirar um pouco antes de explicar —, prefiro ajudá-la a entender
minhas motivações do que você me espionar.
— Não era minha intenção espionar — disse ela. — Hermes…
— Sei que foi Hermes quem a puxou para dentro do espelho — disse ele.
Não se tratava do espelho. Tratava-se de mudar sua opinião sobre ele. — Não
desejo que você saia e fique com raiva de mim.
Ela balançou a cabeça levemente, franzindo as sobrancelhas, e perguntou:
— Por quê?
— Porque… — Sentiu-se estúpido. Em todas as suas vidas, ele nunca teve
que se explicar. — É importante para mim. Prefiro explorar sua raiva. Prefiro
ouvir seu conselho. Desejo entender sua perspectiva.
Ela começou a falar de novo, e ele sabia o que ela iria perguntar. Por quê?
Então, ele respondeu: — Porque você viveu entre os mortais. Você os
entende melhor do que eu. Porque você é compassiva.
Ela desviou o olhar, um leve rubor em sua face. Depois de um momento,
ela perguntou em tom calmo: — Por que você ajudou a mãe esta noite?
— Porque eu quis — retorquiu, e quase podia sentir os olhos de Hécate
revirando. Você pode fazer melhor do que isso. Eu disse para se comunicar!
— E Orfeu?
Hades suspirou, esfregando os olhos com o indicador e o polegar. Hécate
estava certa; ele tinha que explicar melhor.
— Não é tão simples. Sim, tenho a capacidade de ressuscitar os mortos,
mas não funciona com todos, especialmente quando as Moiras estão
envolvidas. A vida de Eurídice foi interrompida pelas Moiras por um motivo.
Eu não posso tocá-la.
— Mas a garota?
— Ela não estava morta, apenas no limbo. Posso negociar com as Moiras
por vidas no limbo.
— O que você quer dizer com negociar com as Moiras?
— É uma coisa frágil — disse ele. — Se eu pedir às Moiras para poupar
uma alma, eu não posso decidir pela vida de outra.
Isso significava que outra vida no limbo seria tirada, algo em que Hades se
esforçou para não pensar neste momento.
— Mas… você é o Deus do Submundo!
Ele era, mas isso não significava que ele iria anular as decisões. Mesmo
que pudesse, ele aprendeu há muito tempo que há consequências para tais
ações, e alguns fardos que ele não estava disposto a suportar. Sempre havia
um propósito maior em ação e, para ele, interferir significaria ruína.
— E as Moiras são Divinas — disse ele. — Devo respeitar a existência
delas como elas respeitam a minha.
— Isso não parece justo.
— Não parece? Ou é porque não soa justo para mortais?
Os olhos de Perséfone brilharam, uma pitada da sua ilusão chamando a
atenção para sua pele. — Então, os mortais têm que sofrer pelo bem do seu
jogo?
— Não é um jogo, Perséfone. Muito menos meu — atirou de volta,
frustrado. Ele não tinha feito um bom trabalho explicando o equilíbrio do
Submundo? Ou será que ela realmente queria pensar o pior dele?
— Então, você ofereceu uma explicação para parte do seu comportamento,
mas e as outras apostas?
Hades abaixou a cabeça, suas sobrancelhas cobrindo os olhos, e deu um
passo à frente. Não gostou da pergunta dela. Havia respondido a isso, ela
ainda não estava satisfeita com sua resposta? Ou estaria zangada com sua
própria barganha? Esperava que ela recuasse em sua abordagem, mas ela não
o fez, permanecendo onde estava e erguendo o queixo em desafio.
— Você está perguntando por si mesma ou pelos mortais que alega
defender?
— Alego? — Novamente, aquela luz em seus olhos se agitou, e Hades
queria sorrir para ela.
Sim, minha rainha. Deixe-me alimentar esse fogo, desperte seu poder.
— Você só se interessou pelos meus empreendimentos depois que firmou
um contrato comigo. Era verdade. Ela teria começado essa caça às bruxas se
ele a deixasse sair de sua casa noturna desapegada?
— Empreendimentos? É disso que você chama me enganar
deliberadamente?
— Então trata-se de você.
— O que você fez é injusto. Não só para mim, mas para todos os
mortais…
— Eu não quero falar sobre mortais. Eu quero falar sobre você. — Hades
se inclinou mais perto, guiando Perséfone em direção à estante. Suas mãos a
enjaularam, uma de cada lado do rosto dela. — Por que você me convidou
para sua mesa?
Perséfone desviou o olhar, e os olhos de Hades baixaram para o pescoço
dela enquanto ela engolia. — Você disse que me ensinaria.
Ela sussurrou as palavras, que deslizaram por sua coluna, fazendo-o
estremecer, fazendo-o querer pressionar seu corpo contra ela, abrigar a
suavidade dela entre suas coxas.
— Ensinaria o quê, Deusa? — Seus lábios caíram para a pele de
Perséfone, e ele roçou o pescoço dela. Sentiu-a estremecer enquanto
sussurrava palavras na pele da deusa. — O que você realmente desejava
aprender?
— Cartas.
A palavra saiu em um suspiro, e o ar entre eles estava espesso, um peso
tangível cheio de pensamentos e fantasias eróticos. Sua cabeça caiu para trás,
apoiada na estante, e suas mãos agarraram as prateleiras como se estivesse
lutando contra seus próprios instintos e a voz em sua cabeça que ordenava
que o tocasse também.
Seus lábios exploraram, e quando pressionou um beijo contra seu esterno,
olhou para cima. — O que mais?
Ela encontrou o olhar dele então, olhos brilhantes e inquisitivos. Seus
lábios roçaram um no outro enquanto compartilhavam a respiração.
— Diga-me — implorou Hades.
Diga-me que você me quer, ele pensou, e vou tomá-la agora. Erguê-la-ia
em seus braços, separaria suas pernas e se estabeleceria entre elas. A fricção
liberaria sua paixão, sacudiria a terra e reverteria rios. Acabaria com mundos
e os começaria.
Mudaria tudo.
Ele esperou, e os olhos dela se fecharam quando seus lábios se separaram,
convidando os dele. Ela respirou fundo, seu peito subindo e descendo contra
o dele. Ele se inclinou, pronto para capturar sua boca quando ela admitisse a
verdade. Diga-me que você me deseja.
— Apenas cartas.
Ele se afastou rapidamente, apesar de seu desejo furioso, e tentou
mascarar sua frustração com a resposta dela. Levou algum esforço, e seus
dedos se fecharam em punhos, unhas perfurando suas palmas. A dor tornou
mais fácil, ajudando a se concentrar em algo diferente de seu membro duro
como aço.
Porra, ele pensou.
Se ela não confessasse seu desejo, ele não continuaria a fazer papel de
bobo.
— Deve estar querendo voltar para casa — disse, afastando-se dela e
deixando as estantes, parando para olhar para trás. — Você pode pegar esses
livros emprestados, se desejar.
Ela piscou, como se estivesse sob algum tipo de feitiço, antes de pegar os
livros e segui-lo até a parte principal da biblioteca.
— Como? Você retirou meu favor.
— Confie em mim, Lady Perséfone — disse, mantendo seu tom sem
emoção. — Se a tivesse despojado de meu favor, você saberia.
Seria doloroso, como a pele arrancada dos ossos.
— Então sou Lady Perséfone de novo? — A voz dela continha desprezo, e
ele se perguntou o que significaria essa resposta. Estaria brava com ele?
— Você sempre foi Lady Perséfone, quer opte por assumir seu sangue ou
não.
— O que há para assumir? — perguntou e não encontrou seu olhar. — Eu
sou uma deusa desconhecida, na melhor das hipóteses, e uma deusa menor.
Hades franziu a testa; essas crenças eram as grades que mantinham sua
verdadeira natureza enjaulada.
— Se é isso que você pensa de si mesma, nunca conhecerá seu poder.
Hades não tinha mais nada a dizer. Ele tinha uma ninfa para interrogar,
energia para gastar, e Perséfone deixou claro que queria ir embora. Começou
a reunir sua magia e se teletransportar para Nevernight, quando o comando
dela o parou.
— Não! Você pediu que eu não fosse embora quando estivesse com raiva,
e eu estou pedindo para não me mandar embora quando você estiver com
raiva.
Ele abaixou a mão. — Não estou com raiva.
— Então por que você me jogou no Submundo mais cedo? — perguntou
ela. — Por que me mandar embora?
— Eu precisava falar com Hermes — disse ele.
— E você não poderia dizer isso?
Ele hesitou.
— Não peça coisas de mim que você mesmo não pode me dar, Hades.
Ele a encarou. O questionamento o ajudou a entender algumas coisas
sobre ela. Havia ferido os sentimentos dela quando a deixou no Submundo
mais cedo. Sentira-se ignorada e descartada.
Somos iguais, ela disse em seu segundo encontro. Quando ela veio pedir
que sua marca fosse removida. Estava fazendo o mesmo apelo agora.
Depois de um momento, ele falou:
— Concederei essa cortesia.
Ela exalou, e Hades se perguntou se esperava que ele dissesse não. Sentiu
um aperto no peito com o pensamento.
— Obrigada.
Suas palavras o relaxaram, e ele estendeu a mão. — Venha, podemos
voltar para Nevernight juntos. Tenho… negócios inacabados lá.
Ela ajeitou os livros em seus braços e pegou a mão dele, e voltaram para
seu escritório. Seu olhar caiu sobre o espelho sobre a lareira e então vagou
para o dele.
— Como sabia que estávamos aqui? Hermes disse que não podíamos ser
vistos.
— Eu sabia que você estava aqui porque pude senti-la.
Ela estremeceu visivelmente e retirou a mão da dele. Hades lamentou a
ausência de seu calor. Ela pegou a mochila onde a havia deixado e a colocou
no ombro. No caminho para a porta, fez uma pausa. Ela parecia tão jovem,
tão bonita, emoldurada por suas portas douradas, e ele se perguntou o que
diabos ele estava fazendo.
— Você disse que o mapa só é visível para aqueles em quem você confia.
O que é necessário para ganhar a confiança do Deus dos Mortos?
— Tempo.

Hades saiu com Perséfone, apesar dos protestos dela. Sabia que ela temia
ser vista com ele, e realmente não podia culpá-la. A mídia era implacável e
obsessiva, e rastreavam deuses como presas, esperando por uma foto que
perpetuasse o sensacionalismo e as fofocas. Alguns de seus companheiros
Olimpianos adoravam a atenção, mas Hades tinha como objetivo evitá-los
completamente, chegando ao ponto de colocar guardas em sua rua, em
telhados e em edifícios ao redor de sua casa noturna para manter sua
privacidade.
— Antoni vai levá-la para casa — disse Hades, já tendo convocado o
ciclope. Estava do lado de fora do Lexus preto de Hades. Ele esperava que
Perséfone protestasse, mas ela olhou para ele, uma expressão gentil no rosto.
— Obrigada.
Entrou na parte de trás do carro, encontrando seu olhar pela janela
enquanto Antoni fechava a porta.
Vê-la partir foi diferente desta vez, como se eles tivessem encontrado algo
em comum. Como se estivessem mais perto de se entender… e sentiu-se
esperançoso.
Assim que seu carro estava fora de vista, Ilias se aproximou, entregando-
lhe um arquivo que havia criado sobre a dríade que seguiu Perséfone em sua
casa noturna. Ele deu uma olhada no conteúdo e o devolveu ao sátiro.
— Obrigado, Ilias — disse e desapareceu, aparecendo no pequeno quarto
onde a dríade tinha sido mantida. Ela gritou quando viu Hades e se encolheu
contra a parede, tremendo.
— Rosalva Lykaios. Assistente de Deméter. Engraçado que seu currículo
também não inclui espiã.
Ela falou baixinho, a voz trêmula. — P-Por favor, meu senhor…
— Serei breve — disse, cortando-a. — Você tem duas opções. Ou mente
para sua senhora e diz a ela que Perséfone não estava aqui esta noite, ou diz a
verdade.
Moveu-se na direção dela enquanto falava, e a garota se encolheu.
— Na primeira, você arrisca a ira de Deméter — disse ele. — Na segunda,
você arrisca minha ira.
— O senhor está me pedindo para fazer o impossível.
— Não — ele disse. — Estou perguntando, de qual de nós você tem mais
medo?
15
UM JOGO DE TRAPAÇA

Era cedo quando Hades caminhou até os estábulos do Submundo. Estavam


localizados na parte de trás de sua propriedade e eram tão grandiosos quanto
seu castelo. Pisos de mármore forravam um amplo corredor ladeado por baias
com portas pretas brilhantes. Hades tinha quatro cavalos pretos, Orfeneu,
Éton, Nicteu e Alastor, que ocupavam cada cercado, e quando ele apareceu,
eles relincharam, batendo no chão com seus cascos.
— Sim, sim, eu sei. Vocês estão definhando nestes estábulos e querem dar
uma corrida — disse enquanto eles reclamavam ruidosamente. — Vou
barganhar com todos vocês. Sejam bons enquanto escovo sua pelagem e
aparo seus cascos, e vou deixar vagarem pelo reino.
Eles bufaram em resposta: tinham um acordo. — Quem quer ir primeiro?
Ficaram quietos.
Tinham visto a guerra, assim como Hades, e representavam sua ira Divina.
Apesar de serem bem cuidados, seus espíritos eram selvagens, seus sonhos
assombrados. Eram atormentados, assim como Hades.
— Venham. Quanto mais esperam, mais longe estão da liberdade.
Isso chamou a atenção deles, e todos responderam ao mesmo tempo,
batendo nas portas de suas baias.
Hades abriu um sorriu e depois gargalhou. — Um de vocês vai ter que me
convencer.
Ele se esgueirou ao longo da passarela de mármore, parando em cada baia.
— Alastor? — questionou, e o cavalo gemeu. De todos os seus cavalos,
Alastor era o mais gentil, uma ironia, já que em batalha era conhecido como o
algoz. Sua memória era boa e ele nunca esquecia um inimigo.
— Orfeneu? — A fera ganiu.
— Éton? — O garanhão exalou com rudeza e bateu contra o portão, o
mais agressivo dos quatro.
— Nicteu? — O mais novo dos quatro bufou.
Hades riu e então se aproximou da baia de Éton. — Tudo bem, já que você
foi tão enfático.
Ele abriu o portão, levando a fera para a estação de lavagem nos estábulos.
Ele não precisava prendê-lo para impedi-lo de fugir. Apesar de seu desejo de
vagar, não desobedeceriam a seu mestre. Hades começou o processo
limpando os cascos de Éton, tirando sujeira e lama das solas de suas patas.
Depois, limpou a pelagem, soltando lama, areia e sujeira. Enquanto
trabalhava, ele falava.
— Hécate me disse que vocês quatro estiveram pastando no bosque de
cogumelos dela outra vez.
Eles bufaram, negando a acusação.
— Vocês têm certeza?
Eles balançaram a cabeça, relinchando.
— Porque Hécate disse que chamou cada um de vocês, e vocês fugiram
como sombras, olhos em chamas.
Ficaram quietos.
Então, Alastor zurrou, e Hades riu.
— Você está sugerindo que Hécate alucinou a coisa toda?
Os quatro bufaram em concordância.
— Embora eu não duvide do uso de cogumelos alucinógenos por Hécate,
também não duvido que vocês usem — disse.
Hades seguiu em frente, soltando os nós da crina e cauda de Éton.
Escovou mais duas vezes, com uma escova mais dura e uma mais macia para
acabamento. Por último, ele usou um pano úmido para limpar ao redor dos
olhos, focinho e orelhas de Éton.
— Vá embora — disse, e Éton correu do estábulo para o início da manhã
do Submundo.
Hades passou para Orfeneu, depois Nicteu e por último Alastor, repetindo
os mesmos passos de limpeza de cascos, pelagem e crina.
Enquanto enxugava os olhos de Alastor, perguntou em voz baixa. — Você
está bem, meu amigo?
O cavalo olhou para Hades com olhos escuros, e dentro deles, ele viu a
profundidade de seu tormento. Dos quatro, Alastor era o mais assombrado.
Ele muitas vezes se separava dos outros para vagar sozinho, precisando do
isolamento para lutar contra seus próprios demônios.
Hades entendia.
O cavalo exalou silenciosamente, e Hades acariciou seu focinho.
— Eu lamentaria sua perda — disse ele. — Mas se você precisar beber do
Lete… concederei seu desejo.
Alastor bufou e balançou a cabeça, recusando a oferta.
Hades sorriu. — É apenas uma oferta — disse. — É uma opção… se você
ficar muito cansado.
Ele terminou de limpar as orelhas de Alastor e se afastou.
— Certo, meu amigo. Vá.
Enquanto Alastor corria dos estábulos, ele passou por Minta, que se
aproximou de Hades com uma expressão presunçosa no rosto. Não tinha
certeza do porquê, mas uma sensação de temor se formou em seu âmago com
a aproximação dela.
— Meu senhor — disse ela. — Trago notícias.
Hades se concentrou na limpeza que fazia, não encontrando seu olhar.
— E que notícias são essas, Minta?
— É algo que vai querer ver, meu senhor.
Ele pendurou as últimas escovas em um poste perto da estação de lavagem
antes de se virar para olhar para ela. A ninfa ergueu um papel, uma cópia do
Jornal de Nova Atenas. Seus olhos foram imediatamente atraídos para a
reportagem de capa, que incluía seu nome.

Hades, Deus do Jogo


por Perséfone Rosi

Hades arrancou o papel das mãos dela, olhando para aquelas letras pretas
em negrito até que se borraram na página.
— Parece que sua preciosa Perséfone o traiu — dizia Minta, mas sua voz
soava distante. Estava muito concentrado nas palavras que sua deusa havia
escrito para prestar atenção.

Em meu breve encontro com o Deus do Submundo, diria que posso


descrevê-lo como tenso. Ele é frio e grosseiro, seus olhos são incolores
abismos de julgamento dentro de um rosto insensível. Ele se esconde nas
sombras de sua casa noturna, atacando os vulneráveis.
Hades sentiu uma onda de constrangimento e vergonha e raiva, e por um
momento, tudo o que ele conseguia pensar era, Então é isso mesmo que ela
pensa de mim? E, no entanto, ele não conseguia conciliar o texto com o modo
como ela havia agido na biblioteca na noite anterior, a maneira como se
inclinara para ele, a maneira como abrira os lábios, pronta para os dele. Havia
sentido a paixão dela tão agudamente quanto sentia a sua.
Seriam mesmo esses os pensamentos de Perséfone? As palavras dela?
Estaria tentando enjaular seu coração?
Ele continuou lendo.

Hades diz que as regras da Nevernight são claras. Perca dele e você é
obrigado a cumprir um contrato que expõe seus devedores à vergonha, e
embora ele tenha reivindicado o sucesso, ele ainda não nomeou uma única
alma que se beneficiou de sua “caridade”.

Caridade, entre aspas.


Ele cerrou os dentes; ele era bastante caridoso.
Como ela poderia saber? Nunca disse a ela, ele rebateu.
— Vou visitar Demetri hoje. Perséfone nunca mais escreverá — disse
Minta.
Era a maneira habitual de lidarem com isso. Qualquer um que fotografasse
ou escrevesse sobre Hades costumava ficar desempregado e sem ser capaz de
encontrar outro trabalho. Ninguém queria incorrer na ira de Hades, e apesar
de como este artigo o fez sentir, não poderia tirar o sonho de Perséfone.
— Não — disse Hades, e a palavra foi dura, uma mistura de alarme e
frustração.
Minta arregalou os olhos.
— Mas… isso é difamação!
— Perséfone é minha para punir, Minta.
As sobrancelhas da ninfa se estreitaram duramente sobre seus olhos
ardentes.
— E qual é a sua ideia de punição? Meter nela até que ela implore para
gozar?
— Vá se foder, Minta.
— Você não é assim — argumentou ela. — Se fosse qualquer outro
mortal, você me deixaria fazer meu trabalho!
— Ela não é mortal — retrucou Hades. — Ela será minha esposa, e você a
tratará como tal.
Seguiu-se o silêncio e, depois de um momento, Minta falou, com a voz
trêmula:
— Sua esposa?
— Sua rainha — disse Hades.
A mandíbula de Minta ficou tensa. — Quando você ia me contar?
— Você age como se eu lhe devesse uma explicação.
— E não deve? Nós éramos amantes!
— Por uma noite, Minta, nada mais.
Ela o encarou, os olhos brilhando. — É por que ela é uma deusa?
— Se está me perguntando por que não é você, nunca foi você, Minta.
As palavras eram duras, mas eram verdadeiras, e ele esperava que
tivessem efeito. Cuidaria para que Minta respeitasse Perséfone como sua
rainha, ou a demitiria.
A ninfa permaneceu por mais alguns segundos antes de se virar e correr
dos estábulos.

— Estou decepcionada com você — disse Hécate.


Os dois estavam nas sombras do lado de fora da Dolphin & Co.
Construção Naval. Era uma empresa de Poseidon e, por ser de um deus, tinha
o monopólio da construção de navios e barcos na Nova Grécia. Ajudava que
Poseidon afirmasse que seus navios eram inafundáveis, uma promessa na
qual muitos acreditavam, porque ele era o Deus do Mar. Seu estaleiro se
estendia por quilômetros, empregando milhares de mortais e imortais que
construíam iates, navios de carga e navios de guerra, sendo este último um
tipo de navio que Zeus ordenou que Poseidon parasse de construir após a
Grande Guerra. Hades duvidava que Poseidon tivesse ouvido.
Foi aqui que Sísifo concordara em encontrar Poseidon sob o pretexto de
que o deus o ajudaria a escapar da ira de Hades, um ardil que não era
implausível. Hades não confiava em Poseidon. Estava bem ciente de que o
deus havia cumprido sua parte no trato: atrair Sísifo. Além disso, ele não era
obrigado a ajudar Hades a capturar o mortal.
— Por que agora? — perguntou ele, respondendo ao comentário anterior
de Hécate.
— Eu disse que queria estar presente quando você dissesse a Minta que ia
se casar.
Hades olhou para a deusa, levantando uma sobrancelha. Usava uma capa
de veludo preto, como sempre fazia quando vinha ao Mundo Superior. Ela
preferia se misturar com a escuridão. Hades havia pedido que ela o
acompanhasse nessa viagem para manusear o fuso. Ilias não foi capaz de
descobrir como Poseidon conseguiu a posse dele, então Hécate teria que
rastrear o objeto.
Esse era o problema com as relíquias – havia muito o que limpar depois.
— Como você sabe que contei a ela?
— Porque ela desabafou com metade da equipe sobre isso — disse
Hécate. — Embora não tenha tido o efeito que ela desejava.
— E o que isso significa?
— Ela esperava que eles ficassem tão ofendidos quanto ela, mas acho que
a equipe está esperançosa.
— Esperançosa?
— Querem Perséfone tanto quanto você, Hades — disse Hécate, um
pouco maliciosamente.
— Humm — resmungou Hades. Era verdade que ele a queria, mas depois
do artigo que ela havia escrito, ele não tinha certeza se ela o queria, ou se um
dia iria querer. Ainda assim, ele sabia que ela tinha causado uma impressão
em suas almas. Depois que ela regava seu jardim, passava horas com eles.
Havia aprendido muitos de seus nomes e passava algum tempo com eles,
fazendo caminhadas ou tomando chá, até limpando. Brincava com as crianças
e trazia presentes, até os cachorros dele tendiam a segui-la, mesmo que ele
prometesse brincadeiras.
Em pouco tempo, ela havia conquistado todos, e ele ainda precisava
conquistá-la.
Hades se concentrou no cheiro da magia de Poseidon – sal e areia e sol
quente – quando seu irmão apareceu diante deles. Estava completamente
vestido desta vez, com um terno rosa com lapelas pretas e um lenço branco
no bolso. Apesar de usar uma ilusão mortal, ele manteve sua coroa, os
pináculos de ouro perdendo seu brilho em meio a seu cabelo cor de mel.
Hades se perguntou se ele usava isso como uma demonstração de poder, para
lembrá-lo de que estavam em seu território.
— Eu vejo que você trouxe sua bruxa — disse Poseidon, olhos azuis
deslizando para Hécate.
Não era de Hécate que Poseidon não gostava, mas sim de seu
relacionamento com Zeus. Hécate, por outro lado, odiava Poseidon apenas
por este ser arrogante. Assim que o deus falou, os olhos de Hécate se
estreitaram e a perna da calça dele pegou fogo.
— Filha da puta! — rugiu ele enquanto pulava, tentando apagar o fogo
místico de Hécate.
Hades sorriu com a dor de seu irmão.
— Hécate é muito mais velha que nós, Poseidon — falou Hades por cima
dos gritos do irmão. — Devemos respeitar os mais velhos.
— Cuidado, Hades. Posso colocar fogo em você também — respondeu a
Deusa da Magia.
— E eu posso incinerar suas trepadeiras.
Eles sorriram um para o outro.
— Se vocês dois já terminaram de flertar — gritou Poseidon. — Devo
lembrá-los de que a porra da minha perna está pegando fogo!
— Ah, eu não esqueci. — Os olhos de Hécate brilharam quando ela voltou
seu olhar para Poseidon, o que paralisou o deus. O que quer que ele tenha
visto nos olhos dela lhe causou mais medo do que o fogo reivindicando sua
perna. Finalmente, ela desfez a magia. Poseidon esfregou a perna da calça, as
mãos tremendo enquanto avaliava o dano. O tecido estava enegrecido e
enrolado, partes dele se fundindo com sua pele cheia de bolhas. Ele olhou
para Hécate, e ela deu de ombros.
— Você me chamou de bruxa — disse ela.
— Você é uma bruxa — Hades a lembrou.
— Foi o jeito que ele falou, como se fosse um insulto. Talvez da próxima
vez, ele se lembre do poder por trás da palavra.
Poseidon se endireitou, os punhos fechados ao lado do corpo. Hades sentiu
raiva agitando sob a superfície, feroz como uma tempestade implacável. Ele
não tinha certeza do que o deus pretendia fazer em seguida. Talvez ele
desejasse lutar com Hécate, o que significaria um desastre para ele, seus
negócios e o objetivo desta reunião.
— Onde está o mortal? — perguntou Hades.
Os olhos de Poseidon se voltaram para os dele, e Hades sentiu seu ódio.
Normalmente, a emoção intensa de seu irmão o fazia sorrir, mas hoje, ele
temeu. Poseidon tinha uma série de razões para estragar tudo. Favor ou não,
Hades o tinha envergonhado na frente de seu povo e sua esposa, e ainda que
Poseidon tivesse merecido a ira de Hécate, o Deus do Mar não suportaria
muito mais antes de se vingar. Todo mundo tinha um ponto de ruptura, e
Poseidon fez bem em manter a compostura por tanto tempo. Ele se perguntou
que tipo de magia Anfitrite havia trabalhado nele.
— Ele vai chegar em breve. — Poseidon indicou uma torre de vigia que
dava para seu estaleiro. — Esperem lá.
Os dois fizeram o que ele instruiu e se teletransportaram para o mirante. A
cabine era pequena, e Hades e Hécate ficaram ombro a ombro enquanto
olhavam para o pátio. Este posto de segurança em particular dava para a
entrada e para o escritório principal. Ao longe, uma série de luzes iluminava
centenas de navios em vários estados de construção. Hades achava a vista
bonita à sua maneira.
— Ele é ainda mais desagradável do que eu me lembro — murmurou
Hécate.
— Sabe que ele pode ouvir você? — Hades a lembrou.
— Espero que sim.
Hades sorriu, e então olhou para a entrada do estaleiro. Algo ondulou no
ar – magia, mas não a de Poseidon ou de Hécate. Ele ficou tenso e viu Sísifo
entrar no campo de visão. O corpo atarracado do mortal era inconfundível.
Ele se aproximou do escritório de Poseidon, e o deus saiu para encontrá-lo.
— Aquele não é um mortal — disse Hécate.
Foi nesse momento que Tânatos apareceu em uma nuvem de fumaça preta,
suas grandes asas bem abertas, e ele empunhava uma longa lâmina. O deus
deslizou a lâmina através do corpo de Sísifo, mas o mortal se desintegrou em
pedaços de rocha e barro.
— Poseidon — rosnou Hades.
A risada de Sísifo ecoou em todas as direções, e Hades olhou para Hécate.
— Alguém deu magia ao mortal — disse a deusa.
— Você pode ser todo-poderoso, mas posso adivinhar seus truques, Lorde
Hades.
Hades rangeu os dentes e invocou sua magia, enviando suas sombras em
busca do mortal na escuridão. Ele tiraria o homem como veneno de uma
ferida.
— Aah!
Assim que Sísifo gritou, Hades se teletransportou, encontrando-o no alto
do largo muro de pedra do pátio.
— Olá, mortal.
Hades chutou Sísifo no abdome. Ele caiu da parede de costas no meio do
pátio. Hades o seguiu, pousando em pé, e deu alguns passos deliberados em
direção a ele, estacas saindo de seus dedos. Ele as afundaria tanto no peito de
Sísifo que perfuraria seu coração.
O mortal gemeu e rolou de costas, os olhos se arregalando quando Hades
se aproximou. Ele se apoiou nos cotovelos, seus pés deslizando na terra
enquanto tentava rastejar para longe.
Mais uma vez, Hades sentiu a mesma mudança no ar. Era algum tipo de
magia, mas não era Divina.
— Hades! Abaixe-se! — ordenou Hécate, sua voz próxima, mas ele não
podia vê-la.
Ele obedeceu, abaixando-se ao mesmo tempo que a parede atrás dele
explodiu. Detritos voaram, atingindo as costas de Hades agachado no chão. O
impacto foi forte, e ele gemeu. Ele poderia se curar facilmente, mas não
significava que não pudesse sentir dor.
Em algum lugar distante, Poseidon riu. — É melhor você correr, mortal, a
menos que queira se encontrar com as garras de Hades.
Hades olhou para cima e, através da fumaça ondulante, viu Sísifo se
levantar. Estava coberto de poeira e sua cabeça estava sangrando.
— Não! — rosnou Hades. Com sua magia trabalhando para curá-lo
rapidamente, não teve tempo de se teletransportar. Em vez disso, retirou a
pequena caixa que Hefesto havia feito e a jogou atrás do mortal. Ao mesmo
tempo, Tânatos se moveu para perseguir Sísifo, bloqueando a mira de Hades.
A caixa caiu aos pés de Tânatos, e as correntes se desenrolaram, prendendo o
Deus da Morte em pesadas algemas.
Sísifo correu em direção à abertura escancarada na parede de Poseidon, e
Hades rosnou, levantou-se e seguiu, mas quando chegou ao lado de fora, o
mortal tinha ido embora e a rua estava silenciosa.
Um mortal não poderia ter fugido tão rápido; ele teve ajuda.
— Magia — disse Hécate, aparecendo ao lado dele. — O ar cheira a
magia. Se eu tivesse que chutar, um portal.
Hades ficou por alguns momentos em silêncio, olhando para o espaço
onde Sísifo estava antes de retornar ao pátio. Poseidon estava perto de seu
escritório, grandes braços cruzados sobre o peito, uma expressão presunçosa
no rosto.
— Qual é o problema, irmão? A noite não correu exatamente como
planejada?
Hades estendeu o braço, e as estacas que se projetavam das pontas de seus
dedos dispararam em direção a Poseidon como balas. O deus convocou uma
parede de magia, e as estacas pararam a centímetros de seu rosto.
Hades voltou sua atenção para Tânatos, cujo corpo ágil se curvou sob o
peso das correntes de Hefesto. Hécate ficou de lado, estudando-o, sorrindo
com o canto da boca.
— Correntes da Verdade, Hades? — perguntou, erguendo uma
sobrancelha. — Tânatos, o que você acha do cabelo de Hades?
Os olhos do Deus da Morte se arregalaram de medo, e quando ele falou,
foi como se as palavras tivessem sido arrancadas de sua garganta.
— Uma bagunça. Está em completa contradição com sua aparência
imaculada.
O sorriso de Hécate se alargou, e Hades olhou para os dois.
— Ελευθέρωσε τον — disse, e quando Tânatos foi liberado das correntes,
caiu de joelhos. Hécate o ajudou a ficar de pé.
— Eu… sinto muito, meu senhor.
Hades não disse nada, sua mão apertada ao redor da caixa, as bordas
cavando em sua palma. Ele olhou para a bruxa.
— O que era a criatura que veio no lugar de Sísifo? — perguntou ele.
— Foi um golem — explicou Hécate.
Um golem era uma criação feita de barro e animada com magia. Poderia
assumir qualquer forma, desde que a poção incluísse um pedaço da pessoa
que deveria imitar.
— Sísifo teve ajuda para criar esse golem — disse Hades. — Você pode
rastrear a magia?
— Claro que posso rastrear a magia — disse Hécate. Parecia ofendida por
ele sequer perguntar. — Você pode pedir com jeitinho?
Nesse momento, o telefone tocou. Antes de Perséfone, ele mal o usara,
mas foi esse pensamento que o fez tirá-lo do bolso antes de responder a
Hécate.
— Pois não? — sibilou ao atender o telefone.
— Hades? — Afrodite ronronou seu nome.
Hades suspirou, frustrado. — O que você quer, Afrodite?
Se ela estivesse ligando para provocá-lo, ele torturaria Basil esta noite. Ele
jurou.
— Eu só pensei que você gostaria de saber que sua deusa veio à minha
casa noturna para uma visita.
Algo possessivo encheu sua cabeça com a menção de sua deusa. Era uma
sensação sombria, um monstro saindo de seu peito pronto para lutar,
proteger, reivindicar.
— Uma visita?
— Sim. — A voz de Afrodite estava rouca. — Ela chegou com Adônis.
Esqueça lutar, proteger e reivindicar. O monstro em seu peito queria
sangue.
— Espero que você se apresse — disse ela. — Ele parece apaixonado.
16
UMA BATALHA POR CONTROLE

Hades apareceu do lado de fora de La Rose. Como todos os estabelecimentos


de deuses, o de Afrodite era um ponto de encontro popular em Nova Atenas.
Enquanto muitos mortais o procuravam em busca de amor, muitos também se
aglomeravam aqui, acreditando que um gole de suas bebidas ou um spray de
sua infame névoa rosa significaria o fim de sua busca por uma alma gêmea.
Não era possível, é claro. Nenhuma bebida ou névoa poderia levar alguém
a sua alma gêmea. Isso dependia das Moiras.
Afrodite estava esperando por ele. Usava um vestido de seda rosa-claro
com um decote drapeado. Parecia pálida na luz do lado de fora de sua casa
noturna, suas faces e lábios corados.
— Não faça uma cena, Hades — disse Afrodite.
— Diz a deusa que começou uma guerra por uma maçã — retrucou Hades.
— Onde ela está?
A Deusa do Amor olhou, sua frustração com Hades palpável.
— Perséfone, Afrodite.
— Dançando.
Dançando, ele pensou. Com Adônis?
Ele cerrou o maxilar e mostrou os dentes ao passar pela deusa,
convocando dois ogros, Adrian e Ezio, para flanqueá-lo.
— Hades! — A voz de Afrodite era afiada, o tom de uma mulher que
lutou e matou no campo de batalha.
Hades fez uma pausa, mas não se virou para olhar para a deusa.
— Você não vai machucá-lo. — Sua voz tremeu enquanto ela falava.
Ele não disse nada e entrou na escuridão da casa noturna, endireitando o
paletó e alisando o cabelo.
Sou um idiota, ele se repreendeu. Invocou sua ilusão para ficar invisível
quando chegou à beira da pista de dança, onde as pessoas se moviam em um
emaranhado hipnótico de membros. Acima, luzes piscavam e uma névoa rosa
pairava pesada no ar. O cheiro de rosas e suor grudava em sua pele, e em
algum lugar nesse caos, estava Perséfone.
Com Adônis.
Ele cerrou os dentes.
Não a avisara para ficar longe do mortal?
Hades olhou para Adrian e Ezio, e os ogros foram para a esquerda e para a
direita enquanto ele tomava o caminho do meio. Os mortais abriram espaço
para ele, sem saber que andava entre eles. Ele examinou rostos, procurando
as características familiares de Perséfone. Seu peito estava apertado e sua
respiração superficial enquanto ele buscava, pensando em todo o pecado que
ele tinha visto na alma de Adônis. Ele era um predador e um mentiroso.
Estariam em algum lugar nas sombras juntos? Ele a estava tocando do
jeito que Hades desejava tocá-la? O pensamento o fez se sentir violento.
E então ele a encontrou nos braços de Adônis, e tudo parecia se mover em
câmera lenta. Ele percebeu que nunca tinha conhecido a ira. Era primal.
Sacudia todo o seu corpo e o fazia estremecer. Queria rugir, causar medo em
cada pessoa nesta sala, apenas para que eles cessassem sua folia descarada.
A mão de Adônis segurava a cabeça dela, dedos se entrelaçando em seu
cabelo brilhante, e seus lábios estavam pressionados nos dela com tanta força
que seu nariz estava torto. Mas foi a linguagem corporal de Perséfone que ele
observou: o jeito que ela empurrava o mortal quanto mais ele tentava puxá-la,
o jeito que ela apertava os lábios, recusando-se a compartilhar dos dele, a
lágrima que descia pelo rosto dela enquanto ele a segurava lá.
Isso é tortura, pensou Hades.
De repente, tudo voltou à velocidade normal. Adrian e Ezio apareceram,
cada um colocando a mão em um ombro de Adônis, e o puxaram para longe
de Perséfone. Hades se moveu em direção a ela, sem saber o que pretendia
fazer, mas querendo estar perto dela, para confortá-la.
A deusa se virou para ele enquanto limpava a boca, seus olhos
encontrando os dele.
— Hades. — Ela sussurrou seu nome, e o som o fez estremecer. Ele ficou
ainda mais surpreso quando ela jogou os braços ao redor de sua cintura e
enterrou a cabeça em seu peito. Por um momento, ele ficou congelado. Ele
não queria oferecer conforto? Por que de repente estava incapaz de se mover?
Lentamente, ele pressionou uma mão nas costas dela, a outra enroscando em
seu cabelo, odiando que os dedos de Adônis tivessem experimentado a
sensação.
Ele a segurou por um momento e queria segurá-la por mais tempo, mas
eles precisavam sair deste lugar, então ele passou o dedo sob o queixo dela,
inclinando a cabeça até que seus olhos encontrassem os dele.
— Você está bem?
Ela negou com a cabeça.
Hades cerrou os dentes, reprimindo o desejo de encontrar Adônis e
transformá-lo em cinzas.
— Vamos.
Ele a puxou contra ele e a guiou para a saída. Como antes, a multidão se
separou, mas desta vez foi porque podiam vê-lo. Ele abandonou sua
invisibilidade quando se aproximou de Perséfone e não se preocupou em
convocar sua ilusão novamente. Todos pararam para olhar enquanto a música
tocava.
— Hades…
— Eles não vão se lembrar disso — assegurou Hades, sabendo que sua
ansiedade aumentaria com o pensamento de serem vistos juntos assim em
público. A mídia cairia em cima dela, manchetes especulando. Ela se tornaria
a história, não a contadora de histórias.
Hades não queria que isso acontecesse tanto quanto ela, e quando eles
chegaram à beira da multidão, sua magia ondulou, roubando memórias e
devolvendo o salão ao seu caos feliz.
Então Perséfone tentou fugir.
— Lexa!
Ela se moveu muito rápido e se desequilibrou. Hades não tinha certeza se
ela tinha tropeçado ou bebido demais. De qualquer maneira, ele se inclinou
para pegá-la em seus braços, sem querer correr o risco de correr atrás dela.
— Vou garantir que chegue em casa em segurança — garantiu ele.
Ele observou o rosto dela, vendo-a fechar os olhos com força, e franziu a
testa.
— Perséfone?
— Humm. — Sua voz vibrou, sua respiração provocou seus lábios,
carregando o cheiro de vinho e algo metálico que ele não conseguia
identificar.
— O que há de errado?
— Tonta — sussurrou ela.
Ele não falou, mas saiu do prédio. Se ficasse por mais tempo, iria queimá-
lo até o chão e incorrer na ira de Afrodite, algo que ele receberia de bom
grado para se livrar dessa raiva. Do lado de fora, o ar estava frio, e Perséfone
começou a tremer, se enterrando mais em seu peito. Ela respirou fundo.
— Você cheira bem.
Suas pequenas mãos agarraram seu paletó, e ele riu da sua falta de
inibição, segurando-a mais forte enquanto entrava na parte de trás de sua
limusine. Ele considerou mantê-la aninhada contra ele até que chegassem a
Nevernight, mas decidiu não o fazer. Ela tinha sido assediada no salão de La
Rose, e provavelmente queria distância. Além disso, ela estava com frio. Ele
a ajudou a se sentar ao lado dele e ajustou os controles para que o ar quente a
aquecesse.
— O que você está fazendo aqui? — perguntou ela, sua voz calma, e
Hades olhou para ela enquanto se recostava em seu assento.
— Você não obedece a ordens.
Ela deu uma risada suave. — Eu não recebo ordens de você, Hades.
Sentaram-se próximos, ombros e braços e pernas se tocando, cabeças
inclinadas, compartilhando respiração e calor e espaço, e ele sabia que estava
em apuros porque todo o seu corpo estava rígido, incluindo seu pênis.
— Acredite, querida. Estou ciente.
— Eu não sou sua e não sou sua querida.
Hades a observou, procurando seus olhos verdes, vidrados de álcool e
fervendo com paixão oprimida. Quando ele falou, sua voz era rouca, pesada
com a tesão.
— Já conversamos sobre isso, não? Você é minha. Acho que você sabe
disso tão bem quanto eu.
Ela cruzou os braços, acentuando os seios, e ergueu o queixo em desafio.
— Você já pensou que talvez você seja meu, em vez disso?
Suas palavras acenderam um fogo baixo em sua barriga, e os cantos de sua
boca se ergueram, os olhos caindo em seu pulso. — É a minha marca na sua
pele.
Houve um momento de silêncio, e o ar entre eles queimou. Então ela
montou nele, colocando as mãos nos ombros dele, as pernas bem torneadas
agarrando as coxas do deus. A suavidade dela pressionou todas as bordas
duras de Hades, e ele cerrou os dentes, as mãos se fechando em punhos ao
lado do corpo. Ele queria tocá-la, pressioná-la mais perto, senti-la com mais
força, mas ela tinha bebido e não parecia certo.
Um sorriso curvou os lábios de Perséfone, e ele sentiu como se seus olhos
estivessem em chamas, queimando em sua alma. Ela sabia o que estava
fazendo, provocando-o, desafiando-o. Inclinou-se para perto, as pontas de
seus seios roçando o peito dele.
— Devo colocar uma marca em você? — perguntou ela, sua voz abafada.
— Cuidado, deusa — advertiu Hades. Ela estava brincando com a
escuridão, e ele a consumiria.
Ela revirou os olhos. — Outra ordem.
— Um aviso. — As palavras rangeram entre seus dentes. Finalmente, ele
não aguentou mais. As mãos de Hades apertaram suas coxas nuas, e ele foi
recompensado com o som da respiração de Perséfone presa na garganta. Ele
inclinou a cabeça um pouco para que seus lábios ficassem na mesma altura.
As mãos dela se moveram, os dedos se enroscando no cabelo dele na base do
pescoço. — Mas nós dois sabemos que você não escuta, mesmo quando é
para o seu bem.
— Você acha que sabe o que é bom para mim? — Os lábios de Perséfone
roçaram os dele enquanto ela falava. — Você acha que sabe do que eu
preciso?
Ele riu, e suas mãos viajaram por baixo do vestido dela, buscando seu
calor. Perséfone arquejou.
— Eu não acho, Deusa, eu sei. Poderia fazê-la me venerar.
O ar ao redor deles parecia pesado e carregado, potente com a fome deles.
Hades achou impossível se concentrar em qualquer coisa além dela – cada
parte do corpo de Perséfone que tocava o dele, o cheiro de baunilha no cabelo
dela, o jeito que ela mordia seu lábio exuberante enquanto olhava para o dele.
Então ela o beijou, e ele abriu a boca para ela, suas línguas deslizando
juntas, provando, explorando, exigindo. As mãos de Hades se moveram para
as costas dela e ele a apertou mais, sua ereção se encaixando entre as coxas
dela, ficando mais dura enquanto ela ficava mais frenética, com os dedos
enrolando no cabelo dele, forçando a cabeça dele para trás, beijando-o mais
profundo e mais forte do que ele jamais imaginara. Ele não podia deixar de
pensar… Seria essa a reação de uma mulher que acreditava que ele era tenso,
frio e grosseiro?
Quando ela se afastou, foi com o lábio dele entre os dentes. Ela se
inclinou, sua língua tocando o lóbulo da orelha dele, então seus dentes.
— Você vai me venerar — disse, esfregando-se em seu pênis. — E eu nem
precisarei ordenar.
Ah querida, ele pensou. Se soubesse como eu venero você agora.
As mãos de Hades caíram para as coxas dela novamente, agarrando-a com
força. Algo primitivo estava se desenrolando dentro dele, e ele queria saber
qual seria a sensação de estar dentro dela. Ele poderia tomá-la assim, sentado
no banco de trás deste carro. Ele teria prazer com a maneira como ela se
moveria para cima e para baixo em sua ereção, os seios saltando quando ela
gozasse.
E apesar de sua imaginação vívida e seu desejo desesperado de tê-la de
qualquer maneira, ele se viu movendo-a para que ela ficasse aninhada nele, e
abaixando seu vestido. Conseguiu tirar o paletó e a cobriu com ele. Tinha que
remover a tentação, ou pelo menos contê-la. Não a deixaria se arrepender
dele.
E, no entanto, enquanto a paixão deles se dissolvia em um silêncio
constrangedor e abrupto, ele não conseguia afastar a sensação de que talvez
ela já estivesse arrependida. Ele olhou pela janela, embora sentisse o olhar
dela sobre ele. Depois de um momento, ela falou, suas palavras aquecidas e
sussurradas.
— Você só está com medo.
Ela não estava errada.
Ele estava com medo de que mesmo por algum milagre ela decidisse que
não o odiava, as Moiras a tirassem dele. Era uma possibilidade muito real,
especialmente depois do desastre desta noite. Sísifo havia escorregado de
suas mãos outra vez.
Quando chegaram a Nevernight, Antoni ajudou Perséfone a sair da
limusine. Hades assumiu a partir daí, levando-a para a casa noturna,
acenando para Mekonnen enquanto eles passavam. Antes de entrarem na
parte principal da casa noturna, Hades usou sua ilusão para que se movessem
sem serem vistos pelo salão lotado, subindo as escadas e indo para seu
escritório. Ele estava nervoso demais para se teletransportar com ela no
momento e não queria deixá-la doente, temendo que ela tivesse bebido
demais.
Uma vez que eles estavam dentro de seu escritório, ele abandonou sua
ilusão e atravessou até seu bar, servindo-lhe um copo de água.
Quando ele olhou para cima, ficou impressionado com a beleza dela. Por
que isso o atingia de forma diferente toda vez que ele olhava para ela? Hoje à
noite, ela usava azul-petróleo, e isso fazia sua pele parecer bronzeada e seu
cabelo parecer fios de ouro.
Ele empurrou o copo sobre a mesa. — Beba.
Ela se aproximou enquanto ele se servia de uma bebida. Quando ele
terminou, ela o pegou da mesa.
— Perséfone — rosnou Hades, e ela sorriu, levantado o copo para seus
lábios.
— Sim, Hades?
A voz dela era rouca e o fez agarrar a beirada da mesa com força. Ela
tomou um gole de uísque e então se virou, andando pelo salão. Seus quadris
balançaram, chamando sua atenção.
— Acho que você deveria parar de beber — disse ele.
— Você é mandão.
— Não sou mandão. Estou… apenas dando um conselho.
— Alguém não deveria pedir seu conselho antes de você oferecê-lo? —
perguntou ela enquanto se virava e se inclinava contra a mesa dele.
— O mesmo pode ser dito da sua opinião.
— Ela olhou feio.
— Por que você me trouxe aqui?
Hades saiu de trás do bar e se aproximou.
— Porque queria você em segurança. — Ele pegou o copo dela e segurou
seu olhar enquanto bebia o restante antes de colocá-lo de lado.
— Não acho que esteja segura com você — sussurrou ela quando ele a
olhou novamente.
Hades não sabia o que essas palavras significavam, mas se sentiu
compelido a dizer:
— Eu nunca a machucaria.
— Você não sabe disso.
Eles se encararam, e ele levantou a mão. — Venha.
Hades a levou para a parede atrás da mesa, e notou a hesitação de
Perséfone pela maneira como ela se afastou de seu toque.
— Por que não nos teletransportamos?
— Porque vai piorar sua tontura — disse ele. — E eu prefiro não
contribuir para piorar o seu… estado.
Os olhos de Perséfone se estreitaram e seus lábios se apertaram. — Não
estou em nenhum estado.
Ele suspirou interiormente e puxou-a pela mão, e ela o seguiu através da
parede, que era na verdade um portal, ou portão, para o Submundo. Aqueles
que entravam aqui se encontravam em uma entrada cavernosa chamada Cabo
Tênaro. Lá, eles seriam recebidos pelo rio Estige, um corpo de água ao qual
provavelmente não sobreviveriam.
Hades poderia usar esta entrada para ir a qualquer lugar no Submundo que
desejasse, e quando eles entraram, foram parar em seus aposentos.
Ele indicou a cama. — Descanse. Quando acordar, conversaremos.
Ele tinha perguntas, sobre Adônis e sobre seu artigo no Jornal de Nova
Atenas.
— Não quero descansar — disse ela.
Hades apenas a encarou.
— Pergunte o que eu quero, Hades.
Ele queria gemer. Isso era uma tortura, e pior, ele se deixava levar.
— O que você quer?
— Terminar o que começamos na limusine.
Era significativo para ele que ela não tivesse respondido com “você”. E
apenas solidificou seu desejo de garantir que eles não fossem além de onde já
tinham ido.
— Não, Perséfone.
Ela fez uma careta. — Você me quer.
Ele não disse nada; não podia negar, e não o admitiria.
Ela se afastou dele e caminhou até a cama, tirando as alças do vestido dos
ombros.
— Perséfone…
— O quê?
Ela se virou para ele, e seu vestido caiu em um montinho a seus pés. Ela
estava nua diante dele, pele dourada e curvas gloriosas.
— Diga que você não me quer.
Ele engoliu em seco, apertando as mãos ao lado do corpo. Tantas emoções
giravam dentro dele, uma necessidade carnal de reclamá-la e protegê-la. Não
conseguiria fazer as duas coisas. Pegou o roupão que ela usara na última vez
que estivera aqui; estava pendurado no mesmo lugar, no biombo atrás do qual
ela havia se trocado. Estendeu para que ela pudesse deslizar os braços.
— Vista-se, Perséfone.
Ela olhou para ele e arrancou o roupão de suas mãos, mas não o vestiu.
Em vez disso, encarou-o.
— Você não respondeu minha pergunta.
Ele não respondera, porque se ele dissesse que não a queria, isso seria uma
mentira, e admitir isso seria convidá-la para sua cama.
Ela o tocou, suas mãos deslizando pelos braços dele, parando em seus
punhos.
— Relaxe — persuadiu ela, chegando mais perto e colocando as mãos
dele em seus quadris, os dedos dele se abriram, cravando em sua pele. Isso
era algum tipo de provação? Teria essa mulher sido enviada para testar seu
controle? Ele a estudou com atenção, esperando que ela desaparecesse na
fumaça, mas ela não o fez. Permaneceu lá, sólida e quente e suave na frente
dele. As mãos entrelaçadas atrás do pescoço dele, os seios nus pressionados
contra o peito do deus.
— Hades? — Ela sussurrou seu nome, a respiração acariciando seus
lábios. — Me abrace.
A boca dela se fechou sobre a dele, e os braços de Hades apertaram sua
cintura. Ele a puxou contra ele com força, uma mão se libertando para
deslizar pelas costas até a nuca, e ele segurou sua cabeça, os lábios
pressionando com força nos dela, incitando sua boca aberta, provando e
tomando. As mãos de Perséfone se moveram em volta de seu pescoço,
descendo pelo peito, até a virilha. Ela agarrou seu pênis por cima do tecido da
calça, e ele gemeu, se libertando de sua boca.
— Perséfone.
— Quero tocar você — disse ela e, de repente, Hades se viu sendo guiado
de volta para a cama. Ela o empurrou, guiando-o para deitar-se sobre os
lençóis de seda, e quando ela subiu em cima dele, cavalgando-o, nua e rosada
e maravilhosa, ele pensou que poderia gozar naquele instante. Ela se inclinou
sobre ele, seu centro quente e macio balançando no comprimento duro dele,
as pontas de seus seios mal tocando o peito de Hades.
— Deixe-me lhe dar prazer — sussurrou ela, e o beijou novamente.
As mãos dele pousaram no lado do corpo de Perséfone, e ele rolou,
prendendo-a debaixo dele. Ele pegou os pulsos da deusa e os guiou acima da
cabeça dela.
— Você me dá prazer — disse ele, beijando seus lábios inchados uma
última vez, deleitando-se com a forma como seu corpo arqueou contra o dele,
aquecido com a necessidade. Era um lembrete de por que ele tinha que parar
com isso. — Durma.
O comando veio com uma onda de magia que instantaneamente enviou
Perséfone para um sono profundo. Hades parou ali por um momento,
suspenso sobre ela, antes de deitar-se de costas.
Ele suspirou, cheio de frustração e raiva, e rosnou.
— Malditas Moiras.
17
PONTO DE QUEBRA

Hades observou Perséfone dormir enquanto tentava conciliar a contradição de


suas palavras e ações. Ele lembrou a si mesmo que ela estava sob a
influência, não apenas de álcool, mas de algum tipo de droga. Ele tinha
provado o gosto em sua língua – metálico, salgado, errado. Ela não era ela
mesma, nem na limusine nem no escritório nem no quarto, o que significava
que suas palavras – as que ela havia escrito em seu artigo – ganharam seus
pensamentos, e ele as revirou repetidamente em sua cabeça até que estivesse
fervilhando.
Sentiu quando ela acordou porque sua respiração mudou. Ela se
endireitou, segurando os lençóis de seda no peito, olhos brilhantes e faces
coradas. Teria gostado de vê-la assim depois de uma noite de amor. Em vez
disso, ele a estava observando depois de uma noite rejeitando seus avanços
bêbados. Ele tomou um gole de seu copo, segurando seu olhar, olhos
brilhantes fixos nele, cautelosos.
— Por que estou nua? — perguntou ela.
— Porque você insistiu — disse ele, mantendo sua voz tão desprovida de
emoção quanto possível. Exigiu esforço, porque cada pensamento era uma
lembrança da noite passada, uma lembrança de seu desespero para ouvi-lo
dizer que a queria, a pressão fantasma de seu corpo contra o dele, o calor de
seus lábios impelindo os dele a se separarem. — Você estava muito
determinada a me seduzir.
Suas faces já coradas ficaram vermelhas. — Nós…?
A risada dele soou mais como um latido. Não sabia ao que estava
reagindo; talvez ao fato de que ela presumiria que ele tiraria vantagem de seu
estado embriagado. Ou por ter passado a maior parte de seu sono agonizando
com as palavras que ela usou para descrevê-lo.
— Não, Lady Perséfone. Acredite em mim, quando transarmos, você vai
se lembrar.
Suas feições endureceram, e seus lábios se transformaram em uma linha
fina. — Sua arrogância é alarmante.
— Isso é um desafio?
— Apenas me diga o que aconteceu, Hades! — retrucou ela.
Ele encontrou seu olhar feroz com a mesma quantidade de veneno antes de
responder: — Você foi drogada em La Rose. Você tem sorte de ser imortal.
Seu corpo eliminou rapidamente a toxina.
Ela ficou quieta por um momento, processando a informação que ele havia
compartilhado. Seu olhar deixou o dele, como se procurasse a meia distância
por respostas para suas perguntas.
— Adônis — disse ela de repente, os olhos se estreitando em acusação. —
O que você fez com ele?
Hades cerrou os dentes e se concentrou na bebida restante em seu copo ao
invés do olhar dela. Ele bebeu o último gole antes de colocar de lado. — Ele
está vivo, mas isso é apenas porque ele estava no território de sua deusa.
— Você sabia! — Ela se levantou da cama, os lençóis farfalhando ao
redor dela. Ele queria tirá-los dela, desafiá-la a se abrir e confiar nele como
tinha feito na noite passada. — É por isso que você me avisou para ficar
longe dele?
— Eu garanto a você, há mais razões para ficar longe daquele mortal do
que o favor que Afrodite concedeu a ele.
— Como o quê? — perguntou ela, dando um passo em direção a ele. —
Você não pode esperar que eu entenda se não explicar nada.
Que necessidade tenho de explicar? Ele a beijou quando você não queria,
Hades queria dizer, mas era possível que ela não se lembrasse.
— Espero que você confie em mim. — Ele se levantou, pegando o copo
da mesa e enchendo-o novamente no bar. — E se não confiar em mim, então
confie em meu poder.
Ele estava mais do que consciente de que ela sabia de sua habilidade de
ver o que os mortais tentavam esconder com encantos e mentiras. Era um
poder que ela condenava em seu artigo, alegando que ele o usava para
explorar seus segredos mais sombrios.
— Eu pensei que você estava com ciúmes!
A risada que saiu do fundo da garganta de Hades soou áspera, até mesmo
para seus ouvidos. Ele não tinha certeza do motivo de ter zombado dela, mas
talvez fosse porque só agora percebera seu ciúme, agora que estava além da
raiva e do desafio que a noite passada havia colocado em seu senso de
controle.
— Não finja que você não fica com ciúmes, Hades. Adônis me beijou
ontem à noite.
Hades bateu o copo na mesa, traindo a si mesmo, e virou-se para ela. —
Continue me lembrando, Deusa, e eu o reduzirei a cinzas.
— Então, você está com ciúmes! — gritou ela.
— Ciúmes? — sibilou ele, caminhando em direção a ela. Ele observou
como a excitação do triunfo dela derreteu de seu rosto, substituída por uma
expressão que ele não podia discernir. Ele só sabia que não era medo. —
Aquele… sanguessuga… tocou em você depois que disse a ele para não fazer
isso. Mandei almas para o Tártaro por menos.
Ele parou a alguns centímetros dela, sua raiva aguda, irradiando dele como
o calor do sol de Hélio.
Até que ela se desculpou.
As palavras saíram de sua boca, silenciosas e ofegantes. — Sinto… muito.
Ele não sabia por que ela estava se desculpando, mas essas palavras
pareciam equivocadas depois de seu discurso sobre Adônis.
As sobrancelhas dele se uniram, e ele segurou o rosto dela, aproximando-
se, selando o espaço entre eles. — Não ouse se desculpar. Não por ele. Nunca
por ele.
Ela cobriu as mãos dele com as suas, e enquanto ele procurava seus olhos,
cheios de bondade e compaixão, ele sentiu um pouco daquela fúria se dissipar
e não pôde deixar de perguntar: — Por que você está tão desesperada para me
odiar?
— Eu não odeio você — disse ela calmamente.
Ele não podia sentir a mentira, mas não conseguia entender por que ela
escreveria aquele artigo sobre ele, não quando não o odiava. Ele se afastou
dela.
— Não? Devo lembrá-la? Hades, Senhor do Submundo, O Mais Rico e,
sem dúvida, o deus mais odiado entre os mortais, exibe um claro desprezo
pela vida mortal.
Enquanto ele falava, ela parecia se encolher, os ombros subindo, ficando
cada vez menor sob suas próprias palavras viscosas.
— É isso que você pensa de mim? — desafiou ele.
— Eu estava com raiva.
— Ah, isso é mais do que óbvio.
— Eu não sabia que eles publicariam!
— Uma carta contundente ilustrando todos os meus defeitos? — Ele fez
uma pausa para rir amargamente. — Você não achou que a mídia publicaria?
Ela usara o artigo como uma ameaça, sabendo que Hades valorizava sua
privacidade. Ela estava bem ciente de que seria uma peça cobiçada para a
mídia e, no entanto, havia algo preocupante em sua defesa, e isso era que ele
não pressentia mentira. Ainda assim, se ela queria mesmo que não fosse ao
ar, por que o escrevera? E como fora publicado?
Seu sarcasmo não lhe rendeu nenhuma compaixão da deusa. Seus olhos
brilharam, e suas palavras escaparam por entre os dentes cerrados.
— Eu avisei.
— Você me avisou? — Hades ergueu as sobrancelhas e ofereceu uma
risada ofegante. — Você me avisou sobre o quê, Deusa?
— Eu avisei que você se arrependeria de nosso contrato.
Eram palavras de que ele se lembrava, ditas enquanto ela ajeitava as
lapelas de seu paletó e matava a flor que havia no bolso. Ele não duvidara
delas naquela época, e não duvidava neste instante.
— E eu avisei para não escrever sobre mim. — Ele se atreveu a diminuir a
distância entre eles outra vez, sabendo que era a coisa errada a fazer, sabendo
que sua raiva só tinha uma saída.
— Talvez, em meu próximo artigo, eu escreva sobre como você é mandão
— disse ela.
— Próximo artigo?
— Você não sabia? — perguntou ela presunçosamente. — Fui contratada
para escrever uma série sobre você.
— Não.
— Você não pode dizer não. Você não está no controle.
Ele lhe mostraria o controle, pensou, curvando-se sobre o corpo dela,
sentindo a forma como ela se arqueava sob ele. Ela era uma víbora,
respondendo ao seu chamado, e quando ela atacasse, seria venenosa.
— E você acha que está?
— Vou escrever os artigos, Hades, e a única maneira de me parar é me
deixar sair deste maldito contrato!
Então esse era o jogo dela?
— Você pensa em barganhar comigo, deusa? — perguntou ele. — Você se
esqueceu de uma coisa importante, Lady Perséfone. Para negociar, você
precisa ter algo que eu queira.
Seus olhos brilharam, e seu rosto ficou rosado novamente.
— Você me perguntou se eu acreditava no que escrevia! — argumentou
ela. — Você se importa!
— Chama-se blefe, querida.
— Desgraçado — sibilou ela.
Foi a palavra que quebrou sua contenção. Ele a puxou para ele, enterrando
a mão em seu cabelo, e seus lábios se fecharam sobre os dela. Ela era suave e
doce, e estava com o cheiro dele. Ele queria tudo dela, e ainda assim, ele se
afastou, separando-os por meros centímetros.
— Deixe-me ser claro — disse ferozmente. — Você negociou e perdeu.
Não há saída de nosso contrato a menos que cumpra seus termos. Caso
contrário, você permanece aqui. Comigo.
Ela olhou para ele, olhos furiosos, lábios vivos. — Se você me tornar sua
prisioneira, vou passar o resto da minha vida odiando você.
— Você já me odeia.
Ele notou como ela parecia recuar em suas palavras, olhando para ele
como se seu comentário machucasse. — Você acredita mesmo nisso?
Ele não respondeu, apenas deu uma risada zombeteira e, em seguida, deu
um beijo quente em sua boca antes de se afastar violentamente. — Vou
apagar a memória dele de sua pele.
Ele arrancou o lençol de suas mãos, e ela estava nua diante dele como
estivera na noite passada, seus olhos cheios de desejo, e tudo o que conseguia
pensar era que queria muito tudo isso – sua paixão e seu corpo e sua alma.
Ele agarrou suas nádegas, levantando-a do chão, e seu corpo se moldou ao
dele sem a orientação de Hades. Era uma rendição silenciosa, um sinal de que
ela queria isso tanto quanto ele. Os lábios dele esmagaram os dela, e o calor
floresceu na barriga dele, enchendo sua virilha até que ele estava duro e
desesperado para estar dentro dela. Ele se sentia frenético, e seu corpo
vibrava com a necessidade, instigado pelas mãos cruéis de Perséfone,
raspando seu couro cabeludo, puxando seu cabelo. Ele rosnou baixo em sua
garganta, pressionando-a na cabeceira da cama, moendo seu membro para a
suavidade de sua entrada. Ele se regozijou com a forma como a boca dela se
separou da dele para que ela pudesse respirar enquanto ele se movia contra
ela, beijando seu pescoço e ombro, sentindo o gosto dela. Ele era insensato, e
ela era um feitiço, um contrato que ele cumpriria infinitamente se isso
significasse tê-la assim todos os dias pelo resto de sua vida.
Minha amante, ele pensou. Minha esposa, minha rainha.
Ele congelou, quase dizendo essas palavras em voz alta, e então se mexeu,
deixando-a cair na cama. Ele parou sobre ela, respirando com dificuldade, e
ela olhou para ele, surpresa, mas tão bonita e sensual como sempre, pernas
abertas, seios firmes e cheios. Ele tinha duas opções diante dele: poderia
tomá-la ou deixá-la, e após o artigo dela, ele sentiu que era melhor deixá-la
porque a única coisa que os esperaria do outro lado disso era a tristeza.
Depois de um momento, conseguiu dar um sorriso selvagem. — Bem,
você provavelmente gostaria de dar pra mim, mas com certeza não gosta de
mim.
Ele mal registrou o horror em seu rosto antes de desaparecer.
Ela estava certa, ele era um desgraçado.
18
AS TRÊS LUAS

Hades estava do lado de fora de uma loja de ocultismo conhecida como As


Três Luas. Foi onde Hécate rastreou o cheiro da magia usada no estaleiro de
Poseidon. Ao lado dele estava Hécate, que parecia um membro de um culto,
vestida com uma capa de seda preta e capuz. Ambos estavam olhando para as
imagens na vitrine da loja – uma lua cheia emoldurada por duas meias-luas.
Era o símbolo de Hécate e tinha vários significados, nenhum dos quais
representado pelo homem que dirigia a loja — Vasilis Remes, um Magi.
Magi eram mortais que tendiam a praticar magia negra e mal, muitas
vezes criando o caos que Hécate teve que reprimir.
— Diga-me que você me trouxe aqui para amaldiçoar este mortal — disse
Hécate, esperançosa, olhando para Hades.
Seus lábios se curvaram. — Só se você for boazinha.
Ele passou por ela e entrou na loja. Ao fazer isso, um sino soou no alto e
uma voz estalou de algum lugar no escuro: — Só um minuto!
Hades e Hécate trocaram um olhar.
— Excelente atendimento ao cliente — comentou ela e começou a
explorar a loja, torcendo o nariz enquanto andava. — Este lugar cheira a
magia negra.
Hades podia sentir o cheiro, também. Cheirava a carne queimada e algo…
metálico. A loja estava escura. A grande janela com o símbolo de Hécate
estava coberta por tinta escura.
A única fonte de luz vinha de velas pretas, todas de alturas variadas.
Hades não sabia muito sobre feitiçaria, mas sabia que aquelas velas eram
tipicamente usadas para proteção, o que o fez se perguntar exatamente do que
Vasilis Remes precisava se proteger… bem, além deles.
Por outro lado, talvez os Magi tenham mantido a loja escura para esconder
o caos. Era uma ruína, cheia de caixas de pedras e cristais de todas as formas
e tamanhos, livros que estavam desorganizados e enfiados em todos os cantos
abertos. Havia bonecos de vodu e facas ritualísticas, frascos de óleos e poeira
e…
— Sangue de pomba — disse Hécate.
Hades olhou para a deusa, que estava do outro lado da sala momentos
atrás. Eles tinham uma competição havia já alguns anos. Quem conseguisse
surpreender o outro ganharia, o prêmio a ser reivindicado no dia da vitória.
Ele ergueu uma sobrancelha. — Eu sei que você estava tentando me
assustar.
— Funcionou? — perguntou ela.
Hades se inclinou um pouco mais, oferecendo um deliberado “Não” antes
de voltar para a fileira de frascos, acenando para aquele com o sangue
vermelho quase preto.
— Para que isso é usado?
— Principalmente feitiços de amor — respondeu ela.
Hades deveria ter adivinhado. A pomba era o símbolo de Afrodite, e amor,
sua área de expertise. Este era um exemplo de porque os Magi eram tão
perigosos: tentavam obter o poder dos deuses, geralmente para propósitos
nefastos e implicações desastrosas.
— Também é usado para selar pactos e promessas — disse ela. — Pena
que eles não podem extrair favores divinos.
— Humm — concordou Hades, quando notou que Hécate enrijeceu. Algo
a tinha surpreendido.
— O que é?
A deusa atravessou a sala, aproximando-se do balcão. Hades seguiu,
curioso a princípio e depois horrorizado com o que viu. Um conjunto de
prateleiras estava montado na parede atrás do balcão e, exibidos como bens
valiosos, havia um conjunto de mãos enrugadas. Cada um tinha uma vela
presa entre os dedos.
— Hécate. — Hades disse o nome dela calmamente. — O que são?
— Mãos da Glória — disse ela. — Tradicionalmente, são as mãos de
vítimas enforcadas.
Os dois trocaram um olhar; as pessoas não eram mais enforcadas na Nova
Grécia. Se Hades tivesse que adivinhar, aquelas mãos tinham vindo de
sepulturas.
— Dizem que quem possui uma pode imobilizar qualquer pessoa.
Era uma arma blasfema que poderia fazer muito mal se dada à pessoa
errada.
Nesse momento, um homem rechonchudo saiu cambaleando de uma
cortina atrás do balcão. Não olhou na direção deles enquanto esfregava as
palmas das mãos sobre suas vestes negras, o que Hades achou inquietante.
— Posso ajudá-los? — Sua voz era um gemido agudo, e Hades teve o
pensamento de que seria irritante torturá-lo.
— Você pode começar nos dizendo onde Sísifo de Éfira está escondido —
disse Hades.
A cabeça do Magi virou-se para eles, os olhos pequenos se arregalando em
seu rosto gorducho e pálido. Ele tropeçou desajeitado e caiu sobre algo
escondido nas sombras atrás de sua mesa. Depois de um momento, ele se
levantou, lutando para alcançar uma das mãos da prateleira. Quando ele
finalmente a tirou do lugar, segurou-a no alto, tremendo.
— Fiquem onde estão!
Hades e Hécate trocaram um olhar.
— Eu possuo o poder dos deuses! — Sua voz vacilou, e ele cuspiu
enquanto falava. — Pagoma!
Houve silêncio por um momento quando o Magi percebeu que não era tão
poderoso quanto os dois deuses à sua frente.
— Ah, precioso mortal — disse Hécate, e o tom doce de sua voz
contradisse seus olhos que se estreitavam.
A mão enrugada que ele segurava no alto se desintegrou, então as outras
em sua prateleira fizeram o mesmo. — Você me ameaçaria quando é meu
símbolo que carrega em sua loja?
A voz de Hécate mudou naquele momento, assumindo um tom distorcido,
e Vasilis se afastou, encolhendo-se na parede e tremendo. Não era frequente
Hades testemunhar a ira de Hécate, e ele tinha que dizer que gostava de ver o
fogo em seus olhos.
— Você nunca conhecerá o poder dos deuses.
O ar se agitou com a magia de Hécate, extinguindo as velas flamejantes, e
enquanto Hades gostaria de ver o clímax da raiva da deusa, ele também
precisava do Magi vivo e capaz de falar.
— Você terminou de assustar o mortal? — perguntou Hades.
— Espere sua vez — disse ela.
— É a minha vez. — Hades deu a ela um olhar significativo que dizia:
lembre-se por que viemos aqui.
— Se vocês estão discutindo sobre minha punição iminente — disse o
Magi. — Então eu realmente prefiro ficar com Lady Hécate.
— Não pode escolher por quem será punido, mortal — retrucou Hades. —
Você tem muita coragem, ameaçando assim deuses. Sem mencionar esse
negócio blasfemo que administra.
— Entrei em pânico — disse.
Hades fechou a boca com força. — Sísifo de Éfira. Onde ele está?
Hades viu reconhecimento nos olhos do mortal.
— Diga — ordenou Hades.
— Sís-Sísifo de Éfira, você diz? — gaguejou Vasilis. — N-Não. Acho que
está enganado, meu senhor. Não conheço ninguém com esse nome.
Hades odiava mentiras. Eles tinham um sabor e um cheiro amargos e
pungentes. Suas sobrancelhas se fecharam sobre os olhos e, enquanto
avançava sobre o Magi, mudou de tom.
— Quero dizer, você disse Sísifo de Éfira? Eu pensei que você disse Sísifo
de Fira — ele continuou, sua risada desajeitada enquanto deslizava ao longo
da parede, longe dos dois deuses. — Sim, sim… Sísifo esteve aqui ontem.
Houve um momento de silêncio, e então Hades falou, palavras saindo
entredentes. — Onde ele está agora?
— Eu… eu não sei.
A paciência de Hades era um fio fino, e se rompeu. Ele estourou. Garras
se projetaram das pontas de seus dedos. Quando ele deu um passo em direção
ao homem, houve um som de estrondo que veio da sala dos fundos onde o
mortal estivera. Hades olhou para o mortal antes de mudar de rumo e seguir
em direção à sala dos fundos.
— Espere.
— Você está pedindo a Hades, Deus do Submundo, para cortar seu rosto
em pedaços? — perguntou Hécate. — Porque assistirei com prazer.
— Você está procurando por Sísifo? Eu vou te dizer onde ele está!
Venha… volte! — chamou ele quando Hades desapareceu atrás da cortina.
Ele se viu em um corredor escuro que desembocava em uma sala maior. O
ar estava frio e rançoso, cheirando levemente a podridão, cera e algo parecido
com cabelo queimado. Era mais limpo do que a fachada da loja e cheio de
vitrines de vidro elegantes, sob as quais havia uma variedade de itens
expostos com cuidado. Ficou claro o motivo pelo qual Vasilis não queria que
Hades se aventurasse aqui. Ele estava vendendo relíquias – tecidos
esfarrapados e pedaços de joias, pontas de lanças quebradas e lascas de
escudos, ossos e cerâmica quebrada. Essas eram coisas que haviam sido
retiradas dos campos de batalha após a Grande Guerra. Ele não sabia por que,
mas ver os resquícios da guerra nunca foi fácil para ele. Isso o lembrou do
trauma da Titanomaquia, de campos de batalha sangrentos e cadáveres
quebrados.
Ainda assim, Hades procurou na escuridão a fonte do ruído e a encontrou.
Um conjunto de livros tinha sido derrubado de uma prateleira. Hades se
inclinou para pegá-los e, ao se endireitar, seu olhar encontrou o de uma gata
preta com olhos amarelos. A criatura sibilou para ele, e ele sibilou de volta. A
gata uivou e saltou de seu lugar, desaparecendo na escuridão.
— Temos um negociante do mercado ilícito — gritou Hades para Hécate.
Vasilis entrou na sala primeiro, sua mão estendida no ar como se estivesse
se rendendo. Foi então que Hades notou uma imagem familiar gravada na
pele pálida de seu pulso: um triângulo. Seus olhos se estreitaram.
— Então, você é um membro da Tríade?
O Magi congelou. — Não por opção.
Foi a resposta mais rápida que ele deu, e soou verdadeira.
— Então por que a marca deles está em sua pele?
A pergunta deixou Hades inquieto. Ele não pôde deixar de pensar em
Perséfone e na marca em seu pulso. Que ele havia colocado lá contra a
vontade dela.
— O que eles fizeram? — Foi Hécate quem fez a pergunta, seu tom gentil,
vendo algo dentro do mortal que Hades, aparentemente, não via.
— Eles a queimaram — respondeu Vasilis, abaixando as mãos.
— Quem? — perguntou Hades.
— Minha gata.
— Sua gata? — Hades não ficou impressionado.
— Eles a queimaram bem na minha frente — disse ele, sua voz cheia de
emoção. — Pensei que a tinha perdido para sempre, mas o líder deles… ele
guardou sua coleira. Ele disse que a devolveria se eu me juntasse a eles.
Eles… precisavam de magia.
— Um golem? — perguntou Hades.
Vasilis assentiu.
Hades entendia agora. O Magi concordou em servir a Tríade em troca da
coleira. Era o único item que restava que pertencia a sua gata, mas ele não o
queria porque era sentimental. Ele o queria com um propósito – o colar
poderia ser usado para ressuscitá-la, o que, ao que parece, tinha sido bem-
sucedido.
— Então, você trocou sua liberdade por uma coleira?
— O que você trocaria por algo que ama? — retrucou o Magi.
O mundo, pensou Hades.
— Ah! — exclamou Hécate de repente, curvando-se para pegar a gata que
havia sibilado para Hades mais cedo. — É ela? Que bebê fofo! Qual o nome
dela?
— S-Serena.
— Serena — disse Hécate, levantando a gata como se fosse uma criança.
— Eu tenho uma doninha chamada Gale…
Hades suspirou. — Hécate…
— Isso é ser humano, Hades — disse a deusa. — Você deveria estar
tomando notas. Você não quer impressionar Perséfone?
— Quem é Perséfone? — perguntou o Magi.
— Não é da sua conta — retrucou Hades, então ele olhou para Hécate e se
odiou por sua próxima pergunta. — O que uma gata tem a ver com ser
humano?
— Tem tudo a ver com a gata — disse Hécate, então ela suspirou. — A
gata é a humanidade. É o que torna este — Ela gesticulou em direção ao
Magi —, infeliz, triste e lamentável mortal merecedor de salvação.
— Você não viu a alma dele — murmurou Hades.
Hécate o encarou.
— Estou lhe ensinando uma lição, Hades! Aprenda.
Hades estava prestes a dizer que ela era uma professora horrível, quando
sentiu o ar mudar atrás dele. Ele se virou e as sombras se separaram de sua
essência, correndo em direção à forma do Magi, que tentava escapar pelo
corredor.
As sombras o envolveram e o enviaram voando para trás. O Magi colidiu
com uma de suas imaculadas vitrinas e ficou imóvel.
Hécate fez uma careta.
— Você não tinha que jogá-lo tão forte. Ele não é um deus.
— Ele queria agir como um.
Hécate arqueou uma sobrancelha. — Essa é a resposta de um deus
compassivo?
— Era isso que você estava tentando ensinar?
Hades deu um passo em direção ao mortal e acenou com a mão. O Magi
abriu os olhos, piscando, e então gemeu quando a dor começou.
— Ouça aqui, mortal, e ouça bem. Você me dirá quem solicitou seus
serviços, ou passarei a eternidade cortando sua língua e dando para sua gata
comer. Entendeu?
O homem assentiu, respirando com dificuldade, e respondeu:
— Seu nome é Teseu.
Teseu.
Era um nome que Hades conhecia bem, pois era o nome do filho de
Poseidon, seu sobrinho.
— O golem foi ideia de Sísifo — explicou Vasilis. — Ele era meu cliente.
Foi depois que ele veio me visitar que Teseu chegou, exigindo conhecer os
planos de Sísifo. Ele me fez invocar um portal para o armazém. Ele saiu
daqui com Sísifo. Não sei para onde foram.
Então Sísifo foi enganado tanto quanto Hades. A questão era: o que Teseu
queria com Sísifo? Ele buscava vingança pelo assassinato de Éolo Galani, ou
havia algo mais em suas ações?
Depois de um momento, o Magi falou:
— Por favor… por favor, não leve minha gata.
— Hécate — Hades chamou a deusa, que tinha ido em direção ao corredor
escuro com a gata ainda em seus braços. — Traga a gata.
— E-espere. Eu disse por favor!
— Ah, você também vem, mortal — disse ele, e os olhos de Vasilis se
arregalaram.
— Mas eu disse a verdade! Eu…
O Magi foi silenciado, desaparecendo com um aceno da mão de Hades.
Ele passaria um tempo preso, mas não no Tártaro – ele iria para um Local
Fantasma, uma prisão que só podia ser vista por aqueles que eram
favorecidos. Era um lugar especial para mortais como ele – Magi que
infringiam a lei ou guardavam segredos – e em raras ocasiões, podiam ser
usados como isca.
Hades virou-se para Hécate. — Veja, eu posso ser compassivo.

Antes de deixar As Três Luas, Hades convocou Ilias à loja para que o
sátiro pudesse descartar o conteúdo – o que significava queimá-lo. Ele e
Hécate se separaram. Hades tinha negócios com Afrodite, enquanto Hécate
pretendia retornar ao Submundo.
— As almas estão celebrando você esta noite — ela o lembrou. —
Ficariam muito felizes em vê-lo.
A culpa o atingiu, como sempre acontecia quando seu povo reservava
tempo para adorá-lo.
— Perséfone estará lá. Acredito que planejem honrá-la também.
Isso não foi inesperado. Ela merecia a adoração deles. Ela era mais deusa
do que ele jamais tinha sido para eles. Além disso, teriam que se acostumar a
celebrá-la. Perséfone seria a rainha deles.
— Talvez eu consiga desta vez — disse ele antes de partir, mas duvidou
de suas palavras.
A Deusa da Bruxaria tinha boas intenções, mas havia alguns demônios que
Hades não desejava enfrentar, e seu povo – como ele os tratara – era um
deles.
Hades encontrou Afrodite em sua mansão à beira-mar, reclinada em uma
espreguiçadeira em sua casa de mármore, janelas do chão ao teto com vista
para o oceano e para a ilha de Hefesto. Quando ele apareceu, ela bocejou,
colocando as costas da mão sobre a boca.
— Esperava que você voltasse ontem à noite — disse ela, abanando-se
com o que parecia ser um feixe de penas. — Você deve ter tido uma grande
distração em suas mãos.
— Seu mortal drogou Perséfone — disse Hades, chegando ao ponto de sua
visita. Normalmente não se importava com a insistência de Afrodite, mas não
estava com disposição para isso hoje.
A deusa não reagiu, mas sua mão continuou a se mover, o leque
emplumado batendo em um ritmo constante.
— Onde está sua prova? — perguntou ela, entediada.
— Eu provei o veneno na língua dela, Afrodite — disse Hades, firme.
— Provou? — Afrodite sentou-se, os olhos ligeiramente arregalados
enquanto colocava o leque de lado. — Então você a beijou?
A mandíbula de Hades se apertou e ele não respondeu.
— Você está apaixonado? — perguntou ela, e havia uma nota de alarme
em sua voz que Hades não entendeu. Afrodite temia que ele ganhasse a
barganha e ela perdesse a chance de ver Basil voltar do Submundo? Ela se
importava mesmo com Basil? Ou temia não o ver mais como ela se via:
sozinha?
Ele olhou para ela, e seus olhos brilharam, um sorriso curvando seus
lábios. — Você está! Ah, essa sim é uma novidade!
— Chega, Afrodite.
Ela cruzou os braços sobre o peito. — Suponho que você tenha vindo aqui
para ameaçar Adônis?
— Eu vim para perguntar por que você deixou isso acontecer.
Os olhos de Afrodite se arregalaram, e ela piscou, claramente não
esperando Hades fazer essa pergunta. Então seus olhos se estreitaram. — Do
que você está me acusando, Hades?
— Você mantém seus amantes em rédea curta, e ainda assim você deixou
Adônis ir e me convocou quando as coisas ficaram fora de controle. Você
esperava me ver com raiva?
— Acho que você está me acusando de armar o desastre da noite passada.
Afrodite podia ser a Deusa do Amor, mas não acreditava nele e muitas
vezes dificultava sua obtenção para os mortais. Ela viu isso como um jogo e
os jogou como peões, introduzindo distrações, desafiando o vínculo que ela
nunca poderia estabelecer com outro.
Ele sabia o que ela estava fazendo, e ele estava aqui para detê-lo.
— Perséfone não é um brinquedo, Afrodite. Você não vai foder com ela.
Os lábios dela se estreitaram e os olhos verde-mar escureceram.
— Não há regras para a barganha, Hades. Posso desafiar sua escolha o
quanto quiser.
— Deixe-me ser claro, Afrodite. Esta barganha não tem influência sobre
se Perséfone será ou não minha rainha, pois esse é um futuro tecido pelas
Moiras. Se você foder com ela, fode comigo.
— Se ela não o ama, você não pode impedir que ela flerte.
— É isso que você estava tentando provar na noite passada? Porque tudo o
que vi foi minha futura esposa em perigo. Um crime que não ficará impune.
— A menos que…?
Sua pergunta fez Hades rir, e o som roubou a expressão presunçosa de
Afrodite.
— Ah, não há barganha quando se trata de minha rainha — respondeu
Hades. — A existência de Adônis no Submundo será terrível.
Enquanto ele falava, os olhos da Deusa do Amor se arregalaram e a raiva
nublou seu rosto.
— Hades. — O nome escorregou por entre seus lábios como um aviso.
— Nada me impedirá de rasgar a alma de Adônis. Descanse bem sabendo
que você decidiu o destino dele, Afrodite.
A última coisa que ele ouviu antes de sair foi Afrodite gritando seu nome.

Hades voltou ao seu escritório no Submundo. Dava para Asfódelo, e ele


observava de longe a festa de seu povo, iluminada pela luz da lanterna. A esta
distância, não podia ver Perséfone, mas sabia que ela estava ali. Sua presença
desenterrou mais lembranças da noite anterior, e junto com isso, a culpa de
deixá-la na cama, nua, com a pele corada de desejo. Pelo menos ele havia
provado uma coisa para si mesmo: ela o queria mesmo sóbria.
Ele suspirou e bebeu um copo de uísque antes de afrouxar a gravata e ir
para a casa de banho. Precisava lavar-se. Ele se sentia impuro, o fedor de
magia negra e da loja de Vasilis grudados em sua pele.
Ele parou na entrada da casa de banho privada, onde podia ouvir o barulho
da água e sentir o cheiro de Perséfone. O pensamento de vê-la nua novamente
o encheu de tesão, seu membro engrossando com o pensamento de estar
dentro dela.
Mas ela o rejeitaria? Ou o convidaria para explorar cada faceta do corpo
dela?
Estava prestes a descobrir.
Saiu da sombra, descendo os degraus, assegurando-se de fazer barulho
suficiente para não a assustar. Quando ele apareceu, ele a encontrou no centro
da piscina oval, ladeada de ambos os lados por colunas de mármore. Seus
olhos estavam arregalados, suas faces coradas, seu cabelo estava molhado e
colado em seu corpo como trepadeiras enroladas em porcelana. A água batia
em seus seios, chegando apenas a seus mamilos rosados, e estava tão limpa
que ele podia distinguir a curva de seus quadris e os cachos escuros no ápice
de suas coxas. Seus pensamentos se voltaram para como seria separar aquela
carne acetinada e explorar a evidência de seu desejo por ele. Ele tinha certeza
de que ela estaria lisa e quente, pronta para seus dedos e sua boca, e ele
beberia dela até ela se desfazer em seus braços.
Então seus olhos caíram para seus pés, onde as roupas dela estavam
empilhadas. No topo, estava uma linda coroa de ouro. Ele reconheceu o
trabalho como sendo de Ian Kovac, um ferreiro talentoso que residia no
Submundo por séculos.
Hades se inclinou e o pegou para um exame mais atento. Era uma bela
coroa floral com pedrarias, um equilíbrio perfeito da flora que o representava
tanto quanto a Perséfone.
— É lindo.
Ela olhou fixamente, seus olhos queimando como uma forja. Hades se
perguntou que pensamentos acompanhariam aquele olhar. Seriam tão
lascivos quanto os dele? Ela estaria se perguntando como seria o membro
dele em suas mãos, como seria o gosto dele em sua boca, que som ele faria ao
gozar?
Ela pigarreou, interrompendo seus pensamentos. — É sim. Ian fez para
mim.
— Ele é um artesão talentoso. Foi o que o levou à morte.
Suas sobrancelhas se juntaram. — Como assim?
— Ele foi favorecido por Ártemis, e ela o abençoou com a habilidade de
criar armas que garantiam que seu portador não pudesse ser derrotado em
batalha. Ele foi morto por isso.
Favor divino podia ser perigoso. Fazia de mortais alvos tanto na
antiguidade quanto hoje. Às vezes, os resultados eram positivos e o receptor
recebia celebridade e status; outras vezes, o receptor morria.
Hades olhou para a coroa por mais um momento. Era significativo que ela
tivesse aceitado tal ornamento de seu povo, mesmo que o tivesse feito para
agradá-los. Era um sinal de sua dedicação a eles, uma qualidade de uma
verdadeira rainha. Ele a colocou em cima de suas roupas e, em seguida,
levantou-se, encontrando o olhar de Perséfone novamente. Também era
significativo que ela não tivesse se movido para se esconder dele.
— Por que você não foi? — perguntou ela. — Para a celebração em
Asfódelo. Era para você.
— E para você. Eles celebraram você — disse ele. — Como deveriam.
— Eu não sou a rainha deles.
— E eu não sou digno da celebração deles.
— Se eles acham que você é digno de comemoração, não acha que é o
suficiente?
Hades não respondeu. Ele não queria falar sobre esse assunto. Na verdade,
as únicas palavras que ele queria compartilhar com ela eram súplicas eróticas
e gemidos ofegantes. Seu pênis latejava, desesperado por liberação e prazer, o
que fez seu sangue subir à cabeça e o impediu de se concentrar em qualquer
coisa além de sexo.
— Posso me juntar a você?
Ele notou a forma como a garganta dela se contraiu enquanto ela engolia,
assentindo. Seu convite só encorajou o fogo. Ele segurou seu olhar enquanto
se despia, quase gemendo quando liberou seu sexo saliente dos limites das
calças. Estava inchado e tenso ao ponto de doer. Precisava gozar, e estava
ainda mais desesperado por isso quando o olhar de Perséfone percorreu o
comprimento de seu corpo, tão faminta quanto ele se sentia.
Entrou na piscina e falou enquanto se aproximava. — Eu acredito que
devo a você um pedido de desculpas.
— Pelo quê, especificamente?
Um sorriso tocou seus lábios. Estava ciente de que ela sentia que ele lhe
devia um pedido de desculpas por mais do que apenas a forma como ele a
deixou ontem. O problema era que um pedido de desculpas era oferecido
quando alguém realmente se arrependia do que havia feito, e Hades achava
que nunca se arrependeria por fazê-la entrar em um contrato. Isso significaria
sua liberdade, se ela percebesse isso agora ou não.
Ele se aproximou, elevando-se sobre ela, e tocou seu rosto, roçando seu
dedo em sua face.
— Da última vez que nos vimos, fui injusto com você.
Ela desviou os olhos, e a mão de Hades saiu de seu rosto quando ela disse
em voz baixa:
— Fomos injustos um com o outro.
Ela estava falando sobre o artigo que havia escrito, e o fato de que ela
estava reconhecendo sua injustiça fez com que ele prendesse a respiração no
peito. Era demais esperar que ela estivesse mudando de ideia sobre ele?
— Você gosta de sua vida no reino mortal? — Ele tinha que perguntar,
precisava avaliar seu apego ao Mundo Superior. Ela o deixaria para ser sua
rainha?
— Sim. — Ela se afastou dele, nadando para trás, seus seios subindo
acima da água. Hades seguiu, como se ela o estivesse puxando por uma
corda. — Eu gosto da minha vida. Tenho um apartamento, amigos e meu
estágio. Vou me formar na universidade em breve.
— Mas você é Divina.
Ele não entendia. Por que ela estava construindo essa vida mundana no
Mundo Superior, quando ela poderia ter qualquer coisa? Tudo?
Ela parou de se afastar, e eles ficaram a centímetros de distância. Ele
podia sentir o roçar de seus mamilos na sua pele enquanto ela respirava.
— Eu nunca vivi como Divina, e você sabe disso — retrucou ela, e parecia
quase frustrada com ele, uma linha aparecendo entre suas sobrancelhas.
— Você não tem desejo de entender o que é ser uma deusa?
— Não.
— Acho que você está mentindo — disse ele. Ele podia sentir o gosto
imediatamente, aquele gosto amargo e metálico no fundo de sua boca. A
pergunta era, por quê? Se fosse chutar, pensaria que tinha algo a ver com seu
poder adormecido.
— Você não me conhece.
Seus olhos se acenderam como almas subindo ao céu noturno.
Sim, ele pensou, alimente esse fogo.
Ele a queria com raiva, queria sentir a paixão dela irradiar do corpo da
deusa e vibrar através do seu.
Ele estreitou os olhos. — Eu a conheço.
Ele se moveu para ficar atrás dela, tocando-a apenas com as pontas dos
dedos, percorrendo sua clavícula e ombro.
— Sei como sua respiração falha quando eu toco em você. Sei como sua
pele fica vermelha quando você pensa em mim. Sei que há algo por trás desta
bela fachada.
Ele deu um beijo em seu ombro, antes de sua mão se mover para baixo,
roçando seu seio. Perséfone inalou bruscamente quando seu corpo se arqueou
contra o dele, e Hades quase gemeu.
— Fúria. Paixão. Escuridão. — Ele pontuou as palavras com sua língua no
pescoço dela.
— E eu quero provar isso.
A mão de Hades deslizou pela barriga dela antes de enganchar em sua
cintura, então puxou-a mais perto dele, deixando claro seu desejo por ela. O
pênis dele se encaixava perfeitamente no traseiro bem torneado de Perséfone,
as costas do deus no peito dela.
— Hades. — Ela arfou seu nome, e isso o deixou faminto.
Ele deixou cair a cabeça na curva do ombro dela e implorou:
— Deixe-me mostrar o que é ter o poder em suas mãos. Deixe-me
persuadir a escuridão em você. Eu vou ajudá-la a moldá-la.
Enquanto ele a segurava contra ele, sua outra mão procurou o centro dela.
Seus dedos se enfiaram pelos cachos grossos e escuros até que ele segurou o
sexo da deusa, sentindo o calor molhar sua mão. A cabeça de Perséfone
pendeu para trás, descansando em seu ombro, e seu arquejo o encorajou.
— Hades, eu nunca…
— Deixe-me ser seu primeiro.
Era um apelo, mas também uma pergunta. Ele queria desesperadamente,
podia sentir o quanto ela queria também. Mas havia uma diferença entre
querer e estar pronto, e ele não a pressionaria se ela precisasse de tempo.
Exceto que ela assentiu, convidando a mão dele a abrir sua carne. O
polegar dele roçou levemente sobre seu clitóris, provocando ao longo da
entrada de sua carne delicada e deliciosa. Ela ficou na ponta dos pés, o corpo
ficando rígido sob o toque.
— Respire — sussurrou ele, e quando ela o fez, seus dedos afundaram
mais fundo, provocando um grito de Perséfone e um gemido de Hades. Sua
cabeça estava nublada com desejo. Queria tudo de uma vez, explorá-la com
sua mão, sua boca e seu pênis. Ele queria tomá-la de um milhão de maneiras
eróticas diferentes, e ainda assim ela era nova em tudo isso, o corpo dela não
estava familiarizado com essa… invasão. Ele mordeu o lábio com força para
voltar a este momento, para se concentrar em dar prazer a Perséfone, não em
sua necessidade latejante de gozar.
Hoje tratava-se do prazer dela.
— Você está tão molhada. — As palavras saíram como um sibilo, o rosto
dele enterrado no cabelo dela. O cheiro de baunilha e lavanda nublou seus
sentidos. Quando ele sentiu as unhas dela cravarem em sua pele, ele guiou a
mão dela até onde a sua estava profundamente enterrada.
— Toque-se. Aqui.
Ele mostrou a ela como trabalhar seu clitóris, levemente roçando o feixe
de nervos que estava logo acima de seu calor úmido, onde ele ainda estava se
movendo. Ele se deleitou em observar a forma erótica como ela se movia
contra ele, balançando os quadris, desesperada para senti-lo mais
profundamente, e ele estava feliz em obedecer. Ele amou a forma como ela
gemia, a forma como a respiração dela ficou presa na garganta, a forma como
a cabeça dela pendeu contra o ombro dele. Ele continuou se movendo dentro
dela enquanto sua outra mão se movia para os seios dela, apertando e
estimulando os mamilos, e então ele se afastou dela.
O grito chocado de Perséfone o fez sorrir, e ela se virou para ele. Ele não
tinha certeza do que ela pretendia fazer, mas não lhe deu a chance de seguir
adiante. Ele a puxou para si, e sua boca desceu sobre a dela, separando os
lábios, as línguas movendo-se uma contra a outra com um desespero que
nunca havia sentido antes. Era o resultado de semanas de necessidade
reprimida, e ele a liberaria agora, a adoraria até que ela estivesse vermelha e
em carne viva.
Ele interrompeu o beijo e descansou a testa na dela, pensando que sempre
iria valorizar este momento: a pausa durante a paixão, na qual eles
compartilharam tanto e compartilhariam mais.
— Você confia em mim?
— Sim.
Ele a estudou por mais um momento, memorizando a honestidade gravada
em seu rosto, antes de beijá-la e levantá-la da piscina. Ele a sentou na beirada
e se enfiou entre suas coxas, as mãos ancoradas em sua cintura. Ele ficaria
aqui para sempre se isso significasse que ela sempre olharia para ele com
aqueles olhos de pálpebras pesadas.
— Diga que você nunca esteve nua com um homem — disse ele. — Diga
que sou o único.
Era uma pergunta primal, uma estranha necessidade que sentia no fundo
do estômago, que vibrava através do fio que os conectava. Ele queria ser o
primeiro a explorar seu corpo, o único a conhecer sua verdade e lhe trazer
prazer.
Sua expressão suavizou, e ele sentiu a mão dela em seu rosto. — Você é.
Mais uma vez, ele a beijou e passou os braços sob seus joelhos. Ele a
puxou para frente até que ela estivesse apoiada ao lado da piscina. Os beijos
dele foram de sua boca para sua mandíbula, para seu peito e abdome, o
queixo roçando os cachos molhados em seu centro, instigado por Perséfone,
cujas mãos se enroscavam no cabelo dele, puxando e raspando enquanto
arquejos agudos e gemidos sensuais escapavam de sua boca. Era uma
sinfonia erótica que ele poderia ouvir pelo resto da vida imortal.
Enquanto cobria sua pele de beijos, sentindo seu gosto, ele encontrou algo
que não esperava: uma mácula em sua pele perfeita. Manchas descoloridas
verde-amareladas, hematomas espalhados por suas coxas.
Ele olhou para ela. — Fui eu?
— Está tudo bem.
Ainda assim, ele franziu a testa, odiando que a tivesse machucado, e
beijando cada hematoma, curando-os completamente enquanto se
aproximava de sua entrada. Não podia esperar uma vez que tinha sentido seu
calor. Tinha pensado em provocá-la mais, em evocar arquejos de frustração e
demandas por sua língua, mas ele estava fraco, sua contenção em pedaços.
Desceu sobre ela como se ela fosse um banquete e ele estivesse faminto. Seu
grito de prazer estremeceu através dele, direto para seu pênis, lembrando-o
que eles tinham horas de prazer por vir.
Ele começou com carícias leves, roçando seu clitóris e deslizando sobre
sua entrada úmida, mas quando as mãos dela se apertaram no cabelo dele e
seus gritos se tornaram guturais, ele a puxou para mais perto, a língua
chegando mais fundo, saboreando a pele lisa e doce. Ela se contorceu
embaixo dele, e ele usou uma mão para mantê-la no lugar enquanto a outra
provocava aquele feixe de nervos sensíveis. Ela ficou tensa embaixo dele,
uma represa pronta para estourar, e quando ela finalmente encontrou o
orgasmo, ele bebeu.
Quando terminou, levantou-se e a beijou, com a boca ainda molhada de
seu sexo. Ela o acolheu, envolvendo-o com braços e pernas. Ela se sentou
logo acima do pênis dele, sua entrada provocando a ponta, e ele cerrou os
dentes para não a empalar de uma vez. Quando ele se afastou, seus olhos
perfuraram os dela.
Deixe-me tê-la, ele pensou. Ele observou enquanto ela puxava o lábio
entre os dentes, outro convite sem palavras, mas assim que ele se moveu para
guiar seu membro latejante para dentro dela, ele ouviu a voz de Minta.
— Lorde Hades?
Seus dentes pareciam que iriam quebrar. Ele nunca odiou tanto um som
em sua vida, mas este era um que ele amaldiçoaria pelo resto de sua
existência. Ele notou a forma como Perséfone enrijeceu, e ele a segurou no
lugar enquanto se afastava da borda da piscina, virando-se para que ela
ficasse de costas para a ninfa quando ela entrou na casa de banho. Era uma
tentativa de preservar um pouco de sua modéstia, mesmo com as pernas ainda
em volta da cintura dele.
Exceto que Perséfone o surpreendeu envolvendo seu membro com a mão.
Eles olharam um para o outro, e se olhares pudessem iniciar fogo, eles
incinerariam.
— Ha…
Minta estava no topo dos degraus que levam à casa de banho. Sua
mandíbula se apertou, e suas feições ficaram rígidas com a visão com a qual
tinha topado.
— Sim, Minta? — A voz de Hades estava tensa, sua raiva e desejo
guerreando pelo domínio em sua mente. Perséfone acariciou sua ereção,
fazendo círculos delicados com o polegar na coroa de seu pênis.
— Nós… sentimos sua falta no jantar — disse Minta.
Tudo que Hades podia pensar era, Por que ela ainda está falando?
— Mas vejo que você está ocupado.
A mão de Perséfone desceu até a raiz.
— Muito — disse ele entredentes.
— Vou avisar o cozinheiro que você está completamente saciado.
Até a ponta.
— Bastante — rangeu ele.
Minta permaneceu ali por mais um momento, como se quisesse dizer mais
alguma coisa, mas – inteligentemente – não disse. Ela se virou e saiu, e
Hades olhou para Perséfone. Eles continuariam de onde haviam parado. Ela o
provocara o suficiente, e agora ele saberia como era estar dentro dela, ser
consumido por aquele calor hipnotizante.
Exceto que ela se afastou dele.
— Aonde você vai? — Hades a seguiu.
— Com que frequência Minta vem até você na casa de banho? —
perguntou ela ao sair da piscina.
— Perséfone.
Não faça isso. Não comece esse assunto, ele quis dizer, mas ela não estava
olhando para ele e se cobriu com uma toalha.
— Olhe para mim, Perséfone.
Ele ainda estava na piscina, mas havia se movido o suficiente para que a
água chegasse às suas coxas. De alguma forma, ele se sentia igualmente
exposto, sua carne dura em plena exibição, para que ela não tivesse dúvidas
de seu desejo por ela.
— Minta é minha assistente.
— Então Minta pode auxiliar com sua necessidade. — Ela se atreveu a
prender o pênis dele com seu olhar vicioso. Ele baixou as sobrancelhas e
deixou a água, o braço deslizando ao redor da cintura dela. Ele a puxou para
ele.
— Eu não quero Minta — rosnou ele.
— Eu não quero você.
Ele queria rosnar com o gosto amargo no fundo de sua boca enquanto
saboreava sua mentira.
— Você não… me quer? — perguntou ele.
— Não — disse ela, mas sua voz era um sussurro rouco.
Os olhos de Hades caíram para seus lábios inchados de tanto beijar antes
de levantar-se para seus olhos mais uma vez. Depois de um momento, ele
perguntou:
— Você conhece todos os meus poderes, Perséfone?
Ele notou a forma como a garganta dela se contraiu enquanto ela engolia.
Ele se perguntou por que, depois do que eles compartilharam na piscina, ela
estava nervosa. Talvez ela não confiasse em si mesma para manter essa
fachada de indiferença.
— Alguns deles — respondeu ela.
Ele inclinou a cabeça, aproximando-se. — Me conte.
— Ilusão — disse ela, e enquanto ela falava, os lábios dele roçaram ao
longo da coluna do pescoço dela.
— Sim — sussurrou ele, continuando a explorar e saborear sua pele.
— Invisibilidade?
— Muito valioso.
— Encanto? — ofegou ela enquanto os lábios dele se moviam em direção
à pele sensível de seus seios.
— Humm. — Ele fez uma pausa e olhou para ela. — Mas não funciona
com você, não é?
— Não. — Ela estremeceu ao responder, e um sorriso ameaçou a
compostura séria de Hades. Ele deslizou um dedo pelo centro de seu peito,
enganchando-o na toalha e expondo seus seios.
— Você parece não ter ouvido falar de um dos meus talentos mais
valiosos. — Ele pegou um botão tenso em sua boca e chupou, apreciando a
forma como a respiração de Perséfone soava em sua garganta. Ele se afastou
e olhou em seus olhos.
— Posso sentir o gosto de mentiras, Perséfone. E as suas são tão doces
quanto a sua pele.
Ela plantou as mãos em seu peito e o empurrou para longe.
— Isso foi um erro.
Essa não era uma mentira, e a verdade disso despedaçou sua alma.
Perséfone juntou o resto de suas roupas e a coroa que Ian havia feito.
Segurou-as contra o peito como se fossem um escudo, como se estivesse
envergonhada do que tinha deixado acontecer. Hades olhou enquanto ela se
retirava escada acima.
— Você pode acreditar que isso foi um erro — falou Hades, e Perséfone
parou, sua cabeça virando apenas um pouco para que ele pudesse ver seu
perfil. — Mas você me quer. Eu estive dentro de você. Eu provei você. Essa é
uma verdade da qual você nunca vai escapar.
E foi essa verdade que lhe deu esperança, porque Hades sabia que podia
construir afeto com fogo.
Ele viu Perséfone estremecer e correr.
19
PROJETO ANOS DOURADOS

Hades se teletransportou para seus aposentos, nu, ereto, desesperado por um


orgasmo.
Ela me deixou, ele pensou enquanto tomava um longo gole direto da
garrafa de uísque que havia pegado no bar. Ele andava de um lado para o
outro, o corpo rígido. Quanto mais ele se movia, mais ele se lembrava de sua
necessidade.
Malditas Moiras. Maldita Minta.
Este é um trago do meu próprio remédio, ele pensou. Eu a deixei também.
Foi assim que ela se sentiu?
O pensamento era agradável e agonizante ao mesmo tempo.
Ele fez uma pausa, bebeu mais uma vez da garrafa e jogou-a no fogo
crepitante. A garrafa despedaçou e, por um momento, as chamas se
enfureceram, a representação perfeita de como ele se sentia por dentro.
Quando as chamas diminuíram, ele se apoiou na mesa e envolveu o membro
inchado com seus dedos, rangendo os dentes e fechando os olhos.
Na escuridão de sua mente, ele se teletransportou para Perséfone,
encontrando-a esparramada em sua cama, as pernas afastadas, os dedos
enterrados dentro de si, dando prazer assim como ele a havia ensinado na
casa de banho. Seus calcanhares estavam fincados na cama, suas costas
arqueadas, sua respiração pesada. Ela era linda, a pele exposta banhada pelo
luar – uma deusa prateada nos espasmos da paixão.
Então ela ficou de joelhos e balançou para frente e para trás, mexendo os
quadris enquanto cavalgava sua mão.
— Diga que está pensando em mim — disse Hades, e sua mão agarrou seu
pênis, acariciando levemente, saboreando a sensação de prazer que o deixava
tonto.
Perséfone se virou, seus grandes olhos verdes encontrando os dele no
escuro. Mesmo sob essa luz, ele podia ver que suas faces estavam coradas.
Seu cabelo caiu em desordem ao redor de seu rosto, e seus mamilos ficaram
eretos contra sua camisola.
— E? — instigou ele.
— Sim — ofegou ela. — Eu estava pensando em você.
Ele rosnou baixo em sua garganta. — Não pare por minha causa.
Ela ficou de joelhos e puxou a camisola pela cabeça. Os olhos dele
percorreram seu belo corpo, seios fartos e mamilos escuros. Uma cintura
pequena que ele queria segurar enquanto ela o cavalgava até o orgasmo, e
quadris largos que se agarrariam a ele quando ele mergulhasse nela.
A deusa começou novamente, separando sua carne para dar prazer a si
mesma. Por um tempo, eles mantiveram contato visual, e enquanto ela se
movia para cima e para baixo, Hades acariciava a si mesmo, aumentando a
urgência quanto mais ele testemunhava sua paixão, a cabeça rolando para
trás, os seios saltando, os dentes mordendo o lábio inferior. Logo seus quadris
começaram a se mover, e ele começou a meter em sua própria mão.
— Goze para mim — ordenou ele. — Goze, minha querida.
Os gritos dela deram lugar aos dele enquanto seu corpo estremecia, a mão
se enchendo com o gozo quente. Ele caiu contra a mesa, respirando com
dificuldade. Apesar de sua necessidade de recuperar o fôlego, ele riu.
Ele riu porque acabara de ter um dos encontros sexuais mais quentes de
sua longa vida. Porque sua deusa – sua futura esposa – tinha dado prazer a si
mesma – e pensara nele.

— Diga por que você está levando Minta para o Baile Olímpico hoje à
noite e não Perséfone?
A pergunta veio de Hécate, que estava atrás de Hades enquanto ele
ajustava sua gravata no espelho. A Deusa da Bruxaria não parecia satisfeita,
intimidante em suas vestes roxas, os braços cruzados sobre o peito.
O Baile Olímpico acontecia todos os anos e era realizada no Museu de
Artes Antigas. Era um evento extravagante e uma desculpa para os deuses
ostentarem sua riqueza. A única razão pela qual Hades tinha ido era porque o
evento também serviria para arrecadar fundos. Este ano, o baile de gala teria
como tema o Submundo, o que significava que Hades e sua fundação
participariam da escolha da instituição de caridade.
— Eu não estou levando Minta — disse Hades. — Minta é minha
assistente.
E ele não tinha perguntado a Perséfone porque ela estava indo para o
trabalho e levando Lexa.
— Você percebe que a única coisa que Perséfone vai ver é você chegando
no baile com Minta?
Hades pensou na outra noite na casa de banhos, quando Minta os
interrompeu. Perséfone olhara incisivamente para sua virilha, seu pênis e
testículos pesados. Ele ouviu as palavras dela em sua mente. Então Minta
pode auxiliar com sua necessidade.
Hades rangeu os dentes e virou-se para a deusa.
— Não pretendo chegar de braço dado com ela — argumentou Hades. —
Ela está lá para apresentar o Projeto Anos Dourados.
Era algo em que sua equipe estava trabalhando na Fundação Cipreste –
uma organização sem fins lucrativos que forneceria cuidados de reabilitação a
mortais gratuitamente. Foi inspirado por Perséfone, cujas palavras ele ainda
podia ouvir, claras como o dia. Se você vai fazer uma barganha, desafie-os a
ir para a reabilitação se forem viciados – e faça ainda melhor – pague por
isso.
Ele não estava fazendo o suficiente. Se seu verdadeiro objetivo era
garantir que a vida no Submundo fosse uma existência melhor para as almas,
elas precisavam ter esperança enquanto estivessem vivas. Nas últimas
semanas, Hades descobrira mais e mais sobre esperança do que ele jamais
imaginou.
Hécate estava olhando, sobrancelha erguida. — Minta sabe disso?
— Não dei a ela nenhuma razão para pensar o contrário — explicou
Hades.
A deusa balançou a cabeça. — Você não entende mulheres — disse
Hécate. — A menos que você tenha deixado explicitamente claro, ou seja, a
menos que você tenha dito as palavras, Minta, você não é meu par, ela vai
pensar isso.
— E o que faz de você uma especialista de repente?
— Posso não estar interessada em relacionamentos, Hades, mas vivi mais
do que você e vi essas emoções destruírem a humanidade. Além disso — Ela
ergueu o queixo, — ouvi Minta dizendo a suas subordinadas que ela tinha um
encontro com você esta noite.
— Suas subordinadas? — perguntou ele.
— Ela tem um grupo de ninfas com quem ela reclama de tudo. Você
deveria ouvir o jeito que ela fala sobre Perséfone.
Os olhos de Hades se estreitaram e, de repente, ele estava cheio de
curiosidade.
— Como ela fala de Perséfone?
Os olhos de Hécate brilharam ameaçadoramente enquanto ela descrevia
em detalhes as coisas horríveis que Minta havia dito sobre a Deusa da
Primavera, incluindo chamá-la de foda de favor – um termo depreciativo que
os mortais usam para descrever alguém que dorme com um deus em troca de
seu favor. Quando Hécate terminou de falar, Hades só fez uma pergunta.
— Por que só agora estou ouvindo sobre isso?
— Eu estava coletando evidências — disse ela defensivamente. — E se
você acha que as deixei se safarem por ofender Perséfone, você está
enganado.
Hades esperou, e Hécate explicou depois de um tempo.
— Posso ter enviado um exército de centopeias venenosas para invadir seu
piquenique. Na segunda vez, mandei taturanas que queimam.
— Segunda vez? Isso aconteceu mais de uma vez?
— O que posso dizer? Minta está fora de controle — disse Hécate,
ignorando a verdadeira natureza da pergunta de Hades, que era: “por que ela
não veio até ele antes?”
Hades se afastou de Hécate, tirando sua máscara da mesa atrás dele.
— Então — Hécate se esquivou. — O que você vai fazer?
— Vou falar com Minta — respondeu Hades.
— Falar — repetiu Hécate. — Você não vai usar isso como uma
oportunidade para… sei lá… bani-la do Submundo?
— Talvez eu não tenha sido claro o suficiente — disse Hades, e nivelou
seu olhar com o de Hécate. — Como você tão… apropriadamente apontou
no início desta conversa. Confie, deusa, depois que eu terminar com Minta,
não haverá menor dúvida de como ela deve tratar Perséfone.
Hades moveu-se para abrir a porta, encontrando a ninfa do outro lado. A
mão dela estava erguida, como se ele a tivesse pegado pouco antes de ela
estar prestes a bater. Ela estava vestida de verde-esmeralda e joias pesadas
pendiam de suas orelhas e pescoço.
— Ah — disse ela, sorrindo largamente, seus olhos correndo para Hécate,
que ainda permanecia no fundo. Eles se estreitaram um pouco antes de focar
outra vez em Hades. — Eu… vim para ver se você estava pronto.
— Mais do que pronto — respondeu Hades, e antes que a ninfa pudesse
reagir, ele reuniu sua magia e se teletransportou. Eles apareceram no Museu
de Artes Antigas, do lado de fora do salão de baile onde aconteceria o jantar.
— Foda de favor — disse Hades, enquanto colocava sua máscara.
Minta olhou para ele, uma mistura de apreensão e medo em seu rosto. —
Perdão?
— Você afirma não reconhecer essas palavras? — perguntou Hades.
Minta não tinha nada a dizer.
— A próxima vez que eu ouvir que você falou mal de Perséfone será a
última vez que trabalhará comigo — disse Hades. — Fui claro?
A ninfa ergueu o queixo, os olhos brilhando de raiva, mas permaneceu em
silêncio, provavelmente envergonhada e zangada por ter sido repreendida por
seu comportamento maldoso. Hades saiu do hall de entrada e entrou no salão
de baile. Na mesma hora, ele foi saudado pela visão de Perséfone descendo as
escadas coroada de ouro e vestida de fogo.
Ele olhou abertamente e com fome. O vestido abraçava o corpo dela,
lembrando a Hades que ele a tinha visto nua, tocado da maneira mais íntima,
ouvido sussurrar seu nome. Ele sabia que ela pensava da mesma forma
enquanto seus olhos verde-garrafa percorriam o corpo dele, inflamando-o de
dentro para fora, e então seus pensamentos se tornaram um caos e ele se
perguntou se ela usava alguma coisa por baixo daquele vestido.
Mas enquanto ela olhava, seus olhos escureceram. Hades enrijeceu quando
Minta caminhou ao lado dele, e o farfalhar de seu vestido rangeu contra seus
ouvidos como uma lâmina de aço sendo afiada.
Ele não olhava a ninfa, mas isso não importava. Ele entendeu a expressão
no rosto de Perséfone. Ela havia presumido o que Hécate havia previsto, que
eles estavam juntos. Hades podia ouvir a voz presunçosa de Hécate.
Eu lhe disse.
Perséfone bebeu seu vinho e então desapareceu na multidão, Lexa
seguindo logo atrás.
— Acho que você foi esnobado — comentou Minta.
O humor de Hades escureceu e ele contornou a multidão na tentativa de
manter Perséfone à vista. Ele queria explicar antes que fosse tarde demais,
mas encontrou seu caminho bloqueado por Poseidon. O deus usava um terno
chamativo, e seu cabelo parecia ter sido modelado em algo que se
assemelhava a uma onda do mar. Hades achou que estava ridículo e se
perguntou o que Tânatos pensaria de seu cabelo.
— Irmão — cumprimentou Poseidon, e olhou por cima do ombro para
onde Perséfone estava com Hermes. — Estou mantendo você longe de
alguém?
Ele não respondeu.
— Ela é maravilhosa — acrescentou ele. — Consigo dizer mesmo com a
máscara. Talvez você compartilhe quando se cansar dela.
Hades estreitou o olhar, inclinando a cabeça enquanto dava um passo para
mais perto de seu irmão. Eles eram iguais em altura, mas não em tamanho.
Poseidon era mais volumoso, mas Hades era mais forte. Se Poseidon
precisasse de um lembrete, Hades ficaria feliz em atender.
— Se você olhar na direção dela novamente, eu vou rasgá-lo membro a
membro e alimentar os Titãs com sua carcaça — disse Hades. — Você
duvida de mim?
Poseidon teve a ousadia de parecer divertido, seus olhos azuis brilhando, e
ele ergueu uma sobrancelha loira. — Ciúme, irmão?
— Isso não é nada. Deveria ter visto o que ele fez quando eu a salvei de
um afogamento — disse Hermes, passeando em volta deles, as asas
arrastando no chão. Hades deu um passo para trás.
— Ele mijou um círculo ao redor dela? — perguntou Poseidon.
A mandíbula de Hades ficou tensa, e ele voltou seu olhar sombrio para
Hermes, que tinha acabado de começar a abrir a boca, quando olhou para
Hades e a fechou. Ele tinha a sensação de que sabia o que Hermes estava
prestes a dizer, que havia marcado Perséfone de outra maneira por meio de
uma barganha.
— Qual é o problema, irmão? Medo de que ela olhe para outros homens?
Hades sentiu a escuridão crescer dentro dele. Mostraria a Poseidon o que
era olhar para outros homens ao remover os olhos dele de seu crânio e jogá-
los do outro lado da sala.
Mas Poseidon foi salvo por Minta, que apareceu atrás dele. Ela deslizou o
braço pelo dele e ofereceu um sorriso encantador.
— Poseidon — disse em uma voz sensual. — Faz um tempo.
O Deus do Mar olhou para ela, oferecendo um sorriso largo e predatório.
— Minta. Você está arrebatadora.
Ela puxou o braço de Poseidon. — Já encontrou sua mesa? — perguntou.
— Ficaria mais do que feliz em ajudar.
Quando ela se virou, olhou para Hades como se dissesse não comece uma
cena.
Quando eles se foram, Hermes falou:
— Se você não quer que Poseidon seja um idiota, não deve provocá-lo.
Hades olhou para o Deus da Trapaça. — O que Perséfone disse para você?
Hermes ergueu uma sobrancelha. — Briga de amante?
Ele olhou feio.
— Eu a peguei comendo você com os olhos e ela tentou negar, mas todos
nós vimos – vocês dois, devo acrescentar –, e todos nos sentimos
desconfortáveis. Sabia que ela pensa que você não acredita no amor?
— O quê?
— Ela parece um pouco amarga sobre isso também — acrescentou
Hermes, os olhos vagando ao redor da sala. — Ah! Cerejas!
Ele se virou para sair, mas parou e olhou para Hades.
— Se você quer meu conselho…
Hades não queria, mas não sentiu vontade de falar.
— Diga a ela.
— Dizer a ela o quê?
— Que você a ama, seu idiota. — Hermes revirou os olhos. — Todos
esses anos vividos, e você não é nem um pouco autoconsciente.
Hermes partiu então, e quando Hades tentou encontrar Perséfone outra
vez, ela não estava mais lá. Ele deu um suspiro frustrado, e suas mãos se
fecharam ao seu lado. Havia tantas palavras girando em sua cabeça – palavras
de Hécate e Minta e Poseidon e Hermes. Estranhamente, era algo que Hécate
havia dito há muito tempo que ecoava em sua mente agora.
Perséfone tem esperança de amar, assim como você, Hades, e em vez de
confirmar isso, você zombou dela. Paixão não requer amor? O que você
estava pensando?
Não estava pensando, esse era o problema.
Por que eu a deixei pensar algo tão falso? ele pensou, e então respondeu
ele mesmo. Porque eu temia expor a verdade do meu coração: que sempre
desejei amar e ser amado.
Ele esperava proteger seu coração, construir uma gaiola em torno dele tão
grossa que nada – nem mesmo Perséfone e sua compaixão – encontraria o
caminho. Exceto agora, ela era a única pessoa que ele queria perto de seu
coração. Era sua compaixão que ele procurava. Era o amor dela que ele
queria.
Porque era ela que ele amava.
Essas palavras empalaram seu peito e torceram lá dentro como lâminas.
Ele sentiu a dor por todo o corpo, na sola dos pés e nas pontas dos dedos.
Ficou trêmulo, cru e exposto. Ele olhou para a multidão para os mortais e
imortais reunidos, que estavam alheios ao fato de que ele havia sido
totalmente mudado neste exato momento, no lugar mais bizarro.
Por que ele não poderia ter essa percepção em outro lugar? No Submundo,
talvez? Posicionado sobre Perséfone com seu pênis provocando sua entrada?
— Malditas Moiras — murmurou.
— O que foi? — perguntou Minta, aparecendo ao seu lado.
Hades olhou para ela. — Acredito que Poseidon tenha achado sua ajuda
prazerosa.
— Com ciúmes, Hades?
— Dificilmente — respondeu ele.
— Não me insulte — retrucou Minta. — Eu fiz por você. Tudo o que faço
é para você.
Eles se encararam. Hades não tinha certeza do que deveria dizer. Ele não
ignorava os sentimentos de Minta por ele, e tinha que admitir que nunca os
havia aceitado.
— Minta…
— Vim para lhe dizer que é hora de seu anúncio — interrompeu ela. —
Você deveria tomar seu lugar.
Ela pegou o vestido nas mãos e se virou, caminhando em direção ao palco.
Hades seguiu atrás, mantendo-se nas sombras, sua presença ignorada quando
Minta foi apresentada e ganhou os holofotes. Ela parecia quase alegre
enquanto falava, nenhum indício de sua frustração anterior presente, mas não
conseguia esconder dele seu desgosto. Ele podia ver isso de maneiras sutis:
olhos que não estavam brilhantes o suficiente, sorriso que não estava largo o
suficiente, ombros que não estavam altos o suficiente.
— Bem-vindos — começou ela. — Lorde Hades tem a honra de revelar a
instituição de caridade deste ano, o Projeto Anos Dourados.
As luzes se apagaram e uma tela baixou, exibindo um pequeno vídeo
sobre o projeto. Hades não era sentimental, mas este era um projeto que
ocupava o seu coração. Talvez porque fora inspirado em Perséfone, ou
porque ele esteve fortemente envolvido no projeto do edifício, escolhendo a
tecnologia e os serviços que a instalação forneceria. Cada vez que Katerina, a
diretora de sua fundação, lhe fazia perguntas, ele as respondia pensando em
Perséfone. Era sua esperança que ela se orgulhasse disso, que ela visse o
quanto suas palavras significavam para ele.
Hades subiu no palco no escuro e, quando as luzes se acenderam, ele
parou diante de uma multidão que aplaudiu ao vê-lo. Enquanto se
acalmavam, ele falou:
— Dias atrás, um artigo foi publicado no Jornal de Nova Atenas. Foi uma
crítica contundente ao meu desempenho como deus, mas entre aquelas
palavras raivosas havia sugestões de como eu poderia ser melhor. Não
imagino que a mulher que escreveu esperasse que eu levasse essas ideias a
sério, mas ao passar um tempo com ela, comecei a ver as coisas do jeito dela.
— Ele sorriu, pensando em como ela poderia ser feroz ao defender os
mortais. — Nunca conheci ninguém que me explicasse tão apaixonadamente
como eu estava errado, então segui o conselho dela e iniciei o Projeto Anos
Dourados. Conforme você avança pela exposição, espero que Anos Dourados
sirva como uma chama no escuro para os perdidos.
Deuses e mortais se levantaram, batendo palmas, e Hades recuou,
desconfortável com os holofotes. Ele queria se desmaterializar na escuridão
pelo resto da noite, mas também queria saber o que Perséfone achava do
projeto. Ele ficou de lado enquanto uma fila de pessoas entrava na exposição,
os olhos pegando os de Afrodite, que olhava para ele, provavelmente não o
perdoando pela ameaça que ele havia feito a Adônis.
Ele desviou o olhar e procurou por Perséfone, encontrando-a em sua mesa.
Ele reconheceu o olhar em seu rosto, como ele tinha visto na primeira vez
que ela chegou a Nevernight.
Ela estava hesitando.
Ela não se aproximou até que quase todos tivessem entrado, e quando ela
o fez, Hades a seguiu, invocando sua ilusão para caminhar ao lado dela.
Parecia intrusivo observá-la dessa maneira, mas também íntimo, e ele ficou
maravilhado com a expressão serena em seu rosto enquanto ela vagava pela
exposição, parando em cada pôster para ver desenhos conceituais do prédio e
dos jardins, estatísticas sobre o estado atual de dependência e saúde mental na
Nova Grécia, e como esses números só aumentaram desde a Grande Guerra.
Ela permaneceu por mais tempo em um modelo impresso em 3D do
edifício real e terrenos amplos, cheios de árvores e jardins e caminhos
secretos. Ele pensou em se aproximar dela, mas havia algo bonito no olhar
em seu rosto – algo contemplativo e gentil – e ele não queria perturbá-la,
então foi embora.
Fora da exposição, Hades encontrou seu irmão, Zeus. O Deus do Trovão
sorriu, parecendo mais com o antigo Rei dos Deuses do que com o homem
moderno que ele normalmente tentava encarnar, seminu ao lado de Hera.
— Bem bolado, irmão. — Ele deu um tapinha nas costas de Hades, e o
deus fechou as mãos em punho para evitar socá-lo. — Você deixou o mundo
todo fascinado com sua compaixão.
— Muito bem — disse Hera, parecendo entediada. Ela encontrou os olhos
de Hades apenas brevemente antes de esticar o pescoço, olhando para outro
lugar do outro lado da sala, seu braço ainda enrolado no do marido.
— Do que você está falando, Zeus? — perguntou Hades.
— A mortal! — gritou ele. — Usando a calúnia dela a seu favor. Gênio,
de verdade.
Hades encarou. Ele não tinha visto isso como uma oportunidade para
melhorar sua aparência e odiava que seu irmão estivesse corrompendo suas
intenções, mas não era surpreendente.
— Não desejo tal elogio ou atenção — explicou Hades. Perséfone tinha
pontos válidos, e ele ouviu.
— Claro que não — brincou Zeus, cutucando Hades como se eles
estivessem compartilhando algum tipo de segredo. — Devo admitir, mantive
minhas expectativas baixas quando ouvi que o Baile Olímpico teria como
tema o seu reino, mas isso… isso é legal.
— Que elogio — comentou Hades baixinho. — Se você me der licença,
preciso de uma bebida.
Hades evitou seu irmão e Hera, e foi direto para o bar. Pediu um uísque e
bebeu rapidamente, imaginando quanto tempo mais ele precisaria ficar aqui.
As pessoas não tinham mesmo vindo por ele ou pela caridade. A festa se
tratava de moda, bebida, dança, diversão. Exceto que essa não era a ideia de
diversão de Hades. Ele queria passar a noite entre as pernas de Perséfone,
dando e recebendo prazer.
Com esse pensamento, ele se virou e encontrou o objeto de seus
pensamentos escandalosos a poucos passos de distância. Seus olhos foram
imediatamente atraídos para suas costas nuas, e ele pensou em como ela se
arqueara contra ele na piscina, desesperada por prazer. Ele se aproximou, e
sabia que ela o sentia porque ela se endireitou e virou a cabeça para que ele
pudesse ver o lado de seu rosto – nariz delicado e lábios bonitos.
— Alguma crítica, Lady Perséfone? — perguntou ele.
— Não — disse ela calma e pensativa. — Há quanto tempo você está
planejando o Projeto Anos Dourados?
— Não muito.
— Vai ser lindo.
Ele se inclinou, os dedos roçando seu ombro, traçando as bordas do
aplique preto que serpenteava pelas costas. Ela estava quente, sua pele macia,
e estremecia cada vez que eles tocavam pele com pele.
— Um toque de escuridão — murmurou ele, os dedos descendo pelo
interior de seu braço até que se enroscaram com os dela. — Dance comigo.
Ela se virou para ele, a cabeça inclinada para que seus olhares se
encontrassem. Ele podia ver claramente sua alma brilhante, e sua escuridão
foi atraída para ela.
— Tudo bem.
Levou a mão dela aos lábios, beijando os nós dos dedos antes de levá-la ao
salão. Ele a puxou para perto, seus quadris se tocando, e ele rosnou baixo.
Seu pênis ficou tenso, lembrando-o da casa de banho e o quanto ele queria
estar dentro dela. Perguntou-se que tipo de manchetes iriam se espalhar pela
mídia se ele a beijasse agora e a levasse para o Submundo.
Hades rapta Perséfone, ele pensou, os dedos apertando ao redor dela e seu
quadril enquanto a guiava através de uma dança, seus olhares inabaláveis, o
calor entre eles crescendo, um inferno que se tornou tão frio quanto gelo
quando ela falou:
— Você deveria dançar com Minta.
Ele cerrou os dentes.
— Você prefere que eu dance com ela?
— Ela é seu par.
— Ela não é meu par. — Ele teve que trabalhar para controlar sua
frustração. — Ela é minha assistente, como disse a você.
— Uma assistente não chega de braço dado com você em um baile de
gala.
Ele reconheceu as palavras de Hécate enquanto ela falava e fervilhava.
— Você está com ciúmes — disse Hades, sorrindo.
— Eu não estou com ciúmes! — Seus olhos brilharam. — Eu não serei
usada, Hades.
Ele franziu o cenho. — Quando usei você?
Ela ficou em silêncio, sua frustração palpável.
— Responda, Deusa.
— Você dormiu com ela?
Ele congelou, assim como todos os outros que compartilhavam o salão.
— Parece que você está solicitando um jogo, Deusa.
— Você quer jogar um jogo? — Ela puxou as suas mãos para longe dele.
— Agora?
Era a única maneira de ele responder sua pergunta, e ela sabia disso. Ele
estendeu a mão para ela pegar, olhos brilhantes, implorando para ela
restabelecer sua conexão.
— Venha para o Submundo comigo. Você não vai voltar a mesma.
Ele soube quando ela tomou sua decisão, porque seu olhar se tornou feroz
e determinado: ela teria o que queria. Então, os dedos dela se entrelaçaram
nos dele, e ele sorriu, teletransportando-os para o Submundo.
20
UM JOGO DE PAIXÃO

Hades apareceu em seu escritório, a mão ainda entrelaçada com a de


Perséfone. Seu corpo estava tenso com antecipação, e sua mente girava com
as possibilidades desta noite. Por que ela estava tão ansiosa para saber sobre
seu relacionamento com Minta? Se ele respondesse, ela sucumbiria a ele?
Eles se encararam por um momento, e Hades soltou sua mão, os dedos
arrastando sua palma. Ele estendeu a mão para desamarrar a máscara dela. O
movimento parecia íntimo, mas correto, e ele nunca sentira tanto desejo. A
sensação se enrolava em seu abdome e apertava sua garganta.
— Vinho? — perguntou ele ao se aproximar do bar, removendo sua
própria máscara incômoda.
— Por favor. — Ela falou baixinho, e seu peito ficou pesado quando ele
imaginou essa palavra em sua língua enquanto ela implorava que ele a
enchesse.
Ele serviu uma taça e deslizou para ela. Ela pegou, seus dedos graciosos se
curvando ao redor da haste enquanto bebia. Hades a observou por um
momento, distraído por sua boca e a forma como sua língua escapuliu para
umedecer seus lábios. Seu olhar queimou sua pele, olhos famintos.
— Com fome? — perguntou ele. — Você mal comeu no baile.
Ela estreitou os olhos. — Você estava me observando?
— Querida, não finja que não estava me olhando. Eu conheço o seu olhar
sobre mim como eu conheço o peso dos meus chifres.
Ela desviou os olhos, corando. — Não, eu não estou com fome.
Pena, pensou, servindo-se de um copo de uísque.
Eles se encontraram em extremidades opostas de uma mesa diante da
lareira, um baralho de cartas no centro.
— O jogo? — perguntou ela quando Hades pegou as cartas.
— Pôquer — respondeu ele, abrindo a caixa e embaralhando as cartas.
Ela respirou fundo. — As apostas?
Com sua pergunta, o ar ficou espesso, e Hades ofereceu um sorriso. —
Minha parte favorita. Diga o que você quer.
Finalmente, ela disse: — Se eu ganhar, você responde às minhas
perguntas.
Ele sabia que era a aposta que ela faria.
— Feito — disse enquanto terminava de embaralhar as cartas. — Se eu
ganhar, quero suas roupas.
Se ela ficou chocada, não demonstrou. — Você quer me despir?
— Querida, isso é apenas o começo do que eu quero fazer com você.
Será que ele imaginou o movimento de seus lábios? — Uma vitória é igual
a uma peça de roupa?
— Sim — disse, olhando para o vestido dela – aquele glorioso pedaço de
tecido de cetim. Ele esperava que fosse a única coisa que ela usava. Então sua
mão chamou sua atenção, roçando a corrente de seu colar onde mergulhava
entre seus seios.
— E … as joias? Você considera isso se despir?
Ele tomou um gole de sua bebida. — Depende.
— Do quê?
— Eu posso decidir que quero te comer com essa coroa.
Não precisava imaginar seu sorriso agora; curvava-se sobre seu lindo
rosto, cheio de malícia. — Ninguém disse nada sobre sexo, Lorde Hades.
— Não? Que pena.
Ela se inclinou sobre a mesa, oferecendo uma visão completa de seus
seios. Ele gemeu interiormente. — Aceito sua barganha.
Ele ergueu as sobrancelhas. — Está confiante na sua capacidade de
vencer?
— Eu não tenho medo de você, Hades.
Nunca, ele pensou. Ele nunca iria querer que ela o temesse, mesmo em
seus momentos mais sombrios. O problema era que ela nunca o tinha visto
sombrio – raivoso, agressivo e violento. A verdade dessa afirmação ficou
para ser vista.
Perséfone estremeceu.
— Frio? — perguntou ele quando deu as cartas.
— Calor — murmurou ela e sorriu, os olhos cheios de paixão.
Hades baixou suas cartas: um par de reis.
Foi a posição de seus lábios que lhe disse que ela havia perdido, e ele teve
a confirmação quando ela baixou as cartas. Ele sorriu, e o desejo correu por
suas veias direto para seu pênis. Ele a avaliou, demorando-se a examinar seu
corpo, decidindo o que pegaria.
— Acho que vou ficar com o colar.
Ela estendeu a mão para abri-lo, mas ele a impediu. — Não, deixe que eu
tiro.
Ela deixou cair as mãos em seu colo quando Hades se aproximou. Os
dedos dele formigaram quando pegou o cabelo grosso nas mãos, puxando-o
pelo ombro dela. Ele soltou a corrente, deixando o metal cair entre seus seios,
gostando do jeito que ela inalou quando ele beijou sua clavícula.
— Calor ainda? — perguntou contra sua pele.
— Um inferno.
Praticamente podia sentir o cheiro de sexo.
— Eu poderia libertá-la desse inferno. — Os lábios dele percorreram o
comprimento de seu pescoço e ela engoliu em seco.
— Estamos apenas começando — respondeu ela.
Sua decepção foi pesada, mas não tão pesada quanto a pressão que crescia
em seu pênis. Ele conseguiu rir e se afastou, pronto para outra mão, já
pensando no que pediria em seguida.
Exceto que Perséfone ganhou.
Ela sorriu enquanto colocava as cartas na mesa.
Hades não estava satisfeito; estava mais impaciente do que qualquer coisa.
Ele a queria nua, aberta diante dele. Queria entrar fundo nela. — Faça sua
pergunta, Deusa. Estou ansioso para jogar outra mão.
Ele sabia o que ela diria, e queria tirar isso do caminho.
— Você dormiu com ela?
Ele odiava essa pergunta porque ela o lembrava de uma versão diferente
de si mesmo. Um que se sentia sem esperança e desapaixonado. Um que
procurava reacender qualquer sentimento de pertencimento e necessidade, e
ele se voltara para Minta. Ele não tinha orgulho, mas sabia que ela estava
disposta.
Foi uma decisão da qual se arrependeu, não apenas por sua falta de
sinceridade, mas porque tinha sido injusto com ela. Dera a ela esperança
quando não tinha intenção de estabelecer um relacionamento, e isso era
exatamente o que ela queria; e depois do intercurso, dissera que ela nunca se
sentaria ao lado dele como rainha.
Então ele respondeu à pergunta, um gosto amargo na língua.
— Uma vez.
Ela empalideceu visivelmente e Hades de repente entendeu a emoção que
Perséfone investiu nessa pergunta. Significava algo para ela que ele tinha
estado com esta mulher, mas significaria que ela o negaria?
— Há quanto tempo?
— Há muito tempo, Perséfone.
Ele não podia pedir que ela esperasse mais uma rodada pela resposta. Não
parecia justo quando era tão importante para ela.
Ao ouvir isso, ela desviou o olhar.
— Você está com raiva? — perguntou ele.
— Sim. — Ele ficou surpreso com sua honestidade, surpreso quando ela
encontrou seu olhar e expressou sua confusão. — Mas… não sei por que
exatamente.
Ele tentou imaginar o que devia estar passando pela cabeça dela, mas
quando se viu pensando nela dando para outro homem, decidiu que era o
curso de ação errado. O pensamento só serviu para evocar sua violência.
Então ele se concentrou nas cartas, dando outra mão.
Desta vez, ele ganhou, e ele se reclinou em sua cadeira, considerando a
deusa diante dele. Não havia muito para comandar, mas não era tanto a
tomada que ele gostava. Era a tensão que acendia o ar entre eles enquanto ele
considerava, e ela esperou. Finalmente, ele se levantou e Perséfone se
endireitou enquanto ele se aproximava, o pescoço esticando para manter seu
olhar.
— Vou pegar os brincos, minha querida.
Ela não estava respirando. Ele sabia, porque quando ele se inclinou para
ela, seu peito não se moveu, então quando seus lábios roçaram sua orelha, ele
sussurrou: — Respire.
E ele foi recompensado com sua exalação. Ele começou a envolver os
lábios em torno de seus brincos e arrancá-los de suas orelhas, pegando as
tarraxas em sua mão. Uma vez que eles estavam fora, ele passou a língua
sobre o local e roçou-o com os dentes, notando que as mãos dela agarraram a
borda da mesa.
Quando ele voltou ao seu lugar para a próxima rodada, ele rezou para as
Moiras que haviam presenteado essa mulher, e poderiam levá-la embora, que
esta fosse a última rodada. Deixem-me tomá-la. Aqui, agora, nesta mesma
mesa onde eles concordaram em barganhar por roupas e respostas e pelo
resto de suas vidas.
Exceto que as Moiras não ouviram tal oração – ou alívio para a ereção
furiosa de Hades – porque Perséfone venceu.
— Seu poder de invisibilidade — ela começou, olhando para ele como se
esperasse que ele ficasse surpreso por ela saber. — Você já usou… para me
espionar?
Hades considerou sua pergunta com cuidado, particularmente a palavra
espionar. Era uma palavra que, nesse contexto, soava como uma acusação, e
ele tinha a sensação de que não vinha daquela noite, quando se deteve ao lado
dela enquanto ela observava a exposição. Esse era um tipo diferente de
intimidade.
Essa pergunta tinha suas raízes na noite em que Hades viu Perséfone se
masturbar – quando ele também se deleitou com a visão.
Na verdade, ele não estava usando a invisibilidade, mas um poder
diferente que envolvia projetar a alma. Além disso, poderia mesmo ser
chamado de espionagem se ela sabia que ele estava lá?
— Não — respondeu ele depois de um tempo.
— E você promete nunca usar a invisibilidade para me espionar?
Não era o único método que ele poderia usar para manter o controle sobre
ela, e se ele tivesse que desistir de um, poderia muito bem ser a
invisibilidade. Ele esperava que em breve, aonde quer que ela fosse, ela
desejasse sua presença.
— Prometo.
Suas mãos flexionaram sobre as cartas enquanto Perséfone fazia outra
pergunta. — Por que você deixa as pessoas pensarem coisas tão horríveis
sobre você?
Enquanto embaralhava as cartas, ele considerou não responder, mas
decidiu que iria entretê-la… e se distrair da fonte de seu desconforto
crescendo entre suas pernas.
— Não controlo o que as pessoas pensam de mim.
— Mas você não faz nada para contradizer o que dizem sobre você —
argumentou ela. Ela parecia irritada com isso, o que intrigou Hades.
Ele ergueu uma sobrancelha. — Você acha que as palavras têm
significado?
Uma linha apareceu entre as sobrancelhas dela, e ele deu outra mão.
— São apenas isso: palavras. Palavras são usadas para inventar histórias e
mentir, e ocasionalmente elas são amarradas juntas para dizer a verdade.
O mundo foi construído com palavras – as palavras dos deuses, as
palavras dos inimigos, as palavras dos amantes.
— Se as palavras não têm peso para você, o que tem?
Quando encontrou seu olhar, sentiu o mundo inteiro mudar e se aproximou
dela. Ela segurou seu olhar, o ar entre eles se transformando em algo quente e
pesado. Hades olhou para suas cartas enquanto as espalhava na mesa diante
dela – um royal flush.
— Ação, Lady Perséfone. — Sua voz rouca, um fósforo se acendendo. —
A ação tem peso para mim.
Ela se levantou para encontrá-lo, seus lábios colidindo, braços e línguas
emaranhados. Os movimentos deles eram frenéticos, como se eles não
pudessem se unir rápido o suficiente ou forte o suficiente. Finalmente, Hades
agarrou seus quadris e virou-se para sentar-se, arrastando-a para seu colo. Ele
teve o pensamento fugaz de que este vestido que ela usava era feito para o
sexo quando ele puxou as alças pelos braços dela, expondo seus seios,
manipulando-os até que seus mamilos estivessem tensos. Perséfone arquejou,
mordendo o lábio, provocando um rosnado do fundo da garganta dele. Seus
quadris rolaram contra os dele e, por um breve momento, ele a ajudou a se
mover, apreciando a fricção que o movimento provocava. Mas os seios dela
pressionaram contra ele, e ele se viu atraído para lá, pegando cada globo
perfeito em sua mão e devorando-os com a boca. Perséfone ofereceu um
gemido satisfatório, sua cabeça pendendo para frente e para trás, seus dedos
correndo imprudentemente pelo cabelo dele até soltá-lo ao redor de seu rosto.
Logo, a única coisa que ele podia ouvir era sua respiração pesada, seus
preciosos gemidos, seus rosnados frustrados, e ele se moveu, puxando-a para
a mesa, as mãos sobre os joelhos abrindo-os o máximo que podiam.
Eles olharam um para o outro, Perséfone erguida nos cotovelos, Hades
curvado sobre ela.
— Pensei em você todas as noites desde que me deixou na casa de banho
— disse, pressionando sua ereção em seu calor, e sua voz ficou mais grave,
nublada com o desejo que ele sentia. — Você me deixou desesperado,
inchado com a necessidade apenas de você — rangeu ele. Fez uma pausa e
beijou o joelho dela. — Mas serei um amante generoso.
Ele se abaixou e beijou a parte interna da coxa dela, seguindo com a
língua até chegar a seu centro. Lá, ele a separou, expondo sua sensível carne
rosada e seu clitóris dolorido, e tocou-o com a língua, circulando-o, antes de
lamber sua fenda. Ela se contorceu embaixo dele, e estendeu a mão para ele,
mas ele agarrou seus pulsos e os segurou em seus lados, olhando para ela de
seu lugar entre as pernas.
— Eu disse que seria um amante generoso, não gentil.
Ele voltou para seu sexo, roçando com a língua, lambendo seu calor,
afundando dentro dela, enquanto segurava seus quadris no lugar,
pressionando contra ela, estimulado por seus gemidos perversos. Logo, os
dedos dele se juntaram a língua, afundando em seu calor. Ela era uma
fornalha, e seus músculos se apertaram ao redor dele enquanto ele trabalhava,
movendo-se para dentro e para fora enquanto ele tomava seu clitóris na boca
até que ela se desfez, chamando o nome dele.
Ele não perdeu tempo arrastando-a para a boca dele. Ele queria que ela
saboreasse sua necessidade nos lábios dele. Quando suas bocas colidiram, as
mãos dela foram para os botões da camisa de Hades, mas antes que ela
pudesse soltá-los, ele a parou, afastando-se e arrumando seu vestido.
— O que está fazendo?
Por um momento, ele viu o medo brilhar nos olhos dela, como se ela
pensasse que ele poderia ir embora.
Ele era muito egoísta.
— Paciência, querida.
Ele a envolveu em seus braços e saiu de seu escritório para os corredores
do palácio.
— Aonde estamos indo? — perguntou ela.
— Para meus aposentos — disse ele.
— E você não pode se teletransportar?
— Eu prefiro que todo o palácio saiba que não devemos ser perturbados.
Era uma demonstração ridícula de masculinidade, uma demonstração
primitiva de sua reivindicação por ela, mas ele queria que o castelo inteiro
estivesse em alvoroço naquela noite, queria não deixar dúvidas na mente de
seu povo de que Perséfone era intocável.
Uma vez que eles estavam dentro de seus aposentos, ele a colocou no
chão, mantendo-a perto. Ele a estudou, os olhos observando, procurando
qualquer sinal de hesitação. Seu maior medo era o arrependimento dela, então
ele deu a ela uma saída.
— Não precisamos fazer isso — disse ele.
Ela espalmou as mãos em seu peito, alisando seus ombros até que o paletó
deslizou por seu braço. Demorou algumas manobras para puxá-lo pelos
bíceps. Assim que tirou a peça de roupa, ela encontrou seu olhar.
— Quero você. Seja meu primeiro – seja meu tudo.
Ele a beijou, docemente no início, saboreando a sensação de seus lábios
nos dele, mas as mãos de Perséfone vagaram pelo abdome e foram direto
para o pênis dele. Ela o abraçou, e ele a beijou mais forte, a mão segurando a
parte de trás de sua cabeça, forçando sua boca aberta o máximo que podia, até
que ele não aguentou mais estarem vestidos.
Ele se afastou e a girou, abrindo o zíper do vestido e deslizando pelos
quadris bem torneados até que ela ficou nua diante dele, usando apenas a
coroa e os saltos.
Ele não tinha certeza se era possível, mas seu pênis engrossou, e seu
gemido foi audível. Ele andou um círculo ao redor dela, seus músculos
apertados, os dedos flexionando. Ele não podia esperar para estar dentro dela.
— Você é maravilhosa, minha querida.
A mão de Hades segurou o pescoço dela, e ele a beijou enquanto os dedos
de Perséfone se atrapalhavam com os botões da camisa dele. Ele assumiu
quando ela deu um grito de frustração e puxou o pano, rindo enquanto tirava
a camisa.
Uma fome oca irrompeu na boca de seu estômago, e ele estendeu a mão
para Perséfone, mas ela se afastou. Hades parou, apertando a mandíbula, a
mente saltando para conclusões. Ela teria decidido que não queria? Mas
como ela poderia olhar para ele assim e ainda negá-lo?
— Abandone a ilusão — disse ela.
Ele inclinou a cabeça, curioso.
Ela encolheu o ombro nu. — Você quer me comer com esta coroa; eu
quero dar para um deus.
Quem era ele para negar algo a uma rainha? — Se assim desejar.
Sua ilusão caiu como sombra, revelando sua forma Divina, uma forma que
ele não costumava assumir. Não que ele não gostasse de sua verdadeira
natureza, era que parecia deixar os outros desconfortáveis. Ele não ignorava
seu tamanho e, com seus chifres em espiral, parecia ainda maior. Seus olhos
passaram de preto para um azul-elétrico que tinha sido descrito como
estranho e inquietante, mas não era assim que ele se sentia quando Perséfone
olhou para ele. Quando ela olhou para ele, ele se sentiu poderoso.
Ele a ergueu do chão e a deitou na cama, cobrindo seu corpo com o dele.
Beijou-a, os lábios trilhando seu pescoço, seus seios, lambendo cada bico
duro enquanto Perséfone se mexia embaixo dele, as mãos procurando o botão
de sua calça. Ele deu uma risadinha.
— Ansiosa por mim, Deusa? — perguntou enquanto beijava a barriga e as
coxas de Perséfone até ficar de pé, tirando os sapatos dela e o resto das
próprias roupas.
Quando ele estava nu diante dela, o ar no quarto mudou, ficando espesso e
quente. Os olhos de Perséfone pareciam brasas acesas entre cinzas, e
queimaram a pele dele enquanto passavam por seu corpo, demorando-se em
seu pênis inchado. Ela ficou de joelhos, os dedos envolvendo a ereção. Ele
inalou bruscamente entre os dentes, e ela olhou para ele como se perguntasse
estou fazendo certo?
A mão dele se enroscou no cabelo dela enquanto ela o acariciava, seu
polegar brincando com a umidade que se acumulava na ponta. Então ela o
beijou lá e o tomou em sua boca. Os dedos dele se apertaram no cabelo de
Perséfone.
— Porra.
Seu pênis estava embainhado em calor e ele sentiu uma onda de tontura. A
língua dela deslizou no membro, provocando e provando, colocando pressão
em todos os lugares certos. Por um tempo, ela prestou atenção à ponta,
rolando a língua lá, e ele agarrou a cabeça dela com mais força, a outra
apoiada no ombro da deusa. Ele teve o pensamento fugaz de que esperava ter
o gosto bom para ela, mas Perséfone não deu nenhuma indicação do contrário
enquanto o movia para dentro e para fora da boca, os dentes levemente
roçando sua circunferência. Logo, seus quadris se moveram, e ele estava
bombeando na boca dela, segurando a cabeça e o olhar até que não aguentou
mais e a puxou para longe, segurando o pescoço dela.
— Fiz algo errado? — perguntou ela.
Ele riu, sombrio, olhando em seus olhos.
— Não.
Ela era perfeita. Ela era tudo, e ele a beijou outra vez, a língua chegando
fundo antes que ele se afastasse.
— Diga que me quer.
Ele precisava ouvi-la dizer isso, porque ele não havia dito toda a verdade.
As palavras importavam, e as únicas que ele tinha ouvido desde a noite
anterior eram as que ela havia falado nos degraus da casa de banho. Eu não
quero você.
— Eu quero você.
Hades a deitou de costas e se esticou sobre ela, as coxas de Perséfone o
aninhando, sua ereção pressionando o abdome dela. Ele procurou os olhos da
deusa, seus dedos roçando os lábios dela enquanto sussurrava:
— Diga que mentiu.
— Achei que as palavras não significassem nada.
A boca dele se fechou na dela, e enquanto a beijava, pressionou-a até que
seu membro doeu, até que os lábios dela parecessem vivos e inchados nos
dele.
— Suas palavras importam — disse, o nariz roçando o dela. — Só as suas.
A resposta dela foi envolver as pernas ao redor da cintura dele e puxá-lo
em seu calor.
— Você quer que eu a foda?
Os olhos de Perséfone brilharam, desesperados, e ela assentiu.
— Diga. Você usou palavras para me dizer que não me queria, agora use
palavras para dizer que quer.
Ela falou, a voz baixa e rouca, e foi a coisa mais erótica que ele já ouviu.
— Eu quero que você me foda — disse ela.
Ele a beijou outra vez, a mão indo para seu pênis enquanto provocava a
abertura dela. Abaixo dele, Perséfone arqueou, os calcanhares cravando em
seu traseiro.
— Paciência, querida. Eu tive que esperar por você — ele a lembrou.
Ela fez uma pausa, a pressão de seus calcanhares diminuindo enquanto ela
oferecia um pedido de desculpas baixinho.
— Desculpe.
Então ele a penetrou, enchendo-a completamente. Hades gemeu quando o
corpo dela se apertou ao redor dele, e ele parou um momento, totalmente
embainhado, a cabeça descansando na curva do pescoço dela. Quando ele se
levantou, ele encontrou a mão de Perséfone cobrindo a boca e a removeu.
— Não, deixe-me ouvir — disse, prendendo os pulsos dela sobre a cabeça.
Ela estava tensa embaixo dele, e depois de um momento, relaxou, mas a
pressão em seu pênis permaneceu. O sexo dela o segurou em um aperto
vicioso, e quando ele começou a se mover, não queria mais parar. Ela abriu
mais as pernas, e ele empurrou mais fundo, como se suas almas pudessem se
encontrar.
— Você me deixou desesperado — disse ele, puxando até que apenas a
ponta de seu sexo permanecesse. Ela olhou para ele, apertando os dentes, até
que ele meteu para dentro, o pênis enviando prazer direto para seu cérebro.
Isso é felicidade, ele pensou.
— Tenho pensado em você todas as noites desde então.
Ele podia sentir o coração dela batendo, o cheiro de baunilha no cabelo, o
gosto do suor em sua língua enquanto ele conseguia sugar um dos seios.
— E cada vez que você dizia que não me queria, eu provava suas
mentiras.
Isso é o que é ser um deus.
— Você é minha.
Isso foi edificante. Ela me deixou entrar em seu corpo.
— Minha.
Ele podia senti-la gozar apertando seu pênis, um jorro de calor, uma
convulsão de músculos. Hades agarrou os pulsos dela com força, movendo-se
mais rápido, metendo nela com mais força, até que começou a pulsar. Ele
puxou para fora, gozando na coxa dela antes de cair em cima de Perséfone,
respirando com dificuldade. Por um tempo depois, ele estava perdido na
euforia do momento. Seus pensamentos emaranhados com as memórias de
como eles chegaram aqui, as provocações deles e toques, corpos se unindo,
os sons de seus orgasmos. Então ele começou a se sentir cansado, a mente
entorpecida.
Ele encontrou o olhar de Perséfone e beijou seus olhos, rosto e lábios.
— Você é um teste, deusa. Um desafio oferecido a mim pelas Moiras.
Ele se mexeu para sair da cama e ficou surpreso quando Perséfone pegou
sua mão.
Uma linha apareceu entre as sobrancelhas dela, e Hades se inclinou para
beijá-la, garantindo:
— Eu voltarei, minha querida.
Ele desapareceu no banheiro adjacente, se limpou e depois molhou um
pano para Perséfone. Quando terminou de limpá-la, ele se deitou ao lado dela
outra vez, puxando seu corpo quente contra o dele, e eles caíram em um sono
profundo.

Hades acordou de imediato, seu membro endurecido.


Ele gemeu e balançou no corpo quente de Perséfone, sua excitação
aninhada perfeitamente no traseiro dela. Ele agarrou os quadris dela e beijou
o pescoço, e quando ela se virou, subiu em cima dela, prendendo os pulsos
dela sobre a cabeça para que pudesse provocá-la com seus dentes e lábios,
deleitando-se com os sons dos gemidos ofegantes dela.
Ele separou as pernas dela e bebeu o calor, usando seus dedos para lhe dar
prazer até que ela chamou seu nome. Isso o deixou desesperado para estar
dentro dela, e ele pairou sobre o corpo dela, entrando nela de uma vez. Ele se
moveu dentro dela, e quanto mais forte ele empurrava, mais os músculos dela
o apertavam.
Quando ele se sentiu perto de gozar, trocou de posição, inclinando-se para
trás e trazendo-a com ele. Ele agarrou seus quadris e a ajudou a se mover
enquanto ela o segurava, seus seios balançando. As bocas colidiram. Foi um
beijo bagunçado, com língua e dentes, mas era uma marca do prazer que eles
compartilhavam.
Eles não falaram, os únicos sons vindos de seu amor quieto e sonolento –
respirações e gemidos e o grito agudo do orgasmo.
Eles desmoronaram, braços e pernas emaranhados, repetindo seu ritual
anterior de se lavar e se enterrar no calor um do outro, e quando o sono
desceu sobre Hades, ele teve o pensamento de que destruiria este mundo se
alguém tentasse tirar Perséfone dele.
21
UMA MEMÓRIA MARCADA

Hades acordou sozinho.


Ele se sentou, o coração batendo com força. Por um momento, ele temeu
que Perséfone tivesse percebido o erro dela e fugido no meio da noite, mas
uma vez que a surpresa de acordar sozinho diminuiu, ele foi capaz de se
concentrar nela e sabia que ela permanecia no Submundo, a presença tão
calorosa e certa quanto o corpo dela contra o seu.
Com essa percepção, ele se espreguiçou, recostando-se nos travesseiros,
com as mãos atrás da cabeça, e se aqueceu nas lembranças da noite anterior.
Perséfone não era a única mulher com quem dormira, mas era a única que
precisava. Ele nunca havia sentido esse tipo de conexão antes e preferia a
intimidade. Isso fazia o sexo com ela ser ainda melhor, todas as sensações
mais intensas, os arquejos de prazer mais gratificantes, o pós-sexo mais terno.
Isso o deixou ainda mais determinado a garantir que seu destino não fosse
desvendado, algo que ainda era uma possibilidade com Sísifo em fuga. Ao
pensar no mortal fugitivo, Hades se sentou, manifestando um pedaço de pano
para se cobrir. Ele encontraria aquele mortal hoje e acabaria com ele. Nada,
nem um mortal e nem as Moiras, tirariam dele a euforia que era Perséfone –
sua amante, sua rainha, sua deusa.
Ele saiu para a sacada e encontrou Perséfone vagando pelo caminho no
jardim. Ela usava preto, e sua pele clara estava iluminada com o contraste.
Ele não pôde deixar de pensar como ela parecia em casa entre as flores do
Submundo, apesar de seu desdém por elas. Ele sabia que ela invejava sua
magia, mesmo que o que ele criasse não fosse real e não tivesse vida
verdadeira. Suas flores não precisavam de sol ou água. Não inspiravam ou
expiravam. Simplesmente existiam como as almas, sem nenhum propósito
além da beleza.
Mas Perséfone tinha a capacidade de criar vida. Vida real. Ele podia sentir
dentro dela, o núcleo poderoso de seu ser, enjaulado pela descrença. Chegaria
um dia em que flores desabrochariam em sua presença, quando sua
respiração chamaria o vento, quando suas lágrimas se transformariam em
tempestades. Ela faria a terra tremer e construiria reinos nos escombros.
E ele ficaria parado e observaria – seu marido, seu rei.
Ele desceu as escadas para o jardim bem a tempo de ver Perséfone sair do
caminho de pedra preta, pés descalços tocando o solo, rosas e peônias
florescendo ao redor dela. As cores realçavam os tons quentes de sua pele –
rosada, com marcas vermelhas de amor, lugares onde a tinha segurado com
força, e leves hematomas de sua boca. Ele viu sua mulher arrebatada por sua
própria mão e sentiu o fogo crescer no fundo do estômago.
— Você está bem?
Ele perguntou por que ela não se movera desde que saíra do caminho. Ela
se virou para ele quando ouviu sua voz, como se ele a tivesse assustado.
Nesta manhã no Submundo ela estava linda – olhos plenos, cabelos rebeldes,
beijados pelo sol, lábios entreabertos. O olhar dela percorreu seu corpo, e seu
sangue ferveu com desejo. Seus dedos se curvaram, um lembrete para ficar
onde estava e não diminuir a distância entre eles. Ela ainda precisava
responder sua pergunta.
— Perséfone?
Os olhos dela se ergueram para os dele, e a deusa sorriu. Parecia pacífica,
quase lânguida.
— Estou bem — assegurou.
Hades exalou, como se essas palavras lhe tivessem dado permissão. Ele
sabia que temia o arrependimento dela, mas nada o havia preparado para o
custo físico dessa ansiedade – o aperto em seu peito e estômago, e o pavor
que engrossava sua garganta. Ele se aproximou e tocou o queixo dela.
— Você não está arrependida da nossa noite juntos?
— Não! — A resposta rápida baniu seus pensamentos ansiosos, e como se
ela soubesse que ele precisava ouvir de novo, ela acrescentou calmamente. —
Não.
Seus olhos caíram para os lábios dela, e ele os tocou com o polegar. —
Não suportaria seu arrependimento.
Ele se sentiu estranhamente cru ao admitir o que estivera pensando
momentos antes, e mesmo assim depois do que eles compartilharam na noite
passada, ser vulnerável parecia certo.
Ele enfiou os dedos pelos cabelos sedosos enquanto pressionava os lábios
nos dela, insaciável, e o desejo que sentia por ela aumentou dez vezes,
subindo em suas veias, mais espesso que seu sangue, incitando-o a tocá-la,
tomá-la, fodê-la. Ele não se sentiu inclinado a brincar ou provocar, ele
agarrou as coxas de Perséfone e a levantou do chão e guiou sua ereção pesada
para a entrada dela, dobrando-a para trás antes de estocar nela. Eles estavam
próximos, a energia entre eles era íntima.
Por um tempo, eles seguraram os olhares um do outro, compartilhando
respiração e gemidos suaves, mas logo eles estavam respirando com mais
força, enterrados no pescoço um do outro, e quando Hades se moveu, ele
sentiu Perséfone gozar. O sexo dela se apertou ao seu redor, e ela mordeu sua
pele, o que provocou um rosnado áspero do fundo de sua garganta. Isso o fez
se sentir selvagem, como uma fera que desejava reivindicar. Seus braços se
apertaram e ele bombeou mais forte, enfiou mais fundo, até que gozou,
esvaziando-se nela.
Após, Hades permaneceu de pé, ainda dentro dela, segurando Perséfone
até que sua respiração voltasse ao normal. Quando ele a ajudou a descer, os
dedos dela beliscaram seus braços. Ele franziu a testa e a pegou, embalando-a
contra seu peito. Quando ele fez isso, ela fechou os olhos, e ele franziu a
testa, imaginando o que ela estava pensando. Ainda assim, ele não disse nada
e não perguntou nada, voltando para seus aposentos.
Uma vez lá dentro, ela abriu os olhos.
— Aonde estamos indo? — perguntou ela enquanto ele se dirigia ao
banheiro.
— Tomar banho — disse ele.
Ele meio que esperava que ela protestasse, mas ela não o fez. Deixou que
ele a colocasse de pé no chuveiro, a despisse e lavasse. Enquanto ele
trabalhava, passando a toalha sobre suas panturrilhas e entre suas coxas e
sobre seus quadris, ela apoiou as mãos nos ombros dele, estremecendo
quando os lábios dele pegavam umidade de sua pele.
— Hades. — Ela falou o nome dele, e ele olhou para ela do chão do
chuveiro. — Deixe-me dar prazer a você.
Os olhos dela queimaram nos dele, e enquanto ela falava, ele se levantou.
A mão de Hades subiu e segurou o rosto dela, seu polegar passando no lábio
de Perséfone.
— E como você me daria prazer? — perguntou ele.
A resposta dela foi envolver seu pênis com as mãos, o polegar roçando a
cabeça sensível, e se ajoelhar.
— Perséfone. — O nome dela saiu áspero, e ele não tinha certeza do
motivo de ter falado: um aviso ou uma oração. De qualquer forma, ele não se
sentia completamente preparado para a boca dela, mesmo sabendo das
sensações que ela havia provocado nele na noite anterior. Isso era de alguma
forma diferente. Isso era um oral à luz do dia, uma escolha que não tinha sido
estimulada pela frustração ou encorajada pelo vinho. A boca dela estava
quente, a língua provocante, a garganta profunda. Ele agarrou a cabeça dela e
empurrou nela até que gozou, e saboreou a visão dela lambendo-o até ficar
limpo.
Ele a ajudou a ficar de pé outra vez e devorou a boca dela até não poder
mais saborear a doçura salgada de seu gozo.
Eles terminaram o banho e começaram a se vestir, quando Perséfone se
virou para ele, segurando a seda vermelha do vestido no peito.
— Você… tem algo que eu possa vestir?
Ele olhou para ela com admiração e disse:
— O que está vestindo agora está ótimo.
O olhar que ela ofereceu foi um desafio. — Você prefere que eu vagueie
pelo seu palácio nua? Na frente de Hermes e Caronte…
Ele realmente preferia não passar o dia arrancando olhos.
— Pensando bem… — disse, e se teletransportou para o único lugar onde
conseguiria encontrar um vestido – a cabana de Hécate. Quando ele chegou, a
deusa estava sentada em sua mesa, um conjunto de cartas aberto diante dela.
Ela não olhou para Hades enquanto falava.
— Em cima da cama.
Ele se virou e encontrou um peplo verde esperando. Ele pegou a peça de
roupa e se virou para Hécate.
— Eu já te disse que você é a melhor?
— Vou anotar a data e a hora — disse ela. — E lembrá-lo sempre que
puder.
Hades riu e saiu, voltando para Perséfone.
— Permita-me vesti-la.
Ela olhou para o peplo e depois para ele. Parte da razão pela qual ele pediu
foi porque não tinha certeza se estava acostumada a usar esse tipo de roupa, e
colocá-lo poderia ser difícil, mas também era uma desculpa para tocá-la.
Depois de um momento, ela engoliu em seco e assentiu, e Hades pensou que
tanto quanto ele estava revivendo as últimas horas de sua vida, ela também
estava.
Ele começou a trabalhar, fazendo um trabalho lento e tedioso, envolvendo
o peplo em torno de seus seios, sobre cada ombro. Ela segurou o tecido
enquanto ele prendia, e ele depositou beijos em seu ombro, pescoço e
mandíbula. Quando ele foi amarrar seu cinto, a boca dele desceu sobre a dela,
e ele passou vários minutos beijando-a, movendo a língua languidamente na
dela.
Por fim, ele se afastou, entrelaçando os dedos com os dela, e a levou para
a sala de jantar. Era um ambiente que quase nunca usava, exceto em ocasiões
muito raras quando hospedava um dos Divinos em seu reino. Ainda assim,
era para impressionar, com candelabros incrustados de diamantes, cadeiras de
jantar de ouro e uma mesa de banquete de ébano talhada em obsidiana
proveniente do Submundo.
— Você come aqui mesmo? — perguntou Perséfone. Ele não conseguiu
identificar o tom de sua voz, mas teve a sensação de que ela sentiu que era
tão ultrajante quanto ele. Ainda assim, Hades sabia o que era competir com
os deuses e, embora detestasse, não estava acima – ou abaixo – de demonstrar
sua riqueza e poder.
Hades olhou para ela. — Sim, mas não muitas vezes. Eu geralmente pego
meu desjejum para viagem.
Quando estavam sentados, a equipe entrou na sala, trazendo bandejas de
frutas, carne, queijo e pão. Minta seguiu. Era impossível para Hades ignorar a
batida distinta de seus saltos no chão de mármore. Ele não olhou para a ninfa
enquanto ela se aproximava, ou enquanto ela ocupava espaço entre ele e
Perséfone. Podia sentir o julgamento e a raiva de Minta, sem dúvida tendo
ouvido como havia carregado Perséfone para seus aposentos na noite
anterior.
— Meu senhor. Você tem a agenda cheia hoje.
— Cancele todos os compromissos da manhã.
— Já são onze horas. — Sua voz estava tensa, traindo sua frustração.
Ele honestamente não poderia se importar menos com o tempo ou suas
obrigações neste exato momento. Tinha acabado de ver meses de fantasias
agonizantes ganharem vida. Esta foi a manhã seguinte, e que manhã já tinha
sido. Ele ia gostar disso; ele se deleitaria com isso como se deleitava com a
guerra há muito tempo.
Ele se concentrou em Perséfone e, enquanto enchia seu prato, perguntou:
— Você não está com fome, querida?
— Não. — Ela olhou para ele, tímida. — Normalmente só bebo café no
desjejum.
De alguma forma, isso não o surpreendeu. Ele pensou em comentar sobre
nutrição, como ela precisaria de energia depois da noite deles, mas desistiu.
Em vez disso, ele invocou uma xícara de café.
— Leite? Açúcar?
— Creme — respondeu ela com um sorriso que o fez querer dar-lhe o sol
e a lua. — Obrigada.
— Quais são seus planos para hoje? — perguntou ele, colocando um
pedaço de queijo em sua boca.
Ela ficou em silêncio por um momento, olhando para Minta com uma
expressão mal-humorada, mas quando o silêncio se estendeu, seus olhos se
arregalaram ao perceber que ele estava falando com ela. — Ah, eu preciso
escrever…
Ela parou abruptamente.
— Seu artigo?
Ele tentou evitar que a amargura vazasse em sua voz, mas era difícil. Não
podia negar que sentiu uma ligeira traição ao pensar que ela continuaria
escrevendo, mesmo depois da noite que compartilharam.
— Acompanharei você em breve, Minta — disse, dispensando-a, mas
quando a ninfa hesitou, ele falou com firmeza. — Nos deixe sozinhos.
— Como quiser, meu senhor. — Minta fez uma reverência e praticamente
rebolou para fora da sala de jantar. Ele quase gritou com ela, mas se conteve,
pensando: Uma batalha de cada vez.
— Então, você vai continuar a escrever sobre meus defeitos? — perguntou
ele, quando estavam sozinhos.
— Não sei o que vou escrever desta vez — disse ela. — Eu…
— Você o quê? — Não tinha a intenção de explodir, mas não conseguia
esconder sua frustração sobre este assunto, e Perséfone estreitou os olhos.
— Eu esperava poder entrevistar algumas de suas almas.
— Os que estão na sua lista? — Jamais esqueceria aquela lista, jamais
esqueceria aqueles nomes, pois cada um trazia um tipo diferente de dor.
— Não quero escrever sobre o Baile Olímpico ou O Projeto Anos
Dourados — explicou ela. — Todos os outros jornais pularão nessas
histórias.
Claro que sim, e ela queria ser única, queria se destacar na multidão.
Definir-se como ela nunca havia sido definida antes. Ele sabia o que ela
queria – ser boa em alguma coisa, mas não em qualquer coisa. Ela queria ser
boa em algo que escolhera, porque ela não era boa na coisa que nasceu para
ser. Considerou dizer isso em voz alta, as palavras estavam na ponta da
língua, mas sabia que iria machucá-la, então limpou a boca e se levantou para
sair, mas Perséfone o seguiu.
— Achei que tivéssemos concordado em não nos deixarmos quando
estivéssemos com raiva. — Suas palavras o detiveram. — Você não solicitou
que trabalhássemos nisso?
— É que não estou particularmente animado que minha amante continue a
escrever sobre minha vida.
— É meu trabalho — disse ela, defensiva. — Eu não posso apenas parar.
— Não teria sido seu trabalho se você tivesse atendido meu pedido.
Ela cruzou os braços no peito, e ele não pôde deixar que seu olhar caísse
ali, mas o que ela disse prendeu sua atenção mais do que os seios dela. —
Você nunca pede nada, Hades. Tudo é uma ordem. Você me mandou não
escrever sobre você. Você disse que haveria consequências.
— E mesmo assim — retrucou ele, com tanta admiração quanto possível.
— Você continuou, de qualquer maneira.
Ela não tinha medo dele. Ela era uma raça rara.
— Eu deveria saber. — Ele inclinou a cabeça para trás com um dedo. —
Você é desafiadora, e está com raiva de mim.
— Não estou…
Ele a cortou, segurando seu rosto. — Devo lembrá-la de que sinto o gosto
de mentiras, querida? — Ele olhou para os lábios dela, roçando-os com o
polegar, e disse em voz baixa: — Eu poderia passar o dia todo beijando você.
— Ninguém vai impedir você — retrucou ela, seus lábios tocando os dele
enquanto falava.
Ele riu e fez o que ela desejava: beijou-a. Passando o braço em volta da
cintura dela, ele a levantou sobre a mesa e se colocou entre suas pernas. Ele
trabalhou cada mamilo através de seu peplo até que eles ficaram duros e
cheios, enquanto suas mãos mergulhavam entre as coxas dela para explorar a
carne acetinada. Logo ela estava chamando seu nome, as pernas abertas na
beirada da mesa de jantar, a cabeça jogada para trás, deixando o pescoço
tenso e exposto. Ele a beijou ali, chupando a pele até ficar roxa, e quando ela
gozou, ele retirou os dedos e os levou à boca.
Hades sorriu. — Você tem gosto de pertencer a mim.
Um sorriso curvou os cantos de seus lábios, mas ela abaixou a cabeça e
desviou o olhar.
— Não fique envergonhada — disse ele, guiando seu queixo para cima
para que ela encontrasse seu olhar. — Falemos como amantes falam.
Os olhos dela ficaram nublados. — E como amantes falam?
Ele parou por um momento e então respondeu: — Honestamente.
Ela olhou para ele, suas pernas ainda abertas como se o convidassem. Ela
parecia doce e febril.
— Você quer honestidade? — sussurrou ela, a voz rouca, estremecendo
sua coluna. — Você disse uma vez que apagaria a memória de Adônis da
minha pele. Você jurou, gravar seu próprio nome em meus lábios. Agora vou
fazer o mesmo. Vou apagar a memória de cada mulher da sua mente.
Querida, ele queria dizer. Você é a única mulher em minha mente. Mas ele
ficou quieto enquanto ela fazia o juramento, seu coração e pênis inchando
com cada maldita palavra. Ela passou as pernas ao redor da cintura dela, os
calcanhares cravando em sua bunda.
— Quero você dentro de mim — disse. — Me foda e diga meu nome
quando gozar. Sonhe comigo, e somente comigo, pelo resto da eternidade.
— Sim — sussurrou ele, enquanto mexia os quadris. Era tudo o que ele
queria, uma oração respondida pelas Moiras, e enquanto dava a ela
exatamente o que pedira, rezou para elas e as ameaçou.
Levem-na, e destruirei este mundo. Levem-na, e destruirei vocês. Levem-
na, e vou acabar com todos nós.
Quando saíram da sala de jantar, ele o fez com um sorriso no rosto, e seus
pensamentos sobre o artigo dela o irritaram menos, então ele sentiu que era
algum tipo de vitória. Ele levou Perséfone para fora, seus dedos entrelaçados,
e chamou Tânatos.
O Deus da Morte apareceu de imediato, suas feições pálidas brilhando
contra suas vestes pretas. Quando ele se manifestou, sua expressão era
severa, e Hades imaginou que era porque o deus havia presumido que ele
estava sendo convocado para discutir Sísifo. O mortal pesou muito em suas
mentes.
Mas então seus olhos se fixaram em Perséfone e se suavizaram.
— Meu senhor, minha senhora. — Ele fez uma reverência.
— Tânatos, Lady Perséfone tem uma lista de almas que gostaria de
conhecer. Você se importaria de acompanhá-la?
— Eu ficaria honrado, meu senhor.
Hades usou suas mãos entrelaçadas para puxá-la para ele. — Vou deixá-la
aos cuidados de Tânatos.
— Vou vê-lo mais tarde? — perguntou ela, e sua esperança descarada o
fez sorrir.
— Se assim desejar. — Ele roçou os lábios sobre os nós dos dedos dela, e
ela corou. Ele riu baixinho, pensando que ela não tinha sido tão rápida em
corar quando ele se deitou entre suas coxas e bebeu sua doce paixão.
Então ela desapareceu.
22
UMA BARGANHA AMARGA

Deixar Perséfone era a última coisa que Hades queria fazer. Se Sísifo ainda
não andasse livre, ameaçando seu futuro com a bela Deusa da Primavera, ele
não teria, mas o fato era que o mortal ainda estava fugindo, e manter os Magi
prisioneiros da organização não atraiu a Tríade como ele pensava que
aconteceria. Hades não tinha certeza de seus motivos, mas não se sentia bem
com o envolvimento deles.
Era inevitável que forças se levantassem para se opor aos deuses. Tinham
vindo em todas as formas ao longo da história – eruditos e opositores e ateus
e Ímpios.
Hades entendia o ressentimento dos Ímpios pelos deuses. Eles se
ressentiram por sua distância e rejeitaram seu governo quando vieram para a
Terra, e eles tinham motivos para isso. Poucos deuses fizeram seu trabalho,
nunca oferecendo palavras de profecia ou importância. O próprio Hades
nunca havia encorajado os mortais a acreditar em uma eternidade feliz no
Submundo. Em vez disso, eles passavam o tempo brincando com os mortais
para seu entretenimento, colocando-os uns contra os outros em batalha.
Ainda assim, a Tríade era diferente. A Tríade era organizada e suas táticas
prejudicavam pessoas inocentes. No início da vida deles, detonaram bombas
em locais públicos e, depois disso, exigiram saber por que os deuses não os
impediram se eram todo-poderosos. O objetivo parecia ser continuar a ilustrar
como os Olimpianos permaneciam desinteressados pela sociedade mortal, e
enquanto isso era verdade para alguns, não era verdade para todos. Algo que
a Tríade estava prestes a descobrir.
Hades apareceu no salão da Nevernight. Sua intenção era encontrar Ilias
para começar sua busca por Teseu, mas em vez disso, o sátiro o encontrou.
— Meu senhor — disse Ilias. — Há um homem aqui para vê-lo. Um
semideus chamado Teseu.
Hades endureceu com o nome, sentindo-se desconfortável que seu
sobrinho se aproximasse de boa vontade. Qual era o jogo dele?
— Faça-o entrar.
Ilias assentiu e saiu, retornando com um homem que parecia mais um
guerreiro enfiado em um terno. Ele tinha cabelos escuros cortados curtos e
uma barba por fazer. A única coisa que herdara de Poseidon foram seus olhos
de água-marinha, que pareciam dois sóis brilhando na pele morena. Dois
homens entraram com ele. Eles eram grandes e seu desconforto era óbvio.
Hades teve a sensação de que Teseu não precisava desses homens para
protegê-lo, que eram apenas para exibição.
— Você é um homem de poucas palavras, então vou direto ao ponto —
disse Teseu e, enfiando a mão no bolso de seu paletó, tirou um fuso – o que
Poseidon havia dado a Sísifo. Ele o estendeu para Hades, mas o deus não se
aproximou para pegá-lo. Ilias o fez, e então entregou a ele.
Hades olhou para o fuso. Era de ouro e afiado, e ele podia sentir a magia
das Moiras irradiando dele, o cheiro distinto, mas difícil de descrever. Era o
cheiro da vida — o cheiro de grama molhada depois da chuva e de ar fresco e
madeira, atenuado pelo odor de fumaça e sangue e o tom da morte.
Era um aroma que trazia a Hades memórias de escuridão, batalha e
conflito. Ele devolveu o fuso a Ilias, perguntando-se que tipo de horrores a
relíquia conseguira arrancar de Sísifo, até de Teseu.
— É um começo — respondeu ele. — Mas apenas uma das duas coisas
que eu quero.
Teseu ofereceu um pequeno sorriso. — Antes de continuarmos, eu
acredito que você tenha algo meu.
Hades ergueu uma sobrancelha para sua escolha de palavras, mas não
disse nada, apenas convocando o Magi. Ele apareceu e instantaneamente caiu
no chão com um baque sonoro. Ele gemeu, ficando de quatro, então olhou
para cima e começou a choramingar.
— M-meu senhor — sua voz tremeu.
Teseu olhou para um de seus homens, que sacou uma arma e atirou no
mortal. Ele caiu, e seu sangue se acumulou no chão da Nevernight. Hades de
repente entendeu o uso de Teseu para os guarda-costas; eles estavam aqui
para fazer seu trabalho sujo. O deus conhecia bem esse tipo de homem: o tipo
que não suja as mãos. Chegara a pensar que acreditavam que se não
puxassem o gatilho ou empunhassem a faca, não poderia rastrear seus
pecados.
Estavam errados.
Hades manteve sua expressão passiva, mas por dentro, fez uma careta. A
morte do homem não era necessária, nem justificada. Ele não deu a Hades
nenhuma informação sobre a Tríade, razão pela qual Hades o havia detido.
— Interessante. Você não interveio — disse Teseu.
— Você estava me testando? — perguntou, erguendo uma sobrancelha.
Teseu deu de ombros. — Apenas tentando entender você, Lorde Hades.
Ele apenas olhou. Talvez Teseu pensasse em desafiá-lo como a Tríade
desafiava os deuses, mas Hades não mordeu a isca. Se Teseu e seus homens
queriam aumentar sua lista de pecados e conquistar seu lugar no Tártaro,
quem era ele para impedi-los?
— Dois por um, Teseu — lembrou Hades, sua paciência se esgotando.
Foi a primeira vez que Hades viu a centelha do ressentimento de Poseidon
nos olhos de Teseu. Ele entendeu que o mortal tinha vindo para jogar, tinha
vindo para mostrar ao Deus dos Mortos que tinha poder. Mas Hades era
poder, e ele não estava com vontade de entreter esse homem que brincava de
ser um deus, mesmo que ele fosse semidivino.
Teseu acenou para um de seus homens, que falou ao microfone. Depois de
um momento, um terceiro homem se juntou a eles, arrastando Sísifo, e o
jogou no espaço entre eles. Sua boca estava fechada com fita adesiva, seus
pulsos e pernas amarrados. Ele estava como Hades se lembrava, mas mais
velho: o resultado do uso de magia que não lhe pertencia.
Apesar da mordaça em volta da boca, Sísifo conseguiu dar um grito
abafado.
— Silêncio — disse Hades, e roubou a voz do homem. Os olhos de Sísifo
se arregalaram quando ele não conseguiu mais emitir som, e ele esperneou e
caiu no chão, como um peixe fora d’água.
Uma vez que houve silêncio, Hades ergueu o olhar para Teseu. Havia algo
errado.
— O que você quer? — perguntou Hades.
Ele não era ignorante. Ele podia ver que Teseu estava ansioso por poder e
faminto por controle. Sua alma era uma torre de ferro, forte e inabalável. Foi
por isso que ele havia sequestrado Sísifo: desejava algo dele. Hades entendia
agora.
— Por devolver o fuso, gostaria de um favor. — Ele fez uma pausa e
acrescentou: — Por Sísifo, não peço nada.
— Que generoso.
Hades sorriu, mas a diversão não tocou seus olhos. — Que gentil da sua
parte dizer isso.
Hades considerou o pedido de Teseu. Não se sentia confortável
oferecendo-lhe um favor, pois era um pedido em aberto, algo que Hades seria
obrigado a cumprir devido à natureza obrigatória dos favores e do sangue
imortal.
No entanto, um favor não era um pedido inadequado para o que o imortal
havia devolvido a ele. Ele havia essencialmente assegurado seu futuro com
Perséfone.
Ainda assim, Hades descobriu que tinha perguntas.
Seus olhos se estreitaram quando declarou: — Você é Divino, e ainda
assim ouvi que lidera a Tríade.
— Você está fazendo uma pergunta, meu senhor?
— Estou apenas tentando descobrir o que você busca.
Aquele sorriso voltou, e Hades sabia por que detestava tanto. Era um
sorriso que pertencia a seu irmão.
— Livre-arbítrio, liberdade…
— Não a Tríade — disse Hades, cortando-o. — Você. O que você busca?
— Você não consegue entender? — desafiou ele.
Sim, Hades queria sibilar. Eu vejo sua alma. Corrompida. Faminta de
poder, assim como seu pai, mas sem o fracasso, e isso o tornava perigoso
porque o fazia se sentir invencível.
— Estou apenas me perguntando qual é a diferença entre o seu governo e
o meu.
— Não há governantes na Tríade.
Hades ergueu uma sobrancelha. — Não? Diga-me, qual é o seu título
mesmo? Grande senhor?
Hades sabia o que estava acontecendo. Ele reconheceu a ambição de
Teseu, porque seus irmãos a compartilhavam à época da Titanomaquia.
— Os outros grandes senhores são semideuses também? — Hades
inclinou a cabeça, estreitando os olhos. — Você tem esperança de inaugurar
uma nova legião de Divinos?
— Sentindo-se ameaçado, tio? — perguntou Teseu.
Hades ofereceu um sorriso malicioso e viu a confiança de Teseu vacilar.
— A arrogância é sempre punida, Teseu. Se não em vida, sempre na
morte.
— Tenha certeza, tio, se Nêmesis me receber após a minha morte, não será
um castigo, mas a confirmação de que vivi como desejei. Pode dizer o
mesmo? Um deus torturado com uma existência eterna, cuja chance de amar
depende da captura deste mortal? — Teseu fez uma pausa. — Vou aceitar
aquele favor agora.
Hades rangeu os dentes com tanta força que pensou que poderiam quebrar.
— Concederei seu pedido — disse Hades. — Mas não será Nêmesis quem
o cumprimentará após sua morte.
Ele o receberia, e se deleitaria no processo de torturar este imortal que
tinha usado Perséfone como alavanca. Ele separaria a sua pele do corpo e
observaria os corvos se banquetearem com os restos mortais.
Com a promessa de um favor, Teseu partiu. O olhar de Hades caiu para
Sísifo, que estava tentando se afastar do deus.
— O senhor não deveria ter concedido a ele o favor — disse Ilias. — O
senhor não sabe o que ele vai pedir.
— Sei o que ele vai pedir — declarou Hades.
— E o que é?
— Poder — respondeu Hades. Poder bruto em qualquer forma, e com um
favor de Hades, ele o tinha.
Hades se inclinou para Sísifo e, enquanto falava, o mortal começou a
tremer.
— Bem-vindo ao Tártaro.


Hades se teletransportou para o laboratório de Hefesto. Normalmente, ele
chegaria pelos portões da frente e prestaria seus respeitos a Afrodite, mas
desde La Rose, não queria vê-la, e não queria que ela ouvisse o que ele veio
pedir. Ele encontrou o deus em sua forja, seu grande corpo desajeitado diante
de uma fornalha aberta que cuspia fogo e faíscas enquanto ele martelava um
pedaço plano de metal – uma espada – presa entre um par de tenazes. Hades
podia dizer pela posição dos ombros do deus e pela força com que trabalhava
que estava com raiva.
A visão o deixou apreensivo, então ele tocou uma campainha perto da
porta para chamar a atenção do deus. Hades não ficou surpreso quando
Hefesto torceu e jogou o pedaço plano de metal que estava martelando em
sua direção.
Hades desviou e o metal caiu na parede atrás dele.
Houve um silêncio, e então Hades perguntou:
— Você está bem?
O peito de Hefesto subiu com sua respiração. — Sim.
O deus jogou seus tenazes no chão e se virou totalmente para ele. — Em
que posso ajudá-lo, Lorde Hades? Outra arma?
— Não — respondeu Hades. — Tem certeza de que não precisa de um
minuto?
O olhar de Hefesto foi duro. Hades tomou isso como um não.
— Eu não desejo uma arma — explicou ele. — Desejo um anel.
Hefesto não pareceu se importar, embora sua voz traísse sua surpresa. —
Um anel? Um anel de noivado?
— Sim — disse.
Hefesto o estudou por um longo momento. Hades se perguntou o que ele
estava pensando. Talvez, Quem se casaria com você? Ou algo ainda mais
cínico. Não faça isso, não vale a pena.
Ainda assim, mesmo Hades sabia que Hefesto não acreditava nisso. Sabia
disso agora mais do que nunca, depois que o deus usou as Correntes da
Verdade para perguntar a Hades se ele estava dormindo com Afrodite.
— Você tem um desenho?
Hades sentiu a estranha onda de constrangimento ao retirar um pedaço de
papel sobre o qual havia esboçado uma imagem. Era semelhante à coroa que
Ian havia feito para Perséfone, só que ele havia escolhido menos flores e
pedras preciosas – turmalina e dioptase.
Ele entregou o desenho para Hefesto.
— Quando planeja fazer o pedido?
— Não sei ainda — disse Hades. Não havia pensado em uma data ou hora
em que pediria a Perséfone para ser sua esposa. Apenas sentia que pedir o
anel, criar o anel, era importante. — Não há pressa, se é isso que você está
perguntando.
— Muito bem — disse Hefesto. — O convocarei quando estiver pronto.
Hades assentiu e deixou a forja, apenas para encontrar seu caminho
bloqueado por Hermes.
— Não — resmungou Hades na mesma hora.
Hermes abriu a boca, ofendido. — Você nem sabe o que eu ia dizer!
— Eu sei por que está aqui. Você só tem dois propósitos, Hermes, e já que
você não está guiando almas para o Submundo, você deve estar aqui para me
dizer algo que eu não quero ouvir.
Hades passou por ele e Hermes o seguiu.
— Quero que saiba que estou ofendido — continuou Hermes. — Não sou
apenas um guia ou mensageiro; eu também sou um ladrão.
— Perdoe o descuido — disse Hades.
— Achei que estaria de melhor humor — acrescentou Hermes. — Tendo
finalmente afogado o ganso, molhado o biscoito, agasalhado o croquete…
— Basta! — falou Hades bruscamente, virando-se para o deus cujos olhos
brilhavam com diversão. — Por que você está aqui?
Ele sorriu. — Fomos convocados para o conselho em Olímpia. Alguém se
meteu em apuros por roubar as vacas de Hélio, e adivinhe? Não fui eu desta
vez!
23
OLÍMPIA

Hades não estava ansioso para o conselho. Ele odiava seus companheiros
Olimpianos e odiava a pompa e o drama. Ele preferiria passar a noite com
Perséfone, enterrado dentro dela, explorando seu corpo novamente,
descobrindo novas maneiras de fodê-la, dando prazer a ambos. Em vez disso,
seria forçado a se sentar no conselho, ouvir seus irmãos discutirem, ouvir
Atena tentar a paz, ouvir Ares exigir guerra, e teria que enfrentar Deméter,
sabendo que tinha comido a filha dela.
Ele suspirou e se materializou no Jardim dos Deuses no campus da
Universidade de Nova Atenas, usando sua magia para localizar Perséfone.
Ele a encontrou mais rápido desta vez e pensou que poderia ter algo a ver
com o fraco eco de poder dentro dela. Sua escuridão fora atraída para aquela
luz, querendo abraçá-la e nutri-la.
Ele a teletransportou para ele. Assim que ela apareceu, ele a agarrou pelo
pescoço e a beijou. Ela fez um som no fundo da garganta que o encorajou a
separar os lábios e enterrar a língua na boca dela. Ele queria o sabor dela em
seus lábios quando chegasse a Olímpia; seria um segredo perverso que ele
levaria consigo.
Ele se afastou relutante, mordiscando o lábio inferior dela.
— Você está bem?
— Sim — respondeu ela sem fôlego. — O que você está fazendo aqui?
Ele sorriu, quase triste, o olhar caindo em seus lábios outra vez. Ele
deveria responder com toda a verdade, mesmo a parte em que ele estava
pensando em fodê-la neste jardim.
— Vim dizer adeus.
— O quê? — Sua voz foi cortante. Claramente, ela não esperava isso, mas
a surpresa dela o fez rir. Ele gostou da ideia de que ela ficaria desapontada
com sua ausência. Talvez isso significasse um reencontro apaixonado.
— Preciso ir até Olímpia para o Conselho.
— Ah. — Ela franziu o cenho. — Por quanto tempo?
— Se depender de mim, um dia e nada mais.
Ele não era como os outros Olimpianos, que ficavam para festas e folia.
— Por que não dependeria de você? — perguntou ela.
— Depende de quanto Zeus e Poseidon discutem — respondeu Hades,
revirando os olhos. Ao fazê-lo, avistou o que ela estava segurando. Uma
cópia do Divinos de Delfos com um título em negrito que dizia: “Deus do
Submundo Credita a Jornalista o Projeto Anos Dourados” Hades o arrancou
de seus braços, onde estava empilhado em cima de seus livros, passando os
olhos pelas primeiras linhas.

Hades, Deus dos Mortos, surpreendeu a todos no sábado à noite quando


anunciou uma nova iniciativa, O Projeto Anos Dourados, uma instalação de
reabilitação para mortais a ser concluída no próximo ano. A instalação de
última geração estará localizada em dez acres de terra e atenderá a uma
variedade de necessidades de saúde mental. Lorde Hades continuou dizendo
que sua generosidade foi inspirada por uma mortal, Perséfone Rosi, a
jornalista responsável por escrever e divulgar um artigo escandaloso sobre o
Rei do Submundo. Agora as pessoas estão perguntando a legitimidade das
alegações de Rosi, ou o Deus do Submundo está apenas apaixonado?

Hades apertou a mandíbula. Era por isso que ele odiava a mídia: eles
nunca conseguiam se ater aos fatos. Eles tinham que incluir especulações e
comentários, e pior, ele sabia que essas palavras estavam chegando a
Perséfone por causa de sua pergunta.
— É por isso que você anunciou o Projeto Anos Dourados no baile de
gala? Então as pessoas se concentrariam em algo diferente da minha
avaliação do seu caráter?
— Você acha que criei o Projeto Anos Dourados para minha reputação?
— Ele tentou evitar que a decepção e a raiva entrassem em sua voz, mas era
um desafio. Ela deveria saber que ele, de todas as pessoas, não se importava
com o que os outros pensavam dele. Ela era a exceção.
Ela encolheu os ombros. — Não queria que eu continuasse escrevendo
sobre você. Disse isso ontem.
Ele levou um momento para falar, um momento para relaxar a mandíbula
para que as palavras pudessem se formar em seus lábios.
— Não comecei o Projeto Anos Dourados na esperança de que o mundo
me admirasse. Eu comecei por sua causa.
— Por quê?
— Porque eu vi a verdade no que você disse. É realmente tão difícil de
acreditar?
Ela não respondeu, e Hades odiou a maneira como isso o fez sentir. Como
se algo pesado estivesse sentado em seu peito. Talvez ele estivesse errado em
vir aqui para se despedir, ou pensar que o reencontro deles seria doce.
— Minha ausência não afetará sua habilidade de entrar no Submundo.
Você pode entrar e sair quando quiser.
Algo mudou na expressão dela, e ele sentiu que ela de repente se sentiu
tão desolada quanto ele. Ela deu um passo para ele, alcançando as lapelas de
seu paletó, os quadris pressionando os dele. Ele queria gemer, mas se
contentou em envolver as mãos em volta dos pulsos dela.
— Antes de você ir, eu estava pensando em dar uma festa no Submundo…
para as almas.
Ele ergueu uma sobrancelha, os olhos procurando os dela.
— Que tipo de festa?
— Tânatos me disse que as almas vão reencarnar no final da semana e que
Asfódelo já está planejando uma festa. Acho que nós devemos movê-la para
o palácio.
Ela estava se referindo à Ascensão. Era um evento que acontecia a cada
três meses, uma época em que as almas que estavam prontas renasciam. Os
moradores de Asfódelo sempre comemoravam, pois simbolizava uma nova
vida, uma segunda chance.
— Nós? — perguntou Hades.
Ele gostou do jeito que Perséfone mordeu o lábio. — Estou perguntando
se posso planejar uma festa no Submundo.
Ele piscou, um pouco confuso. Como tinham chegado nisso? Ela tinha
acabado de questionar seus motivos para o Projeto Anos Dourados, mas
agora ela estava planejando comemorar com seu povo em seu reino.
— Hécate já concordou em ajudar — acrescentou ela, como se isso
pudesse influenciá-lo, as palmas das mãos achatando em seu peito.
Isso o divertiu, e ele ergueu sobrancelhas. — Ela concordou?
— Sim. Ela está pensando que nós devemos dar um baile.
Ele não estava fazendo um bom trabalho concentrando-se nas palavras que
saíam da boca dela. A única que ele realmente ouviu foi nós, e ela continuou
usando. Ele também queria usá-la. Nós devemos ir para a cama. Nós
devemos fazer amor por horas. Nós devemos tomar banho juntos e foder um
pouco mais.
— Você está tentando me seduzir, para que eu concorde com seu baile? —
perguntou ele.
— Está funcionando?
Ele sorriu e passou os braços em volta da cintura dela, puxando-a contra
ele, pressionando o comprimento duro em seu abdome.
— Está funcionando — sussurrou ele no ouvido de Perséfone, os lábios
roçando o lado do pescoço dela antes de fechar na boca da deusa. Suas mãos
se moveram sobre o traseiro dela, e ele segurou as nádegas, pressionando
nela. Quando ele a soltou, os olhos dela estavam acesos de desejo, e ele se
perguntou se ela daria prazer esta noite, pensando nele dentro dela. Ele sabia
que iria.
— Planeje seu baile, Lady Perséfone.
— Volte para casa logo, Lorde Hades.
Ele sorriu com as palavras dela antes de desaparecer e segurou-se nelas
enquanto aparecia nas sombras da Câmara do Conselho com piso dourado,
onde os deuses estavam reunidos. Colunas cobriam a sala em forma oval e,
dentro dessas colunas, havia doze tronos, um para cada um dos Olimpianos.
Eles eram todos distintos na criação, compostos de símbolos exclusivos dos
deuses.
Zeus estava sentado na cabeceira do oval sobre um trono feito de carvalho,
um raio e um cetro de ouro cruzados nas costas. Sua águia, um pássaro
dourado, estava empoleirada no cetro, seu nome Aetos Dios. Era um espião
que Hades gostaria de assar em um espeto, mas preferia não ser a causa do
drama no conselho, então ele se conteve. Zeus se parecia mais com o pai
deles, um homem grande com cabelos ondulados e barba cheia. Na cabeça,
ele usava uma coroa de folhas de carvalho, um de seus muitos símbolos.
Ao lado dele estava Hera. Era bonita, mas rígida, e Hades sempre achou
que ela parecia desconfortável ao lado do marido, algo pelo qual Hades não
podia culpá-la. O Deus dos Céus era conhecido por fornicar por toda a
eternidade, e descer ao mundo moderno não fez diferença. A Deusa das
Mulheres estava sentada em um trono de ouro, exceto pelo encosto, que
lembrava as penas coloridas de um pavão – azul iridescente brilhante,
turquesa e verde.
Em seguida estava Poseidon, cujo trono parecia sua arma, o tridente, feito
para ele antes da Batalha de Titanomaquia pelos três Ciclopes Anciões. Ao
lado dele estava Afrodite, cujo trono imitava uma concha, de cor rosa e
enfeitada com pérolas e flores vermelhas. Então veio Hermes, cujo trono era
de ouro, as costas feitas para parecer seu caduceu – um bastão alado com
duas cobras entrelaçadas.
Depois, estava Héstia, Deusa do Lar, cujo trono era vermelho-rubi e feito
em forma de chamas. Ares a flanqueava, sentado sobre uma pilha de crânios,
alguns brancos e outros amarelados pela idade. Eles eram todos de pessoas –
mortais e imortais – e monstros que ele matou.
Ao lado dele estava Ártemis, para seu grande desânimo, pois ela —
ninguém — se dava bem com Ares. Seu trono era simples, uma meia-lua
dourada. Ao lado dela estava Apolo, cujo assento imitava os raios do sol na
forma de uma auréola brilhante circulando atrás dele. A seguir vinha
Deméter, cujo assento mais parecia uma árvore coberta de musgo, rica em
flores brancas e rosas, e hera se espalhando pelo chão. Ao lado dela, Atena,
cujo trono era um conjunto de asas de prata e ouro. Ela estava sentada, bonita
e equilibrada, rosto inexpressivo, coroado com um aro de ouro cravejado de
safiras azuis. Por último, entre o trono de Atena e Zeus, estava o de Hades,
um trono de obsidiana preta feito de bordas irregulares e letais, muito
parecido com o seu no Submundo.
O único deus que falava era Zeus, e todos os outros pareciam zangados ou
entediados, exceto Hermes. Ele parecia se divertir.
Provavelmente ainda rindo de sua piada, pensou Hades.
Hades não tinha certeza do que Zeus estava falando, mas ele pensou que
deveria estar contando uma história porque estava dizendo:
— Quero dizer, eu não sou um deus irracional, então eu disse…
Hades saiu de seu esconderijo e caminhou pelo centro do oval. A voz de
Zeus ressoou, ecoando por toda parte.
— Hades! Atrasado como de costume.
Ele ignorou o julgamento de seu irmão e se sentou ao lado dele.
— Você está ciente das acusações contra você? — perguntou o Deus dos
Céus.
Hades apenas olhou. Ele não ia tornar isso fácil. Sabia que haveria
repercussões por suas ações e podia admitir que sua escolha de roubar o gado
de Hélio era mesquinha, mas Hélio havia impedido Hades do Julgamento
Divino. O Titã não estava aqui apenas pela graça do próprio Zeus?
— Ele disse que você roubou o gado dele — continuou Zeus. — E ele está
ameaçando mergulhar o mundo na escuridão eterna se não o devolver.
— Então teremos que lançar Apolo no céu — disse Hades.
O Deus da Música e do Sol olhou feio. — Ou você pode devolver o gado
de Hélio. Por que roubá-lo, de qualquer maneira? Você não condenaria o
resto de nós por tal… comportamento trivial?
— Não seja muito duro com Hades. É como ele sente que deve agir, já que
ele é o mais temido entre nós. — Essas foram as palavras de Hera, e elas
fizeram Hades apertar a mandíbula.
— Não mais! — bradou Zeus. — Nosso rabugento oficial se apaixonou
por uma mortal. Ele fascinou o mundo todo.
Apenas Zeus riu. Hades se sentou, seus dedos curvados sobre as bordas de
seu trono, a obsidiana apertando sua pele. Podia sentir a raiva irradiar de
Deméter. Nenhum desses deuses, exceto Hermes, conhecia as verdadeiras
origens de Perséfone. Ele se perguntou se o Deus do Relâmpago iria rir,
sabendo que Hades havia se apaixonado por uma deusa. Havia implicações
maiores quando os deuses se uniam, porque significava compartilhar o poder.
— Seja gentil, pai. — Foi Afrodite quem falou, sua voz cheia de
sarcasmo, sua raiva por Adônis ainda aparente. — Hades não sabe a
diferença entre atenção e amor.
— Você fala por experiência, Afrodite? — desafiou Hades.
A expressão dela ficou mal-humorada, e ela cruzou os braços sobre o
peito, afundando em seu assento.
Sua resposta a Afrodite silenciou o resto, porque por mais que gostassem
de fazer graça, sabiam que Hades era perigoso. Roubar o gado de Hélio tinha
sido uma gentileza, vingança em sua forma mais básica. Se ele quisesse, ele
mesmo poderia ter mergulhado o mundo na escuridão. Hélio não precisa
ameaçá-lo.
— Você vai devolver o gado dele, Hades — disse Zeus.
Mais uma vez, Hades não disse nada. Ele não discutiria com Zeus na
frente dos outros deuses.
— Já que estamos reunidos. Há algum outro assunto que desejam trazer à
tona?
Esta era a parte que Hades temia. O Conselho deveria ser apenas quatro
vezes por ano, e ainda assim Zeus o convocava por motivos triviais e depois
pedia para ouvir queixas, como se não tivesse nada melhor para fazer do que
mediar discussões entre Poseidon e Ares – os únicos dois que falavam.
Exceto desta vez.
— A Tríade está sendo liderada por semideuses — disse Hades, e olhou
para Poseidon enquanto falava. — Tenho motivos para acreditar que eles
estão planejando uma rebelião.
Desta vez, Zeus não foi o único a rir. Poseidon, Ares, Apolo, até Ártemis
riram.
— Se eles desejam guerra, eu a trarei — declarou Ares, sempre ansioso
por derramamento de sangue. Hades o odiava, odiava o desejo de morte e
destruição dele. Ele não conhecia nenhum outro deus que desejasse se
deleitar com o horror da guerra.
— Suponho que você ri porque pensa que é impossível. Mas nossos pais
achavam o mesmo de nós, e olhe onde estamos sentados — disse Hades.
— Ouço medo em sua voz? — desafiou Ares.
— Sou o Deus dos Mortos — respondeu Hades. — Quem sou eu para
temer a guerra? Quando todos vocês morrerem, virão a mim e enfrentarão
meu julgamento, como qualquer mortal.
O silêncio seguiu sua declaração.
— Seria necessário um grande poder para esses semideuses nos
derrotarem — comentou Ártemis. — Onde conseguiriam?
De favor Divino, Hades pensou, mas não disse.
— Não estamos mais vivendo no mundo antigo — argumentou Atena. —
Existem outras armas além da magia à disposição deles.
Era verdade, e quanto mais os mortais estudavam a magia dos deuses,
mais eles entendiam como aproveitá-la e potencialmente usá-la contra eles.
— Estou apenas afirmando que seria de nosso interesse observar — disse
Hades. — A Tríade crescerá em número e força se seus grandes senhores
forem tão previsíveis quanto eu penso.
— E quem são esses grandes senhores? — perguntou Zeus.
Hades estreitou os olhos para Poseidon, e o olhar de Zeus o seguiu. — Isso
é algum esquema seu, irmão?
— Como ousa!? — Os punhos de Poseidon apertaram os braços de seu
trono, quebrando a casca de que era feito.
— Você já tentou tomar meu trono antes, seu idiota intrometido!
— Idiota? Quem você está chamando de idiota? Preciso lembrá-lo, irmão,
só porque você se senta no trono como Rei dos Deuses não significa que eu
seja menos poderoso.
De repente, todos estavam olhando para ele, exceto Zeus e Poseidon, que
estavam travados em uma batalha verbal. Hades apenas riu.
— Imagine isso como sua tortura no Tártaro — disse ele. — Pois é a
sentença que todos receberão por me fazer passar por essa sacanagem.
Horas depois, Hades se viu no escritório de Zeus. Era um espaço
tradicional, mobiliado com uma grande mesa de carvalho que ficava diante de
um conjunto de estantes forradas com volumes encadernados em couro que
ele definitivamente usava para exibição. Grandes janelas davam para a vasta
propriedade de Zeus, onde ele criava touros, vacas, ovelhas e cisnes. Era
onde Hades estava, enquanto Zeus lhes servia uma bebida.
— Então você roubou o gado de Hélio — disse Zeus.
— Ele me impediu de realizar o Julgamento Divino — explicou Hades. —
Precisava ser punido.
— Mas você concorda que o castigo dele já durou o suficiente, não é?
— Se você está pedindo a confirmação de que devolverei o gado dele,
sim. — Hades fez uma pausa. — No devido tempo.
Zeus suspirou.
— Hélio pode ameaçar a escuridão o quanto quiser, mas ele esquece que
eu sou a escuridão. Isso diz respeito a mim.
Zeus não tinha nada a dizer sobre isso. Ele tomou um gole e bochechou a
bebida em sua boca antes de dizer: — Tudo bem, mas se a situação ficar
difícil, eu não vou intervir.
— Ficaria ofendido se fizesse isso — respondeu Hades.
Ele virou a bebida que Zeus havia oferecido e colocou o copo na mesa
com um ruído, preparando-se para sair.
— Conte-me sobre essa mulher que virou sua cabeça.
Hades congelou.
— É como eu disse no baile e nada mais.
— Não acredito que seja esse o caso — disse ele. — Se este fosse
qualquer outro mortal, você teria buscado retribuição pelas coisas que ela
disse. Em vez disso, você a entretém, dedica a porra de um prédio inteiro a
ela.
— Ela tinha pontos válidos — afirmou Hades, pronto para sair.
— E ela chamou sua atenção. Admita, irmão!
Hades não admitiu.
— Bah! Eu não deveria esperar que você fosse vulnerável, embora eu lhe
deseje felicidade.
Hades ergueu as sobrancelhas. — Lembre-se dessas palavras, irmão.
Você não vai pensar por muito tempo, ele pensou.
— Como tal, sinto que é meu dever avisá-lo sobre a manipulação das
mulheres, mortais em particular.
— Diz o deus que seduz as mulheres na forma de animais.
— Isso não foi manipulação. Eu não poderia abordá-las em minha forma
divina, pois é uma forma que meros mortais não podem realmente entender.
E ainda nenhum de nós tem o mesmo problema, pensou Hades.
— Você se disfarçou porque elas já o haviam rejeitado — rebateu Hades.
— Não tente mentir para mim, irmãozinho. Nós dois sabemos que é inútil.
Os lábios de Zeus se apertaram, seus olhos se estreitaram.
— As mulheres só querem uma coisa, Hades: poder.
Hades não tinha dúvidas de que era uma das várias coisas que as mulheres
queriam, e entre elas, a liberdade de existir sem se preocupar com predadores
como Zeus.
— Talvez você tenha medo de mulheres no poder por causa da maneira
como usa o seu próprio – para estuprar, abusar e torturar.
Esta conversa não foi como Zeus esperava, mas Hades não ouviria seu
irmão falar mal de mulheres.
Ele se virou e deixou o escritório. Do lado de fora, ele se viu em um pátio
aberto para o céu. Um caminho cortava o centro, ladeado por estátuas de
mármore de ninfas. No centro havia uma fonte simples em forma de
hexágono. Quando Hades começou a descer o caminho, foi parado por
Deméter, que saiu de trás de uma das colunas que delimitavam os limites do
pátio.
Ela estava cheia de ódio por ele. Era óbvio em seus olhos, tornando-os de
cor escura, como água em um pântano. Hades sabia que esse confronto viria.
Ainda que Deméter tivesse ignorado a presença de sua filha no baile de gala,
soube que Hades falou dela quando fez seu discurso, e agora isso a
assombrava. Ela devia ter revivido isso em todos os jornais, em todas as
revistas, em todas as emissoras de notícias. Ela não podia nem mesmo
escapar do conhecimento no conselho. Foi possivelmente a melhor tortura
que Hades já havia feito.
— Fique longe da minha filha, Hades. — Sua voz era calma, mas
ameaçadora. Era a voz que ela usava para causar medo nos corações de suas
ninfas e para amaldiçoar os mortais.
Mas isso só deu prazer a Hades.
— Qual é o problema, Deméter? — desafiou ele. — Medo das Moiras?
Suas palavras foram um reconhecimento. Eu sei da profecia, diziam.
— Se você se importa mesmo com ela como você afirma publicamente,
então vá embora — disse Deméter. — Ela pode perder tudo se você não o
fizer.
— E essas são as ações de alguém que se importa com ela? — perguntou
Hades.
Deméter deu um passo em direção a ele, sua voz tremendo. — Estou
fazendo isso porque me importo! Você não é a pessoa certa para minha filha.
— Acho que ela discordaria.
Deméter olhou, e depois de um momento, deu um passo para trás, rindo.
— Minha filha nunca me trairia. — Hades teve a sensação de que Deméter
estava apenas tentando se convencer disso. — Ela nunca preferiria você a
mim.
— Então não tem nada a temer — argumentou Hades.
Só que ela tinha tudo a temer, porque Perséfone já havia traído Deméter.
Ela a traíra toda vez que viera para Nevernight, toda vez que seus lábios se
encontraram, toda vez que ela colocou a boca em seu membro, abriu as
pernas e deixou que a saboreasse. Perséfone havia traído Deméter toda vez
que eles se reuniam, xingando um ao outro, e foi esse pensamento que o fez
sorrir enquanto se teletransportava de Olímpia.
24
O BAILE DE ASCENSÃO

Hades se teletransportou para o Submundo. Sua primeira parada foi na


cabana de Hécate, onde encontrou a deusa se preparando para a noite. Ela
parecia a lua, envolta em prata, suas lâmpadas tecendo estrelas combinando
em seu cabelo escuro.
— Hades — disse Hécate. — Como foi o conselho?
Ele não era muito vocal, mas sentiu a necessidade de contar seu tempo em
Olímpia.
— Zeus vai pagar caro por seu comentário sobre as mulheres —
acrescentou Hécate quando Hades terminou.
Ele não tinha dúvida. Hécate não tinha medo de punir os deuses. Ela tinha
feito isso muitas vezes e de muitas maneiras, de armar armadilhas a
maldições para revogar a vitória de um herói precioso. Sua ira era real e letal
quando provocada.
— Tenho medo que a atenção dele se volte para Perséfone — disse Hades.
Os olhos de Hécate brilharam como brasas.
— Se isso acontecer, ela poderá se defender.
Hades olhou para a deusa interrogativamente. — Como?
— Ela não contou? Naquela noite que vocês… humm… — Ela fez uma
pausa, e Hades encarou. Ele sabia o que ela ia dizer. A noite em que eles
fizeram sexo. — No dia seguinte ao Baile Olímpico, ela sentiu a vida pela
primeira vez. Ela pôde sentir a magia dela.
Hades deixou as palavras de Hécate penetrarem. Perséfone sentiu a magia
dela. Ele sabia que era possível que os poderes dela começassem a despertar,
mas não esperava que isso acontecesse tão rápido. Significava que Perséfone
aceitara sua adoração, que se sentira poderosa e digna enquanto faziam amor.
Significava que ela confiava nele.
A percepção fez seu peito inchar, e fez as palavras de Deméter parecerem
ainda mais ameaçadoras, mas quando Hades expressou isso para Hécate, a
deusa apenas sorriu.
— Tenha esperança em sua deusa, Hades. Ela já não escolheu você?

Hades não ficou muito tempo com Hécate. Ele estava ansioso para ver
Perséfone. Parecia estranho, mas ele estava curioso para observar uma
mudança dentro dela. A capacidade de sentir a vida alteraria a maneira como
ela pensava em si mesma e em seu sangue Divino? Ele pensou em quando a
conheceu. Era como se ela se ressentisse de quem era, como se ela se sentisse
menos uma deusa porque não podia invocar seu poder. Poder que não surgiu
porque esteve se escondendo toda a sua vida.
Hades cerrou os punhos com o pensamento. Deméter a deixou acreditar
que ela era impotente, ela assistiu enquanto Perséfone espiralava, colocando
distância entre ela e sua Divindade até que ela não se visse mais como uma.
E, no entanto, ela era a mais divina de todas elas.
A primeira coisa que notou quando se manifestou na suíte da Rainha – a
suíte que um dia pertenceria a ela – foi o cheiro dela. Ela cheirava a baunilha
doce e lavanda. Seus olhos se encontraram no espelho, e assim que ela
começou a se virar para ele, ele a parou.
— Não se mova. Deixe-me olhar para você.
Ela congelou.
Era um exercício de controle, porque tudo que Hades queria fazer era estar
perto dela, e ainda assim ele manteve distância e caminhou um círculo lento
ao redor dela, saboreando cada detalhe. Ela estava vestida de ouro, a cor do
poder. O tecido era como água empoçada em sua pele e a tocava em todos os
lugares que Hades desejava que as mãos pudessem estar, e sob aquele tecido
fino, ele notou como seus mamilos endureceram em picos apertados. Quando
ele veio por trás dela, ele colocou uma mão ao redor da cintura e a puxou
contra ele, encontrando seu olhar no espelho.
— Abandone a ilusão.
Seus olhos se arregalaram. — Por quê?
— Porque desejo ver você — disse ele. Ele a sentiu congelar. Foi como na
noite depois de La Rose quando ela segurou aqueles lençóis contra o peito,
um escudo que ela usava para se proteger do olhar dele. Ele estendeu a mão
com sua própria magia, acariciando a dela, e a sentiu abrindo-se para ele. Ele
virou a boca para o ouvido dela, ainda mantendo contato visual. — Deixe-me
vê-la.
Ela fechou os olhos enquanto relaxava, e Hades observou enquanto ela se
transformava. Ela era tudo. Ela era tudo em qualquer forma, mas havia algo
mais em vê-la abraçar sua Divindade, algo inspirador. Era maravilhoso.
Agora, parecia íntimo.
— Abra os olhos — sussurrou, e quando ela o fez, não olhou para Hades,
mas para si mesma. Ela era encantadora, e tudo nela se intensificou. Sua pele
brilhava, seus olhos eram luminosos, seus chifres espiralavam graciosamente,
mas talvez ela parecesse uma chama porque estava diante de sua escuridão.
— Querida, você é uma deusa.
Ele pressionou os lábios no ombro dela, e sentiu a mão dela envolver seu
pescoço. Ela se virou para o beijo, e seus lábios se chocaram, famintos e
quentes. O pulso dele disparou, e o calor inundou o fundo de seu abdome,
enchendo seu pênis até ficar duro. Ele fez um som carnal que veio do fundo
da garganta, e Perséfone se virou em seus braços. Hades se afastou,
segurando o rosto dela.
— Senti sua falta — disse ele.
Ela sorriu timidamente e admitiu:
— Também senti sua falta.
Seus lábios acariciaram os dela, mas Perséfone estava ansiosa. Ela ficou
na ponta dos pés, e seus lábios colidiram. Ele gostou da fome e da ousadia
dela, as mãos da deusa acariciando seu peito, descendo por seu abdome,
buscando seu pênis, mas antes que ela pudesse alcançá-lo, ele a deteve,
interrompendo o beijo.
— Estou tão ansioso quanto você, minha querida — disse ele. — Mas se
não formos embora agora, acho que vamos perder sua festa. Vamos?
Ela realmente hesitou, e ele se viu sorrindo, mas ela pegou sua mão
estendida. Quando ela o fez, ele abandonou sua ilusão, revelando sua forma
Divina. Cabelo solto, vestes pretas e uma coroa de prata feita de pontas
irregulares que ficava na base de seus chifres. Ele podia sentir o olhar de
Perséfone nele, pecaminoso e doce. Tocou-o em todos os lugares e despertou
sua fome.
— Cuidado, deusa — avisou ele. — Ou não sairemos deste quarto.
Ele sentiu a verdade de suas palavras profundamente, mesmo quando
conseguiu levá-la para fora da suíte para o corredor em direção ao salão de
baile. Eles pararam atrás de portas douradas, e Hades ficou feliz porque
desejava saborear este momento – a primeira vez que se apresentaria à sua
corte com Perséfone ao seu lado.
Talvez ela nem percebesse o significado, mas de agora em diante, eles a
veriam como sua contraparte, como uma rainha.
As portas se abriram e o silêncio desceu. O aperto de Hades na mão de
Perséfone ficou mais forte, e ele acariciou seu polegar para tranquilizá-la,
mas a ansiedade que ele sentiu dentro dela pareceu diminuir assim que ela viu
a multidão e os sorrisos daqueles que a conheciam. Quando ele olhou para
ela, ele viu que ela sorria de volta.
Seu povo se curvou em reverência, e ele a levou escada abaixo, para a
multidão que os esperava. Eles se levantaram quando passaram, e Perséfone
sorriu, chamou cada um pelo nome, enchendo-os de elogios ou perguntando
sobre o seu dia. Hades nunca tinha levado tanto tempo para alcançar seu
trono, mas vê-la interagir com as almas era edificante.
Seus olhos vagaram para os rostos dos outros na multidão, e quando ele os
pegou olhando, eles desviaram o olhar rapidamente. Parte era vergonha e
parte era medo, e aquela estranha culpa retornou em uma onda feroz,
apertando seu coração. Então Perséfone soltou a mão dele, e ela atravessou a
multidão para abraçar Hécate. Pouco depois, ela foi cercada por almas. Como
mariposas atraídas pelo fogo, eles desceram assim que a escuridão se foi.
Ele continuou, a multidão se separando facilmente para ele, e ele não pôde
deixar de notar a distância que suas almas colocaram entre eles. Era uma
comparação gritante com o quanto eles estavam ansiosos para tocar e abraçar
Perséfone. Ele franziu a testa, e a culpa ficou mais pesada enquanto ele
caminhava para seu trono onde Minta pairava. Ela estava vestida para a
ocasião, com um vestido cor de vinho justo. Fazia o cabelo parecer um pôr do
sol e acentuava a palidez dela. Ele sabia pela expressão no rosto da ninfa que
ela tinha coisas a dizer, e Hades esperava que ela entendesse por sua
expressão que ele não queria ouvir nenhuma delas.
Ele afundou em sua cadeira e observou a festa, mas seus ombros estavam
dobrados e seus dedos curvados nos braços de sua cadeira. Ele se sentiu no
limite, esperando que Minta dissesse algo que só aprofundaria a escuridão
dentro dele.
— Você levou isso longe demais — falou ela depois de um tempo, sua
voz trêmula, uma sugestão da tempestade de emoções que estava por baixo
de suas palavras. Hades não olhou para ela, mas podia ver seu perfil pelo
canto do olho e ela também não estava olhando para ele.
— Você esquece seu lugar, Minta.
— Eu? — Ela girou em direção a ele, e Hades olhou em sua direção. —
Ela deveria se apaixonar por você, não o contrário.
— Se eu não a conhecesse, diria que está com ciúmes.
— Ela é um jogo, um peão! Aqui você a está exibindo como se fosse sua
rainha.
— Ela é minha rainha! — bradou Hades, quase saindo de sua cadeira.
Minta fechou a boca com força, os olhos se arregalando um pouco, como
se não pudesse acreditar que Hades havia levantado a voz para ela. Quando
ela falou de novo, foi em um tom tão gelado quanto o ar ao redor deles.
— Ela nunca vai ser suficiente para você. Ela é primavera. Ela precisará
de luz, e você é escuridão.
Minta se virou e saiu do salão de baile, mas suas palavras permaneceram,
enganchadas na pele dele. Elas trouxeram os próprios pensamentos à tona,
aqueles que ele havia enterrado profundamente, a dúvida de que Perséfone,
Deusa da Primavera, poderia amá-lo, o Rei dos Mortos.
Eles não poderiam ser mais diferentes, e a entrada deles neste salão de
baile esta noite o ensinou isso.
— Por que você está deprimido? — perguntou Hécate.
Ele tinha a sensação de que a deusa estava tentando se aproximar dele,
mas como todas as tentativas dela, esta também falhou. Hades olhou feio para
ela.
Ela fez um bico. — Conheço esse olhar. O que Minta fez?
— Falou fora de hora, o que mais ela faria? — reclamou ele.
— Bem… — A voz de Hécate mudou de tom, e Hades sabia que ela
estava prestes a dizer algo que só aumentaria sua frustração. — Ela deve ter
falado a verdade, ou você não ficaria tão zangado.
— Eu não quero falar sobre isso, Hécate.
Ele estava olhando para Perséfone enquanto ela dançava com as crianças
do Submundo. Eles deram as mãos e dançaram em um círculo. De vez em
quando eles se separavam para girar ou Perséfone os levantava no ar, rindo
enquanto elas gritavam de prazer.
— Ela ama as crianças — disse Hécate.
Outra pontada no peito.
Crianças.
Era algo que ele não podia dar a Perséfone, uma opção que ele havia
negociado há muito tempo. Ele realmente poderia pedir a ela que abdicasse
de ser mãe para passar a eternidade com ele?
Depois de um momento de silêncio, ele falou baixinho:
— Eu deveria desistir dela.
Hécate suspirou. — Você é um idiota.
Hades olhou feio.
— Ela está feliz! — argumentou Hécate. — Como você pode olhar para
ela e pensar que deveria desistir dela?
— Nós somos imortais, Hécate. E se ela se cansar de mim?
— Estou cansada de você — disse ela. — E ainda estou aqui.
— Sabia que não deveria ter tentado falar com você sobre isso.
Ele olhou fixamente para a pista de dança quando viu Perséfone se virar e
ficar cara a cara com Caronte. Ele se curvou para ela, aquele maldito sorriso
nos lábios. Ele a chamou para dançar, e ela pegou a mão dele.
Seus dedos ficaram brancos quando ele apertou os braços do trono.
— Você não conseguiria desistir dela — disse Hécate. — Você nunca
conseguiria vê-la com outro homem.
— Se for isso o que ela quiser, eu…
— Ela não quer — retrucou Hécate, cortando-o. — Você não deve
presumir que conhece a mente dela só porque tem medo. Esses são seus
demônios, Hades.
Ele deu a ela um olhar sombrio, e por um momento, a expressão de Hécate
era tão severa, então se suavizou e o canto de sua boca se ergueu.
— Relaxe e seja feliz, Hades. Você merece Perséfone.
Então ela vagou para o meio da multidão. O olhar de Hades voltou para
Perséfone. Ela chamava a atenção como uma chama, sua beleza, seu sorriso e
risada, sua própria presença, irradiando calor, paixão e vida, e apesar do fato
de que ele não gostava de estar longe dela, ele gostava de observá-la. Isso o
distraiu do fato de que Minta voltou, ocupando espaço à sua esquerda,
enquanto Tânatos apareceu à sua direita.
— Veio se desculpar? — perguntou a ela.
— Nem fodendo — respondeu ela.
— Ele já fodeu você — comentou Hermes, passando por eles, asas
brancas arrastando o chão. Ele parecia ridículo, peito nu, vestindo apenas um
tecido dourado na cintura. — Não deve ter sido muito bom, porque não
acredito que ele tenha feito de novo.
— Hermes — rosnou Hades, mas o deus já estava separando a multidão,
indo direto para Perséfone. Ela se virou quando ele se aproximou, e ele se
curvou, pedindo-lhe para dançar. Hades assistiu, frustrado, enquanto ele a
tomava em seus braços e balançava, movimentos exagerados e ocupando
espaço.
Não que ele pensasse que Caronte ou Hermes tomariam liberdades, ou que
estivesse com ciúmes porque ela dançava com eles. Ele estava com ciúmes
porque sentia como se não pudesse se aproximar dela, como se a atmosfera
da sala mudaria se ele o fizesse. Ele não deveria temer, este era seu reino,
mas havia algo tão vibrante sobre esta noite. Havia uma vida aqui que não
existia antes de Perséfone.
Enquanto ele pensava no nome dela, o olhar dela se fixou no dele e o
segurou, e ele notou o desejo em seus olhos, como se a distância entre eles
fosse uma tensão. Não demorou muito para que ela se separasse de Hermes e
se aproximasse dele, os olhos ardendo e o corpo pingando de ouro. Era algo
saído de uma fantasia, e ele não podia deixar de imaginá-la ajoelhada diante
dele para tomar seu pênis na boca. Já estava inchando, restringido por suas
vestes.
Ela se curvou, o ângulo dando a ele uma visão dos seios fartos. Quando se
endireitou, perguntou:
— Meu senhor, quer dançar?
Ele faria qualquer coisa para tocá-la, qualquer coisa para abraçá-la,
qualquer coisa para sentir o atrito onde ele mais desejava. Ele se levantou e
pegou a mão dela, e não tirou os olhos dela enquanto a conduzia para a pista
de dança. Ele a puxou para perto, cada linha dura de seu corpo aninhada na
suavidade dela, lembrando-o da forma como ele se encaixou nela quando
desmoronou em cima dela após o orgasmo. Um orgasmo que ele queria
agora.
— Você está descontente? — perguntou ela.
Ele levou um momento para se desligar de seus pensamentos e se
concentrar em suas palavras.
— Se estou descontente por você ter dançado com Caronte e Hermes?
Ela o encarou, uma careta tocando seus lábios. Obviamente, ela estava
preocupada com o mau humor dele. Ele se inclinou para ela, os lábios
tocando sua orelha enquanto falava.
— Estou descontente por não estar dentro de você — sussurrou ele,
ríspido, e puxou o lóbulo de sua orelha entre os dentes.
Ela estremeceu contra ele, e enquanto falava, havia um sorriso em sua voz.
— Meu senhor, por que não disse antes? — provocou ela.
Ele se afastou, os olhos escurecendo com a necessidade, e a guiou para
girar antes de puxá-la de volta para ele. — Cuidado, Deusa. Eu não teria
escrúpulos em tomá-la na frente de todo o meu reino.
— Você não faria isso.
Faria, ele pensou. Cobriria este lugar de escuridão e a puxaria para cima
de seu corpo até que ela se encaixasse confortavelmente em seu pênis. Ele a
encorajaria a permanecer quieta, mas tornaria extremamente difícil enquanto
a persuadisse ao orgasmo.
Os pensamentos eram demais, e ele se viu puxando Perséfone do chão e
subindo as escadas, seu povo aplaudindo e assobiando, alheio – ou talvez não
tão alheio – às suas intenções.
— Aonde estamos indo? — perguntou Perséfone, lutando para
acompanhar os passos largos.
— Remediar meu descontentamento.
Ele a levou para uma sacada que dava para o pátio do palácio. Ela
começou a andar na frente dele, atraída para a borda como se estivesse
hipnotizada. Ele não a culpou, a vista era deslumbrante, pois todo o
Submundo estava escuro como breu, exceto pelas estrelas que apareciam em
aglomerados de vários tamanhos e cores. Hécate sempre disse que o melhor
do trabalho de Hades acontecia no escuro.
Ele estava prestes a tornar isso verdadeiro em relação também ao prazer
quando puxou Perséfone de volta para ele.
Ela o encarou, os olhos procurando os dele.
— Por que você me pediu para abandonar a ilusão?
Ele colocou um cacho dourado atrás da orelha dela enquanto respondia:
— Eu disse a você. Não vai se esconder aqui. Você precisa entender o que
é ser uma deusa.
— Não sou como você.
Ela havia dito essas palavras antes, e desta vez, Hades sorriu. Não era
como ele; ela era melhor.
— Não, temos apenas duas coisas em comum.
— Que são…? — Ela arqueou uma sobrancelha, e ele não poderia dizer se
ela gostou de sua resposta, mas isso não importava. Logo estaria tendo prazer
com ele e nada importaria, nem o mundo ao redor deles ou sua divindade.
— Nós dois somos Divinos — disse enquanto suas mãos traçavam um
caminho pelas costas dela, até as nádegas, onde elas se estabeleceram,
enganchando sob as coxas enquanto a puxava para cima de seu corpo para se
estabelecer sobre seu pênis. — E o espaço que compartilhamos.
Ele a empurrou contra a parede enquanto suas mãos procuravam
desesperadamente abrir suas vestes e levantar o vestido dela, expondo a carne
mais sensível ao ar noturno até que afundaram um no outro. Uma vez dentro,
ele permaneceu imóvel, a testa encostada na dela. Ele queria ficar neste
momento, a sensação inicial de preenchimento, o sexo dela apertando o dele
para acomodar seu tamanho, e o suspiro de satisfação que ela ofereceu
quando ele deslizou no lugar.
— É assim que é ser um deus? — sussurrou.
Ele tinha um braço em volta das costas dela, o outro pressionado na parede
ao lado da cabeça dela, e depois que ela falou, ele se afastou para olhar em
seus olhos.
— É assim que é ter meu favor — respondeu ele, e enquanto ele metia
nela, uma eletricidade se movia através de seu corpo, uma corrente imparável
que ficava mais intensa quanto mais tempo eles estavam juntos. Ele a
observou, testemunhando como ela estava dominada pelo prazer, a cabeça
caindo para trás, expondo o pescoço branco aos seus beijos.
— Você é perfeita — sussurrou ele, segurando a parte de trás da cabeça
dela para suavizar o impacto de seus movimentos, e quando sentiu que estava
perto de gozar, diminuiu a velocidade, quase deixando o corpo dela apenas
para introduzir tudo novamente.
— Você é maravilhosa. Nunca quis ninguém como quero você.
Ele nunca tinha falado palavras mais verdadeiras, e enquanto elas se
enterravam em seu peito, ele se viu beijando-a, cobrindo a boca dela com a
sua, os dentes batendo juntos enquanto ele continuava, os quadris
empurrando com força. Seu coração estava batendo forte em seu peito, seus
músculos tensos, e tudo o que ele conseguia pensar era na sensação de seu
membro e testículos latejantes, e estremeceu seu gozo, derramando-se nela
como em ondas. Ele pressionou nela, respirando com dificuldade, seus
chifres emaranhados com os dela.
Ele levou um momento para se recompor, mas ele finalmente se endireitou
e se afastou dela, colocando-a no chão. Quando os pés dela tocaram o chão, o
céu se iluminou atrás deles com o espírito das almas reencarnadas. Hades
segurou Perséfone, e eles se moveram em direção à borda da sacada.
— Veja.
Ao longe, o céu se acendeu quando as almas se transformaram em luz, em
energia, e subiram para o éter de seu reino. Estavam partindo para reencarnar,
para nascer de novo no Mundo Superior e viver uma nova vida. Com sorte,
uma mais gratificante do que a anterior.
— As almas estão retornando ao mundo mortal — explicou ele a
Perséfone. — Esta é a reencarnação.
— É lindo — sussurrou ela.
Seu povo havia se reunido no pátio abaixo e, quando a última das almas
deixou um rastro de faíscas no céu, eles começaram a aplaudir. A música
recomeçou e a celebração continuou, mas o olhar de Hades não se moveu do
rosto de Perséfone.
— O que foi? — perguntou ela enquanto olhava para ele, os olhos
brilhando, e o sorriso dela fez o peito dele parecer estranho e caótico.
— Deixe-me venerá-la.
O sorriso dela mudou, assumindo um tom sensual, e apesar de como eles
se tinham unido momentos atrás, Hades sabia que poderia tomá-la de novo, e
de novo e de novo, se ela apenas respondesse.
— Sim.
Ele se teletransportou para a casa de banho. Ele tinha intenções de
terminar de onde pararam na primeira noite em que explorou o corpo dela e
sua carne doce e sensível. Exceto que assim que seus pés tocaram os degraus
de mármore, a boca de Hades desceu sobre a dela e eles se ajoelharam no
chão, onde fizeram amor sob o céu aberto.

Mais tarde naquela noite, Hades se sentou na beira da cama enquanto


Perséfone dormia. Sua respiração suave trazia conforto ao corpo elétrico dele.
Ele estava inquieto, uma ocorrência rara agora que Perséfone dividia sua
cama. Algo estava errado em seu reino. Ele podia sentir isso no limite de sua
mente, na margem de seus sentidos, como um espinho fantasma em seu lado.
Ele se levantou, manifestando as vestes enquanto se teletransportava para
o Tártaro, para seu escritório, onde havia deixado Sísifo, apenas para
descobrir que ele havia partido.
25
PARA SEU PRAZER, UMA MONTAGEM

Hades estava no topo do precipício em sua sala do trono, vestido com


mantos, ilusão desaparecida, sua forma completa em exibição. Sua raiva era
aguda; vibrava por seus membros, ansioso por um gozo violento. Era meio da
noite, e ele chamou Hécate e Hermes para o seu lado. Os dois tinham
expressões diferentes, Hécate parecia alegre enquanto Hermes parecia
sonolento.
— Sua vingança não poderia esperar até de manhã? — perguntou ele.
Hades o ignorou e falou com Hécate.
— Chame Minta — disse ele.
— Com prazer — respondeu a deusa.
A magia de Hécate cresceu, e Minta apareceu do nada, caindo no chão
com um grito, braços e pernas se debatendo. Ela bateu no mármore com um
estalo alto.
— Hécate, a ninfa é quebrável — lembrou Hermes.
— Eu sei — retrucou ela, maliciosa.
Minta resmungou e se apoiou nas mãos e nos joelhos, carrancuda
enquanto olhava para os três deuses diante dela. O nariz estava
ensanguentado e cobria os lábios de carmesim, derramando no chão.
A expressão assassina logo se transformou em medo quando olhou para
Hades.
— Você ajudou Sísifo em sua fuga do Submundo — declarou. Ele mal
conseguiu evitar que sua voz tremesse enquanto falava, a raiva era tão aguda.
— Você tem alguma ideia do que eu sacrifiquei para colocá-lo acorrentado?
Ele havia concedido um favor a Teseu. Ele havia desistido de seu controle,
e o pensamento fez seu peito parecer um abismo, aberto e escorrendo. Foi um
sacrifício que ele fez que agora não tinha valor.
— Hades, eu…
— Não diga meu nome! — rugiu ele, dando um passo em direção a ela. A
sala inteira tremeu.
Minta se afastou, com os olhos arregalados.
Ela estava certa em temê-lo. Normalmente, quando ele trazia pessoas
diante dele para punição, ele tinha uma ideia de como ele faria a execução,
mas não neste momento. Neste momento, tudo era possível. Esta ninfa
achava que conhecia todas as emoções associadas à raiva, à perda e à dor.
Hades mostraria a ela o contrário.
— Eu posso explicar…
— Seu ciúme era tão severo que a fez esquecer de sua lealdade?
— Eu sempre fui leal só a você! — Os olhos de Minta se acenderam como
um fogo etéreo.
— Mentiras! — O gosto era amargo, e ele cuspiu antes de falar. — Você é
leal apenas a si mesma.
— Eu amei você! — Seu grito era gutural, real e cruel. — Eu amei você, e
tudo que você fez foi se importar com sua rainha impostora!
Hades rosnou. Perséfone não era uma impostora. A verdadeira fraude
estava diante dele, porque se ela o amasse nunca teria ajudado Sísifo a
escapar.
— Você a desfilou na minha frente, me enfraquecendo, me repreendendo,
me provocando. Você merece ver seu destino se desenrolar. Espero que
Sísifo puxe o fio.
Houve silêncio.
Então ela entendeu metade da equação, a parte em que as Moiras
ameaçaram desfazer seu futuro com Perséfone se Sísifo não fosse capturado.
Era uma informação que ela provavelmente havia obtido enquanto espionava.
Bem, ela não espiaria mais. Não a ele.
— Se é assim que você se sente, então você não tem lugar no Submundo.
A boca de Minta se abriu.
— Mas esta é a minha casa — disse ela, seus lábios tremendo.
— Não é mais. — Suas palavras eram frias.
A ninfa engoliu em seco. — Para onde eu vou?
Ele não sabia; ela nunca existira fora dos limites do reino de Hades,
mesmo no Mundo Superior. Suas únicas conexões eram as conexões dele, e
essas se evaporariam no momento em que seu exílio vazasse. Ninguém a
ajudaria, porque não desejaria desafiá-lo.
— Essa não é minha preocupação Minta, você está banida imediatamente
do meu reino. Se você tentar colocar os pés aqui outra vez, não terei piedade.
A magia de Hades se fechou em torno dela, e ela desapareceu de vista.
Houve um momento de silêncio, e então ele falou:
— Hermes, espalhe a notícia de que estou disposto a negociar com Sísifo.
Se é a eternidade que ele quer, só precisa vir a Nevernight e solicitar um
contrato.
A vida eterna não era algo que Hades pudesse conceder sem sacrifício e
exigia o mesmo pagamento – uma alma por uma alma. Isso significaria que,
se ele perdesse, as Moiras tirariam a vida de um deus.
Ele estava jogando um jogo – um jogo do destino.
— Eu suponho que isso não pode esperar até de manhã? — perguntou
Hermes e quando Hades olhou para ele, o deus ofereceu uma risada nervosa.
— Digo, estou indo agora mesmo, meu senhor.
Ele desapareceu.
— Não…
— Diga “eu avisei”? — perguntou Hécate. — Esperei muito por esse
momento. Eu lhe disse para me deixar envenená-la e antes disso, disse para
tirar o cargo de assistente dela; e antes disso, disse para nunca dormir com
ela.
Hades afundou em seu trono. De repente, ele estava exausto e, enquanto
falava, sua voz estava cansada e baixa.
— Tenho arrependimentos suficientes, Hécate — disse.
A deusa não disse nada e, após alguns segundos, ela desapareceu
silenciosamente.
Ele não ficou sozinho por muito tempo quando Perséfone entrou na sala
do trono, encostada na porta que se fechou atrás dela.
Parecia sonolenta e bonita, vestida com uma camisola branca e um roupão
combinando. Seu cabelo estava selvagem e despenteado, caindo em ondas
douradas pelas costas. A presença dela lhe deu forças para se endireitar.
— Por que você está acordada, minha querida? — perguntou ele.
— Você sumiu — explicou ela, aproximando-se. Ela se acomodou em seu
colo, as pernas dobradas nas dele, as mãos dela entranhadas em suas vestes.
Ela respirou fundo e se enterrou em seu peito.
— Por que você está acordado? — perguntou ela, sua voz um sussurro.
Considerou contar a ela sobre a saga de Sísifo – como ele havia enganado
a morte duas vezes e roubado a vida de dois mortais, destruindo suas almas
para sempre –, mas essa explicação também exigiria divulgar a ameaça das
Moiras, e com Sísifo fugindo novamente, ele preferiu guardar isso para si
mesmo.
Então, em vez disso, ele respondeu:
— Eu… não consegui dormir.
Ela recuou, olhando para ele com as pálpebras pesadas.
— Você poderia ter me acordado. — Sua voz era um sussurro erótico.
Prometia coisas como lábios latejantes, corações palpitantes e calor suave.
Ele ergueu uma sobrancelha e perguntou:
— Por que eu faria isso?
As mãos dela caíram para seu sexo inchado, mal acariciando-o através de
suas vestes.
— Você gostaria de uma demonstração?
Hades sorriu e a puxou para perto de si, teletransportando-se para o quarto.

— Alguma notícia? — perguntou Hades a Ilias enquanto caminhavam


pelas sombras de sua casa noturna. Ele estava esperançoso de que esta noite
seria a noite em que Sísifo aceitaria a oferta de uma barganha.
— Nenhuma — respondeu Ilias. — As palavras viajam devagar no
subterrâneo mortal.
Hades franziu a testa.
As Moiras não ficaram satisfeitas ao saber que Sísifo havia escapado.
— Arrogante — dissera Láquesis.
— Confiante demais — sibilara Cloto.
— Abusado — acrescentara Átropos.
Hades não discutiu com elas. Era a primeira vez que ia até elas e as temia,
temia a vingança, temia que desfiassem os fios que tinham tido tanto cuidado
em tecer, prontas para se deleitar em sua miséria.
Mas elas não o fizeram. Elas simplesmente perguntaram quem Hades
estava disposto a trocar se ele perdesse seu acordo com Sísifo, uma pergunta
que ele não respondeu.
— Ele virá quando perceber que não tem nada — disse o sátiro enquanto
subiam as escadas. — Hermes conseguiu interceptar vários milhões de
dólares das ações de Sísifo. O que o senhor gostaria de fazer com o dinheiro?
Hades sabia como deixar um mortal desesperado. Era possível que Sísifo
continuasse fugindo se seus negócios ainda estivessem funcionando,
pensando que poderia sobreviver com as vidas que ele já havia tirado, mas
Hades havia adivinhado os planos do mortal e havia levado tudo –
continuaria levando tudo — até que o homem viesse mendigar.
Ao final disso, ele desejaria ter morrido quando deveria.
— Queime — ordenou ele. — E não guarde segredo.
Ilias partiu então, e Hades entrou em seu escritório e parou, encontrando
Perséfone sentada na mesa, nua. Suas costas estavam retas, suas pernas
cruzadas, seus seios perfeitos erguidos com sua respiração, seus mamilos
rosados. No mesmo instante, ele ficou duro, instantaneamente agradecido por
Sísifo não ter chegado e que Ilias não o seguira até o escritório.
— Perséfone — disse, fechando a porta e trancando-a.
— Hades.
— Você está ciente de que alguém poderia ter entrado neste escritório?
— Pensei em arriscar — provocou ela, com um pequeno sorriso no rosto.
— Humm — disse ele, afrouxando a gravata enquanto se aproximava.
— Você usa esta mesa? — perguntou ela, acariciando a obsidiana.
— Não — respondeu ele. — Não uso. Não consigo ficar parado.
Era verdade, ele odiava ser confinado.
— Que pena — comentou ela calmamente. — É uma bela mesa.
— Nunca pensei que fosse de muita utilidade, até agora.
— Ah é? — perguntou ela com uma inclinação inocente da cabeça, os
olhos fazendo uma lenta descida para seu pênis, que se esticava contra suas
calças. Ela não poderia ter tornado o desejo mais óbvio.
Ele se inclinou, os lábios pairando sobre os dela enquanto falava.
— É a altura perfeita — disse ele em um sussurro áspero —, para meter
em você.
Ela levantou a cabeça um pouco. — Então por que você está demorando
tanto?
Ele deu uma risadinha. — Ninguém disse que não poderia pegar o que
quisesse, minha querida.
As mãos dela se moveram para a ereção de Hades, e ele respirou fundo
entre os dentes antes de sua boca cobrir a dela e sua mão se enredar no cabelo
dela, dedos se apoiando no couro cabeludo. Ele puxou a cabeça para trás, a
língua varrendo a boca dela. Sua outra mão segurou o seio, os dedos
provocando o mamilo, um pico tenso, mas as mãos de Perséfone estavam
frenéticas e abriram um caminho para baixo desde seu peito até o botão de
sua calça, e quando ela os desabotoou, seu sexo saltou livre, sua cabeça já
vazando de prazer. O aperto dela era firme, e ela puxou algumas vezes antes
de posicioná-lo na entrada dela.
— Estou queimando de desejo — disse ela quando Hades agarrou-a pelos
joelhos e puxou-a para ele, penetrando-a em um movimento rápido. Ela
arqueou contra ele, os seios pressionando em seu peito, a cabeça caindo para
trás. Ele beijou o pescoço de Perséfone enquanto metia nela. Eles se moviam
juntos, descontrolados, mãos agarrando, bocas acariciando, línguas se
tocando, respirações emaranhadas. Ele mudou de posição, afastando-se dela,
apenas para virá-la de lado, e a penetrou com as pernas pressionadas contra o
peito. A respiração dela mudou, os gemidos ficando mais altos, e Hades
continuou, bombeando mais forte, puxando a perna dela para descansar em
seu ombro, alcançando mais fundo.
Quando ele se retirou de novo, ele a pegou em seus braços e se sentou na
cadeira atrás da mesa. Com ela em seu colo, de costas para seu peito, ele se
guiou dentro dela outra vez. Suas mãos deslizaram pelo corpo dela, uma nos
seios, a outra provocando o clitóris. A cabeça de Perséfone caiu para trás na
curva de seu ombro, e ele beijou e lambeu e mordeu o pescoço e o ombro.
Finalmente, ele não aguentou mais e entrou nela, saindo da cadeira enquanto
o fazia, o corpo inteiro dela saltando até que eles gozaram com pressa.
Depois, Hades aninhou o corpo dela contra ele.
— Por mais que eu ame ver você nua e esperando por mim — disse ele.
— Realmente preferiria que você só me recebesse com essa visão no
Submundo. Qualquer um poderia ter entrado neste escritório.
Ela riu.
— E o que você teria feito? Se alguém me visse?
— Não sei — admitiu, e passou o dedo sob o queixo dela e inclinou a
cabeça dela para que seus olhos se encontrassem. Ele queria garantir que ela
registrasse o peso de suas palavras. — Isso deveria assustá-la.
Ela estremeceu, e ele sabia que ela entendia. Ele não podia prever como
poderia reagir. Poderia acontecer de duas maneiras: ele poderia entender isso
como o acidente que foi e esquecer, ou ele liberaria a violência que espreitava
sob sua pele, a crueldade que estava imbuída em seu sangue.
Depois de um momento, ele puxou Perséfone para perto e a carregou para
diante do fogo, então a colocou de pé. Ela ergueu a mão, os dedos deslizando
nos lábios dele.
— O que você quer? — perguntou ela.
— Você — disse ele. — Sempre você.
Eles se beijaram outra vez, e Perséfone tirou o paletó de Hades. As mãos
deles colidiram quando ambos abriram os botões de sua camisa. Logo, ele
estava nu também, e juntos, eles se ajoelharam no chão. De joelhos um diante
do outro, a mão de Hades escorregou entre suas coxas. Ele brincou com a
abertura, os dedos mergulhando na carne quente e molhada. Outro braço
envolveu a cintura, e ele soldou seus corpos juntos enquanto se movia mais
fundo dentro dela, usando um dedo, então dois. Ele amou a sensação de estar
dentro dela, a forma como a respiração dela acelerou, os gritos de prazer. Não
demorou muito para que ele a deitasse de costas, abrisse as pernas dela o
máximo possível e a lambesse, chupasse, provocasse. As mãos dela se
enredaram em seu cabelo, e ela se forçou contra ele, quadris se movendo, e
quando ela gozou, arqueou as costas, as mãos cavadas em seu couro
cabeludo, e ele a bebeu, a língua pegando cada gota daquela doçura. Quando
ele terminou, ele se deitou sobre ela e deslizou para dentro. Instalado entre as
pernas dela, ele não se moveu imediatamente. Ele olhou nos olhos dela, com
a alma evidente, vendo sua vida com ela, seu futuro, não apenas como rei e
rainha, mas como amantes.
Ele afastou o cabelo do rosto de Perséfone. Grudou no suor que brilhava
na testa dela antes de beijar os lábios.
— Você é maravilhosa — disse, indo mais fundo.
Ela suspirou e exalou.
— Você também é — respondeu ela.
Ele riu e puxou o sexo para fora, deixando só a cabeça dentro dela. — Eu
acho que você está cega de prazer, querida.
Ela apertou os lábios entre os dentes e então respondeu:
— Sim. — Ela deu um suspiro quando ele a empurrou novamente. — Mas
eu sempre achei você bonito. Mais bonito do que qualquer homem que eu já
vi.
Ele continuou a se mover e eles continuaram essa conversa fácil, e Hades
teve o pensamento enquanto olhava em seus olhos brilhantes que havia algo
diferente sobre a forma como eles se uniram desta vez, algo mais profundo e
mais sombrio e ainda mais íntimo.
— Nunca vou esquecer como me senti quando te vi pela primeira vez —
disse ela.
— Diga-me — pediu ele.
Apesar do calor do fogo próximo e do suor escorrendo em sua pele, ela
estremeceu.
— Senti seus olhos em mim, como mãos tocando meu corpo inteiro.
Nunca senti tanto calor. Nunca senti tanto medo.
— Por que medo? — perguntou ele.
Ele se inclinou mais perto dos lábios dela, e Perséfone se mexeu, as pernas
se separando mais para acomodar os movimentos dele, que cresceram no
ritmo.
— Porque… — começou ela, e então fez uma pausa. — Porque eu sabia
que poderia amar você, e não deveria.
Os lábios de Hades se fecharam nos dela. Ele sentiu como se seu peito se
abrisse, e todos os seus pensamentos e sentimentos se derramassem nela. Ele
acelerou o ritmo, e eles ficaram em silêncio depois disso, até os gemidos e
suspiros dela ficaram baixos, até chegarem ao clímax, que veio em ondas e
desmoronando em um emaranhado de pernas e braços e respirações e suor.
Hades rolou de costas, e Perséfone pressionou contra ele, a cabeça em seu
peito.
— Sua mãe me odeia — disse Hades. — Se ela souber que você está aqui,
irá puni-la.
Perséfone rolou sobre ele e se sentou, montando nele. Seus olhos se
acenderam quando o centro molhado e inchado envolveu a carne endurecida.
— Só se ela descobrir — retrucou ela.
— Serei sempre seu segredo? — perguntou Hades, dando o seu melhor
para soar como se estivesse brincando, mas havia um verdadeiro desafio em
sua pergunta porque a resposta lhe diria o que ela pensava do futuro deles.
Exceto que ela não respondeu.
— Eu não quero falar sobre minha mãe — disse ela, seus dedos
entrelaçando com os dele, quadris rolando contra os dele, e Hades não
pressionou. Não queria perder este momento, a maneira como ela guiou as
mãos sobre sua cabeça e se inclinou sobre ele, a maneira como os seios
saltavam quando ela se empalava em seu pênis, a maneira como ela o
cavalgou até que estivesse muito cansada para se mover. Ele teve que assumir
então, sentando-se para que pudesse agarrar o corpo dela ao dele e continuar
criando aquela deliciosa fricção que o levaria ao limite, até que sua mente
estivesse alegremente em branco, suas preocupações para sempre esquecidas.
26
O PASSEIO DE UMA VIDA

— Por que eu a chamei para um encontro? Eu não sei nada sobre


encontros — disse Hades, frustrado consigo mesmo. Foi uma decisão
impulsiva, um momento em que ele se sentiu feliz e indulgente. Ele queria
dar tudo a Perséfone, até mesmo um toque de normalidade.
— Porque você quer passar tempo com ela, conhecê-la — disse Hécate. —
Fora do quarto.
Hades olhou para ela, irritado. — Eu a conheço.
— Qual é a cor favorita dela? — desafiou Hécate.
— Rosa — respondeu Hades.
Hécate fez um bico. — Flor favorita?
— Ela não tem — declarou Hades. — Ela gosta de todas as flores.
— O que ela faz no tempo livre?
— Que tempo livre? — perguntou ele. Ela era tão ocupada; ela ia da aula
para o trabalho e então para ele. Ele a pegara na biblioteca algumas vezes,
enrolada em uma das cadeiras, dormindo, um livro no colo.
— O que ela mais odeia?
Hades ofereceu um pequeno sorriso. — Nossa barganha.
— Você a ama?
— Sim — disse Hades sem hesitação. Ele sabia desde a noite depois da
casa de banho.
— Você disse a ela?
— Não.
— Hades. — Hécate cruzou os braços. — Você deve dizer a ela.
Hades ficou tenso imediatamente.
— Por quê? — Ele não via necessidade. Por que se expor à rejeição dela
admitindo seus sentimentos? Ele preferiria mantê-los para si mesmo por
enquanto.
— Ela precisa saber, Hades. Ela pode estar lutando com os próprios
sentimentos. Sua admissão poderia ajudá-la… a entendê-los.
— Ou ela me ama ou não, Hécate — disse Hades.
A expressão da deusa ficou sombria. — Não há nada exato em amar você,
Hades, e se acha que existe, especialmente para Perséfone, você é um idiota.
— Hécate…
— Ela foi ensinada a odiá-lo a vida toda, sua existência no Mundo
Superior é ameaçada todos os dias que ela vem para sua cama. Ela sabe disso,
e ainda assim ela vem. Ela está dizendo que o ama com ações. Por que você
precisa de palavras para admitir o mesmo para ela?
— Você permite a ela a opção de me dizer que me ama com ações. Não
posso fazer o mesmo?
— Não! Porque ela não vai entender, assim como você não entende.
Conheço a natureza humana. E antes que fale sobre ser imortal, eu vou dizer
a você que o amor – se apaixonar, estar apaixonado, corações partidos – é o
mesmo, não importa o seu sangue.
Houve uma pequena pausa, e Hades desviou o olhar, frustrado. Ele tentou
imaginar como diria a Perséfone que a amava, mas quando pensou em dizer
as palavras, pôde ouvir o silêncio que se seguiria, a pausa terrível enquanto
ela procurava algo para dizer para aliviar seu constrangimento.
Ele tinha certeza de que ela o rejeitaria. Ainda que Hécate tivesse tentado
interrogá-lo sobre seu conhecimento de Perséfone, ele a conhecia melhor do
que a deusa imaginava, porque conhecia a alma dela. Ele estava bem ciente
dos pensamentos dela quando se tratava de como ele lidava com os mortais e
as vidas deles, como ele negociava para aniquilar os maiores pecados deles.
Mesmo seu trabalho no Projeto Anos Dourados não apagaria o fato de que ele
a havia envolvido em uma dessas barganhas, e era por essa razão que, mesmo
que Perséfone o amasse, ela não diria.
Ainda assim, por que importava ouvir essas palavras? Ele não disse a ela
que as ações significavam mais?
Porque tudo é diferente com ela, ele pensou. As palavras dela importam.
— Agora — disse Hécate. — Se você já terminou de ficar de mau humor,
vamos planejar esse encontro.

Hades chegou do lado de fora do apartamento de Perséfone, seu estômago


embrulhado. Ele se sentia ridículo. Ele tinha fodido esta mulher, feito amor
com ela no chão do escritório, e ainda estava nervoso com a ideia de levá-la
para jantar.
Ele culpou Hécate. Se não fosse pela conversa anterior, ele não se sentiria
tão incerto ou tão dividido em expressar seus sentimentos. Seu desconforto
piorou quando ele notou a expressão de Perséfone ao sair do apartamento –
sobrancelhas franzidas, olhar distante. Estava distraída.
— Está tudo bem? — perguntou quando ela se aproximou.
— Sim — disse ela com um pequeno sorriso. — Foi apenas um dia
agitado.
Ele não ficou satisfeito com a resposta dela, mas não queria estragar a
noite deles desafiando-a no início do encontro, então ele correspondeu ao
sorriso dela e disse:
— Então vamos distrair você.
Ele abriu a porta traseira e pegou a mão dela enquanto ela entrava na
limusine. Hades seguiu de perto enquanto Antoni a cumprimentou.
— Minha senhora. — Ele acenou, sorrindo para Perséfone.
— É bom ver você, Antoni — respondeu ela com uma sinceridade que fez
o coração de Hades doer. Não era de admirar que seu povo a amasse. Era
sempre tão genuína.
— Basta pressionar o botão se precisar de alguma coisa.
Ele fechou a janela e, de repente, estavam sozinhos e o ar da cabine estava
espesso e elétrico, cheio com todas as coisas não ditas. Era como se ela
soubesse, como se ela também não conseguisse ficar confortável, porque
começou a se agitar, cruzando e descruzando as pernas.
Os olhos de Hades caíram para as coxas nuas, olhando o vestido subindo.
Preferiria ter seus dedos, seu rosto, seu membro entre aquelas pernas a ter
todos esses pensamentos agonizantes sobre admitir seu amor por ela.
Ele colocou a mão na coxa dela, e Perséfone inalou, lentamente olhando
para ele.
— Eu quero adorar você.
Isso, pensou Hades. Eu vou aceitar.
— E como me adoraria, Deusa?
Sua voz retumbou entre eles, e ele observou, os olhos escurecendo
enquanto ela se ajoelhava na frente dele, separando suas coxas enquanto se
encaixava entre suas pernas.
— Devo mostrar a você?
Desde quando ele tinha tanta sorte?
Ele engoliu em seco, conseguindo manter a excitação longe de sua voz.
Ele não podia dizer o mesmo de seu pau, que já estava cheio e grosso.
— Uma demonstração seria apreciada.
Ela liberou seu sexo das calças e o apertou com ambas as mãos,
acariciando-o uma vez quando encontrou seu olhar. Ele fechou as mãos em
suas coxas para evitar encaixá-las atrás da cabeça dela e assumir o controle.
Ela se inclinou para ele, sua língua espreitando, saboreando sua coroa e o
fluido pré-ejaculatório que se acumulava ali. Ele gemeu, vendo sua boca
cheia dele. Todo o seu corpo se contraiu e, quando sua cabeça rolou para trás,
o carro parou.
— Porra! — Hades alcançou o interfone, errando o botão, distraído pela
boca de Perséfone enquanto ela o tomava profundamente, atingindo o fundo
da garganta.
— Antoni — falou ele, entredentes. — Dirija até que eu diga o contrário.
— Sim, senhor.
Ele se recostou, inalando por entre os dentes, as mãos torcidas no cabelo
dela, os dedos cravando no couro cabeludo. Ele a segurou ali enquanto ela
trabalhava, e tudo o que conseguia pensar era que seu coração estava em
carne viva e batia forte e rápido. Seu peito parecia o universo, expansivo e
cheio de amor por essa mulher, essa deusa, essa rainha. Quem precisava de
um reino de almas devotadas quando ela iria adorá-lo assim?
A língua dela rastejou de volta ao seu comprimento, os lábios se fecharam
na cabeça de seu pênis, e as mãos brincaram com seus testículos.
— Perséfone. — Ele sibilou seu nome, metendo na boca dela. Ele atingiu
o topo da boca e a parte de trás da garganta, suas mãos apertando o cabelo
dela até que ele gozou, rosnando o nome de Perséfone. Quando ela o soltou,
ele a arrastou para cima de seu corpo e a beijou. Ele se afastou, os lábios dela
presos entre seus dentes.
— Eu quero você — disse ele, como se fosse um pecado que estava
confessando.
Um sorriso surgiu nos lábios da deusa, ainda brilhando do trabalho dela e
do beijo. — Como você me quer?
— Para começar — declarou ele, suas mãos subindo pelas coxas dela, os
polegares roçando os cachos úmidos no centro. Ela se endireitou, as mãos
plantadas em seus ombros. — Vou pegá-la por trás de quatro.
A respiração dela acelerou e ela estremeceu. — E depois?
Seus lábios se curvaram. Ela era uma provocação, mas ele podia jogar o
jogo dela, separando a carne e fazendo cócegas no clitóris. Ela derreteu nele.
— Eu vou puxar você por cima e ensinar como me montar até que goze.
— Humm, eu gosto dessa.
As mãos dela caíram para seu membro ingurgitado, e quando ela se
levantou, Hades a ajudou a descer em sua ereção. Ela estava quente e
molhada e apertada; a sensação era diferente de estar na boca dela porque os
músculos se apertavam ao redor dele, colocando pressão em cada parte de seu
pênis.
A princípio, ele a ajudou a se mover, garantindo que ela estivesse
completamente encaixada antes de se levantar de novo, mas depois de
algumas estocadas, ele a deixou assumir, encontrando o próprio ritmo e
prazer. Lentamente, as respirações se aceleraram e a limusine ficou quente, o
ar espesso com o ato de fazer amor.
Os lábios dela se fecharam nos dele e traçaram sua mandíbula, os dentes
roçando sua pele enquanto ela sussurrava: — Diga como é me sentir.
— Como a vida.
Ela era a vida, a vida dele.
Sua mão deslizou entre eles, provocando aquela protuberância sensível e
ereta até que ela gozou com um grito gutural. O braço de Hades apertou ao
redor da cintura dela, e ele bombeou nela mais algumas vezes antes de
também gozar. Ele a segurou por um longo tempo, descansando dentro dela,
saboreando este momento, tonto com a intensidade do que compartilharam.
Quando ela se afastou, Hades disse a Antoni que estavam prontos para
chegar ao The Grove, um de seus restaurantes. Eles entrariam pela garagem,
de um nível onde apenas Hades e sua equipe tinham acesso. Por mais que
questionasse por quanto tempo ele seria o segredo de Perséfone, ele não
queria que Deméter descobrisse sobre o relacionamento deles pela mídia.
Assim que chegaram, Hades ajudou Perséfone a sair da limusine,
direcionando-a para um elevador.
— Onde estamos? — perguntou ela quando as portas se abriram. Ele a
levou para dentro e apertou o botão para o décimo quarto andar, que levava
ao telhado. As portas se fecharam, prendendo o cheiro dela. Ele olhou para o
botão de parada de emergência, imaginando quantas vezes ele poderia fazê-la
gozar antes que alguém viesse em seu socorro desnecessário e indesejado.
— The Grove. Meu restaurante — acrescentou, porque não era do
conhecimento geral que ele possuía qualquer negócio além da Nevernight.
— Você é o dono do The Grove? Como ninguém sabe?
Ele deu de ombros. — Elias o administra, e prefiro que as pessoas pensem
que ele é o dono.
Ele optava por manter seus bens em segredo. Era melhor assim. Ninguém
sabia de verdade como Hades era poderoso ou quanto da Nova Grécia ele
realmente possuía.
O elevador parou e as portas se abriram para revelar o terraço. Foi feito
para parecer um dos jardins do Submundo, com canteiros de rosas e peônias,
trepadeiras e árvores carregadas de frutas e flora.
— É lindo, Hades — elogiou ela enquanto era guiada por um caminho de
pedra escuro. Luzes cruzaram sobre a cabeça, levando a um bosque aberto
onde a mesa deles esperava. Ele puxou a cadeira dela e serviu o vinho.
— Você disse que seu dia estava ocupado — começou Hades, bebendo o
vinho. Ele não costumava beber nada além de uísque, e tinha que admitir que
sentia falta do gosto defumado de seu licor favorito tanto quanto da boca de
Perséfone na dele.
Ela hesitou, e Hades percebeu que talvez essa não fosse a pergunta a ser
feita. As conversas sobre o trabalho dela nunca iam bem. Ele podia dizer que
ela estava escondendo algo, mesmo quando ela respondeu:
— Sim. Eu tinha muito… o que pesquisar.
— Humm. — Ele tomou outro gole do vinho. Era amargo e queimou sua
garganta, mas o ajudou a se concentrar em outra coisa além de sua irritação
com o trabalho dela. O que ela estava pesquisando? Seu passado? Suas
barganhas? Ela tinha criado uma lista de perguntas para ele esta noite? Ou
trouxe outra lista de nomes?
— Eu pensei que Cérbero era um cão de três cabeças — disse ela de
repente. Hades foi pego de surpresa, e riu, levantando uma sobrancelha.
— É esta a pesquisa a que você estava se referindo?
— Todos os textos dizem que ele tem três cabeças — disse ela
defensivamente.
— Ele tem — respondeu Hades, divertido. — Quando quer.
— O que você quer dizer com quando quer?
— Cérbero, Tifão e Ortros são capazes de se transformar. Às vezes, eles
preferem existir como um, outras vezes preferem ter seus próprios corpos. —
Ele deu de ombros. — Eu os deixo fazerem o que quiserem, desde que
protejam as fronteiras do meu reino.
— Como você conseguiu ele? — Ela fez uma pausa e então se corrigiu. —
Eles.
— Ele é o filho dos monstros Equidna e Tifão, que vieram residir em meu
reino — explicou Hades.
— Você ama animais?
Ele riu disso. — Cérbero é um monstro, não um animal.
Uma linha apareceu entre as sobrancelhas de Perséfone. — Mas… você o
ama?
Ele a encarou por um momento, e ele sentiu que esta pergunta – e sua
razão para fazê-la – significava mais do que ele imaginava.
— Sim — disse finalmente. — Eu o amo.
Hades ficou aliviado quando ela passou dessa linha de questionamento
para contar histórias sobre as almas com quem ela passara a noite no dia
anterior. Ele começou a fazer questão de caminhar com ela, visitar Asfódelo e
cumprimentar as almas. Ela até o convenceu a brincar com as crianças, algo
que ele era competitivo demais para aceitar de ânimo leve. Enquanto
conversavam, comiam e, quando terminaram, caminharam de mãos dadas
pelo jardim da cobertura.
— O que você faz para se divertir? — perguntou ela, olhando para ele
timidamente.
— Como assim? — Ele tinha uma resposta, e isso envolvia ela e sua cama.
Na verdade, apenas a envolvia. Ele poderia foder em qualquer lugar.
Ela riu. — O fato de você ter perguntado diz tudo. Quais são seus
hobbies?
— Jogar cartas. Andar a cavalo. — Ele fez uma pausa para pensar. Merda,
isso era mais difícil do que ele pensava. — Beber.
— E as coisas não relacionadas a ser o Deus dos Mortos?
— Beber não está relacionado a ser o Deus dos Mortos.
— Também não é um hobby. A menos que você seja um alcoólatra.
Provavelmente ele era alcoólatra.
— Então quais são os seus hobbies?
— Fazer biscoitos — respondeu ela no mesmo segundo, e ele poderia
dizer por sua expressão que ela realmente adorava isso.
— Biscoitos? Eu sinto que já deveria saber disso.
— Bem, você nunca perguntou.
Ele se viu desejando experimentar esse hobby com ela. Ele queria saber
por que isso lhe trazia tanta alegria. O que nisso a acalmava e aliviava a
preocupação do rosto? Ele franziu a testa enquanto eles continuavam a
caminhada e parou para que ela se virasse e olhasse para ele.
— Ensine-me.
Ela arregalou os olhos. — O quê?
— Ensine-me – disse ele. — A fazer biscoitos.
Ela riu, e o muxoxo de Hades ficou mais pronunciado; ele estava falando
sério. Ela pareceu perceber isso, e sua expressão suavizou.
— Desculpe. Estava apenas imaginando você na minha cozinha.
— E isso é difícil?
— Bom… sim. Você é o Deus do Submundo.
— E você é a Deusa da Primavera — disse ele. — Você fica em sua
cozinha e faz biscoitos. Por que não posso?
Ela olhou para ele, e ele se perguntou por um momento se ele a tinha
quebrado. Ele estendeu a mão para tocar a borda dos lábios dela, que tinham
caído em uma carranca.
— Você está bem?
Sua pergunta trouxe um sorriso ao rosto dela, mas algo ainda parecia
errado. Ele notou os olhos dela brilhando, como se ela estivesse prestes a
chorar.
— Muito bem — concordou ela, e o surpreendeu pressionando um beijo
em sua boca e se afastando cedo demais.
— Eu ensino.
— Bem, então — disse ele, com as mãos na cintura dela. Vamos começar.
— Espere. Você quer aprender agora?
— Agora é um momento tão bom quanto qualquer outro — argumentou
ele. — Pensei que talvez… pudéssemos passar um tempo no seu
apartamento. — Mais uma vez, ela parecia atordoada, e ele deu de ombros,
explicando: — Você está sempre no Submundo.
— Você … quer passar um tempo no Mundo Superior? No meu
apartamento?
Ele teria que sugerir isso com mais frequência. Estava demorando muito
para ela entender o ponto.
— Eu … tenho que preparar Lexa para sua chegada.
— É justo. Vou pedir a Antoni para deixá-la em casa. — Ele olhou para
seu terno. — Eu preciso me trocar.
27
ENSINANDO NOVOS TRUQUES
A UM DEUS ANTIGO

Hades devolveu Perséfone ao Lexus e se teletransportou para o Submundo,


aparecendo em seus aposentos. Parou um momento para beber um copo de
uísque. Ele se odiava pelo que estava prestes a fazer.
— Hermes!
Ele convocou o deus com um único comando, e ele apareceu, vestindo um
top de malha e shorts de couro minúsculos.
Que porra ele havia interrompido?
— Sim, Rei da Morte e das Trevas… — A voz de Hermes desapareceu
enquanto os olhos varriam a sala. Quando ele encontrou o olhar de Hades
novamente, parecia atordoado. — Estou sonhando?
— Eu preciso de sua… ajuda — disse Hades.
— Estou sonhando. — Hermes deu um tapa em seu rosto.
— Hermes — rangeu Hades.
— Não, não — disse, levantando as mãos como se quisesse silenciá-lo.
Ele respirou fundo. — Não estrague isso para mim. Posso estar sonhando,
mas estou prestes a realizar uma das minhas top 5 fantasias…
Hades deu um tapa no deus, que parecia chocado.
— Isso não é um sonho, Hermes.
Eles olharam um para o outro, e no silêncio, Hades levantou uma
sobrancelha. — Top 5, hein?
Hermes ergueu o queixo e pigarreou. — O que precisa?
— Primeiro, podemos concordar que nenhum de nós divulgará o que está
acontecendo aqui esta noite?
Os olhos do deus se arregalaram e sua boca se abriu. — Ah meus deuses,
estou sonhando mesmo.
— Hermes! — retrucou Hades. — Eu preciso de… conselhos de moda!
— Ah. — Ele piscou e então abriu um sorriso. — Meu senhor, por que
não disse antes?
Hades olhou para o deus. Ele deveria ter engolido uma garrafa inteira
antes de invocar o deus. Depois de um momento, ele explicou. — Perséfone
vai me ensinar a fazer biscoitos. O que eu visto?
— Ela vai ensinar você a fazer biscoitos? — A surpresa coloriu a voz de
Hermes. — E você vai de boa vontade?
Hades olhou feio.
— Você realmente a ama.
— Hermes… — avisou Hades. Se ele tivesse que dizer o nome do deus
mais uma vez, ele o mandaria para o Tártaro para passar a noite.
Ele pareceu entender a dica e se endireitou. — Certo… Encontro casual
para fazer biscoitos.
Ele correu para o armário de Hades.
— Por que você só usa terno? — reclamou Hermes. — O que usa para
dormir?
— Nada — respondeu Hades. — Por que eu usaria algo para dormir?
Roupas eram quentes, e isso significava mais camadas para conseguir o
que ele queria, mesmo quando Perséfone não estava dormindo ao lado dele.
Hermes suspirou. — Você é impossível. Aguente aí.
Ele desapareceu por um momento e voltou com uma camisa preta e uma
calça de moletom cinza.
— O que é isso? — perguntou Hades; sua voz pingava julgamento.
— Roupas — disse Hermes. — Roupas casuais. Não que eu espere que
conheça a definição de casual, Sr. Terno e Gravata.
Ele os empurrou no peito de Hades. — Troque-se.
Ele encarou Hermes enquanto se dirigia ao banheiro. Quando voltou,
Hermes bateu palmas.
— Perfeito! Você está pronto para fazer biscoitos! — Então o deus
balançou a cabeça. — Nunca pensei que essas palavras sairiam da minha
boca.
Hades puxou a camisa, e Hermes deu um tapa em suas mãos. — Pare!
Você não quer que Sephy saiba que eu vesti você, quer?
— Sephy?
— O quê? É o apelido dela.
Hades não tinha certeza de como se sentia sobre o fato de Hermes ter um
apelido para sua amante.
— Vá antes que Perséfone pense que mudou de ideia! — disse Hermes. —
Ah, e eu aceito o pagamento em biscoitos!
Ele cantou a última palavra antes de desaparecer, e Hades nunca esteve tão
feliz por se livrar de um deus em sua vida.

Hades apareceu do lado de fora do apartamento de Perséfone e bateu. A


porta abriu no mesmo instante, e ele se perguntou se ela estava do outro lado,
esperando sua chegada.
Ela ofereceu a ele um olhar avaliador, mas seus olhos rapidamente se
estreitaram.
— Você já tinha essa roupa antes de hoje? — Ela apontou para a calça de
moletom.
Ela o conhecia bem, e ele sorriu, admitindo:
— Não.
Ela deu um passo para o lado, e ele se espremeu pela porta. Isso o lembrou
de como ele não fora feito para habitações mortais. As portas eram muito
curtas, os corredores muito estreitos, mas ele não se importava com a
proximidade com Perséfone tão perto. Ela olhou para ele, quase como se não
pudesse acreditar que ele tinha aparecido.
— O quê? — perguntou ele.
— Nada.
Ela deu um sorriso rápido e deu um passo para perto dele, pegando sua
mão e arrastando-o para a sala de estar, onde a melhor amiga dela, Lexa,
estava sentada em um sofá com um homem que Hades não conhecia.
— Hum, Hades, esta é Lexa, minha melhor amiga, e Jaison, o namorado
dela.
Jaison acenou. Hades podia sentir seu desconforto e constrangimento, mas
ele era um homem bom o suficiente, gentil e despretensioso – o oposto de
Lexa, que era ousada e enérgica. Ela se aproximou dele sem medo e jogou os
braços ao redor de sua cintura em um abraço.
— É um prazer conhecê-lo — cumprimentou ela.
Hades passou um braço em volta dos ombros dela.
— Muito poucos já falaram essas palavras — ele disse a ela, mas ficou
grato.
— Contanto que trate bem minha melhor amiga, continuarei feliz em vê-
lo.
— Anotado, Lexa Sideris. — Ele sorriu e se curvou. — Se me permite, é
um prazer conhecê-la.
Lexa corou e pigarreou, olhando para Perséfone antes de exclamar: —
Então! Vocês vão fazer biscoitos? Isso não é um código, é?
Hades esperava que fosse um código para alguma coisa.
Tipo sexo.
Mas Perséfone foi rápida em acabar com essa esperança revirando os
olhos. — Não, Lexa, não é um código. — Ela pegou a mão de Hades e o
puxou para a cozinha. — É melhor começarmos!
Ocorreu-lhe que ela tinha ficado mais confortável em tocá-lo, e ele não
tinha certeza em que ponto isso tinha começado, mas ele gostou.
A cozinha de Perséfone era pequena e banhada por luz fluorescente. Ela já
havia preparado algumas coisas – tigelas, um conjunto de copos medidores
incompatíveis e um livro de receitas. Hades olhou para a página.
— Vamos fazer biscoitos decorados? — perguntou ele.
— Meus favoritos — disse ela, mordendo o lábio inferior. Ele realmente
desejava que ela não fizesse isso. Isso o deixava duro, e o distraía.
Talvez ele devesse dizer a ela.
Exceto que ela estava perfeitamente alheia e o instruiu a pegar uma lista
de ingredientes. Apesar da falta de arrumação, ela tinha tudo organizado e o
orientava com facilidade, como se estivesse acostumada a conseguir o que
queria.
— Por que você coloca tudo tão alto? — perguntou ele.
— Eu coloco onde cabe. Caso você não tenha notado, eu não moro em um
palácio.
Ele estava bem ciente, pensando que gostaria muito de vê-la assar nas
cozinhas do Submundo.
Uma vez que ela tinha tudo em sua lista, ele sorriu orgulhosamente.
— O que você faria sem mim?
— Pegaria eu mesma.
Hades riu. Ele gostaria de ver isso; ela teria que subir na bancada, o que
lhe daria uma ótima visão de sua bunda.
— Bem, venha cá. Você não pode aprender de longe.
Ele se afastou do balcão onde estava encostado e se aproximou, apoiando
os braços em cada lado do corpo dela, prendendo-a contra o balcão. Ele não
se inclinou para ela, mas pensou em fazê-lo. Seu pau estava duro, e se
encaixaria perfeitamente naquela bunda que ele tinha acabado de fantasiar.
Em vez disso, ele pressionou os lábios na orelha dela.
— Por favor, instrua.
Ela levou um momento para falar, e Hades sorriu. Ele esperava que ela
estivesse tão distraída quanto ele. Em que fantasias ela se perdia à noite ou no
trabalho enquanto eles estavam separados?
— A coisa mais importante a lembrar ao fazer biscoitos é que os
ingredientes devem ser medidos e misturados corretamente ou pode significar
um desastre.
Ele ouviu o que ela disse, mas sua mente estava em outras coisas, como
enfiar a mão nas calças dela para ver o quanto ela estava molhada. Seu aperto
no balcão aumentou, mas isso só o impediu de agir em seus pensamentos.
Isso não o impediu de pressionar os lábios no pescoço dela e deixar sua
língua provar a pele da deusa.
A respiração dela ficou presa na garganta, e ela olhou para ele por cima do
ombro. — Esquece. A coisa mais importante a lembrar é prestar atenção.
Ela empurrou um copo medidor em sua mão.
— Primeiro, farinha — ordenou ela, e ele sorriu. Ela levava os biscoitos a
sério.
Ele manteve os braços ao redor dela enquanto trabalhava. Medir farinha
era como andar sobre cinzas – nublava o ar e grudava na pele. Quando o
colocou na tigela, ele inclinou a cabeça para a dela, notando a postura rígida
de Perséfone. Então ele se inclinou, e sua ereção pressionou nela, e ela
colocou as palmas das mãos no balcão.
Ele levantou uma sobrancelha provocante. — Depois?
— Bicarbonato de sódio.
Ele continuou assim até que todos os ingredientes estivessem na tigela e
misturados. Perséfone aproveitou aquele momento para passar por baixo do
braço dele, libertando-se da jaula humana que ele havia criado para ela. Ela
desempilhou um conjunto de assadeiras e deu a ele uma colher.
— Use isso para pegar a massa e transformá-las em… bolas de três
centímetros.
Ela pigarreou quando disse a palavra bolas.
E tudo o que ele conseguia pensar era como ela o provocara na parte de
trás da limusine com seu pênis na boca, e tudo apertou.
Porra.
Eles trabalharam juntos, cada um deles colocando a massa em uma colher
e transferindo-a para a assadeira. Quando Hades terminou, ele comparou os
dois, e as habilidades de Perséfone estavam além das suas. Ela tinha feito
rodadas perfeitas da massa. As de Hades estavam deformadas e bagunçadas,
como se ele tivesse jogado a mistura por toda a panela. Ele tinha inveja do
controle dela.
— Coloque isso — disse Perséfone, entregando-lhe uma luva floral.
— O que é?
— É uma luva de forno — disse ela. — Para você não se queimar ao
colocar os biscoitos no forno.
Ele considerou dizer a ela que ele era, essencialmente, à prova de fogo,
mas ficou quieto, deslizando a luva em sua mão, apenas para ouvir Perséfone
rir. Ela olhou repentinamente para ele:
— Você está rindo de mim?
Ela pigarreou. — Não. Claro que não.
Seus olhos se estreitaram, uma promessa tácita de pagamento por essa
humilhação. Uma vez que os biscoitos estavam no forno, Hades tirou a luva.
Ele tinha a intenção de pegá-la em seus braços e deleitar-se na boca da deusa,
mas ela tinha outros planos.
— Agora, fazemos glacê. — Ela sorriu, os olhos brilhando.
Ele gostaria de lamber o glacê de cada parte do corpo de Perséfone, mas
ela lhe entregou algum tipo de utensílio de cozinha com uma alça estreita e
laços de arame.
— O que devo fazer com isso? — perguntou ele.
— É um fouet. Você vai bater os ingredientes — explicou ela, e derramou
vários ingredientes em uma tigela, empurrando para ele quando terminou.
— Bata.
Agora isso era algo em que ele se destacava.
— Alegremente.
— Já está bom — disse Perséfone, quase puxando a tigela de Hades
depois que ele estava batendo a mistura por alguns minutos. Talvez ele tenha
se deixado levar. Havia pedaços da mistura por todo o balcão, na sua camisa
e na dela.
Ela dividiu o glacê em algumas tigelas de espera e entregou a ele um
pequeno tubo de verde. — Comece com algumas gotas e misture.
Eles fizeram glacê colorido. Perséfone trabalhou com as cores brilhantes –
amarelo e rosa e lavanda – enquanto Hades fez cores mais escuras –
vermelho e verde e até preto, uma cor que Perséfone o ajudou a fazer. Perto
do fim, ele a pegou lambendo a cobertura dos dedos.
— Como está o gosto? — perguntou ele, pegando a mão dela. Ele puxou
um dos dedos profundamente em sua boca e gemeu. Ela era doce e salgada, e
a maneira como olhava para ele enquanto ele a saboreava fez o fogo em seu
abdome se aprofundar. — Delicioso.
Ela afastou os dedos, e houve um momento de silêncio. — E agora?
Seus olhares se encontraram, e o ar na cozinha era quase insuportável.
Hades deu dois passos, plantou as mãos na cintura dela e a ergueu sobre o
balcão. Perséfone riu e colocou as pernas ao redor dele, puxando-o para que
seu pau ficasse contra o núcleo dela. Ele beijou a boca da deusa, separando os
lábios. Ela tinha gosto do glacê que chupou dos dedos. Ele enterrou uma mão
no cabelo dela, a outra alcançando entre eles para tocar os seios, quando
alguém pigarreou.
Ruidosamente.
Perséfone se afastou de seu beijo enquanto as mãos de Hades caíram sobre
a bancada, sua cabeça descansando no ombro dela. Ele precisava de tempo
para se recompor. Se eles estivessem no Submundo e fossem interrompidos
por um de seus funcionários, ele não teria parado.
— Lexa. — Perséfone pigarreou. — E aí?
— Eu estava me perguntando se vocês queriam assistir a um filme…
— Diga não — sussurrou Hades no ouvido dela.
Perséfone deu um tapa de brincadeira no peito dele. — Que filme?
— Fúria de titãs.
Hades bufou e se afastou dela, olhando para Lexa. — Antigo ou novo?
— Antigo.
— Tudo bem. — E então ele beijou Perséfone no rosto. — Vou precisar
de um minuto.
Hades saiu da cozinha, desaparecendo por um corredor até encontrar o
banheiro. Ele se trancou lá dentro e se encostou na porta, enfiando a mão nas
calças e apertando o pênis. Ele preferiria ter a mão de Perséfone sobre ele, a
boca dela ao redor dele, o sexo apertando o dele, mas isso teria que ser
suficiente até que estivessem sozinhos. Ele mesmo trabalhou até gozar.
Quando os biscoitos terminaram de assar, eles os retiraram e os deixaram
esfriar enquanto assistiam Fúria de titãs.
— Deuses, eu esqueci que esse filme era tão lento — disse Jaison, que era
o único a prestar atenção. Com Perséfone deitada em cima dele, o corpo
encaixado entre suas coxas, Hades só conseguia pensar em sexo. Ela também
estava rindo, e ele tinha certeza de que ela não estava rindo do filme.
— Eu sei o que você está pensando — sussurrou ele, seu braço apertando
ao redor dela, pressionando os corpos fortemente juntos.
— Impossível.
— Depois do que passei esta noite, tenho certeza de que você está rindo de
várias coisas.
Em algum momento, Perséfone adormeceu e ele a carregou para o quarto
dela.
— Não vá — disse ela, sonolenta, quando ele a deitou na cama.
— Não vou. — Ele beijou sua testa. — Durma.
Hades se deitou ao lado dela bem acordado. A cama era pequena e tinha o
cheiro dela. Ele fechou os olhos, mas seu corpo estava quente e seu cérebro
estava muito ligado, pensando no encontro anterior na cozinha e como ele
queria terminar o que começaram. Mas Perséfone estava cansada e ele não
queria acordá-la, então ele rolou para o lado e fechou os olhos com força.
Pareceu uma eternidade até que ele adormecesse, e durou apenas alguns
segundos antes que ele estivesse acordado novamente, seu corpo em cima de
Perséfone, sua boca devorando a pele dela. Ela gemeu e estendeu a mão para
ele, seus beijos urgentes, como se eles estivessem separados por semanas,
meses.
Hades tirou a camisa dela e libertou-a das calças antes de mergulhar entre
suas coxas. Ele a tomou devagar, beliscando o interior de suas pernas,
soprando em seu núcleo quente, chupando seu clitóris até que ela implorou
pela língua dele. Ele deu-lhe os dedos, inserindo-os em seu calor. Ela estava
encharcada, e ele gemeu.
— Tudo isso por mim — disse ele enquanto deixava seu corpo, o gozo
dela espesso e pingando, e colocou os dedos em sua boca antes de cobrir o
corpo dela com o dele. Suas pernas se separaram, e ela arqueou as costas, os
seios enchendo sua visão quando ele a penetrou. Ele fez uma pausa enquanto
pairava sobre ela, pressionando sua testa na dela.
— Você é maravilhosa — declarou ele.
— Você é gostoso — sussurrou ela. — Você tem gosto… de poder.
Ele se sentiu controlado no início, como se talvez pudesse fazer amor com
ela do jeito que ele fez na frente da lareira no escritório. Exceto que quanto
mais ela reagia à invasão de seu pênis – agarrando seus braços e os
cobertores, e pressionando a cabeça no colchão – ele não conseguia se
controlar. Um rosnado feroz e reivindicativo irrompeu de sua garganta, e ele
a beijou com força, os dentes roçando os lábios dela, chupando o pescoço e
empurrando dentro dela, movendo seu corpo inteiro até que estivessem
espremidos contra a cabeceira da cama. Hades usou as mãos para amortecer a
cabeça dela enquanto as unhas de Perséfone arranhavam suas costas. Ele nem
sequer sentiu dor; apenas o êxtase de estar com ela.
A cama tremeu, os gritos deles guturais enchendo o quarto, e quando ele
gozou, desabou sobre ela, os corpos escorregadios de suor. Não foi até que
ele recuperou o fôlego que percebeu que ela estava chorando.
— Perséfone. — Ele se afastou dela, sentindo a histeria crescer no fundo
de seu estômago. — Eu a machuquei?
— Não — sussurrou ela, cobrindo os olhos, e ele sentiu uma imensa
sensação de alívio. — Não, você não me machucou.
Ele olhou para ela por um momento enquanto ela chorava baixinho. Ele
sabia que poderia haver uma série de razões para aquelas lágrimas, mas ele
não especularia e não perguntaria. Se ela quisesse contar a ele, contaria.
Ainda assim, ele não queria que ela se escondesse, não importa o motivo. Ele
tirou as mãos do rosto dela, escovou a umidade das bochechas e beijou a testa
dela antes de se mover para o seu lado e aconchegá-la contra ele. Ele cobriu
os corpos nus com cobertores.
— Você é perfeita demais para mim — sussurrou ele, beijando o cabelo
dela, e eles caíram em um sono tranquilo.

Hades acordou instantaneamente, e desta vez, não tinha nada a ver com
desejo e tudo a ver com o cheiro da magia de Deméter, que esfriou o ar como
uma geada amarga.
Ele se sentou, mas não conseguiu manifestar roupas antes de Deméter
aparecer, olhos como fogo, rosto frio como gelo.
Perséfone, alheia à chegada da mãe, rolou em direção a ele, a mão
estendida sobre os lençóis.
— Volte para a cama.
Seu coração apertou no peito, e então a voz da mãe dela encheu a sala, um
som como trovão e relâmpago guerreando no céu.
— Afaste-se da minha filha!
— Mãe! — Perséfone se sentou e empalideceu, segurando os lençóis no
peito. — Saia!
O olhar de Deméter caiu sobre Perséfone, e Hades precisou dar tudo de si
para permanecer onde estava. Ele queria protegê-la da mãe, da promessa de
vingança que viu escrita no rosto dela. Mesmo se ele tivesse acordado
Perséfone a tempo de se vestir, teria sido impossível esconder o que eles
estavam fazendo. Seus aromas grudados um no outro, seus corpos ainda
escorregadios e com cheiro de sexo.
Perséfone pegou a camisola e a empurrou sobre a cabeça, cobrindo-se o
mais rápido possível.
— Como você ousa. — A voz de Deméter tremeu, a boca estremecendo
de raiva.
Hades permaneceu sentado na cama, corpo tenso, pronto para agir ao
menor sinal de ataque.
— Há quanto tempo? — exigiu saber Deméter.
Meses, Hades queria dizer, porque ele sabia que iria antagonizar a Deusa
da Colheita, mas uma coisa era receber a raiva de Deméter por conta própria
e outra coisa completamente diferente era ver Perséfone sofrer sob ela.
— Não é da sua conta, mãe — retrucou Perséfone.
— Você se esquece do seu lugar, filha.
— E você esquece minha idade. Eu não sou uma criança!
— Você é minha filha e traiu minha confiança.
A magia de Deméter estava se reunindo ao redor dela como um vórtice.
Hades sabia que a deusa estava se preparando para teletransportar a filha, e
enquanto ele permanecia no limite, ele não estava com medo. Deméter não
poderia tirar Perséfone dele enquanto estava em dívida com ele. Ainda assim,
ver Perséfone olhar freneticamente dele para sua mãe partiu seu coração.
— Não, mãe!
— Você não vai mais viver esta vida mortal vergonhosa!
Perséfone fechou os olhos, e ele se viu dividido entre intervir e desejar ver
como Perséfone reagiria. Abrace seu poder, ele pensou. Era o momento
perfeito, pois ela estava protegida por sua marca. Eu sei que está lutando
dentro de você.
Mas ela não o fez.
A magia de Deméter havia culminado, e Perséfone permaneceu imóvel, de
olhos fechados, aceitando o castigo da mãe como um peão em um jogo.
Exceto que quando Deméter estalou os dedos, nada aconteceu. A
expressão dela mudou, oscilando entre choque e raiva, os olhos finalmente se
dirigindo para o bracelete de ouro que Perséfone usava para cobrir a
evidência de sua barganha.
Deméter arrancou a pulseira do pulso da filha, segurando o braço dela.
Hades sentiu sua magia acumular. Ele lutaria contra a deusa por sua amante.
Ele a mataria se ela deixasse uma marca.
— O que você fez? — exigiu saber Deméter, voltando o olhar feroz e
odioso para ele.
— Não toque em mim! — Perséfone tentou se soltar das garras da mãe,
mas as unhas de Deméter cravaram na pele e ela gritou.
— Solte-a, Deméter. — Hades falou baixinho, mas sua raiva era aguda.
— Não se atreva a me dizer o que fazer com minha filha!
Hades estalou os dedos, e de repente estava vestido, ficando em sua altura
máxima. Seu poder se reuniu ao seu redor, um peso invisível, mas tangível,
que ele sabia que Deméter podia sentir. Ela soltou Perséfone, que se retirou
para o outro lado da sala.
— Sua filha e eu temos um contrato — explicou Hades. — Ela ficará até
que ele seja cumprido.
— Não. — Deméter olhou para Perséfone. — Você removerá sua marca.
Remova-a, Hades!
— O contrato deve ser cumprido, Deméter. As Moiras requerem.
Ela tentou enganar as Moiras uma vez; não poderia fazer isso de novo.
A Deusa da Colheita olhou para Perséfone. — Como você pôde?
— Como eu pude? Eu não queria que isso acontecesse, mãe!
Ele se encolheu, incapaz de esconder o impacto das palavras de Perséfone.
Estava bem ciente de que ela estava apenas falando a verdade, uma que ele já
conhecia bem. Perséfone não queria a barganha, e embora isso não
significasse que ela não o queria, ele não podia deixar de pensar que com o
fim do contrato, viria o fim deles.
— Não queria? Eu avisei sobre ele! Eu avisei para ficar longe dos deuses!
— E ao fazer isso, você me deixou à mercê deste destino.
Os avisos apenas plantaram a semente da intriga, algo que Deméter
deveria ter aprendido depois de existir por tantos anos, mas ela, como muitos
deuses, fora vítima de suposições mortais. Uma delas: ela poderia ser a
exceção.
— Então a culpa é minha? Quando tudo que fiz foi tentar protegê-la?
Bem, você verá a verdade muito em breve, filha.
Se Deméter estivesse tentando proteger Perséfone, ela não teria impedido
que seus poderes se manifestassem. Deméter tornou a filha codependente,
garantindo que ela sempre precisaria dela – precisaria de alguém – para
sobreviver. Hades odiava isso, e ele esperava que no final disso, antes que
seu contrato fosse dito e feito, os poderes dela se manifestariam.
Esse desejo se intensificou quando observou Deméter tirar seu favor de
Perséfone, expondo sua forma Divina. A deusa não foi gentil, arrancando o
favor com tanta força que Perséfone caiu de joelhos, ofegante.
— Quando o contrato for cumprido, você voltará para casa comigo —
disse Deméter, e Perséfone olhou para ela. — Você nunca vai voltar a esta
vida mortal e nunca verá Hades novamente.
Deméter olhou para ele antes de desaparecer, e Hades jurou naquele
momento, a Deusa da Colheita se arrependeria de suas ações.
Pegou Perséfone do chão, embalando-a contra ele enquanto se sentava na
beirada da cama. Ela não conseguia recuperar o fôlego.
— Shh — consolou Hades. — Vai ficar tudo bem. Prometo.
Ela se desfez em lágrimas.
— Eu não me arrependo de você. Não quis dizer que me arrependo de
você.
Ele estava feliz que ela disse isso, mesmo sabendo que ela não quis dizer
as palavras.
— Eu sei. — Hades beijou as lágrimas.
Houve uma batida na porta, mas antes que Hades ou Perséfone pudessem
falar, Lexa entrou e parou, os olhos arregalados enquanto observava a
aparência de Perséfone.
— Que porra é essa?
Não havia como esconder sua Divindade – Perséfone era a Deusa da
Primavera. Hades meio que esperava que ela implorasse para apagar a
memória de Lexa, mas em vez disso, ela se afastou e se levantou, parecendo
alta e régia enquanto falava.
— Lexa — ele a ouviu dizer. — Eu tenho algo para te dizer.
28
UM PIQUENIQUE NO SUBMUNDO

Hades saiu do apartamento de Perséfone, teletransportando-se para Olímpia.


Ele odiava ter que voltar, odiava ter que ir antes de Zeus, mas era necessário
e assim como ele suspeitava, Deméter já havia chegado. Ele podia ouvir a
voz dela do lado de fora do escritório de Zeus.
— Ele não pode ter minha filha, Zeus! — gritou ela. — Vou matar seu
povo de fome se você deixá-lo ficar com ela!
Quando Hades entrou, ela se virou para encará-lo. O rosto de Deméter
mudava quando estava com raiva. Hades imaginou que Perséfone o tinha
visto várias vezes. Os olhos pareciam afundar no rosto e escurecer. Ela se
inclinou para frente, ombros curvados, como se o peso da fúria fosse demais
para suportar.
— Você!
— Mate todo mundo, Deméter, isso só me torna mais poderoso.
— Hades — disse Zeus, sentado atrás de sua mesa de carvalho. — O que
Deméter diz é verdade? Você seduziu a filha dela?
— Não a seduzi — respondeu Hades. — Ela veio até mim de bom grado
em mais de uma ocasião.
Ele olhou para a Deusa da Colheita, e ela olhou de volta.
— Mentiroso. A marca em seu pulso me diz o contrário.
Zeus olhou para Hades, esperando sua resposta.
— Ela me convidou para sua mesa. A marca foi colocada de acordo com
as regras.
— Parece que Perséfone tomou as próprias decisões, Deméter — concluiu
Zeus.
— Ela é minha filha, Hades! Eu tenho o direito de decidir o destino dela!
Hades não olhou para a deusa, mas para seu irmão.
— Ela é filha de Deméter — concordou Hades —, mas está destinada a
ser minha esposa. As Moiras a entrelaçaram no meu futuro, e Deméter
interferiu.
Havia poucas coisas que assustavam Zeus, mas as Moiras eram uma delas.
— Isso é verdade, Deméter? — Ele olhou para a deusa pela resposta, mas
Hades respondeu em vez disso. Ele estava pronto para isso acabar.
— Foi o que as Moiras exigiram em troca de lhe dar uma filha.
— Eu nunca vou acreditar que ela veio até você de bom grado! —
Deméter fervilhava. — Que se danem as Moiras.
— Tenho certeza de que Hécate ficaria feliz em testemunhar em meu
nome — acrescentou Hades.
— Isso não será necessário — disse Zeus, e ele sabia que seu irmão não
queria parecer estar questionando a Deusa da Bruxaria. A amizade deles era
antiga, estranha, e assim como Hades confiava nela para conselhos, Zeus
também. — Deméter, não vou atender ao seu pedido. Parece que seus desejos
não estão de acordo com a vontade das Moiras.
A fúria de Deméter aumentou e raízes maciças romperam o piso de
mármore de Zeus. Hades lançou sua magia como uma rede, envolvendo todo
o lugar em sombras, cegando a deusa e Zeus. Sua batalha foi de curta
duração, no entanto, pois um raio de Zeus separou os dois. Com sua
concentração perdida, sua magia se desvaneceu.
— Não vou mediar brigas infantis entre vocês dois — acrescentou Zeus.
— Minha palavra é lei, e vocês dois obedecerão.
Hades olhou feio. Brigas infantis? Não havia nada infantil em seu amor
por Perséfone, nada infantil na ira de Deméter. Ainda assim, ele estava
agradecido por Zeus ter ficado do lado dele, não que isso significasse muito
no final. Perséfone tinha personalidade, tinha livre arbítrio. Se ela quisesse,
ela poderia deixá-lo.
— Há outro assunto que devemos discutir — disse Zeus. Hades não achou
que fosse possível, mas o clima da sala ficou mais sombrio. — Uma deusa
não nascia há séculos. Ela tem algum poder?
— Nenhum, até agora — respondeu Deméter apressada. Ela olhou feio
para Hades. Respondera rápido demais.
Zeus olhou para Hades. Ele teria que responder com sinceridade. — Seu
poder está adormecido. Ela não mostrou nenhuma habilidade para manejá-lo.
— Humm. — Zeus estava quieto, sempre desconfiado de novos deuses.
Era justo que ele temesse uma rebelião como a que ele havia liderado contra
seu pai. — Desejo conhecê-la.
— Não. — Os dois disseram instantaneamente.
Os olhos de Zeus brilharam.
— Perséfone não tem desejo de abraçar sua Divindade ainda — explicou
Hades. — Apresentá-la a Olímpia cedo demais pode assustá-la. Nós nunca
saberíamos como ela é poderosa.
Seu irmão o estudou.
— Deixe-a ficar onde está — disse Hades. — Hécate vai treiná-la, e
quando os poderes dela começarem a surgir… eu mesmo a trarei para você.
Era a única maneira de permitir que a reunião acontecesse. Era inevitável,
mas seria inevitável com ele ao lado dela.
Os olhos de Zeus se estreitaram, e então ele riu. — Sempre o protetor,
irmão. Muito bem, assim que ela mostrar seu poder, você a trará para mim.
— Ele parou um momento, com a mão descansando no abdome, e balançou a
cabeça. — Uma deusa, disfarçada de jornalista mortal. Não é à toa que você
se apaixonou, Hades.
Quando estavam fora do escritório de Zeus, Deméter se virou para ele.
— Sua vida pode estar tecida com a da minha filha, mas isso não significa
que vocês nasceram para amar um ao outro.
— Sempre vou amá-la — disse Hades. Era a única coisa que ele podia
prometer. — E eu me importo com o que eu amo.
— Se você se importasse, nunca a teria tocado. Ela é uma Filha da
Primavera!
— E uma Rainha das Trevas — respondeu Hades. — Se deseja ficar com
raiva de alguém, fique com raiva de si mesma. Foi você quem plantou a
semente da traição dela, você que a afastou ainda mais com sua tirania, você
que a deixou impotente e com medo. Ela merece lealdade, liberdade e poder.
— E você acha que pode dar isso a ela? Rei da Morte e da Escuridão?
— Acho que ela pode conseguir por si mesma — respondeu e
desapareceu, deixando Deméter sozinha com sua fúria.

Nas semanas que se seguiram, Hades tentou distrair Perséfone da ira da


mãe, mas ela parecia ficar mais melancólica. Ele via mais quando ela pensava
que ele não estava olhando – nos momentos antes de ele a surpreender ao
aparecer na biblioteca enquanto ela lia, ou pouco antes de ela sair do palácio
para passear, ou nas primeiras manhãs quando ela se levantava diante dele
para tomar banho e se vestir.
Ela estava criando distância entre eles. Ele podia senti-la crescendo,
puxando os fios que os prendiam por toda a eternidade, e doía.
Ele a encontrou de pé na frente de seu jardim ainda desolado. Ele odiava
encontrá-la aqui, olhando para este pedaço de terra que passou a significar
tanto para os dois.
Ele passou os braços em volta da cintura dela e a puxou contra ele.
— Você está bem? — perguntou ele, sua cabeça caindo no ombro dela.
Ela não respondeu, e o peso em seu estômago parecia afiado e agudo. Ela
se virou em seus braços, olhando para ele, e ele teve a sensação de que ela
queria perguntar algo. Em vez disso, ela respondeu:
— Só estou estressada. Provas finais.
Ele a estudou, os olhos procurando. — Perséfone, você pode me dizer
qualquer coisa.
Ela franziu a testa, como se não acreditasse, e Hades sentiu o interior de
seu peito murchar, como uma flor exposta a muito sol.
Ele fechou a mão sobre o pulso dela, onde a marca cobria a pele dela.
— Você está preocupada com o contrato? — perguntou ele.
Ela desviou o olhar.
Ele não sabia o que dizer; o contrato era vinculativo. Os termos tinham
que ser cumpridos. Ele não podia confortá-la com promessas de que tudo
ficaria bem sendo que sabia o que ela queria: a habilidade de se mover entre
mundos. Era uma realidade que ele estava aceitando, que seu amor por ela
nunca seria suficiente. Ela também precisaria de liberdade.
— Venha — disse. — Tenho uma surpresa para você.
Ele pegou a mão dela, entrelaçando os dedos, e a puxou para o campo
aberto fora do jardim. Eles caminharam por um tempo, entrando na floresta
do outro lado do campo. Ele não seguiu um caminho definido, navegando
entre as árvores até um prado onde um cobertor estava estendido e uma cesta
de comida esperava.
— O que é isso? — perguntou Perséfone, olhando para Hades.
— Achei que poderíamos jantar — explicou ele. — Um piquenique no
submundo.
Ela ergueu uma sobrancelha, desconfiada. — Você arrumou a cesta?
— Eu… ajudei — confessou. — Eu até fiz biscoitos.
Perséfone deu um sorriso largo. — Você fez biscoitos?
— Você está muito animada — disse ele. — Baixe suas expectativas.
Mas ela já estava correndo para o cobertor. Ela caiu de joelhos e abriu a
cesta, mexendo até encontrar o que estava procurando: um pequeno pacote de
biscoitos de chocolate. Hades tinha dado o seu melhor. Levou horas na
cozinha na noite passada, e ele fez uma bagunça com a qual Milan, o chefe de
cozinha, estava muito infeliz.
Perséfone se sentou de pernas cruzadas e abriu a bolsa.
— Você sabe que isso é para a sobremesa — disse Hades enquanto se
sentava no cobertor.
— E? Sou adulta. Posso comer sobremesa antes do jantar, se quiser.
Hades riu e pegou os itens restantes que ele havia embalado – carnes e
queijos, frutas e pães. Por último, uma garrafa de vinho e seu cantil. Ele não
estava interessado em passar mais uma noite bebendo uvas fermentadas.
Ele colocou um cubo de queijo na boca e tomou um gole de sua garrafa
enquanto Perséfone mordia um biscoito. Fez um ruído alto, e Hades se
encolheu. Não eram nada parecidos com os biscoitos que fizeram juntos. Os
dela eram macios, deliciosos e derretiam na boca. Os dele estavam duros e
meio queimados.
— Você não tem que comer isso — assegurou Hades enquanto ela
continuava a mastigar.
— Não, são os melhores biscoitos que já comi.
Hades ergueu uma sobrancelha. — Você não precisa mentir.
— Não estou mentindo.
Ela não estava, mas ele não entendia. Ele sabia que aqueles biscoitos eram
terríveis.
— Eles são os melhores porque você os fez.
Hades riu.
— Estou falando sério — disse ela. — Ninguém nunca fez nada para mim
antes.
Hades a encarou por um momento e, de repente, foi ele quem se sentiu
ridículo por não dar valor às palavras dela.
— Estou feliz que gostou — disse ele baixinho.
Sentaram-se em silêncio. Perséfone continuou a comer biscoitos e ele
continuou a beber. Depois de um momento, ela ficou de joelhos.
— Você quer um?
Ela se inclinou para ele e estendeu a mão, um biscoito entre os dedos.
Hades agarrou o pulso dela e mordeu o biscoito. Era o que ele esperava, duro
e sem graça, apenas ligeiramente açucarado. Ainda assim, se ela gostou, ele
gostava também. Enquanto ele mastigava, os olhos dela caíram para os lábios
dele, e ele ergueu uma sobrancelha.
— Com fome, querida?
Ele não tinha certeza de como ela responderia, dada sua tristeza anterior,
mas quando ela ergueu os olhos para ele, ele pôde ver seu desejo.
Ela respondeu:
— Sim.
Ele se inclinou para pressionar a boca na dela. Por um tempo, eles
mantiveram distância enquanto se beijavam. Hades gostou disso, a sensação
de desejo crescendo dentro dele, resistindo à vontade de tomá-la em seus
braços e tocá-la. Ele passou a língua ao longo da boca dela, e assim que ele
estava prestes a puxá-la para ele, ele a empurrou para longe quando uma bola
voou entre eles, seguido por Cérbero, Tifão e Ortros.
— Perdão. — A voz de Hécate veio das árvores.
Hades suspirou e Perséfone deu uma risadinha.
— Ah, um piquenique! — exclamou Hécate quando apareceu na clareira.
— Hades fez biscoitos! — disse Perséfone. — Quer um?
Hécate não escondeu a óbvia surpresa e olhou para ele. — Você… fez
biscoitos?
Ele olhou carrancudo, e Perséfone, que não percebeu seu desconforto
óbvio ou não se importou, disse: — Eu o ensinei!
Hécate riu e pegou um biscoito. Hades ficou um pouco aliviado. Talvez
ela fosse embora, e ele e Perséfone pudessem voltar a se beijar.
Exceto que Perséfone tinha outras ideias. — Sente-se conosco!
— Ah, eu não quero me intrometer…
Não quer mesmo, pensou Hades.
— Há mais comida na cesta, e Hades trouxe vinho!
As duas olharam para ele, e ele suspirou, cedendo. — Sim, junte-se a nós,
Hécate.
Perséfone vasculhou a cesta, entregando a Hécate uma variedade de
alimentos, enquanto Hades servia uma taça de vinho para a deusa.
Cérbero, Tifão e Ortros retornaram, os três brigando pela bola vermelha.
Eles não estavam lá por muito tempo quando Hades sentiu a magia de
Hermes.
— Malditas Moiras — murmurou ele, chamando a atenção de Perséfone e
Hécate.
— Ah, Hades! — cantarolou Hermes quando apareceu na clareira. — Ah,
um piquenique!
— Você precisa de alguma coisa, Hermes? — perguntou Hades, cerrando
o maxilar, frustrado que a noite que ele havia planejado para ele e Perséfone
tinha se transformado neste… circo.
— Nada que não possa esperar — disse ele. — São biscoitos?
— Hades os fez! — declarou Perséfone.
Hermes caiu de joelhos no cobertor, e Hades viu Perséfone oferecer
comida e vinho, sorrir e gargalhar, e sua frustração por ter a noite
interrompida diminuiu porque ela estava feliz. Ele também descobriu que não
se importava tanto com a companhia, embora pudesse passar sem as
provocações de Hermes.
Eles passaram muito tempo juntos na floresta, até que a luz do Submundo
se desvaneceu e a noite de Hades iluminou o céu. Quando os dois saíram, ele
e Perséfone caminharam lado a lado de volta ao palácio. Eles não se tocaram.
— Obrigada por esta noite. Sei que não saiu como planejado.
Hades riu. — Não foi nada como eu imaginava.
Eles pararam, envoltos pelo jardim do lado de fora da fortaleza de Hades,
e se encararam.
— Se Hécate não tivesse jogado aquela bola em nossos rostos, eu teria
continuado beijando você — disse ele, e sua mão subiu para segurar o rosto
dela.
— É tarde demais? — perguntou ela. — Para ter tudo?
Hades a encarou por um momento, o polegar roçando o rosto dela. Ele se
aproximou.
— O que você está pedindo, minha querida?
— Não achei ruim que Hécate nos interrompeu — disse ela. — Mas eu
ainda quero aquele beijo e tudo o que vem depois.
— Só lamento que você não tenha me perguntado antes — disse ele,
atendendo ao pedido dela. Sua boca tocou a dela, e ele a puxou contra ele,
fazendo amor com ela sob as estrelas no jardim fora de sua casa.
29
UMA TORTURA COMO NENHUMA
OUTRA

Foi uma semana depois que Afrodite chegou para vê-lo sem avisar.
Certamente ela nunca chegara com aviso, mas Hades pensou que ela chegaria
mais perto do fim do prazo de seis meses, que agora estava a semanas.
Hades estava sentado atrás da mesa na Fundação Cipreste, finalizando
alguns pequenos detalhes para o Projeto Anos Dourados antes de entregá-lo a
Katerina. Ele teve dificuldade em se concentrar, pensando que a última vez
que ficara preso atrás de uma mesa, ele estava fazendo algo muito melhor
com Perséfone.
Ele gostaria de tê-la aqui agora e riu com o pensamento de teletransportá-
la para ele. Estaria ela escrevendo uma história ou em uma reunião
importante? Ela ficaria com raiva por muito tempo quando ele tomasse a boca
dela em um beijo abrasador? Quando suas mãos deslizassem até as coxas,
quando seus dedos provocassem a abertura e ele finalmente desse a ela o que
imploraria: o orgasmo.
— Você venceu — disse Afrodite. Ela parecia mais severa do que o
normal. Mesmo quando estava com raiva, ela não tinha esse… olhar. Foi
difícil para Hades reconhecer no início, mas logo percebeu o que era porque
havia sentido a mesma coisa várias vezes nos últimos seis meses.
Histeria.
— Ela o ama.
As sobrancelhas de Hades se uniram.
— Do que você está falando?
— Eu a visitei hoje, sua amantezinha — explicou a deusa.
Seu estômago de repente pareceu sem fundo. Ele se levantou da cadeira,
sua raiva enrolada como uma cobra.
— O que você fez, Afrodite? — Sua voz tremeu quando o medo desceu,
encobrindo seu corpo. Ele sentiu como se estivesse tentando respirar sem ar.
— Eu só quis avaliar a afeição dela por você. Eu…
— O que você fez? — retrucou ele.
— Contei a ela sobre a barganha.
— Porra!
Hades bateu os punhos na mesa imaculada. Desta vez, quebrou. Os olhos
de Afrodite se arregalaram, mas ela se manteve firme e não vacilou com a
explosão dele.
— Por quê? — questionou ele. — Isso é vingança por Adônis?
— Começou assim — admitiu ela, parecendo surpreendentemente
devastada.
— E como terminou, Afrodite?
— Eu parti o coração dela.

— Onde ela está? — exigiu saber Hades e se teletransportou para o


Submundo. Ele não estava calmo o suficiente para senti-la ainda. Ele
apareceu no meio do palácio, onde sua equipe estava vagando, alheio à sua
agonia, seu medo, o fim potencial para o mais feliz que ele já havia sido.
Ele sabia que isso seria uma possibilidade, mas ele estava totalmente
despreparado, porque no final de tudo, ele a amava.
— Perséfone! Onde ela está?
— E-Ela foi passear, meu senhor — disse uma ninfa.
— Ela estava seguindo Cérbero — acrescentou outra.
— Em direção ao Tártaro.
Porra.
Ele desapareceu e apareceu nos arredores do Tártaro. Esta parte de seu
reino era vasta e cobria centenas e centenas de acres. Por que ela viria aqui?
ele pensou enquanto tentava se concentrar em encontrá-la, em vez de seu
coração acelerado e o pavor fervendo na boca do estômago.
Ele disse a ela desde o início que não queria que ela conhecesse o caminho
para o Tártaro, que a curiosidade dela a venceria. Ela ouviu as palavras de
Afrodite e procurou provar que estava certa sobre ele? Talvez ela tivesse
vindo na esperança de encontrar algo para provar que ele era tão cruel e
calculado quanto ela pensava.
Bem, ela encontraria aqui.
Não demorou muito para que ele a sentisse – um leve puxão no limite de
seus sentidos.
Ela estava na Caverna, a parte mais antiga do Tártaro. Quando ele
apareceu lá, sentiu a presença dela se fortalecer e ele sabia onde a
encontraria.
Na caverna de Tântalo.
Desgosto contorceu as entranhas de Hades.
Tântalo era um rei, um semideus nascido de Zeus, e entre a primeira
geração de mortais a povoar a Terra. Dotado do tipo particular de arrogância
de Zeus, ele pensou em testar os deuses cometendo filicídio. O rei perverso
matou seu filho, Pélope, o triturou até virar uma polpa e tentou alimentar os
Olimpianos com ele. Hades se lembrou do cheiro de carne queimada
flutuando pelo Salão Principal. A alegria terminou imediatamente, e sua ira
foi rápida. Hades se levantou, apontou para Tântalo e o enviou direto para o
Tártaro, enquanto os outros tentavam reunir Pélope novamente.
Esse também não foi o fim do castigo de Tântalo, pois Zeus havia
amaldiçoado seu legado, cujo impacto ainda era sentido até hoje.
Hades abriu caminho para a escuridão que cobria a caverna, onde Tântalo
viveu e sofreu por uma eternidade. Ele viu Perséfone correr em direção a ele,
terror no lindo rosto. Ela colidiu com ele, que agarrou os ombros dela para
firmá-la.
— Não! Por favor… — A voz dela falhou, cheia de medo e suas emoções
se enfureceram.
— Perséfone — disse Hades rapidamente, tentando acalmá-la.
Quando ela olhou para ele, reconhecimento e alívio apareceram no rosto.
— Hades!
Os braços dela se apertaram ao redor de sua cintura. Ela enterrou a cabeça
em seu peito e soluçou.
— Shh! — Ele beijou o cabelo dela, grato que ela ainda o tocava, que ela
ainda encontrava conforto em sua presença. — O que você está fazendo aqui?
Então ele ouviu a voz de Tântalo cortar a escuridão e o sangue de Hades
se transformou em gelo.
— Onde você está, vadia?
Hades colocou Perséfone de lado e se aproximou da gruta onde Tântalo
estava preso, estalando os dedos para que o pilar onde Tântalo estava
acorrentado girasse. O homem era um saco de ossos, pele flácida caindo
sobre ângulos agudos. Ele estava pálido e murcho, cabelo desgrenhado e
emaranhado, como arame saindo do rosto e da cabeça.
Ele não olhava para o prisioneiro há anos, pois seu método de tortura
tendia a cuidar de si mesmo, fome e sede, sempre ao alcance de comida e
água. Exceto que Hades sabia que ele tinha bebido porque seus lábios, sem
cor, brilhavam.
Hades lançou sua mão em direção a Tântalo, e os joelhos do mortal
cederam, puxando as algemas que prendiam os braços dele com força, e ele
gritou.
— Minha deusa foi gentil com você. E é assim que retribui?
Hades fechou o punho e Tântalo vomitou, cuspindo a água que Perséfone
lhe dera até não sobrar nada para vomitar. Então ele separou a água na gruta,
criando um caminho seco direto para o prisioneiro. O rei perverso lutou para
se equilibrar, pressionando os pés na coluna à qual estava acorrentado. Hades
gostou de vê-lo lutar. Aliviou o fardo de sua raiva e seu desejo de ver este
mortal encontrar um fim violento.
— Você merece se sentir como eu – desesperado, faminto e sozinho! —
cuspiu Tântalo quando Hades se aproximou.
A mão de Hades se fechou no pescoço do homem.
— Como você sabe que não me sinto assim há séculos, mortal? — disse
ele baixinho, sua voz mortal em seu tom. Prometia punição e dor, prometia
todas as coisas que Tântalo alegava sentir agora, mas pior.
Sua ilusão se desfez, e ele ficou diante do prisioneiro em sua forma
Divina, como havia feito no passado.
— Você é um mortal ignorante — disse Hades, sua magia borbulhando
sob a superfície. Antes, eu era apenas seu carcereiro – mas agora serei seu
punidor, e acho que meus juízes foram muito misericordiosos. Vou
amaldiçoá-lo com uma fome e sede insaciáveis. Vou até colocá-lo ao alcance
de comida e água –, mas tudo o que você comer será como fogo em sua
garganta.
Hades derrubou Tântalo, e ele atingiu o pilar de pedra com um baque
audível. Não fez nada para deter o mortal, que rosnou como um animal e
tentou se lançar para ele, estalando os dentes. A tentativa selvagem de um
ataque apenas divertiu Hades e lhe rendeu um lugar na sua lista de vítimas.
Hades estalou os dedos, enviando o prisioneiro para esperar em seu
escritório. Depois, ele se virou para Perséfone.
Ele nunca a tinha visto assim antes – de olhos arregalados, pequena,
trêmula. Ela deu um passo para longe dele e escorregou. Hades avançou para
pegá-la antes que ela pudesse atingir o chão, livre de água já que ele ainda
estava no meio do lago dividido.
— Perséfone. — Dizer o nome dela machucou seu peito. — Por favor, não
tema a mim. Não você.
Os olhos dela lacrimejaram, e ela quebrou, chorando em suas vestes. Seu
aperto nela aumentou, e ainda assim, embora ele a segurasse perto, ele sentiu
que ela estava longe, e ele percebeu que isso era estar à beira de perder tudo.
Mesmo assim, ele pensou, se eu a abraçar por tempo suficiente, se eu der
a ela tempo suficiente, talvez eu possa mantê-la unida, talvez eu possa nos
manter juntos.
Ele se teletransportou para seu quarto, onde se sentou perto do fogo,
esperando que ela se aquecesse o suficiente para parar de tremer, mas ela não
o fez. Ele ficou frustrado e a puxou contra ele, indo para a casa de banho.
Quando chegaram, ele a colocou no chão. Ele puxou o dedo dela sob o
queixo e inclinou a cabeça para encontrar seu olhar. Ele queria que ela
falasse, dissesse alguma coisa, qualquer coisa, mas ela permaneceu quieta. A
única coisa que lhe deu esperança foi que ela não protestou quando ele a
despiu ou quando a aninhou contra ele e a carregou para a água.
— Você não está bem — disse quando não aguentou mais o silêncio entre
eles. — Ele a machucou?
Ele perguntou, pois, precisava ter certeza.
A resposta dela foi fechar os olhos com força, algo que ele nunca soube
que poderia machucar tanto seu coração.
— Diga-me — sussurrou ele, roçando os lábios em sua testa. — Por favor.
Ela abriu os olhos, brilhando com lágrimas.
— Eu sei sobre Afrodite, Hades — disse ela. — Não sou mais que um
jogo pra você.
Essas palavras o deixaram furioso. Ela nunca tinha sido um jogo. Na
verdade, ele raramente tinha pensado na barganha com Afrodite desde que
começou. Não, sempre foi mais do que isso. Tornou-se uma busca para ver
seu poder, para mostrar a ela o que significava ser Divina, convencê-la de que
poderia ser uma rainha.
— Nunca considerei você um jogo, Perséfone.
— O contrato…
— Isso não tem nada a ver com o contrato!
Ele a soltou, e enquanto Perséfone lutava para se endireitar, a resposta dela
foi venenosa.
— Isso tem tudo a ver com o contrato! Deuses, eu fui tão burra! Eu me
permiti pensar que você era bom, mesmo com a possibilidade de ser sua
prisioneira.
— Prisioneira? Você se considera uma prisioneira aqui? Eu a tratei tão
mal?
— Um carcereiro gentil ainda é um carcereiro — retrucou Perséfone.
— Se você me considerava seu carcereiro, por que trepou comigo?
— Foi você quem começou. — Sua voz tremia. — E você estava certo –
eu gostei, e agora que está feito, podemos seguir em frente.
— Seguir em frente? — Ele era a encarnação da raiva, e seu corpo inteiro
tremia. Ela estava falando assim porque sua mãe os pegou? — É o que você
quer?
— Nós dois sabemos que é o melhor.
— Estou começando a achar que você não sabe de nada — disse ele. —
Estou começando a entender que você nem pensa por si mesma.
Como tinham chegado nisso? Onde estava a mulher que se tornara
confiante entre seu povo? A mulher que o esperava, nua, em seu escritório? A
mulher que tinha feito um lar em seu coração?
— Como você ousa…
— Como eu ouso o quê, Perséfone? Chamar a atenção para as merdas que
passam pela sua cabeça? Você age tão impotente, mas nunca tomou uma
maldita decisão por si mesma. Você vai deixar sua mãe determinar para quem
você dá agora?
— Cale a boca!
— Me diga o que você quer. — Ele a encurralou, prendendo-a contra a
borda da piscina.
Ela não olhou para ele.
— Diga — ordenou Hades.
— Foder você!
Ela era feroz, e os olhos dela estavam acesos. Ela se alavancou contra ele,
pernas ao redor de sua cintura. Ela o beijou com força, e ele tomou cada
pedacinho disso. Ele a segurou no lugar, as mãos abrangendo as costas e o
traseiro dela. Ele a sentou na beira da piscina, com a intenção de descer sobre
ela, provar a raiva e o desejo furioso entre as pernas dela, mas ela o agarrou.
— Não, quero seu pau dentro de mim — disse. — Agora.
Ele obedeceu, praticamente pulando da piscina. Ela o empurrou de costas,
envolveu seu sexo com mão e o guiou para dentro dela, enchendo-se dele até
que o traseiro dela tocou suas bolas. Ele gemeu, as mãos cavando em sua
pele.
— Mova-se mais rápido, porra — comandou. Ambos estavam com raiva e
incitando o outro, e por dentro, Hades sentiu sua magia aumentar. Estava
chamando a dela, a escuridão provocando a luz.
— Cale a boca — retrucou ela, olhando para ele.
Hades respondeu apertando os seios, erguendo-se para sugar os mamilos
dela. Perséfone gemeu, e o segurou contra ela, as pernas apertando ao redor
de sua cintura. Ele mal conseguia recuperar o fôlego, mas a encorajou. Ele
perderia a cabeça para ela.
— Sim — sibilou ele. — Use-me. Mais forte. Mais rápido.
Ele gozou com um rugido e cobriu a boca dela com a dele, mas o êxtase
durou pouco quando ela o empurrou e se levantou, deixando-o sentado no
mármore frio. Ela juntou seus pertences e correu escada acima. Hades a
seguiu.
— Perséfone!
Enquanto caminhava, ela vestiu as roupas. Ele correu para alcançá-la,
exposta no corredor do lado de fora da casa de banho.
— Porra!
Quando ele a alcançou, ele agarrou o braço dela e a puxou para a sala do
trono. Ele fechou a porta e a empurrou para dentro da sala, prendendo-a com
os braços. Ela empurrou seu peito, mas ele não se mexeu.
— Eu quero saber por quê — exigiu saber ela, a voz cheia de lágrimas, e
Hades odiava que ele tivesse causado essa dor. Odiava que ele fosse a razão
pela qual ela estava quebrada, mas ele sentiu outra coisa dentro dela, algo
poderoso despertando a raiva que ela ficou. — Eu era um alvo fácil? Você
olhou para a minha alma e viu alguém que estava desesperado por amor, por
adoração? Você me escolheu porque sabia que eu não poderia cumprir os
termos da sua barganha?
— Não foi isso.
Era algo tão completamente diferente. Se ele pudesse apenas explicar, mas
ele não queria começar com as Moiras porque mesmo que eles a tivessem
entrelaçado em seu futuro, ele ainda a teria desejado. Quando ele olhou para
ela, ele viu seu poder, ele viu sua compaixão, ele viu sua rainha.
— Então me diga o que foi!
— Sim, Afrodite e eu temos um contrato, mas o acordo que fiz com você
não teve nada a ver com isso. Eu lhe ofereci termos com base no que vi em
sua alma: uma mulher enjaulada por sua própria mente. — Ele sabia que o
que ele dissesse a seguir iria irritá-la, mas ela precisava ouvir. — Você foi
quem chamou o contrato de impossível, mas você é poderosa, Perséfone.
— Não zombe de mim.
— Eu nunca zombaria.
Ela rosnou:
— Mentiroso.
Havia poucas coisas que ele odiava mais do que essa palavra.
— Sou muitas coisas, mas não sou mentiroso.
— Não um mentiroso então, mas um enganador assumido.
— Eu só lhe dei respostas — disse ele, ficando mais irritado a cada
segundo. — Eu ajudei você a recuperar seu poder, mas você ainda não o
usou. Eu dei a você uma maneira de sair debaixo de sua mãe, e ainda assim
você não vai reivindicá-la.
— Como? O que você fez para me ajudar?
— Eu venerei você! — retrucou ele. — Eu dei a você o que sua mãe
negou: adoradores.
Se Deméter tivesse apresentado Perséfone à sociedade em seu nascimento,
seus poderes teriam florescido, ela teria construído altares e templos erguidos
em seu nome, ela teria subido na hierarquia, superando os Olimpianos em
popularidade. Disso ele tinha certeza.
Ela piscou para ele.
— Você quer dizer que me forçou a um contrato quando poderia apenas
ter me dito que eu precisava de adoradores para obter meus poderes?
Não era tão simples, e ela sabia disso. Ela havia rejeitado a Divindade
como se fosse uma praga. Ele não acreditava que ela teria feito qualquer coisa
com esse conhecimento, além de se esconder, temendo o desconhecido.
— Não se trata de poderes, Perséfone! Não se tratava de magia ou ilusão;
nunca tinha sido. É uma questão de confiança. É uma questão de acreditar em
si mesma!
— Isso é distorcido, Hades…
— É mesmo? — disse ele, cortando-a. Ele não queria ouvi-la dizer a ele
como ele era terrível, como ele era enganador, como ele era mentiroso. —
Diga, se você soubesse, o que teria feito? Anunciado sua Divindade para o
mundo inteiro para que pudesse ganhar seguidores e, consequentemente, seu
poder? — Ela sabia a resposta, e ele também. — Não, você nunca foi capaz
de decidir o que quer, porque valoriza a felicidade de sua mãe acima da sua!
— Eu era livre antes de você, Hades.
— Você acha que era livre antes de mim? — perguntou ele, inclinando-se
para ela. — Você trocou paredes de vidro por outro tipo de prisão quando
veio para Nova Atenas.
— Por que não continua me dizendo como sou patética? — cuspiu ela.
— Não é isso que estou dizendo…
— Não? Deixe-me dizer o que mais me torna patética: Eu me apaixonei
por você.
Porra. Porra. Porra. Seu coração parecia estar sufocando no peito. Ela
parecia tão devastada quanto ele, e ele queria tocá-la, mas ela se afastou com
veemência, colocando distância entre eles. — Não!
Ele fez o que ela pediu, embora todo o seu corpo quisesse negar o pedido
dela. A única coisa que ele queria fazer era estar perto dela, porque ela o
amava. Porque ele a amava.
Ele deveria dizer a ela.
Mas ela estava tão zangada e magoada.
— O que Afrodite teria conseguido se você tivesse falhado?
Ele não queria responder, porque sabia o que ela pensaria. Nesse
momento, ela sentia como se tudo o que Deméter lhe ensinara fosse verdade.
Ela pensaria que Hades faria qualquer coisa para manter seu povo em seu
reino, até mesmo enganá-la, mas ele respondeu de qualquer maneira.
— Ela pediu que um de seus heróis fosse devolvido aos vivos.
Um pedido que ele concederia com prazer se isso significasse que ela
ficaria.
— Bem, você venceu. Eu amo você — declarou ela, e ele sentiu que
poderia desmaiar. — Valeu a pena?
— Não é assim, Perséfone! — disse, desesperado para que ela entendesse,
e quando ela se virou, perguntou: — Você acredita mais nas palavras de
Afrodite que em minhas ações?
Ela fez uma pausa e o encarou, e ele pôde ver que o corpo dela tremia,
podia sentir o poder correndo no sangue da deusa. Ele podia sentir o cheiro
da magia de Perséfone, e era celestial, um cheiro tão diferente de tudo que ele
tinha experimentado. Era distintamente ela: uma mistura quente de baunilha e
sol e ar fresco da primavera. Mas ela não disse nada, e ele balançou a cabeça,
desapontado com a incapacidade dela de entender essa situação, o valor e o
poder dela.
— Você é sua própria prisioneira.
Essas palavras a quebraram. Ele viu no momento em que a última sílaba
saiu. Houve um barulho alto em seus ouvidos, semelhante a um grito, e
grandes trepadeiras negras atravessaram o chão, emaranhando-se em torno de
seus braços e pulsos como restrições. Ele ficou chocado; o poder dela ganhou
vida e foi dirigido a ele.
Ela havia criado a vida.
Depois, ela respirou fundo, o peito arfando. Ele gostaria de elogiá-la,
celebrá-la, amá-la. Este era o potencial da deusa, um gosto da magia dentro
dela, mas precisou da raiva para liberá-lo.
Ele testou as restrições; eles eram fortes e apertados enquanto ele puxava,
tão vingativos quanto ela em sua raiva. Ele encontrou o olhar dela e riu sem
humor. Olhar para ela era como ver sua morte, um dia que ele achava que
nunca chegaria.
— Bem, Lady Perséfone. Parece que você venceu.
30
TRAIDOR

Um dia depois, Hades estava diante de Tântalo, bidente na mão. Desde que
Hades apareceu em seu escritório, a alma o encarou. Ele não mostrou
remorso por seu tratamento com Perséfone, embora Hades não tenha ficado
surpreso. Depois de anos lidando com o verdadeiro mal, ele havia entendido
que nem todos que experimentavam a tortura eterna mudavam.
Às vezes, só se tornavam piores.
— Você desejou que eu me sentisse desesperado, faminto e sozinho —
disse ele, girando o bidente em sua mão. — Devo dizer como me sinto neste
exato momento?
Hades apontou na direção alma, uma ponta do bidente voltada para o
esterno e a outra para o umbigo.
— Eu me sinto entorpecido — sibilou ele. — Você sabe o que é se sentir
assim, rei mortal?
Havia um brilho nos olhos de Tântalo e um muxoxo em sua boca quando
ele começou a sorrir.
Sim, pensou Hades. Ria da minha dor. Sua tortura será doce.
— Na última semana, senti coisas que nunca senti antes. Eu, um deus
eterno. Implorei para que o amor da minha vida ficasse. Estou privado de
sono com a falta dela. Estou sozinho. É assim que você gostaria que eu me
sentisse, Tântalo.
O mortal começou a rir, e foi uma gargalhada aterrorizante, rouca e
quebrada.
Hades empurrou o bidente, e as bordas afiadas afundaram em sua pele. O
homem ainda estava rindo quando começou a gorgolejar e tossir, espirrando
sangue no rosto de Hades.
O Deus dos Mortos não piscou.
— Você sabe como eu sei que nunca se sentiu assim? — continuou Hades.
— Porque nenhum homem riria diante dessa dor, mesmo você, o desgraçado
que é.
Hades empurrou o bidente através do corpo de Tântalo, e a arma se alojou
na parede atrás dele.
— Meu Senhor.
Hades virou-se para encontrar Ilias de pé na porta. O sátiro olhou
passivamente para o mortal preso à parede de Hades. Esta não era uma
exibição incomum para nenhum deles.
— Sísifo chegou. Ele espera pelo senhor na Suíte Diamante.
Levou semanas, mas a promessa de Hades finalmente atraiu o mortal para
Nevernight.
— Devo chamar uma equipe? — perguntou ele, olhando para Tântalo
outra vez.
Hades franziu a testa. Ele tinha feito uma bagunça.
— Não — disse ele. — Eu vou trazê-lo de volta depois que ele apodrecer
e torturá-lo mais uma vez.
Hades começou a virar-se quando Ilias o parou outra vez.
— Talvez seja proposital — disse ele —, mas o senhor parece ter acabado
de assassinar alguém.
Hades olhou para suas roupas, salpicadas de sangue fresco. Ele poderia
deixá-las assim, talvez servisse como um aviso para Sísifo, exceto que Hades
sabia que havia pouco que pudesse assustar o mortal agora. Afinal, ele havia
fugido de Hades duas vezes. O deus estalou os dedos, restaurando sua
aparência primitiva, antes de se teletransportar para a Suíte Diamante.
Como as outras suítes, ela ostentava luxo. As paredes sem janelas estavam
decoradas com arte moderna e monocromática. Um candelabro de gotas
cintilantes de cristal pendia no centro da sala, e abaixo dele, um conjunto de
sofás de couro preto um de frente para o outro, uma placa de mármore feita
em uma mesa separava os dois.
Um homem ocupava um dos sofás. Ele parecia desgrenhado, a barba
malcuidada, o terno vestindo mal, o ouro que pesava nos dedos havia
desaparecido, e o cheiro de peixe e sal grudava na pele.
Nas semanas anteriores, Hades havia imaginado este momento sendo bem
diferente. Houve mais impulso por trás de seu desejo de ver o mortal
aprisionado em seu reino, porque ele corria o risco de perder Perséfone.
Sentia-se desesperado e determinado, e via a captura de Sísifo como uma
reivindicação de seu futuro.
E ele adivinhou, de certa forma, que ainda era verdade.
Este era o seu futuro. Ele era o Deus dos Mortos, um carrasco.
— Diga-me, mortal — disse Hades. Sísifo virou-se para ele, e se pôs de
pé. — O que o convenceu a vir?
— Meu senhor, eu não sabia que tinha chegado.
Hades foi até o bar e se serviu de uma bebida. Voltou-se para Sísifo, cujos
olhos não se afastaram dele.
— E? — perguntou ele.
O homem deu uma risada ofegante. — Bem, você ofereceu a imortalidade.
Hades engoliu sua bebida e serviu outra, sem dizer mais nada.
Sentou-se em frente a Sísifo, que se afundou nas almofadas. Hades
manifestou um baralho de cartas. Todas as cartas usadas aqui eram as
mesmas, pretas e douradas, a imagem no verso uma imagem das Moiras,
girando, medindo e cortando o Fio do Destino.
Era uma imagem apropriada para o par.
Sísifo estava sentado na beirada do sofá, os joelhos estendidos, as mãos
penduradas entre eles.
— Blackjack — disse Hades enquanto cortava o baralho e embaralhava as
cartas. Ele podia dizer que o som das cartas se agitando deixava o mortal
nervoso. Seus dedos estavam se contorcendo. — Uma mão, Sísifo. Você já
desperdiçou o suficiente do meu tempo.
— Uma chance de cinquenta por cento — respondeu o mortal. — Está
confiante.
Hades não respondeu enquanto distribuía duas cartas para cada um. Sísifo
os arrastou com seus dedos gorduchos, mas assim que começou a erguer a
borda, Hades o deteve.
— Antes que você revele sua mão — anunciou ele. — Gostaria de saber
por quê.
— Por que o quê?
— Por que fugiu da morte?
— Não pode me culpar por ter tido a oportunidade — argumentou ele.
Hades sabia que ele se referia ao fuso que Poseidon lhe dera.
— Isso não é uma resposta, Sísifo — disse Hades. — Por que você quer
tanto prolongar sua vida patética?
— Patética? — O rosto de Sísifo ficou vermelho. — Eu estava à beira de
um império, e então você veio e levou tudo. Por que não te desafiar? O que
isso poderia significar na minha vida após a morte? Você já havia me
sentenciado ao Tártaro.
— Humm. — Os olhos de Hades caíram para as cartas diante dele, dedos
prontos para virar.
— Por que você pergunta? — questionou Sísifo, um tom de histeria na
voz. — Por que exigir uma resposta?
Hades considerou ficar quieto, mas o medo passivo de Sísifo do Tártaro o
irritou, então ele respondeu. — Porque, Sísifo, sua existência no Tártaro será
tudo o que você sempre temeu, tudo o que sempre o irritou. Você obterá seu
império e depois o perderá, repetidamente.
Hades virou suas cartas – um rei e um ás, vinte e um. Uma mão perfeita.
Seus olhos se ergueram para os de Sísifo.
— Vire suas cartas, mortal.
Houve um momento de silêncio, e o mortal se moveu, não para virar as
cartas, mas para sacar uma arma, um revólver.
Normalmente, Hades achava divertidas exibições como essa, mas vindo de
Sísifo, isso o enfureceu. Seus olhos escureceram, e a arma derreteu na mão
do mortal, cobrindo a pele dele com metal queimando. Os gritos encheram a
sala, penetrantes e agonizantes. Ele caiu de joelhos, segurando a mão no alto,
os olhos esbugalhados para fora da cabeça.
Hades suspirou e se inclinou para frente, virando as cartas do mortal.
Um cinco de paus e um nove de copas – quatorze.
Hades se levantou, esvaziou o copo e ajeitou o paletó. Sísifo apertou o
braço contra o peito, suando e respirando com dificuldade. Ele olhou para
Hades, ódio em seus olhos.
— Trapaceiro — acusou ele.
Hades sorriu. — É preciso ser um para conhecer um.
Ele estalou os dedos, mandando Sísifo para o Tártaro, e saiu da suíte.

Uma semana depois, Hades se viu no laboratório de Hefesto. Ele havia


adiado isso o máximo possível, temendo seu retorno ao Deus do Fogo depois
do que ele havia pedido a ele apenas algumas semanas atrás.
Quando o deus lhe entregou uma pequena caixa, Hades olhou para dentro.
O anel que ele havia encomendado estava sobre uma almofada de veludo
preto. Era uma coisa linda e delicada, mesmo com as inúmeras flores e pedras
preciosas que o decoravam, e trazia consigo a dor e o constrangimento que
sentira ao perder Perséfone. Talvez se ele não tivesse sido tão presunçoso,
talvez se ele não tivesse feito este anel, ele a teria agora.
— É lindo — disse Hades, fechando a caixa. — Mas não preciso mais.
Hades encontrou o olhar de Hefesto, e o deus ergueu as sobrancelhas.
— Pagarei generosamente pelo seu trabalho — continuou Hades,
estendendo a mão. Ele devolveu o anel para Hefesto.
— Você não vai aceitar?
Hades balançou a cabeça. Era um símbolo do que ele poderia ter tido, de
um futuro que não estava mais no horizonte, e ele não suportava vê-lo ou
saber que existia no mesmo reino que ele.
— Não vou perguntar por que não quer mais o anel. Posso adivinhar —
disse o Deus do Fogo. — Mas não aceitarei pagamento por algo que não
deseja guardar.
— Você prefere que eu aceite?
— Não. — Hefesto sorriu. — Tenho a sensação de que acabaria no
oceano, e tenho dúvidas sobre você pedir a Poseidon para recuperá-lo quando
o quiser outra vez.
31
REIVINDICANDO UMA RAINHA

Hades observou à distância enquanto Perséfone atravessava o grande palco


em sua formatura. Ela estava linda, o cabelo cor de mel reluzente sob o sol, a
pele cintilando como ouro e um sorriso curvando os lábios perfeitos.
— Ela parece tão… feliz — disse Hades, mais para si mesmo do que para
qualquer outra pessoa, mas Hécate estava lá para responder.
— Claro que ela está feliz. Ela acabou de passar quatro anos no
purgatório.
— Faculdade, Hécate — corrigiu Hermes. — Acho que você quer dizer
faculdade.
— Mesma coisa — devolveu ela.
— Ela me convidou para a pós-festa — disse Hermes com um sorriso, e
Hades tentou não sorrir quando Hécate lhe deu uma cotovelada nas costelas.
— Ai! Pare!
Ele seguiu Perséfone com olhar quando ela deixou o palco, segurando o
chapéu enquanto o vento soprava. Vento que trouxe o cheiro dela para ele,
deixando-o se sentindo vazio. Foi então que ela parou e olhou na direção
deles.
— Ah, ah! Acho que ela está nos vendo! — Hermes acenou.
— Ela não pode nos ver, estamos invisíveis! — exclamou Hécate, dando-
lhe uma cotovelada nas costelas outra vez.
— Cuidado, Hécate! Transformo você em um bode!
— Pode tentar, pé de pena!!
Hades suspirou e revirou os olhos para os dois, mas rapidamente se
concentrou em Perséfone novamente. Ela parecia perturbada, uma linha se
formando entre as sobrancelhas e os cantos da boca se curvando para baixo.
Foi nesse momento que ele pensou ter visto a verdade do coração da deusa:
ela estava tão devastada quanto ele. Era quase insuportável, e o fio que ainda
os ligava latejava em seu peito.
Ele sofria por ela, a queria, a amava.
— Vá até ela — encorajou Hécate.
— Ela vai me rejeitar — disse Hades.
— Talvez — respondeu Hermes.
Hécate levantou o braço de novo, e o deus se encolheu, arrastando-se a
alguns metros de distância. Ela se virou para Hades e argumentou:
— Ela não vai rejeitá-lo. Ela o ama.
— Ela me amava — disse Hades.
— Quer ser chamado de burro de novo?
Hades olhou feio.
— Pelo menos ela disse que o amava — argumentou Hécate, com as mãos
nos quadris. — Ela ainda não ouviu as palavras de você.
Ele franziu o cenho, e sentiu vergonha. Hécate estava certa, ele deveria ter
dito a ela que a amava no momento em que percebeu. Todo esse tempo, ele
havia falado sobre como ela era sua deusa e rainha, e ele nem mesmo
conseguiu dizer as três palavras que ilustrariam a verdade de como se sentia,
porque temia sua rejeição.
A atenção de Perséfone se desviou quando o nome de Lexa foi chamado.
Ela torceu por sua melhor amiga enquanto atravessava o palco, e as duas se
abraçaram antes de voltarem para seus lugares. Apesar de seus pensamentos
dolorosos, Hades se viu sorrindo enquanto a observava continuar vivendo.
Ele teve poucos arrependimentos em sua longa vida, mas um deles sempre
seria nunca dizer a ela o quanto a amava.

Hécate abriu a porta dos aposentos de Hades. Era meio-dia e ele ainda
estava na cama, exausto de uma noite de barganhas amargas na Nevernight.
— Levante-se! — disse ela, e abriu as cortinas, deixando entrar a luz do
dia. Hades gemeu e rolou, cobrindo a cabeça.
— Vá embora, Hécate.
Houve uma pausa, e então seu cobertor foi arrancado.
— Hécate! — Hades sentou-se, frustrado.
— Por que você está nu? — exigiu saber ela, como se ela tivesse acabado
de ver algo horrível.
— Porque — explicou ele, apontando para seu quarto, — eu estou na
cama!
Ela jogou o cobertor de volta para ele.
— O que está fazendo? — questionou ele.
— Nós vamos pegar Perséfone — disse ela. — Bom, você vai pegá-la. Eu
vou ajudar.
— Nós já discutimos isso, Hécate…
— Cale a boca — retrucou ela. — Eu sinto falta dela, as almas sentem
falta dela, você sente falta dela. Por que estamos gastando todo esse tempo
sentindo falta dela quando podemos apenas… recuperá-la?
Hades riu, principalmente por descrença. — Se fosse fácil assim…
— É fácil assim! Hécate ergueu as mãos, frustrada. — Você passou todo
esse tempo esperando que as Moiras a afastassem, mas elas não o fizeram.
Você a afastou.
— Ela foi embora, Hécate. Não eu.
— E? Não significa que você não pode ir buscá-la. Não significa que você
não pode dizer que a ama. Não significa que não pode lutar pelo amor dela.
Você é o único que sempre fala sobre ações serem melhores que palavras.
Por que você não prova suas palavras e age?
— Tudo bem — rangeu Hades. — Nós vamos, e então você verá de uma
vez por todas que ela não me quer.
Ele tirou o cobertor que Hécate havia jogado de volta para ele.
— Pelo amor das Moiras, coloque alguma roupa! — retrucou ela.
— Se você não queria me ver nu, Hécate, então não deveria ter vindo até
mim enquanto eu estava na cama.
— Perdoe-me por presumir que estaria vestido — resmungou ela,
revirando os olhos.
Hades suspirou, frustrado enquanto desaparecia no banheiro, jogando água
no rosto. Estava cansado. Ele não estava dormido bem desde que Perséfone
fora embora, e seu humor tinha mudado. Ele estava temperamental, brigando
mais com todos, até mesmo com Hécate. Tinha que parar, e talvez isso
acabasse, ou piorasse tudo.
Ele invocou sua ilusão e voltou para seu quarto, onde Hécate esperava.
— Estive pensando — disse ela, esfregando as mãos. — Devemos fazer
disso uma aposta. Se ela correr para seus braços como eu acho que ela vai,
então eu preciso de mais espaço para meus venenos… plantas. Para minhas
plantas.
Hades ergueu uma sobrancelha. — Ótimo. Você quer uma barganha? —
disse. — Se eu ganhar, nunca mais quero ouvir outra palavra sobre Perséfone
novamente.
Ela revirou os olhos. — Combinado — disse, então acrescentou —, para
alguém que sente o gosto das mentiras, você com certeza fala muitas delas. É
melhor se preparar para desistir de um quarto de seu reino, garanhão.

Hades andou de um lado para o outro de seu aposento, esperando que


Hécate lhe desse o sinal – uma explosão de magia que ela enviaria quando
localizasse sua deusa. Ele não tinha sido capaz de se concentrar desde que ela
fora embora. Por mais que odiasse admitir, Hécate lhe dera esperança.
Ele fez uma pausa, franzindo a testa para si mesmo no espelho,
percebendo pela primeira vez o quanto Perséfone o havia mudado. Ela o fez
querer coisas que ele nunca quis antes, como uma vida que oferecia um
pouco mais de simplicidade. Ele queria caminhadas, piqueniques e biscoitos
queimados. Ele queria rir e nunca mais ir para a cama sozinho.
Esta era a primeira vez em sua vida que ele esperava perder uma aposta.
Ele sentiu a pulsação da magia de Hécate, e algo duro como pedra se
acomodou em seu estômago enquanto ele a seguia, aparecendo do lado de
fora da The Coffee House. Quando ele viu Perséfone, seu peito inteiro doeu.
Porra, ela é linda. Estava com o cabelo preso, deixando à vista o pescoço
gracioso, mas cachos dourados se soltavam. Ela usava branco, as alças do
vestido finas, expondo os ombros magros e sardentos.
Hécate se sentou ao lado dela enquanto as duas falavam, e ele captou parte
da conversa.
— Então, vá até ele. Diga a ele por que você está sofrendo, diga como
consertar. Não é nisso que você é boa?
Hades queria rir.
Perséfone riu e esfregou os olhos, e ele pensou que talvez ela estivesse se
esforçando para não chorar. Seu peito doeu.
— Ah, Hécate. Ele não quer me ver.
Ela estava errada, tão errada. Ocorreu-lhe que talvez ambos tivessem feito
suposições sobre o outro. Talvez eles quisessem se ver o tempo todo. Talvez
se ele tivesse feito o que sempre quis, ir até ela, vê-la, abraçá-la, ele não teria
sentido essa agonia.
— Como você sabe? — perguntou Hécate.
— Você não acha que se ele me quisesse, ele teria vindo até mim?
Ah, querida, Hades pensou. Vou passar o resto da minha vida mostrando
o quanto a quero.
— Talvez ele estivesse apenas lhe dando tempo — respondeu Hécate, e
levantou a cabeça para encontrar o olhar dele.
Perséfone seguiu o olhar dela, e quando seus olhos se encontraram, ela se
levantou da cadeira e começou a correr. Seus corpos colidiram de uma
maneira familiar quando Hades a levantou do chão e as pernas dela
encontraram o lar ao redor de sua cintura. Seus corpos selaram firmemente.
— Senti sua falta — disse ele, o rosto enterrado no cabelo dela.
— Também senti sua falta.
Ela nunca mais a deixaria.
— Desculpe — sussurrou ela. Os dedos dela roçaram sua bochecha e seus
lábios, e o toque dela acendeu um fogo dentro dele tão agudo que ele pensou
que poderia se transformar em cinzas. Ele tinha sentido a falta disso: de
queimar de desejo por ela.
— Desculpe-me também — disse ele. — Amo você. Deveria ter dito
antes. Deveria ter dito naquela noite na casa de banho. Eu já sabia.
O sorriso dela era lindo, e era algo que ele queria ver todos os dias de sua
vida.
— Eu também amo você.
Seus lábios se tocaram, e aquele fogo dentro dele cresceu, inebriante. Seu
aperto aumentou, suas mãos pressionando na parte inferior das costas dela.
Queria que ela sentisse o quanto ele sentia falta dela, o quanto ele ficava duro
para ela. Queria que ela entendesse o que a esperava uma vez que eles
deixassem este lugar. Eles passariam o fim de semana na cama, isolados no
quarto dele. Ele a tomaria de maneiras que nunca tomara antes, e ela gozaria,
gritando seu nome, sem deixar dúvidas de seu amor por ela.
As garras de sua paixão atingiram fundo, mas antes que pudessem
começar seu fim de semana de felicidade, ele tinha mais uma coisa para
reivindicar. Quando ele interrompeu o beijo, Perséfone deu um rosnado
frustrado e tentou recuperar a conexão. Hades riu da ânsia dela, segurando-a
um pouco mais forte, esfregando o membro na suavidade dela, uma promessa
de que ele logo estaria dentro dela.
— Eu desejo requisitar meu favor, Deusa — disse ele, seus olhos
escurecendo. Por um momento, os olhos dela se arregalaram, então ele falou
rapidamente, esperando aliviar sua ansiedade. — Venha para o Submundo
comigo.
Ela abriu a boca, mas Hades a reivindicou em um beijo, e quando se
afastou, descansou sua testa na dela.
— Viva entre mundos — implorou ele. — Mas não nos deixe para
sempre. Meu povo, seu povo, a mim.
Ela deu uma risada ofegante, os olhos lacrimejando, e assentiu. — Não
deixarei.
Hades retornou o sorriso. Era como se ela tivesse acabado de lhe dar o
mundo, e ele guardaria seu presente para sempre. Depois de um momento, o
sorriso de Perséfone tornou-se travesso, e ela alisou o peito dele com as
mãos.
— Estou ansiosa por um jogo de cartas.
Ele inclinou a cabeça. Não achava que fosse possível, mas seu pênis ficou
mais duro ao ouvir o pedido, sua mente correndo solta com as possibilidades
– horas de preliminares, palavras eróticas e sexo incrível.
— Pôquer? — perguntou ele.
— Sim.
— As apostas?
— Suas roupas — respondeu ela, já desabotoando a camisa dele.
Quem era ele para negar algo a uma rainha?
BÔNUS – MINTA, A HORTELÃ

Hades olhou para cima quando Perséfone entrou em seu escritório, e


imediatamente sentiu seu membro se contorcer. Ela estava vestida de
vermelho, e o tecido grudava no corpo e mergulhava nos seios, acolhendo seu
olhar. A expressão dela era travessa, e os olhos dele se estreitaram,
desconfiados. Ele esperava que ela tivesse vindo seduzi-lo. O pensamento fez
seu sexo ficar espesso e pesado, e ele descansou as mãos nos braços da
cadeira para se manter sentado enquanto ela se aproximava.
— Então a mesa não é apenas para exibir — brincou ela, um sorriso
curvando os lábios convidativos.
Isso depende do que você considera trabalho, Hades pensou, levantando
uma sobrancelha. Ele definitivamente tinha trabalhado sobre ela em sua
superfície imaculada e ele podia dizer pelo rubor nas maçãs do rosto da deusa
que ela estava pensando a mesma coisa.
— Posso ser muito produtivo quando desejo — disse ele.
— Ah é?
— Sim; como você já sabe, querida, sou ótimo em fazer várias coisas ao
mesmo tempo.
Ele poderia beijá-la, massagear os seios e meter nela, tudo ao mesmo
tempo.
— Humm. Parece que esqueci que você possuía essa habilidade particular.
Talvez você possa me relembrar?
Ele estreitou o olhar, tomando a brincadeira como um desafio. Talvez ele
não tivesse marcado a pele dela ou metido com força suficiente. Ele
considerou como poderia surpreendê-la, desaparecendo e reaparecendo ao
lado ela em segundos, pegaria o cabelo de Perséfone em suas mãos e puxaria
a cabeça para trás para devorar a boca dela antes de acomodá-la em seu pênis.
Ele a tomaria nas janelas com vista para a casa noturna.
Exceto que agora ele notou que ela segurava algo em seus braços – uma
planta em um vaso vermelho.
— Você me trouxe algo?
Perséfone mordeu o lábio e seu olhar queimou. Ela colocou o pote na
beirada da mesa dele e de repente tudo o que ele podia sentir era o cheiro de
hortelã doce: era uma planta de hortelã. Ele não gostou porque encobria o
aroma de Perséfone.
— Na verdade, estou devolvendo o que já era seu.
Hades ergueu uma sobrancelha. — Acho que me lembraria de deixar uma
planta de hortelã em sua casa, Perséfone.
— Bem, você vê, esta … planta nem sempre foi uma planta.
Ele esperou.
— Ela era uma ninfa. Minta.
Suas sobrancelhas se uniram e ele apontou para a planta.
— Você está dizendo que isso é minha assistente?
— Sim.
Foi preciso mais controle para não rir do que para ficar sentado quando ele
queria fodê-la.
Poderia dizer que ela estava ansiosa por admitir o que tinha feito. Hades
nunca disse a ela que ele havia dispensado Minta e a exilado do Submundo.
Havia algumas razões, entre elas, pelas quais ele não tinha pensado na ninfa
desde que capturou Sísifo.
Ainda assim, enquanto olhava para Perséfone, ele estava curioso. Como
isso aconteceu?
— E por que minha assistente é uma planta, Perséfone?
— Porque — respondeu ela, desviando os olhos. — Ela me irritou.
Ah.
Bem, ele podia adivinhar como Minta tinha passado de ninfa a planta – o
que quer que ela tivesse dito – e tinha certeza de que Minta tinha dito algo
porque seu único poder eram suas palavras – tinha irritado Perséfone a ponto
do poder dela se manifestar. Se foi algo como ele experimentou,
provavelmente ela explodira.
Ainda assim, ele sabia que ela não estava dizendo toda a verdade. Ele
esperou, pensando que ela poderia ceder e contar a ele por conta própria, mas
ele sabia que não era possível – Perséfone nunca se sentia pressionada a
expor nada, e geralmente só o fazia quando eles se sentavam em lados
opostos da mesa, jogando um jogo de cartas.
— O que Minta fez para chatear você? — perguntou com cuidado.
— Isso não importa mais — respondeu ela, e deu de ombros. — Já foi
resolvido.
Claramente, ele pensou.
— Pensei em dar a você a opção de devolvê-la à sua forma verdadeira.
Hades não tinha nenhum desejo de ver Minta retornar à sua forma natural,
mas o divertiu que Perséfone estava oferecendo, se não o fez um pouco
desconfiado. Se ele tivesse que adivinhar, ela estava se sentindo culpada.
Ele ergueu uma sobrancelha.
— Você deseja que eu tome essa decisão?
— Ela é sua assistente.
Hades se levantou de sua cadeira e deu a volta na mesa, pegando a mão de
Perséfone, puxando-a para ele, levantando o queixo dela com os dedos.
Enquanto ele olhava nos olhos dela, verdes como esmeraldas cruas, ele
perguntou em voz baixa:
— Como vou convencê-la a me dizer a verdade?
Seu olhar caiu para os lábios dele. — Você está me pedindo para jogar?
Os cantos de seus lábios se inclinaram, e ele deu um beijo na cavidade do
pescoço dela. O aperto de Perséfone sobre ele aumentou quando ele traçou ao
longo da mandíbula até a borda dos lábios exuberantes, mas ele não a beijou.
Assim que ela estava prestes a dar um grunhido frustrado, ele agarrou os
quadris dela e a guiou para a beirada da mesa.
— Não — disse ele enquanto suas mãos deslizavam pelas coxas e sob o
vestido dela. — Estou fazendo várias coisas ao mesmo tempo.
As bocas colidiram, sua língua mergulhou para encontrar a dela enquanto
seus dedos enganchavam em torno da calcinha. Ele saiu da boca dela o
suficiente para deslizá-la pelas pernas e tomou seu lugar entre as pernas da
deusa, espalhando-a amplamente, expondo o núcleo sensível. A fome
contorceu seu abdome, e ele passou a língua no lábio inferior em antecipação
a seu banquete, os dedos deslizando no calor escorregadio dela.
A respiração de Perséfone escapou em um fluxo áspero e Hades notou
como o corpo dela contorceu com antecipação – e então ele a penetrou,
separando a carne quente, usando um dedo depois dois, então alcançando
profundamente dentro dela até que seus dedos se curvaram, acariciando até
que ela gemeu seu nome.
— Você gosta? — murmurou ele, inclinando-se sobre ela, deu um beijo
entre os seios, depois passou a língua na pele.
— Sim — ofegou ela.
— Me diga o que você quer.
— Mais. Mais forte. Mais rápido. — Era um desejo e um comando que
ambos já tinham usado, várias vezes. Normalmente, Hades estaria mais do
que feliz em atender, mas não desta vez.
Desta vez ele se retirou, uma corrente de calor líquido veio com ele.
Porra.
Ele não queria nada mais do que saboreá-la, mas se conteve. Este era o seu
jogo, ele daria prazer a ela até o ponto da dor, até que ela oferecesse as
respostas que ele queria, mas quando ele encontrou o olhar de Perséfone, ele
se perguntou se esta era a decisão certa.
Ela estava furiosa, os olhos brilhavam com uma combinação de paixão e
fúria.
— Por que você parou? — exigiu saber.
— Diga por que você explodiu com Minta — disse ele. — O que ela disse
para chateá-la?
— Este é o seu jogo? — retrucou ela, ainda reclinada diante dele, as pernas
abertas, tentadoras.
Hades não disse nada, e Perséfone começou a se sentar, mas ele a prendeu
na mesa e a beijou outra vez. Ela não respondeu sua pergunta, então ela
enfrentaria outro ataque de prazer. Ele a levaria para perto do orgasmo desta
vez e faria isso com sua língua. Uma antecipação passou por ele, e seu pênis
latejou.
Perséfone parecia ainda mais ansiosa, as mãos indo para os botões de sua
camisa, as palmas das mãos acariciando seu peito e abdômen até que ela
alcançou seu sexo inchado. Quando ela liberou seu pênis, ele gemeu.
Talvez ela não estivesse tão zangada quanto ele pensava.
A mão dela se fechou sobre sua ereção, e ela o empurrou. Hades se
permitiu ser guiado de volta a uma posição de pé, e Perséfone o seguiu.
Ela o acariciou, o polegar brincando com a cabeça de seu pênis, e sua
mente estava tão nublada com excitação, que não sentiu sua magia se
acumulando até que fosse tarde demais – até que eles já estivessem no
Submundo, no jardim do lado de fora de seu palácio, no caramanchão de
glicínias.
— Perséfone…
Hades não tinha certeza do que estava prestes a dizer ou avisar novamente,
ele só tinha a sensação de que estava em apuros. Então, ela estalou os dedos,
e vinhas brotaram do chão, serpenteando ao redor dos pulsos e tornozelos de
Hades.
Onde ela aprendeu esse truque, ele se perguntou?
Ele não teve que adivinhar muito, ele sabia: Hécate. Seus olhos
escureceram; sua mandíbula se apertou.
— Perséfone. — Ele disse o nome dela novamente, e não tinha certeza do
porquê – isso era excitante, embora ele preferisse vê-la contida e satisfeita.
— Sim, meu senhor? — perguntou ela, olhando para ele com a mão ainda
envolvendo seu pênis. Como ela podia soar tão inocente e parecer tão
pecaminosa?
— O que você está fazendo? — questionou ele entredentes.
Ela o acariciou, e seu peito arfava. Este era o momento em que ele queria
ter as mãos em seu cabelo enquanto sua boca se fechava sobre ele.
— O que você acha? — provocou ela, continuando a massageá-lo.
Ela ficou na ponta dos pés, a boca devorando a dele, a língua deslizando
na dele. Quando ela beijou seu pescoço, ele beliscou os lábios dela, desejando
recapturá-los e fazer amor com aquela boca – e ainda assim ela continuou,
abrindo um caminho ao longo de sua pele.
— Diga o que você quer — sussurrou ela enquanto chupava o lóbulo de
sua orelha e ele rosnou, seus músculos ondulando enquanto ele tentava se
libertar de suas restrições.
— Você, deusa.
Ela sorriu, lábios passando sobre seu abdome e indo até os cachos escuros
ao redor de seu pênis. Ela o tomou em sua boca, e ele resistiu a ela, gemendo
com o calor e a pressão. Ela o segurou pela raiz enquanto o trabalhava para
cima e para baixo, enquanto a língua deslizava pela coroa. A outra mão
segurou seus testículos, e ele praguejou quando ela os levou para sua boca.
Quando ele gozou, ele o fez em ondas, e ele se sentiu como um fantoche,
preso a cordas, seu corpo pesado com o orgasmo.
Depois, ela se afastou, e ele sentiu falta de seu calor.
— É uma tortura? — desafiou ela, algo parecido com o mal nos olhos, e
ele teve o pensamento fugaz de que talvez ela devesse atribuir tortura no
Tártaro. — Receber prazer de mim, e não dar em troca?
Essa é a vingança dela, ele percebeu. É por isso que sua magia funcionara
tão bem.
Ela se despiu e ficou nua diante dele. Ela era a perfeição – lindamente
esculpida com seios grandes e quadris largos. Ela era tudo o que ele nunca
soube que queria e vê-la assim o deixou ainda mais desesperado para se
soltar. Ele queria colocar as mãos em cada centímetro da pele dela.
— O que você quer, Hades?
A pergunta rugiu através dele, e as vinhas que o continham finalmente se
partiram e Hades desceu sobre ela, um predador buscando sua presa. Ele a
ergueu com facilidade e a trouxe para cima de seu pênis. Ele se sentiu
violento e selvagem quando alavancou o corpo dela na parede de pedra
irregular, batendo nela. Perséfone respondeu com a mesma ferocidade,
cravando os calcanhares em suas nádegas e as unhas arranhando suas costas.
O sexo dela se apertou ao redor dele, e o orgasmo da deusa o persuadiu a
gozar.
Quando ele terminou, não conseguiu mais se segurar e se ajoelhou no
chão, segurando Perséfone. Enquanto recuperavam o fôlego, sua deusa se
afastou, encontrando seu olhar, os olhos tão ferozes quanto antes do sexo.
— Você não vai usar sexo para conseguir o que quer, entendeu?
Um sorriso curvou as bordas de seus lábios quando ele respondeu. — Sim,
minha rainha, mas eu vou dizer o que eu quero: uma resposta quando eu
pedir.
— Você não confia em mim?
— Eu poderia perguntar o mesmo para você.
Ele não achava que se tratava de confiança no final: ele acreditava que ela
não respondera por estar com medo. Do quê, ele não tinha certeza. Talvez
julgamento?
Perséfone desviou o olhar.
— Não é tão fácil responder.
Suas sobrancelhas se juntaram quando ele perguntou: — Por quê?
Ela ficou quieta, e Hades tocou o queixo dela, atraindo os olhos de volta
para os dele. — Está com vergonha?
Ela suspirou. Demorou um pouco e então disse:
— Fiquei com raiva e fui precipitada, mas ela questionou meu poder e
pensei em ensiná-la como eu era poderosa.
Não o surpreendeu que Minta tivesse levado Perséfone a esse ponto.
— Se você não a tivesse punido, eu o teria feito por levá-la ao Tártaro.
Ele havia presumido desde o início que foi Minta quem incentivou
Perséfone a vagar pelo Tártaro, levando ao seu infeliz encontro com Tântalo.
Perséfone olhou para ele, surpresa.
— Você sabia!
— Eu suspeitava — disse ele e então sorriu. — Você acabou de confirmar.
Ela deu um tapa no braço dele. — Você me manipulou!
Hades riu e beijou seu nariz antes de ficar sério novamente. — Ainda
assim, por que protegê-la quando ela a colocou em perigo?
— Eu não a estava protegendo… Estava lidando com ela sozinha. Não
quero que você lute minhas batalhas, Hades.
— Minha senhora, está muito claro para mim que você não precisa da
minha ajuda para travar suas batalhas.
Especialmente se ela ficasse com raiva o suficiente – ainda assim, isso era
algo que eles precisariam trabalhar. Perséfone precisa ser capaz de invocar
seu poder mesmo quando está calma.
Eles se vestiram e, com as aparências restauradas, Hades estalou os dedos,
convocando Minta, a Hortelã, de onde a deixaram em seu escritório na
Nevernight.
— Agora, o que devemos fazer com ela?
— Eu não a perdoei completamente — admitiu Perséfone. — Mas eu
gostaria de fornecer a ela pelo menos um conforto, o de ser devolvida ao
Submundo.
Ela era muito mais gentil do que ele. Hades escolheu privá-la desse
conforto depois da abominável traição. Ainda assim, se era isso que sua
deusa queria, ele concordaria. Embora, ao observar algumas folhas murchas,
ele disse: — Isso é porque você a negligenciou no Mundo Superior?
— Não! — Perséfone bufou.
Hades riu.
— Se você quer saber, eu passo mais tempo aqui de qualquer maneira, o
que significa que Lexa é responsável por dar água a ela e isso não parece
justo. Além disso… prefiro não ser responsável pela morte dela.
Hades, ainda sorrindo, beijou o topo da cabeça dela. — Como quiser,
querida.
Juntos, eles transplantaram Minta para o solo do Submundo.
Depois, foram passear. Hades guiou sua caminhada – passando pelos
Campos de Asfódelos em direção a uma parte do Submundo que ele criara
especialmente para Perséfone. Um arrepio de excitação o percorreu com o
pensamento de revelar esta parte de seu reino para ela. Era uma sensação à
qual ele estava se acostumando à medida que a experimentava cada vez mais.
Seus dedos estavam entrelaçados, e o ar estava quente, e Hades teve prazer
nessa paz.
— Hades. — Ele ouviu a hesitação na voz enquanto ela falava. — Eu
gostaria de pedir que você não me chame de minha…
— Senhora?
— Rainha — corrigiu ela.
Ele parou e se virou para ela. Ele não ficou surpreso com o pedido dela,
pois ela o fazia desde que se conheceram. Ainda assim, ele usaria o mesmo
argumento. Perséfone era uma deusa – seu título era lady, e quando eles se
casassem, seu título seria rainha.
Ela explicou rapidamente. — Eu reconheço que você falou em um
momento de paixão…
Ele havia falado em um momento de paixão, mas isso não significava que
as palavras não fossem sinceras.
— Eu fui sincero — disse ele. — Você é minha rainha. Só você tem
domínio sobre mim.
— Hades…
— Por que você tem medo? Do título?
— Não é medo, é… — Ela foi reticente, não conseguindo achar as
palavras. — Seu povo já me chama de rainha, você não acha que é um
pouco… muito cedo?
— Então é medo — disse ele. — Medo de que não funcionemos como um
casal.
Talvez não fosse tanto medo de que eles não dessem certo tanto quanto
alguém os separando – uma possibilidade real, já que as Moiras
desvendariam seu futuro, ou que Deméter continuaria a se enfurecer com eles
– para não mencionar quando Zeus descobriu a Divindade de Perséfone, uma
inevitabilidade, ele estava certo de que os Olimpianos teriam suas opiniões.
— Meu povo sempre a verá como sua rainha por causa da maneira como
você os tratou, quer você decida me amar ou não. Quanto a mim, bem, você
sempre mandará no meu coração.
— Você não sabe disso — sussurrou ela.
Você não sabe o que há no meu coração, ele queria dizer.
— Esperei muitas vidas por você — disse ele ferozmente. — Eu sei.
Ele se virou para ela então, seus dedos se desenroscando. Ele não gostou
do vazio, pois o lembrou do mesmo vazio que sentiu ao longo dos tempos,
uma dor oca, que queria preencher com desejo, paixão e amor.
O que seria necessário para ela confiar que funcionariam?
Ela tem fardos como você, ele lembrou a si mesmo, e a coisa sobre fardos
é que não havia nenhum maior ou mais pesado: simplesmente existiam.
Depois de algum tempo caminhando em silêncio, eles chegaram à beira de
um penhasco. A seus pés, hectares de árvores prateadas floresciam sob um
céu escuro e estrelado.
— É lindo — disse Perséfone.
Hades olhou para ela e falou:
— Estou feliz que você pense assim, porque é seu. Bem-vindo ao Bosque
de Perséfone.
Os olhos de Perséfone se arregalaram e ela olhou para ele.
— Mas…
— Achei que você gostaria de ter um lugar só para você – um lugar para
praticar sua magia. Um lugar que não… lembrasse você do nosso início.
Ele sentiu a vergonha inundar o corpo dela com a lembrança de como ele a
marcou. Olhando para trás, havia uma maneira melhor de persuadir o poder
dela a se concretizar, mas ele tomou sua decisão de um lugar de medo e as
consequências foram dolorosas.
Ele ficou surpreso quando Perséfone tocou seu rosto e disse: — Hades, eu
amo nosso começo.
Ele não acreditou nela, e sua expressão era irônica.
Então ela explicou:
— É verdade que nem sempre amei, mas nunca poderia odiar nada que me
trouxesse até você.
Ele cobriu a mão dela com a sua e pressionou os lábios na palma da mão
antes de puxá-la para perto e se maravilhar com a presença dela, com o
quanto ela era bonita, quente e sólida. Então ele a beijou, e ao contrário de
seus outros beijos, este foi gentil, doce e lento: uma exploração saborosa de
sua boca e suas línguas e seu gosto.
Quando ele se afastou, Perséfone estava sem fôlego, seu corpo aquecido
sob suas mãos, seus olhos acesos de desejo. Era a primeira vez que ele sabia
que estava certo em conceder a Teseu seu favor, não importando as
consequências, porque isso significava que essa mulher estaria ao seu lado
pelo resto de sua vida eterna – e ela era poder; poder bruto e terrível – não
apenas pelo que ela logo seria capaz, mas pelo que ela inspirou dentro dele.
— Você será minha rainha — jurou ele para a lua e as estrelas e o céu, e
para todos os deuses que haviam vivido e morrido. — Eu não preciso que as
Moiras me digam isso.
BÔNUS II – COMPAIXÃO

Hades apareceu na calçada do lado de fora de um bar chamado Tique, que


embora não fosse de propriedade da deusa de mesmo nome, era conhecido
pela música local ao vivo. Era também onde Orfeu tocava, e quando Hades se
manifestou ali, ele o fez na frente do mortal.
Orfeu parou, arregalando os olhos para Hades, vestido com uma camisa de
flanela vermelha e preta e jeans, o violão pendurado nas costas, a alça no
peito.
Nenhum dos dois disse nada por um instante, e então Orfeu falou:
— Está aqui para me matar?
Hades apenas olhou, descascando camada após camada da alma de Orfeu,
e sob a dor e o desejo e o amor, ele finalmente encontrou o que estava
procurando – a culpa. Era um peso para o mortal, mantinha algemas em torno
dos pulsos e tornozelos, mantinha-o submerso na água, incapaz de respirar,
incapaz de abrir os olhos, incapaz de viver.
— Sua alma está curvada pela culpa — disse Hades. — Por quê?
Ele tinha visto isso em homens e mulheres que haviam traído, ou mentido,
ou mantido segredos dos parceiros, e Hades não conseguia entender por que
eles imploravam a ele para retribuir seu amor se era assim que eles os
tratavam enquanto viviam –, mas a culpa de Orfeu não era a mesma, e
incomodava Hades que ele não pudesse ver a raiz dela, então ele veio
perguntar.
O homem mortal olhou fixamente para Hades, seus olhos lacrimejando.
Então, ele olhou para seus pés e disse. — Não sei. Eu só sinto… culpa por
não ter dito a Eurídice que eu a amava mais vezes, por não ter passado mais
tempo com ela. Sinto-me culpado por viver – não apenas por existir, mas por
fazer coisas cotidianas como assistir televisão ou sair com os amigos. Eu me
sinto culpado por sorrir ou rir ou sentir qualquer coisa além de tristeza em sua
ausência.
Enquanto ele falava, seus olhos brilhantes se encheram de lágrimas, que
escorreram por seu rosto.
— Sinto-me culpado por tudo.
A vergonha desceu, sentando-se pesadamente nos ombros de Hades. Ele
estava errado sobre este homem. Presumira que a culpa de Orfeu era porque
havia traído sua esposa; nunca havia considerado que sentiria tal emoção
porque ela não vivia mais.
Hades sabia o que era se sentir culpado, mas ele não conhecia essa culpa –
nem jamais conheceria. Ele e Perséfone eram imortais, e apesar de não
estarem juntos no momento, Hades não queria imaginar como seria continuar
existindo sem ela no mundo.
Hades colocou a mão no ombro do mortal, e ficou surpreso quando ele não
se assustou.
— Venha, tenho algo para lhe mostrar.
As sobrancelhas de Orfeu se juntaram, mas depois de um momento, ele
assentiu. Hades se perguntou por que esse homem estava tão confortável
perto dele – ou era que ele não conseguia se importar? Seja qual for o motivo,
Hades desapareceu com o mortal.
Eles apareceram em Asfódelo, no prado onde as almas construíram casas,
plantaram jardins e montaram lojas. Hoje, como na maioria dos fins de
semana, estavam se preparando para um festival. Bandeiras coloridas
penduradas entre as casas, crianças correndo com cestas cheias de flores,
jogando-as na estrada, e o cheiro de doces exalava das janelas abertas
enquanto preparavam a comida para a noite.
— Onde estamos? — perguntou Orfeu.
— Este é o Submundo — disse Hades. — Asfódelo.
Orfeu encontrou o olhar de Hades, os olhos arregalados.
— Mas é… — A voz dele sumiu, e um sorriso tocou os lábios de Hades.
Ele sabia o que o mortal diria – não era o que ele esperava. Não era o que
ninguém esperava.
— Por que me trazer aqui? — perguntou ele depois de um tempo.
— Você pediu para tomar o lugar de Eurídice — disse ele.
— Sim — ofegou o mortal, e Hades sentiu sua esperança aumentar. Não
era algo que ele realmente esperava. Ele pensou que, quando confrontado
com isso, o mortal poderia se retratar, mas não o fez.
— Não consigo conceder esse desejo. Mas posso oferecer outra coisa.
Havia pensado muito sobre Orfeu, sobre as maneiras que ele poderia tê-lo
ajudado. Ouviu as palavras de Perséfone em sua cabeça agora e se lembrou
da frustração dela: Teria sido abrir mão de seu controle oferecer a ele pelo
menos um vislumbre de sua esposa, segura e feliz no Submundo?
Faria melhor.
— Darei uma noite — disse Hades. — Use bem seu tempo, mortal.
— Orfeu? — O nome escapou da boca de uma bela jovem. Seu cabelo era
grosso, preto e ondulado, sua pele de um rico marrom. A combinação fez
seus olhos parecerem fogo verde, e seus lábios tão vermelhos quanto uma
rosa imperial. Ela era vibrante e cheia de vida, mesmo na morte.
— Eurídice.
Eles correram um para o outro e se abraçaram, e quando seus lábios se
encontraram, Hades se virou. A cena apenas o lembrou do que ele não tinha
mais, e seu estômago se apertou com a solidão.
Sentia falta de Perséfone.
Sentia falta de beijá-la e saboreá-la e fodê-la. Sentia falta de seus gemidos
ofegantes e sua voz e sua risada. Sentia falta de sentir a presença dela no
Submundo, ele sentia falta de ouvir as almas falarem sobre como ela veio
visitá-los, tomou chá com eles, dançou com eles. Sentia falta de não ser capaz
de convencer Cérbero, Tifão, Ortros a brincar de buscar porque eles queriam
trotar atrás dela. Sentia falta de cheirá-la, e sabia que era apenas uma questão
de tempo antes que o cheiro dela não ficasse mais em seus lençóis.
Sentia falta de tudo relacionado a ela.
— Meu senhor.
Hades parou ao ouvir Orfeu, virando-se para ele.
— Obrigado. Vou contar a todos os que ouvirem sobre sua bondade.
Hades virou-se totalmente para o homem:
— Não fale da minha bondade; fale da bondade de Perséfone. É ela que
merece sua adoração, pois foi ela quem me fez mudar de ideia.
Os olhos de Orfeu se arregalaram um pouco, e Eurídice colocou a mão no
rosto dele, guiando o olhar de volta para ela enquanto eles se beijavam
novamente.
Hades partiu, retornando ao seu palácio – e embora se sentisse vazio sem
Perséfone, ele estava contente em saber que depois desta noite, Orfeu
começaria a espalhar pela terra o culto a sua deusa.
AGRADECIMENTO

Sinceramente, espero que você tenha gostado de ler este livro tanto quanto
gostei de escrevê-lo. Se você fez isso, eu agradeceria uma breve resenha na
Amazon ou no seu site sobre livros favorito. Resenhas são cruciais para
qualquer autor, e mesmo uma ou duas linhas podem fazer uma grande
diferença.
NOTA DA AUTORA

Um jogo do destino é um livro para meus leitores. Quando comecei a


escrever Um toque de escuridão, sabia que estava escrevendo a história de
Perséfone e não poderia ser de outra forma. Na verdade, eu pensei que o
ponto de vista de Hades seria muito difícil de explorar – ele não era de falar
muito e várias vezes dava respostas monossilábicas quando questionado.
Parece loucura, mas é assim que escrevo. Conto a história que me contam.
Enquanto eu me sentava com essa ideia de escrever UTDE do ponto de vista
de Hades e lia mais como os Olimpianos chegaram ao poder, comecei a
entender algo sobre nosso amado Deus dos Mortos: ele nasceu em uma
guerra de dez anos. Por alguma razão, esse conhecimento realmente me
atingiu. Comecei a entender por que Hades se sentia tão sombrio, porque ele
era tão quieto, porque estava tão impaciente e ansioso por controle e, enfim,
fiz meu caminho através de Um jogo do destino.
Muito obrigada, leitores – sem vocês, este livro não existiria!

Tal como acontece com todos os meus livros, eu me inspirei em uma


variedade de mitos e quero entrar nesses detalhes agora.
Claro, o maior mito que exploro neste livro é o de Sísifo (de Éfira em meu
livro, outro nome para Corinto), o Rei de Corinto que enganou a morte duas
vezes. Existem algumas variações deste mito, mas os pontos principais são
que a primeira vez que Sísifo enganou a morte, ele prendeu Tânatos com
correntes (o que é tão ridículo, mas esta é uma história absurda, então fique
comigo) e escapou do Submundo (viu de onde tirei a ideia da corrente?).
Como resultado, ninguém morreu porque Tânatos não era livre para ceifar
almas – e adivinhe quem ficou bravo? Ares. Então, Ares libertou Tânatos.
Então, Sísifo viveu um pouco e morreu de novo e desta vez, fez um apelo a
Perséfone – será que ele poderia retornar aos vivos e instruir sua esposa sobre
como enterrá-lo adequadamente? Veja, antes de sua morte, Sísifo havia
aconselhado sua esposa a NÃO o enterrar. Esse cara apenas não queria
morrer. Claro, a compassiva Perséfone concorda. Depois disso, Sísifo viveu
até a velhice (porque… pelo visto Hades… ninguém… se importava de
verdade que ele tivesse escapado do Submundo???), e quando ele morreu de
novo, ele foi condenado a rolar uma pedra colina acima apenas para fazê-lo
rolar de volta para baixo quando ele chegasse ao topo, o que não parece uma
punição tão horrível. Quero dizer, literalmente outras pessoas têm seus
fígados comidos por abutres todos os dias. Mas, é muito apropriado para
Sísifo porque ele foi, no fundo, sentenciado a lutar pela eternidade – para
obter sucesso apenas para vê-lo se desenrolar diante de seus olhos. Se você
pensar nisso o suficiente (não pense), verá que a jornada de Hades reflete
esse mesmo destino… exceto com um resultado positivo.
Algumas outras coisas a serem observadas sobre Sísifo: Ele era conhecido
por violar a Lei de Xênia de Zeus, que era basicamente mostrar hospitalidade
aos convidados (que legal e irônico que essa seja a lei SAGRADA de Zeus).
Sísifo fazia o contrário e matava seus convidados porque é homem e queria
mostrar sua crueldade como rei. Também falo sobre como Sísifo ajudou a
proteger a neta de Poseidon de Zeus. Esta é uma brincadeira com um mito
semelhante, no qual Sísifo conta ao deus do rio, Asopo, onde Zeus levou sua
filha, Egina, depois que ele a sequestrou. Em alguns mitos, Asopo é filho de
Poseidon. Em primeira instância, Sísifo incorreu na ira de Zeus. Quanto ao
segundo, Zeus ordenou a Tânatos que acorrentasse Sísifo no Tártaro… e
todos sabemos o que aconteceu a seguir.
Você também notará a introdução de Hélio, Deus do Sol. Faço referência a
vários mitos com ele. Um foi a morte de seu filho, Faetonte, que pediu para
dirigir a carruagem de Hélio, perdeu o controle e teve que ser morto por Zeus
antes de incendiar o mundo inteiro. O outro mito a que me refiro é o gado
sagrado de Hélio. O gado aparece algumas vezes na mitologia – uma vez
quando foram roubados pelo gigante Alcioneu e quando foram mortos pelos
homens de Odisseu. Nas duas vezes, Hélio se vingou, mas algo que notei é
que ele sempre se vinga através de outras pessoas. Por exemplo, no caso de
Alcioneu, Hércules é quem derrotou o gigante e no caso de Odisseu, Zeus
ajudou Hélio afundando o navio do rei, então quando se trata de Hélio estar
com raiva de Hades, ele pede ajuda a Zeus primeiro. Embora eu não faça
referência direta a isso, em minha mente, Hélio também contou a Deméter
quando Hades estava na cama com Perséfone. Eu acho que há ironia no fato
de que Hélio consistentemente NÃO mostrou seu poder – o pior que ele fez
foi ameaçar levar o sol para o Submundo (na mitologia) e mergulhar o mundo
na escuridão (no meu livro).
A seguir, Adônis. Na mitologia, Adônis era um belo mortal que Afrodite
encontrou quando criança. A Deusa do Amor pede a Perséfone para criá-lo.
Afrodite retorna quando Adônis está crescido, mas Perséfone se recusa a
devolvê-lo porque se apaixonou por ele. Agora, gosto de pensar que talvez
Afrodite estivesse romanticamente apaixonada e Perséfone visse Adônis
como um filho, mas o mito sugere que ambas estão apaixonadas por Adônis
(eca). De qualquer forma, Zeus se envolveu e declarou que Adônis tinha que
passar um terço do ano com Perséfone, depois com Afrodite, e no terço
restante, ele podia escolher (não sei por que Zeus está resolvendo esses
acordos de custódia dividindo o ano, mas tanto faz). De qualquer forma,
Adônis escolhe passar o terço restante com Afrodite. No final, Adônis foi
morto por um javali (quem sabe, talvez Sephy o tenha enviado). Quando ele
morre nos braços de Afrodite, as lágrimas dela se misturam com o sangue
dele, criando a flor anêmona. Claro, em meus livros, eu não podia aceitar que
Perséfone amaria qualquer outra pessoa além de Hades, então eu queria que
Adônis fosse uma espécie de vilão – e nós sabemos como isso acabou.
Não vou entrar em muitos detalhes sobre Afrodite e Hefesto, pois eles
terão seu próprio livro assim que a Saga Hades x Perséfone terminar, mas
devo dizer que acho Hefesto um deus intrigante – quero dizer, ele criou
algumas armas bem poderosas e uma HUMANA (Pandora). Eu me diverti
muito imaginando como ele/seus interesses iriam evoluir com o mundo
moderno e mal posso esperar até que ele e Afrodite tenham seu próprio livro!
Finalmente, quero apenas dizer uma palavra sobre Hermes. Eu estava tão
animada para brincar com seu título de Deus dos Ladrões. Caso você não
saiba, o título de Hermes vem do fato de que ele roubou o gado sagrado de
Apolo (eu sei, ele e Hélio têm um gado sagrado, mas é provável porque esses
dois deuses às vezes são considerados um só). De qualquer forma, eu
mencionei que Hermes era um BEBÊ quando fez isso? Ele literalmente
nasceu e no dia seguinte roubou esse gado PORQUE ESTAVA COM FOME.
É óbvio que Apollo não fica feliz, e confronta o bebê Hermes. Os dois
acabam se reconciliando (por causa de Zeus) e Hermes dá a Apolo uma lira e
Apolo dá a Hermes seu caduceu de ouro. Fim.

Obrigada por vir ao meu TED Talk! Espero que todos tenham gostado de
Um jogo do destino. Estou tão agradecida por seu apoio. Significa o mundo
para mim. Não se esqueça de deixar um comentário e dizer a todos os seus
amigos como eu sou incrível para que possamos ter uma série da Netflix um
dia!

Com amor,
Scarlett
SOBRE A AUTORA

Scarlett St. Clair mora com o marido em Oklahoma. Ela tem um mestrado em
Biblioteconomia e Estudos da Informação. Ela é obcecada por mitologia
grega, mistérios de assassinato, amor e vida após a morte. Se você é
obcecado por essas coisas, vai gostar dos livros dela.

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