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Edição Especial | Novembro

Identidades de 2014
Coletivas e Conflitos Territoriais no Sul do Brasil
1
Boletim
Informativo Identidades Coletivas e Conflitos Territoriais no Sul do Brasil
2
-50.064
Djaikwaa Pa Nhandereko / Nosso lar nós conhecemos

TEKOA GUARANI NHANDEWA


- TERRA INDÍGENA
PINHALZINHO, PARANÁ
Mitãngwé TIP, 12/12/2013

Noite religiosa Casa de Reza Oy Guatsu, 12/12/2013.

Oficina de Mapas, 24/10/2013.

O sentido dessa Cartografia é assegurar o direito do território indígena que foi modifi-
cado através dos tempos, ao se relacionar com o não índio. É preciso dessas ferramen-
tas para derrubar o preconceito do homem branco com relação ao índio” (Reginaldo
Alves Nimboadju, 38 – Liderança Guarani Nhandeva, TI Pinhalzinho).
MAPEAMENTO SOCIAL DO POVO GUARANI NHANDEVA DA TERRA INDÍGENA P
Identidades Coletivas e Conflitos Territoriais no Sul do Brasil
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“Em outubro de 2012, na ocasião da reunião de avaliação da 2° Feira de Sementes Indígenas realizada na Terra
Indígena de Pinhalzinho, lideranças indígenas do Povo Guarani do Norte Pioneiro do Paraná, solicitaram por
carta dirigida ao IFPR a realização da Cartografia Social em suas Terras. Naquele momento o objetivo das li-
deranças indicava a necessidade de obter informações cartográficas para o planejamento da Gestão Territorial
daquelas Terras Indígenas.”

Carta de Solicitação da cartografia social. Abaixo-assinado da comunidade

Catalogação na Fonte
Boletim Informativo Identidades Coletivas e Conflitos Sociais no Sul do Brasil - Djaikwaa pa nhandereko / Nosso lar nós conhecemos.
Projeto de Extensão Mapeamento Social das Terras Indígenas Guarani.
Coordenação: Prof. Roberto Martins de Souza - Paranaguá/IFPR, 2014. 16p. il

Anual
ISSN 2318-7506
1. Conflitos Sociais - Sul do Brasil - Periódicos. I. Projeto de Extensão Mapeamento Social das Terras Indígenas Guarani. II.
Souza, Roberto Martins de.

Expediente
Coordenação da Cartografia TIP: Comunidade Terra Indígena Pinhalzinho - Cacique Guarani Nhandewa Sebastião Alves Mimbydju.
Coordenação Técnica do Projeto na TIP: Prof. Roberto Martins de Souza – IFPR
Agentes de Pesquisa: Taniana Alves, Vicentina Alves, Samuel Alves de Carvalho, Oscarino Gabriel, Bento Albino Gabriel Filho, Marcito
de Paula, Talison Alves, Lourival Lourenço Junior, Marcelo Damasio, Euclides Ribeiro, Sandro Carvalho, Salatiel Alves, Reginaldo Alves
Nimboadju e Kauã Alves, Sergio Lourenço, Sebastião Alves, Miriane Alves, José da Silva, Claudenise Alves, Jeferson Gabriel e Rodrigo
Graça, Adilson Ribeiro da Silva.
Colaboração: Ceusnei Simão, Rodrigo Graça, Norberto Takumidoi, Dalva Aparecida de Souza Silva e Maria Célia da Silva, Paulo Góis.
Fotografia: Roberto Martins de Souza, Reginaldo Alves, Lourival Lourenço Junior, Rodrigo Graça, Norberto Takumidoi, Leticia Ayumi,
Luciana Maestro Borges e Acervo TIP.
Cartografia: Leticia Ayumi Duarte e Marcelo Varella
Diagramação: Murilo Canário
Identidades Coletivas e Conflitos Territoriais no Sul do Brasil
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Rodrigo Graça

Em pé: Taniana Alves, Vicentina Sales, Samuel Alves de Carvalho, Roberto Martins de Souza, Oscalino Gabriel, Bento Albino Gabriel Filho, Marcito de Paula, Talison
Alves, Lourival Lourenço Junior, Marcelo Damasio, Euclides Ribeiro. Abaixados: Sandro Carvalho, Salatiel Alves, Reginaldo Alves Nimboadju e Kauã Alves.

Em outubro de 2012, na ocasião da reunião de ava- de fortalecimento e afirmação da identidade Gua-


liação da 2° Feira de Sementes Indígenas realizada rani Nhandewa.
na Terra Indígena de Pinhalzinho, lideranças indí- Importa ressaltar também nesse processo o es-
genas do Povo Guarani do Norte Pioneiro do Paraná, tímulo ao retorno do debate da categoria território
solicitaram por carta dirigida ao IFPR a realização tradicionalmente ocupado, silenciado por mais de
da Cartografia Social em suas Terras. Naquele mo- 20 anos de luta pelo desintrusamento de posseiros
mento o objetivo das lideranças indicava a neces- em cerca da metade da área demarcada pela Funai,
sidade de obter informações cartográficas para o em 1985. Impulsionados pelo exercício da memória
planejamento da Gestão Territorial daquelas Terras coletiva consoante ao mapeamento, as lideranças
Indígenas, apoiado pelo Projeto Básico Ambiental mais antigas recuperaram acontecimentos contex-
– PBA. Após decisão das lideranças regionais ini- tualizando-os a conflitos sociais, referidos a lugares
ciou-se, em outubro de 2013, mapeamento social e usos da terra pelo grupo local, especificando com
da TI Pinhalzinho. precisão sua periodização e os agentes envolvidos.
Nesse percurso, que alcançou um ano de atividades Essa maneira de explicar mudanças nas práticas
foram realizadas 5 oficinas de mapas na TI Pinhal- sociais associada a diminuição do território demar-
zinho coordenadas pelas lideranças locais com o cado, rompe o silêncio sobre as formas de resistên-
engajamento dos membros da comunidade, da As- cia e luta pelas áreas tradicionalmente ocupadas
sociação e da Escola Indígena, nas diversas ativi- pelos Guarani Nhandewa de Pinhalzinho na região
dades de mapeamento: registro de fotos; registro Norte Pioneiro do Paraná, excluídas de seu domínio
e pesquisa de narrativas; coleta de pontos de GPS; pelo processo autoritário de demarcação ocorrido
elaboração de croquis e legendas e construção de no passado.
mapas. Nesse sentido, fazer o mapeamento social auxilia a
Destacou-se na produção do mapa o interesse e pensar a Gestão Territorial desde a luta pela Tekoa,
participação das crianças - Mitãgwe -, em especial, ou seja, como espaço de vida de um projeto Guara-
na criação e espacialização das legendas, o que ni. Para tanto, não basta usar apenas as técnicas
levou a abertura de duas páginas dedicadas as brin- e a racionalidade produtiva dos brancos para afir-
cadeiras e armadilhas indígenas presentes ativa- mar sua cultura, é preciso sim, do reconhecimento
mente na transmissão de conhecimentos culturais, e efetivação de seus direitos como condição para
praticado pelas lideranças – sobretudo, pelo Caci- emancipação social.
que -, bem como pela Direção da Escola Indígena e
professores, atividades entendidas como estratégia Coordenação Técnica do Boletim
Identidades Coletivas e Conflitos Territoriais no Sul do Brasil
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A Guerra Cotidiana do Povo Guarani no Paraná.
Arquivo TIP

Roberto Martins de Souza

Roberto Martins de Souza


Professora Silvana Mimbi Mulheres na casa de reza, 2013 Mitãgwe Guarani, 2013

Este Boletim, intitulado Djakwaa pa Nhandereko: Gua- índio’, ou seja o latifúndio é obra exclusiva dos brancos”.
rani Nhandeva na Terra Indígena de Pinhalzinho – TIP, Segundo dados da Comissão pró-Índio (CPI-SP, 2012),
apresenta o ponto de vista a partir de narrativas do Povo no Paraná o Povo Guarani vive em 25 terras indígenas,
Guarani na luta, defesa e fortalecimento de sua tradição localizadas em diversas regiões do estado, desde o lito-
na Terra Indígena Pinhalzinho, não obstante expressa ral até o extremo oeste, na fronteira com o Paraguai e
um cenário da situação do Povo Guarani no Sul do Brasil. Argentina. Algumas dessas terras são de ocupação ex-
Nele o foco da discussão é a resistência indígena à domi- clusiva dos Guarani, outras são habitadas também pelos
nação, provocados pela histórica expansão da pecuária Kaingang. Apenas dez terras com presença Guarani no
e da agricultura sobre suas terras, do intrusamento de Paraná encontram-se demarcadas e o fato de estarem
posseiros e fazendeiros e, recentemente o avanço de regularizadas não significa que estejam sejam situações
monocultivos de madeira e commodities agrícolas, livres de problemas. Muitas dessas terras são diminutas,
capítulos de uma história que omite e insiste em negar com poucas condições para a reprodução física e social
a versão dos próprios indígenas sobre suas lutas pelo dos grupos.
reconhecimento de sua cultura, território e identidade, Os Guarani no Paraná têm se organizado para reivindi-
num contexto de recorrente colonialismo. car a devida regularização de seus territórios. A luta pela
No embate de resistência contra a ideologia dominante reivindicação levou a criação, em 2009, da Comissão
sobressai a imagem estereotipada dos indígenas no Bra- Nacional de Terras Guarani Yvy Rupá. Em carta de 17 de
sil como uma produção cultural, aquela que pressupõe a julho de 2009, a Comissão faz reivindicações ao presi-
cultura indígena como única ou congelada. Que basica- dente da Funai sobre a situação de centenas de Guara-
mente é o sentido de tentar roubar aos índios sua própria ni ainda desterritorializados no Paraná: Terra Aldeia do
imagem para desautorizar-lhes a sua indianidade. Isso é Ocoy; Terra Indígena Rio Tapera; Terra Indígena Palmital
usado muito fortemente em nossa história para constru- e Terra Indígena Posto Velho.
ir uma falsa ideia de unidade nacional interessada em Outro contingente localiza-se em terras indígenas com
omitir as diferentes culturas, histórias e povos. alta densidade populacional, portanto com grande
Gradativamente as lutas promovidas pelas organizações pressão sobre os recursos naturais, ou terras degra-
indígenas foram superando a perspectiva da hegemoni- dadas pelos intrusos, sejam fazendeiros ou posseiros.
zação cultural, do integracionismo político e fortalecen- Ainda que esses povos interajam de modo específico
do, entre outros aspectos, a perspectiva da afirmação com o ambiente, mediante seus conhecimentos tradi-
identitária, da conquista de direitos e do reconhecimen- cionais de manejo sobre diversos produtos da biodiver-
to da necessidade do espaço territorial para a sobre- sidade, observa-se nas Tekoa, limites de uso dos recur-
vivência física e cultural enquanto povos. sos, decorrente principalmente da escassez de terras,
Segundo dados do Conselho Indigenista Missionário – da invasão de tecnologias inapropriadas e ausência de
CIMI (2013), “(...) 13% do território nacional estão de- processos de formação e qualificação profissional em
marcados e homologados como Terras Indígenas. Cerca gestão territorial, numa perspectiva que integre os
de 98% dessas terras estão localizadas na chamada conhecimentos tecnológicos à cultura dos povos
Amazônia Legal. Os que esbravejam contra a quanti- indígenas. Essa passa a ser a pretensão do Boletim ago-
dade de terras constitucionalmente assegurada aos ín- ra apresentado, ou seja, apoiar os processos de gestão
dios esquecem, ou propositalmente ignoram que 46% territorial, de reconhecimento de territórios tradiciona-
das terras agrícolas estão nas mãos de 1% dos grandes lmente ocupados, de qualificação da educação básica
proprietários rurais, cerca de 50 mil latifundiários. Nin- indígena e, todas as ações que visem o fortalecimento
guém diz, nesse caso, que ‘há muita terra para pouco das organizações sociais do Povo Guarani.
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A História da luta pela Terra Nhandewa Pinhalzinho
“Na nossa história de lutas foram duas coisas, a per-

Arquivo TIP
sistência e a resistência. Porque quando eles decidiram
retomar dos posseiros, eles persistiram naquilo. Mesmo
diante das ameaças de tiro, eles resistiram aquilo tudo
e não deixaram perder. Era indígena que não sabia ler,
não sabia escrever, mas tinha espírito de guerra. De
vir pro enfrentamento. Acampava aí, trouxeram trator,
e encararam os intrusos daqui com coragem. Subir no
trator e tombar a plantação dos intrusos daqui, que tava
grande. Acho que o que mais marcou o Pinhalzinho foi
essa persistência e resistência nessa luta de retomar
essa terra. Acho assim, uma luta inocente, uma coisa
que depois virou sério. Eles queriam plantar no Pinhal-
zinho porque no Laranjinha [Aldeia Guarani de origem]
era pequeno. Não comportava mais família lá. E o Pi- Grupo de resistência aos posseiros, 1994.
nhalzinho não tinha família, tinha pouquinho, só a tur-
ma do seu Bento lá embaixo. E daí eles tinham intenção perseguição dos cara que queria toma conta de quase
de plantar aqui. Foi aonde começaram a retomar aqui, da metade da Reserva, ele não abria a mão de nada. O
enfrentar os jagunços, enfrentar os posseiros, enfrenta cara era violento. E o pes-
tiro, toma o espaço mesmo. soal do governo pra da força
Começaram a toma aquelas
duas casas cor de rosa. E fi- “Na nossa história de lutas foram duas Não tava junto com a gente
pra gente não era todo dia.
cou nessa aqui. Foi resistên- coisas, a persistência e a resistência. direto, era sofrido. Foi bota-
cia muito grande. E o que Porque quando eles decidiram re- do fogo em alguma casa
fortalecia eles era a fé que de índio, pra não desfrutar
tinham na espiritualidade tomar dos posseiros, eles persistiram daquilo ali. Em vez de traz-
deles. Porque enquanto eles naquilo. Mesmo diante das ameaças er um parente dele ali, o
vinham pra cá pra brigar, pro caboclo pregô fogo. E outro
embate, os mais velhos nos- de tiro, eles resistiram aquilo tudo e sofrimento foi ele ter aca-
sos Txamõis ficavam dentro não deixaram perder” bado com o cemitério. Me-
da Casa de Reza, rezando teu o trator por cima do ce-
durante o tempo que eles mitério e acabou contudo.
estavam aqui, para que nada acontecesse com eles. Virou tudo lavoura, onde os índio antigo foi enterrado.
“(Reginaldo Alves, Nimboadju, 38) Eu não lembro do meu tempo, mas parente de minha
“[História] De sofrimento, de castigo, a gente teve con- mãe tem muitos que foi enterrado ali...” (Bento Alvino
fronto, com índio que morreu. Na época eu era mole- Gabriel Filho, 52)
que, que mataram amigo da gente (Osvaldinho). E as “O conflito com os posseiros foi difícil. Levô vinte anos
a nossa luta. E foi difícil por que o posseiro dava serviço
[trabalho] pros índio. Porque a Funai interveio e não aju-
Luciana Maestro Borges.

dava índio, mas o posseiro dava serviço pro índio, paga-


va por dia. Onde muitas vezes os índios ficava meio com
receio de ir contra eles, por que tinha medo de perder o
serviço algum dia, posseiro pagava pros índios trabalha
pra eles: limpá arroz e feijão. E a maioria das terra era
dos posseiros. Pros índio mesmo era pouquinha terra,
pedacinho de terra, não dava nem pra trabalhá, plantá
quase nada. E a luta começou bem pra cá, pra nós pode
tê tudo essa terra que nós tinha. Foi bastante da par-
te dos posseiros a violência, mas da Funai também. Os
Memorial Sr. Osvaldinho, assassinado pelos posseiros, 1980. posseiros enfrentava nós. Inclusive onde nós mora aqui
Identidades Coletivas e Conflitos Territoriais no Sul do Brasil
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Arquivo TIP

Arquivo TIP
Indígenas: Inês, Oscalino, Laura, Bento e Isaura, 1986. Grupo de resistência aos posseiros, 1994.

era dos posseiros. O sítio deles se chamava Sítio São não acontecer nada pra nós. Ele foi pra lá, e eu fiquei
Paulo. Desde o começo [do Posto de Atração do SPI] sozinha. Se fosse pra acontecer alguma coisa pra meni-
era deles, e pra nós retomar aqui teve luta bastante, na, podia acontecer, porque eu tava só com as crianças.
teve morte. Inclusive ali perto do campo tem a cruz que A irmã do Jango [funcionário do SPI], dona Olímpia,
eles mataram o índio Osvaldinho. Da Funai, no começo, essa que judiava da indinha (Janete). Ela ia na porta de
era que a gente não podia falar a nossa língua Guarani. casa, surtava, falava que a escola era dela, não podia
Porque a Funai tinha medo da nossa arma, nossa língua ficar ali e eu sem reagir. Ela falava pra mim que ia to-
Guarani. Tudo aquilo que nos perdemo. Agarrô dá ces- car fogo na minha casa com as crianças. Eu nunca tive
ta básica, e impedi tudo aquilo que era nosso costume, medo. Eu falei eu vou em frente que daqui ninguém vai
não podia tê. Nossas dança, os passarinho, nossas caça, me tirar. Só pode tirar, se vocês for me matar.” (Claude-
eles não queriam, por isso que eles mesmo arrendava nise Alves, Taquamirim, 53 )
pasto pros branco, eles mesmo ajudavam a acabá com “A violência maior foi quando eles vieram pra demarcar
as nossas mata, nossos remédio, com nossas comida. essa terra. Teve muitas polícia, eles (posseiros) fica-
E o índio pra se índio, pra vam ameaçando de matar
Funai, não podia ter nada. os índios. Até inclusive eles
Tinha que ser muito pobre. “A gente passou mau temporada aqui. vie-rem até aqui com as polí-
Tinha que dormir no chão, A gente sofreu bastante porque causa cia estadual. “(Claudenise
em cima do sapé, não podia Alves, Taquamirim, 53)
ter casa boa. Se tivesse uma que eu tinha os meus filho pequeno e
“Desse tempo pra lá, até 40
casa boa pra eles não era as vezes a gente não tinha nada pra
anos, pra trás, daí é que veio
índio mais. Pro índio tá sem-
pre precisando deles. Essa é comer”.
a demarcação. Os posseiros
é que destruíram tudo [a na-
uma violência que sofremo
tureza]. Foi o branco. Então
também. Se o índio tivesse
nós pegô sem nada. Até os mata não tinha nada. Agora,
uns 3 porco, umas duas vaca de leite, eles procuravam
hoje pra nós construiu é difícil. Só que Só que quem fez
tocar índio contra índio, pra acabar com aquelas vacas,
isso pra nós foi o branco, não foi o índio. Só que desse
aquelas galinha, pra tá sempre pedindo pra Funai, aí pra
tempo pra cá, nós que brigamos com os posseiros pra
eles era índio também.” (Sebastião Alves, Mimbydju, 59)
eles irem embora. Eu briguei com os posseiros. Fui na
“O que foi mais sofrido foi quando que não tinha serviço, casa deles, eles ficou de matar eu. Desse tempo pra cá
nada pra gente. A gente passou mal temporada aqui. A eu fui embora para Bauru [São Paulo], aí voltei. Daí eles
gente sofreu bastante porque causa que eu tinha os foram embora. Três posseiros foram embora. Os que
meus filho pequeno e as vezes a gente não tinha nada moravam nessa casa também. Por que ali tinham uma
pra comer. Não tinha suco, não tinha nada pra dá pra porteira, que ninguém podia passar pra cá, que índio
eles. O que eu fazia: cozinhava batata, arrumava um não podia passar. Então hoje nós temo que construir
pouquinho de leite e dava pra eles comer. Eu mesmo [recursos naturais] tudo de novo.” (Euclides Ribeiro, 48)
quase não comia, mais eu dava tudo pros filho, era tudo
“Tinha até uma indinha que era meia escrava dos pos-
pequenininho.” (Claudenise Alves, Taquamirim, 53)
seiros: a Janete. Naquela casinha de tábua, era uma índia
“Quando nos chegamos aqui (1985) foi as ameaça dos escrava. Ela buscava água todo dia até ela morrer. De tão
posseiros, foi ameaçado, eles ameaçaram eu de morte, boazinha ela morreu quietinha.” (Euclides Ribeiro,48)
por causa da escola. A gente viveu ali, tipo um conflito
“A maioria que passou as dificuldade foi nós. Porque a
com as pessoas que tavam aqui, os posseiros. Nós na
turma do Mato Grosso [Sul] ficou, demarcou a terra e
época, a gente chegou aqui e ele é rezador [marido], a
depois foi embora.” (José da Silva, Djemõwytu, 65)
gente chegou aqui e pedimo tanto pra Nhanderu pra
Identidades Coletivas e Conflitos Territoriais no Sul do Brasil
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Reorganização Social e Cultural do Povo Guarani Nhandewa na TIP
Roberto Martins de Souza

Dois Galhos, área reivindicada, 2013.

“Morei um tempo na aldeia de Laranjinha. Daí nós fo-


Roberto Martins de Souza

mos pra cidade. Ficamos 10 anos morando em Jacare-


zinho. Voltei aqui eu tinha 12 anos e tô aqui até hoje. O
mais difícil pra mim era quando eu morava na cidade,
até que eu gostava, tinha muita coisa. Daí quando eu
voltei pro Pinhalzinho (Aldeia) eu acostumei pra ca-
ramba aqui. Não sabia bem a linguagem, não sabia
quase nada. Aqui eu aprendi com a mentalidade dos
que viviam aqui, que é bem mais complicado mora na
cidade do que na Aldeia. Daí eu estudei um pouco lá
na cidade e vi o preconceito [índios] que era morar lá
na cidade. Até pouco tempo atrás eu não pegava isso
direito. Eu aprendi muito com meu irmão também, Plantação de Milho Palha Roxa, 2013.
quando eu vim pra cá, aprendi a cantá, dançá e falá o
Guarani, com meu tio, minha tia, e com o Reginaldo
que sabe fala bem. Eu acho que viver na Aldeia é muito de reza] em bastante. São bem unido o povo, quando
mais melhor pro jovem, do que morar na cidade, onde precisa fazer alguma coisa eles se unem. A cultura aqui
tem muita coisa como a droga e os conflito.” (Taniana é a reza, é os cânticos, precisava ter mais a cultura da
Alves, Potydju, 24) língua. A língua muitos esquecem, estão esquecen-
do. Sempre foi o problema da nossa cultura, mesmo.
“A união dos homens. Eu acho que são bem unidos. Vão Isso que começou e vai terminar sempre assim. Que
cantá, dançá, vão pra casa grande [Oy Guatsu – casa nós queremo é preservar nossa tradição.” (Claudenise
Alves, Taquamirim, 53)
“Daí lá em cima os governantes não querem mais isso. Pra
Roberto Martins de Souza

nós aqui nós preserva nosso pedacinho. Aqui nos canta,


reza, dança. As crianças brinca, aqui, com seus costume.
Tem o lugar de contar histórias pra eles do passado. De
tudo que passou aqui, quem morreu. O cemitério nosso
que tem aqui em cima, na divisa. A escola que era grande.
Os cacique que passou antes aqui. Tudo esses índios mais
antigo que teve, passou por aqui. Teve uma história aqui.
Passo a contar pra eles. Pois tenho certeza que daqui a
pouco a gente vai morrer, e se não tivé quem conta pra
eles, eles não vão saber nada da história do Pinhalzinho.”
Artesanato Guarani, 2014. (Sebastião Alves, Mimbydju, 59)
Identidades Coletivas e Conflitos Territoriais no Sul do Brasil
8 -23.553
-23.562
-50.088 -50.076

500m
0.005
0
0
500m
0.005 m

MAPEAM

COORDENAÇ
Prof. Roberto Martins

CARTOGRAF
-23.555

Marcelo Cunha V
Letícia Ayumi D

AGENTES DE PES
Reginaldo Alves, Silvana Mum
Daniele, Kauane, Verali Alisson A
Wallace, Raian, Camila, Samar
Sebastião Alves, Vitória, Irecrã,
Adriano, Jonatan, Taniana Alv
Samuel Alves de Carvalho, Osc
Albino Gabriel Filho, Marcito de
Lourival Lourenço Junior, Marce
Ribeiro, Sandro Carvalho, Sal
Lourenço, Miriane Alves, José d
Alves, Jeferson Gabriel e Adils

FONTE DOS DA
Povo Guarani Nhandeva da
-23.590

Pinhalzinho

SISTEMA DE PROJEÇÃ
DATUM: WGS

DATA: Setembro d

Desenvolvido no Software L
1km 0 1km
Chugiak
0.001 0 0.001 km

-50.085 -50.050
Identidades Coletivas e Conflitos Territoriais no Sul do Brasil

-50.064 -50.052
9

MENTO SOCIAL DO POVO GUARANI NHANDEVA DA TERRA INDÍGENA PINHALZINHO

LEGENDAS
ÇÃO Áreas de uso conserv
r aç
rv
Práticas de conservação
s de Souza
Plantio orgânico Porto de areia Mina d'agua
d Mata
FIA Território
Varella Represa de cria de capivaras
reivindicado Festas
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Uso tradicional Território atual
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Criação de
Alves, Bruno, Gabriel, a
animais Conflitos territoriais
ra, Sergio Lourenço, Pomar Área de intrusão Nascentes
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Claudiana, Tainakan, co
contaminadas
ves, Vicentina Alves, Locais tradicionais destruídos Transgênicos
carino Gabriel, Bento
e Paula, Talison Alves, Cemitério
Cem Eucaliptos Nasce
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Identidades Coletivas e Conflitos Territoriais no Sul do Brasil
10
“A cultura, a reza principalmente, e o remédio, que tá
sumindo, tá acabando, ninguém liga, ninguém sabe,
não conhece. E precisava um menino novo, ensina as

Lourival Lourenço Junior


meninas a conhece as planta e os nome pra aumenta
e não acaba essa natureza. Pra hora que for preciso,
que nem vem aqui na casa do Tião, ou senão vai lá em
casa. Pergunta pra que que serve esse remédio, tem
remédio pra doença. Mas precisava conhece.” (José da
Silva, Djemõwytu, 65)
“O cara que entrou lá embaixo [intrusão na Terra Indí-
gena], dos eucalipto, que ameaça. Um indígena bateu Txamõi preparando ritual na Oy Guatsu, 2013
boca com ele. Lá ainda tem um pedaço que tá encren-
cado.” (Reginaldo Alves, Nimboadju, 38) a natureza recupera aquele espaço que eles morava.
“Pra manutenção da cultura é espaço. A primeira coi- Essa mobilidade que fortalece a cultura Guarani. E
sa. A gente não tem um território que comporta o índio hoje o Pinhalzinho não comporta isso. Tá superpovo-
viver da cultura. Porque o índio, ele acredita que Deus ando, mas a dificuldade de manutenção da cultura é
fez a terra, e conforme o tempo que você vai usando isso. E também são os desafios que os jovens têm que
ela, ela cansa. Daí tem que trocar de lugar para que a enfrentar hoje é as concorrência com a internet, com
natureza recupere aquele espaço, e eles mude. O que a a televisão. E que as vezes parece que é muito mais
gente fala, o Tekoa. Os Tekó é onde eles vive, eles plan- atrativo do que a oralidade do mais velho. E isso tam-
ta. E tem o Tekoa que é o território, onde eles podem bém tá sendo um empecilho grande pra manutenção
tá se movimentando dentro. Espaço suficiente onde da cultura. Que eu acho que o trabalho aqui dentro
tem que ser um trabalho de conscientização de novo.
Da importância de ser indígena, da importância de re-
vitalizar o território, revitalizar os costumes, revitalizar
Roberto Martins de Souza

a língua. Eu acho que é um trabalho árduo pra voltá. A


gente fala assim, que não precisa viver da raiz, mas do
tronco a gente tem que viver. E a gente sempre con-
versa com os jovens, com os mais velhos, a gente vê
uma sensível mudança. Não dá pra se contar que tá
sendo uma mudança que você consegue observá. Mas
a gente que tá o dia a dia aqui, consegue percebê essa
Txamõi dirigindo ritual na Oy Guatsu, 2013. sensível mudança, de entende o território, de entende
seu espaço, de entender a importância de ser índio, de
entender a importância da cultura, da língua. Se você
O que é o Nimungarai ? observá hoje, você ainda percebe a manutenção de
uma cultura Nhandewa aqui no Pinhalzinho, enraiza-
da ainda. A primeira coisa é a solidariedade de um aju-
Nimungarai é o momento mais sagrado para o Povo dar o outro quando precisa. E outra tradição também,
Guarani. É onde toda a comunidade se prepara para é não tê visão dos acúmulos de bens, de querer ficar
santificar as sementes de plantas e, também é o rit- rico, de querer ter mais do que o outro. Então isso
ual onde se dá nome o nome Guarani as crianças. faz parte da cultura Nhandewa, que a gente fala
Para que isso aconteça nosso Txamõi permanece Djopoi. Que dizê, uma reciprocidade entre eles. En-
tão, o Pinhalzinho acho que dá pra perceber isso ain-
em consagração se alimentando de comida natural
da, que ainda existe. As vezes não fala a língua, as ve-
para poder se santificar. zes muitos não conseguem entender a cultura. Mas no
subconsciente deles ele é desse jeito, ele consegue
O que é o Tekoa? vi-ver desse jeito. Então acho que o Pinhalzinho pra
ser Nhandewa hoje vai ter que fortalecer, vai ter que
Tekoa é o território onde os Guarani se movimentam dar visibilidade nessa tradição que eles têm. Fortalecer
para plantar, caçar, criar e viver. Essa mobilidade é esses ponto forte. Mas o Pinhalzinho, ele ainda é um
que fortalece a cultura Guarani. É o espaço sufici- povo Nhandewa. Mesmo com todas as adversidades
que eles enfrenta, com a perda de seu território, eles
ente para viver com a natureza e ela poder se recu- mantem a força Nhandewa no sangue deles.” (Regi-
perar. naldo Alves, Nimboadju, 38)
Identidades Coletivas e Conflitos Territoriais no Sul do Brasil
11
Lutas, Conquistas e Reivindicações

Roberto Martins de Souza


Leticia Ayumi.

Cartaz 2 Feira de Sementes Indígenas, 2012. Escola Indígena Yvy Porã, 11-06-2014. Marco Geodésico na TIP, 17-12-2013.

Lutas e Conquistas de nossa organização.


Roberto Martins de Souza

- Demarcação do Território Indígena Pinhalzinho - TIP


(1985);
- Retomada do Porto de Areia;
- Retirada dos posseiros da TIP;
- Água Tratada, 2000;
- Fim dos arrendamentos de terra na TIP;
- Melhoria da estrutura da Saúde Indígena na TIP (Depois
da ocupação do movimento indígena na FUNASA);
- Construção do Posto de Saúde;
- Estadualização da Escola Indígena (2008);
- Indicação pelas lideranças de Pedagogo e Diretor indí-
genas na Escola;
Cacique Sebastião Alves, Mimbydju - Oficina de Mapas, 16-12-2013 - Realização das Feiras de Sementes Indígenas;
- Proibição e Fim do uso de agrotóxicos e transgênicos na
TIP;
- Criação do PBA nas TI´s da região;
- Parceria com a EMATER (recuperação de nascentes).
Leticia Ayumi.

Reivindicações:
- Corrigir as divisas atuais da TIP;
- Reposição dos Marcos Geodésicos dos limites da TIP;
- Ampliação da TIP para o Território Tradicionalmente
Ocupado;
- Conservação das estradas pelo município;
- Cumprimento da Lei da Educação Indígena (SEED);
Posto de Saúde Indígena, 11-06-2014. - Ampliação da Saúde Indígena (SESAI);
Identidades Coletivas e Conflitos Territoriais no Sul do Brasil
12
As crianças Guarani na TIP
REginaldo Alves

Mitãngwe, 2013.

“Deus daria a terra e a mata pra nos faze um cantinho pra nós ensina as crianças que vem
vindo, conhece a árvore e a planta, sabê pelo nome, sabê por que é bom. Esse pé de árvore é
bom pra essa doença, pra aquilo. Que dizê que precisa, porque todos nós que sabemo sobre
remédio, um dia tenho certeza que vamo fechá os olho, não vamo ficar pra toda vida. E vamos
supor que ensinando elas já vai ficar por dentre essa menina e menino, pra conhce pé de plan-
ta, árvore. Porque a gente acredita em Deus e na natureza.”(José da Silva, Djemõwytu, 65)

Depoimentos das crianças


“Ser criança aqui na Aldeia é muito bom, por menina e menino junto, tudo junto. Qual lugar?
que a gente tem liberdade pra brinca, sem ter A gente gosta de brinca em campo aberto, onde
medo de alguém fazer algum mal pra gente. A tem árvore. A gente também gosta de brinca no
gente tá brincando no nosso território, daí a ‘matinho’ meu vô (Cacique) chama de ‘ terreiro
gente não tem essa preocupação, a gente brinca da floresta’. Lá é aberto, limpo e tem muita ár-
livremente. Algumas brincadeira são diferente, vore ali também.” (Samara, 11)
tipo assim, aqui tem Xondaro, que é uma dança “Os piá gostam mais de fazer armadilhas(...), as
que é um tipo de bata- lha, tipo de treinamento menina também brincam de armadilha (...). Mas
de batalha.” (Jonatan, 15) as menina fazem mais artesanato (...), mas os
“Brincadeira diferente? Só a que a gente inventa. piá também fazem artesanato. Quais as arma-
Tem um monte de coisa. A gente brinca muito, dilhas? Das armadilha que a gente sabe fazer é
tipo ‘pedra ou árvore’ que a gente brinca no ter- Mondel, Quebra-pescoço, Arapuca e Laço.” (Cri-
reirão. Brinca de bola, também. Brinca de ‘roba anças)
bandeira’. Precisa tê um campo bem grande, e “E as histórias da Aldeia? O Cacique sempre
não precisa tê muita coisa, só precisa de uma chama a gente pra conta história. Tem a história
lata.” (Samara, 11) da Janete. Ele conta história da mãe dele, tam-
“A gente brinca mais fora de casa. E brinca bém. “(Irecrã Kauane, 12)
Identidades Coletivas e Conflitos Territoriais no Sul do Brasil
13
Brincadeiras | Armadilhas
As brincadeiras, armadilhas e dança foram descritas por: Samara, Jonatan,
Irecrã, Alisson, Bruno, Tainakan, Gabriel, Marcos Vinícius, Wallace, Vitória,
Raian e Camila.
Mundel:
Armadilha de madeira e gravetos preparada para cercar o carreiro dos bichos.
Faz um cercado no carreiro, em formato de cunha, com uma única saída, onde
coloca um tronco de madeira sustentado por um desarme, situado na parte de
baixo. Ao passar pelo carreiro, o animal encontra o cerco de gravetos e paus,
que o obriga a escapar pela única saída e disparar o desarme, fazendo o
tronco cair sobre sua cabeça. Na TIP o Mundel serve para pegar animais
pequenos e médios em tamanho (javali, capivara e paca).

Arapuca:
Tem o formato de gaiola feita de bambu lascado. Dentro
fica uma “ceva” ou alimento. Um dos lados fica suspenso
por um gatilho que o animal esbarra e desarma, ficando
preso. É utilizada para pegar passarinhos.

Xondaro:
É tipo uma dança. Mas serve para aprender a desviar, também, mas é pra dançar. É quando os meninos são
preparado para ser guerreiro. É que nem uma luta, um treinamento e as vezes até deixa marca no corpo,
quando não consegue desviar.

Laço:
São utilizados dois tipos: o pequeno e o grande. Uma árvore fina é envergada,
e sua ponta é amarrada com um cipó ao chão no formato de um laço coloca-
do em um carreiro onde passam os animais. Ao pisar no laço o animal
desarma o gatilho e é laçado pelo pescoço ou perna. Nessa armadilha
geralmente caem o javali, quati, paca e pássaros.

Quebra-pescoço:
Também chamado de “Mundepi”, é utilizado para caçar
animal pequeno (coelho, quati, lebre e tatu). É construí-
do um cercado pequeno e colocado dentro um “ceva”
ou alimento para atrair esses animais. Ao se alimentar
o animal desarma o gatilho e cai sobre seu pescoço um
tronco.
RArquivo TIP

Reginaldo Alves

Cacique, Sebastião Mimbydju ensinando a preparar Mundepi, 2013 Dança Xondaro, TIP, 2014
Identidades Coletivas e Conflitos Territoriais no Sul do Brasil
14
A importância do Mapeamento Social na TIP
“É bom, por que as vezes alguns nem sabe as terras
que tá perdida por lá. Tem [terra] pra cá, tem pra lá, e
nós tamo nesse meinho aqui. (Oscarino Gabriel, 52)
É importante pras criança, pra eles aprendê bem os
pontos [GPS] certinho. Tipo assim, talvez a gente

Roberto Martins de Souza


não consegue recuperá a área que foi perdida. Mas
lá na frente as criança já tem uma arma pra aprendê
com esse mapa. Já tem o queijo e a faca na mão. O
dia que eles quizé luta pelo aquilo lá, eles tem tudo
isso que a gente tá deixando pra eles.” (Taniana
1 Oficina de Cartografia Social - 24 e 25/10/2013
Alves, Ptydju, 24)
“Porque nós e as criança tão sabendo agora tudo
aquilo que é importante recuperar: as linhas (di- “Esse mapeamento que foi feito agora, é uma coisa
visas), os rios, as matas, muita boa, porque a gente pode resgatar a nossa terra
nossa escola, nossas es- que tá perdida. As vezes a
tradas. Eu mesmo não sa- “Porque nós e as criança tão sabendo gente tem e não tem. Por
bia, agora que eu tô apren- que ela tá lá fora e a gen-
dendo.” ( Sebastião Alves, agora tudo aquilo que é importante te pensa que não tem. Os
Mimbydju, 59) recuperar: as linhas (divisas), os rios, outros que vê fala: não o
índio só tem esse pedaci-
“Pra quem não conhece, as matas, nossa escola, nossas estra- nho. Mas não é. O que tá lá
serve pra aprofundá mais
na parte de remédio, a cul- das.”
fora eles não conta. Daqui
uns tempo essa meninada
tura, na parte de vivência tá tudo aí, crescido, casam.
de cultivo também, a água, a mina dágua. E a área de E daí, só esse pedacinho. Então eu acho que se res-
moradia, que tem horta. E que hoje em dia a maioria gatá esses pedaços, que tá aí, a gente vai tá velhinho,
que come muita verdura, chupa melancia. Usa muito a gente não vai vive muito tempo. Os filho vai ficá,
batata-doce, batata frita, mandioca assada, usa mui- aí tem os neto, bisneto que vem.” (Claudenise Alves,
to com peixe.” (José da Silva, Djemõwytu, 65) Taquamirim, 53)

Roberto Martins de Souza

Oficina de Legendas - 12 e 13/12/2013


Identidades Coletivas e Conflitos Territoriais no Sul do Brasil
15
Roberto Martins de Souza

Verificação de Limites da TIP, 25-10-2014.

“Por que o que eu vejo [cartografia] é mais pra proteção. depois, entre a conversa deles, um vai lembrando uma
O que a gente vê hoje é os grandes empreendimentos coisa outro vai lembrando outra, isso vai dando visibili-
entrando desenfreado dentro das terras indígenas. É dade daquilo que é escondido no território. A cartogra-
que nem o governo sempre diz, é uma reserva. É uma fia mexeu com eles, na verdade volta pra eles relembrar
reserva pra ele. A hora que ele precisa daquele espaço, a luta dos pais deles. Que lutô pra manter esse território
a terra é da União. Ele vai tentar fazer alguma coisa. e depois perdeu. Vou citar um exemplo: dos 3 galhos. A
Mas o mapeamento pra nós ele vai de encontro até com área de domínio dos 3 galhos é da turma do Bento. Do
a Constituição Federal. Que é provar que aquele espaço pai dele, do avô dele. Desde o avô dele, criou o pai dele
é de nosso de uso, costume e tradição. Mas mostra den- criança pescando nos 3 galhos. E o seu Bento velho,
tro do papel que a gente conhece e como que a gen- teve os filho, ensinou os filho, os filho dele ensinou os
te faz esses uso e costume, como que a gente explora netos, os neto ensinou os bisneto. Sempre foi uma área
ele conscientemente. O Mapeamento também vai dar de domínio deles. Eles conhecem aquilo ali mesmo. De
visibilidade pros nosso mais geração a geração. Tanto
velho, como que eles enten- é que seu Bento fala que
dem esse espaço aqui, o lo- “Mas o mapeamento pra nós ele vai quem ajudou a tirar os mar-
cal que eles têm que buscar de encontro até com a Constituição cos foi o pai dele. Porque o
remédio, o local que é im- Federal. Que é provar que aquele es- fazendeiro falou que não
portante. Isso dá força pros era mais do índio, era dele.
mais velho discutir de novo, paço é de nosso de uso, costume e Então tinha que tirar os
dá prá mostrar prá eles que tradição.” marcos. O pai dele ajudou a
o conhecimento deles não tirar os marcos, diminuindo
tá perdido, e que tá sendo o território. Isso mexe com a
importante ainda, e que é fundamental agora. Que as sensibilidade porque volta na história dos pais. Volta na
vezes eu como liderança talvez passe ter até menos im- história dos pais e a intenção é recuperar aquilo que o
portância, por que eu posso ser liderança, mas posso pai dele lutou pra segurar. Sabe o que eu tô percebendo
não conhecer o território que eu moro. E os mais velhos é que tá caindo na mente deles o que é cartografia ago-
conhecem de ponta a ponta o território. E o mapeamen- ra. Porque tá remexendo com a história deles.” (Reginal-
to vai fortalecer isso, vai fortalecer a fala deles. Porque do Alves, Nimboadju, 38)
Identidades Coletivas e Conflitos Territoriais no Sul do Brasil
16

Reginaldo Alves, Franciele, Silvana Mumbi, Laíres, Daniele, Kauane, Verali Alisson Alves, Bruno, Gabriel, Wallace, Raian, Camila, Samara, Sergio Lourenço, Sebastião
Alves, Vitória, Irecrã, Claudiana, Tainakan, Adriano, Jonatan, Letícia Ayumi e Marcelo Varella. Escola Estadual Indígena Ywy Porã - Guarani - TIP. Participantes da 4a
Oficina de Mapas, 11/06/2014.

“A experiência de cartografia/mapeamento social conduzida pelos Guarani Nhandewa da TI Pinhalzinho e resumida neste
boletim, é mais um indicador dos processos de regeneração cultural e territorial pelos quais os povos indígenas no Brasil vêm
passando nas últimas três décadas. Em especial aqueles que, como o Povo Guarani do Norte Pioneiro do Paraná, percorreram
uma história de violência (“sofrimento”, “castigo”, “perseguição”) e de esbulho territorial, mas também de resistência, luta e
(re)conquista de seus tekoa – história que é contada aqui pelas vozes e memórias de seus protagonistas. Olhando para além
dos limites da Terra Indígena formalmente demarcada e “remexendo com [essa] história”, os Nhandewa do Pinhalzinho (re)
articulam o seu ñadereko (modo de ser guarani) por meio da cartografia do território conhecido e no qual eles se reconhecem,
diante de inúmeras pressões, limitações, invasões e carências. Ao fazer a ponte entre o seu mundo e os conhecimentos tec-
nológicos na gestão de seu território – com ênfase especial nas crianças e, portanto, na reprodução do seu modo de ser – os
Guarani Nhandewa do Pinhalzinho lançam uma luz, para si e para outros povos, sobre os caminhos possíveis para a vida plena
e o bem viver dos indígenas num país que ainda teima em não reconhecê-los em sua plenitude. “
Henyo T. Barretto Fº - Antropólogo, Diretor Acadêmico do IEB e consultor do Projeto GATI

“No caso da Terra Indígena Pinhalzinho, apoiamos a comunidade para fazer do processo de elaboração do mapeamento social
da TIP, que culminou neste Boletim Informativo, uma ferramenta para pensar o território. Tal processo fomentou a atualização
de uma memória que vai além do pensamento de cada pessoa que lutou para assegurar esta pequena porção do território
Nhandewa às margens do rio das Cinzas. Se trata de uma memória ampla e que é comum à muitas outras famílias Nhandewa
- vale destacar que neste momento as famílias de Ywy Porã permanecem mobilizadas para demarcar seu território nas mar-
gens do rio Laranjinha. Esta memória é vivida e é atual. Memória de luta contra as invasões de terra, memória das omissões e
mesmo da oposição dos órgãos de estado perante as famílias indígenas, dos conflitos e também das parcerias com pessoas da
sociedade envolvente, mas, sobretudo, dos grandes chamoy e chara’is que em sua sabedoria e sutileza sustentam os pilares
sobre os quais repousam os fundamentos do modo Nhandewa de estar no mundo.”
Paulo Roberto Homem de Góes | Programa de Pós Graduação em Antropologia Social – UFPR

“O mapeamento social da Terra Indígena Pinhalzinho serve muito pra ajudar para conhecer o território, e passar a entender
o porque perdeu o território, a caça, a pesca e traçar os objetivos de recuperação e preservação do território que garantirá a
manutenção do seu povo de geração pra geração. “
Adailtom Cavalcante Bezerra | Povo Xakriaba. | Mobilizador para as Politicas Indigenas do Povo Xakriaba | Estado de
Minas Gerais | Terra indígena Xakriaba

Realização: Apoio:

Comunidade Indígena Guarani


Nhandewa - Terra Indígena
Pinhalzinho
Escola Estadual Indígena Ywy Porã | PBA Indígena
Grupo de Pesquisa Identidades Coletivas e Conflitos Territoriais no Sul do Brasil
Projeto Nova Cartografia Social

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