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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ – SETOR LITORAL

LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO CAMPO HABILITAÇÃO EM


CIÊNCIAS DA NATUREZA

MARISA DA SILVA ARAÚJO OGAWA

PESCA ARTESANAL, TRADICIONAL E INDUSTRIAL

Matinhos – 2019
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ – SETOR LITORAL
LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO CAMPO HABILITAÇÃO EM
CIÊNCIAS DA NATUREZA

MARISA DA SILVA ARAÚJO OGAWA

PESCA ARTESANAL, TRADICIONAL E INDUSTRIAL

Trabalho de conclusão de curso, Curso de


Licenciatura em Educação do Campo
Habilitação em Ciências da Natureza,
Universidade Federal do Paraná, Setor
Litoral, professor orientador Marcelo Varela.

Matinhos – 2019
DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho primeiramente a Deus criador, por ser essencial em minha vida,
dono de meu destino, meu guia meu socorro presente na hora da angustia e necessidade, aos
meus pais, meus irmãos, meu esposo, minhas filhas e a toda a minha família.
AGRADECIMENTOS

A Deus por ter dado saúde, paciência, amor e força para superar as dificuldades.
A esta universidade, seu corpo docente, direção e administração que oportunizaram a
todos.
A minha família, pelo amor, incentivo e apoio incondicional.
E a todos que direto ou indiretamente fizeram parte da minha formação, o meu muito
obrigada.
PESCA ARTESANAL, TRADICIONAL E INDUSTRIAL

RESUMO

Este artigo traz definições de pesca artesanal e pesca industrial, e mostra que a pesca
tradicional tanto pode ser artesanal como industrial. Ao longo da pesquisa realizada
descobrimos que as definições de pesca artesanal e industrial variam conforme os interesses a
serem cumpridos, pois, em termos legais para fins de previdência, as definições estão muito
distantes da realidade vivenciada na nossa comunidade na Ilha de Superagui –
Guaraqueçaba/PR. Para os pescadores e pescadoras daqui eles estão enquadrados na pesca
artesanal, que lhes assegura além de contribuir de forma diferenciada para a previdência
social, o recebimento anual do seguro desemprego pago durante o defeso. Mais uma vez
podemos comprovar como são distantes as definições estabelecidas nas estâncias superiores
da realidade vivenciada pelo pescador no seu dia a dia.

Palavras-chave: Pesca artesanal. Pesca industrial. Pesca tradicional. Ilha de Superagui.

ABSTRACT

This article brings definitions of artisanal fishing and industrial fishing, and shows that
traditional fishing can be both artisanal and industry. Throughout the research we have found
that the definitions of artisanal and industrial fishing vary according to the interests to be
fulfilled, because, in legal terms for purposes of foresight, the definitions are very distant from
the reality experienced in our community on the island of superagui-Guaraqueçaba / Pr. For
the fishermen and fishermen of these, they are part of the artisanal fishing, which ensures, in
addition to contributing in a differentiated way for social appreciation, the annual recognition
of unemployment insurance paid during the closure. But once we can verify how far the
definitions established in the upper ranks of the realities experienced by the fisherman in their
day to day are far.

Keyword: Artisanal fishing. Industrial fishing. Traditional fish Superagui Island.


SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...............................................................................................................................7
CAPÍTULO 1 – A pesca artesanal, tradicional e industrial, segundo a literatura. ..........................8
Pesca Artesanal ............................................................................................................................8
Pesca Tradicional .........................................................................................................................9
Pesca Industrial ..........................................................................................................................10
CAPÍTULO 2 – O que dizem os pescadores e as pescadoras da comunidade? ............................ 11
CAPÍTULO 3 – Análise das entrevistas ........................................................................................15
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................16
7

INTRODUÇÃO

Sou moradora na comunidade da Barra de Superagui há muitos anos, nasci em Tibicanga,


uma comunidade localizada na Ilha das Peças e vim morar na Ilha de Superagui na minha
infância. Trabalho como professora na rede Estadual e já sou aposentada como professora da
rede Municipal.
Diferenciar pesca artesanal, tradicional e industrial permite refletir sobre a manutenção da
cultura pesqueira em comunidades, como a da Barra de Superagui, pequeno povoado situado no
litoral norte do estado do Paraná, na Ilha de Superagui, município de Guaraqueçaba.
Buscamos informações na literatura que nos ajudem a compreender as principais
características de cada “modalidade de pesca”, pois as definições de pesca artesanal e pesca
tradicional podem se confundir em determinados momentos históricos e contextos, por sua vez a
pesca industrial está bem delimitada, com características definidas e reconhecidas pelos próprios
pescadores.
Inicialmente faremos uma revisão bibliográfica, pesquisando pelos termos “pesca
tradicional”, “pesca artesanal” e “pesca industrial”, partindo dos resultados encontrados nessa
pesquisa iremos aprofundar os estudos buscando compreender bem a diferenciação entre essas
modalidades de pesca.
Entendemos a importância da revisão bibliográfica por tratar-se de assunto historicamente
estabelecido e bastante pesquisado, com extensa bibliografia e trabalhos publicados. Além do
mais, segundo Marconi e Lakatos (2003, p. 258) “um trabalho de pesquisa […] proporciona não
só a ampliação de conhecimentos como também a compreensão de certas questões”.
Para ampliar nosso entendimento e compreensão sobre o tema também fizemos uma
dinâmica com pescadores(as) da comunidade, onde a principal questão a ser levantada será a
diferenciação das três modalidades de pesca aqui citadas (artesanal, tradicional e industrial),
segundo os próprios pescadores(as). Nossa intenção é trazer o conhecimento popular relacionado
ao conhecimento científico, pois, segundo Marconi e Lakatos (2003, p. 76) “o conhecimento
vulgar ou popular, não se distingue do conhecimento científico nem pela veracidade nem pela
natureza do objeto conhecido: o que os diferencia é a forma, o modo ou o método e os
instrumentos do conhecer”.
Partindo das definições estabelecidas na literatura e passando pelo conhecimento popular
vamos propor definições inteligíveis pois, “utilizando-se o método estruturalista, não se analisa
mais os elementos em si, mas as relações que entre eles ocorrem, pois somente estas são
constantes, ao passo que os elementos podem variar” (Marconi e Lakatos, 2003, p. 111).
8

A dinâmica com os(as) pescadores(as) será simples, consistindo na apresentação de três


pequenos cartazes onde aparecem individualmente escritos os três tipos de pesca em
investigação. Após esse estímulo será feito o registro da fala do(a) pescador(a) e a transposição
de partes ou da totalidade dessa fala, conforme sua relevância.
A escolha dos(as) pescadores(as) que farão a dinâmica proposta foi intencional,
procurando abranger diferentes núcleos sociais da comunidade.
Tendo em vista o que foi escrito até aqui, este trabalho tenta responder a seguinte
questão: Quais são as principais diferenças entre pesca artesanal, tradicional e industrial,
segundo os pescadores.
Nesse sentido os objetivos desse trabalho são: 1) fazer revisão bibliográfica e documental
sobre as três modalidades de pesca; 2) caracterizar as três modalidades de pesca, segundo a
opinião dos pescadores(as); 3) registrar a fala de pescadores(as) sobre as três modalidades de
pesca.
O trabalho terá três capítulos. O primeiro capítulo é a revisão de literatura. O segundo
capítulo trará os dados de campo, ou seja, as entrevistas feitas com pescadores(as). O terceiro
capítulo trará a análise dos dados coletados.

CAPÍTULO 1 – A pesca artesanal, tradicional e industrial, segundo a literatura.

Neste capítulo faremos um estudo sobre as três modalidades de pesca (artesanal,


tradicional e industrial), trazendo algumas referências bibliográficas significativas e algumas leis
que tratam e regulamentam o assunto.

Pesca Artesanal

Segundo Silva (2010, p.57) a pesca artesanal tem se destacado por sua resistência,
mantendo-se como uma arte e uma atividade socioeconômica muito importante, entretanto ela é
mais representativa do ponto de vista da absorção de mão de obra e da representação cultural.
Mas, para entendermos toda a abrangência da pesca artesanal, precisamos compreender
bem o significado desse termo, tanto do ponto de vista dos pescadores mais antigos, talvez mais
habituados a técnicas rudimentares, quanto para as novas gerações que estão ocupando os
lugares deixados por seus avós e pais e assumindo um modo de vida que talvez não lhes pertença
mais e sem o apelo afetivo que poderia existir nos pescadores de outros tempos.
Para Silva (2010, p.58) a pesca artesanal se caracteriza por
9

[…] a tecnologia utilizada, assim como os meios de navegação, são rudimentares, envolvendo-
se o próprio meio de vida no âmbito artesanal. O pescador artesanal procura sua
autossuficiência no mundo exterior, adotando uma vida sem especialização no trabalho,
embora venha incorporando novas tecnologias de navegação, como o GPS.

Sabe-se que a pesca artesanal envolve um grande contingente de mão de obra, justamente
por não utilizar muitos equipamentos mecânicos e tecnológicos, ficando a maior parte do
trabalho ao encargo dos pescadores. Além disso os pescadores artesanais não se afastam muito
das suas comunidades de origem, normalmente saem pela manhã antes do sol nascer e retornam
no final da tarde, vendendo sua produção diária para os donos do “barraco de pesca” que
possuem sistemas de refrigeração e comercializam os pescados em outras localidades.
A pesca artesanal tem dimensões sociais, econômicas e culturais próprias e muito
importantes para os moradores das comunidades pesqueiras, envolvendo muitas vezes
trabalhadores com baixo grau de escolaridade e de qualificação profissional, a atividade é
geradora de trabalho e renda.
Segundo os critérios para inscrição no Registro Geral de Atividade Pesqueira – RGP,
constantes no Decreto Nº 8.425, de 31 de março de 2015:

Pescador e pescadora profissional artesanal é pessoa física, brasileira ou estrangeira,


residente no País, que exerce a pesca com fins comerciais de forma autônoma ou em
regime de economia familiar, com meios de produção próprios ou mediante contrato de
parceria, podendo atuar de forma desembarcada ou utilizar embarcação de pesca com
arqueação bruta menor ou igual a 20 (toneladas).

Segundo Garcia, com as alterações trazidas pelo Decreto Nº 8425, de 31 de março de


2015, ficou mais fácil para fins de seguridade social, a classificação de pescador artesanal que é
segurado especial, ou seja, tem direito ao seguro desemprego na época de proibição da pesca,
nesse caso “se a embarcação for de pequeno porte e o pescador trabalha sozinho ou com sua
família é segurado especial”. Já, para o INSS, “quem trabalha em embarcação de pequeno porte
com empregados é contribuinte individual e quem trabalha em embarcação de médio ou grande
porte (acima de 20 toneladas) é contribuinte individual, não importando se em regime de
parceria, meação ou arrendamento, com ou sem empregados”. Contribuinte individual são os
autônomos, portanto aqueles que não teriam direito ao seguro desemprego pago anualmente na
época da proibição da pesca.
Como vemos, a definição de pesca artesanal não é apenas uma questão de nomenclatura,
mas também uma questão econômica e legal, pois se for levada ao pé da letra, como se diz na
gíria, muitos pescadores não estariam recebendo o seguro pago no defeso.

Pesca Tradicional
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Durante a pesquisa realizada para definir a pesca tradicional, descobrimos que, na


realidade, define-se sociedades tradicionais e povos tradicionais e, consequentemente, seriam
eles a praticar a pesca tradicional.
O Decreto Nº 6.040, de 7 de fevereiro de 2007, faz referência aos povos ou comunidades
tradicionais, definidos pelo Artigo 3 como:

[…] Grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem
formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos
naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e
econômica, utilizando conhecimentos inovações e práticas gerados e transmitidos pela
tradição.

Segundo Diegues (2000), comunidades tradicionais são aquelas em que ficam


“evidenciadas a transmissão oral, a existência de uma ampla ligação com o território habitado, os
sistemas de produção voltados para a subsistência e o caráter econômico pré-capitalista”. Em seu
livro “O mito moderno da natureza intocada”, no “Capítulo 6 – As populações tradicionais:
conflitos e ambiguidades”, pode-se notar que o conceito de população tradicional está
intrinsecamente ligado ao caráter econômico, pois considera-se como tradicionais aqueles que
exploram os meios naturais para sua subsistência, “em que o trabalho ainda não se tornou
mercadoria”.
Como sabemos não se tratar apenas de definições, nós nos consideramos uma
comunidade tradicional, apesar da inserção na economia de mercado, continuamos sendo uma
comunidade “que não tem modo de vida urbano-industrial” (Diegues, 2000, p. 62).
Para fins legais, como vimos na legislação citada anteriormente, não existe essa categoria
chamada de “Pesca Tradicional”, sendo apenas uma questão de capacidade da embarcação e
oferta de emprego o que diferencia uma da outra.
Um grupo de pescadores da comunidade de Barra de Superagui, que fazem parte de um
movimento social denominado MOPEAR (Movimento dos pescadores artesanais do litoral do
Paraná), já se autorreconheceram como comunidade tradicional e, desta forma, pleiteiam os
mesmos direitos outorgados aos povos indígenas e tribais, conforme a OIT 169 (Decreto nº
5.051, 19 de abril de 2004).

Pesca Industrial

Segundo o disposto no Decreto Nº 8.425, de 31 de março de 2015,

Pescador e pescadora profissional industrial é pessoa física, brasileira ou estrangeira,


residente no País, que exerce a pesca com fins comerciais, na condição de empregado
ou empregada ou em regime de parceria por cotas-partes em embarcação de pesca com
qualquer arqueação bruta.
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Esse Decreto institui mudanças conceituais para fins de contribuição previdenciária e


pagamento do seguro desemprego aos pescadores. Pois, a partir do momento que eles se
enquadram na categoria de pescadores industriais, deixam de receber o benefício social pago na
época do defeso e passam a contribuir para o INSS como profissionais autônomos, igual outro
profissional como médicos e dentistas por exemplo.
Se formos analisar a conceituação levando em conta nossa realidade, na comunidade da
Barra de Superagui são poucos os pescadores tradicionais artesanais, pois a maioria dos donos de
barco emprega no mínimo um pescador, o chamado “quinhoeiro”, que pode até ter algum
parentesco com o dono da embarcação, mas mesmo assim será remunerado por cotas-partes.
Além disso, se considerarmos os fins comerciais como parâmetro de diferenciação, certamente
aumentaríamos a quantidade de pescadores que se encaixariam nessa categoria. Haja vista que,
segundo o Decreto Nº 8.425, de 31 de março de 2015, a definição de pescador e pescadora
industrial se dá para embarcações com qualquer arqueação bruta, o que significa embarcações
com qualquer tamanho.
Durante a pesquisa para definir a pesca artesanal, nos deparamos com uma análise onde
Mourão (2003) relaciona as mudanças ocorridas nas comunidades de pescadores do litoral Sul do
Estado de São Paulo com o surgimento da economia de mercado,

A emergência da racionalidade característica do sistema de mercado foi concomitante


ao surgimento de um novo estrato social, a dos pescadores artesanais com embarcações
motorizadas que exploram o “mar de fora” e ambas decorrem de mudanças no sistema
de comercialização do pescado – especialmente fixação de um preço de mercado – e,
em menor grau, da introdução de novas técnicas de captura, fato que também foi
resultado da nova comercialização.

Fazendo-se aqui uma ressalva sobre a proximidade territorial entre essas comunidades
estudadas por Mourão e a nossa comunidade, pois nosso território faz divisa com o litoral sul do
Estado de São Paulo, portanto, muitas características de lá são também pertinentes a nós. Pois as
culturas e tradições não são uma questão territorial e sim dos povos que ali habitam.
Diegues (2000, p. 78) faz uma comparação entre culturas tradicionais, “as que se
desenvolvem dentro do modo de produção da pequena produção mercantil”, e as não
tradicionais, “associadas ao modo de produção capitalista em que não só a força de trabalho,
como a própria natureza, se transformam em objeto de compra e venda (mercadoria). Nessa
perspectiva a definição de cultura não tradicional vem de encontro a definição da pesca
industrial, voltada a um sistema econômico capitalista.

CAPÍTULO 2 – O que dizem os pescadores e as pescadoras da comunidade?


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Com o intuito de comparar as definições encontradas na literatura com o conhecimento e


os saberes tradicionais, fizemos uma pesquisa de campo com alguns pescadores e algumas
pescadoras.
Para fugir da tradicional entrevista, com perguntas preestabelecidas, optamos em fazer
uma espécie de dinâmica, deixando os sujeitos livres para falarem sobre os assuntos levantados.
A dinâmica foi bem simples, consistindo em três folhas de papel sulfite estando em cada uma
delas escrito “pesca artesanal”, “pesca tradicional” e “pesca industrial”, com a seguinte
instrução: “fale o que você pensa ou sabe a respeito de”. Dessa forma foram colhidos alguns
depoimentos de pescadores e pescadoras da comunidade. Na sequência iremos transcrever parte
desses depoimentos, buscando definir os diferentes tipos de pesca a partir do ponto de vista dos
pescadores.
O primeiro depoimento foi colhido na casa do pescador E. M. V., na presença da sua
esposa e filho, em uma conversa bastante proveitosa sobre a sua opinião com relação à pesca.
Este pescador foi um dos escolhidos para participar da pesquisa por ser proprietário de uma
embarcação de grande porte que costuma se ausentar por longos períodos, podendo passar de um
mês, na sua rotina pesqueira

Sou neto e filho de pescador artesanal e tradicional. Comecei a viver como pescador
desde os meus 13 anos, meu pai ia para Guaratuba e pegava barco grande e ia trabalhar,
as vezes em finais de semana ele levava eu e meu irmão mais velho para ajudar. Não
entendia o que era pesca artesanal ou tradicional, muito menos a industrial. Na minha
cabeça tudo era pesca, não gostava de estudar, sempre quis ser um grande pescador, ter
o meu próprio dinheiro. Já trabalhei como cozinheiro em um barco industrial de Barra
do Sul, fiquei dois meses em alto mar, pescando camarão, adquiri grande experiência
como cozinheiro e pescador. Hoje sou casado tenho esposa e filho e me considero como
um pescador industrial, pois em meu barco há equipamentos que no barco do meu
vizinho ou amigo não tem, abasteço meu barco com gelo, combustível, comida, água,
remédio, gás e outros para ficar de 15 a 30 dias pescando. Até quando o gelo e a comida
der. Conheço as práticas da pesca artesanal, mas não me reconheço como um pescador
desta categoria (E. M. V., 26 anos, pescador industrial).

Para ele, a pesca industrial é definida pelo porte e equipamentos que um barco utiliza,
permitindo-o pescar me larga escala por um longo período de tempo.
O segundo depoimento foi colhido na casa da pescadora C. A. M.. Nesse dia ela se
encontrava sozinha em casa. Fui bem recebida e pude perceber que a pescadora C. A. M. gostou
de relatar sua experiência e falar sobre sua realidade. Escolhi essa pescadora por conhecer a sua
história de vida e saber que ela possui uma visão bastante interessante sobre a pesca
tradicionalmente praticada pela sua família, em especial pelo seu pai.

Sou filha de pescador, gosto do que faço. Sou pescadora artesanal, pois eu mesma sou
quem constrói a minha rede. Pesco com rede de malha 10 na costa, em época de
pescadinha galheteira vou atrás dela, quando é época de tainha também vou pescar. Fico
acampada por muitos dias até passar a safra dos peixes. Quando chega o tempo da salteira
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ou robalo, faço a minha rede e vou atrás. Quando fracassa a pesca fico nos barracos
limpando camarão, não gosto de ser dona de casa, somos em quatro irmãos, eu sou a
única que pesco. Sou pescadora artesanal tradicional com muito orgulho. Herdei esse dom
de meu pai que até hoje é pescador e agricult or. Não entendo nada de pesca industrial, mas
sei que quando fala de indústria já sei que aí rola muito dinheiro, e que os atravessadores
são os que levam vantagem. (C. A. M., 42 anos, pescadora artesanal)

Para ela, a pesca artesanal se confunde com a tradicional. Ambas estão ligadas à prática
de pesca (instrumentos, técnicas, equipamentos), que acontece em pequena escala e associada à
agricultura.
O depoimento do pescador V. C. Foi colhido na praia, no momento que o pescador
retornava de um dia de trabalho, pois foi a única maneira de convencê-lo a participar da
pesquisa. Ele estava junto com seu filho V. C., que foi nosso aluno no Colégio Estadual, já
concluiu o ensino médio e agora pesca junto com o pai. Escolhi esse pescador para conhecer a
sua opinião sobre as diferentes modalidades de pesca e saber em qual delas ele se inclui.

Meu nome é V. C., tenho 49 anos, sou pescador. Pra mim pescador artesanal é aquele que
sai na madrugada e volta só a tarde. Sai de casa só com uma garrafa de café e pão na
sacola para aliviar a fome durante o dia. O pescador artesanal pesca de manhã e a tarde, a
noite a costa fica livre, descansando, o pescado vai para onde quer. Ele (o pescador
artesanal tradicional) já traz a tradição do pai, do avô, assim no outro dia quando ele
retorna, o peixe vai estar sempre lá, pra ele buscar. É diferente do pescador industrial que
trabalha em barco grande, bem equipado, com geladeira, aparelho para procurar o peixe, e
mata uma grande quantidade, ficando dia e noite no mar pescando, utilizando outro tipo
de equipamentos, embarcação com motor forte, com técnica moderna, não aquela que nós
aprendemos de nossos pais. O pescador industrial vende o pescado pra firma e empresa,
até congela dentro do barco. O barco tem motor com potência maior que o nosso. Dentro
do barco tem até cozinha e cozinheiro pra fazer a comida. Eles (os pescadores industriais)
ficam até dois meses pescando sem retornar, nós não, vamos pela manhã e voltamos a
tarde, não destruímos como eles (V. C., 49 anos, pescador artesanal tradicional).

Para ele, pesca artesanal e tradicional são equivalentes. Em comparação coma pesca
industrial, a diferença está no conhecimento tradicional, que influencia na prática da pesca
(instrumentos e técnicas utilizadas). Segundo a opinião de V. C. A pesca industrial possui todo
um equipamento diferenciado, que permite pescar por mais tempo e em maior quantidade.
O próximo depoimento, com o pescador aposentado V. I., foi colhido na casa dele,
juntamente com sua família, em uma conversa descontraída. Escolhi esse pescador por ele já ter
trabalhado com grandes embarcações e agora, como está aposentado, praticar a pesca apenas
como passatempo.

Atualmente pesco só para distrair, mas já trabalhei embarcado em grandes pesqueiros.


Para ser franco a pesca artesanal e tradicional quase não tem diferença, pois quando se
fala em artesanal se fala em arte, então o tradicional se mistura com o artesanal, porque
o conhecimento e o costume passa de pai pra filho, ou pelas pessoas mais velhas e
experientes, aos mais jovens. A prática da pesca artesanal se diferencia por pouca
produção, que é em parte consumida pela família e outra comercializada. E os
pescadores artesanais geralmente conhecem bem o espaço em que trabalham, como o
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mangue, as marés, rios, lagos e o mar. E a sua embarcação é de pequeno porte, pois
somente a família é quem maneja, eles sabem quando e como podem sair para o mar,
conhecem a maré e as fases da lua, como está o vento ou o tempo, saem cedo com o
raiar do dia e chegam a tardinha. Eles retiram somente para a sua sobrevivência e tem
consciência com o meio em que vivem, ficam numa posição entre a preservação da
espécie e a necessidade econômica de sustentar suas famílias. O pescador artesanal não
agride a natureza, desenvolve uma atividade que compreende a ação da natureza porque
preserva, para as futuras gerações, ele tem como objetivo retirar somente o necessário
para satisfazer as necessidades básicas de seus familiares. A pesca industrial é
totalmente movida por máquina, com meios modernos de transformação e conservação
do pescado. A captura é em grande quantidade, usam redes grandes e motores potentes,
seus equipamentos são de alto investimento tecnológico, focando na captura de espécies
que dão mais lucro. Eles ficam por dias ou até meses no mar pescando. Alguns
pescadores industriais são assalariados, com carteira assinada, pois trabalham
embarcados em barcos de indústria ou navios de pesca e alguns desses pescadores com
carteira assinada, que são contratados, não são tradicionais, não aprenderam o ofício de
pescar com o pai ou o avô ou o tio, apenas trabalham com a pesca igual outra profissão.
Então, pra mim, os pescadores artesanais e alguns pescadores industriais são
tradicionais, tem essa profissão como tradição de família mesmo, mas alguns desses
pescadores embarcados nesses barcos de pesca grandes e bem equipados não são
pescadores tradicionais, as vezes nem pescadores são (V. I., 59 anos, pescador
aposentado).

Para ele pesca artesanal e tradicional são a mesma coisa, ambas usam o conhecimento
tradicional e acontecem em pequeno porte. Já, a pesca industrial, na opinião de V.I. é voltada ao
comércio, pescando em grande quantidade.
A quinta e última entrevista foi realizada na casa do pescador C. N., foi bem longa e cheia
de detalhes, pois o pescador entrevistado também é um ativista social, bastante ativo com relação
aos direitos dos pescadores e com conhecimento da causa defendida pela classe.

Sou pescador artesanal e tradicional. Pra mim a diferença da pesca industrial com a
artesanal, tem vários fatores, a primeira é que o pescador artesanal é aquele que sai pela
manhã de casa, pesca durante o dia, e quando é a tarde ele está de volta. O tamanho da
embarcação que se usa também é diferente, nós usamos embarcação “boca aberta”, sem
tecnologia como radar e sonar, sem convés, sem casaria. Isso é a diferença, a gente vai
pela manhã e volta a tarde, na embarcação de pequeno porte, e quando o tempo está
mais ou menos feio a gente já está em casa. Ele pesca no máximo das cinco da manhã as
seis da tarde, esse é o pescador artesanal. O tamanho da rede também diferencia o
pescador artesanal do industrial. Pra eu virar um pescador industrial eu teria que entrar
num barco industrial, isso diferencia os pescadores artesanais dos industriais, trabalhar
numa embarcação maior, eu posso virar um pescador industrial desde que eu dê mais
potência ao motor e pegue apetrechos de pesca mais pesados. Acredito que a pesca
tradicional com a artesanal tem pouca diferença, quando se fala de tradicional, falamos
das experiências dos nossos velhos, que deixaram pra nós, como entralhar a rede, o
melhor ponto de pesca, virada de maré, quando a lua é boa pra pescar, tipo de malha de
rede, essas coisas... que agora já passamos pra frente, pro filho, pro sobrinho neto e até
pro filho do vizinho, assim vai de geração pra geração. Como pescador artesanal
tradicional faço parte do MOPEAR – Movimento dos Pescadores Artesanais do Litoral
do Paraná, criado em 2008 para juntar os pescadores e as pescadoras de toda redondeza
pra lutar por nossos direitos. O que acontece é que estamos lutando e ganhando nossos
direitos, devagar estamos conquistando nossos direitos, estamos plantando agora e não
vamos ter os resultados hoje ou amanhã, isso que estamos fazendo agora nós vamos ver
os resultados no futuro, lá na frente. É como se tivesse passando um barco que não
podemos perder, para garantir o nosso futuro e o futuro dos nossos filhos. (C. N.,
pescador tradicional industrial)
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O pescador não vê diferença entre a prática artesanal e a tradicional. São caracterizadas


pela pesca em pequenas embarcações e em pequenas quantidades, baseados em conhecimentos
tradicionais. Na sua opinião a pesca industrial utiliza barco e equipamentos maiores, pescando
em maior porte.

CAPÍTULO 3 – Análise das entrevistas

Nesses depoimentos podemos perceber uma grande diferença entre os pescadores aqui da
comunidade e os conceitos que eles mesmos têm com relação à pesca artesanal, tradicional e
industrial.
Temos o pescador E. M. V. que viu seu pai trabalhar em grandes embarcações e seguiu o
mesmo caminho, ele não sabe diferenciar artesanal de tradicional, mas sabe definir bem a pesca
industrial, seguindo os parâmetros de tamanho da embarcação, equipamentos utilizados e
autonomia de trabalho.
Já a C. A. M. se define muito bem como pescadora artesanal e tradicional, pois além dela
mesma confeccionar sua tralha de pesca, ainda afirma com muito orgulho ter aprendido seu
ofício com o pai, pescador e agricultor. Ela entende o conceito de artesanal e de tradição
(tradicional), porém não soube definir a pesca industrial, apenas citou o fato de envolver maior
quantidade de dinheiro.
O pescador V. C. também soube definir bem o pescador artesanal tradicional, se incluindo
nessa categoria, por ser aquele pescador que sai pela manhã, muito cedo, com provisão suficiente
apenas para um dia, e só para enganar a fome, como ele mesmo diz. Para ele o pescador artesanal
também preserva o meio ambiente, pois sabe que assim estará garantindo seu próprio futuro e o
dos filhos. Já o pescador industrial, na opinião dele, é aquele que trabalha em um barco bem
equipado e com boa autonomia, podendo ficar por dias ou meses no mar sem retornar para casa.
O quarto entrevistado, V. I., que já foi pescador profissional trabalhando em grandes
embarcações, definiu o pescador artesanal como aquele pescador que conhece muito bem a
natureza, seus ciclos, e que pesca mais para sua subsistência, sabendo preservar a natureza e
repeitar seus limites. Para ele, a pesca voltada ao comércio e lucro já é pesca industrial.
Por sua vez, C.N., pescador e um dos fundadores do MOPEAR, elencou vários itens que,
na sua opinião, fazem dele um pescador artesanal e também tradicional, por ter herdado essa
prática dos seus familiares e por estar igualmente repassando a prática aos mais novos. Além de
caracterizar a pesca artesanal ele ressaltou a importância de existir um movimento social que
defenda os direitos dos pescadores artesanais e lute para manter a sua tradição e pelo
reconhecimento da importância de manter suas tradições e cultura, como pescadores e como
povo tradicional.
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Ao fim das entrevistas, pode-se perceber que não existe diferença para os pescadores(as)
entre pesca artesanal e tradicional: ambas são modalidades que se embasam no conhecimento
tradicional, são determinadas pelo clima, pelo tempo e pelos equipamentos utilizados.
Ainda assim, a lei define que pescador profissional artesanal é aquele que está inscrito no
Registro Geral de Atividade Pesqueira – na prática, a gente vê que, mais que um documento, é a
tradição, aprendida com a família, que torna uma pessoa “pescadora artesanal”. Por isso, hoje
algumas pessoas não tem o RGP e, mesmo assim, pescam.
Por isso, as leis que tratam de “pescador tradicional” são importantes: pois não dependem
de um documento do governo, mas, sim, de uma autodeclaração para poderem acessar aos
direitos de pesca.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tanto ao longo da revisão bibliográfica, onde buscamos definições para pesca artesanal,
tradicional e industrial, como ao longo dos depoimentos coletados junto aos pescadores
moradores da comunidade da Barra de Superagui, podemos perceber que há uma clara
diferenciação entre as pescas artesanal/tradicional e pesca industrial.
Para termos legais, o que diferencia a pesca artesanal da industrial, é a forma como são
pagos os pescadores, legalmente o pescador artesanal é aquele que trabalha para si mesmo, na
sua embarcação própria, seja ela do tamanho que for obtendo uma renda única e exclusivamente
para seu sustento e da sua família. A partir do momento em que haja pescadores contratados
trabalhando na embarcação, mesmo que sejam os ditos quinhoeiros, que receberão uma parte dos
lucros da pesca do dia, essa pesca é tida como industrial, no sentido de que está empregando
alguém para realizar atividades pesqueiras.
Para os pescadores a diferença entre pesca artesanal e industrial é muito mais detalhada,
sendo que eles nem consideram a forma de mão de obra empregada nas embarcações, eles
apenas observam o tamanho da embarcação, os equipamentos utilizados e, principalmente, o
tempo de duração das saídas de pesca. Nesse caso, se o pescador sai pela manhã e retorna no
final da tarde para trabalhar seu pescado e acondicioná-lo em terra, ele é um pescador artesanal,
mas se essa embarcação é bem paramentada e sai para pescar se ausentando por um longo
período, podendo variar de dias até meses (chega a ficar dois meses fora de casa), é considerada
como pesca industrial.
Foi interessante perceber que os participantes da pesquisa souberam definir a pesca
artesanal como sendo também tradicional, pois eles entendem bem o que são as tradições,
passadas de geração em geração, mas, por outro lado, não chegaram a definir a pesca industrial
como tradicional.
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Podemos considerar, então, que para os pescadores existe a pesca artesanal/tradicional e a


pesca industrial; e para fins legais existe a pesca artesanal, a pesca tradicional e a pesca
industrial.
Essa pesquisa contribuiu bastante para minha formação como educadora do campo, pois
ajudou a ampliar meus conhecimentos e saberes que poderão ser usados em sala de aula.
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REFERÊNCIAS
BRASIL. Decreto nº 6.040, de 7 de fevereiro de 2007. Institui a Política Nacional de
Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais. DOU, Brasília, 8 fev.
2007. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-
2010/2007/Decreto/D6040.htm>. Acesso em: 2 dez. 2018.

BRASIL. Decreto nº 5.051, de 19 de abril de 2004. Promulga a Convenção nº 169 da


Organização Internacional do Trabalho – OIT sobre Povos Indígenas e Tribais. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5051.htm >. Acesso: em 29
maio 2019.

BRASIL. Decreto nº 8.425, de 31 de março de 2015. Regulamento o parágrafo único do art. 24 e


o art. 25 da Lei nº 11.959, de 29 de junho de 2009, para dispor sobre os critérios para inscrição
no Registro Gerl da Atividade Pesqueira e para a concessão de autorização, permissão ou licença
para o exercício da atividade pesqueira. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Decreto/D8425.htm >. Acesso em:
2 dez. 2018.

Definição de Cultura. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Cultura>. Acesso em: 2


dez.2018.

DIEGUES, A. C. S. O mito moderno da natureza intocada. 3. ed. São Paulo: HUCITEC, 2001.
Disponível em: <https://raizesefrutos.files.wordpress.com/2009/09/diegues-o-mito-moderno-da-
natureza-intocada.pdf>. Acesso em: 4 dez. 2018.

SILVA, A. F. A pesca artesanal como arte e como significado cultural: o caso potiguar. ACTA
Geográfica, Boa Vista, v. 4, n. 8, p. 57-65, jul/dez de 2010. Disponível em:
<http://www.fao.org/3/a-i5951s.pdf>. Acesso em: 4 dez. 2018.

GARCIA, C. Pescadores e o INSS: novas regras de classificação dos segurados. Disponível em:
<http://cassiuslenzi.jusbrasil.com.br>. Acesso em: 19/04/2019.
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