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Poder Político e Democracia

João Gilberto Lucas Coelho


nrp°.1^t^1SÍlíor prioridade ou não é o Legislati- O que se assiste hoje no
O Brasil apresentado mo- vo. Como em q u a l q u e r País é a resistência a uma nova
mento, uma dramática resis- democracia. ordem constitucional, pelo que
tência de forças diversas à idéia tem de belo e de sintonizado
de que o poder político, orginá- Isto tem causado reações
veementes. Os burocratas con- com o unânime discurso que to-
rio da soberania popular, seja o dos um dia pronunciaram: ela
centro das decisões. tinuam querendo estar subme-
tidos a um tecnocrata-superior. é, simplesmente, democrática.
Esta intransigência antide- E quem é democrata no
mocrática começou com a relei- Quando é tão melhor realizar o
tura imediata da Constituição. jogo de propor, pressionar, dis- . País? O Governo? Este vive
Os personagens do poder cons- cutir e ganhar ou perder peran- naufragado no "tem que ser
tituinte elaborador da nova te um Congresso que expressa igual a ontem" e é capaz de
Carta ainda estão aí; os debates a manifestação das urnas e da qualquer coisa para manter po-
são recentes e se conhecem as vontade popular. deres tipicamente autoritários
posições de cada um, as nego- São tantos os episódios re- e distorcidos. Os militares? Não
ciações, os motivos que leva- centes a revelar este tipo de mudaram a cabeça, tinham
ram aos dispositivos aprovados. inadequação democrática! O do evoluído no discurso, nem neste
Porém, o próprio poder consti- Orçamento é uma pérola: quem apresentam diferenças, atual-
tuído passa a ler certos princí- deve decidir prioridades é o mente, em relação ao passado
pios e artigos da Constituição Congresso. O presidente da Re- mais duro. A direita e a esquer-
contra o seu sentido, na mão pública tem a obrigação consti- da? Infelizmente, estas corren-
oposta à do espírito de legisla- tucional de apresentar o projeto tes estão derivando para o peri-
dor. Repete-se uma pretensão de lei do Orçamento anual. goso jogo do "se": a democracia
formalista que há décadas im- Apresentado, até o momento de serve "se" formos, no seu jogo,
pede o verdadeiro Estado de Di- iniciar a votação na Comissão os vencedores.
reito entre nós; atribui-se à vír- Mista, tem o direito de propor Não há democratas sem
gula mal colocada a capacidade modificação (art. 166 § 5o). condições. Daqueles que acei-
de dizer tudo ao contrário do Quem propõe modificação não tam ganhar e perder. Os que
que, se sabe, pretendia o legis- modifica; sugere a modificação desejam salvar as regras da
lador estatuir. para outro decidir a seu respei- disputa.
Fica-se naquele impasse: a to. Pois não é que o Executivo O grave quadro é reforçado
Constituição diz claramente, resolve trocar de mensagens, o pela indecisão dos congressis-
mas, não é bem assim... E de- projeto de Orçamento não mais tas em assumirem os poderes
pois vão reclamar de que culpa- valer e em seu lugar ser impos- que, como constituintes, atri-
da é a população, quando as leis ta uma "modificação"? Como buíram à sua função ordinária.
não pegam. Faltam no Brasil será que conseguiram ler a Demoram em responder à Na-
autoridades civis e militares Constituição desta vez? Deve ção e hesitam ao assumir o
que realmente sejam legalistas surgir algum parecer que seja ônus de ser poder.
e submetam seus instintos e in- mais uma dessas maravilhas As instituições, marcadas
teresses às leis, quando estas de como ler a Constituição ao por anos de autoritarismos, es-
são originárias da representa- contrário do que ela diz. tão ainda desajeitadas. As pes-
ção eleita pelo povo. O Congresso pode acertar soas parecem ofuscadas por es-
ou errar. Os presidentes da Re- ta tímida luz de uma aurora
Outro marco da resistência democrática.
feroz ao poder político está em pública já não acertaram ou er-
raram? E os todo-poderosos mi- Outro dia, uma entidade de
fortes setores da burocracia. grande peso nacional, a CNBB,
Estava acostumada a propor nistros da área econômica, em
suas várias e antagônicas gera- alertou adequadamente: a
seus planos e idéias e vê-los re- Constituição está órfã. É-se for-
solvidos — positiva ou negati- ções, também não cometeram
seus graves equívocos? Cabe- çado a reconhecer que o caso é
vamente — por um burocrata ainda mais grave: a democracia
superior. Interessante que ago- nos reclamar, manifestar, pon-
derar e criticar uma decisão está órfã.
ra não aceita o mesmo jogo,
mas em relação a um Congres- congressual. Mas, respeitá-la. D João Gilberto Lucas Coelho é di-
so eleito. Continua o especialis- Agora é o Congresso, nas deci- retor do Centro de Estudos de
ta, o técnico ou o burocrata po- sões fundamentais, que tem a Acompanhamento da Constituinte
dendo propor sua melhor idéia; competência de acertar ou er- (Ceac), da Universidade de Brasí-
quem deve resolver se ela é rar, o risco de decidir. lia (UnB).

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