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Tese de Doutorado
Ficha Catalográfica
Valença, Marcelo Mello
CDD: 327
Agradecimentos
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710844/CA
Aos meus pais, à minha irmã e ao meu tio George, pelo carinho incondicional e pela
torcida para o sucesso desta tese. Sem vocês, este trabalho não teria sido possível.
Aos Professores Monica Herz, Gustavo Sénéchal de Goffredo, Vagner Camilo Alves
e Clóvis Brigagão, por comporem a banca de Doutorado e pelo debate proporcionado
durante a defesa, enriquecendo os resultados deste trabalho com suas críticas e
sugestões.
Aos meus alunos das turmas de Problemas da Guerra e da Paz da PUC-Rio de 2006 a
2009, pelo espaço para o nascimento das idéias que levaram a esta tese. Muito do
que está nesta tese vocês ouviram em primeira mão. Agradeço ainda aos alunos que
se tornaram amigos e ajudaram com sugestões, comentários e apoio ao longo dessa
caminhada: Manoela Assayag, Fernando Malta, Rafael Gastão, Thiago Abrahão e
Carolina Taboada.
anos.
Palavras-chaves:
Segurança internacional; Violência; Novas Guerras; Estudos para a Paz;
Escola de Copenhague; Sarajevo.
Abstract
since its genesis. In this way, themes such as the “new wars” highlight the
absence of a conceptual debate about violence in security studies, leading to a lack
of explanatory capacity for understanding violence. The dissertation shows that
violence becomes an end unto itself as the “new wars” offer incentives absent in
everyday politics. The text suggests, with a view to filling this analytical lacuna
within security studies, increased dialogue between the speech act approach
espoused by the Copenhagen School and typologies of violence established by
scholars within peace studies. Such a dialogue would bring back to security
studies the important analytical focus on violence, thus reestablishing a productive
relationship between theory and practice. As an illustrative example, the
dissertation uses the siege of Sarajevo.
Keywords:
International Security Studies; Violence; New Wars; Peace Studies; The
Copenhagen School of International Relations; Sarajevo.
Sumário
1 Introdução 14
2 Situando o argumento 18
2.1.
As
origens
dos
Estudos
de
Segurança
19
2.1.1.
Violência
como
escolha
estratégica:
a
teoria
estratégica
e
a
filosofia
política
20
2.1.2.
Violência
como
guerra:
as
Relações
Internacionais
23
2.2.
A
formalização
da
Segurança
e
o
desenvolvimento
do
campo
28
2.2.1.
A
Segurança
na
Guerra
Fria
29
2.2.1.1.
A
Era
de
Ouro
30
2.2.1.2.
O
Renascimento
dos
estudos
de
Segurança
33
2.2.2.
A
Segurança
na
linha
de
fogo:
alargamento
e
aprofundamento
35
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710844/CA
2.2.3.
A
perda
da
relação
produtiva
entre
teoria
e
prática
na
Segurança
37
2.3.
Produzindo
conhecimento
útil:
a
relação
produtiva
entre
teoria
e
prática
e
a
relevância
política
40
2.4.
Pergunta
de
pesquisa
e
hipóteses
45
2.4.1.
Pergunta
de
pesquisa
45
2.4.2.
Hipóteses
46
2.4.2.1.
Hipóteses
auxiliares
46
2.5.
Questões
metodológicas
47
2.5.1.
A
escolha
do
arcabouço
teórico
para
revisão
da
literatura
de
Segurança
47
2.5.2.
A
importância
e
o
caráter
ilustrativo
do
caso
apresentado
50
2.5.3.
Definições
e
conceitos
52
3 A literatura de Segurança 54
3.1.
There
and
Back
Again:
o
papel
do
Realismo
60
3.2.
O
alargamento
da
Segurança:
o
impacto
do
Liberalismo
67
3.3.
O
Aprofundamento
da
Segurança
76
3.3.1.
Os
Estudos
Críticos
de
Segurança
77
3.3.1.1.
Os
Estudos
Críticos
80
3.3.1.2.
Escola
Galesa
92
3.3.2.
A
Segurança
Humana
99
3.3.3.
Escola
de
Paris
e
a
Sociologia
Política
Internacional
103
3.3.4.
Escola
de
Copenhague
109
3.4.
Conclusão
118
4.2.1.3.
Em
busca
de
uma
síntese:
uma
convergência
conceitual
150
4.2.2.
Os
eixos
analíticos
da
guerra
nas
novas
guerras:
mudanças
nas
dinâmicas
152
4.2.2.1.
A
Quebra
da
Institucionalização
e
a
Mudança
nos
Objetivos
154
4.2.2.2.
O
warfare
das
novas
guerras
162
4.2.2.3.
Os
mecanismos
de
financiamento
e
suporte
das
novas
guerras
170
4.2.3.
As
dinâmicas
e
a
dimensão
da
violência
nas
novas
guerras
176
4.2.3.1.
A
Violência
Top-‐Down
178
4.2.3.2.
A
Violência
Bottom-‐Up
181
4.2.4.
Enxergando
as
mudanças:
o
papel
social
da
violência
nas
novas
guerras
185
4.3.
Conclusão
194
Conclusão 297
Uma
nova
face
da
violência
298
A
violência
como
fim
300
A
contribuição
para
a
relação
produtiva
entre
teoria
e
prática
na
Segurança
302
Trazendo
a
violência
para
a
Segurança:
os
Estudos
para
a
Paz
e
a
macro-‐
securitização
304
Contribuições
para
a
disciplina
de
Relações
Internacionais
305
BH Bósnia-Herzegovina
RS República Sérvia
A teoria emana da prática, que obtém com a teoria as diretrizes para ação,
em uma relação de mútua colaboração: a teoria instrui a prática, que por sua vez,
dá as bases para o desenvolvimento da teoria. Chamamos essa interação de
relação produtiva entre teoria e prática, que resulta em um conhecimento
relevante, útil para o processo de tomada de decisões.
Assim, esta tese tem como objetivo explicar por que a literatura de
Segurança deixou de associar teoria e prática de forma produtiva. Nossa hipótese
central sugere que a relação foi rompida pela marginalização do tema “violência”
no debate teórico da disciplina, que deixou de problematizar a violência e
ocasionou a perda do seu eixo orientador, que caracterizaria a disciplina.
visível e globalizado do conflito armado que assolou aquele país. Ele não apenas
consiste no cerco mais longo da História moderna, mas configura-se como um
empreendimento político que, sem perder seu foco militar, teve sua
institucionalização rompida, transformando-se em um exemplo da violência das
novas guerras, tanto pelos propósitos excludentes, quanto pela lógica colaborativa.
Seu resgate nesta tese tem por objetivo ilustrar e proporcionar exemplos da
dimensão da violência, bem como do papel que ela assume nas novas guerras.
1
Cabe aqui um esclarecimento sobre a diferenciação entre Segurança e segurança neste
trabalho. O termo segurança, com s minúsculo, diz respeito a um tipo especial de política criado
pela interação entre atores políticos, gerando um estado que refletiria a presença ou não de
ameaças àquele ator: segurança é um problema político, mas nem todo problema político é
segurança (Walt, 1991; Buzan et al, 1998; Kolodziej, 2005). O que torna a segurança uma relação
especial é que ela permite o uso da violência (Kolodziej, 2005, p. 23). Estudos de Segurança (ou
simplesmente Segurança, com s maiúsculo), por outro lado, são vertentes ou arcabouços teóricos
que nos permitiriam explicar e entender o comportamento dos atores em relação à sua intenção de
usar a violência para atingir seus fins (Wolfers, 1952; Walt, 1991; Kolodziej, 2005). Constituem,
pois, uma contribuição racional ao estudo do agente. Neste trabalho, expressões como o “campo
da Segurança” e “área da Segurança terão significado igual ao de “Segurança”.
Situando o argumento 19
2.1.
As origens dos Estudos de Segurança
sp.) resgata Kenneth Thompson para ilustrar essa relação entre teoria e prática,
mostrando que aquela emana desta. Os mesmos indivíduos que assessoravam
líderes e tomadores de decisões eram autores de trabalhos que sustentavam essas
estratégias. O intelectual deveria produzir conhecimento útil ao burocrata.2
2
“Uma expressão concreta da antítese entre teoria e pratica na política é a oposição entre o
‘intelectual’ e o ‘burocrata’: o primeiro treinado a pensar, principalmente, por linhas apriorísticas,
e o último, a pensar ‘empiricamente’. É da natureza das coisas que o intelectual deva encontrar-se
do lado que procura adequar a prática à teoria; pois os intelectuais são particularmente relutantes
em reconhecerem seu raciocínio como condicionado por forças externas a eles próprios, e gostam
de pensar em si mesmos como líderes cujas teorias proporcionam a força motriz para os chamados
homens de ação” (Carr, 2001, p. 20-21). Essa colocação se aproxima bastante do comentário
jocoso feito por Leonard Woolf sobre o papel do teórico e do homem de ação, em diferentes
momentos: “[e]veryone is born either a ‘practical man’ or an ‘amiable crank’, and by their words,
oddly enough, you shall know them. (...) Now it is a curious fact that the practical man of
tomorrow almost invariably says exactly what the amiable crank is hanged or laughed at fot saying
by the practical man of today” (Woolf, 1916, p. 159).
De todo modo, usamos neste trabalho as expressões “intelectual” e “teórico” como
sinônimos para nos referirmos à produtores de conhecimento, acadêmico ou não, que auxiliem o
formulador de decisões a desenvolver suas diretrizes. Por outro lado, o uso dos termos
“burocrata”, “formulador de decisões” e “tomador de decisões” representa a mesma categoria de
operadores da política e de atores que participam do processo decisório.
Marcelo Mello Valença 20
2.1.1.
Violência como escolha estratégica: a teoria estratégica e a filosofia
política
burocratas.
3
Essa definição de violência nos parece bastante útil porque permite a operacionalização da
violência a partir de linhas gerais, facilmente perceptíveis. Ela também não envolve aspectos
problemáticos e que precisariam de definições complementares. Certamente essa definição de
violência abre espaço para um leque de exemplos para evidenciá-la na prática, mas todos remetem
a essa estrutura básica. Sobre a nossa opção em definir conceitos, ver a seção 2.5.3.
4
A máxima de Thomas Hobbes de que os indivíduos abriam mão de sua liberdade em troca
de segurança (Hobbes, 1984, p. 78-81) é o exemplo maior de que o foco na violência e no uso da
força está nas origens do Estado e das relações internacionais (Devetak, 2008, p. 10).
5
Alguns dos principais nomes da teoria estratégica foram Raimondo Montecuccoli (1609-
1680), marechal do Império Habsburgo; Sébastien le Preste de Vauban (1643-1715), engenheiro-
chefe dos exércitos de Luis XIV; e Antoine-Henri de Jomini (1779-1869), oficial de Napoleão que
também lutou pelo exército russo. Quanto à contribuição à guerra no mar, temos Alfred Thayer
Mahan, oficial da Marinha dos EUA, e Julian Corbett, escritor britânico. Em relação à guerra
aérea, o nome de maior destaque é o do oficial italiano Giulio Douhet. Sobre esses autores, suas
biografias e contribuições, ver Proença et al (1999), Moran (2002, p. 18-39), Keegan (2003, p. 51-
52) e Koliopoulos (2010). O nome de Carl Von Clausewitz é mencionado freqüentemente na
teoria estratégica, ainda que não tenha sido esse seu objetivo ou propósito.
6
O interesse decorria das escolhas por diversas razões. A mais óbvia pode ser atribuída aos
assessores militares que, envolvidos diretamente com a guerra e sendo impactados por seus
resultados práticos, dependiam de escolhas conscientes para a sua própria sobrevivência. Sobre o
papel dos conselheiros políticos, sua relação com a produção intelectual e o processo burocrático,
ver Kenkel (2005).
Marcelo Mello Valença 22
7
Sobre a organização para a guerra, institucionalização e partes legítimas para usar a força
e para sofrer os seus impactos, favor referir a seção 4.1, onde discutimos a guerra tradicional.
8
Evans e Newnham (1998, p. 463-464) resgatam o trabalho de Herbert Simon para apontar
que a melhor estratégia para o formulador de decisões não é aquela que o levará a atingir seu
objetivo necessariamente, mas aquela que se mostra útil o suficiente para satisfazer seus
propósitos. Assim, a racionalidade envolve, também, esse mecanismo de satisfação que deriva da
escolha realizada pelo burocrata, não apenas o alcance pleno de seus objetivos.
Situando o argumento 23
decisões e, com isso, tornou-se uma importante ferramenta de política, com papel
central na formação dos Estados (Tilly, 1985, p. 181).
2.1.2.
Violência como guerra: as Relações Internacionais
9
A criação de um corpo teórico que conectasse as demandas políticas às justificativas
filosóficas veio com Antoine-Henry Jomini. Baseado em estudos históricos, Jomini desenvolveu
conceitos, regras e princípios de assimilação imediata para fins políticos, mas com aplicação
universal (Proença et al, 1999, p. 54-56; Lonsdale, 2008, p. 46-47): “[h]is insistence that warfare
be based upon universally applicable, but also broadly adaptable, principles, rather than upon a
dogmatic system of approved practices, was an intellectual advance of lasting importance”
(Moran, 2002, p. 25-26).
10
Nesse aspecto, cabe apontar uma observação bastante significativa extraída do livro de
Clausewitz quanto aos interesses que deveriam ser buscados através da guerra. Apesar da guerra
estar disponível para o Estado, apenas os seus interesses vitais demandariam a sua utilização. A
mobilização que envolve a guerra é extensa e custosa e, dessa forma, é preciso que ambos os lados
envolvidos considerem os interesses em jogo vitais. Do contrário, a guerra não seria necessária
(Clausewitz, 2003, p. 16-18). Tal posição é muito próxima àquela defendida por Pufendorf, que
via na guerra o último e mais extremo recurso para defender os interesses de um ator político
(Boucher, 1998, p. 240). O recurso à guerra, tanto para Clausewitz quanto para Pufendorf, era
uma escolha ponderada e racional, fundamental para os objetivos buscados.
Marcelo Mello Valença 24
Era nesse contexto que a área de Relações Internacionais nascia. Seu objeto
de estudos era a guerra e o conhecimento teórico se voltava para entender as
causas da guerra, evitando-a.12 A contribuição intelectual que eventualmente se
tornaria o arcabouço teórico da disciplina vinha de assessores, diplomáticos e
políticos,13 em sua maior parte da Inglaterra e dos Estados Unidos.14 A
importância da contribuição intelectual se dava na medida em que auxiliava o
burocrata a desenvolver estratégias de ação – mais especificamente, sobre como
ordenar a violência de forma a limitar a incidência da guerra.
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11
Sobre o tema, ver Woolf (1916) e Wilson (1918). Angell (2002), mesmo escrevendo
antes da I Guerra Mundial, apresenta uma análise bastante consciente dos problemas causados pela
guerra na ordem e nas novas formas de acumulação de riqueza.
12
Esse referencial para apontar o nascimento das Relações Internacionais como disciplina é
uma mera conveniência. Brian Schmidt (2010, sp.) afirma que a disciplina nasceu em reação aos
horrores da I Guerra Mundial e tem sua “data de fundação” geralmente associada à criação do
departamento de Política Internacional de Aberystwyth, em 1919. Corroborando tal
posicionamento, Jack Donnelly (1995, p. 178) também aponta a I Guerra Mundial como ponto de
partida para os estudos de Relações Internacionais.
13
Joseph Lepgold e Miroslav Nincic colocam que independentemente da origem dos
autores de Relações Internacionais no início da disciplina, eles eram considerados intelectuais
públicos – public intellectuals, no original em inglês. Isso significava que as suas idéias
repercutiam não apenas dentro da academia, mas também em círculos públicos, seja junto aos
formuladores de decisão ou ao público geral. Isso não é curioso caso consideremos a origem
etimológica da palavra “intelectual”. Ela remete àqueles indivíduos que buscam produzir
conhecimento político, divulgando-o publicamente para a sociedade. Originalmente, seu uso se
deu para nomear os pensadores que defenderam o Capitão Dreyfus da acusação de traição a ele
imputada na França, em 1889. Posteriormente, o termo “intelectual” passou a se referir
genericamente aos pensadores que difundiam conhecimento político ao público em geral (Lepgold
e Nincic, 2001, p. 9-10).
14
A produção intelectual das Relações Internacionais era – e continua sendo – produzida
nos EUA e na Inglaterra. Exceções existem, obviamente. Àquela época, uma dessas exceções era
Raymond Aron, acadêmico e político francês que construiu a sua carreira em seu país de origem,
mas que passou boa parte da década de 1940 na Inglaterra (Griffiths, 2004, p. 13). Sobre a
caracterização das Relações Internacionais como uma teoria tipicamente norte-americana, ver
Hoffmann (1977) e sua discussão sobre o caráter racionalista da área e a estreita correlação com o
processo decisório político. Posição contrária é manifestada por Steve Smith (2000). Neste texto,
Smith promove uma revisão da literatura teórica de Relações Internacionais e sugere que há
contribuições espalhadas pelo mundo, especialmente no Reino Unido, que conseguem oferecer um
arcabouço para se pensar na disciplina tão eficiente quanto o produzido nos EUA.
Marcelo Mello Valença 26
guerra fossem desenvolvidas: justamente por lidar com um tema tão urgente
quanto a guerra, ela se voltava para questões práticas e imediatas, instruindo a
ação conforme o interesse dos burocratas.
15
Os debates teóricos que tradicionalmente são considerados no desenvolvimento
ontológico e epistemológico da disciplina, até mesmo pela forma como são construídos e
ordenados, evidenciam o progresso científico característico do Iluminismo (Hollis e Smith, 1991,
p. 16-17). Tal imagem romperia com a ordem anteriormente existente, separando uma época de
violência e barbarismo de uma nova “fase” da humanidade, que conseguiria superara guerra em
nome do desenvolvimento. Isso acaba por construir a auto-imagem do campo, seus eventos
marcantes e os desafios políticos que deles decorrem, caracterizando a disciplina (Schmidt, 1998,
p. 452-453; Schmidt, 2005, p. 4-5; Schmidt, 2010, sp.).
Situando o argumento 27
firmes, seu viés e finalidade eram bastante específicos e voltados para a resolução
de problemas. Todavia, esses trabalhos proporcionavam princípios
universalmente aplicáveis, possibilitando que as Relações Internacionais fossem
vistas como um corpo consolidado e não como um conjunto de diretrizes
políticas. Deste modo, inspirariam e instruiriam o burocrata sobre como agir em
situações semelhantes: “theory in the study of politics, including world politics,
has traditionally been intended to guide practice” (Lepgold e Nincic, 2001, p. 2).
Theory and method are, therefore, means not ends: they exist to promote our
understanding of empirical causes by encouraging theoretical breadth, logical
coherence, and empirical objectivity (Moravcsik, 2003, p. 133).
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[B]oth theorists and practitioners seek a clear and powerful understanding of cause
and effect about policy issues, in order to help them diagnose situations, define the
range of possibilities they confront, and evaluate the likely consequences of given
courses of action (Lepgold e Nincic, 2001, p. 3).
Mesmo assim, enxergava-se que a violência ainda era uma opção; ilegítima,
mas uma opção. A organização da violência continuava a ser uma necessidade.
Mas não mais era uma responsabilidade das Relações Internacionais, que
abordariam a guerra de outra maneira. A violência seria organizada e legitimado
em outra dimensão. Seu caráter estratégico foi resgatado pela Segurança e
incorporada como uma estratégia política à disposição dos Estados, conforme seus
interesses e disposição de arcar com seus custos.
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2.2.
A formalização da Segurança e o desenvolvimento do campo
2.2.1.
A Segurança na Guerra Fria
16
Esta seria a lógica das políticas visando a deterrência que, inclusive, é apontada como a
principal representação da aplicação política da Segurança (Nye e Lynn-Jones, 1988, p. 11; Payne
e Walton, 2002; Buzan e Hansen, 2010, sp.).
17
Sobre o tema, ver Wolfers (1962) e Morgenthau (2003, p. 199-214). Este pensamento
era possível em função do caráter científico que a Segurança assumia, valendo-se de teorias de
escolha racional e análises cognitivas para delimitar seu objeto de estudo. Um dos grandes
incentivadores dessa postura é John Mearsheimer, que afirma que os estudos das Relações
Internacionais ainda não seria semelhante ao das ciências naturais, mas que deveriam se beneficiar
de predições e métodos científicos para obter maiores sucessos e consolidar-se como uma
verdadeira ciência (Mearsheimer, 1990, p. 9).
Marcelo Mello Valença 30
2.2.1.1.
A Era de Ouro
18
Em função dessa definição de interesse nacional, que corrobora os interesses norte-
americanos e os universaliza, alguns autores atribuem críticas de um etnocentrismo demasiado no
campo (Haftendorn, 1991, p. 5; Sheehan, 2005, p. 7; Morgan, 2007, p. 14-15).
19
De acordo com Barry Buzan e Lene Hansen (2010, sp.), os estudos de Segurança não
eram uma exclusividade dos EUA, mas sua associação com aquele país se dava em grande parte
em função do poder que ele detinha durante a Guerra Fria. Outros Estados ofereciam produções
relevantes para a Segurança também: “[w]e understand [Estudos de Segurança] to be a mainly
Western subject, largely done in North America, Europe and Australia, with all of the Western-
centrisms that this entails” (Buzan e Hansen, 2010, sp.).
20
A divisão em Era de Ouro e Renascimento foi proposta por Stephen Walt (1991) e ajuda
a entender, de forma didática, as diferenças institucionais na consolidação da Segurança como
corpo teórico. Ainda que não reconhecido por Walt, tal divisão é baseada nos dois períodos da
política externa dos EUA em relação a Guerra Fria (Kolodziej, 1992a, p. 429).
Situando o argumento 31
predomínio do Realismo político era responsável por esse viés, mas a presença de
analistas e assessores civis se caracterizaria pelo desenvolvimento de modelos
racionais que possibilitassem prever a ação do adversário, inspirados pela teoria
dos jogos e os estudos de Economia.
During this golden age, Western governments found that they could rely on
academic institutions for conceptual innovation, hard research, practical proposals,
and, eventually, willing recruits for the bureaucracy. Standards were set for
relevance and influence that would prove difficult to sustain (Freedman, 1998,
p. 51).
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21
Exemplo disso são as estratégias de retaliação maciça e resposta flexível, desenvolvidas
nos governos Eisenhower e Kennedy, respectivamente (Payne e Walton, 2002, p. 167-169). A
primeira propunha a retaliação com toda a força possível – ou seja, força nuclear – a avanços
soviéticos na Europa. A estratégia da resposta flexível, por sua vez, pretendia oferecer retaliações
“à altura” das ações realizadas pela União Soviética contra os aliados norte-americanos. O uso da
força é central para essas estratégias darem certo, mas também busca prevenir que a guerra
aconteça a partir de uma ameaça certa e concreta.
Marcelo Mello Valença 32
2.2.1.2.
O Renascimento dos estudos de Segurança
22
O que não significa que antes de 1980 não houvesse pleitos, nem tampouco produção
acadêmica voltada para uma renovação no pensamento sobre o que é segurança e o que significa
estar seguro. “Although the terms ‘widening’ and ‘deepening’ had not yet become established
tropes in the 1960s and 1970s, early phases of widening and deepening started well inside the Cold
War Era” (Buzan e Hansen, 2010, sp.). O artigo de Richard Smoke (1975) é uma prova disso.
Afirmamos que a década de 1980 marcou essa mudança porque a produção teórica nesta década
foi significativa para os debates teóricos da Segurança, a partir da década seguinte. Ademais,
trabalhos como o de Barry Buzan (1991, mas com a primeira edição acontecendo na primeira
metade da década de 1980) e Richard Ullman (1983) foram escritos neste período, contribuindo
para o debate na Segurança.
Situando o argumento 35
davam à área não seria capaz de explicá-la satisfatoriamente: era preciso alargar o
objeto de estudos (Ullman, 1983, p. 123; Kolodziej, 1992b, p. 6).
2.2.2.
A Segurança na linha de fogo: alargamento e aprofundamento
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23
Em inglês, no original, wideners.
Marcelo Mello Valença 36
24
Outros trabalhos que formam a posição ampliacionista são Brown (1989), Nye (1988),
Haftendorn (1991) e Kolodziej (1992b). O trabalho de Brown, inclusive, é parte de uma edição
especial da Survival que tratava apenas de questões estratégicas não-militares.
25
Ullman usa a expressão “coeficiente de segurança” para representar essa sensação de
segurança. Desta forma, ele consegue se aproximar da cientificidade e precisão que o campo
demanda, evitando abstrações imensuráveis que pudessem abrir margem para críticas à sua
proposta. Esta tensão entre cientificidade e subjetividade, precisão e emoção, é retratada por Bill
McSweeney na forma da dicotomia entre a imagem substantiva e a imagem adjetiva da segurança
representando, respectivamente, a visão masculina e a visão feminina da política (McSweeney,
1999, p. 13-16).
26
Em inglês, no original, deepeners.
Situando o argumento 37
The wideners argue that a predominantly military definition does not acknowledge
that the greatest threats to state survival may not be military, but environmental,
social and economic. The deepeners, on the other hand, ask the question of whose
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security is being threatened and support the construction of a definition that allows
for individual or structural referent objects, as opposed to the state (Tarry, 1999,
p. 1, grifo original).
2.2.3.
A perda da relação produtiva entre teoria e prática na Segurança
Estes elementos das novas guerras são explicados por meio de outras áreas
do conhecimento, esvaziando a contribuição da Segurança. Contudo, se olharmos
para a questão valendo-nos da violência como estratégia política, podemos
compreender que estes temas – identidades, economia, legitimidade política e
outros – são parte de um esforço mais fundamental, que coloca a violência em
primeiro plano. Sua origem se dá a partir do uso da força como condição para
romper a resistência ao alcance dos interesses dos atores, e a utilização desse
instrumental espalha-se para outras áreas como parte da violência, não como uma
dimensão estranha a ela. A partir de sua compreensão – o que, em maior ou
menor escala, é buscado pelos defensores do aprofundamento da segurança – é
possível informar estratégias políticas para orientar os formuladores de decisão a
se comportarem adequadamente a tais desafios.
2.3.
Produzindo conhecimento útil: a relação produtiva entre teoria e
prática e a relevância política
Uma vez que o cenário político pudesse ser modelado a partir da abstração
proporcionada pela reflexão intelectual, restava evidente o grau de prescrição que
recaía sobre a reflexão intelectual. A correlação entre causa e efeito, resultados e
ações, e as conseqüências que delas decorreriam eram trabalhadas de forma a
proporcionar a racionalidade da ação de acordo com os resultados desejados.
Com isso, seria possível avaliar as decisões políticas através de parâmetros
mensuráveis e perceber se o sucesso das estratégias adotadas foi alcançado ou não
(Walt, 2006, p. 29-34).
Esse tipo de conhecimento evidencia que há uma lógica que une os atores
envolvidos no processo político, mas essa lógica não implica igualdade nas
escolhas. Do mesmo modo que os demais tipos de conhecimento moldam graus
de previsibilidade de sucesso, o conhecimento em relação ao outro ator gera
expectativas da reação, não a certeza de como esta se dará. O propósito do
conhecimento é tornar mais eficiente a estratégia adotada, mas não há como
assegurar o seu pleno sucesso. A recíproca também é verdadeira: compreendendo
a lógica da ação do adversário é possível entender as condições que moldam as
expectativas do outro em relação a si próprio. “One’s self-image (...) is seldom
the same image that is perceived by the adversary and that influence his
perception and behavior” (George, 1993, p. 129).
Uma relação produtiva entre teoria e prática, como a que existe entre
filosofia política e teoria estratégica e que é replicada nas Relações Internacionais
e nas origens da Segurança, faz com que os problemas políticos inspirem a busca
por resposta por parte da teoria. Esta, por sua vez, informa a política sobre as
Marcelo Mello Valença 44
melhores estratégias para a satisfação dos interesses dos burocratas. Como síntese
desse processo, os resultados obtidos pelo burocrata no desenvolvimento de suas
estratégias de ação refinam o conhecimento do intelectual que, em situações
semelhantes no futuro, possuiria um instrumental analítico mais apurado. Em
uma relação produtiva entre teoria e prática tornar-se-ia impossível dissociar uma
dessas dimensões sem comprometer a eficiência da outra.
Para fins desta tese, entendemos como politicamente relevante a teoria que
combina diretrizes amplas e generalizações limitadas voltadas para determinar se
uma estratégia pode ou não atingir seus objetivos, oferecendo alternativas para o
decisor. Uma teoria politicamente relevante ainda oferece o conhecimento
específico para o ator político agir com base nos padrões de comportamento dos
demais atores, especialmente dos seus adversários (George, 1993, p. 103; Jackson,
2010, sp.), produzindo fatos e dados que contribuam para o esclarecimento de
uma realidade pelos formuladores de política e para a tomada de decisões do
formulador de decisões (Wallace, 1996, p. 301). A relevância política pode ser
compreendida a partir da síntese dos três tipos de conhecimento úteis apontados,
pois permitiria instruir a ação política através do elenco das estratégias possíveis e
das expectativas de sucesso decorrentes de sua escolha (Lepgold e Nincic, 2001,
Situando o argumento 45
2.4.
Pergunta de pesquisa e hipóteses
2.4.1.
Pergunta de pesquisa
Esse cenário nos traz a pergunta de pesquisa que norteia essa tese. Por que
a literatura de Segurança deixou de associar teoria e prática de forma produtiva?
2.4.2.
Hipóteses
2.4.2.1.
Hipóteses auxiliares
2.5.
Questões metodológicas
2.5.1.
A escolha do arcabouço teórico para revisão da literatura de
Segurança
27
Torna-se praticamente impossível mapear todas as contribuições teóricas que surgem em
livros, bases de dados e periódicos especializados no que diz respeito à Segurança. Assim,
reconhecemos que diversas correntes teóricas podem trabalhar o que consiste estar seguro, mas
nem toda contribuição necessariamente diz respeito à Segurança. Sabemos que as escolhas que
fazemos podem não ser as mais aceitas, mas elas se baseiam em obras consagradas e, portanto, são
respaldadas por pesquisas tidas como sérias e consistentes.
Situando o argumento 49
quais teorias fazem Segurança. São com estas últimas que nossa revisão de
literatura dialoga.
Steve Smith, por sua vez, faz um trabalho semelhante ao de Stephen Walt
(1991), mapeando o campo da Segurança, mas direcionando suas lentes para as
teorias críticas e às suas contribuições à área. Ele aproveita a delimitação das
fronteiras da disciplina realizada pelo Realismo e apresenta as contribuições
dessas teorias para entender a lógica que rege o campo. Sua preocupação também
é apontar quem faz Segurança, mostrando que nem todos os pleitos por segurança
representam uma preocupação legítima em compreender o que implica a
disciplina. Seu debate sobre o caráter contraditório do conceito de segurança é
uma prova desse inchaço do campo. Todos falam de segurança, poucos fazem
Segurança.
Os grandes eixos aos quais nos referimos são três: (i) o Realismo, como
teoria predominante na Segurança e principal orientadora na sua criação; (ii) a
crítica ampliacionista, representada pelo Liberalismo; e (iii) as correntes críticas
Marcelo Mello Valença 50
2.5.2.
A importância e o caráter ilustrativo do caso apresentado
papel e a sua utilidade para esta tese. Começamos com a justificativa de sua
escolha.
28
Steve Smith, mais especificamente, analisa outras teorias que podem ser elencadas no rol
das teorias críticas – o feminismo, construtivismo e o pós-estruturalismo –, mas reforça que sua
contribuição decorre mais do impacto inevitável das Relações Internacionais na Segurança do que
propriamente um enfoque específico nesta área.
29
Welsh School, no original em inglês.
30
Outros conflitos acontecidos nesse período remeteram a identidades comunitárias não-
estatais, tal como aconteceu na ex-Iugoslávia. Contudo, enquanto no país europeu essas
identidades eram seculares e foram, alternadamente, exacerbadas e silenciadas, em outros locais do
Situando o argumento 51
Quanto ao seu tratamento por esta tese, ressaltamos que seu caráter é
ilustrativo e não analítico. Apesar de reconhecermos que há uma diversidade de
excelentes relatos sobre o cerco e sobre a guerra da BH, que narram quase que de
forma literária os acontecimentos, nosso objetivo é exemplificar algumas das
dinâmicas apresentadas no estudo das novas guerras e correlacioná-las às
proposições trazidas pelos Estudos para a Paz e a micro-securitização.
mundo essas referências foram construídas no início do processo de formação do Estado. Como
exemplo, no caso de Ruanda, as identidades hutu e tutsi foram construídas pelos belgas para
designar a classe dominante no país (Gourevitch, 1998, p. 55-57), não encontrando fundamentos
na história – apenas nas carteiras de identidade.
31
Kaldor acredita que a centralidade que a guerra na BH eventualmente assumiu nas
agendas políticas, especialmente a partir de 1995, a tornará um marco para a década de 1990
(Kaldor, 2001, p. 32).
Marcelo Mello Valença 52
2.5.3.
Definições e conceitos
Cabe aqui uma breve explicação sobre como as definições são formuladas
neste trabalho e de que maneira construímos os conceitos trabalhados. “It matters
how we define words, not merely that we define them” (Gerring, 2001, p. 65).
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Nosso objetivo nesta ressalva é deixar clara a opção que fizemos ao trabalhar os
conceitos apresentados, neste capítulo e ao longo da tese.
32
John Gerring propõe pensar em oito critérios para uma definição ideal de um conceito.
Estes são (i) coerência, (ii) operacionalização, (iii) validade, (iv) utilidade para o campo,
(v) razoabilidade, (vi) contextualização, (vii) parcimônia e (viii) utilidade analítica (Gerring, 2001,
p. 41-60). Os propósitos de John Vasquez se inserem nessas preocupações, ainda que ele não seja
Situando o argumento 53
utilizados para descrever o conceito, mais preciso ele se mostrará. Portanto, ainda
que tal intenção esbarre em eventuais críticas sobre isenção, procuramos definir os
conceitos utilizando termos que não remetam a uma teoria ou referência
valorativa. Isso nos permite utilizá-lo de forma ampla e, caso necessário,
promovemos a sua aproximação ao caso específico.
tão incisivo em delimitar cada elemento que compõe um conceito. David Baldwin faz uma
discussão sobre o poder explicativo dos conceitos a partir dos cinco critérios estabelecidos por
Oppenheim (Baldwin, 1993, p. 7).
3
A literatura de Segurança
33
A opção pela violência é um aspecto racional, voltado para um determinado fim e que
deve ser pensado em termos relacionais, não isoladamente: não é possível sofrer violência estando
isolado de relações sociais. Ao mesmo tempo, é preciso ser capaz de produzir tal violência: a idéia
de capacidade que decorre dessa assertiva envolve pressupostos materiais igualmente relacionais,
i.e., um ator, para praticar violência, deve ser materialmente capaz de infligir o dano sobre outrem.
Apenas o elemento volitivo não é suficiente.
34
Como já exposto nesta tese, entendemos como politicamente relevante a teoria que
combina diretrizes amplas e generalizações limitadas voltadas para responder se uma determinada
estratégia pode ou não dar certo, identificando as conseqüências das diferentes diretrizes
apresentadas.
A literatura de Segurança 55
mas não pretende se aventurar por tal seara. Também não é nosso objetivo
problematizar o conceito de segurança em termos de seu conteúdo:36 concordamos
com Steve Smith (2005) que este é um termo contestado e, portanto, nos
preocupamos apenas em apontar que o silêncio da Segurança quanto a violência
impede relações produtivas entre a teoria e a prática.
Posto isso, ressaltamos que nossa revisão da literatura não assume dimensão
constitutiva. Ela se caracteriza pela exposição da forma como a violência é
tratada pelas teorias de Segurança e do seu afastamento gradual dos aspectos
originais que caracterizavam a disciplina. Inicialmente, segurança e violência
eram tidas como indissociáveis, mas com a sua marginalização, essa correlação
foi quebrada. Discutimos este ponto a partir da contextualização e inserção do
35
Em poucas palavras, as novas guerras devem ser entendidas como conflitos armados não-
institucionalizados de natureza intra-estatal envolvendo uma miríade de atores, especialmente não-
estatais em ambos os pólos da violência e cujo objetivo específico não seria apenas militar, mas
envolveria aspectos econômicos e políticos. No próximo capítulo resgatamos o debate conceitual
que nos ajuda a entender as novas guerras a partir destes termos, aprofundando esta discussão.
36
Sobre o debate conceitual, Smoke (1975) e Wolfers (1952 e 1962) oferecem
contribuições importantes e que se tornaram referência na questão envolvendo o que seria
segurança nacional. Smoke (1975), Ullman (1983), Baldwin (1993) e Huysmans (1998)
problematizam, sob diferentes óticas, o conceito de segurança e a sua repercussão na política.
Além destes, temos trabalhos categorizados nas teorias de Relações Internacionais, como os de
Kenneth Waltz (1979), Robert Gilpin (1981) e Raymond Aron (2002), que dialogam, ainda que
marginalmente, com elementos que conceituariam a segurança.
Marcelo Mello Valença 56
corpo teórico no debate sobre Segurança que tomou espaço nas décadas de 1990 e
2000.
37
Em inglês, no original, freedom from fear e freedom from want.
A literatura de Segurança 59
38
Mais precisamente, seriam os Critical Approaches of Security in Europe, daí o acrônimo
c.a.s.e. para representá-los. A Escola Galesa também faz parte do c.a.s.e., mas optamos por seguir
a posição de Steve Smith (2005) e trabalhá-la junto com os Estudos Críticos de Segurança.
Marcelo Mello Valença 60
3.1.
There and Back Again: o papel do Realismo
39
Reconhecemos a existência de diversas e diferentes formas do pensamento realista, ainda
que existam alguns elementos, limitados, que tornam comum tal tradição (Morgan, 2007, p. 16),
especialmente sobre a natureza anárquica do sistema internacional, a primazia da política sobre a
economia e do uso da força militar como instrumento de política internacional. “Realism operates
within a clear paradigm. Nevertheless, it is an extremely broad church” (Sheehan, 2005, p. 25).
Um dos textos mais citados para justificar a posição realista no debate sobre o campo no momento
imediatamente posterior ao final da Guerra Fria (Walt, 1991) e que nos serve de guia, por
exemplo, é freqüentemente entendido como neo-realista, ainda que seu autor não assuma essa
posição especificamente. Consideramos a tradição realista como uma corrente coerente e nos
referiremos a ela tal como se fosse única, a menos quando houver especificidades pertinentes a
uma vertente ou outra. Neste caso, estas peculiaridades serão explicitadas. Sobre o debate e/ou
categorização das diferentes vertentes do Realismo, ver Mearsheimer (1990), Rose (1998), Walt
(1998), Lynn-Jones (1999), Legro e Moravcsik (1999), Feaver et al (2000) e Morgan (2007).
Sobre as origens filosóficas do Realismo, uma obra de referência é o livro de David Boucher
(1998).
A literatura de Segurança 61
Military forces are generally the preserve of states, even when they are not.
Indeed, our common definition of the state is that institution which has a monopoly
on the legitimate means of violence. Therefore, by studying the threat, use and
control of military force, security studies privileges the position of the state
(Mutimer, 2007, p. 55).
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40
Outro tema seria o statecraft, práticas do Estado que teriam ligação direta com o uso da
força, como a diplomacia. Tanto o uso da força quanto a diplomacia são temas formados por
variáveis manipuláveis, que podem ser racional e objetivamente estudadas (Walt, 1991).
41
Não à toa, um dos estudos mais influentes da teoria de Relações de Internacionais aponta
que o escopo da área diria respeito à guerra e à diplomacia, as principais formas de um Estado
atuar no plano internacional. Surgiria daí a assertiva de que as Relações Internacionais se
posicionam à sombra da guerra (Aron, 2002).
Marcelo Mello Valença 62
42
Sobre o equilíbrio de poder, ver Waltz (1979); Walt (1985), Bull (2002) e Little (2007).
Sobre o dilema de segurança, ver Jervis (1978), Glaser (1997) e Booth e Wheeler (2008).
43
Apesar da violência na segurança ser um produto natural da guerra, não devemos tomar
guerra e violência como sinônimos (Kalyvas, 2006, p. 20). Há outras formas de praticar violência
que não a guerra, mas apenas aquela decorrente do uso da força armada de maneira deliberada
A literatura de Segurança 63
políticas para lidar com a questão nuclear. Diante de um cenário que colocaria a
sobrevivência do Estado em risco, a Segurança ofereceria estratégias para mitigar
os riscos e aumentar seus ganhos.
envolvendo outros atores, quaisquer que fossem eles: “Realism focus on state-to-
state violence” (Sheehan, 2005, p. 21, grifo nosso). Essa escolha silenciava outras
formas de violência, produzidas ou não pelo Estado, mas tendo como destinatário
atores não-estatais, que seriam relegadas a outras áreas do conhecimento (Walt,
1991, p. 213). Por não afetar a estratégia para atingir objetivos no plano
internacional, esta violência não era relevante para o conhecimento produzido
para auxiliar o burocrata.
Ao mesmo tempo, essa era uma saída conveniente para a manutenção das
condições da bipolaridade, mesmo diante de manifestações violentas por
independência nos países periféricos. Considerar a ameaça militar como foco da
segurança era, pois, uma escolha política, racional e consciente das exclusões que
promovia (Kolodziej, 1992a; Sheehan, 2005). A escolha parecia natural para o
cenário da Guerra Fria e do ainda incerto futuro que a política reservava após o
seu fim. Era, também, adequada a um século permeado pela ameaça da guerra
entre os grandes poderes internacionais: “[g]iven the urgent nature of many of the
pelo ator político visando atingir seus interesses políticos, é objeto da Segurança. Outras formas
de violência, que não decorreriam do uso da força inter-estatal, são ignoradas pela Segurança,
devendo buscar acolhida em outras áreas. Trazê-las para a área da Segurança não contribuiria para
a reflexão política, logo essa ampliação apenas levaria à perda da coerência e, conseqüentemente,
da sua relevância.
Marcelo Mello Valença 64
44
Stephen Walt (1991) divide o período da Guerra Fria em dois momentos, a “Era de
Ouro” e o “Renascimento”, mostrando como a Segurança conseguiria se adaptar aos novos
contornos internacionais, mantendo seu foco na violência organizada.
45
“Although it is probably the most impressive theoretical achievement of international
security studies, deterrence theory has been criticized by many analysts” (Nye e Lynn-Jones, 1978,
p. 11). Sobre a deterrência, ver Jervis (1979), Waltz e Sagan (1995) e Payne e Walton (2002).
A literatura de Segurança 65
no rol das teorias politicamente relevantes. Isso foi possível porque o resultado de
suas pesquisas refletia as preocupações com a segurança do Estado e instruíam a
ação política, sintetizando suas estratégias na imagem da segurança nacional. A
relação com a prática delimitava os limites da Segurança como disciplina e
também marcava o espaço onde a produção intelectual seria possível – e, por
conseqüência, produtiva.
Após a crise enfrentada na Era de Ouro, surgia uma nova fase para a
Segurança. O Renascimento a aproximava das teorias de Relações Internacionais
e, especialmente, das próprias relações internacionais (Walt, 1991, p. 219;
Baldwin, 1995, p. 125), incorporando estudos históricos à área (Fierke, 2007,
p. 26) visando o resgate da importância e do apelo dos problemas de segurança
junto ao interesse público (Nye e Lynn-Jones, 1988, p. 10).
46
Eventuais tentativas de adequar o paradigma realista a novos desafios não se mostra tão
bem sucedido. Não há o descolamento da ameaça da violência inter-estatal no pensamento
realista. Exemplo disso é a compilação de artigos editada por Michael Brown et al (2004). O
título é “New Global Dangers: changing dimensions of international security” e inclui autores de
inclinação mais liberal, mas, ainda que haja novas ameaças, elas são dirigidas, em última instância,
ao Estado. Ver também Paris (2004), especialmente o gráfico na página 260.
Marcelo Mello Valença 66
prática, marcando a sua área de atuação. Uma vez que eles sejam abandonados,
perder-se-ia o valor da Segurança como área capaz de prover conhecimento
relevante para a política.
3.2.
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47
John Mearsheimer (Mearsheimer, 1994, p. 10) afirma que o período da Guerra Fria
corroboraria e comprovaria a validade de três pressupostos centrais do neo-realismo. São eles (i) o
princípio ordenador anárquico, (ii) a diferenciação das unidades políticas estatais com base na
distribuição de poder (entendida como a capacidade de promover dano contra seus pares) e (iii) o
sistema de auto-ajuda predominante, diante das incertezas da política internacional.
Marcelo Mello Valença 68
limites estabelecidos pela teoria realista. Diante da posição realista, que restringia
o objeto de estudos da Segurança em busca de coerência disciplinar e relevância
política no início da década de 1990, ataques foram feitos buscando moldá-la a
novos tempos. A resposta liberal sugeria a insuficiência e o descolamento da
política realista enfrentava e trazia uma nova agenda de pesquisas para manter a
relevância da Segurança. Sua análise se voltava para elementos que seriam mais
freqüentes e politicamente relevantes do que a violência interestatal (Kolodziej,
1992a, p. 422-424), possibilitando uma agenda mais inclusiva e abrangente.
ameaça militar deixa de ser a única a pairar sobre o Estado, que passaria a se
preocupar primeiramente em satisfazer as necessidades daqueles que legitimariam
a sua autoridade, assegurando chances e oportunidades no plano doméstico.
Somente então a preocupação em se proteger contra ameaças decorrentes da
anarquia internacional se apresentaria. É a lógica do liberalismo econômico dos
séculos XVIII e XIX impactando na área da Segurança (Morgan, 2007, p. 25).48
48
A contribuição liberal para as Relações Internacionais é extensa demais para ser colocada
em apenas uma nota de rodapé. Diversos autores e formuladores de políticas, desde o início do
século XX, podem ser elencados como influenciados pelo liberalismo econômico, refletindo essa
influência para as teorias de Relações Internacionais, começando por Norman Angell e Woodrow
Wilson, nas duas primeiras décadas do século XX. Uma lista curta, porém significativa, de
trabalhos que se valem dessa perspectiva liberal pode ser realizada com nomes como Leonard
Woolf (1916), Robert Keohane e Joseph Nye (1977), Michael Doyle (1986), Edward H. Carr
(2001) e Norman Angell (2002). Esta lista, obviamente, não é, nem pretende ser, exaustiva.
49
Kolodziej não fala sobre aprofundar, nem alargar a Segurança, mas dos seus argumentos
percebemos uma forte tendência a adotar essa segunda postura.
A literatura de Segurança 69
50
Posição compartilhada por Kalevi Holsti (1996), que aponta que as guerras de terceiro
tipo, visando a formação de um governo legítimo, surge em razão de tais pleitos. Holsti ainda trata
o problema trazido por Estados fracos e a ilegitimidade de seus governos como causas para as
guerras de terceiro tipo.
51
Essa racionalidade baseada em princípios e valores compartilhados – ainda que não
inteiramente comuns – se reflete no cálculo político para a tomada de decisões que motivaria, entre
outras idéias, a interdependência complexa (Keohane e Nye, 1977).
A literatura de Segurança 71
international security problems inevitably arise over wealth and welfare because
the state is indispensable as an institutional mechanism for the creation of a
preexisting order within which economic development can be pursued (Gilpin,
1987 apud Kolodziej, 1992a, p. 427).
52
“Soviet power in the developing world was checked by the countervailing military and
economic power of the United States and its Western allies, by the rising opposition of Third
World states and peoples, by serious divisions within the socialist camp, and by the necessarily
limited economic and technological resources commanded by Moscow to project its power and
purpose in regions around the globe” (Kolodziej, 1992b, p. 20). O caso soviético ilustra bem essas
possibilidades, já que o poder central teve de ceder às pressões sociais que punham em xeque a sua
legitimidade e promover uma reforma fundamental do sistema de bem-estar (Kolodziej, 1992a,
p. 424-426).
Marcelo Mello Valença 72
Liberalists have typically had a strong interest in development for its payoffs to
citizens, not just for making the state and the society safer. This perspective has
also increasingly emphasized, over time, that rule by governments should be
limited, legitimate in the eyes of the citizens, and effective. When a government is
not restrained, harmful consequences ensue at home and, potentially, abroad,
causing trouble for other governments and even turning it into a threat (Morgan,
2007, p. 26).
[s]ecurity should not be confused, much less reduced, to the balance of power,
however conceived. [Os estudos de Segurança são] associated with the pursuit of
order and welfare through what are perceived or assessed as legitimate means
(Kolodziej, 1992b, p. 26).
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1993, p. 24-25).
53
A literatura que trata do tema da Paz Democrática é bastante extensa. Contudo, para uma
discussão sobre o tema, autores que se tornam referência no tema são Doyle (1986), Russett
(1993), Layne (1994), Mansfield e Snyder (2005) e Paris (2006). Nizar Messari (1994) oferece
uma boa revisão da literatura do tema em sua dissertação de mestrado.
Marcelo Mello Valença 74
54
A própria noção de poder é alterada, assumindo aspectos como influência,
desenvolvimento e capacidade de promover bens e serviços públicos. A utilidade da força declina,
mas a necessidade de oferecer condições de desenvolvimento estável aumenta, afetando a
vulnerabilidade dos Estados vis-à-vis sua legitimidade doméstica. Enquanto a violência perde seu
papel explicativo, novos fatores passam a incorporar o campo da segurança que não poderiam ser
explicados da maneira tradicional. Sobre formas de manifestação e demonstração de poder, Nye
(2002) promove um excelente debate sobre a idéia de soft power e a importância que este elemento
assume na política internacional contemporânea.
A literatura de Segurança 75
Guerra Fria. Mas o ideário liberal nos leva em outra direção, especialmente se
considerarmos a ótica da interdependência e das comunidades de segurança.
3.3.
O Aprofundamento da Segurança
55
Este problema de relacionar integralmente Segurança às Relações Internacionais é
referido por Ole Wæver (2004, p. 3) como sendo uma característica contemporânea dos estudos de
Segurança. Apesar da conexão necessária entre aquelas duas áreas, elas não se sobrepõem; assim,
falta ao teórico o impulso de afastar os dois campos, de maneira a garantir a autonomia e
importância dos mesmo.
A literatura de Segurança 77
3.3.1.
Os Estudos Críticos de Segurança
56
Ao mesmo tempo em que podemos identificar aspectos que as fazem convergir em suas
críticas à teoria tradicionalista, é possível categorizá-las utilizando as mais diversas e diferentes
nomenclaturas – pós-modernos, pós-estruturalistas, realistas críticos, construtivistas, entre outros.
Dessa forma, a tentativa de se arranjar as teorias críticas se mostra por demais complexa e ousada,
para não usar o termo “arriscada”. Complexo porque as similaridades que as conectam podem não
representar, necessariamente, a convergência intelectual, mas pontos que se tangenciam dentro de
dimensões mais amplas. Ousado porque categorizar tais correntes em grupos pode fazer com que
tais rótulos conduzissem ao questionamento das bases para tal divisão como fruto de um arranjo
uniformizador e generalizante que silenciaria as vozes dessas correntes. Arriscado, portanto,
porque o trabalho de categorizar as teorias críticas em um mesmo arranjo pode ser compreendido
como uma tentativa de simplificar o pensamento crítico. Acreditamos, como já expresso
anteriormente, que a divisão e categorização realizadas nesse trabalho em relação às correntes de
Segurança têm fim meramente didático e de organizar nosso argumento central e buscamos evitar
com isso a replicação de idéias marginalizantes.
57
Este terceiro movimento será apresentado com maior profundidade na seção seguinte, ao
tratarmos da Escola Galesa, que tem como uma de suas características principais a busca pela
A literatura de Segurança 79
real, o que é conhecimento e o que pode ser feito para conectar essas duas
dimensões. Enquanto os Estudos Críticos proporcionam um espaço para uma
miríade de contribuições teóricas, a Escola Galesa se concentra na contribuição da
Escola de Frankfurt para desenvolver sua teoria. Por conta disso, optamos por
trabalhá-las em separado.
3.3.1.1.
Os Estudos Críticos
Sociais é o método interpretativo, não o científico das Ciências Naturais, dado que
(vi) o propósito da teoria não é explicar e prever, mas entender contextualmente o
conhecimento prático.58
58
David Mutimer (2007, p. 67) coloca essa agenda como parte dos esforços construtivistas
de contribuir para os estudos de Segurança. Contudo, tais aspectos fazem parte de um leque
maior, de teorias que questionam as fundações e as origens do conhecimento e das verdades nas
Ciências Sociais e que negam a agenda cientificista dos estudos tradicionalistas (Waltz, 1979;
Mearsheimer, 1990). Desta forma, colocamos a agenda de pesquisa sugerida por Keith Krause
(1998) como eixo normativo a ser buscado por todas as teorias dos Estudos Críticos.
59
O trocadilho feito por R. B. J. Walker (1997) em seu artigo “The Subject of Security” diz
muito sobre isso. Ao tratar do subject of security, Walker se refere, ao mesmo tempo, ao escopo
do campo e ao agente que determina e delimita as práticas de segurança.
Marcelo Mello Valença 82
poderia repensar a segurança com base em suas próprias fundações e sob a luz de
uma perspectiva política historicamente contingente.
agressor de seu próprio povo ou de parcelas dele ou, ainda, da sua incapacidade de
prover segurança, não é problematizada (Mutimer, 2007, p. 56). Focar em
demasiado no Estado levaria a uma constante diminuição da segurança do
indivíduo – a segurança individual seria confundida com a segurança do cidadão.
60
Cabe lembrar os autores mencionados no debate realista que insistem em manter sua
posição, mesmo diante das mudanças percebidas na política internacional. Crítica especial se
coloca aqui a Mearsheimer (1994). Ver nota 47.
61
Ponto semelhante é trazido por Ole Wæver (Wæver, 1995, p. 56).
A literatura de Segurança 83
62
Nesse aspecto, as fronteiras seriam encaradas como zonas políticas de troca onde a
diferença é preservada para garantir a ordem internacional, tornando-as um espaço ético de
delimitação e proteção da diferença, não apenas de exclusão. Sobre a questão, William (2006) e
Valença (2009).
Marcelo Mello Valença 84
63
Este debate é retomado pela Escola Galesa e seu ideal emancipatório, como discutido na
subseção seguinte.
A literatura de Segurança 85
Até mesmo em condições como essa, quando uma maior tolerância seria
alegada em função da busca pela interação com a diferença, as dicotomias da
modernidade se reproduziriam (Walker, 2006), reproduzindo no esvaziamento da
violência através de novas formas de exclusão. Há a defesa explícita de um
pensamento que englobe não apenas os cidadãos de um determinado Estado, mas
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710844/CA
64
Aqui se configura o fenômeno do estatismo, i.e., a presença presumida do Estado como
forma de porto seguro e refúgio para os dilemas da política contemporânea. Sobre o estatismo, ver
Bartelson (2001).
Marcelo Mello Valença 86
Os argumentos gêmeos, circulares, de que (i) Estados fortes são não apenas
necessários para assegurar direitos humanos básicos, mas também são a condição
primária na qual os direitos humanos podem ser pensáveis e, principalmente,
alcançáveis e (ii) Estados fortes têm a tendência de erodir direitos humanos
básicos, quaisquer que sejam esses, escondem distinções artificiais entre
segurança e desenvolvimento. Isso acontece em grande medida porque os Estados
e a sua ausência são colocados não apenas como a fonte de
segurança/insegurança, mas também como aquela forma de vida política que
permite imaginar as possibilidades decorrentes da segurança e insegurança,
reforçando e replicando o papel da Segurança tradicionalista que dificilmente
consegue ser rompida. O conceito galtunguiano de violência estrutural66
contribuiria para entender os constrangimentos impostos pelo Estado aos
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65
Essa é a proposta de Ken Booth na Escola Galesa. Como a separação em Estudos
Críticos e Escola Galesa é meramente didática, não há como evitar a sobreposição de temas e/ou
argumentos. Sobre a questão da segurança mundial, ver a subseção seguinte. Ver também Booth
(2008).
66
Violência estrutural seria, em poucas palavras, as condições indiretas que impediriam o
desenvolvimento da plena potencialidade do indivíduo, criando uma assimetria entre sua
potencialidade e o que é atingido no plano real (Galtung, 1969, p. 168). Abordamos a questão da
violência estrutural com mais detalhes no capítulo cinco.
67
A “presença por omissão” do Estado, acusada por Walker (1997) nos debates em
Segurança é corroborada por outro autor de tendências pós-modernas, Jens Bartelson (2001). Em
seu livro, Bartelson afirma que o Estado tem papel central para as Relações Internacionais por
assumir dimensão constitutiva e fundacional, quando o estatismo passa a ser um traço marcante do
discurso político moderno, gostemos disso ou não (Bartelson, 2001, p. 182). Mesmo abordagens
que tentam criticar o Estado ou o estatismo – incluindo, mas não se limitando ao pluralismo,
marxismo e pós-modernismo – acabam por reproduzir o Estado e seu discurso. O Estado como
instituição tomou por assalto tanto as Relações Internacionais quanto a Ciência Política,
Marcelo Mello Valença 88
encaixotando aquela forma de organização de tal maneira que se torna inevitável pensar nela, para
o bem ou para o mal.
68
O foco eurocêntrico se manteria mesmo se considerarmos a crítica de Walt (1991) da
centralidade e importância dos EUA na produção de conhecimento na área da Segurança. Ainda
assim, poderíamos entender a influência da cultura européia nesse esforço intelectual. Como
colocam Barkawi e Laffey (2006, p. 331), “[e]urocentrism is a complex idea but at its core is the
assumption of European centrality in the human past and present. On this view, Europe is
conceived as separate and distinct from the rest of the world, as self-contained and self-generating.
Analysis of the past, present and future of world politics is carried out in terms – conceptual and
empirical, political and normative – that take for granted this centrality and separation.
Eurocentrism is about both a real and an imagined Europe. Over time (…) the location of Europe
shifts, expands and contracts, eventually crossing the Atlantic and the Pacific and becoming
synonymous with the ‘West’. Today, the ‘West’ is centered on the Anglophone US–a former
European settler colony – and incorporates Western Europe, North America, Japan and the British
settler societies of Oceania.”
A literatura de Segurança 89
The politics of critical and human security approaches revolve around the concept
of emancipation, an idea derived from the European Enlightenments. In this
literature, the agent of emancipation is almost invariably the West, whether in the
form of Western-dominated international institutions, a Western-led global civil
society, or in the ‘ethical foreign policies’ of leading Western powers. Critics of
Western states find themselves in the position of relying on Western armed forces
for humanitarian interventions, especially when actual fighting is required, (…).
Even when the concrete agents of emancipation are not themselves Westerners,
they are conceived as the bearers of Western ideas, whether concerning economy,
politics or culture (Barkawi e Laffey, 2006, p. 335)
69
A expressão “Terceiro Mundo” acaba se tornando uma forma de apontar Estados que se
localizam na periferia, não apenas em termos econômicos, como durante a Guerra Fria, mas
também – e especialmente após o seu fim – àqueles que demandam novas formas de segurança.
Este conceito ganha importância na área de segurança como maneira de proporcionar um
entendimento da instabilidade desta região e da (in)eficácia do instrumental político-teórico para
garantia da segurança (Acharya, 1997). Desta forma, Terceiro Mundo deixa de ser uma categoria
preenchida meramente pela exclusão, como costumava ser durante a Guerra Fria, para passar a ser
encarada como um conceito definidor de um tipo de Estado em específico.
Marcelo Mello Valença 90
países, fazendo com que diversas ameaças percebidas no Terceiro Mundo sejam
originadas nos próprios Estados.
ameaça seria essa, contra quem e em qual magnitude esta ameaça acontecesse: a
característica volitiva do uso da força, da violência, é esvaziada.
A violência, assim, perde sua importância nos Estudos Críticos, que passa a
se preocupar em pensar criativamente sobre política como condição para atingir a
segurança. Esse pensamento criativo pode conter ou não a preocupação com a
violência e o uso da força, marginalizando, portanto, esses elementos. O uso
deliberado da força perde importância porque – conforme o momento estudado –
ela pode se tornar mais ou menos relevante para se pensar em sobrevivência. A
importância da utilização da força como estratégia política para atingir fins
políticos é diminuída nos Estudos Críticos, em função da sua visão de que ela
corresponderia a apenas uma das dimensões da Segurança – mais especificamente,
dos Estudos Estratégicos.
3.3.1.2.
Escola Galesa
70
Segundo Wyn Jones (2005), a Escola de Frankfurt seria a mais séria e sofisticada
contribuição teórica para o campo das Ciências Sociais.
71
Essas perguntas refletem o questionamento da Escola de Frankfurt sobre as bases do
conhecimento dada a sua crítica “à pretensão moderna de racionalizar a existência social no
âmbito do Estado e de suas instituições” (Pisier, 2004, p. 511), o que demandaria uma análise
histórica das condições sociais para seu completo entendimento. Sobre a Escola de Frankfurt e a
sua relação com a produção do conhecimento, Calhoun (1996) e Pisier (2004).
Marcelo Mello Valença 94
72
A emancipação constitui o elemento essencial para entender a segurança: não à toa,
Booth (1991, p. 319) coloca que emancipação e segurança como os dois lados de uma mesma
moeda, tendo igual importância.
73
Como mostramos anteriormente, a crítica ao Estado aparece com bastante freqüência nas
vertentes críticas de Segurança. Contudo, a maneira como tal crítica é colocada varia não só de
vertente para vertente, mas também de autor para autor – para tanto, basta ver o que Walker (1997)
e Ayoob (1995) propõem como solução para superar os problemas impostos pelo Estado moderno.
A literatura de Segurança 95
world security refers to the structures and processes within human society, locally
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710844/CA
and globally, that works towards the reduction of the threats and risks that
determine individual and group lives. The greater the level of security enjoyed, the
more individuals and groups (including human society as a whole) can have an
existence beyond the instinctual animal struggle merely to survive. The idea of
world security is synonymous with the freedom of individuals and groups
compatible with the reasonable freedom of others, and universal moral equality
compatible with justifiable pragmatic inequalities (Booth, 2007, p. 4-5).
(…) the theory and practice of inventing humanity, with a view to freeing people,
as individuals and collectivities, from contingent and structural oppressions. It is a
discourse of human self-creation and the politics of trying to bring it about. (...)
The concept of emancipation shapes strategies and tactics of resistance, offers a
theory of progress for the society, and gives a politics of hope for common
humanity (Booth, 2005b, p. 181).74
74
No seu livro de 2008, Ken Booth expõe emancipação em outros termos, mas mantendo o
mesmo significado: “(...) emancipation seeks the security of people from those oppressions that
stop them carrying out what they freely choose to do, compatible with the freedom of others. (...)
Emancipation is the philosophy, theory, and politics of inventing humanity” (Booth, 2008, p. 112).
75
Donde “normal” é compreendido como o resultado das exclusões e formas
disciplinadoras e de regulamentações do biopoder sobre as populações. Isso faria com que a
segurança produzisse efeitos constitutivos (c.a.s.e. collective, 2006, p. 456).
A literatura de Segurança 97
76
“Students of security these days seems to be condemned to a lifetime of theoretical
dialectic, but the typical student will not be interested in theory for its own sake, but rather for
what it can do in helping us to understanding what is happening around us (...), then in engaging
with world politics more effectively (...). In other words, most of us are interested in theory
because we are interested in real people in real places” (Booth, 2005c, p. 272). No mesmo sentido,
Ole Wæver (2004, p. 7) coloca que, para a Escola Galesa, “the concept of security becomes used
in a rather classical sense, but on a different referent object: it about ‘real threats’, only the real-
real ones against real people and not the allegedly real ones voiced by the state”.
Marcelo Mello Valença 98
freely choose to do” (Booth, 1997, p. 110), a Escola Galesa recai em um ideal de
liberdade notadamente etnocêntrico e liberal, característico das sociedades que
(re)produzem tanto o pensamento crítico quanto o ortodoxo.77
77
Tarak Barkawi e Mark Laffey (2006, p. 350) apontam a postura eurocêntrica que
caracteriza as vertentes críticas que colocam a emancipação como ideal máximo a ser buscado.
A literatura de Segurança 99
3.3.2.
A Segurança Humana
78
Sobre os temas que englobariam a agenda heptapartite da Segurança Humana, Pnud
(2004).
Marcelo Mello Valença 100
Isso pode ser confirmado pela própria origem da corrente, que primeiro se
manifestou em um relatório da ONU e depois passou a ser uma diretriz importante
de Estados como o Canadá, Japão e Noruega (Hubert, 2004; Paris, 2004; Wibben,
A literatura de Segurança 101
3.3.3.
Escola de Paris e a Sociologia Política Internacional
79
A terminologia que caracteriza a segurança não tem significado por si própria e, portanto,
deve ser inserida social e politicamente em um ambiente para que tenha sentido – daí a
importância da epistemologia construtivista para se analisar a política advinda dos mecanismos
técnicos institucionais das agências responsáveis pela segurança (Bigo, 2008, p. 123).
Marcelo Mello Valença 104
80
As Escolas Européias de Teorias de Segurança (Wæver, 2004; c.a.s.e. collective, 2006;
Bigo, 2008).
81
Tal crítica já aparecia nos trabalhos da Escola Galesa, de Paris e de Copenhague, mas se
tornou mais forte após a publicação do artigo do c.a.s.e. collective (2007), obra coletiva que
procura a expor as particularidades pertinentes à Europa e à sua visão de mundo em detrimento aos
estudos norte-americanos tradicionais (Buzan, 1997; Wæver, 2004). Segundo o c.a.s.e. collective,
o objetivo da reflexão realizada é “to collectively assess the evolution of critical views of security
studies in Europe, discuss their theoretical premises, examine how they coalesce around different
issues, and investigate their present – and possibly future – intellectual ramifications” (c.a.s.e
collective, 2006, p. 443).
A literatura de Segurança 105
Cultures & Conflicts, onde as idéias dessa corrente encontram grande repercussão
(Wæver, 2004, p. 10).
the political construction of security was also an important concern for a number of
researchers analyzing policing practices, the formation of an internal security field
in Europe and the securitization of migration from a more political sociological and
political theory perspective (c.a.s.e. collective, 2006, p. 448).
82
“(...) ‘[C]ritical turn’s in security studies have to be understood through the intellectual
transformations occurring in social and political theory” (c.a.s.e collective, 2006, p. 445).
83
Crítica semelhante é trazida por Buzan (1983) e Krause e Williams (1997).
Marcelo Mello Valença 106
theory because it contradicts the field’s initial definition of what security means
(Bigo, 2008, p. 119).
Isso nos levaria a perceber que os papéis dessas agências, muitas vezes
definidos em normas legais de âmbito doméstico, são desafiados pelo gradual
processo de desterritorialização pelo qual passa a política. A construção da
segurança se conecta aos grupos que são autorizados – e se auto-permitem –
definir o que é seguro e o que não é: afinal, uma área só existiria se produzisse
efeitos e os profissionais da segurança buscam tais efeitos nas e para as – relações
sociais. (Bigo, 2000).84
84
Como exemplo dessa definição expressa dos papéis das agências de segurança, podemos
trazer o caso brasileiro e a divisão de competências determinada pela Constituição Federal de
1988. A Constituição, em seu artigo 144, determina explicitamente que o papel da política é
garantir e manter a ordem nacional; já as Forças Armadas – entendidas como o Exército, Marinha
e Aeronáutica –, nos artigos 142 e 143, são os responsáveis pela defesa da pátria. Em termos
doutrinários, isso significa que a distinção entre as atuações dessas duas agências se aplicaria na
dimensão de sua atuação: enquanto a polícia age domesticamente, as forças armadas atuam no
plano internacional – ou contra ameaças vindas daquele plano. Contudo, cada vez mais, há
demandas para a atuação das forças armadas no plano doméstico – e efetivamente isto ocorreu,
como no caso da Eco92 e nas eleições no Estado do Rio de Janeiro em 2008. A recíproca surge
como verdadeira ao se encontrar membros da polícia agindo em parceria com o exército em
operações de patrulhamento das fronteiras.
A literatura de Segurança 107
Escola de Paris, mas não acontece apenas, nem tampouco deve se restringir, ao
que é explicitamente declarado pelos formuladores de decisão. Alguns
movimentos de (in)securitização já estão tão presentes nas rotinas institucionais
que acabam sendo pouco problematizados, quiçá discutidos (Bigo 2006).
85
Exemplo é o papel da polícia no comportamento e práticas do exercício de suas
prerrogativas. Um maior policiamento ostensivo em determinadas regiões pode ter como objetivo
aumentar a sensação de segurança da população. Contudo, em um plano macro, o efeito oposto
pode acontecer, caso se questione o porquê daquele aumento no policiamento naquela região e não
em outras. Ao invés de oferecer a segurança pela presença da polícia, surgiria um sentimento de
insegurança derivado da sensação de que algo estaria errado. Em suma, “(…) when an
(in)securitization move is made, security and insecurity grow together, and it generates a self-
sustaining dynamic if a large audience believe in it. The (in)securitization move may occur about
approximately anything, but it has specific conditions of production and reception, and as such,
this approach is grounded in a constructivist episteme” (Bigo, 2008, p. 124).
86
Trabalhamos com a securitização na Escola de Copenhague na próxima subseção.
Instrumentalmente e em poucas palavras, devemos entender a securitização para Buzan e et (1998)
como uma versão extrema do processo de politização, levando à tomada de medidas excepcionais
para afastar a ameaça à sobrevivência do ator político para que se possa, portanto, voltar à política,
que é o cenário onde as relações sociais se estabelecem.
Marcelo Mello Valença 108
Isso serviria como resposta aos críticos das vertentes mais críticas da
Segurança sobre o seu descolamento da prática política, especialmente porque o
trabalho empírico poderia resgatar as preocupações originais da Segurança de
estabelecer laços produtivos entre a teoria e a prática. Apesar de sua inclinação
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710844/CA
3.3.4.
Escola de Copenhague
87
Argumento semelhante foi defendido, na subseção pertinente aos Estudos Críticos, por
Krause e Williams (1997).
Marcelo Mello Valença 110
Security is the move that takes politics beyong the established rules of the game
and frames the issue either as a special kind of politics or as above politics.
Securitization can thus be seen as a more extreme version of politization (Buzan et
al, 1998, p. 23).
Deve-se restringir o uso político do termo segurança, para que cada ator
defina sua própria agenda: mais do que ampliar os temas dentro da agenda de
Segurança, o que se busca é entender como diferentes temas e questionamentos
podem afetar a sobrevivência – a segurança –, desenvolvendo mecanismos e
respostas políticas que façam com que essas ameaças sejam contornadas e trazidas
novamente para o reino da política, onde as relações sociais normais
aconteceriam. O foco da Segurança deveria ser, portanto, na dessecuritização,
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710844/CA
88
O problema aqui não é com a alegação tradicionalista de um estado de insegurança, mas
com aspectos que afetem a segurança. Insegurança não seria nada mais que a evidência de um
problema de segurança sem que sejam oferecidas respostas (Wæver, 1995, p. 56).
A literatura de Segurança 111
89
Os cinco setores são: militar, o econômico, o ambiental, o societal e o político.
90
O que representaria o resgate das preocupações levantadas por David Baldwin (1993),
que via a segurança como um valor ponderável conforme a esfera analisada
91
Dentro dessa lógica, a Escola de Copenhague responderia satisfatoriamente às críticas de
coerência de Walt, dando o espaço suficiente para a questão da sobrevivência do ator e retornando
o debate da Segurança para uma esfera politicamente relevante. A lógica da securitização aplicada
à análise setorial ajuda a ampliar a agenda e percebê-la como instrumento de superação da
preocupação estritamente militar na segurança do Estado, abarcando outras esferas do agente de
referência socialmente organizado, levando, inclusive, a evidenciar a relação de interdependência e
superposição entre os diferentes setores.
Marcelo Mello Valença 112
92
Esse processo assume dimensões intersubjetivas ao pressupor que um ator percebe uma
ameaça à sua existência, presente em seu setor de atuação, e produz um discurso de securitização
voltado para esta questão, enquanto uma audiência se torna alvo do discurso e aceita a ameaça.
Não se fala aqui de intersubjetividade a partir do estabelecimento de uma identidade dos agentes,
mas da natureza social e relacional que a análise de Segurança pressupõe. Contudo, a
intersubjetividade a que se refere a Escola de Copenhague não envolve a problematização da
identidade dos atores, que é vista como estável e segmentada (c.a.s.e. collective, 2006, p. 453).
Sobre a questão da identidade na Escola de Copenhague, McSweeney (1996).
93
“Security problems are developments that threaten the sovereignty or independence of a
state in a particularly rapid or dramatic fashion, and deprive it of the capacity to manage by itself.
This, in turn, undercuts the political order. Such a threat must therefore be met with the
mobilization of the maximum effort” (Wæver, 1995, p. 54).
94
A maioria dos temas estaria localizada na esfera privada, o que não é uma regra
inviolável: pela própria interação social, um tema pode transitar do privado para o público e de lá
para a segurança. Fica evidente o caráter dinâmico, não-estático, da segurança, que variaria
conforme a sociedade e o momento analisados. Um tema que pode se relacionar à segurança de
um ator pode não representar ameaça a outro, adequando-se à análise interpretativa exigida pelas
teorias críticas, mas trazendo a viabilidade e a operacionalização política que faltaria àqueles.
A literatura de Segurança 113
problematize.
95
Para uma lista exemplificativa dos tipos de ameaça/violência colocadas contra cada setor,
Buzan et al (1998, p. 21-23). Ver também a nota 91.
A literatura de Segurança 115
96
Estudos que evidenciam tal incompatibilidade são os realizados, por exemplo, por Muna
(2003?), Wilkinson (2007) e Barthwal-Datta (2009). De forma oposta, Paul Roe (2008) mostra
como Estados democráticos, dentro do formato previsto pela Escola de Copenhague, ajudam a
formar o processo de securitização em um plano internacional.
97
Buzan e Wæver (2004, p. 22-24) falam sobre Estados fracos e Estados fortes e discutem,
de forma rasa, como e que tipos de ameaças são dirigidas a esses tipos de Estados. Entretanto, eles
não problematizam esses conceitos e a referência maior que é feita ao impacto dos Estados fracos
é a incapacidade de formarem laços com outros Estados para a constituição dos complexos
regionais de segurança (2004, p. 51).
Marcelo Mello Valença 116
Por mais que abra o arcabouço teórico para outros atores, o modelo da
securitização depende de Estados – e Estados que sejam capazes de permitir
atuação política de outros atores – para funcionar, especialmente no setor social
(Barthwal-Datta, 2009, p. 297-298). A segurança é vista como uma condição, não
98
Sobre a Teoria do Estado da Escola de Copenhague, Smith (1991), Tanno (1993) e Buzan
e Wæver (2004).
A literatura de Segurança 117
como um fato. Certas ameaças são elevadas à segurança, enquanto outras não:
“[s]ecuritizing is never an innocent act” (Sheehan, 2005, p. 55). Algumas
ameaças a setores do Estado passariam, pois, desapercebidas, já que o discurso de
segurança produzido, o speech act, não receberia o tratamento devido pela
audiência pretendida. A ameaça existencial, ainda que presente, não seria objeto
das práticas de segurança.
3.4.
Conclusão
a violência: o uso da força nas novas guerras assume não só a forma de agressão,
da forma mais visível de utilização da violência, como também se apresenta como
inserida nas estruturas da sociedade.
99
Em outras oportunidades utilizamos o termo “guerra clausewitziana” para nos referirmos
a essas guerras (Valença, 2006a), mas acreditamos que o fizemos de maneira imprecisa e errônea.
Novas Guerras, Segurança e violência 123
A utilização do adjetivo “clausewitziano” sugeria, naquele trabalho, a distinção das novas guerras
do modelo definido pelo general prussiano. No entanto, percebemos agora que esta terminologia,
ao contrário de se referir a um modelo diferente de guerra, sugere uma alteração na sua natureza.
Ademais, falar que a guerra não é mais clausewitziana poderia sugerir, por exemplo, a perda do
seu caráter político (Levy, 2007, p. 19-20), o que é diametralmente oposto ao nosso pensamento.
A guerra continua sendo um esforço político, visando submeter outrem à sua vontade, mantendo o
ideal de Clausewitz vivo, mas através de um outro formato. Assim, ao nos referirmos à guerra nos
moldes daquela travada na Europa nos séculos XVII em diante, optamos por usar esses termos.
Marcelo Mello Valença 124
que pode ser entendido sob uma perspectiva diferente daquela tradicional
(Aurélio, 1999; Michaelis, 20--, sp.; Oxford, 2005, sp.).102
100
O livro editado por Geoffrey Parker sobre a história da guerra começa com uma frase
que pode ser considerada emblemática nesse sentido. Ao afirmar que “every culture develops its
own way of war” (2005, p. 1), Parker deixa claro que a guerra é um fenômeno universal, mas a
maneira como ela é lutada, o formato que ela assume, depende do contexto sócio-cultural
analisado. Argumento semelhante é desenvolvido por John Keegan (1995, p. 41-64).
101
Cabe ressaltar que são esses três eixos que também estruturam a análise de Mary Kaldor
sobre as novas guerras. Para ela, o novo das novas guerras está na mudança nesses eixos, o que
constitui mais uma motivação para usarmos esse referencial.
102
Na mesma linha desta argumentação, Isabelle Duyvesteyn (2004, p. 439), ao discutir
sobre um “novo” terrorismo, afirma que “[a]lternatively, the label ‘new’ can rightly be applied
when it concerns seen-before phenomena but an unknown perspective or interpretation is
developed, such as the theory of relativity or the idea that the earth is round.”
Novas Guerras, Segurança e violência 125
103
Esse reconhecimento é feito pela própria Mary Kaldor, que popularizou o uso do termo a
partir do seu livro New & Old Wars (2001): “the 'new wars' argument does reflect a new reality - a
reality that was emerging before the end of the Cold War” (2005, p. 210).
104
Um apanhado de trabalhos que discutem e analisam a história da guerra que podem ser
tomados como referência por eventuais interessados pelo tema envolvem Keegan (1995), Parker
(2005) e Boot (2006). Kaldor (2001), Newman (2004), Münkler (2005) e Fleming (2007) também
dedicam parte de seus trabalhos a rever o papel e os elementos da guerra na história, ainda que não
tenham esse foco específico.
Marcelo Mello Valença 126
et al, 1999; Baylis et al, 2002; Keegan, 2006).105 A própria Segurança realista
depende do Estado para realizar a sua teoria: o silêncio dos estudos de defesa e de
história da guerra sobre as novas guerras implica o afastamento desse fenômeno
da política, tal como não fosse relevante. Contudo, o Estado tal como descrito
pelos realistas é apenas um cenário, digamos, ideal, nem sempre possível.
Internacionais.
105
Essa separação entre história militar e defesa quando se trata do estudo da guerra, quase
como se constituindo dois campos diferentes do conhecimento, evidencia uma dicotomia entre as
áreas civil e militar – John Keegan, no prefácio e na introdução ao seu livro de 1995, relata de
maneira bastante precisa essa separação. Enquanto os primeiros seriam responsáveis por analisar
o fenômeno da guerra e sua repercussão dentro da sociedade, os últimos se voltariam para perceber
como a guerra se adequaria aos desafios encontrados.
Uma boa leitura que trata disso, mostrando como a defesa era competência dos militares e a
contribuição civil se originava na repercussão e análise social dos impactos da guerra é Moran
(2002), em seu estudo sobre a evolução e adequação dos estudos estratégicos ao longo dos últimos
400 anos. No mesmo sentido, cabe a lembrança à obra de Mary Kaldor (1991).
Novas Guerras, Segurança e violência 127
4.1.
As Guerras Tradicionais
até os dias de hoje (Tilly, 1985, p. 183-184). Ademais, este fenômeno conduziu e
moldou os estudos de Segurança realistas. Sua estrutura decorre do arranjo
político europeu posterior à paz de Westphalia, em 1648,106 que foi estendido até
o final da Guerra Fria. Todavia, não constitui necessariamente um formato
universalmente válido (Holsti, 1996, p. 13-14):107
[t]he Third World of the twentieth century does not greatly resemble Europe of the
sixteenth or seventeenth century. In no simple sense can we read the future of the
Third World countries from the pasts of European countries (Tilly, 1985, p. 169).
pacificação interna (Tilly, 1990): “states made war but wars also made states”
(Parker, 2005, p. 8). Assim, a legitimação da guerra como instrumento de política
internacional era uma manifestação normal da política e do sistema internacional
de Estados, então em formação (Tilly, 1985, p. 184-185). A guerra assume as
características dos atores envolvidos na beligerância: “organized violence should
only be called ‘war’ if it were waged by the state, for the state, and against the
state (...)” (van Creveld, 1991, p. 36).
106
Sobre o processo de formação do Estado europeu, ver van Creveld (1999) e, de maneira
mais objetiva, ver Holsti (1996, p. 41 e seguintes). Quanto a maneira como o poder de coerção e
de uso da força foi concentrado nas mãos do Estado, mais especificamente na sua capacidade de
produzir violência, ver Tilly, (1985), Kaldor (2001, p. 13 e seguintes) e Münkler (2005, p. 51 e
seguintes). Ambos os temas são vastos e frutos de diversas obras na literatura de Relações
Internacionais, mas as referências acima apresentadas são bons exemplos da discussão existente na
disciplina.
107
“Bureaucracies, taxation, and armies may be the hallmarks of the modern state but they
are not unique to it as they were also standard structures of historical empires. The novel and
significant aspects of the European state are its fixed territoriality, the concept of citizenship, and
the doctrine of sovereignty” (Holsti, 1999, p. 296).
Novas Guerras, Segurança e violência 129
4.1.1.
Os eixos analíticos aplicados à guerra tradicional
4.1.1.1.
A institucionalização da guerra
108
Esses princípios seriam as normas do jus in bello, conjunto de regras estabelecidas para
garantir que a violência da guerra não assumisse proporções consideradas desumanas para aqueles
envolvidos na guerra, nem tampouco fosse direcionada para não-combatentes. Tal aparato
jurídico, além de transmitir a noção da importância que o indivíduo assume em uma sociedade
européia claramente influenciada pelo Iluminismo e com ideais retransmitidos para outras partes
do mundo, servia também para assegurar que após a ocorrência da guerra haveria condições para
que o Estado tornasse a realizar as suas atividades ordinárias. Desta forma, há uma preocupação
em limitar a violência da guerra não apenas por conta do DIH e o foco no indivíduo, mas pela
própria razão de Estado, de não sofrer danos que inviabilizem a manutenção de seu papel. Sobre o
tema, Swinarski (1991 e 1993), Mello (2000, p. 1418-1422), Morris e McCoubrey (2002, p. 59-62)
e Quoc Dinh et al (2003, p. 996-1001). A própria visão de guerra de Clausewitz é baseada nessa
concepção que daria origem posteriormente ao DIH.
Marcelo Mello Valença 132
4.1.1.2.
A dinâmica econômica que sustentava as guerras tradicionais
109
Tal centralização de esforços, bem como a hierarquização de interesses que se percebe a
partir da beligerância, indicaria de onde teria decorrido a inspiração das doutrinas de segurança
nacional dos estudos realistas de Segurança.
Novas Guerras, Segurança e violência 133
para atingir os objetivos, não um fim em si mesmo. O mesmo pode ser dito da
economia de guerra.
4.1.1.3.
O warfare das guerras tradicionais
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(i) do público e o privado, i.e., entre as atividades do Estado e o que não estaria sob
sua competência; (ii) do interno e o externo, definindo os limites territoriais do
Estado; (iii) do plano econômico e o político, com a coerção física não compondo
as atividades econômicas; (iv) do plano civil e o militar, determinando o que faria
parte da vida social e o que comporia a barbárie; e, finalmente, (v) do possuidor
legal do direito de usar a força, os não-combatentes e os criminosos, delineando as
fronteiras da guerra, da paz e da violência institucionalizada do Estado (Valença,
2006a, p. 29).
agente legitimado a utilizar a força para fins políticos. Apenas o Estado o era e,
mais especificamente, o seu braço armado, o exército. Pela separação
institucional entre governo-exército-população, apenas o exército se envolveria na
violência, tanto como pólo ativo quanto passivo. A guerra tradicional encontrava
na racionalidade política a sua lógica de operação. Afinal, tratava-se de uma
estratégia política, racional e pautada em regras e padrões de conduta.
110
Isso levava a extremos como a proibição de soldados uniformizados de falarem com
não-combatentes. O receio era de que o estreitamento do contato levasse ao desvirtuamento das
qualidades do exército e ocasionasse roubos e violência contra os não-combatentes (van Creveld,
1999, p. 164).
111
Exemplo disso é o relato de John Keegan (1995, p. 24-26) sobre as impressões de
Clausewitz diante do comportamento cossaco na batalha da Rússia. As ações dos cossacos
sugeriam a Clausewitz que estas tribos eram bandidos, não soldados encarregados de participar de
algo grandioso para a sua nação. Se não fosse pela dureza adquirida nos campos de batalha,
Clausewitz afirma ter certeza que seu coração não agüentaria suportar tais imagens. Holsti (1996,
p. 29-30), em argumento que pode ser entendido de forma semelhante, afirma que a intolerância
quanto à prática da violência inconseqüente teria motivações econômicas – o custo de se treinar e
equipar um soldado é por demais elevado para expô-lo sem necessidade, daí o porquê de adestrá-lo
Novas Guerras, Segurança e violência 135
O alto custo da guerra era um primeiro fator que afetava e limitava a escolha
pela utilização da força. Não à toa, Clausewitz coloca que a guerra é utilizada
apenas quando há interesses vitais para os Estados em jogo. Mobilizar as forças
armadas para a guerra envolvia um esforço social, que repercutia nas contas
públicas e nas condições enfrentadas pela população durante o esforço de guerra.
Assim, quanto mais eficiente a guerra fosse – consumindo menos recursos e
proporcionando os melhores resultados possíveis –, mais acertada sua utilização
como estratégia política seria.
para agir dentro de certos limites. De toda forma, e seja qual for a explicação, havia a restrição
quanto o tipo de violência que o soldado, representante do Estado, poderia praticar.
112
Devemos deixar claro aqui que, em nenhum momento, sugerimos que a limitação da
violência significa que não haja destruição e/ou uso da força em grandes proporções. A limitação
a qual nos referimos visa evitar que o uso da força se dê em escalas desproporcionais aos objetivos
buscados, i.e., que haja a violação das normas de conduta do jus in bello e das regras de
engajamento dos exércitos. As convenções de Genebra (1864) e Haia (1899 e 1907, além do
Protocolo Adicional n. 1 de 1977) são uma prova disso. Como bem trabalhado por Fleming
(2008), as conseqüências do uso da força nas duas grandes guerras levou à destruição maciça de
cidades e Estados, bem como à morte de centenas de milhares de pessoas, mas havia o fim político
por trás de tal violência: “(...) war without law is not merely a monstrosity, but an impossibility”
(van Creveld, 1991, p. 65).
Marcelo Mello Valença 136
Todavia, afirmar que a guerra é violência organizada não implica aceitar que
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Por esses termos, a guerra não é a mera prática da violência, mas violência
organizada. A inserção da violência na política estatal faria com que ela
assumisse aspectos legítimos desde que utilizada para atingir objetivos racionais
previamente definidos e que se adequassem a princípios internacionalmente
aceitos (Smith, 2005, p. 33 e seguintes). A escolha racional que nortearia as
decisões da política afastava o caráter e barbarismo geralmente atribuído à
113
Essas limitações não indicam que não haveria excessos na utilização da violência na
guerra. Havia e não eram raros. Contudo, não eram tolerados como parte da guerra, mas efeitos
colaterais das condições às quais os combatentes estavam submetidos (Keegan, 1995, p. 23-26;
Kaldor, 2001, p. 25). A extrapolação dos limites da violência ia alem do escopo da estratégia
política e feria as normas de DIH.
Novas Guerras, Segurança e violência 137
violência (Levy, 2007). O que estava em jogo aqui era a finalidade para qual ela
era utilizada, não a sua magnitude ou a sua atrocidade. O warfare das guerras
tradicionais tem, assim, como característica preservar a estrutura institucional do
Estado no seu relacionamento com seus pares. A violência seria limitada,
mantendo a lógica utilitarista da política – caso fosse do interesse do Estado e
caso as condições assim o permitissem, o uso da força seria possível.
4.1.2.
O papel da violência das guerras tradicionais
4.1.2.1.
A violência organizada para o Estado
que não seriam permitidas em outras ocasiões (Keen, 2000, p. 19). A expressão
“razão do Estado” diz muito sobre isso: a guerra era a violência utilizada para
garantir os interesses do Estado e, por conseqüência, de sua população. Mesmo
que às custas de interesses individuais, ela teria – em última instância – propósitos
legítimos – ou legitimados pela prática política.
most especially the idea of the fusion of the individual and the collective, and the
notion of sacrifice (Rengger e Kennedy-Pipe, 2008, p. 894).
4.1.2.2.
A violência organizada para a Segurança
114
De fato, a ilegitimidade da guerra como instrumento de política foi primeiramente
manifestada no Pacto Kellogg-Briand, de 1928 (MRE, 1928, sp.), ainda que seu não-uso fosse
defendido desde a Carta da Liga das Nações, quase uma década antes (Kissinger, 1994, p. 218-245
e 332-349; Holsti, 1996, p. 4-6).
Novas Guerras, Segurança e violência 139
Ao colocar o uso da força como uma ferramenta do Estado para atingir fins
racionalmente estabelecidos e determinados, o barbarismo inerente ao uso da
força estaria afastado, de maneira que o auxílio dos analistas e acadêmicos seria
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[t]hat is, the violence of war is regulated by its political purpose. When the
purpose is to secure a dictated peace, the violence will be high. When the political
objective is something less than a dictated peace, the violence will be
proportionally less. In other words, war is an act of policy, not an act of violence
(Hallet, 1996, p. 86-87).
115
O conceito de agressão foi adotado – ainda que em caráter recomendatório – pela ONU a
partir da resolução n. 3314 (1974) da Assembléia Geral. Em poucas palavras, o artigo 1o da
resolução classifica como agressão “(...) the use of armed force by a State against the sovereignty,
territorial integrity or political independence of another State, or in any other manner inconsistent
with the Charter of the United Nations”. A resolução continua por definir Estados e outros termos
problemáticos, que não cabem ser examinados aqui.
Marcelo Mello Valença 140
4.2.
As Novas Guerras
como violência organizada. A guerra visava atingir fins políticos, ainda que não
os tradicionalmente entendidos. A violência era representada pelo uso deliberado
da força para atingir fins políticos, ainda que o uso da força não fosse mais
armado, se dirigindo a outras dimensões da sociedade. Os beligerantes se
organizavam em grupos com referenciais identitários que permitiam que fossem
identificados, ainda que isto fosse mais difícil no campo de batalha – que deixou
de ser isolado da sociedade e passou a ser parte integrante da vida social.
4.2.1.
Situando a origem histórica: convergindo as tipologias para um
modelo comum
116
Por globalização entendemos os processos que permitem e/ou acarretam "the widening
and deepening of economic, political, social and cultural interdependence and interconnectedness"
(Berdal, 2003). Esse alargamento e aprofundamento dessas relações acontece de forma mais
intensa, qualitativamente diferente do que acontecia antes da década de 1980 (Kaldor, 2001, p. 3).
Esta é uma definição ampla e aberta a diferentes tipos de criticas, como a desenvolvida por Jan
Scholte em seu artigo de 2002 sobre como o termo assumiu uma dimensão tão ampla que acabou
perdendo o sentido. Reconhecemos o problema em conceituar o termo “globalização” e, portanto,
o utilizaremos de forma meramente instrumental.
Novas Guerras, Segurança e violência 145
lógica política se manteriam (Holsti, 1996; Kaldor, 2001, p. 77-79; Klare, 2002;
Münkler, 2005; Snow, 2008). De todo modo, as respostas não vinham da área da
Segurança, mas de campos correlatos. A Segurança pressupunha a presença do
Estado ou, ao menos, de um espaço político aonde as relações sociais pudessem
acontecer – algo que o “barbarismo” das novas guerras aparentemente afastava.
Em sentido contrário, há toda uma literatura que nega a novidade das novas
guerras, acusando a falta de evidências para uma conceituação precisa do
fenômeno (Jung, 2005, p. 432). Ao colocarem que não há mudança na natureza
da guerra, pois esta continua sendo a ameaça e o uso da violência organizada para
atingir fins políticos, esse grupo reafirma a natureza política da guerra e da sua
violência (Angstrom, 2005, sp.), mesmo que o formato analisado não corresponda
à guerra européia (Keegan, 1995, p. 28; Mares, 2001, p. 6-7; Parker, 2005a). Ao
mesmo tempo, essa suposta mudança na natureza da violência é criticada por uma
falta de perspectiva histórica daqueles que trabalham com o tema (Newman,
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2004), limitando a compreensão de que muitas das inovações trazidas pelas novas
guerras já estavam presentes desde o século XVII (Kalyvas, 2001; Berdal, 2003).
Dessa maneira, de novas as novas guerras nada teriam, consistindo apenas em
releituras de fenômenos já existentes sob uma ótica contemporânea (Fleming,
2008; Öberg et al, 2009).
2002; Cashman e Robinson, 2007), mas não é essa a questão que torna novas as
novas guerras. Estas apresentam peculiaridades em suas dinâmicas que permitem
que percebamos elementos, sociopolíticos econômicos, que são contextuais a elas
e que as colocam como objetos de agendas políticas, não só pela sua ocorrência
propriamente dita, mas pelos impactos por elas produzidos.
4.2.1.1.
As novas guerras do pós-II Guerra Mundial
Kalevi Holsti (1996, p. 21) entende estes conflitos como frutos dos
enfrentamentos entre grupos políticos domésticos em função da fragilidade estatal
e do questionamento de sua autoridade sobre aquela comunidade, agravada pelo
aumento no número de Estados desde 1945. As suas comunidades questionavam
Novas Guerras, Segurança e violência 147
A mudança percebida na guerra se devia, para estes autores, aos Estados que
nasciam da (re-)organização do sistema internacional em dois blocos ideológicos
e viam sua legitimidade institucional sob dúvidas desde a sua gênese. Tal arranjo
se tornaria um problema, visto que suas fronteiras, ao contrário do que acontecera
na Europa alguns séculos antes, não representavam a idéia de comunidade (Gurr e
Harff, 1994; Holsti, 1996; Agnew, 2000). Problemas já existentes nessas regiões
eram agravados pela convivência forçada entre diferentes grupos, muitas vezes
adversários históricos, fazendo com que a instabilidade fosse a tônica nesses
Estados. Essa instabilidade geraria disputas, apoiadas por uma superpotência ou
pela outra, até que um grupo predominasse (Dannreuther, 2007, p. 126-128). A
ilegitimidade e a incerteza sobre o futuro político do Estado resultariam em
conflitos endêmicos. Um futuro de anarquia esperaria esses Estados, refletindo no
cenário de guerra civil constante (Kaplan, 1994). O resultado dessa turbulência
Marcelo Mello Valença 148
4.2.1.2.
As novas guerras do pós-Guerra Fria
117
No inglês, em original, shadow globalization (Münkler, 2005, p. 9-10).
118
As guerras de primeira geração seriam as decorrentes da Paz de Westphalia, quando
houve o monopólio do Estado da violência organizada. A organização da guerra era
essencialmente militar e a separação institucional explícita – era a trindade de Clausewitz. A
segunda geração da guerra foi marcada pela I Guerra Mundial e comportava um grande nível de
destruição decorrente de bombardeios e ataques de infantaria. A terceira geração da guerra era um
produto da I Guerra Mundial, mas se baseava mais em velocidade do que no atrito, buscando
destruir o inimigo de maneira rápida (Fleming, 2008, p. 216).
Marcelo Mello Valença 150
4.2.1.3.
Em busca de uma síntese: uma convergência conceitual
119
Deve-se ficar claro que ao falarmos de qualquer outro laço que identifique esses grupos
não estamos nos referindo, necessariamente, a questões de identidade, mas de reconhecimento de
formas de organização que podem unir indivíduos em torno de um objetivo comum. Não é nosso
objetivo problematizar como as identidades são formadas ou alteradas, mas apenas indicar a
possibilidade de agrupamentos a partir do reconhecimento da semelhança e da diferença. Mais
uma vez ressaltamos que não é nosso objetivo trabalhar como as identidades são criadas e
desenvolvidas. Quando falamos de identidades e rótulos identitários legitimando os discursos de
poder, não nos referimos exclusivamente a elementos de natureza cultural ou étnica; as identidades
que unem os grupos podem ser também de caráter ideológico, representatividade política ou
qualquer outra forma de conexão entre indivíduos e grupos, que os permita se enxergar como
buscando os mesmos valores e ideais (Holsti, 1996).
120
Mesmo aqueles que enxergam a mudança da guerra teria acontecido no pós-1945
entendem que o fim da Guerra Fria diminuiu os incentivos para o controle da violência intra-
estatal, permitindo que tensões antes contidas pelas superpotências – além do controle sobre o
Marcelo Mello Valença 152
Essa conceitualização das novas guerras não nos afasta da definição de Bull,
que explicamos orientar nosso trabalho. Por ser essa definição compatível com
vários momentos, teorias e cenários políticos, buscamos, através da convergência
entre essas duas perspectivas, aproximar referenciais diferentes sobre o que seriam
as novas guerras. Isso permite que compreendamos melhor os eixos de análise
apontados, adequando-os ao contexto político das novas guerras.
responder para se tornarem aptas a estabelecer uma relação produtiva entre teoria
e prática.
4.2.2.
Os eixos analíticos da guerra nas novas guerras: mudanças nas
dinâmicas
estoque de armas e equipamento bélico de seus aliados – escalassem para grandes proporções sem
a vigilância que até então existia (Öberg et al, 2009, p. 511), tal como em um vácuo de segurança
(Singer, 2001, p. 193-195).
Novas Guerras, Segurança e violência 153
[t]he end of the Cold War, by boosting pro-democracy movements and reducing
outside support for abusive regimes, has increased the pressure on unrepresentative
governments, making them more likely to resort to violence (Keen, 1998, p. 36).
121
Cada autor, até mesmo em função da sua tipologia e da definição que oferece de novas
guerras, assume alguns aspectos como mais importantes em detrimento de outros. Mary Kaldor
(2001, p. 6) define as novas guerras a partir de três elementos, que são os objetivos, os métodos de
fazer a guerra e o seu financiamento. Collin Fleming (2008, p. 215) refina os elementos de Kaldor
transformando-os em aspectos mais abstratos, respectivamente os motivos, os métodos e a
estrutura da guerra. De forma semelhante, Öberg et al (2009, p. 510) também apostam em três
elementos, mas são mais precisos quanto à localização das mudanças no contexto internacional e
nos fenômenos políticos e sociais que decorreriam dessa inserção. Os autores apontam uma maior
atenção às identidades na política (os objetivos de Kaldor) e ressaltaria a influência e os impactos
dos processos de globalização nos conflitos armados, especialmente no papel do Estado e nas
relações econômicas (englobando o financiamento e o método do warfare). Ademais, colocariam
a atenção no fim da bipolaridade internacional, que permitiria uma maior “liberdade” para a
prática da violência intra-estatal. Münkler, finalmente, ao dar maior importância aos impactos
econômicos promovidos pela globalização, enxerga na privatização da força militar as condições
que permitiriam uma nova assimetria de poder, permitindo que formas “alternativas” de praticar a
violência surjam. Podemos perceber nessa preocupação em tipificar e categorizar os aspectos que
diferenciam as novas guerras das guerras tradicionais uma constante remição aos conceitos de
Kaldor, o que justifica nosso foco na sua definição para trabalhar a idéia de novas guerras.
Marcelo Mello Valença 154
4.2.2.1.
A Quebra da Institucionalização e a Mudança nos Objetivos
A busca por poder através do uso deliberado da força continuava a ser ainda
o fim último a ser alcançado, mas não da maneira como o era nas guerras
tradicionais. O Estado e seu aparato organizacional, ao perderem importância
diante das manifestações culturais e sociais que se tornam cada vez mais comuns
neste final de século XX, deixam de representar os valores e as culturas que os
grupos políticos domésticos carregam. Podemos falar em uma crise de identidade
onde elementos abstratos, como as nacionalidades, não mais representam a forma
de organização das coletividades, que recorreriam a valores e lembranças
pretéritas para buscar um senso de união. Contudo, esses valores muitas vezes são
se opunham aos valores ou às representações de outras coletividades que
conviveriam no mesmo espaço.
Novas Guerras, Segurança e violência 155
122
Cabe ressaltar que essa separação entre combatentes e não-combatentes é o que sustenta
as normas do jus in bello, caracterizando a guerra tradicional como uma manifestação de violência
organizada racional e civilizada. Esses três elementos que formam a tríade clausewitziana
encontram reflexo em estudos de ciências sociais, mais particularmente no que diz respeito à
Teoria Geral do Estado (“TGE”). A TGE aponta como elementos constituintes do Estado a sua
população, o seu território, soberania e finalidade (Dallari, 1989), que poderiam ser traduzidas ou
comparadas ao povo, exército e governo; a finalidade, por outro lado, representaria a ordem e à
segurança que o Estado deveria garantir à sua população.
Marcelo Mello Valença 156
[t]he clear distinction between the state, the armed forces, and the society that is the
hallmark of institutionalized war dissolves in “people’s war”. (...) [J]ust as
civilian/soldier distinction disappears, the role of outsiders becomes fuzzy. The
laws of neutrality no longer apply because those who are militarily weak rely on
outsiders for arms, logistical support and sanctuary (Holsti, 1996, p. 37).
Os grupos políticos que participariam das novas guerras não teriam mais o
aspecto ou a referência estatal que marcava as guerras trinitárias. Como a
lealdade ao Estado era questionada, sua organização se dava a partir de grupos
menores, a partir de critérios econômicos ou políticos, que reproduziriam uma
cadeia de comando assemelhada a estatal, mas sem trazer os aspectos formais das
guerras trinitárias. Esses grupos privados poderiam ter ou não conexões com a
autoridade estatal, mas atuariam de forma a atingir os seus interesses
independentemente de conexões e/ou alianças verticais. Por mais distinta que
fosse a organização entre os grupos ou os referenciais culturais que carregassem,
123
Sobre o tema, vale apontar o trabalho de Olivier Roy (2004, p. 313-314), que discute
como os valores religiosos foram capazes de atrair guerreiros muçulmanos para a guerra da
Bósnia-Herzegovina, durante a década de 1990, para lutar ao lado dos seus irmãos de fé. Ainda
que não partilhassem dos mesmos pressupostos políticos, a propagação do valor religioso bastava
para os identificar como aliados. Vale também mencionar o documentário de Bill Carter, Miss
Sarajevo, quando o diretor entrevista diversos civis/soldados envolvidos na guerra, que colocam a
sua motivação para lutar e a maneira como superaram adversidades por não possuírem treinamento
formal.
Novas Guerras, Segurança e violência 157
haveria – até mesmo em função dos impactos dos processos de globalização sobre
esses atores – características parecidas entre eles, que permitiriam que fossem
vistos como semelhantes no estudo das novas guerras.
Contudo, nas novas guerras, esses símbolos distintivos não mais existem. A
quebra na institucionalização dos grupos beligerantes e a crescente confusão entre
guerra e paz124 fazia com que não houvesse um traje específico para a guerra. Isso
significaria o uso de roupas civis, esportivas e até mesmo militares por membros
de um mesmo grupo, mas sem qualquer tipo de padronização. Por não se tratarem
de grupos formais, o uniforme dos soldados seria qualquer tipo de vestimenta que
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evidenciasse seu status ou posição social, bem como objetos que afirmassem sua
capacidade de adquirir bens graças ao uso da força.
124
Essa confusão poderia, inclusive, expor que entre guerra e paz poderia não haver
antagonismo, dado que a política e a forma de relacionamento social desenvolvidas tanto em
tempos de paz quanto de guerra seriam motivados e estimulados de maneira semelhante incluindo,
mas não se limitando a, a cooperação entre adversários e rivais, novas formas de
institucionalização da violência diferentes da estatal e a obtenção de lucros através do
estabelecimento da ordem (Keen, 1998, p. 11).
Marcelo Mello Valença 158
125
Herfried Münkler (2005, p. 18) aponta que o uso de crianças nessas guerras se deve
também ao tipo de armamento utilizado, leve e pequeno, que facilitaria que esses pequenos
soldados participassem da violência. São os avanços tecnológicos difundidos pelos processos de
Novas Guerras, Segurança e violência 159
[a]rmies are rag-tag groups frequently made up of teenagers paid in drugs, or not
paid at all. In the absence of authority and discipline, but quite in keeping with the
interests of the warlords, ‘soldiers’ discover opportunities for private enterprises of
their own (Holsti, 1999, p. 344).
globalização contribuindo para as novas guerras. Mas, acima de tudo, “the role of young man in
violence cannot be properly understood without looking at economic factors such as
unemployment” (Keen, 1998, p. 45).
126
A questão da identidade é um aspecto controvertido nas Relações Internacionais,
dividindo autores e correntes teóricas sobre como essas se constituem, se relacionam com outras e
sobre como podemos entender a sua formação. No tocante à instrumentalização das identidades
no estudo dos conflitos étnicos e das novas guerras, podemos dividir as correntes que trabalham
com o tema em três grandes grupos. O primeiro, formado pelos primordialistas, afirma que as
identidades étnicas remontam a um passado distante e que se mantém imutáveis ou, ao menos,
pouco maleáveis, fazendo com que as interações entre etnias diferentes levantassem aspectos de
um determinismo constante. A segunda corrente é a dos instrumentalistas, que afirma que as
identidades são adequadas e moldadas conforme os interesses das elites dominantes, enfatizam
determinados aspectos em detrimento de outros, de forma a levantar certas questões e garantir
mobilizações. Finalmente a terceira corrente, dos construtivistas, pode ser encarada como uma via
média entre as duas primeiras. Os construtivistas defendem que as identidades podem ser
instrumentalizadas para atingir os fins desejados pelas elites, mas é necessário que haja uma
Marcelo Mello Valença 160
[t]he political goals of the new wars are about claim to power on the basis of
seemingly traditional identities – nation, tribe, religion. Yet the upsurge in the
politics of particularistic identities cannot be understood in traditional terms
(Kaldor, 2001, p. 69).
origem anterior dessas identidades para que essas possam ser manipuladas e instrumentalizadas.
Sobre o tema, Brown (2001).
127
Como já tratado anteriormente, as políticas de identidade devem ser entendidas como
práticas de exclusão daqueles que não pertencem ao grupo, gerando clivagens sociais e fraturando
a unidade política estatal e societal.
Novas Guerras, Segurança e violência 161
no cenário de aparente anarquia doméstica. As guerras eram por pessoas, não por
interesses estatais abstratamente definidos (Holsti, 1996, p. 39).
128
Uma boa discussão sobre os processos de padronização cultural coercitiva na formação
de Estados e/ou comunidades pode ser encontrada em Heather Rae (2002), sob o sugestivo rótulo
de “homogeneização patológica”. A autora, apesar de não discutir o problema das novas guerras,
proporciona boa base para a reflexão sobre os mecanismos que os Estados e elites possuem para
impor padrões “civilizatórios” ou aceitáveis, inclusive se pensarmos que existe uma lógica de
funcionamento para essas práticas de exclusão. As elites, ao construírem os Estados ou as
diretrizes políticas a serem seguidas, pressupõem a necessidade de um corpo político homogêneo
para garantir a legitimidade do exercício de poder e a unidade entre governantes e governados. A
abordagem de Rae tem o mérito de explicitar esses mecanismos de dominação, assim como a
importância que estas ações, em determinados cenários, tiveram para a consolidação do Estado
moderno.
129
“In the emergence of new wars, none of the several causes may be singled out as the
really decisive one, and so the various monocausal approaches (...) fall short of the mark”
(Münkler, 2005, p. 7-8).
130
Eric Berman (2000, p. 19 apud Valença, 2006a) faz piada de grupamentos militares da
Guiné que perdiam sucessivamente seu equipamento durante patrulhas em Serra Leoa: “[e]ither
Marcelo Mello Valença 162
4.2.2.2.
O warfare das novas guerras
the Guineans were really, really stupid or some kind of a deal had been made. The unofficial
consensus is that, while the former cannot be ruled out, the likelihood is that someone was paid
off”.
Novas Guerras, Segurança e violência 163
[m]any ordinary people participate in violence because they are forced to do so, but
some may deliberately embrace it for specific, short-term purposes. The line
between coercion and voluntary recruitment may be difficult to draw, particularly
when attacks on civilians are widespread (Keen, 1998, p. 45).
131
Parker (2005) e Boot (2006) oferecem bons trabalhos que analisam a evolução
tecnológica da guerra ao longo da história, mostrando como tecnologia e a prática da guerra
sempre andaram lado a lado. Esses livros oferecem um excelente contraponto à simplicidade na
prática da violência nas novas guerras.
132
Àqueles que alegam que a mudança na natureza da violência nas novas guerras traz o
barbarismo – algo semelhante à colocação de Clausewitz sobre o comportamento dos cossacos
(ver nota 113) –, David Keen (2000, p. 26) rebate que o véu de tolerância que as práticas das
guerras tradicionais sugerem em nada seriam aquilo que aspiram ser: “[i]f contemporary wars have
been widely labeled as mindless, mad, and senseless, in some ways nineteenth- and twentieth-
century Western notions of war may be closer to madness. When war is seen as an occasion for
risking death in the name of the nation state and with little prospect of financial gain, it may take
months of brainwashing and ritual humiliation to convince new recruits of the notion. A war
where one avoids battles, picks on unarmed civilians, and makes money may make more sense”.
Marcelo Mello Valença 166
Iugoslávia (Andreas, 2008), bem como crianças abduzidas em suas vilas por
grupos rebeldes na região subsaariana da África (Kaplan, 1994) ou através da
preparação ideológica (Münkler, 2005). A opção voluntária pela guerra também
se apresenta com bastante freqüência e aconteceria a partir da criação de uma
imagem idealizada de poder decorrente das possibilidades imaginadas do uso da
força ou do desejo de enriquecimento ou, ainda, como uma tentativa de fugir da
violência indiscriminada dessas guerras. Tamanha informalidade e
desprendimento se devem ao fato de que as novas guerras, até mesmo pelas suas
próprias dinâmicas e pela irrelevância de exércitos tradicionais, não se valem mais
de soldados exaustivamente treinados como outrora.
Percebe-se que a violência praticada possui, sim, uma dimensão que busca o
dano deliberado ao adversário – como o assassinato sistemático de membros de
grupos diferentes, a instalação de armadilhas e traquitanas (Kaldor, 2001, p. 99-
100), bem como a utilização crescente da violência sexual –, caracterizando o uso
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da força como forma alcançar objetivos, mas a violência não se esgotava, nem
tampouco se baseava exclusivamente nesse modelo.
novas guerras trariam consigo uma violência invisível, sem agente ou objeto
claramente especificados, visando a todos aqueles que se enquadrarem em
determinado rótulo, sem maiores preocupações em definir quem ou o que seria o
alvo da violência. As novas guerras popularizariam uma forma de violência que
se origina nas estruturas sociopolíticas e se dirigiria à sociedade como instrumento
da beligerância, de modo a se tornar mais uma das opções da guerra. É, portanto,
o uso deliberado da força para causar danos e atingir fins políticos inserida na
estrutura social e que nos referiremos como violência estrutural.133
agente que promova tal uso da força, nem tampouco um objeto específico a qual
essa violência é dirigida.
133
Devemos ter cuidado ao nos referirmos a essa violência que surge nas estruturas sociais
e se torna um instrumento da guerra. Isso se deve a dois motivos. O primeiro é que toda violência
assume uma dimensão social, na medida que não é possível enxergar a sua manifestação fora de
uma relação entre atores políticos, seja como for que os definamos. Ademais, esta idéia se
aproxima do conceito de violência estrutural de Johan Galtung, que oferece uma distinção entre a
violência estrutural e a violência direta (ou pessoal). Tratamos dessas distinções no capítulo
seguinte
Marcelo Mello Valença 168
and where ethnicity cuts across class lines, is then used to mask or explain human-
rights abuse (Keen, 1998, p. 23).
134
Exemplo desse ofuscamento é a declaração de Frank Foer (2004, p. 17) quando de sua
entrevista com membros das torcidas organizadas do Estrela Vermelha que participaram da guerra
na ex-Iugoslávia. Em dado momento, ele fora obrigado a repetir o gesto do nacionalismo sérvio –
“a saudação de três dedos (...) [formada pelo] sinal da paz com o acréscimo do polegar” –, em
constrangimento semelhante ao passado por muçulmanos e croatas pouco antes de serem mortos
ou violentados sexualmente. A destruição de símbolos religiosos pelos grupos talibãs no
Afeganistão em 2003 é outra amostra disso, assumindo dimensões maiores em longo termo, mas
trazendo menos atenção no curto prazo do que assassinatos sistemáticos ou atos de genocídio. Isso
evidencia como essa violência acaba menosprezada diante da violência direta praticada nas novas
guerras. Outros atos podem ser considerados como parte integrante de uma estratégia de limpeza
étnica como, por exemplo, o caso dos cercos, prática que remonta ao século XIX e que volta a ser
uma opção nas novas guerras diante dos impactos dos processos de globalização, que aumentariam
a eficiência e eficácia das prática de guerra, visto que impediriam o acesso de bens fundamentais
para a sobrevivência de determinada região (Andreas, 2008).
135
As ondas de deslocados em função da violência dirigir-se-iam para regiões vizinhas,
onde cidades e vilarejos inteiras passariam a ser formados pelos deslocados e refugiados,
caracterizando o que um dos entrevistados por Bill Carter chamaria de “campos de concentração
pós-modernos”, onde a entrada e saída era fácil, mas sempre guardaria os resquícios da violência
original. Em uma dinâmica semelhante, Estados próximos seriam destino dessas ondas
migratórias, criando tensões sociais e econômicas entre os locais e os recém-chegados, colocando
em risco a harmonia social e as condições socioeconômicas das áreas de destino de suportar
tamanho fluxo de indivíduos economicamente e socialmente desafiadores. As novas guerras
assumiriam, com isso, sua natureza internacional, espalhando a violência através desses fluxos
migratórios. Estes “campos” e seus habitantes seriam o aspecto mais visível das novas guerras,
evidenciando-as àqueles que acompanham as notícias à distância (Münkler, 2005, p. 15).
Marcelo Mello Valença 170
4.2.2.3.
Os mecanismos de financiamento e suporte das novas guerras
fighting units on the ground, or because spare parts, raw material and fuel are
impossible to acquire. In some cases, a few valuable commodities continue to be
produced (…) and they provide a source of income for whoever can provide
“protection”.
136
Peter Andreas (2008) traz uma descrição bastante complexa de como o comércio
irregular e as vias alternativas de prestação de serviço operam em um cenário de novas guerras,
servindo tanto para o controle político por parte daqueles que dominam as cadeias de oferta e de
produção, quanto para a garantia da sobrevivência da população diante das adversidades. Esse
cenário fazia surgir novas lideranças e referências que passavam a ocupar espaço de destaque na
sociedade.
Novas Guerras, Segurança e violência 173
p. 77), o que tornaria os custos econômicos das novas guerras ainda menores para
aqueles que as promovem. Ao se referir às guerras na África Ocidental, Peter
Lock ressalta o cálculo de razoabilidade que as populações mais jovens fazem ao
ponderar as motivações para a sua entrada no conflito:
[f]or young men “being a soldier” is the best means of social participation, and
besides it is likely that their chances of survival in today’s Sierra Leone are
incomparably greater than in the chaos of “civil society” paralysed by war. The
role of a so-called child soldier is not only seductive for rootless children; it is also
a “rational choice”, to put it in the jargon of an economist viewpoint (Lock apud
Münkler, 2005, p. 77-78).
137
Sobre o assunto, Valença (2006a, p. 33 e seguintes).
Novas Guerras, Segurança e violência 175
outros grupos exteriores, que tentarão ajudar os combatentes a lutar contra seus
inimigos, mantendo-os ativos no conflito. Estas formas de financiamento se
assemelhariam muito à maneira como as grandes potências lutavam suas guerras
por procuração durante o período da Guerra Fria. Ao financiar um grupo a manter
a luta contra um outro, estes países, grupos ou até mesmo indivíduos estariam
consolidando seus interesses econômicos e políticos em determinada região,
garantindo que o resultado fosse favorável a eles.
[forças do governo] withdrawn from a town, leaving arms and ammunition for the
rebels behind them. The rebels pick up the arms and extract the loot, mostly in the
form of cash, from the townspeople and then they themselves retreat. At this point,
the government forces reoccupy the town and engage in their own looting, usually
of property (which the rebels find hard to dispose of) as well as engaging in illegal
mining (Keen, 1995, 13-14).
4.2.3.
As dinâmicas e a dimensão da violência nas novas guerras
As novas guerras são marcadas pela utilização da força de baixo para cima
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138
A forma de enxergar a violência de cima para baixo e de baixo para cima foi introduzida
por David Keen (1998) como dois tipos de violência econômica, dentro do debate sobre greed e
grievance que surgia à época e assumia grande importância ao se contrapor à discussão étnica e
cultural acerca das causas da guerra. Contudo, entendemos que no caso das novas guerras – ou das
guerras civis, segundo terminologia do próprio Keen – não há como não enxergar essas duas
direções de aplicação da força em uma análise mais ampla no estudo da beligerância,
especialmente se combinarmos os objetivos, métodos e financiamento das novas guerras. Dessa
forma, utilizamos tais “direções” para além de seu sentido original, preservando a idéia inicial
daquele autor.
Marcelo Mello Valença 178
4.2.3.1.
A Violência Top-Down
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139
A deterrência surge aqui como a manifestação mais visível dessas possibilidades,
oferecendo a conjugação dos benefícios do uso da força ao mesmo tempo em que reduz(iria) os
custos econômicos e políticos de seu emprego (Payne e Walton, 2002).
Novas Guerras, Segurança e violência 179
(iv) crise econômica, (v) divisões étnicas ou identitárias que rompam com a
unidade de pertencimento estatal e que possam ser mobilizadas, (vi) a existência
de commodities e (vii) conflitos ou tensão prolongados. Para a ocorrência da
violência de cima para baixo não é necessário que essas condições se apresentem
todas ao mesmo tempo, nem tampouco possam ser enxergadas em um cenário
mais amplo referente às condições enfrentadas em determinada sociedade. Essas
condições são as que se mostram comuns em cenários de novas guerras.
4.2.3.2.
A Violência Bottom-Up
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A violência de baixo para cima nas novas guerras surge como uma resposta
imediata e de curto prazo às limitações e à escassez de recursos que garantam a
sobrevivência (Keen, 1998, p. 45). Contudo, as próprias dinâmicas das novas
guerras fazem com que esse recurso, extraordinário, se perpetue ao longo do
tempo, tornando-se uma característica da sociedade e fazendo com que a violência
se torne uma resposta à demanda por mudanças políticas ou aos valores
levantados pelas políticas de identidade.
Marcelo Mello Valença 182
sobrevivência são elementos que tornam possível avaliar a presença dessa forma
de violência. Ao mesmo tempo, há elementos que permitem que se enxergue um
cenário de violência de baixo para cima. São eles (i) um profundo grau de
exclusão social e econômico, (ii) a impunidade diante de atos violentos e (iii) a
ausência de uma ideologia revolucionária e universalista (Keen, 1998, p. 46). Os
dois primeiros elementos podem ser encaixados confortavelmente no cenário
sóciopolítico proporcionado pelas novas guerras e suas políticas de identidade –
que devem ser sempre levadas em consideração quando tratamos da manifestação
social da violência –, enquanto o terceiro encontra abrigo nele, mas repercutindo
com menor intensidade.
elementos que poderiam fazer com que sua condição social progredisse. O ataque
às instituições do Estado é um exemplo, bem como a destruição de imóveis,
plantações e outras benfeitorias existentes, mas que servissem como “elementos
de conforto” para a diferença, visando à sua expulsão. Os grupos atingiriam os
propósitos da exclusão em nome do “corações e mentes” das políticas de
identidade, ao mesmo tempo em que enxergariam – racional, mas geralmente de
maneira errônea – que atuariam em prol de seus interesses ao empregar a força
momentaneamente para sair de uma situação desfavorável. O uso da força seria
apenas mais um capítulo do longo conflito/tensão existente entre aqueles grupos,
agora explícito. Enquanto promoveria um senso de pertencimento, retribuição ou
respeito, o uso da força para reagir aos padrões de exclusão faria com que o
conflito continuasse indefinidamente, oferecendo o instrumental para o
enfraquecimento do Estado e a ruptura de suas instituições.
'Bottom-up' violence has many similarities with crime; social and economic
exclusion create a powerful motive for securing the immediate wealth and sense of
power that crime can bring. But the signals sent out by those in authority are also
significant in this context. Is the political or military opposition in a position to
channel discontent in an organised and disciplined way? Or is the political
establishment able to fracture the opposition by licensing crime and fomenting
what appears to be 'chaos'? These political considerations are likely to be critical
in determining the extent of economic violence during a civil war (Keen, 1998,
p. 54).
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4.2.4.
Enxergando as mudanças: o papel social da violência nas novas
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guerras
Ao invés de termos o uso da força como um meio que levaria a um fim, nas
novas guerras a violência é o fim a ser buscado. Esse papel social é o que faz com
que a violência nas novas guerras assuma uma natureza distinta daquela das
guerras tradicionais, evidenciando novos aspectos que devem ser compreendidos e
analisados pela Segurança ao trabalhar a violência. A mudança de paradigma que
decorre de tal percepção permitiria a constituição de uma cultura de violência,
baseada na exclusão do diferente e da busca por benefícios e privilégios.
140
Um bom trabalho sobre o tema é oferecido por Kuper (2003) ao trabalhar a dinâmica da
II Guerra Mundial e o envolvimento da população alemã, holandesa e inglesa com a guerra. O
autor coloca que, mesmo com a perseguição aos judeus e com o bombardeio às cidades como
prática de guerra, havia certas restrições por parte dos beligerantes para preservar a integridade das
comunidades e do cotidiano social, como em datas festivas ou competições esportivas. Uma visão
oposta, pode ser encontrada no legado do estrategista militar Giulio Douhet (Moran, 2002), que
defendia que o ataque a alvos civis era a forma mais rápida, eficiente e barata de se vencer uma
guerra.
Novas Guerras, Segurança e violência 187
guerra oferece benefícios que não haveriam em tempos de paz, como a ascensão
social, a acumulação de riquezas em função da atividade violenta e de seu flerte
com a criminalidade, bem como a possibilidade de controlar o acesso a recursos e
a bens de consumo que passam a ter utilidade política – independentemente da
maneira como essa utilidade for definida ou percebida. A prática da violência
torna-se lucrativa, fazendo com que os grupos políticos optem por privatizá-la
visando a obtenção de benefícios a partir de sua utilização.
Dentre essas utilidades sete se tornam mais evidentes (Keen, 2000, p. 29-
31). São elas a (i) pilhagem visando a compensação do uso da força, (ii) a
cobrança de taxas de segurança, de forma a replicar o poder dos beligerantes e a
insegurança diante da violência organizada, (iii) o controle do mercado,
garantindo a extração do máximo lucro pelos grupos privados, (iv) a exploração
do trabalho alheio sob condições desumanas ou degradantes, (v) o controle sobre
propriedades e terras como forma de garantir a ausência de adversários e/ou
diferentes, (vi) o espólio da ajuda humanitária e (vii) o acúmulo de benefícios a
partir da ação militar.
141
“In circumstances where conflict is functional, threatening someone (...) with war may
be more like a promise than a threat” (Keen, 2000, p. 33).
Marcelo Mello Valença 188
142
“Like all war economies, ‘civil war economies’ are distinguished by the militarization of
economic life and the mobilization of economic assets and activity to finance the prosecution of
war. But recent scholarship has identified several features unique to the economies of civil wars:
they are parasitic (...); they are illicit (...); and they are predatory (...)” (Ballentine e Sherman,
2003, p. 2).
Novas Guerras, Segurança e violência 189
Mais uma vez, fica evidente aqui as condições vantajosas que a guerra e o
uso da força adquirem em comparação aos benefícios da política em tempos de
paz. Se houve a opção inicial pelo uso da força em detrimento a outros
mecanismos de alocação de disputa, é porque estes aparentaram ser mais
vantajosos. Uma vez que a dinâmica da violência das novas guerras – a
combinação de elementos de insurgência, guerrilha e crime organizado – torna-se
difundida, as possibilidades das partes de abandonarem essa forma de
relacionamento social são parcas. Afinal, há a mudança na lógica que norteia o
uso da força: se durante as guerras trinitárias a guerra é o fim e a violência é o
meio, nas novas guerras o fim é a violência e o meio é a perpetuação da guerra,
que traz benefícios imediatos (Keen, 2000, p. 29). Cria-se incentivos para que a
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The violence may be intent on preserving their physical security; they may be
looking for excitement or for the immediate rectification of a perceived wrong.
They may also be following their own economic agendas. Even apparently
mindless acts of violence can make sense in this context (Keen, 1998, p. 46).
143
Como parte do processo de sua formação como soldados, ao invés de receber
treinamento para os combates, as crianças eram drogadas, de forma a alterar sua percepção da
realidade e afastar o medo. Dopadas, elas eram obrigadas a matar ou violentar prisioneiros, para
que qualquer constrangimento diante da prática da violência fosse superado. Finalmente, para
evitar que fugissem de volta para as suas famílias, essas crianças eram marcadas com o símbolo do
grupo e obrigadas a atacar seus próprios vilarejos, eliminando assim qualquer chance de retornar à
sua vida pretérita. De diferentes maneiras, mas seguindo essa mesma lógica, essa prática se
reproduzia em outras regiões do mundo, em outros cenários de guerra, impondo pesados custos
para a sociedade uma vez que a guerra fosse encerrada.
Marcelo Mello Valença 192
poucos se percebe a formação de uma cultura da violência, que pode atender por
diferentes nomes, mas que evidenciaria que a guerra seria não uma maneira de
atingir interesses políticos, mas uma forma de assegurar a sobrevivência e a
acumulação (Reno, 2000, p. 54).
Essa busca por melhores condições seria escorada pelos sinais que
receberiam das autoridades políticas, formais ou não, de que haveria carta branca
para agir. A mera existência do conflito armado já possibilita que enxerguemos
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4.3.
Conclusão
threatened or waged for political purposes. That is its nature. If the behaviour
under scrutiny is other than that just defined, it is not war” (Gray, 2005, p. 30).
nebulosa.
Mostramos que o uso da violência nas novas guerras tem como finalidade
atingir fins políticos, mas não mais uma política de idéias, visando projetos para o
futuro, de caráter universalista, para se focar em políticas de identidade,
demandando o poder a partir do estabelecimento de rótulos de caráter excludente,
exclusivo e tendente à fragmentação. Os objetivos das novas guerras continuam a
ser políticos, mobilizando elementos como economia, identidade e violência
(Kaldor, 2001, p. 110). A própria utilização da violência para alcançar esses
objetivos já expõe o caráter político das novas guerras: toda forma de violência é
política – e aqui não falamos apenas da violência praticada pelo Estado, mas
também de violências étnicas, criminosas e ideológicas (M. Smith, 2005, p. 34-
35).
política. Desta maneira, seria possível lidar com as novas guerras e entender o
papel assumido pela violência.
144
Em inglês, no original, Peace Studies.
145
Existe uma literatura ampla que trata com essa questão. Mais especificamente, podemos
achar nos autores realistas terceiro-mundistas e nos pós-colonialistas, tal como trabalhado em
3.3.2, críticas bastante contundentes ao processo de formação do Estado fora da Europa. Contudo,
como mostramos naquela seção, esses autores não são capazes de lidar com a violência de forma
satisfatória, pois associam o seu uso às elites, não considerando o impacto produzido em outros
grupos sociais.
Resgatando a violência na Segurança: as contribuições dos 199
Estudos para a Paz e da macro-securitização
146
Há, todavia, a referência ao setor social, que trataria de identidades coletivas que
funcionariam à margem do Estado, como religiões e grupos étnicos em uma sociedade multi-
étnica. Defendemos, contudo, que a ameaça existencial ao setor social carece daqueles problemas
expostos acima. Como a denunciação da ameaça existencial acontece através dos discursos de
securitização, em um Estado autoritário não há como verificar o sucesso do discurso junto às
audiências, especialmente porque o próprio Estado pode ser o causador da ameaça, silenciando o
setor social e mascarando esse tipo de ameaça.
Marcelo Mello Valença 200
estrutural. Com isso, é possível entendermos como o resgate dos Estudos para a
Paz pela Segurança contribui para o estudo das novas guerras.
5.1.
A ausência da problematização da violência na Segurança
A Escola Galesa, por sua vez, tenta responder a três perguntas na sua
compreensão da segurança: o que é real, o que é conhecimento e o que pode ser
feito. O motivo de tais perguntas é explorar as implicações da segurança sem
repetir o discurso hegemônico. Assim, o foco deixa de ser na violência para se
concentrar na emancipação, i.e., nas condições que libertariam os indivíduos dos
constrangimentos criados por estruturas de poder e que silenciariam
questionamentos contrários ao dominante. A violência passa a ser lida como a
limitação decorrente da presença do Estado, universalizante e homogeneizante. O
uso da força é apenas uma das dimensões que impediria a emancipação, não
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710844/CA
quatro, a violência deixa de ser apenas um meio para atingir objetivos políticos
para se tornar um fim em si mesmo. O uso da força assume dimensões que vão
além do entendimento realista, não se resumindo apenas na utilização de
mecanismos físicos para causar dano, mas também no uso deliberado de recursos
estruturais, psicológicos e políticos para atingir o adversário. Ademais, a prática
da violência motiva e orienta as relações sociais inter- e intra-grupos políticos,
moldando uma cultura de violência que se perpetua conforme os benefícios do uso
da força são percebidos pelos envolvidos, seja no pólo ativo ou no passivo.
5.2.
A Contribuição dos Estudos para a Paz
2007, p. 36; Lawler; 2008, p. 74), os Estudos para a Paz consistem em uma
alternativa acadêmica e política para tratar de temas relacionados à desigualdade,
injustiça e assimetria de poder.147 Em um mundo onde a corrida armamentista
ocupava espaço central nas agendas políticas internacionais, a violência dos
processos de descolonização africano e asiático assumiam dimensões pessimistas
e acadêmicos de diferentes formações buscavam oferecer explicações para a
crescente tensão internacional, os Estudos para a Paz se desenvolveram
especialmente em países da Escandinávia e da América do Norte (Rogers, 2007,
p. 36-39; Lawler, 2008, p. 77).
Peace studies is perhaps now best understood, then, as a site or intellectual space
for the bringing together of scholars who, by and large, openly declare a
commitment to non-violence, or – to borrow from the title of a book by peace
research’s most famous figure – the realization of ‘peace by peaceful means’
(Lawler, 2008, p. 75).
147
Sobre as origens acadêmicas dos Estudos para a Paz, encontramos no artigo de Peter van
den Dungen e Lawrence S. Wittner (2003), que serve de introdução à edição especial do periódico
Journal of Peace Research sobre História da Paz, um breve, mas denso retrospecto das
contribuições teóricas e da evolução do campo como disciplina acadêmica. Os autores trazem
neste artigo uma revisão das agendas de pesquisa e das contribuições teóricas dos Estudos para a
Paz, mostrando como o crescimento do campo levou, também, ao crescimento das oportunidades
de publicação. Outras obras que trazem uma leitura da origem do campo são Barash (1992) e
Lawler (2008); reconhecendo a importância dos Estudos para a Paz para a política internacional
contemporânea, Patomäki (2001), Rogers (2007) e Lawler (2008) propõe agendas de pesquisa para
a área no pós-Guerra Fria.
Resgatando a violência na Segurança: as contribuições dos 205
Estudos para a Paz e da macro-securitização
an academic field which identifies and analyzes the violent and nonviolent
behaviors as well as the structural mechanisms attending social conflicts with a
view towards understanding those processes which lead to a more desirable human
condition (Dugan, 1989, p. 74).
realista de Segurança, os Estudos para a Paz se voltam para o estudo da guerra não
como objeto central de suas preocupações, mas como uma das diversas formas de
enxergar a violência. Neste sentido, ao invés de seguir a tendência da Ciência
Política e das Relações Internacionais, que afirmam que a paz decorre da ausência
da guerra, criando uma dicotomia irresistível, os Estudos para a Paz sugerem que
paz é a ausência de violência (Galtung, 1969, p. 167). O debate trazido pelos
Estudos para a Paz aponta questões que consigam explicar a busca pela
estabilidade e não-violência através da análise da paz e do bem estar social.
Dentro desta idéia se desenvolveria a dinâmica do campo, propondo a ampliação
do conceito de paz, considerando-o mais do que a mera contraposição ao
fenômeno da guerra. A paz consistiria na preservação dos elementos que
garantem a potencialidade humana; sua antítese seriam as condições que
impedissem este desenvolvimento.
Nas subseções seguintes trabalhamos com o objeto dos Estudos para a Paz,
principais conceitos e seus objetivos. Esperamos que ao final de nossa exposição
reste claro ao leitor de que maneira essa área do conhecimento é capaz de nos
auxiliar a entender a violência de maneira politicamente relevante na Segurança.
5.2.1.
A violência como objeto de estudos e a redução da violência como
objetivo de pesquisa
Uma teoria, para ser considerada boa, deve ser capaz de delimitar seu objeto
de estudo em classificações condizentes com a realidade (Boulding, 2000, p. 3).
Os Estudos para a Paz, ao se encaixarem nesta normatividade, definem seu objeto
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710844/CA
148
Como exposto por Kenneth Boulding (2000, p. 4), não há motivos para considerar a
guerra, algo que ocuparia menos de um por cento do tempo da humanidade, como preocupação
central de uma área de estudos que se volta para a promoção de melhores condições para o
desenvolvimento humano. Não obstante este posicionamento, o autor reconhece os impactos
produzidos pela guerra, mas justifica a relevância da área com base neste dado. A guerra, quando
ocorre, é mais rápida e violenta do que costumava ser, produzindo efeitos que se prolongam no
tempo e que atingem diretamente a população. Só que a guerra é apenas uma parcela pequena das
relações sociais: o que predomina são seus efeitos estruturais, pois a agressão física é imediata; a
lembrança do sofrimento, contudo, é o que fica. Todavia, sua limitação é vista como objetivo
primário, enquanto a criação de condições para a paz é algo tomado em longo prazo e, por vezes,
negligenciado quando o elemento positivo da violência – a agressão imediata – é suprimido. O
que a história nos mostra é que a redução das guerras é uma realidade, enquanto o aumento da
violência tem sido uma constante. Os Estudos para a Paz buscariam, pois, suprir esta carência,
através do trabalho com as condições necessárias para atingir o potencial humano e da proposta da
revisão de postulados e cenários institucionalizados que oprimam o indivíduo. Não apenas a
agressão imediata é estudada, mas todas as formas de violência direcionadas ao indivíduo
(Galtung, 1969). A agenda maximalista teria em sua composição a preocupação com as práticas
de violência direta, como é o caso da guerra, mas também se voltaria para outros aspectos como
igualdade e dignidade, bem como a preocupação com a supressão de estruturas que causassem a
injustiça social (Rogers, 2007, p. 41-42), que é tido por Johan Galtung como a violência estrutural
(Galtung, 1969, p. 171).
Resgatando a violência na Segurança: as contribuições dos 207
Estudos para a Paz e da macro-securitização
149
Assim como o Realismo, os Estudos para a Paz se aproxima do campo político, mas de
formas diferentes. Enquanto aquele está intimamente relacionado – ou ambiciona se localizar
próximo – ao processo decisório, os Estudos para a Paz se aproximam da política ao tentar
entender e repercutir na agenda de temas para mitigar e eliminar as condições que geram violência.
Os Estudos para a Paz se constituem, assim, em uma crítica à agenda e à mobilização
proporcionadas pela predominância realista na Segurança.
Marcelo Mello Valença 208
5.2.2.
Uma tipologia da violência
Como exposto, não há uma definição descritiva por parte dos Estudos para a
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Paz dos atos que constituiriam a prática da violência. Johan Galtung reconhece
que uma definição objetiva de violência é uma tarefa problemática porque vincula
o conceito a uma realidade social que não necessariamente se repetiria em outros
momentos históricos ou sociedades. Destarte, “(...) the concept of violence must
be broad enough to include the most significant varieties, yet specific enough to
serve as a basis for concrete action” (Galtung, 1969, p. 168). Neste sentido, os
Estudos para a Paz se focam em enxergar as condições nas quais a violência se
torna visível e impacta o relacionamento social. Mesmo que o estudo da violência
revele um cenário desagradável, esta é uma realidade que deve ser encarada,
conhecida e entendida (Galtung, 1990, p. 293).
entre o real – aquilo que se obtém na prática – e o potencial – aquilo que se espera
razoável em determinada cultura, em um espaço e tempo específicos.
Pensar em violência nestes termos nos levaria a seis reflexões sobre a forma,
a intencionalidade e a agência da relação que ocasiona a violência (Galtung, 1969,
p. 169-174).150 Para a compreensão da tipologia da violência dos Estudos para a
Paz, entender essas distinções se mostra importante. Desta forma, as duas
primeiras reflexões por ele propostas se voltam para a forma da violência; as duas
seguintes se dirigem à agência; finalmente, as duas últimas vão pensar na
intencionalidade e na potencialidade da sua presença.
e o potencial, não podendo ser aquela ignorada pelo analista e pelo formulador de
decisões.
150
Galtung (1969, p. 169) usa a expressão “distinção” ao invés de “reflexão”, tal como
fazemos. O que o autor busca ao criar essas distinções é abrir espaço para o pensamento crítico
utilizando-se de elementos pouco convencionais. Entendemos que, em português, possamos usar
“reflexão” sem qualquer prejuízo da idéia original, já que o que buscamos é compreender a
violência, explorando suas dimensões, elementos e incidências.
Marcelo Mello Valença 210
In both cases individuals may be killed or mutilated, hit or hurt in both senses of
these words, and manipulated by means of stick or carrot strategies. But whereas
in the first case these consequences can be traced back to concrete persons as
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actors, in the second case this is no longer meaningful. There may be any person
who directly harms another person in the structure. The violence is built into the
structure and shows up as unequal power and consequently as unequal life chances
(Galtung, 1969, p. 170-171).
151
A própria definição realista de Segurança enxerga seu objeto de estudos como sendo o
uso, a ameaça e o controle da força militar (Walt, 1991, p. 222). Assim, ameaçar é, sim, criar
condições para a existência da violência.
152
Johan Galtung, em artigo publicado em 1990, traz ainda um terceiro tipo macro de
violência, a violência cultural. “Direct violence is an event; structural violence is a process with
ups and downs; cultural violence is an invariant, a permanence (...), remaining essentially the same
for long periods (...) (Galtung, 1990, p. 294). Apresentaremo-na também, de forma a
complementar nosso argumento e inserir essa tipologia na nossa proposição de entender as novas
guerras a partir da ótica da violência dos Estudos para a Paz, especialmente no que diz respeito às
políticas de identidade que sustentam a prática da violência nessas guerras.
Resgatando a violência na Segurança: as contribuições dos 211
Estudos para a Paz e da macro-securitização
condições que geram violência, mas não se é possível identificar seu causador?
Se a paz implica a redução da violência, é importante que a dimensão não-
intencional da violência seja também estudada e considerada como tal.
A última reflexão diz respeito à visualização da violência. Galtung nos
instrui a pensar em violência manifesta e violência latente. No primeiro caso se
trata da violência observável, seja ela direta ou estrutural; no caso da latente “is
something which is not there, yet it might easily come about” (Galtung, 1969,
p. 172). Somada às demais reflexões propostas nos últimos parágrafos, a questão
da violência se mostrar aparente ou latente é um aspecto importante para a
compreensão do seu papel social, bem como da própria complementação das
proposições abordadas pelas teorias de Segurança discutidas anteriormente.
Expostas as reflexões, passamos a analisar a tipologia da violência definida pelos
Estudos para a Paz.
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5.2.2.1.
A Violência direta
uma idéia próxima e familiar à Segurança, que não nos exige problematização
demasiada.
5.2.2.2.
A Violência estrutural
Structural violence has the effect of denying people important rights such as
economic opportunity, social and political equality, a sense of fulfillment and self-
worth, and so on. (…) Structural violence is another way of identifying
oppression. And oppression is widespread (Barash, 1992, p. 8).
Nesta lógica, mesmo que a violência não seja explícita, não se pode falar
que há condições satisfatórias para a manutenção de qualidade de vida decentes.
A opressão e o cerceamento de direitos e liberdades passa a ser visto como parte
de um contexto político que justificaria a tomada de certas decisões, tornando a
violência estrutural decorrente desse arranjo um elemento não-problematizado. O
uso da força física contra membros de grupos que evidenciem a diferença mascara
a violência estrutural nas novas guerras, ignorando o papel que a violência assume
(Galtung, 1969, p. 177), tal como demonstramos no capítulo anterior.
Destructive means are employed to force other people to accept unjust conditions
or economic inequality. At the same time, coercion can be sustained by a
psychological process. Threats of injury may bring complacency and repress a
demand for change. The asymmetric power relationship can become latent,
impersonal, subtle and unintentional once the will of one side is imposed on the
other by the organized use of force (Jeong, 2000, p. 22).
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Deste modo, o que surge aos olhos dos analistas e dos formuladores de
decisão não é a violência como fenômeno social, mas os sintomas de uma das
dimensões deste fenômenos. Compreender a violência estrutural e a forma como
ela opera, relacionando-se com a violência direta, nos conduz a um entendimento
mais completo da dinâmica social constituída pelas novas guerras.
5.2.2.3.
A Violência cultural
153
Exemplo da utilização de extratos de uma cultura para justificar a violência praticada
contra seus membros e/ou adeptos pode ser encontrada na relação estabelecida entre a cultura
ocidental e o Islã. Como coloca Ali Kamel em seu livro “Sobre o Islã” (2007), aquela religião é
vista como belicosa e agressiva, o que gera manifestações de repúdio e de preocupação por parte
de outras culturas e religiões. Kamel no entanto ressalta que a violência quase determinista que
marcaria o Islã decorre de apenas uma ou duas sentenças de todo o Alcorão cujo sentido é
ambíguo (Kamel, 2007, p. 126-132) Esquece-se, por exemplo, que o Antigo Testamento, base das
religiões cristã e judaica, cria a imagem de um deus vingativo, mais agressivo que o deus
muçulmano. No entanto, a construção da ameaça se adequou àquela imagem, que foi reproduzida
continuamente ao longo do tempo, perpetuando a imagem da religião islâmica se voltar para a
violência e não para a harmonia e integração, que orienta todo o seu livro religioso.
Marcelo Mello Valença 216
Ela pode assumir dimensão positiva e negativa, i.e., pode ser praticada tanto
através de posturas comissivas ou omissivas. Ademais, identifica-se na violência
cultural os pólos ativo e passivos da violência, permitindo que se compreenda a
origem e a destinação das práticas que caracterizariam tal fenômeno, mesmo que
tais pólos não explicitem especificamente quem são os atores envolvidos. A
intencionalidade também se mostra presente, já que há o direcionamento e a
justificação das práticas políticas para determinado grupo, o que deixa evidente o
elemento volitivo, mesmo quando falamos da violência estrutural. Finalmente, a
visibilidade também acontece na sua dimensão cultural de maneira manifesta e
latente: esta última fica caracterizada pelas estruturas sociais que produzem as
condições de violência, enquanto a primeira pelos atos praticados em razão das
diferenças culturais.
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No que tange à questão das novas guerras, a violência cultural surge como
elemento diretamente conectado aos discursos políticos e às políticas de
identidade. Não havendo como separá-la da violência direta, nem tampouco da
estrutural, a violência cultural pode ser entendida como a síntese da tensão entre
os grupos antagônicos, como o elemento que motiva e dá origem ao papel da
violência nestas guerras.
5.2.3.
Paz ou redução da violência
De acordo com os Estudos para a Paz, este tipo de paz é insuficiente e não
proporciona a capacidade de pensar paz plenamente. “An extended concept of
violence leads to an extended concept of peace” (Galtung, 1969, p. 183). A paz
decorrente da ausência da guerra é uma paz por omissão, não oferecendo bases
estáveis para superar as causas e conseqüências da guerra. Não à toa os Estudos
para a Paz referem-se ao cenário de ausência da violência direta como paz
negativa.
(Jeong, 2000, p. 24). A paz negativa não corresponde, portanto, ao alcance das
preocupações teóricas e políticas dos Estudos para a Paz.
a paz – da violência ativa para uma violência estrutural – está ligada às dinâmicas
das relações e práticas sociais e à própria forma de se ver agressão e paz num dos
períodos mais longos de não-agressão da história, que é aquele que se segue após
o encerramento da II Guerra Mundial (Beer, 2000).
5.2.4.
Contribuições para o estudo da Segurança e para a compreensão
das novas guerras
Uma teoria deve ser capaz de explicar coerentemente seu objeto de estudos,
aplicando-o ao mundo de verdade em categorias objetivas e concretas. Caso o
faça, essa teoria assume uma identidade própria e pode ser considerada boa,
conectando de maneira produtiva teoria e prática em seu esforço normativo
(Boulding, 2000).
Com isso, o objeto dos Estudos para a Paz – a violência – seria colocado no
foco principal nas abordagens de Segurança, escapando dos problemas conceituais
e empíricos que decorreriam o uso de termos imprecisos e semanticamente vagos
como “problemas“, “questões“ e “ameaças”.154 Esta terminologia é utilizada
pelas teorias de Segurança para se referir ao elemento que levaria o campo a sair
da sua inércia e enxergar a necessidade de pensar criticamente a segurança. Com
a utilização da violência como fator desencadeador do pensamento em Segurança,
conseguir-se-ia acrescentar uma dimensão empírica ao esforço teórico,
desenvolvendo mecanismos que permitiriam à Segurança oferecer um
instrumental capaz de impactar diretamente no processo político.
violência deixa de ser associado ao barbarismo para ser compreendido como uma
saída baseada em uma escolha racional. O uso deliberado da força para atingir
fins políticos passaria, assim, a ser compreendido a partir das esferas não só da
violência direta, mas também da estrutural e, principalmente, da cultural.
Tal visão se deve ao enfoque dado pelos Estudos para a Paz à violência e
não-violência e não mais à dicotomia guerra-paz, central nas Relações
Internacionais e, de certo modo, eliminando a dependência normativa e jurídica do
Estado como ator capaz de promover a guerra. Cabe ressaltar que a orientação
estadocêntrica foi o que norteou os estudos sobre a guerra, especialmente a
separação entre atores combatentes e não-combatentes, a racionalidade do Estado
154
Exemplos dessa terminologia estão em Walt (1991), Krause e Williams (1997), e Buzan
et al (1998), dentre outros autores. Walt fala que alguns temas, como meio ambiente e
desenvolvimento, são questões importantes, mas não constituem problemas de segurança. Para o
autor realista, problema seria apenas a questão da força militar e do statecraft. Em resposta a
Walt, Krause e Williams afirmam que “problema” não é um conceito que possa ser empregado
como critério para definir essas questões como questões de segurança. O rótulo “problema” não
permite reorganizar aquilo que estudamos, nem tampouco oferece um critério para criar uma
compreensão comum do que falamos como sendo segurança e sobre o leque de opções políticas
possíveis para tratar desses problemas. Krause e Williams se voltam para o termo ameaça, pois
colocaria em risco a sobrevivência do ator político. Ameaça também é o termo escolhido por
Buzan e seus co-autores para apontar as questões que devem entrar na agenda de segurança – ou,
melhor – extrapolar a agenda da política e entrar no “estado” da segurança. Os Estudos para a Paz
sustentariam, assim, o termo violência para acusar a necessidade de se pensar em ações visando à
paz – ou à segurança.
Resgatando a violência na Segurança: as contribuições dos 221
Estudos para a Paz e da macro-securitização
Uma boa teoria, como ressalta Kenneth Boulding, é aquela que consegue
identificar e trabalhar com as suas classificações aplicadas à realidade. É neste
contexto que os Estudos para a Paz ofereceriam contribuições para a Segurança,
complementando a proposta da Escola de Copenhague, cujo argumento
resgatamos adiante. Os Estudos para a Paz buscam prolongar os limites da não-
violência para que as condições que impeçam o desenvolvimento do indivíduo
sejam extirpadas e um conceito mais amplo de paz possa ser vislumbrado.
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5.3.
A Escolha da Escola de Copenhague para analisar a violência das
novas guerras
5.3.1.
Relação Ameaça Existencial vs. Violência
Os Estudos para a Paz colocam, por sua vez, o tema “violência” como sendo
uma condição que ameaça o potencial humano e que deveria ser tratado em um
patamar superior ao da política, dado à sua capacidade de afetar a ordem política e
155
Como colocado no capítulo três, a Escola de Copenhague leva à sério as preocupações
realistas expressas por Stephen Walt (1991) de que a ampliação indevida do objeto da Segurança
arruinaria com a sua coerência intelectual. Tal receio é expressamente relatado no livro de Buzan
et al (1998, p. 1): “[t]here are intellectual and political dangers in simply tacking the word security
onto ever wider range of issues” (itálico conforme o original).
Resgatando a violência na Segurança: as contribuições dos 223
Estudos para a Paz e da macro-securitização
a justiça social. Como, então, orientar a correlação entre estes dois conceitos,
ameaça existencial e violência, centrais para estas teorias, mas que não se
mostram explicitamente problematizados pela outra?
A resposta para esta pergunta está nos pontos de conexão dos conceitos. As
idéias de violência e ameaça existencial apresentam semelhanças que podem ser
trazidas como forma de complementar a teoria de Segurança da Escola de
Copenhague. Mesmo que a Escola de Copenhague não fale expressamente sobre
a equiparação da ameaça existencial à violência – seja ela entendida como o uso
deliberado da força ou como tendo outra definição – podemos perceber a
convergência desta teoria com os Estudos para a Paz no tocante às condições para
se enxergar a normalidade. As duas teorias partes de pressupostos diferentes, mas
suas condições de realização se aproximam.
varie conforme o tipo de ator e o setor onde ele se insere (Buzan et al, 1998, p. 21-
23). Isso a diferencia das teorias tradicionais, que qualificam o uso da força
militar como objeto de estudos, assim como as teorias liberais ampliacionistas,
que se focam na legitimidade da autoridade política. De forma semelhante,
contribui para evitar que a Escola de Copenhague recaia nas limitações de outras
teorias críticas de menosprezar condições concretas específicas que determinam
que a ameaça existencial é de fato direcionada contra determinado ator ou setor.
Como não há exclusão a priori de qualquer fonte que possa causar ameaças, a
Escola de Copenhague permite a ampliação coerente da agenda a partir de seu
aprofundamento.156
156
“As its advocates suggest, there is nothing about the securitization framework that
prevents it from being applied to groups other than states, but this is certainly the context in which
it has been most frequently employed. Here, political leaders can, from a position of authority,
claim to be speaking on behalf of the state or the nation, command public attention and enact
emergency measures (such as the deployment of troops). This is less a normative choice for the
Copenhagen School – a belief in where the study of security should be focused – than an analytical
one based on the commitment to the idea that ‘at the heart of the (security) concept we still find
something to do with defence and the state’ (Wæver 1995: 47)” (McDonald, 2008, p. 69).
Marcelo Mello Valença 224
but what constitutes an existential threat is not the same across different sectors”
(Buzan et al, 1998, p. 27).
5.3.2.
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As Dinâmicas da Securitização
157
No caso do Estado, por exemplo, ameaças existenciais ao seu setor político como, por
exemplo, à sua autoridade política, podem gerar respostas repressivas contra o que são
consideradas as origens destas ameaças. Isso conduziria, por exemplo, à limitação da capacidade
do Estado de oferecer plenamente a segurança, oportunidades de desenvolvimento para seus
cidadãos que, em caso de escalada, resultariam em problemas semelhantes àqueles que analisamos
no capítulo quatro, quando falamos das condições que perpetuariam as novas guerras.
Marcelo Mello Valença 226
constante na esfera da política entre os atores que dela participam acerca dos
temas que devem permanecer nesta esfera e aqueles que deveriam ser
securitizados.
percebido e, ainda que entendida como o uso da força para causar dano em
outrem, tal definição deva ser lida caso a caso. As condições que criariam a
assimetria entre o potencial e o real, tal como a noção de ameaça existencial,
devem ser compreendidas não universalmente, mas a partir de análises e
elementos específicos, socialmente contextualizados.158 Não há como se apontar
formas únicas para que a violência se manifeste, como propõem os realistas.
Nem, tampouco, especular em termos meta-teóricos sobre as condições de
libertação do indivíduo e da sua plena realização.
158
O acesso a vacinas e medicamentos na Europa no século XX, por exemplo, é uma
possibilidade real para todos os indivíduos, enquanto que durante a Idade Média não o era. Assim,
morrer em razão da peste negra durante o século passado é uma violência, enquanto há quatro
séculos atrás não, dado que as possibilidades de cura eram praticamente inexistentes.
Marcelo Mello Valença 228
159
Como expusemos no capítulo anterior, as novas guerras levantam ameaças em diversos
setores da sociedade, não apenas no social. O setor político, militar e econômico são bastante
afetados também pelas dinâmicas de violência, colocando em risco não só a própria dimensão
física da segurança, mas o sistema econômico de uma sociedade, a figura do Estado, entre outros
elementos. O setor ambiental também acaba sendo ameaçado, já que a expropriação do Estado
afeta não só a habilidade deste de prestar bens e serviços públicos, mas se dirige também aos seus
recursos, o que afetaria o seu equilíbrio sustentável através da relação da ação humana com o meio
ambiente.
Resgatando a violência na Segurança: as contribuições dos 229
Estudos para a Paz e da macro-securitização
A violência deve ser entendida como parte da interação entre atores, não
como um elemento periférico às relações sociais. Ela faz parte da política. Para
as novas guerras, o modelo da Escola de Copenhague de securitização e de
percepção da ameaça existencial permite enxergar a violência cometida em
setores como o identitário e o social, indo para além do militar. Mas, como
mostramos a seguir, a normatividade que está por trás do Estado para essa teoria
acaba por prejudicar sua aplicação fora do contexto de sociedades democráticas e
participativas.
5.3.3.
As Limitações da Securitização
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securitização não é bem sucedido e a agenda de segurança não recebe o tema para
tratá-lo de maneira emergencial. A suposta ameaça não se desloca da política
para a segurança, mesmo que haja de fato a ameaça à sobrevivência. Ela
simplesmente não foi aceita, impossibilitando o tratamento do tema.
5.3.4.
A utilização da macro-securitização para superar as limitações do
Estado
160
“[T]here is no reason in principle to think that either macrosecuritisations or
constellations will operate differently from those found at the middle and/or regional levels”
(Buzan e Wæver, 2009, p. 265).
Marcelo Mello Valença 234
161
Uma discussão mais aprofundada sobre o tema pode ser encontrada em Buzan e Wæver
(2003, p. 40-82). Lá os autores demonstram a correlação entre a formação de complexos regionais
de segurança e as constelações de segurança, como parte formação de uma agenda de segurança
regional, mais apropriada para o cenário pós-Guerra Fria, que não estaria mais submetido à divisão
bipolar até então predominante. As constelações de segurança conteriam os complexos regionais
de segurança, conforme explicado na revisão da teoria dos complexos proposta naquele livro. No
artigo de 2009 que traz o conceito de macro-securitização, os autores também afirmam que um
trabalho mais aprofundado sobre constelações de segurança está em desenvolvimento. Buzan
(2009, s.p.) reafirma a importância de pensar em constelações de segurança e em segurança
regional. Cabe ressaltar que para os fins desta tese, o argumento da macro-securitização e seu
impacto no nível da estrutura internacional já nos é suficiente.
Resgatando a violência na Segurança: as contribuições dos 235
Estudos para a Paz e da macro-securitização
dos atores políticos, mas que não conseguiriam, por si só, promover gerar a
securitização bem-sucedida. Quanto mais nichos de segurança houver no ato
discursivo da macro-securitização, maior é a sua capacidade de oferecer
elementos que evidenciariam a ameaça de colocar em risco a sobrevivência do
ator – ou, no caso, daquele conjunto de atores.
162
Existing order universalism, no original em inglês.
Resgatando a violência na Segurança: as contribuições dos 237
Estudos para a Paz e da macro-securitização
5.3.5.
A Macro-securitização, Estudos para a Paz e as Novas Guerras
163
Physical threat universalism, no original em inglês.
Marcelo Mello Valença 238
5.4.
Reagindo às novas guerras: a macro-securitização como forma de
evidenciar a violência e estimular medidas excepcionais para contê-
la
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Para tanto, devemos nos voltar para três aspectos das relações entre os
atores políticos. São eles (i) os discursos políticos, (ii) as práticas sociais e
políticas sustentadas por esses discursos, evidenciando o uso da força como
estratégia política, e (iii) os atores envolvidos nessas dinâmicas. Contudo,
ressaltamos que há porosidade entre os planos internacional e doméstico, com os
discursos, sejam de violência ou de acusação da sua presença, tramitando nestas
duas esferas. Como mostramos no capítulo quatro, essa confusão entre estes dois
planos é característica das novas guerras. A porosidade entre o dentro e o fora
permite a interação intensa entre atores domésticos e internacionais, estatais e
Marcelo Mello Valença 240
5.4.1.
Os discursos políticos de exclusão
5.4.2.
Práticas sociais e políticas institucionais
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envolvidas, mas também outros interesses que porventura existam. A força passa
a fazer parte das relações inter- e intra-grupos.
5.4.3.
Os atores securitizadores
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modo geral. A mídia, até mesmo em função de sua ação independente e dos
novos nichos da segurança trazidos pelas novas guerras, não carece da autorização
de Estados para exercer seu papel e propaga, em maior ou menor escala e com
diferentes graus de envolvimento, elementos da violência, chamando a atenção
para o que se passa e demandando respostas.
164
Efeito CNN é, grosso modo, a capacidade de se influenciar o processo decisório de um
Estado ou ator político através da veiculação de imagens que promovam impactos junto a opinião
pública, que constrangeria o ator político a reagir em determinada maneira. Podemos falar de três
efeitos ou mecanismos de atuação do Efeito CNN: “(…) as 1) a policy agenda-setting agent, 2) an
impediment to the achievement of desired policy goals, and 3) an accelerant to policy decision
making” (Livingston, 1997, p. 2). Sobre o tema, Livingston (1997), Robinson (1999), Jakobsen
(2000) e Farrell (2002).
Resgatando a violência na Segurança: as contribuições dos 245
Estudos para a Paz e da macro-securitização
5.5.
Conclusão
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Uma vez realizada tal ligação, sugerimos na seção 5.4 a dinâmica de macro-
securitização das novas guerras, entendo o processo a partir de três elementos. O
primeiro é o discurso político, que motiva as políticas de identidade e promove a
exclusão da diferença, legitimando tal processo a partir da violência cultural.
dois atores, que cria condições facilitadoras para o sucesso do discurso e, com
isso, da mobilização.
6.1.
Os antecedentes da guerra: uma brevíssima história da Iugoslávia
165
“A Revolução na Iugoslávia obteve êxito evitando que as nacionalidades no interior de
suas próprias fronteiras se massacrassem entre si, por um longo tempo das suas histórias, e, apesar
de essa conquista estar hoje infelizmente se desagregando, as tensões nacionais, pelo final de 1988,
ainda não tinham levado a uma única fatalidade” (Hobsbawm, 1990, p. 205). Apesar dessas
palavras, digamos, otimistas de Hobsbawm, o historiador considera que a ausência dessas
fatalidades se deva a ausência de conflitos violentos entre as nacionalidades. Contudo, ele ignora
que durante as décadas de 1970 e 1980 houve a exclusão da oposição política na ex-Iugoslávia,
com o expurgo de políticos, líderes étnicos e intelectuais. Os relatos oficiais não falam de
Marcelo Mello Valença 252
Não é que essas identidades étnicas tivessem sido abandonadas durante esse
período, mas havia mecanismos institucionais que garantiam a presença de líderes
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dos diversos grupos que compunham o país no poder e, com isso, o foco era no
Estado, não na cultura de cada um desses grupos (Schöpflin, 2006, p. 23). Com a
exceção da BH (Glenny, 1996, p. 144-145), cada uma das repúblicas e províncias
iugoslavas apresentava predomínio de uma etnias,168 o que tornava o sentimento
nacional associado ao étnico, em maior ou menor escala.
fatalidades, mas há grande probabilidade deste número ser consideravelmente maior que zero. Só
não constam nas estatísticas oficiais.
166
Em sérvio-croata, no original, bratstvo i jedinstvo.
167
A preocupação de Tito em garantir a igualdade entre os povos que habitavam o território
iugoslavo era clara, a fim de proporcionar uma convivência harmoniosa, incluindo as diversas
minorias, em torno de um Estado pluralista. A Iugoslávia se preocupava em respeitar a
diversidade étnica através da organização de um governo disposto num sistema federativo que
proclamava a igualdade, a cooperação e a união das nações formadoras do Estado (Zagar, 2000).
A estabilidade de fato existia, mas as tensões continuavam.
Essa opção acabou, contudo, por se mostrar prejudicial ao Estado no longo prazo. Nas
palavras de George Schöpflin, relegar a etnicidade característica da Iugoslávia para um segundo
plano acabou por tornar o Estado propício à ruptura e ao conflito entre os grupos que o formavam.
A base nacionalista desenvolvida por Tito não seria suficiente para suplantar o histórico de
tensões: “(...) the state was founded on a weak basis because of a set of serious misunderstandings;
some of them were deeply structural, others contingent and derived from a cognitive screening out
of long-term factors by short-term ones” (Schöpflin, 2006, p. 13).
168
Mitja Zagar (2000, p. 131-2) apresenta uma tabela detalhada das etnias existentes no
território iugoslavo ao longo do século XX, proporcionando um panorama ilustrativo para
referências sobre a distribuição dos povos naquele Estado. Carter et al (2009, p. 239) traz uma
figura ilustrando a composição étnica na BH em 1991, logo antes da guerra naquele país.
O cerco a Sarajevo 253
169
Em 1958, o PCI foi transformado em LCI, num primeiro passo rumo à sua
independência do controle soviético. A mudança preservou formalmente as atribuições e
estruturas burocráticas do partido dominante, mas abriu espaço para um processo gradual de
democratização (Zagar, 2000).
Marcelo Mello Valença 254
defesa” (Hall, 1994; p. 39; Banac, 2006, p. 33). Na prática, isto significava que os
problemas mais importantes seriam discutidos no nível federal, inclusive as
questões que envolvessem diretamente o uso da força: o poder continuava nas
mãos de Tito (Zametica, 1992, p. 10; Cousens e Cater, 2001; Rae, 2002, p. 176).
170
Em sérvio-croata, no original, Samo sloga Srbina spasava.
O cerco a Sarajevo 255
171
Em sérvio-croata, no original, Jugoslovanska Ljudska Armada.
172
Ver nota n. 165.
Marcelo Mello Valença 256
Iugoslávia e fazendo com que a ruptura do Estado fosse apenas uma questão de
tempo (Schöpflin, 2006, p. 24; Economides e Taylor, 2007, p. 65).
6.2.
A década de 1980: o discurso político e a política de identidade
173
Ressaltamos que houve práticas discriminatórias de ambos os lados na guerra, com
crimes cometidos não apenas pelos sérvios, mas também aos croatas e bósnios. Não tomamos
partido em nenhum dos lados, mas exploraremos principalmente o discurso nacionalista sérvio,
dado que este era dominante à época (Hall, 1994, p. 55). “Embora não seja fácil distinguir entre
vítima e agressor nos Bálcãs, a parte sérvia se converteria no objeto do isolamento e da coerção
sobretudo por haver ficado associada às piores atrocidades da política espúria da ‘limpeza étnica’
(Patriota, 1998, p. 84). Contudo, não podemos esquecer que parte da mobilização nacionalista
durante o final da década de 1980 e início da década de 1990 deve ser atribuída, também, aos
croatas (Kaldor, 2001, p. 41-42).
174
A crise econômica da década de 1980 fez com que os índices de inflação na Iugoslávia
atingissem 1950% ao ano, em 1989 (Blitz, 2006, p. 2-4); Mary Kaldor (2001, p. 37) fala em
2500% ao ano. As instituições financeiras internacionais, às voltas com os Estados da América
Latina, viam a Iugoslávia como mais uma vítima do super-endividamento. O índice de
desemprego se mostrava bastante alto, na faixa dos 14%. A dívida externa era superior aos vinte
bilhões de dólares, quase um quarto do Produto Interno Bruto (“PIB”) iugoslavo (Kaldor, 2001,
p. 37).
O cerco a Sarajevo 257
sistema em crise, pouco poderia ser feito para garantir a continuidade de uma
Iugoslávia multi-étnica, sustentada por um regime político ineficaz e uma
constituição incapaz de proporcionar as liberdades e direitos esperados. “Historic
experiences have shown that constitutions and legal systems can be successful in
resolving internal conflicts only if they are accepted, followed, and supported by
the people (Zagar, 2000, p. 146).
Yugoslavia’s complex balance of powers among its six republics, two autonomous
provinces, and six constituent nationalities had become increasingly untenable as
well as fertile ground for competition among political leaders emerging in
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175
Miloš evic é um personagem central para entendermos o cenário político iugoslavo nos
anos seguintes à morte de Tito. Ele, mais do que seus rivais políticos Tudjman, Izetbegovic e
Karadzic, foi fruto de estudos acadêmicos em diferentes áreas, que tratavam desde a sua biografia
e conduta política até estudos psicológicos. Estes últimos buscavam entender suas escolhas e
comportamentos, especialmente em função de seu histórico pessoal, marcado pelo suicídio dos
seus pais. Sobre as obras produzidas sobre Miloš evic, Ramet, 2005 (p. 159-181).
Marcelo Mello Valença 258
With the exception of the Independent State of Croatia from 1941- 45, Serbs in
Croatia have never been as persecuted in the past as they are now. The solution to
their national position must be considered an urgent political question. In so much
176
Em consonância com a idéia de que “apenas a união poderia salvar a Sérvia/os sérvios”.
177
No original, em sérvio, Srpska Akademija Nauka i Umetnosti.
O cerco a Sarajevo 259
as a solution cannot be found, the results could be disastrous, not just in relation to
Croatia, but to all of Yugoslavia (SANU Memorandum, 1986, sp.).
The Constitution of 1974, in fact, divided Serbia into three parts. The autonomous
provinces within Serbia were made equal to the republics, save that they were not
defined as such and that they do not have the same number of representatives in the
various bodies of the federation. They make up for this shortcoming by being able
to interfere in the internal relations of Serbia proper through the republic's common
assembly (while their assemblies remain completely autonomous). The political
and legal position of Serbia proper is quite vague-Serbia proper is neither a
republic nor a province. Relationships in the republic of Serbia are quite confused.
The Executive Council, which is a body of the republic's assembly, is in fact the
Executive Council for Serbia proper. This is not the only absurdity in the
limitation of authority. The excessively broad and institutionally well established
autonomy of the provinces has created two new fissures within the Serbian nation
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178
Brian Hall aponta que o genocídio a qual se refere o manifesto ignora alguns números,
funcionando como instrumento de propaganda. Desde a II Guerra Mundial foram assassinados
216 mil pessoas, na maioria sérvios e judeus; 209 mil colaboradores da oposição, na maior parte
croata; 237 mil guerrilheiros, de todas as etnias; e 285 mil pessoas, de todas as etnias, sem
qualquer vinculação política (Hall, 1994, p. 41). O número de sérvios é alto, mas não é o único.
Marcelo Mello Valença 260
179
Apesar da importância assumida pelo manifesto, ele não trazia nada de novo para a
política iugoslava. Segundo Sonja Biserko (2009, p. 243), o manifesto apenas copiava os
parâmetros do programa nacional sérvio do final do século XIX, quando as diretrizes para a
formação da Grande Sérvia foram desenvolvidas.
O cerco a Sarajevo 261
que se tornavam evidentes, mas no JNA (Glenny, 1996, p. 134; Zametica, 1992,
p. 42). Através da influência que possuía junto ao exército, Miloševic conseguiu
reprimir as manifestações nacionalistas nas repúblicas não-sérvias. Desta
maneira, ele pôde tomar medidas violentas contra movimentos populares e
trabalhistas, alegando a restauração da ordem. Manifestações étnicas ou por
maiores liberdades, especialmente no Kosovo, eram reprimidas e suas lideranças,
expurgadas.
[h]e made this clear during his famous Gazimestan speech when he masked his
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pursuit of power with such nationalist rhetoric as “us against them”, promising to
“defend Serbian interests” and, if necessary, to do so “with military means
(Popovic, 2006, p. 46).180
180
O discurso de Gazimestan foi realizado em 28 de junho de 1989 como parte dos eventos
de comemoração dos 600 anos da Guerra do Kosovo. O contexto era de tensão étnica e o discurso
pregava a possibilidade de uma guerra em um futuro próximo, de modo a garantir a sobrevivência
e o poder da etnia sérvia (Glenny, 1996, p. 34-35). O discurso está disponível, na íntegra, em
<http://www.slobodan-Miloš evic.org/spch-kosovo1989.htm>. Acesso em 21 de abril de 2010.
Marcelo Mello Valença 262
The corollary of this was that it was imperative for Serbs to be united, and so any
dissent amongst Serbs themselves, which of course there was, could be targeted as
disloyal, a betrayal of all Serbs. Thus an exclusive, unitary national identity, which
was predicated on a notion of a homogeneous Serb state for Serbs and that
characterized non-Serbs as “the enemy”, was simultaneously constructed by elites,
cultivated through populist politics, and imposed upon any dissenting Serbs (Rae,
2002, p. 183).
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p. 244).
The leaders of Serb, Croat, Bosniac, Kosovar Albanian and other national
communities, with variations, evidently believed that national homogeneity, that is,
statehood without minorities, constituted political stability and offered the only
genuine chance for peace (Banac, 2006, p. 30).
Isto foi fundamental para a independência das repúblicas nos anos seguintes
às eleições, especialmente a BH (Kaldor, 2001, p. 41; Blitz, 2006, p. 3). Da
181
Mary Kaldor (2001, p. 41) nota que seis meses antes das eleições de 1990, cerca de 74%
da população era contrária aos partidos nacionalistas de cunho étnico. Contudo, 70% dos votos
foram para esses partidos. A explicação oferecida pela autora é de que uma vez que a mobilização
étnica se mostrava como uma tendência para o futuro, a população achou necessário garantir ao
seu grupo étnico a participação política. Como bem coloca Eric Hobsbawm, “(...) a etnicidade
pode mobilizar a ampla maioria de sua comunidade – uma vez que seu apelo permanece
suficientemente vago ou irrelevante” (Hobsbawm, 1990, p. 201). O medo e a incerteza das
mudanças que estavam por vir garantiram o poder nas mãos dos nacionalistas étnicos.
O cerco a Sarajevo 265
6.3.
O cerco a Sarajevo
182
Robert Kaplan traz uma piada sobre as proporções assumidas pela violência na BH:
enquanto Croácia e Eslovênia enfrentavam suas guerras, a BH estava estranhamente quieta porque
já estaria classificada para as finais e só precisava esperar seu adversário (Kaplan, 1994, p. 22).
Essa era uma referência à falácia de que a BH multi-étnica era estável e pacífica (Glenny, 1994,
p. 24; Kaplan, 1994, p. xi).
183
Apesar do cerco ser declarado apenas em abril de 1992, já em março daquele ano os
bloqueios e ataques a Sarajevo começariam (Spencer, 1995, p. 7). A movimentação coincidia com
a declaração de independência bósnia, em 1o de março de 1992. O JNA começara a instalação de
equipamento bélico nos arredores da cidade no início do mês de março e bombardeios esporádicos
já eram noticiados àquela época.
184
No original, em sérvio-croata, Republika Srpska.
185
No original, em bósnio, Armija Republike Bosne i Hercegovine.
186
De forma a tornar a leitura menos truncada, convencionaremos as referências às etnias
mencionadas na guerra. Quando nos referirmos a chetniks, entende-se indivíduos e grupos que
pregavam o nacionalismo sérvio, tanto referente aos bósnios sérvios quanto aos sérvios da
Iugoslávia, que futuramente comporiam o Estado sérvio. Chetnik é uma expressão histórica de
caráter pejorativo utilizada para se referir aos sérvios nacionalistas, que ambicionavam a
construção da Grande Sérvia (Christopher Hitchens in Sacco, 2001, sp.). Por bosnianos nos
referimos a todos os bósnios não-sérvios envolvidos no conflito, mas em especial aos
muçulmanos. Os termos “sérvio” e “bósnio” se referem respectivamente, à nacionalidade sérvia e
bósnia, incluindo os termos derivados daquelas repúblicas. Entendemos que tal convenção pode
causar, ainda que involuntariamente, um tratamento desigual e por vezes injusto dos atores
envolvidos, mas facilitará bastante o entendimento do leitor. Cabe notar que Joe Sacco (2001)
narra que nas entrevistas que realizou na BH, sempre que havia relatos sobre violências cometidas
em nome do nacionalismo sérvio, a expressão chetnik era trazida pelos entrevistados. No entanto,
Marcelo Mello Valença 266
o rótulo sérvio, segundo ele, nunca foi relacionado com violência étnica por nenhuma das pessoas
com quem trabalhou.
187
No original, em sérvio, Vojska Republike Srpske. O exército foi criado em maio de 1992
para garantir a segurança da RS, um território da BH formado majoritariamente por sérvios e que
desejava a separação do resto do país. Em sua composição estavam, além dos soldados alocados
pelo JNA, paramilitares sérvios apoiados pelo governo de Belgrado (Andreas, 2008, p. 6).
188
Em sérvio-croata, no original, Vojno-Tehnicki Zavod.
189
Cabe ressaltar que cerca de 60% das indústrias armamentistas da Iugoslávia se
localizavam na BH, mas antes da independência o governo federal esvaziou as fábricas. Isso
acabou por ser prejudicial ao ARBiH (Glenny, 1996, p. 151).
O cerco a Sarajevo 267
somebody’s head from their shoulders. This is a clinical affair – there is no blood,
no gunge, there is a ping and them a head falls off” (Glenny, 1996, p. 178). Não
havia a distinção entre combatentes e não-combatentes: o inimigo era todo aquele
que representasse a diferença.
exemplo para as demais cidades e vilarejos de que a integração étnica não seria
permitida, marcando um padrão de ação que se repetiria em outras localidades.
Sarajevo era considerada a cidade mais cosmopolita do Leste europeu (Sacco,
2003, p. 27) e, em função de sua história, importância política e visibilidade
global, adéqua-se como modelo para uma análise da violência durante a guerra.
aconteceu. O cerco, entretanto, foi marcado por mais atos de violência do que a
“mera” agressão do exército contra alvos militares. E era uma forma de violência
que a comunidade internacional relutava a aceitar que ocorria na BH (Miss
Sarajevo, 2003, meio eletrônico; Rae, 2002, p. 203-204).
6.3.1.
Uma guerra contra a população
Esse impasse fez com que houvesse diferença no emprego da força pelos
dois lados. O VRS utilizava bombardeios a cidade e ações esporádicas contra as
defesas bósnias. Os alvos não se limitavam apenas a objetivos militares: símbolos
de representatividade política e de importância cultural foram bastante visados,
assim como áreas residenciais. Pretendia-se destruir as condições sociopolíticas
que permitiam os sitiados a enxergarem sua cidade como um refúgio.
190
O papel dos franco-atiradores foi tão relevante para a violência da guerra que a mera
sugestão da presença de snipers em determinadas regiões fazia com que estas se tornassem
virtualmente vazias. Um pedaço da cidade, alvo comum desses atiradores, ficaria conhecida como
sniper’s alleys. Talvez uma das histórias mais conhecidas do cerco a Sarajevo relacionadas aos
franco-atiradores seja a de “Romeu e Julieta em Sarajevo”, que se tornou símbolo do sofrimento
dos cidadãos. Ela deu origem a um documentário do National Film Board of Canada – produzida
e exibida na série Frontline – sobre um casal de jovens mortos na tentativa de fuga da cidade
(PBS, 1994, sp.).
Admira Ismic e seu noivo Bosko Brkic, ela muçulmana e ele de origem sérvia, ambos com
vinte e cinco anos, tentaram fugir da cidade através de uma região isolada. Contudo, um franco-
atirador atirou em Bosko, matando-o imediatamente. Admira foi atingida na seqüência, mas não
faleceu. Ela se abraçou ao noivo e ficou naquela posição por quase quatro horas, até morrer. Seus
corpos foram retirados da terra-de-ninguém somente quatro dias depois. As imagens rodaram o
mundo, integrando diversos documentários e matérias sobre o cerco. Sobre o tema, NFBC
(1994?), PBS (1994?) e CNN (1996).
Marcelo Mello Valença 270
6.3.1.1.
Os ataques contra a cidade: mais que um alvo, uma representação
191
Relatórios de organismos internacionais estimavam em cerca de 320 o número de
bombas e morteiros lançados diariamente contra a cidade, sem contar os tiros vindos dos franco-
atiradores (CICV, 1996, sp.).
192
A primeira composição do trem que rodou pela cidade foi para transportar os habitantes
de Sarajevo e visitantes para o show do U2, que aconteceu em um estádio local (Carter, 2003).
O cerco a Sarajevo 271
193
As obras físicas foram perdidas para sempre. Contudo, diversas bibliotecas e centros de
pesquisa ao redor do mundo se reuniram para criar um acervo virtual das obras destruídas, que
hoje está disponível na Internet. Sobre o tema, TBMIP (19--).
Marcelo Mello Valença 272
6.3.1.2.
Os indivíduos como alvos: não-combatentes e não-pessoas
194
Mesmo com todas as diferenças entre as culturas, havia similaridades e pontos de
conexão – que, afinal, mantiveram a convivência pacífica em diversas localidades por várias
décadas. Alma, uma menina bósnia entrevistada por Bill Carter, expressa essa convivência
tolerante que existia em Sarajevo e que era destruída aos poucos: “I am Muslim. (...) I am a
Muslim but sometimes I go to church, you know, and I go to the mosque. I believe in one God.
(...) It is not three Gods or four Gods. God is God” (Carter, 2003, p. 337).
O cerco a Sarajevo 273
nascida ou, ainda abortar a gravidez. Isso quando não havia o suicídio em função
da rejeição social tanto da mãe quanto da criança (Skjelsbæk, 2001, p. 220).
Rape was a tool of ethnic cleansing. But it was more than that, too. (...) Rape was
a means of demoralizing the families and communities of the victims. It was a
mechanism for destroying the nexus of relationships – family and community –
that located women as mothers, daughters, sisters, and wives at their center. (...) It
was a means by which leaders of paramilitary irregular forces could initiate
younger, perhaps less-than-willing recruits into a brotherhood of violence. Rape
was a hate crime (Wilmer, 2002, p. 213).
The pattern appears to be that in an attempt to ethnically cleanse, or get rid of the
entire population, manipulating the procreative abilities of the women in the target
ethnic group has proved to be an effective weapon (Skjelsbæk, 2001, p. 222).
Em Sarajevo não foi diferente (UN Experts, 1994, sp.).195 Ainda que não
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195
Um dos casos de estupros em massa de mulheres bósnias muçulmanas por forças
paramilitares chetniks é narrado no relatório UN Experts a partir do testemunho de vítimas desse
tipo de violência. “In July of 1992, the Sonja cafe and hotel (…) served as the site for scores of
rapes and killings of Muslim women by Serb forces. The ‘commander’ of this detention facility
was Commander Miro Vukovic, a loyalist of Seselj's forces. Vukovic reportedly established a
system for Serb fighters to rape and kill women. Borislav Herak, a Serbian soldier standing trial
for 35 killings and 14 rapes, related that soldiers were encouraged to go to the Sonja cafe to rape
women and then take them elsewhere to be killed. Herak also witnessed or participated in the
killings of at least 220 other Muslim civilians. Specifically, he watched as 120 civilians were
gunned down by a Serbian unit called the ‘special investigation group’ in a field outside Vogosca.
Herak was told by his commanders that raping Muslim women was ‘good for raising the fighters
morale’. He and three friends raped one woman and then shot her in the back of the head near a
mountain bridge. He went to the Sonja cafe once every three or four days, and reported that even
though soldiers were raping and killing women every day, more women were always arriving. He
describes, ‘(…) it was never a problem. You just picked up a key and went to a room.’ Vukovic
provided the soldiers with justifications for killing the women after raping them. Vukovic once
told Herak, ‘You can do with the women what you like. You can take them away from here – we
don't have enough food for them anyway – and don't bring them back” (UN Experts, 1994, sp.)
196
Acusa-se que o estupro de mulheres aconteceu principalmente no leste da BH, em locais
como Kamenica, Milici, Zvornik e Klisa. Nos massacres em Mostar, Srebrenica e Goca também
houve tal prática (Sacco, 2001, p. 117-118). “(...) [A]lthough all sides of the conflict did indeed
perpetrate violence against women (as in all wars), it was the Bosnian Muslim women who were
being systematically targeted, often being ‘incarcerated and repeatedly raped’, and this was part of
the programme of ethnic cleansing” (Rae, 2002, p. 204).
O cerco a Sarajevo 275
Uma das pessoas entrevistadas por Bill Carter conta a história de uma
senhora que chegou acompanhada pelo filho no centro de refugiados da cidade e
que parecia bastante alterada em suas faculdades mentais. O filho explicou que a
mãe não era louca ou, ao menos, não o era até antes da invasão de um grupo de
chetniks à sua casa. Quando os invasores começaram a vasculhar a casa atrás de
bens e comida, o filho daquela senhora, então com três meses, começou a chorar.
Os soldados pegaram o bebê e o colocaram no forno, ligando-o na seqüência. A
criança chorou, chorou, até parar, alguns minutos depois. Quando abriram o
forno, a criança estava rosa, “como um porquinho” (Miss Sarajevo, 1993, meio
eletrônico).
Marcelo Mello Valença 276
Um exemplo disso era o acesso à água, que ficava cada vez mais difícil
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710844/CA
conforme o cerco se prolongava. Bill Carter relata que durante o ano que passou
em Sarajevo somente tinha acesso a água do córrego que passava em frente ao
prédio que usava como escritório e dormitório. Ainda assim, era uma água
poluída, que não podia ser bebida em quantidade suficiente para uma pessoa
manter-se saudável (Carter, 2003, p. 172-175). Metta Spencer, contando a
história de um ativista em Sarajevo, relata que o jovem foi contaminado com o
vírus da hepatite em função da água poluída que bebia todos os dias (Spencer,
1995, p. 7).
6.3.1.3.
A quebra da institucionalização da guerra e da mudança no warfare
6.3.2.
A participação de grupos privados na guerra
6.3.2.1.
A defesa patriótica de Sarajevo
The Serbs, who controlled the Yugoslav Army garrison in the city, had an
overwhelming advantage on weaponry, and criminals with secret stashes of guns
were among the few Muslims with the means to resist (The NY Times, 1993, sp.).
O cerco a Sarajevo 279
seus egos e objetivavam “mantê-los na linha” (UN Experts, 1994, sp.; Andreas,
2008, p. 29). Nomes de destaque eram os de Jusuf “Juka” Prazina, que
comandava o grupo conhecido como “Lobos”, Ramiz Delalic e Ismet Bajramovic,
ambos conhecidos como Celo (UN Experts, 1994, sp.; Carter, 2003, p. 307;
Sacco, 2003, p. 35-40 e 107; Andreas, 2008, p. 29).197 Musan “Caco” Topavolic
era o líder paramilitar mais conhecidos dentre aqueles que não tinham passado
criminoso.198 Antes de – e também durante – a guerra, Caco trabalhou como
músico, mas sua fama e respeito vieram de suas conquistas no fronte (Sacco,
2003, p. 39; Andreas, 2008, p. 30).
197
Em seu livro “Uma História de Sarajevo”, Joe Sacco (2003) traz diversas narrativas em
forma de quadrinhos sobre o cerco a Sarajevo e a guerra da BH, colocando moradores da cidade
como protagonistas da trama. Ele apresenta uma breve biografia desses criminosos e líderes de
grupos durante a guerra, ilustrando como começaram a se envolver com o conflito e o que fariam
ao final do conflito armado – no caso daqueles que continuavam vivos.
198
O que não implica que essas lideranças paramilitares não cometeram atos desmedidos de
violência. Uma série de depoimentos de ex-combatentes que serviram em sua milícia acusam
Caco de crimes de guerra, inclusive contra cidadãos de sua própria cidade (CPB, 2000, sp.). Esses
depoimentos mostram que as milícias e grupos paramilitares que defendiam a cidade acabavam
por se valer do poder para impor uma ordem paralela.
O cerco a Sarajevo 281
By day, Serbian gunmen in the suburb of Grbavica fire mortars and sniper bullets
into the Muslim-held quarters of the city, and Muslim soldiers, some under [Celo
Bajramovic]’s command, fire back. At night, the two forces meet at the bridges
spanning the Miljacka River, separating the Serbian and Muslim parts of the city,
and conduct a thriving trade (The NY Times, 1993, sp.).
6.3.2.2.
A violência pela violência
mas que eram eventualmente roubados por criminosos durante o seu transporte ou
negociados – especialmente tabaco e álcool – com tropas chetniks do VRS nos
checkpoints ao longo das estradas e nas vias de acesso a Sarajevo para garantir a
entrega do restante (Andreas, 2008, p. 45). “To get food to the starving
Sarajevans the UN had to make a deal, but the irony was that by making the deal
the UN became involved in providing goods that would later sell on the black
market” (Carter, 2003, p. 35).
199
Em inglês, no original, United Nations Protection Force.
O cerco a Sarajevo 283
It was not only the humanitarian effort that sustained the city, but also the
opportunities that the UN aid and presence created for black marketeering and
maintenance of a criminalized war economy. Officially, humanitarian aid helped
feed Sarajevo’s civilian population; unofficially, it also fed soldiers on both sides
of the line through skimming and diversion (Andreas, 2008, p. 10).
Sarajevo, que ofereciam bens que não estavam disponíveis nos pacotes ordinários
de ajuda humanitária por preços elevados. A impunidade era tanta que os
produtos ainda apresentavam em suas embalagens os logotipos da ONU e do Alto
Comissariado das Nações Unidas para Refugiados200 (“Acnur”) (Carter, 2003,
p. 35).
200
No original, em inglês, Office of the United Nations High Commissioner for Refugees ou
UNHCR.
O cerco a Sarajevo 285
6.3.2.3.
A continuidade do conflito
6.4.
A securitização do cerco
Pressure against the Serbs were now accumulating. They were facing an
international organization which seemed to be threatening to move from
peacekeeping to enforcement with the overt use of the military might of NATO
under UN supervision (...) (Economides e Taylor, 2008, p. 90).
201
Exemplos são os casos das resoluções do Conselho de Segurança n. 770 de 1992 e 816
de 1993 que autorizavam, respectivamente, o uso da força necessária para acabar com a violência e
a participação da Otan nos termos do Capítulo VII da Carta da ONU. Podemos citar também as
resoluções n. 819, 824 e 836 de 1993, que criavam as áreas de segurança na BH. Em todos esses
casos, houve ao menos uma abstenção.
O cerco a Sarajevo 287
6.4.1.
A impossibilidade de securitização da violência através do nível
estatal
Mas qual o motivo que fez com que as atenções se voltassem para a BH e
enxergassem a violência da guerra – seja na forma dos ataques militares, como
nas práticas de limpeza étnica e de políticas excludentes institucionalizadas –
como uma ameaça à sobrevivência? De onde surgiu o discurso securitizador da
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violência na BH?
6.4.2.
Atores securitizadores, audiência e o discurso de securitização
“We are not here to help, we are here to report”. É com essas palavras que
um dos personagens de “Bem-vindo a Sarajevo”, um jornalista, resume seu papel
na guerra. O sofrimento humano servia como combustível para as matérias e
ações de ajuda humanitária que eram realizadas em Sarajevo, impactando na
política e fazendo com que se buscasse soluções para encerrá-lo. Em outro filme
sobre o conflito, um dos repórteres assume posição diferente e afirma que
“[n]eutrality does not exist in the face of murder. Doing nothing to stop it is, in
fact, choosing. It is not being neutral” (Terra de Ninguém, 2001, meio
eletrônico).202 Nessa relação aparentemente paradoxal entre o trabalho dos atores
não-estatais internacionais e sua relação com o ambiente da guerra é que se
estabelecia o discurso que securitizaria a violência.
202
A frase foi dita pelo Sargento Marchand, também conhecido como Arizona Deux,
criticando a inoperância da Unprofor, mas foi transmitida pela jornalista Jane Livingstone para se
referir à necessidade de se intervir na guerra para ajudar aqueles que realmente precisavam.
Marcelo Mello Valença 290
ABC, CBS, NBC, CNN, CBC, SKY, BBC, ITN, WTN, the news of the world. It
was all beamed direct from here, from behind the front lines to living rooms, and it
all seemed so easy, so much less than it should be. As far as I could tell, most
foreign journalists sat in this building or in the Holiday Inn easting cold
sandwiches and drinking soft drinks, waiting for their local contacts to radio them
with news of a disaster (Carter, 2003, p. 240).
humanizar as pessoas envolvidas na violência, de modo a não ser mais uma morte
em mais um país isolado.
6.4.2.1.
A Operação Irma
6.4.2.2.
A turnê Zooropa do U2
203
Para um relato mais detalhado da idealização, negociação e realização dos links de TV
com os shows do U2, ver Flanagan (1995) e Carter (2003). As imagens com os links abertos nos
shows da turnê estão disponíveis nos materiais extras do documentário Miss Sarajevo, mas podem
ser acessados também pelo site YouTube. Disponível em <http://www.youtube.com/> e acesso
em 01 de fevereiro de 2007.
O cerco a Sarajevo 293
6.4.2.3.
Condições facilitadoras do discurso de securitização
Além dos dois exemplos que mostramos acima, outros discursos foram
promovidos, diariamente e com maior ou menor grau de sucesso. Afinal, a
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transmissão da guerra acontecia quase que em tempo real e, sendo na Europa, uma
miríade de veículos de comunicação estava cobrindo a violência.
6.5.
Conclusão
Atos dessa natureza – e não nos referimos apenas aos estupros, mas à
homogeneização patológica em geral – caracterizam práticas excludentes calcadas
em políticas de identidade que fundamentam a violência em rótulos ou
características simbólicas. O fato de ser diferente é o suficiente para a
desumanização da vítima, legitimando a prática da violência. A eliminação da
diferença é o fim a ser buscado e essa violência, sistematizada, constitui o meio
para atingir o objetivo político.
Esses atos são práticas de violência que, ressaltamos, não se esgotam no ato
em si: eles buscam prolongar o dano, estender no tempo a violência e, através da
força, impor condições insustentáveis de convivência. A manifestação na sua
forma direta é somente a prática mais visível da violência: a sua extensão no
tempo acaba sendo mais violenta do que a agressão em si. É o uso da violência
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para lutar, empregando armas simples e menos poderosas que aquelas disponíveis
aos seus inimigos, mantendo-os afastados dos limites da cidade.
Essa é outra dimensão assumida pela violência nas novas guerras e que
caracteriza o seu papel social. A violência se torna um mecanismo de interação
intra- e inter-grupos. Ela proporciona não só a consolidação do poder dentro do
seu próprio grupo, mantendo o status quo através da utilização da força – não
necessariamente a violência direta, mas através de mecanismos e instituições,
formais ou não – para atender a propósitos políticos, como também entre os
grupos. A violência era a maneira como o engajamento se dava, caracterizando a
Marcelo Mello Valença 302
Segurança
A Segurança nasceu com esse propósito, mas se perdeu com a entrada das
teorias e dos temas da agenda de Relações Internacionais, principalmente no final
da Guerra Fria. Essa contribuição, se por um lado proporcionou falar mais de
segurança, por outro prejudicou a teorização do campo. As teorias e temas que
entraram na Segurança trouxeram seus próprios pressupostos de realização e a
violência era um tema estranho a eles. A violência e o uso da força, que
caracterizam a própria relação entre atores políticos definida como segurança,
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