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ENSINO REMOTO EM TEMPOS DE PANDEMIA1

Alciele Carvalho Dias

Ana Catarina Nascimento de Nazaré


METODOLOGIA

Nesse tipo de pesquisa, considera-se relevante a presença das


pesquisadoras como participantes da pesquisa. As narrativas das pesquisadoras
desvelam sua história, de acordo com sua própria versão. O psicólogo Mauro
Amatuzzi (2001) apresenta um tipo de instrumento que se propõe a examinar
teoricamente o relato do vivido, chamado Versão de Sentido (VS). A VS é uma
fala expressiva da experiência imediata do vivido da pesquisadora. Mas o que
seria exatamente o vivido?
Com o vivido estamos no plano do significado, e não simplesmente no
plano dos eventos mecânicos, digamos assim, ou objetivos. O vivido não é a
reação muscular, mas a reação psicológica, mental, antes de qualquer
elaboração posterior com raciocínios. A reação psicológica imediata. Por isso
falamos também de experiência imediata, e de sentimento (AMATUZZI, 2001,
p.54)
No momento que a autora reescreve sua experiência torna a mesma
atual, podendo haver ressignificações, novos desdobramentos de sentido e até
novos aprendizados. Para a pesquisa qualitativa são novas formas de aprender
e conhecer sobre a experiência humana e seus significados no tempo, como um
processo.
O estudo será realizado com as duas pesquisadoras enquanto sujeitos de
sua própria história. Esta escolha reconhece as pesquisadoras enquanto
participantes, sujeitos da ação e reflexão, e ao mesmo tempo observadoras e
estudiosas da própria ação.
O material de estudo utilizado será a versão de sentido de cada
pesquisadora sobre vivências como acadêmicas de Psicologia e experiências
com o ensino remoto.
Será utilizado um roteiro semiestruturado, com cinco (3) perguntas
norteadoras ,em que as pesquisadoras discorrerão livremente sobre algumas
questões.

1
Belém/Pa. UNAMA/SER/CCBS. 2020.
Após o registro das versões de sentido de cada participante, será feita
uma análise compreensiva de cada vivência pela outra participante. Após
destacarem os significados captados nas vivências de cada uma, será feita uma
articulação entre as participantes para destacarem as vivências que englobem
ambas, ou seja, comparar os significados e verificar elementos que sejam
comuns às duas participantes ou mais significativos, descrevendo as
características das vivências da dupla de pesquisadoras.
Ao final, os resultados descritos serão relacionados com a pesquisa
bibliográfica, estabelecendo um diálogo para desvelar as formas existentes de
vínculos.
Levando em consideração a necessidade de ampliar pesquisas com
metodologias teóricas críticas voltadas para a Psicologia, já que relações de
poder estão presentes em todos os processos de pesquisa, sendo impossível a
neutralidade das pesquisadoras; o estudo buscará compreender as vivências
das pesquisadoras através da da análise compreensiva de sua par, buscando
desvelar poderes que atravessam seus discursos e operam nas relações sociais
e institucionais, assim como na posição das mesmas pesquisadoras em relação
às intersecções de categorias sociais de gênero, raça, classe, idade,
sexualidade.
As pesquisadoras descreveram sua experiência, suspendendo conceitos
e teorias, penetrando em sua vivência e refletindo sobre ela. As questão que
nortearam a pesquisa foram: Como você se sente em realção partir à pandemia
e ao ensino remoto ? Como você percebe as dificuldades surgidas no ensino à
distância? O que deveria ser feito para a melhor implantação desse novo modelo
de ensino?
RESULTADOS E DISCUSSÃO

A análise compreensiva dos depoimentos de cada pesquisadora e a


comparação entre eles permitiu chegar a vários elementos comuns e bastante
significativos. Aqui serão apresentadas as vivências mais significativas
presentes nos depoimentos.

1. Em primeiro lugar o estudo nos permitiu verificar o quanto o ensino


remoto nos trouxe angústia, uma crise existencial no último semestre do
curso, com questionamentos do sentido da aprendizagem nesse contexto
de pandemia, no valor e propósito desse momento para nosso futuro
profissional. As expectativas de um momento rico em experiências foram
quebradas, provocando desmotivação, desgaste emocional, frustração e
cansaço, levando a procrastinação e a dificuldade em se implicar na sua
formação.

“As quebras de expectativas sobre meu último ano de universitária mexem


muito comigo, imaginei que estaria atuando mais, estudando mais e me
divertindo mais, porém não é isso que vem acontecendo”

“É cada vez presente a angústia por conta do ensino remoto por


assemelhar-se a EAD meramente no que se refere a um ensino mediado
pela tecnologia...e não ter um alcance de satisfação enquanto ensino,
trazendo o desinteresse e apatia”

2. Verificamos, também, a existência de características próprias de


cada uma de nós, vivências intensas oriundas de múltiplos fatores da
ordem da subjetividade.De um lado,expectativas de vivências práticas
mais próximas da realidade brasileira, com possibilidade de ajudar como
psicóloga a minimizar o sofrimento oriundo de questões sociais, que
foram quebradas. Do outro lado, existe uma maior preocupação com as
nossas notas, a reprovação e a dificuldade de acompanhar nossos
colegas pelo acesso restrito à tecnologia e ao material, causando
desmotivação e sensação de limitação em nossa aprendizagem.

“ Será que quero ser realmente psicóloga? Será que eu vou conseguir ser
uma psicóloga? Além das perguntas que rondam minha cabeça, percebo
que as notícias da televisão ferem as minhas pequenas esperanças em
relação a minha profissão, a mim como mulher, sobre o planeta em que
sobrevivo e principalmente ao futuro”

“Esses obstáculos encontrados nas disciplinas online apresentam grande


parte dos seus efeitos negativos, o que me levava a me preocupar mais
com a nota do que com o que realmente consegui estudar e aprender”
3. Para nós, pesquisadoras, o sistema capitalista está transversal em
todos os momentos e relações. Seja pela pouca relevância dada às
limitações de boa parte dos alunos que, mesmo estando numa
universidade privada, tem limitações quanto ao acesso da tecnologia,
muitas vezes dependendo da estrutura da faculdade, inacessível durante
a pandemia; ou não dando o devido cuidado aos seus alunos em crise e
sofrimento durante o período atípico, com limitações de tempo e espaço,
visando tão somente o lucro e a continuidade dos trabalhos,
desconsiderando as adversidades e excluindo parte de seus alunos do
processo.

“...podemos observar que ainda existe uma parcela considerável da


população brasileira sem acesso a internet e isto causa exclusão,
frustração e desmotivação de estudantes dos meios virtuais”

“Será que vale a pena “apressar” uma formação durante a pandemia com
a intenção de formar logo? Creio que essa conduta capitalista da
instituição fragmenta muito a minha formação, deveriam pensar que estão
formando pessoas durante um período problemático, não robôs apáticos
e emoções”

“A carência do saber, pois vejo como carência o ensino em que a


instituição se desvincula do que se passa ao seu redor e aplica suas
táticas com função de não se prejudicar financeiramente, e é tão
prejudicial quanto ácido nos olhos”

4. Ainda relacionadas as constatações acima apontadas, apontamos


algumas possibilidades institucionais que poderiam minimizar a dor e o
trauma, permitindo aos alunos passarem por esse momento de uma forma
mais acolhedora, permitindo a ressignificação do processo. As
possibilidades incluem acolhimento, apoio, orientação e flexibilização
quanto às avaliações.
“Então, penso que para melhorar esse meio de ensino teria que
compreender esse limite, assegurar uma infraestrutura conveniente,
desenvolver melhor a metodologia de ensino, juntar feedbacks, analisar
resultados. Caso haja algum obstáculo no acesso dessa plataforma de
ensino e essa falha ocasione a exclusão social dos utilizadores em
potencial, a etapa primária de desenvolvimento deve ser reprojetada, para
que o sistema possa apresentar uma estrutura democrática de acesso”

“Deveriam criar um canal de comunicação para apoio psicológico e


denuncia de violências para todos que integram a instituição de ensino”

“Antes da volta às aulas online a instituição poderia ter feito um encontro


para acolher os alunos e explicar melhor o novo método de ensino que
seria utilizado, explicando como funciona a plataforma e o que ela pode
nos ajudar em outras áreas que estamos incluídos”

5. Consideramos ainda de grande importância assinalar que, para


nós, pesquisadoras, a angústia provocada pelo momento limitante da
pandemia, com poucas possibilidades de escolha e autonomia, foram tão
profundas e dominantes, que, apesar do olhar crítico para as mazelas
sociais, não nos foi possível esse envolvimento existencial significativo,
sendo necessário operar um distanciamento dessas questões, voltando-
nos para nossas angústias pessoais, de forma autocentrada, o que
também gerou mais preocupação com esse novo significado captado.

“Noto que estou me acostumando com o sofrimento expostos na televisão


e esse movimento me causa incômodo. Quando notei pela primeira vez
esse meu movimento pensei comigo que talvez fosse meu mecanismo de
defesa para me manter minimamente bem, mas agora me questiono se
essa resistência também não é prejudicial, o ato de se comover ao meu
ver nada mais é que o ato de iniciar um manifesto e ver o outro como
alguém que é alguém, se comover não seria uma engrenagem ao ato
crítico?
A seguir, destacamos algumas falas significativas que se fundamentaram
na pesquisa.

“para se estudar a distância eu só precisaria de aparelho que suportasse


o aplicativo, internet e força de vontade, mas penso que isso não é o
bastante. Além da dificuldade em que enfrento para acessar, como por
exemplo: a internet ruim, as faltas de energia, os vizinhos barulhentos e
entre outros; vejo que há uma imensa onda de cansaço em mim.

[...] minha casa que por anos cultivei como meu espaço de descanso e
paz já não é mais esse espaço, e o luto das expectativas quebradas e
lugares mudados me fazem girar em um ciclo de procrastinação e
procrastinação.

[...] Creio que estar em uma pandemia me fez repensar sobre o que
realmente quero, “Será se realmente quero psicologia? Será que eu vou
conseguir ser uma psicóloga? [...]
Apesar dessas interferências a maior dificuldade que sinto é sobre o meu
psicológico, tenho medo que eu não consiga ser uma boa profissional.

[...] Tudo que venho estudando durante essa pandemia não estudei de
forma profunda, me sinto em dúvida com minha formação, queria ter me
entregado mais, mas entendo também que o que eu fiz foi o que eu
consegui, e me custou muito esforço e muita força.

Fundamentados nas falas realizadas na pesquisa, o cenário educativo,


que passou a ser visto por computadores ou celulares, aparecem como locais
que apresentam insegurança de aprendizagem, limitações e acesso, fazendo
com que não haja dedicação para executar as tarefas.
Outro aspecto compreendido nas falas tem relação com a percepção de
novo espaço de onde se estuda, como suas residências, visto o quão difícil está
sendo organizar-se para estudar. Durante as respostas lidas percebe-se que o
sentimento de impotência supera o sentimento de esperança, na compreensão
de que, as expectativas criadas para o último semestre foram quebradas
colocando em dúvida sua formação e o exercer da profissão.
Também evidenciado a relação com ensino remoto, a importância de
pensar-se em um ensino que corresponda a realidade dos alunos, considerando
pontos para melhorar tanto o acesso quanto a qualidade de ensino proposta
durante essa pandemia, visto que foram os pontos mais mencionados nas falas
das pesquisadoras, e que ocasionam angustias, medos, impotência e assim por
diante.
Para finalizar, o resultado dessa pesquisa confirma o impacto do ensino
não presencial para a formação de profissionais e de pessoas. O sofrimento
psicológico a que estamos inseridas e as diversas formas de exclusão de grupos
minoritários, sem privilégios. Fica evidente o total divorcio do ensino remoto
(conhecimento formal construido para repassar conteúdo curricular através de
tecnologias de informação e comunicação) do conhecimento construído pela
experiência ( através das relações de afeto entre professores e amigos). Somada
a essa perda, ficam destacadas as desigualdades sociais, distanciando mais
ainda os afetos, favorecendo uns poucos e excluindo outros da aprendizagem,
principalmente os mais pobres, pela falta de acesso às plataformas; e mulheres,
que precisaram conciliar os afazeres do lar com o ensino, no mesmo espaço.
Para nós, mulheres pesquisadoras, com recuros limitados e necessidade
do contato e do apoio dos afetos para superar obstáculos e concluir uma
formação superior, por vezes tão negada nesse país; essa experiência preciava
ser compreendida e compartilhada, contribuindo para que outras pessoas, em
situação de de distanciamento social, possam minimizar a crise. Porém,
sabemos que outras investigações precisam ser realizadas para que possamos
futuramente reduzir os sofrimentos advindos dessa forma de educação, que vem
sendo ampliada no Brasil, com objetivo de lucros desmedidos, comprometendo
a qualidade da educação superior no país.

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