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© 2009 by Vitor da Fonseca EDITOR: Alan Kardec Pereira GERENTE EDITORIAL:

Waldir Pedro REVISÃO GRAMATICAL: Lucíola Medeiros Brasil CAPA E PROJETO


GRÁFICO: Equipe 2ébom Design Dados Internacionais de Catalogação na
Publicação (CIP)

F742p

3.ed.

Fonseca, Vitor da

Psicomotricidade: logênese, ontogênese e retrogênese / Vitor da Fonseca.


- 3. ed. - Rio de Janeiro: Wak Ed., 2009.

356p. : 28 cm

Inclui bibliogra a

ISBN 978-85-7854-033-3

1. Evolução humana. 2. Caacidade motora em crianças. 3.


Psicomotricidade. I. Título.

09-0381. CDD 612.7 CDU 612.7 2009

Direitos desta edição reservados à Wak Editora Proibida a reprodução total


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Sumário

Introdução
Parte 1 - Filogênese da
Psicomotricidade
1. Origem da Vida
2. Origem das Espécies
3. Dos Invertebrados aos
Vertebrados
4. Paleontologia Funcional
O ICTIOMORFISMO
O ANFIBIOMORFISMO
O SAUROMORFISMO
O TEROMORFISMO
O PITECOMORFISMO
5. Antropomorfismo e Adaptações
Hominídeas
ORDEM DOS PRIMATAS
O DESENVOLVIMENTO DOS
MEMBROS COMO ÓRGÃOS DE
PREENSÃO
O DESENVOLVIMENTO DOS
MEMBROS ANTERIORES COMO
ÓRGÃOS DE EXPLORAÇÃO
O DESENVOLVIMENTO DO
SISTEMA HERBÍVORO E
OMNÍVORO DE DIGESTÃO E A
CONSEQUENTE ESTRUTURA
CRANIODENTAL
A REDUÇÃO DO SENTIDO
OLFATIVO
O DESENVOLVIMENTO DA
ACUIDADE VISUAL
MUDANÇAS NO ESQUELETO PÓS-
CRANIANO
DESENVOLVIMENTO DO CÉREBRO:
APRENDIZAGEM, LINGUAGEM E
FABRICAÇÃO DE INSTRUMENTOS
REDUÇÃO DO NÚMERO DE
DESCENDENTES POR
NASCIMENTO, DEPENDÊNCIA
MATERNAL E ORGANIZAÇÃO
SOCIAL
TENDÊNCIAS FILOGENÉTICAS EM
UMA PERSPECTIVA DIALÓGICA
ENTRE O “NORMAL” E O
“DESVIANTE”
EVOLUÇÃO DA MOTRICIDADE,
EVOLUÇÃO DO CÉREBRO E
HABITAT ESPECÍFICO
PRINCIPAIS ADAPTAÇÕES
HOMINÍDEAS
EVOLUÇÃO CULTURAL E
DESENVOLVIMENTO DO CÉREBRO
COMO ÓRGÃO DE COMUNICAÇÃO
E APRENDIZAGEM
AS GRANDES CONQUISTAS DA
ESPÉCIE HUMANA
Parte 2 - Ontogênese da Motricidade
6. Abordagem Ontogenética
A ONTOGÊNESE DA ONTOGÊNESE
PERÍODO PRÉ-EMBRIONÁRIO (DA
CONCEPÇÃO AO PRIMEIRO MÊS)
PERÍODO EMBRIONÁRIO (DO
PRIMEIRO AO SEGUNDO MÊS)
PERÍODO FETAL (DOS DOIS AOS
NOVE MESES)
VINTE E DOIS AXIOMAS DA
ONTOGÊNESE DA MOTRICIDADE
PERÍODO NEONATAL
7. Abordagem Psicobiológica
O ESTUDO DA MOTRICIDADE E A
SUA IMPORTÂNCIA NO
DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO
DA CRIANÇA
TENDÊNCIAS FILOGENÉTICAS
HIPÓTESES SOBRE A ORIGEM DA
LINGUAGEM
PRESSUPOSTOS FILOGENÉTICOS E
ONTOGENÉTICOS DA
COMUNICAÇÃO NÃO VERBAL
DESENVOLVIMENTO DAS
EXTREMIDADES COMO ÓRGÃOS
DE PREENSÃO E EXPLORAÇÃO
MODIFICAÇÕES ESTRUTURAIS
CRANIODENTÁRIAS
DECORRENTES DA DIETA
COMPLEXIDADE NA INTEGRAÇÃO
E ASSOCIAÇÃO
INTERNEUROSSENSORIAL
POSTURA BÍPEDE E MUDANÇAS
CONSEQUENTES NO ESQUELETO
CRANIANO
EVOLUÇÃO CULTURAL E
DESENVOLVIMENTO DO CÉREBRO
COMO ORGÃO DE COMUNICAÇÃO
E APRENDIZAGEM
REFERÊNCIAS
8. Abordagem Comportamental
O MOVIMENTO COMO FORMA DE
COMPORTAMENTO
9. Abordagem Psicotônica
PSIQUISMO, MOTRICIDADE E
TÔNUS
10. Abordagem Neurobiológica
A FUNÇÃO TÔNICA
A ATITUDE E O EQUILÍBRIO
11. Abordagem ao Desenvolvimento
Postural
A MANUTENÇÃO DA CABEÇA
A POSIÇÃO DE SENTADO
A POSIÇÃO ERETA
A MARCHA
12. Abordagem ao Desenvolvimento
da Preensão
ESTUDO DO RECÉM-NASCIDO
ESTUDO DOS DOIS AOS SEIS
MESES
ESTUDO DOS SEIS AOS DOZE
MESES
13. Abordagem Biopsicossocial
EVOLUÇÃO DA MOTRICIDADE EM
WALLON
14. Dez Escalas de Desenvolvimento
ORIENTAÇÕES PEDAGÓGICAS
PARA A UTILIZAÇÃO DAS ESCALAS
Apresentação das escalas de
desenvolvimento
1 - ESCALA DE DESENVOLVIMENTO
PSICOMOTOR (DE ZERO A CINCO
ANOS) (Vitor da Fonseca 1977)
2 - ESCALA DE DESENVOLVIMENTO
DE ZERO A DOIS ANOS (ADAPTAÇÃO
DE VITOR DA FONSECA 1979)
3 - ESCALA DE DESENVOLVIMENTO
DE M. SHERIDAN (DE ZERO A CINCO
ANOS)
4 - ESCALA DE DESENVOLVIMENTO
MOTOR (ADAPTAÇÃO DE VITOR DA
FONSECA, 1978)
5 - ESCALA DE DESENVOLVIMENTO
PSICOMOTOR (VITOR DA FONSECA,
1975)
7 - ESCALA DE OBSERVAÇÃO DAS
ETAPAS DE APRENDIZAGEM (Vitor da
Fonseca, 1978)
8 - IDENTIFICAÇÃO DAS PRAXIAS
(Adaptação de Vitor da Fonseca,
1978)
9 - PERFIL PERSPECTIVO-MOTOR DE
KEPHART (Adaptação de Vitor da
Fonseca, 1978)
10 - AVALIAÇÃO DO
DESENVOLVIMENTO SOCIAL
Parte 3 - Retrogênese da
Psicomotricidade
15. Gerontopsicomotricidade: Uma
Abordagem ao Conceito da
Retrogênese Psicomotora
INTRODUÇÃO AO CONCEITO DE
RETROGÊNESE
COLOCAÇÃO DO PROBLEMA
METODOLOGIA
ADMINISTRAÇÃO DA BATERIA
PSICOMOTORA
TRATAMENTO DOS RESULTADOS
VISÃO GERAL DOS RESULTADOS
ANÁLISE INTRAGRUPAL
ANÁLISE INTERGRUPAL
DISCUSSÃO
(In)Conclusão
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Introdução

O objetivo do trabalho que vou apresentar se insere em uma


continuidade de pesquisas e de estudos que situo por volta de 1969, ano em
que iniciei o estágio pedagógico do curso do Instituto Superior de Educação
Física (ex-INEF). Aí, tive como metodólogo o professor Nelson Mendes, que
me abriu várias perspectivas cientí co-pedagógicas e me proporcionou,
mais tarde como diretor do mesmo Instituto, oportunidades ímpares e
verdadeiramente facilitadoras para concretizar a presente obra.

Na procura dos fundamentos interdisciplinares da Educação, como


ação global dirigida a um ser bioantropológico e psicobiológico, isto é, à
totalidade biopsicossocial do ser humano, parti para uma aventura episódica e
preferencialmente orientada para os problemas da Motricidade. Tal esforço
culminou na dissertação nal, concluída já em 1971, cujo título “De Uma
Filosofia (do conhecimento) à Minha Atitude (pedagógica)” em pouco
sugeria o que nela estava contido, ou seja, o tema referente ao seu subtítulo:
Subsídios para a Ontogênese da Motricidade Humana.

É desse subtítulo que emerge parte do atual trabalho, agora enriquecido


com outros dados, procurando apontar para uma Ciência do Homem, onde
os aspectos biológicos e antropológicos não se oponham aos aspectos
sociológicos e culturais, ou melhor, onde a logênese não se oponha à
ontogênese, onde o organismo não se oponha ao meio, e onde a motricidade
humana não se oponha a toda a criação da Civilização.
É óbvio que esse objetivo é demasiado ambicioso, porém minha
experiência pro ssional me tem proporcionado ocasiões e desa os que
convergem nesse sentido. Primeiro, no Instituto Nacional de Educação
Física, como responsável pelas cadeiras de Antropologia (1972, 1973, 1974 e
1975), Educação Psicomotora (1973 e 1974) e Teoria do Movimento
Humano (1974 e 1975); segundo, como bolsista do Instituto Nacional de
Investigação Cientí ca (ex-IAC) na Universidade de Northwestern Evanston
— Illinois), como pós-graduado (mestrado) em Ciências de Educação (1974
e 1975), onde obtive um crédito em Antropologia Biológica (Primate Evo-
lution — Evolução dos Primatas); terceiro, no Instituto Antônio Aurélio da
Costa Ferreira, como responsável pelas cadeiras de Neurobiologia (1977),
Introdução à Problemática do De ciente e Psicomotricidade (1978), Teorias
de Aprendizagem e Di culdades de Aprendizagem (1978), especialmente
orientadas para problemas de desenvolvimento e de aprendizagem na
criança normal e na criança de ciente; e, por último, no Instituto Superior
de Psicologia Aplicada, como responsável pela cadeira de Psicologia (4º ano
— área de Psicopedagogia), cujo programa, que temos orientado desde 1975
após convite do Dr. Bairrão Ruivo, encontra-se neste livro mais ou menos
sintetizado, com o objetivo de proporcionar aos alunos de Psicobiologia um
livro de estudo (textbook).

Foi esta a ideia central e motivadora da longa e perturbada construção


deste trabalho. Todas as utuações adaptativas e conceituais da minha vida
clínica e experiência no ensino superior têmme oferecido uma visão
multidisciplinar e cienti camente integrada, visão inconclusa que podemos
agora apresentar com um mínimo de coerência conceitual e com um mínino
de unidade dialética.

Não pretendo avançar com generalizações abusivas nem com


reducionismos encantatórios. Desejo, fundamentalmente, neste estudo, não
vulgarizar o lugar do homem na natureza. Por isso, apresento humildemente
uma abordagem logenética e ontogenética, rodeada de constelações
temáticas, muitas vezes preliminares e rudimentares, porém su cientemente
justi cadoras para oferecer duas abordagens do desenvolvimento humano.
Em ambas as abordagens, está contida uma unidade indispensável e
recíproca, unidade que esteve na base da minha pesquisa e na base de elabo‐
ração deste livro. Só dentro de uma leitura complementar, entre uma
abordagem bioantropológica ( logênese) e uma abordagem psicobiológica
(ontogênese), pode-se alcançar o objetivo expresso da minha re exão. Nas
duas abordagens, procuro defender a ideia de que o desenvolvimento da cri‐
ança (ontogênese) recapitula, acelerada e qualitativamente, o
desenvolvimento da espécie humana ( logênese).

Inicialmente, tento partir da Antropologia Biológica na qual procuro


apenas a orar a evolução pré-orgânica e orgânica, passando rapidamente
pela origem das espécies e pela transição que decorre dos animais
invertebrados aos vertebrados. Para abordar a motricidade dos animais,
como comportamento adaptativo por excelência, evoluo em seguida para
um estudo paleontológico-funcional, a m de demonstrar o papel daquela
nas libertações anatômicas e o papel destas nas modi cações cerebrais das
diferentes espécies. Do protozoário ao metazoário, do peixe ao réptil, do
mamífero ao primata e deste ao Homo Sapiens, tento fornecer dados que
permitam visualizar interações endógenas (genótipo) e exógenas (fenótipo)
que ponham em jogo a relação dialética, invariável e teleonômica dos
organismos vivos com o seu meio ambiente.

Com base na Genética, procuro então dimensionar o papel da


informação e da transdução bioquímica que hierarquiza e controla os fa‐
tores inatos e adquiridos em todas as espécies, daí resultando em uma
sequência evolutiva de transformações anatômico-funcionais que culminam
no primata e no homem.

É no enfoque preferencial das Adaptações Hominídeas que continuo as


re exões, sendo abordadas comparativamente as transformações anatômicas
e as modi cações cerebrais concomitantes, na tentativa de enunciar algumas
relações inequívocas entre o biológico e o social. Além disso, encaro a
ontogênese da ontogênese como recurso ao desenvolvimento intrauterino,
passando pelos períodos pré-embrionário, embrionário e fetal. Na base do
enfoque embriológico, viso a estudar os axiomas da ontogênese, que, em
certa medida, fornecem dados ilustrativos da logênese, duplicando-a e
(re)representando-a funcional e sistematicamente.

De modo efetivo, a semelhança do embrião humano com o de várias


espécies é muito convincente, pelo menos em determinadas fases da sua
metamorfose. Técnicas modernas de fotogra a nos fornecem, hoje, novas
informações e revelações.

E nalizo este livro, abordando os aspectos relacionados à retrogênese


da motricidade, vindo a complementar e aprofundar o tema principal desta
obra.

Independentemente da enorme complexidade da logênese e da


ontogênese, além do desconhecimento atual de inúmeros processos e
subprocessos de transformação da forma, da estrutura e da função, minha
visão integrada do desenvolvimento intrauterino procura interligar este com o
desenvolvimento extrauterino. Penso que muitos dos processos de maturação
e de desenvolvimento observados extrauterinamente encontram suas raízes
no desenvolvimento intrauterino, razão pela qual enquadrei este meu
trabalho nesta linha de exploração.

Além de o desenvolvimento estar signi camente dependente do plano-


mestre do ácido desoxirribonucleico (ADN), em termos de herança
genética, jamais se pode encarar o desenvolvimento humano sem uma
perspectiva interacionista, onde a herança sociocultural atinge sua
signi cação dialética e complementar.O desenvolvimento humano
compreende todas das mudanças contínuas que ocorrem desde a concepção
ao nascimento e do nascimento à morte. Neste período, surgem processos
evolutivos, maturacionais e hierarquizados, quer em um plano biológico,
quer em um plano social. A unidade biossocial é a chave da compreensão da
dialética da ontogênese, como nos indicou H. Wallon.

Partilho a ideia de que o desenvolvimento humano nem é pré-formado


nem é predeterminado e, Tampouco, pode ser explicado pelos
“envolvimentalismos” encantatórios ou pelos “determinismos culturais”.
Repensando a motricidade como produto nal da evolução, procuro
lançar subsídios sobre a ontogênese recapituladora da sequência
logenética, que objetivamente resume a evolução transiente do zigoto ao
feto, isto é, o desenvolvimento intrauterino que é estudado pela Embriologia
Humana. Posteriormente, e com base em alguns processos maturacionais,
abordo a neonatologia e o desenvolvimento biopsicossocial (extrauterino),
especialmente no que concerne às relações entre o psiquismo e a
motricidade.

O ser humano se constrói como um ser social. Sem a presença do


adulto socializado, o recémnascido não responde às suas necessidades de
crescimento e de desenvolvimento. O social é biológico. Ele é,
consequentemente, uma condição vital e indispensável da ontogênese. O
biológico não se opõe ao social, pois os dois fatores não se reduzem um ao
outro e não são sequer incompatíveis. O biológico e o social coexistem
dialeticamente, daí a razão de a criança ser observada no nosso estudo
segundo uma ótica que a considera um ser social e um ser biológico
simultaneamente.

Sem perder de vista esses princípios do desenvolvimento humano,


minha análise da ontogênese se particulariza, por agora, em nível biológico,
por meio de um enfoque preferencial de sentido “walloniano”.

Em outras palavras, e dada a condição inicial do recém-nascido de


nidícola e não de nidífuga, a motricidade humana não é imediata nem
programada. A criança é “agida” por outros, antes de se autolocomover e
automexer, daí a raiz exógena e a origem social da motricidade humana. O
outro não é uma condição exomotora; antes de tudo, a condição
endomotora (imprinting) é que gera a histogênese do Eu.

Desejo desenvolver minha dimensão da ontogênese da motricidade


como um processo semelhante ao da apropriação histórico-social e socio‐
cultural, porque penso que o desenvolvimento da motricidade da criança
depende fundamentalmente da motricidade (conduta) do adulto.
Fiel a esses princípios interacionistas e dialéticos, nos quais desenrolo
tal abordagem, apresento, a seguir, re exões entre a motricidade e o
desenvolvimento psicobiológico, equacionadas segundo uma certa
sequência simpli cada. No envolvimento da mão, pré-estruturam-se os
re exos, ou seja, a memória da espécie. No envolvimento com a família,
desenvolvem-se as primeiras aquisições motoras e linguísticas. No
envolvimento com a sociedade, evoluem as primeiras aquisições
psicomotoras e psicolinguísticas.

A evolução da motricidade exige efetivamente um certo tipo de


“ecossistemas amnióticos”. Ainda nesse parâmetro de análise, evoluo em
uma abordagem comportamental, onde encaro o comportamento como
uma relação inteligível entre a situação e a ação (motricidade).

Psiquismo e motricidade são posteriormente encarados como


irredutíveis, mediatizados pela função tônica, ontem e hoje um campo de
estudo pouco aprofundado. Por isso, tento avançar com uma abordagem
neurobiológica da tonicidade, da atitude e da equilibração bípedes.

Mais detalhadamente, prolongo o estudo da ontogênese da motricidade


com o desenvolvimento postural e o desenvolvimento da preensão, es‐
sencialmente apresentados segundo as visões iniciadas por H. Wallon e
Ajuriaguerra.

Por último, em uma tentativa mais prática pedagógica, apresento 12


escalas de desenvolvimento com áreas neurológicas, sensórias, perceptivas,
psicomotoras, auditivo-verbais, viso-motoras e socioemocionais de algum
interesse para a observação e a intervenção clínico-pedagógica. Tais escalas
não deverão ser confundidas com outras mais rigorosas e padronizadas.
Trata-se de apoios pedagógicos, uns originais, outros adaptados de outros
autores, de onde poderão emergir orientações curriculares ou surgir
programas precoces de estimulação, desenvolvimento e reabilitação, com
utilidade, julgo, para os ensinos geral, pré-escolar e especial.

Essa tentativa nem sempre foi fácil na Civilização Ocidental, onde a


in uência do pensamento de lósofos, como Aristóteles (300 a.C.), São To‐
más de Aquino (1300) e Descartes (1596-1650), pesou muito na
subestimação do corpo e da motricidade com atributos intrínsecos da
“Pessoa”.

O corpo e o espírito (mente) têm sido erradamente encarados como


entidades separadas, muitas vezes opostas e desequilibradamente abordadas.
“Cogito ergo sum” (Penso, logo existo) marcou profundamente o estudo do
desenvolvimento humano. De fato, não somos apenas seres de pensamentos
mas também seres de movimentos e de sentimentos. Por isso, opomos
àquele aforisma um outro. “Ajo, sinto e penso, logo existo e coexisto”, muito
próximo de outro quase negligenciado “Mens sana in corpore sano” (Mente
sã em um corpo são).

Ontogenética e logeneticamente, as aquisições da motricidade estão


primeiramente situadas do que as aquisições do pensamento. Já na “piscina
amniótica”, o feto humano se autolocomove como vamos desmonstrar. A
própria Bíblia é elucidativa quando explora esta questão — “No princípio,
era o verbo” (ação).

A motricidade, por meio da totalidade expressiva que a caracteriza


intrisecamente, é o meio pelo qual a consciência se edi ca e se manifesta. É
a própria motricidade que leva ao desenvolvimento do cérebro, ela é um
requisito de mielinização. Sem movimento, não há desenvolvimento nem
pensamento. Motricidade sem cognitividade é possível, mas a cognitividade
sem a motricidade não o é. Por alguma razão, o desenvolvimento adequado
da motricidade constitui a via para um desenvolvimento intelectual
ajustado. Os distúrbios no desenvolvimento motor comprometem sempre o
desenvolvimento da linguagem e da cognitividade. Por isso, temos de
compreender a motricidade como uma ação e como uma conduta, relativa a
um sujeito histórico. Nesta perspectiva, a motricidade passa a ser
compreendida nas estruturas associativas que a plani cam, elaboram,
regulam, controlam, executam e integram. A motricidade, ao materializar a
ideia, a continua e a prolonga.

A motricidade nova, a neomotricidade, é que põe em jogo as mais altas


formas de atividade mental, como vamos ver. Não só contribui para o
desenvolvimento da atividade psíquica superior mas também lhe dá
expressão, forma e conteúdo.

O movimento humano, diferente do animal, implica duas fases


mutuamente interdependentes: a ação e a representação, isto é, o aspecto
motor e o aspecto ideacional antecipativo.

A motricidade, como tentamos ver na abordagem anterior, e como


vamos ver nesta, tem a sua origem na História Social do Homem, e ela é a
base da atividade no trabalho e na comunicação. Quando o adulto diz para a
criança — “toma a xícara”, esta segue as instruções por meio de uma com‐
preensão auditiva e por meio da linguagem anterior, que se demonstra
posteriormente em termos de realização, por meio de movimentos
voluntários. Mais tarde, é a própria criança quem dá instruções a si, por
meio da interiorização da linguagem (do exterior para o interior). Nesse
exemplo, a motricidade está dependente da linguagem, ou seja, é uma
linguagem não verbal, e se subentende nela uma sintaxe e uma paráfrase.

As intenções e as necessidades são os fatores invariantes e implicadores


da motricidade, a qual é desencadeada com base na obtenção de um m, um
resultado, um programa, um efeito, que obviamente a antecede e a justi ca,
tornando-a em uma práxis.

A motricidade e, consequentemente, a psicomotricidade, assim


encaradas, visam a uma concepção holística do desenvolvimento humano.
Ela coloca em jogo várias estruturas de construção: sinergias inatas,
edi cadas a partir da logênese, e sinergias automatizadas e complexas,
apropriadas a partir da ontogênese.

Na lei biogenética de E. Haeckel (1910), a ontogênese é uma repetição


da filogênese, assume um novo dinamismo, cobrindo toda a esfera zoológica,
como podemos resumir pelo quadro seguinte e como tentamos equacionar
em ambas as partes: ensão e praxias nas; e a oromotricidade, para a pro‐
dução da fala.

O resultado da minha investigação, sempre em uma tentativa de


renovação evolutiva, coloca este trabalho como um complemento a um
outro já publicado em outra editora com o título Contributo para o Estudo
da Gênese de Psicomotricidade.

Quadro

FILOGÊNESE ONTOGÊNESE ESTÁDIO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO

Peixe Feto Neuromotricidade (protomotricidade) Hipotonia axial,


hipertonia das extremidades Reptação ventral
Réptil Recém-nascido

Tônico-motricidade (paleomotricidade) Quadrupedia,


Mamífero 10 meses
simetria funcional, bimanualidade

Sensório-motricidade (arquimotricidade)

Controle postural

Primata 12-24 meses Segurança gravitacional

Lateralização funcional

Independência do polegar

Perceptivo-motricidade
6 anos
Desenvolvimento da locomoção Dextralidade, assimetria
funcional Especialização hemisférica, somatognosia
Homem

Psicomotricidade (neomotricidade) Desenvolvimento práxico,


Adolescência
melodia cinética Plani cação motora, maturidade sociomotora

Tento por essa via perspectivar que a estruturação das vias associativas
cerebrais têm os seus alicerces na motricidade da criança, meio pelo qual
toda a organização cortical proprioceptiva e extereoceptiva se processa e
diferencia-se.
Sabe-se que o cérebro humano inconcluso à nascença é estruturado e
rearranjado pela função motora nos primeiros anos de vida. Inúmeros
trabalhos de investigação sugerem que as futuras faculdades de
aprendizagem decorrem das primeiras aquisições motoras, a integração
sensorial se transcende em uma integração psicomotora, base da
organização intríseca do cérebro que se transforma e substitui-se em várias
motricidades para materializar os seus processos organizativos. A
macromotricidade, para as diversas posturas e praxias globais; a
micromotricidade, para as diversas pre-

Independentemente de novos ajustamentos conceituais e de reforços


bibliográ cos mais atualizados, o trabalho não se afasta do objetivo inicial,
que aponta para o estudo da motricidade humana e da psicomotricidade,
agora fundamentadas em duas perspectivas.

O meu estudo procura lançar, todavia consciente das suas limitações,


algumas bases para a compreensão do primeiro processo humano de
aprendizagem e apropriação do real, ou seja, a motricidade, meio pelo qual a
inteligência humana se desenvolveu e materializou-se, constrói-se e edi ca.

A motricidade humana, grande arquiteta da Civilização, tem as suas


raízes logenéticas a partir da Antropologia, da Genética e da Embriologia.
Por outro lado, a motricidade humana, além de ser a consciência precoce,
reúne em si dois componentes ontogenéticos fundamentais: a diferenciação
estrutural do sistema nervoso central e a aquisição progressiva de padrões
comportamentais (skills), justi cadoras da hierarquia da experiência
humana que vai da sensação à conceitualização, passando pela percepção,
pela retenção e pela simbolização.

É pela importância que a motricidade assume na estruturação, na


organização e na regulação da linguagem humana que ela nos permite com‐
preender a razão de ser da evolução decorrente do gesto à palavra, do ato ao
pensamento e do ato re exo à atividade de re exão.

Por ser uma área subestimada no estudo do homem, por uma


de ciente interpretação do seu comportamento psicobiológico (que
raramente vemos ultrapassada em estudos sobre o desenvolvimento da
criança, quer em termos antropológicos, quer em termos ontogenéticos,
para não dizer também educacionais), vimos, agora, lançar mais esta nova
contribuição.

Nas três abordagens, procuro certo equilíbrio léxico-visual entre o


texto e a introdução de esquemas e desenhos, a m de facilitar a com‐
preensão da minha mensagem; desenhos e esquemas, ou melhor, esboços
muito simples, uns originais meus, outros adaptados de obras que lemos e
dissecamos.

Termino com “(in)conclusões”, que, pelo seu inacabamento, apenas nos


abrem o desejo de continuar a valorizar os fundamentos de uma perspectiva
cientí ca do desenvolvimento humano.

Apresento essa contribuição a todos os que se interessam pelo


desenvolvimento humano, nomeadamente pais, educadores de crianças
de cientes e inadaptadas, educadores em geral, pediatras, psiquiatras
infantis, psicólogos, pedagogos, enfermeiros, assistentes sociais, terapeutas,
reeducadores, investigadores, antropólogos etc.

Um agradecimento especial a todos os meus alunos do INEF (cursos


desde 1972 a 1975), do IAACF (cursos de 1977 e 1978) e especialmente do
ISPA (cursos desde 1975), que nos “obrigaram” a preparar as aulas, que aqui
surgem com uma certa unidade, nem sempre alcançada nas situações
dialéticas de lecionar. Agradecimento extensivo também a colegas de
trabalho, de onde destaco Nelson Mendes, Arquimedes da Silva Santos, José
Marinho (já falecido), Vitor Soares e demais companheiros do Gabinete de
Estudos e Intervenção Psicopedagógica de Portugal. Do convívio cientí co
que conseguimos criar, nasceram luzes e re exões que permitiram a
transformação da nossa informação no presente livro, englobando uma
Perspectiva do Homem, já apresentada no IV Congresso Internacional de
Psicomotricidade (Madri, em março de 1980) e no Congresso Internacional
de Aprendizagem e Desenvolvimento organizado pelo Instituto Piaget
(Lisboa, em outubro de 1980).
Desejo que este meu esforço motive a atividade de pro ssionais de
educação, aqueles que, mais vezes, são esquecidos em termos de valorização
cientifíco-pedagógica.

Quanto mais valorizarmos a ação dos adultos, mais benefícios


poderemos proporcionar à ação (desenvolvimento) das crianças.

Por último, dedico este trabalho a todas as crianças de cientes ou não


de cientes, que considero, em termos antropólogicos e históricos, os
verdadeiros pais dos adultos.

Foi essa uma das intenções que tive ao escrever este livro. Faço votos que as
minhas intenções impliquem novas ações dos educadores em geral, a quem
no fundo dedico este livro.
PARTE 1

FILOGÊNESE DA
PSICOMOTRICIDADE
-1-

Origem da Vida

Não podendo aprofundar uma perspectiva bioantropológica, não


queremos deixar de equacionar, embora super cialmente, a origem da vida,
o que põe de imediato em jogo a evolução pré-orgânica que antecedeu a
evolução orgânica.

A origem da vida não pode ser estudada objetivamente. Só por


analogia e inferência, podemos compreender a vida na sua unidade e na sua
diversidade, que engloba em si inúmeras transformações físico-químicas
geradoras de mutações genéticas, as quais justi cam os milhões de espécies
de seres vivos que compreendem uma dinâmica energético-material
processada ao longo de milhões de anos.

O fenômeno vital (o misterioso fenômeno de Teilhard de Chardin) não


é mais que uma série de processos que têm lugar dentro de certos níveis
complexos de uma organização da matéria. Já Engels concebia a vida
(independentemente de não ser um biólogo) como um forma particular de
movimento da matéria. É óbvio que a de nição de vida é sinônimo de
energia, energia essa libertada a partir do aniquilamento nuclear mútuo da
matéria e da antimatéria.

É evidente que a origem da vida se presta a explicações teleológicas,


espiritualistas, animistas e vitalistas; no entanto, as investigações no domínio
da física, da química e da biologia permitem uma explicação cientí ca da
origem da vida. O ponto de vista idealista considera a vida como um
princípio espiritual e sobrenatural. Estão nesta linha as explicações que vão
de Platão a Aristóteles, passando por Plotino, Santo Agostinho e São Tomás
de Aquino, nos quais sobressai uma concepção de vida determinada por
uma força vital, animada de um dom supremo, sublime e divino.

No entanto, outras aproximações antimísticas justi caram a


“pluralidade dos universos habitados”, começando em Anaximandro a
noção de que os mundos nascem e morrem, e enriquecendo-se em
Anaxágoras que iniciou a concepção heliocêntrica. Posteriormente,
Lucrécio, Copérnico, Bruno e Galileu, tendo sido em alguns dos casos
considerados “hereges”, foram dissecando o mistério da origem da vida.

Fig. 1.1 - A origem da vida põe em jogo uma evolução pré-orgânica que
antecedeu a evolução orgânica.

O rompimento do obscurantismo que envolve a origem da vida, bem


como a descoberta dos “parâmetros ocultos”, iniciaram-se com os trabalhos
de Pasteur, Elsasser, Bohr, Einstein, Hinshelwood, Heisenberg, Glass, Neu‐
mann e tantos outros. Em todos estes autores, há uma convergência
antirreducionista da noção de vida. A vida, se quisermos uni car as suas
concepções, não é um simples metabolismo químico; ela é um estado
limitado de organização e duração que envolve dialeticamente processos de
regularidade de repetição, mas também processos invariantes e processos
teleonômicos (MONOD).
A noção de vida contém o gérmen da morte. O que vive, morre. No m
da vida, está a morte. É óbvio que esta dimensão dialética e inacabada reúne
a noção dinâmica da vida que compreende um nascimento e uma
desintegração nal, estando entre dois estados os fenômenos metabolismo,
irritabilidade, movimento, crescimento, reprodução, acomodação e
assimilação. Por outras palavras, a vida requer um conjunto de fenômenos
físicos, químicos e biológicos que põem em destaque os fenômenos de
assimilação, acomodação e reprodução e a observância de certas condições
de radiação, temperatura, gravitação etc.

A teoria pan-pérmica é uma das abordagens que nos permite


reconhecer a noção de vida, ou melhor, a formação da matéria, resultante da
combinação e da constelação de fenômenos físico-químicos que originaram
o aparecimento da vida no planeta Terra. O aparecimento da vida no nosso
planeta põe em relevo a importância da formação de uma atmosfera.
Segundo Weizsacker, a aglomeração de poeiras, nuvens e gases, juntamente
com o choque e a explosão de fragmentos de matéria, permitiu um
envolvimento gasoso, rico em hidrogênio, do qual resultou a formação do
Sol. A partir de fenômenos de gravitação e de contração de gases
(hidrogênio e hélio), surgem forças eletromagnéticas que explicam a atração
recíproca entre estrelas e planetas, os quais se organizam, em termos cada
vez mais complexos, em enxames, espirais, nebulosas, ou melhor, em
galáxias.

Se aceitarmos este princípio, evocado por cientistas, podemos


compreender que a Terra, apenas um fragmento de um planeta original,
constituiu-se em três elementos fundamentais: atmosfera, hidrosfera e
litosfera.

Desaparecendo as nuvens e os envolvimentos gasosos, a luz solar pode


atingir a Terra. As estruturas resultantes da aglomeração e da contração de
gases, ao reagirem entre si, geraram os minerais primitivos e a desintegração
de materiais radioativos. É fácil, a partir daqui, prever que as partículas
subatômicas (nêutrons, prótons e elétrons) se reuniram, por
bombardeamentos meteoríticos, em um só próton, mais complexo e orga‐
nizado, o que, em si, explica a formação de estrelas e poeiras cósmicas, da
qual surgiram agregações que se deslocam e se xam no Cosmo. Depois
desta estabilização cósmica instável, bastou que se dessem as libertações de
gases, como as do bióxido de carbono, de metano, dos gases sulfurosos e das
combinações de azoto, para se originarem as atividades vulcânicas e os
fenômenos de vaporização que permitiram o aparecimento dos mares
primitivos.

O “puzzle vital” está quase concluído. Dos oceanos, resultam sais


minerais e fenômenos de condensação que geram chuvas. Este ecossistema,
que tem tanto de invariante como de teleonômico, permite a decomposição
do vapor de água, dando origem à libertação de oxigênio, condição
indispensável à vida dos seres vivos. Fácil torna-se agora compreender o
aparecimento da vida por meio de elementos químicos e de fenômenos
físicos, integrando um processo evolutivo que tem a sua origem no Sol.

O Sol, como núcleo energético gigantesco e superaquecido, passou por


períodos de alteração, em um dos quais, por arrefecimento, deu-se o des‐
locamento de elementos que formaram os planetas, um dos quais a Terra.

A Terra, composta, como já vimos, por litosfera, hidrosfera e


atmosfera, que não existem em Marte nem em Vênus, tem hoje uma história
calculada em torno de 4,55 bilhões de anos, enquanto o Universo tem uma
história de cerca de 16 bilhões de anos. A vida surgiu há cerca de 2 bilhões
de anos. Tendo sido primeiro uma nuvem de poeiras cósmicas, passou
posteriormente a modi car a sua forma esférica e sólida por meio de uma
complexa atividade vulcânica que lhe conferiu uma estrutura dependente da
solidi cação dos metais (litosfera) e, concomitantemente, um invólucro
gasoso (atmosfera).

A Terra, sofrendo pressões atmosféricas e forças eletromagnéticas e


radioativas, alterou seus

elementos químicos, os quais, por sua vez, combinaram-se, adquirindo


novas propriedades.

A mais importante destas propriedades gerou a proteína, composto a


partir do qual se justi ca o aparecimento da própria vida.
A proteína encontra-se no mundo vegetal e no mundo animal. Trata-se
de uma substância plástica e protetora essencial aos seres vivos, podendo
conter mais de 500 moléculas de aminoácidos.

Esquema 1.1 - Acontecimentos mais signi cativos da origem da vida


(depois de Flint e cols.)

O número de aminoácidos, segundo Bronowski, é uma medida de


distância, em termos de evolução, entre o ser humano e qualquer mamífero.
Vinte aminoácidos (espécies químicas) encontram-se em todos os seres
vivos, da bactéria ao Homem.

Podemos perceber, efetivamente, que a vida não surgiu de repente.


Antes, resultou de uma progressiva estrutura e de uma organização
evolutiva de elementos químicos que permitiram uma constante recriação
de novos atributos que explicam a impossibilidade de separar radicalmente
o mundo inorgânico do mundo orgânico.

A complexidade crescente, que vai das substâncias simples (as quais,


como o metano, os hidrocarbonetos, a água e o azoto, pairam no seio da
hidrosfera e da atmosfera) às substâncias proteicas, encontra
necessariamente a sua explicação na biologia molecular, problema este de
signi cação genética, de onde ressaltam os ácidos nucleicos, que,
propriamente, de nem a vida no seu todo.
A vida exige naturalmente um determinado tipo de composição
química da atmosfera e da hidrosfera. Só assim se veri cam fenômenos di‐
versos que se dão em limites aceitáveis de temperatura, gravitação e
radiação,

Stanley Miller, em 1950, com amônia, metano, hidrogênio e por vapor


de água, obteve aminoácidos em condições laboratoriais, por meio de
descargas elétricas e por condensações, provando, assim, que é possível,
experimentalmente, a síntese não biológica de moléculas orgânicas. Um pas‐
so crucial se deu em termos de evolução, dado que os aminoácidos são
considerados como os tijolos do grande edifício da vida. Deles se fazem as
proteínas, e estas são, nem mais nem menos, os constituintes de todos os
seres vivos.

A massa, o raio e o afastamento do Sol permitiram o aparecimento de


vida na Terra, por meio de radiações, gravitações, radioatividade, umidade,
calor, vento, eletricidade natural, luminosidade etc., resultantes de reações
ditadas por leis físico-químicas e, por acumulação, a atividade vulcânica, as
erupções, as glaciações, as condensações, as polimerizações e as
oxirreduções, associadas às reações do protoplasma (composto proteico) nos
oceanos primitivos. Nos oceanos primitivos — meios privilegiados de vida,
livres de radiações ultravioletas mortais —, surge a matéria viva. O
protoplasma, matéria básica de que são feitos os corpos de todas as plantas e
os animais, contém inúmeras propriedades, como, por exemplo, ir‐
ritabilidade, sensibilidade, contratibilidade, bem como propriedades pré-
formadas e pré-elaboradas, que permitem a transmissão, a seleção, a
acumulação e a conservação de energia, suscetível de ser transferida e
autorreproduzida. Essa missão é essencialmente controlada pelos ácidos
nucleicos.

A condição da matéria orgânica é a condição dos seres vivos, que, por


de nição, são organismos compostos de órgãos, compreendendo uma
organização que mais não é que uma adaptação às condições do meio
exterior.
Os organismos vivem na razão direta de se alimentarem ou de
traduzirem a energia existente no exterior. No organismo, subentende um
corpo (aspecto morfológico) que vive em permanente troca energética
(aspecto comportamental) com o meio, isto é, transforma o meio exterior
para criar condições indispensáveis à sua atividade, ou seja, a manutenção
de um estado relacional em um dado estado estrutural. Isto quer dizer que
há, nos seres vivos, a necessidade de uma permanente adaptação ao meio
exterior, a qual resulta de processo de assimilação e acomodação que
concretizam biologicamente a dialética organismo-meio.

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-2-

Origem das Espécies

Depois de termos tentado apresentar uma abordagem super cial da


origem da vida, vamos agora avançar com um outro conceito fundamental
— a origem das espécies.

Constata-se hoje que os organismos descendem uns dos outros por


transformações, como resultado de adaptações lentas em grandes períodos
de tempo.

Neste âmbito, A Filosofia Zoológica, de Lamarck (1809), A Lei que


Regula a Introdução das Novas Espécies, de Wallace (1855), e a Origem das
Espécies, de Darwin (1859), são, de fato, marcos cruciais na teoria da
evolução, independentemente de todos eles desconhecerem os mecanismos
de hereditariedade, só enunciados por Mendel em 1866 e praticamente
desconhecidos até 1900.

Para vários autores, nomeadamente Burma, Mayr, Gregg, Simpson e


Dobzhansky, a noção de espécie implica a noção de descendência e a noção
de continuidade biogenética, isto é, requer a observância de processos de
reprodução sexual. Embora a “espécie” seja uma cção, uma construção
mental sem existência objetiva, convém de nir espécie biológica como o
maior grupo natural de indivíduos que, atual e potencialmente, são capazes
de reprodução e intercriação, ou seja, de produzirem descendências férteis
do ponto de vista biológico. Isto quer dizer que a noção da espécie leva-nos
à noção de animal individual e sexualmente reprodutivo. Daqui,
necessariamente, surge a noção de animal e de parentesco, pelo fato de um
certo esperma e de um certo óvulo se fundirem em um dado núcleo,
contendo uma informação que permitirá a divisão celular e o aparecimento
consequente de uma nova cria.

A espécie é vista como uma continuidade biológica e genética, isto é, o


segmento de uma linha, de uma sequência ancestral, descendente, portanto,
de populações biológicas integradas em uma dimensão temporal e em uma
mudança genética. A noção de espécie não é ambígua, embora, do ponto de
vista zoológico e palentológico, surjam muitas controvérsias. Ela inclui uma
noção de tempo, uma sequência de populações genéticas e um conjunto de
realidades biológicas que compreendem: a criação, a variabilidade e a
fertilidade.

As espécies não são senão segmentos da logênese, digo, de sucessões e


de criações contínuas sem interrupção que se dividem em subespécies e
variedades classi cadas, segundo a taxionomia animal. Há de se encarar,
pelo menos, uma relação dialética entre amostras ou entidades (unidades) e
as populações que se transformam através dos tempos e migram de umas
zonas geográ cas para outras.

É evidente que com 1.000.000 de espécies animais e 350.000 espécies


vegetais, com toda a sua diversidade e especi cidade, necessário se tornou
classi cá-las. Neste aspecto, temos de destacar dois naturalistas, Raye Linné,
a quem se deve o Sistema Natural (1735) que motivou a taxionomia
moderna, e Linné que a rma que a sistemática dos seres vivos devia integrar
as seguintes categorias: reino, lo, classe, ordem, família, gênero e espécie.
Fig. 2.1 . Taxionomia dos animais e evolução. O lugar do Homem na
Natureza. Uma história dentro de outra história

Para Linné e muitos dos seus contemporâneos, as espécies eram


distintas e imutáveis, categorizadas, segundo a sua semelhança morfológica.
Só mais tarde, com Erasmos, Darwin e Lamarck, foram reconhecidas a
variabilidade e a diversidade das espécies. A espécie passou a não ser
explicada puramente por um simples ato de criação, mas por um processo
lento de transformação em longos períodos de tempo.

Estas concepções, ridicularizadas, como sempre, pelos cientistas


contemporâneos de Lamarck, levaram cerca de 100 anos para serem
reinterpretadas, e aqui surgem Darwin e Wallace. Estes autores expuseram a
teoria da seleção natural, segundo um princípio evolutivo, no qual todas as
espécies vivas evoluíram a partir de formas preexistentes mais simples.

A taxionomia, a partir daqui, abandonou a categorização por


semelhanças e entrou em um novo horizonte: a categorização por evolução.
As pressões da evolução vão posteriormente explicar por que é que os
animais não relacionados entre si se transformam em novas espécies: as
espécies passaram a ter laços de parentesco, mesmo com um antepassado
muito remoto. Daí fundamentar-se, por exemplo, que o Homem e os Símios
superiores têm um antepassado comum, que Simons designou por
Procônsul.

Por meio desta visão, a taxionomia não é mais que um resumo da


história da evolução, exempli cando a evolução das espécies em termos de
complexidade crescente, organização e adaptação biológica. Como Simpson,
concordamos que as espécies devem ter uma de nição em relação com o
processo da evolução. Só assim a de nição de espécie atinge uma
signi cação biológica, porque é profundamente evolutiva e genética.

Esta visão de que as espécies mudam no espaço e no tempo é lha da


obra de Darwin, aliás já contida no seu trabalho Origem das Espécies, con‐
siderado o livro mais importante do século XIX, e só possível depois da sua
viagem no “Beagle” à volta do Mundo.

É evidente que há dados de fósseis que permitem a defesa desta


perspectiva, embora os paleontólogos não se encontrem su cientemente sa‐
tisfeitos com os fatos evidenciados pelas provas contidas nos fósseis. O que
interessa, aqui, é perceber a grande mensagem darwiniana que encerra uma
visão multidimensional que surge como uma di culdade para os
taxionomistas. Estes terão de contar com variações de populações,
polimor smos, adaptações, ecofenótipos, isolamentos, migrações, variações
etárias, alterações do envolvimento etc., isto é, com a noção de que a espécie
contém também em si um movimento, aliás, em analogia com a própria
vida.

Como se justi ca então a evolução das espécies? Para Wallace e


Darwin, a justi cação encontra-se no processo de seleção natural e na luta
pela sobrevivência. Tais processos geram variações favoráveis (daí a
preservação de espécies), ou variações desfavoráveis e destruição de outras
espécies, ou, eventualmente, o aparecimento e a formação de novas.

Além desta explicação, Darwin introduz dois novos conceitos: a


variação e a hereditariedade.

No primeiro, demonstrou que nenhum ser da mesma espécie é igual a


outro ser: subsistem diferenças de tamanho, proporção, adaptação etc. No
segundo, tentou equacionar que todas as espécies são suscetíveis de
transmissão hereditária reprodutiva.

Destas duas novas concepções, resultam dois signi cativos conceitos


biológicos, de uma importância crítica para a compreensão da evolução. O
primeiro põe em destaque a noção de adaptação que mais não é que um
ajustamento contínuo do organismo ao meio em mudança, contendo
complicados processos de assimilação (do meio para o organismo) e da
acomodação (do organismo para o meio). O segundo abre a porta à
Genética e ao estudo da hereditariedade, iniciado por Mendel, na qual se
explicam os mecanismos de Vitor da Fonseca da duplicação genética de enti‐
dades biológicas, transmitidos por mapas cromossômicos para as novas
gerações. Tal transferência requer não só a conservação de uma herança ge‐
nética como pode compreender mutações, que, segundo Hugo de Vries,
produzem genuinamente novas características, das quais dependem a evo‐
lução e a seleção orgânica e natural.

Sulton, Boveri e Morgan são os principais responsáveis por


recombinarem as teses de Mendel e de Hugo de Vries. Os autores acima
focados partem do reconhecimento dos cromossomos, estruturas que se
encontram localizadas no núcleo e que transportam os caracteres heredi‐
tários (genoma).

Foi Morgam quem demonstrou, com a Drosophila, que os


determinantes genéticos se apresentam em uma ordem linear e em uma
sequência ou encadeamento contido no próprio cromossomo. A célula, ao
dividir-se, leva à individualização de pequenas barras ou bastões em forma
de X, denominados cromossomos. Os cromossomos são o substrato
citológico da hereditariedade, e o seu número é par, xo em cada espécie
animal. No ser humano, por exemplo, o número de pares é de 23, dos quais
22 são autossomos, isto é, cromossomos somáticos, e um par é genossomo,
ou seja, um cromossomo sexual. É necessário que se note que esta
individualização cromossômica se mantém, desde a fecundação até a morte,
e é de 46XX para o sexo feminino e de 46XY para o sexo masculino.
Depois da união de Denver (1960), os grupos de cromossomos
encontram-se diferenciados desde o grupo A ao grupo G, segundo o
comprimento total e respectivo dos braços articulados pelo centrômero.

À montagem da divisão celular em estado de metafase, é dado o nome


de carótipo que mais não é que a carta geográ ca dos traços hereditários, ou
seja, o mapa cromossômico de McKusick. A divisão celular, como é óbvio,
obedece a um complicado mecanismo hierarquizado e controlado,
dependente do AND1 e ANR2.

O ADN detém a informação genética e o ARN assegura o transporte e


a recepção da mensagem genética. Toda a perturbação da mensagem
codi cada do ser humano (“dislexia genética”) provoca aberrações, quer nos
autossomos (trissomias: Down (21), Patau (13), Edwards (18), quer nos
genossomos (Klinefelter, Turner e outros), as quais traduzem normalmente
anomalias de desenvolvimento. São conhecidas outras malformações dos
genes mutantes, como, por exemplo: a acondroplasia (nanismo), a gota, a
coreia de Huntington, a diabetes, a distro a muscular de Duchenne etc.

Estes exemplos da genética humana servem para demonstrar que a


evolução da espécie não pode ser interpretada sem o esclarecimento neces‐
sário da genética, daí este desvio em termos de contexto. É evidente que a
mutação de genes dependente da mudança de condições do meio, põe em
jogo processos bioquímicos e siológicos que determinam posteriormente
os aspectos comportamentais dos diferentes organismos.

Os extraordinários trabalhos de Watson, Crick e Wilkins são


demonstrativos do que acabamos de citar. A vida e as espécies são
explicadas por transmissão hereditária, traduzida em termos de- ADN e
ARN que mediatizam as proteínas e são a razão de ser da evolução dos seres
vivos, controlando o seu desenvolvimento e o seu movimento, isto é, toda
uma engenharia genética que explica as mutações e as populações animais.
A vida é possível a partir da reprodução de organismos, por meio da divisão
celular.
A divisão celular, por natureza, produz gerações idênticas, como regra,
e mutações, como exceção. É esta capacidade de autocópia que caracteriza
os seres vivos, pois, como a rma Jacques Monod, “os organismos vivos são
estruturas que se constroem por si próprias”, isto é, os seres vivos justi cam-
se pela realização de um projeto. As moléculas simples, básicas, como as
bases (adenina, timina, guanina e citosina), que, por sinal, compõem o ADN
em espirais de fosfato e açúcar, autorreproduzem-se, descondi cando a
mensagem genética em uma série de arranjos atômicos que implicam uma
sequência de ações que operam a síntese das proteínas. É nesta linguagem
que se passa o fenômeno da hereditariedade em todas as criaturas que
conhecemos, desde a bactéria ao elefante, desde o vírus à rosa, desde o réptil
ao Homem.

O segredo da vida emerge da reprodução sexual, primeiro no mundo


vegetal, depois no mundo animal. A partir daí, a norma biológica que per‐
mite a integração da noção da espécie advém de dois sexos. O sexo produz
adversidade, e esta é a mola da evolução. A multiplicidade de formas, de
cores e de comportamentos nos indivíduos e nas espécies é produzida por
pares de genes, uns de um sexo, outros de outro, como Mendel focou. Os
genes, ocupando uma posição nos cromossomos, somente visível na divisão
celular, são compostos de ácidos nucleicos e, como tal, participam na pro‐
dução das proteínas, que, organizadas e estruturadas, dão origem aos seres
vivos.

Para penetrar nos parâmetros ocultos da genética, foi preciso que,


desde Mendel a Watson e Crick, decorressem cerca de 90 anos. Em 1953, o
ADN foi decifrado. O ADN é um ácido nucleico, ácido contido na parte
central (núcleo) das células que contêm as mensagens químicas da
hereditariedade, as quais passam de umas gerações para as outras. A
arquitetura (química) do ADN é feita de açúcares e de fosfatos e de quatro
pequenas moléculas ou bases, como já vimos anteriormente. Duas são
pequenas, a timina e a citosina, e as outras duas são maiores, a guanina e a
adenina. As primeiras estão organizadas em hexágonos, e as segundas em
hexágonos e pentágonos, dentro dos quais se encontram átomos de carbono,
nitrogênio, oxigênio e hidrogênio. O ADN é, portanto, uma longa cadeia em
espiral, com uma estrutura invariante e rígida, uma espécie de cristal
orgânico, como diz Bronowski. A ligação das bases não é arbitrária, os seus
pares são obrigatoriamente: timina-adenina, guanina-citosina, os quais,
ordenados por andares sempre da mesma forma, contêm o código genético.

As quatro letras do ADN são um código que transmite à célula, passo a


passo, todas as informações, que permitem a manufatura das proteínas. Um
código, o do ADN, implica outro código, o das proteínas. Podemos
acrescentar que o ADN traz os planos de mais de mil proteínas que são
manufaturadas pela célula viva. O ADN, contido nos cromossomos, passa as
suas informações ao ARN mensageiro, que, por sua vez, desloca-se aos
ribossomos, para aí fabricar as proteínas, materiais fundamentais de
construção dos organismos vivos.

Temos, assim, elementarmente concluído o ciclo da hereditariedade,


onde surge o invariante fundamental do ADN (MONOD), ou seja, o gene,
portador imutável das características hereditárias já designado por Mendel,
o que constitui, sem dúvida alguma, a mais importante descoberta da bio‐
logia, à qual necessariamente se deve juntar a teoria da seleção natural, de
Darwin, que só agora é entendida na sua dimensão mais plena.

Temos então explicada sumariamente a relação de prioridade entre a


invariância e a teleonomia: dilema fundamental da vida. Como a rma
Jacques Monod, no seu ensaio sobre a loso a natural, “a invariância
precede necessariamente à teleonomia, ou, para ser mais explícito, a ideia
darwiniana de que a aparição, a evolução e o aperfeiçoamento progressivo
das estruturas, cada vez mais intensamente teleonômicos, são por causa das
perturbações ocorridas em uma estrutura, possuindo já a propriedade de
invariância, capaz, portanto, de conservar o acaso e, por isso mesmo, de
submeter os seus efeitos ao jogo da seleção natural”.

O ADN não é senão uma instrução ativa e dinâmica que transmite à


célula todas as informações que vão alterar a sua estrutura e função. A vida é
uma sequência de fenômenos, ou melhor, um encadeamento rigoroso de
operações que têm o seu início no próprio mecanismo e sinergismo do
ADN. A célula limita-se a ler a informação do ADN, leitura essa sem
omissões nem adições, que reagrupa as moléculas básicas em triplas (códãos
ou códon ou mesmo triplete), para formar um aminoácido, ponte para jun‐
tar duas enzimas, que, por sua vez, originam a formação de proteínas,
resultantes de 20 aminoácidos, isto é, o código do código.

Voltando a Bronowski, “todas as células transportam no seu soma o


potencial necessário para fazer um animal no seu todo, excetuando as
células do espermatozoide e do óvulo. O espermatozoide e o óvulo são
incompletos, e não passam de metades de células: elas transportam metade
do número total de genes”. É um fato, e só quando o óvulo é copulado pelo
espermatozoide, ele é fertilizado, para dar origem ao zigoto, que está
organizado, como já vimos, em pares de genes. Só a partir daqui, podemos
encontrar a totalidade das instruções hereditárias que vão originar os suces‐
sivos estados de desenvolvimento embriológico.

Podemos agora compreender a diversidade da vida e a sua variação e


perceber que as combinações de genes presentes nas populações animais são
astronômicas. É provável que, neste mecanismo complexo, se veri quem
mudanças de direção genética (genótipo) naturalmente implicadoras de um
processo evolutivo dependente do meio (fenótipo), onde surgem novos
arranjos e recombinações que justi cam a evolução das espécies.
Fig. 2.2
Esquema 2.1

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1 ADN - Ácido desoxiribonucleico

2 ARN - Ácido ribonucleico


-3-

Dos invertebrados aos


vertebrados

Depois de termos feito esta viagem pela hereditariedade, estamos em


condições de retomar a abordagem logenética e, ao mesmo tempo, o pro‐
cesso de evolução das espécies, basicamente explicado por duas variáveis
cruciais: hereditariedade e adaptação.

Para compreendermos os caminhos da logênese, que nos levam até o


Homem, temos, em primeiro lugar, de destacar a unidade da vida e o
signi cado da sua síntese, que nos impede de separar, radical e
abruptamente, o mundo inorgânico do mundo orgânico e, evidentemente, o
mundo vegetal do mundo animal.

Só nesta unidade, vamos equacionar o mecanismo que justi ca a


evolução, que vai dos seres unicelulares aos seres multicelulares, dos
protozoários aos metazoários, dos invertebrados aos vertebrados, da
bactéria ao Homem.

Em termos esquemáticos, podemos apresentar o seguinte quadro, que


reforça exatamente o sentido do Universo, da Vida e da Evolução das espé‐
cies, bem como o lugar do Homem na Natureza.
Dentro de uma linha logenética, os metazoários são formados por
duas camadas de células, a ectoderme e a endoderme (exterior e interior), que
caracterizam um tipo de movimento dependente de uma simetria radial. Tal
característica tende a transformar-se, em termos evolutivos, em uma
simetria bilateral, dado que uma nova estrutura se interpõe no meio das
duas camadas acima apontadas, isto é, a mesoderme, implicadora de uma
morfologia esquelética e de uma musculatura especí ca, colocando em jogo
grupos musculares agonistas e antagonistas, exores e extensores, esquerdos
e direitos, anteriores e posteriores. É, evidentemente, a partir daqui que as
condutas sensório-motoras tendem a uma complexidade crescente.
Podemos já dissecar a adaptação progressiva, que vai dos invertebrados aos
vertebrados.

Os vertebrados expandem-se pela água, pelo ar e pela terra. Como


características adaptativas fundamentais, temos a caixa craniana óssea, o de‐
senvolvimento do esterno, da cintura pélvica e da escapular, o
desenvolvimento dos membros, o desenvolvimento muscular, o
alongamento da coluna cervical e a independência da cabeça.

Como representantes fósseis que justi cam os primeiros vertebrados,


temos os placodermes, os crossopterígeos e os actinopterígeos.

Dos peixes aos anfíbios, dão-se de novo adaptações, tal como dos
anfíbios aos répteis. Assim, o peixe, ao levantar a cabeça das águas, inicia a
conquista da terra rme, transformando-se em um peixe blindado que
comporta novas adaptações que o vão levar aos répteis. As características
logenéticas primordiais são a transformação da barbatana em membros, a
estrutura pulmonar com narinas, uma circulação sanguínea dependente de
um coração, o robustecimento do esqueleto e a aquisição de uma coluna
cervical móvel, dado que os problemas de orientação em terra requerem
maior número de conexões sensório-motoras.
Fig. 3.1 - Os crossopterígeos elevam a cabeça das águas.

Os vertebrados iniciam um passo muito importante da evolução


(segundo F. H. T. Rhodes).

Fig. 3.2 - Ichthyostega (esqueleto e reconstituição esquemática) (segundo


F. H. T. Rhodes).

Uma das características mais importantes do vertebrado, e que convém


desde já assinalar, é a simetria bilateral, em que uma parte do corpo é es‐
pelho da outra.

Romer chega mesmo a diferenciar a simetria bilateral morfológica


como a condição fundamental de os vertebrados serem considerados
animais ativos que se deslocam facilmente, daí o seu sucesso de adaptação
ao meio ambiente.

A simetria bilateral está na base da logênese da motricidade, é ela que


explica a evolução adaptativo-funcional que mais tarde justi cará o
desenvolvimento do órgão de maior diferenciação do mundo animal — o
cérebro humano.

A simetria bilateral depende da coluna vertebral que suporta a cabeça,


o tórax e o abdômen.

E é a chave da filogênese da motricidade que evolui da reptação (dos


répteis) ao bipedismo (do Homem), passando pela quadrupedia (dos
mamíferos) e pela braquiação ou quadrumania (dos primatas).

A simetria bilateral ajuda-nos a perceber a importância capital da


coluna vertebral, não só porque sustenta os órgãos mas também porque
constitui o princípio e o m de todas as condutas sensório-motoras. A
coluna contém na sua extremidade anterior a cabeça (cefalização) e, na sua
extremidade posterior, a cauda. É interessante notar que daqui advém uma
lei fundamental de desenvolvimento dos vertebrados — a lei cefalocaudal —,
lei essa que exempli ca o desenvolvimento embriológico e a ontogênese da
motricidade no ser humano que iremos estudar na segunda parte.

É óbvio que as aquisições motoras humanas, que se iniciam primeiro


na posição de deitado (maturação neuromuscular dos metâmeros dorsais e
lombares) até a posição de pé (maturação neuromuscular dos metâmeros
sagrados), põem em destaque a importância da lei cefalocaudal,
característica inerente à motricidade de todos os animais vertebrados.

Os animais vertebrados dispõe todos de uma coluna e de uma cabeça.


A coluna suporta os órgãos responsáveis pelas grandes funções (respiração,
circulação, digestão), enquanto a cabeça concentra as estruturas mais
sensíveis dos órgãos sensoriais (orientação e adaptação). Estes dois ele‐
mentos constituem o esqueleto axial, o mais fundamental, ao passo que os
membros anteriores (superiores) e os membros posteriores (inferiores)
constituem o esqueleto apendicular, unido à coluna por duas cinturas
articulares: a escapular e a pélvica.

Um estudo de anatomia comparada levarnos-ia muito longe, saindo


fora desta introdução, onde se pretende dar uma visão, tanto quanto pos‐
sível, adequada e rigorosa, entre a logênese e a ontogênese da motricidade;
porém, ela é fundamental para a compreensão dos aspectos osteológicos e
anatômicos, não só importantes para a leitura dos fósseis mas também
necessários para a explicação das adaptações mais diferenciadas que se
deram nos vertebrados.

A evolução que vai dos seres unicelulares, como os protozoários, e que


passa, segundo Oparine e tantos outros, pelos colonialismos celulares ou
coacervatos, até atingir os metazoários marítimos, seres multicelulares, sem
espinha dorsal, também designados por invertebrados, é a mais difícil de
determinar, exatamente porque faltam dados fósseis, ou melhor, dados
paleontológicos.
Embora a Paleontologia, como ciência do passado, segundo nos
assegura Piveteau, nos garanta muitos fragmentos formulativos da história
da evolução dos invertebrados, não restam dúvidas de que o estudo dos
ossos (osteologia) nos permite mais seguramente redescobrir a idade
relativa aos restos animais, por meio de um conjunto de conexões (ST.
HILAIRE) e de processos adaptativos que nos con rmam uma perspectiva
materialista da evolução dos vertebrados.

O esqueleto é um elemento importante para o estudo dos vertebrados;


só por ele se podem analisar as espécies extintas. O que resta para além das
partes moles é efetivamente o que interessa para o estudo dos fósseis e, mais
globalmente, para os estudos dos dados arqueológicos.

Além das características que já apontamos, importa determinar


objetivamente como se deu a evolução dos vertebrados para conhecermos
por que é que os animais vertebrados (e, portanto, o Homem) se
transformaram no que são.

A simetria bilateral é, como já vimos, fundamental, daí advirem as


seguintes adaptações nos animais vertebrados:
• maior facilidade de movimentos;

• melhores condições de resistência ao sedentarismo;

• separação das narinas da cavidade bucal (aparecimento do sistema


olfativo);

• emergência de um sistema de equilíbrio (sistema vestibular), dado


que o equilíbrio e a orientação são mais complexos em terra rme;

• coluna vertebral exível;

• cefalização progressiva com assimetria funcional dos dois hemisférios


cerebrais.

Fig. 3.3 - Filogênese do SNC (Sistema Nervoso Central) (segundo Max


Ceccatty)

A transformação de uns seres em outros explica-se, como já vimos, em


termos genéticos, e, por isso, fácil se torna, agora, perceber a evolução que
decorre do vertebrado ao Homem, não apenas em termos anatômicos mas
também em termos funcionais, ou seja, perspectivar toda uma evolução que
parte de um aspecto biológico para outra já extrabiológico.

Nesta revolução biológica, é evidente que uma das características


fundamentais dos vertebrados, quer sejam os peixes, os anfíbios ou os rép‐
teis, é a sua atividade. A atividade, melhor, a motricidade no seu sentido
biológico total foi e é uma das chaves do sucesso dos animais vertebrados.

A motricidade, por si só, além de ter permitido ao peixe do Devônio-


Crossopterígeo a conquista da terra rme, levou o animal vertebrado às
seguintes libertações anatômicas sucessivas, focadas por Leroi-Gourhan:

1º - do corpo em relação à água (répteis);

2º - da cabeça em relação ao solo (mamíferos);

3º - da mão em relação à locomoção (primatas);

4º - do cérebro em relação ao maciço faciodental (Homem).

Em termos de evolução, a motricidade é uma condição de adaptação


vital. Só por ela, a nutrição é satisfeita e, só em função desta necessidade,
justi ca-se o processo de relação com o meio, dado que todos os animais,
inclusive o Homem, necessitam de obter determinados alimentos a partir do
seu envolvimento.

A motricidade, como berço signi cativo da evolução, deve permitir ver


a Adaptação Humana, não só pela inteligência mas igualmente pela sua
motricidade, que lhe deu a origem e que sucessivamente a determinou.

A motricidade é o complemento da cerebração, isto é, a regulação e o


controle que a motricidade humana atingiu através dos tempos, é a condição
(em termos ontogenéticos) e foi a condição (em termos logenéticos) da
evolução do cérebro, órgão central de localização cefálica que assume os
comportamentos, ou seja, os processos motores materializadores de
adaptação e da relação “inteligível” entre a situação (fatores exógenos) e a
ação (fatores endógenos).

O cérebro bene ciou-se da logênese da motricidade, por meio da


conquista locomotora que decorre da reptação, da quadrupedia e, especial‐
mente, do bipedismo.

No princípio, é a motricidade que explicita a progressiva diferenciação


do cérebro: O cérebro não provoca a motricidade como muitas vezes as
explicações idealistas quiseram argumentar. A motricidade é o invariante da
evolução biológica e, como tal, da evolução do sistema nervoso central. Aqui
está outra das chaves da evolução, a qual aponta necessariamente para uma
visão cientí ca baseada em fatores conhecidos e controlados pela ação e pelo
saber humanos, independentemente de muitas teorias acientí cas
continuarem a subsistir, exatamente porque não podem ser cienti camente
analisadas.

A função e a utilização constante do aparelho locomotor justi ca, em


parte, a Hominização, que resume uma evolução anatômica, essencialmente
associada a uma revolução re exiva ou cerebral. O problema tem ainda uma
justi cação lamarckiana: as características adaptativas, explicadas em termos
genéticos, veri cam-se em termos de uso ou desuso, isto é, a função faz o
órgão. Assim, explicamos o pescoço comprido da girafa, a ausência de
membros da cobra, o bipedismo humano. Trata-se, como diz Romer, de uma
teoria simples, razoável e natural, à qual devemos juntar as mutações, quer
sejam vantajosas ou não, e o mecanismo de seleção natural explicado inici‐
almente por Clarles Darwin.

No caso dos vertebrados, e é isso que importa agora abordar, a


adaptação à vida terrestre levou à transformação dos peixes em anfíbios,
que, como sabemos, têm um duplo habitat. A rma Sanides que as larvas
destes anfíbios conservam ainda a vida aquática, como aliás, pode-se
observar no processo de maturação da rã.Os primeiros peixes a “tirarem a
cabeça fora de água” surgiram na segunda metade do Silúrico e, durante o
Devônio, atingiram maior variabilidade e adaptabilidade. São considerados
peixes pulmonados (ou dipnoicos) e também são designados peixes
blindados, dada a estrutura extremamente rígida da sua ectoderme,
exatamente porque só assim se protegiam das radiações muito intensas da
época. Nesta transição, a bexiga nadatória transforma-se em pulmão; as
barbatanas em membros; as extremidades em cinco dedos; a coluna cervical
rígida em um pivot móvel para permitir à cabeça uma maior independência
de movimentos (pescoço) e, consequentemente, uma orientação visual e
auditiva mais ampla; as fossas nasais diferenciam-se da cavidade bucal e
adquirem uma comunicação com a faringe, o que permite desenvolver um
telerreceptor químico, isto é, o olfato, de grande signi cado adaptativo para
todos os mamíferos terrestres.

Todas estas adaptações funcionais podiam ser rejeitadas de um ponto


de vista explicativo. Porém, em 1936, na Groenlândia, surge um fóssil que
permite ligar a adaptação aquática à adaptação terrestre e atmosférica.
Tratava-se de um peixe de quatro pernas, o Ichthyostega, apresentando já um
conjunto de condutas que podemos caracterizar como inerentes aos
anfíbios. Convém reprecisar que este exemplar encontra um testemunho
atual em um peixe da ordem dos crossopterígeos que ainda hoje habita as
ilhas Comores, perto de Madagáscar.

É evidente que as exigências da vida na terra são diferentes das


exigências da vida na água, e mais uma vez essas diferenças têm a ver
essencialmente com a motricidade. Para se movimentar em terra rme, o
animal necessita de quatro extremidades que permitam sustentar o corpo e
garantir o equílíbrio à extremidade cefálica, dado que esta precisa responder
a um maior número de estímulos do meio exterior.

A libertação do crânio da primeira vértebra, atlas, obedece à


necessidade de o animal vertebrado desenvolver vários sentidos, quer a
distância (visão, audição etc.), quer em nível do corpo e da pele (gosto, tato,
movimento etc.), sendo uns denominados telerreceptores e outros
proprioceptores.

A aquisição de uma extremidade cefálica independente e móvel,


sustentada pelas massas musculares do pescoço, dotou, como evoca Sanides,
o animal de um sistema silencioso de orientação e de sobrevivência,
permitindo uma observação dirigida, quer para uma presa, quer para um
predador.

O animal vertebrado tem de responder mais adequada e rapidamente


aos estímulos e às situações, dado que as modi cações das condições de vida
são mais bruscas na terra do que na água. Os seus sistemas de orientação e
de ação são mais aperfeiçoados e mais organizados, justi cando, portanto,
um sistema nervoso mais complexo. Para a complexidade do sistema
nervoso, contribui um novo sistema proprioceptivo, adquirido a partir dos
fusos neuromusculares e dos corpúsculos de Golgi, que informam
permanentemente o cérebro das condições em que a ação decorre.

Só com estes dispositivos tátil-cinestésicos, que advêm, uma vez mais,


de uma motricidade cada vez mais diferenciada, os animais vertebrados
obtiveram um sistema sensorial mais complexo e interligado.

É fácil perceber agora o papel do cérebro, que tem como função


fundamental organizar os dados de vários órgãos receptores, antes de pro‐
gramar um sistema de ações que concretizam propriamente a adaptação do
animal ao seu meio.

Do An oxo ao Homem, veri ca-se, podemos dizer, uma paleontologia


funcional, evidenciada pela prioridade dos dispositivos esquelético-
corporais, em comparação com os dispositivos sensório-cerebrais. Aqui se
encontra a con rmação da importância dos aspectos funcionais e
adaptativos, que só poderiam ser satisfeitos pelos aspectos anatômicos e
osteológicos antedecentes, necessariamente dependentes da motricidade.

Como dados logenéticos indispensáveis à compreensão da ontogênese


da motricidade dos vertebrados, temos:

1º organização mecânica da coluna e dos membros, entendidos não só


como órgãos de locomoção mas também, e fundamentalmente, como
órgãos de relação com o meio;

2º suspensão craniana, onde subsiste a colocação da cabeça, como


dispositivo funcional de orientação no meio;
3º estruturação da dentadura como órgão de relação com funções de
captura de presas, defesa de predadores e preparação alimentar;

4º evolução neuromotora da mão, a qual estando colocada na


extremidade dos membros superiores, justi ca a evolução técnico-
instrumental;

5º expansão associativa e interneurossensorial do cérebro, que permitiu


ao Homem a manipulação simbólica (linguagem) e a evolução sociocultural.

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SANIDES, F. Como se Constituiu o Cérebro Humano. Ed. Boehringer Sohn, Lisboa, 1966.
-4-

Paleontologia Funcional

Para situarmos objetivamente este ramo da logênese, vamos recorrer


às obras de Leroi-Gourhan e de David Pilbeam, que nos apresentam
simultaneamente uma hierarquização morfológico-motora dentro dos
vertebrados e segundo o seguinte quadro esquemático:

• Ictiomor smo — equilíbrio no meio aquático;

• An biomor smo — libertação do meio aquático;

• Sauromor smo — libertação da cabeça;

• Teromor smo — locomoção quadrúpede;

• Pitecomor smo — postura sentada;

• Antropomor smo — bipedismo.


Figura 4.1

É dentro desta hierarquização logenética que passaremos a abordar a


progressiva diferenciação funcional da motricidade, sem, no entanto, deixar
de recorrer ao quadro de Pilbeam, a seguir, onde estão assinalados, em
termos de evolução, os acontecimentos mais signi cativos que nos levam até
ao aparecimento do Homo Sapiens.

Fig. 4.2 - Hierarquização morfológico-motora (segundo Leroi-Gourhan).


Em uma breve síntese e respeitando a hierarquização morfológico-
motora dos vertebrados, vamos agora dissecar cada um dos estágios
evolutivos.

O ICTIOMORFISMO

mecanismo motor elementar que propulsiona o eixo do corpo do peixe,


com a ação dinâmica da cauda, equilibradora das barbatanas e direcional da
cabeça.

Trata fundamentalmente da evolução do peixe, na qual se observa uma


locomoção no meio aquático, assegurada por batimentos laterais e rítmicos,
pela ação de músculos antagônicos suportados pelo esqueleto interno. É
efetivamente este

Figura 4.3
A extremidade encefálica assegura a inserção das mandíbulas e pode
conter dentes elementares em forma de cone e com superfícies cortantes.

A cabeça não apresenta liberdade de movimento com o eixo corporal:


encontra-se solidamente unida à primeira vértebra, recebendo já um
minúsculo cérebro, composto de tubo neural e vestibular.

O ANFIBIOMORFISMO

Compreende a passagem da vida aquática à vida terrestre, englobando


novas aquisições respiratórias e motoras. As guelras transformam-se em
bexigas natatórias, e as mandíbulas acusam já um certo grau de libertação
anatômica.

É evidente que se dá uma adaptação exclusiva à água e uma adaptação


relativa à terra, como, aliás, prova a sua reprodução, quase toda desenrolada
no meio aquático.

A locomoção terrestre é feita com os quatro membros, e a cintura


escapular ainda está articulada com o crânio, de forma que a liberdade da
cabeça é quase nula. A bacia já faz suporte à marcha, os braços e as pernas
têm os mesmos ossos que o ser humano, e a mão e o pé acusam a
pentadáctila.

São ótimos nadadores, com movimentos simétricos e propulsivos


coordenados entre os membros anteriores e os membros posteriores.

A cabeça, em terra, assume uma posição semi-horizontal e


semivertical, exatamente para facilitar a orientação, o que vai permitir o
aparecimento do pescoço, separando anatômica e funcionalmente a cabeça
do resto do corpo por uma musculatura da nuca. A dentadura apresenta
uma relação osteológica determinada em relação à postura, o que introduz
trações motoras que favorecem a mobilidade da cabeça em relação ao
tronco, com concomitante separação da cintura escapular.
O SAUROMORFISMO

Traduz de nitivamente a adaptação ao meio terrestre. A locomoção é


obtida sob a forma de ondulação do eixo corporal ou por movimentos
inconstantes do tipo atetótico, o que introduz novas libertações articulares,
como as da cintura escapular e as transformações anatômicas do crânio.

A cabeça encontra-se de nitivamente separada do eixo corporal e


ocupa a extremidade do pescoço. Surge a musculatura das mandíbulas e o
osso hioide, que mobiliza o maxilar inferior e a língua. A faringe especializa-
se fundamentalmente na deglutinação e a boca na captura e na pré-
mastigação dos alimentos, dadas as características conedontes e
homodontes da dentadura.

Os membros encontram-se individualizados do esqueleto axial, as


extremidades são pentadáctilas e o crânio está suspenso sobre o basion, obe‐
decendo a relações alométricas e adaptativas que se estabelecem
dialeticamente entre a evolução corporal e a evolução cerebral.

O sauromor smo compreende efetivamente o estudo dos répteis,


considerados os primeiros habitantes da terra rme, onde a locomoção pode
apresentar, em primeiro lugar, uma reptação e, posteriormente, uma
locomoção quadrúpede em cima do solo. O estudo dos répteis explica a
evolução dos vertebrados, daí a sua importância. Na linha de evolução dos
répteis, vamos encontrar os pterossauros, que originam as aves e os
morcegos, e os dinossauros, que originam os teropsídeos (répteis gigantes),
os quais, por sua vez, vão originar duas classes de mamíferos: os herbívoros
e os carnívoros.

Em qualquer dos casos, o sauromor smo é caracterizado por um


equilíbrio entre o crânio dentário e o crânio cerebral, ao contrário dos rumi‐
nantes, em que o crânio dentário é nitidamente superior ao crânio cerebral.

No aspecto corporal, muitas aquisições logenéticas se encontram


desvendadas: o eixo vertebral é o centro do edifício corporal, e o esqueleto
apresenta já algumas características humanas, isto é, os membros estão
individualizados, as extremidades têm cinco dedos, o crânio está suspenso
da coluna, a dentadura condiciona o completo do crânio etc. Temos aqui
outro parâmetro fundamental da logênese da motricidade: a evolução
triunfante do cérebro encontra-se, como foca Leroi- Gourhan, imperiosamente
dependente das libertações anatômicas do corpo.

A cada libertação anatômica do corpo, corresponde uma libertação


funcional do cérebro, ou seja, uma complexi cação e estruturação
neurobiológica. A evolução do corpo determina a evolução do cérebro, e
esta realidade da evolução é invariante do An oxo ao Homem. Em nenhum
vertebrado, o sistema nervoso precedeu à evolução da motricidade, daí a
importância desta evolução naquela.

Fig. 4.4 - A redução do crânio dentário implicou um aumento do crânio


cerebral. Veja o encurtamento progressivo da base PCB, desde o
mamífero (Herbívoro) até o Homo Sapiens, passando pelo chimpanzé
(LEROI-GOURHAN).

O TEROMORFISMO
Compreende a transformação dos répteis em mamíferos. Os répteis
ascendem a uma locomoção quadrúpede, similar à do elefante e do cão. Os
membros encontram-se articulados perpendicularmente ao eixo vertebral,
permitindo uma elevação do corpo em relação ao solo, o que vai dar origem
a melhores condições de locomoção, isto é, a uma motricidade mais
coordenada, econômica, veloz e adequada ao meio e às suas circunstâncias,
como resultado de um controle estriado, cerebeloso e piramidal, mais e caz.

Por motivos de adaptação biomecânica e alométrica, as vértebras


cervicais alongam-se, e o pescoço move a cabeça em um campo
consideravelmente mais amplo, advindo daí novas adaptações e novas
capacidades de orientação. Em acumulação, surgem outras adaptações, não
só em nível de dentes (heterodontes), em virtude de uma dieta mais rica e
variada, mas também em nível da pelagem isolante (homeotermia), como
em nível do aparecimento de nitivo do diafragma, que permite melhor
ventilação pulmonar; do palatino secundário, com consequente
desenvolvimento do sistema olfativo, permitindo, pela primeira vez, a
operação conjunta da mastigação e da respiração; dos membros verticais,
em temporal espessa, da arcada zigomática, da mandíbula etc.

No teromor smo, encontramos outros tipos de diferenciação biológica


que compreendem o desenvolvimento de uma motricidade de captura e de
preparação alimentar e, também, uma mastigação elaborada, naturalmente
dependente da heterodontia, a qual, por si só, introduziu modi cações
posturais consideráveis.

A cabeça adquire uma independência motora muito complexa, que


apresenta um desequilíbrio entre o crânio cerebral e o crânio dentário nos
herbívoros e uma tendência para o equilíbrio dos mesmos índices dos
carnívoros.

Os mamíferos quadrúpedes dividem-se em monotérmatos ovíparos,


marsupiais e placentários, e, dentro destes, temos como diferenciadores os
insetívoros, os morcegos, os cetáceos, as focas, os roedores, os herbívoros, os
carnívoros e os primatas.
Em todos os mamíferos, desenvolve-se predominantemente o campo
anterior que envolve dois aspectos morfomotores complementares:

• o primeiro: ação da cabeça;

• o segundo: ação do membro anterior.

Estes dois polos, o facial por um lado e o manual por outro,


constituem, provavelmente, as aquisições motoras mais signi cativas em
termos de controle e coordenação cerebral, isto é, são dois aspectos da
evolução que materializam o êxito biológico que culmina no ser humano
nas funções de aprendizagem e de trabalho.

Em termos de evolução, a parte cefálica está ligada à parte motora, por


meio dos membros que intervêm na captura e na preparação alimentar. Por
exemplo, no caranguejo, as primeiras patas servem de pinças para a
preensão e o esmagamento das presas. Nos vertebrados, essa função surge
no membro anterior, ora com funções de locomoção ora com funções de
relação, preensão, defesa ou preparação alimentar. No peixe, as barbatanas
anteriores servem para as necessidades motoras elementares, como a
equilibração e a locomoção aquática. No anfíbio e no réptil, a intervenção
do membro anterior serve para a manutenção da comida no solo. Nas aves,
os membros anteriores estão adaptados ao voo, e os posteriores têm a
função de preensão alimentar e de construção do ninho.

Nos mamíferos, surgem inúmeras adaptações preensivas, como a


língua da girafa, a tromba do elefante, a garra nos carnívoros ou a mão nos
insetívoros e nos primatas. Esta adaptação, de grande importância
logenética e ontogenética, explica a importância da motricidade nos
mecanismos locomotores que permitem satisfazer as necessidades e os tipos
de nutrição: carnívoros, herbívoros, frugíveros e omnívoros.

No ser humano, a relação entre polo facial e polo manual não é feita
pelo membro anterior da locomoção, dado que a mão não acumula duas
funções: a da preparação de alimento e a de locomoção. Trata-se de um
novo teorema da logênese da motricidade — a libertação da mão.
No Homo Sapiens, a mão opera as funções de defesa e preensão, bem
como se libertou da locomoção, permitindo, a partir daqui, a disponi‐
bilidade para o trabalho, ao mesmo tempo em que, dialeticamente, permitiu
a libertação dos órgãos faciais para a linguagem.

Fig. 4.5 - Importância do campo anterior, que põe em relação a face com
as extremidades da mão (FACE / MÃO) (segundo Leroi-Gourhan)

Em resumo:
Esquema 4.1

Do mamífero ao macaco, duas grandes divisões nos surgem: os que


utilizam os membros anteriores na relação com o meio (mamíferos
preensores); os que utilizam só a cabeça nessa relação (mamíferos
locomotores).

Os primeiros compreendem os que são especializados na preensão e


apresentam uma relação entre o cérebro e os caninos, e a aquisição postural
de sentado é muito importante, como vamos ver, em termos de ontogênese
da motricidade.

A mão com cinco dedos, herdada dos anfíbios da Era Silúrica, permite
a preensão, dado que represente uma libertação anatômica que tem a ver
com a mobilidade do omoplata, do rádio e do cúbito, permitindo a
supinação e a pronação. Para se dar esta libertação em nível de mão, é
necessário que o esqueleto dos mamíferos seja o mais disponível em termos
de movimento. O crânio cerebral tende a equilibrar-se ao crânio dentário.

Os segundos compreendem os especializados na locomoção e


apresentam uma dentadura alongada, adaptada ao tratamento de vegetais e
de folhas. As extremidades não têm dedos e são especializadas na
sustentação e na locomoção terrestre e não adquirem a postura de sentado.
Tudo se concentra no edifício craniano, único campo corporal que
estabelece relação com o meio, ocupando a língua e os lábios nas funções de
defesa. O crânio dentário tende a ser superior ao crânio cerebral.

O PITECOMORFISMO

Resta-nos o pitecomor smo para concluirmos as etapas logênicas da


motricidade, antes de abordar os primatas. Em termos zoológicos, podemos
a rmar, com Leroi-Gourhan, que há um pouco de quadrupedia nos
primatas e um pouco de primata no ser humano.

Em termos palentológicos, o primata assegura, como intermediário


morfológico, a ligação entre os seres humanos e os terópodes.

Do ponto de vista da logênese da motricidade, a quadrumanta está


entre quadrupedia e o bipedismo. Isto quer dizer que os primatas adquirem
uma preensão permanente e uma postura de sentado, característica. De uma
preensão esporádica e temporária, passamos a uma preensão constante e
diversi cada. A preensão, como característica motora que mais libertações
anatômicas compreende, é a consequência pura e simples de uma maior
disponibilidade corporal e de uma maior autonomia postural, adquirida
fundamentalmente com a postura de sentado.

A mão, agora como um dispositivo de libertação anatômica, pode


realizar supinações, pronações, aduções, abduções, trações, rotações, exões,
extensões, oposições, digitações etc., realizando uma complexa rede de
aquisições motoras (braquiação) indispensáveis à adaptação arborial dos
primatas.

Como já focamos, a postura de sentado promete a redução e o


parabolismo da dentadura, e esta, por si, vai comprometer um
desenvolvimento cada vez mais completo do cérebro.
O buraco occiptal encontra-se articulado com a coluna vertebral, por
meio de uma abertura posterior e inferior, apta a facilitar a quadrupedia e a
posição de sentado.

A base opistion-basion encontra-se mais horizontalizada, a alavanca


basion-inion baixa e libertase da sustentação do crânio, mantida pelos
músculos fortes da nuca.

Basta agora realizar a expansão do frontal, enrolar o occipital e alargar


consideravelmente em leque o parietal e o temporal. Para esta expansão
craniana, e depois cerebral, é necessário reduzir a face e o prognatismo,
superar a arcada orbital, verticalizando cada vez mais o frontal e reduzindo
consideravelmente os molares e os pré-molares.

Só com as transformações anatômicas apontadas, o corpo (aspecto


técnico) se estrutura progressivamente, e o cérebro (aspecto organizativo)
ocupa todo o espaço mecanicamente disponível, dando nascimento a todas
as manifestações cerebrais mais avançadas e que são corolário da evolução
que vai do primata ao Homem.

REFERÊNCIAS
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HALDANE, J. B. S. e Argument from Animals to Man. In: e Origin & Evolution of Man. Ed.
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LE GROS CLARK, W. E. Men-Apes or Apes-Men? Ed. Holt, Nova Iorque, 1967.

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PILBEAM, D. e Evolution of Man. Ed. ames and Hudson, Londres, 1970.

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SIMPSON, G. G. e Principles of Classification and a Classification of Mammals. Bull Am. Mns.


Nat. Hist., 85, 1, 1945. SIMPSON, G. G. Principles of Animal Taxonomy. Columbia Univ Press,
Nova Iorque, 1961.
-5-

Antropomor smo e Adaptações


Hominídeas

Resta concluir agora os aspectos mais signi cativos que compreendem


o estudo dos primatas e das adaptações hominídeas, que, no seu todo,
signi cam a última e mais importante etapa da logênese da motricidade —
o antropomorfismo.

Antes de avançar nos mecanismos antropomór cos da logênese da


motricidade, convém apresentar o quadro da Ordem dos Primatas:

ORDEM DOS PRIMATAS

Subordem: PROSSÍMIOS

Infraordem:

Lorisiformes — Loris

Lemuriformes — Lêmures e Indris

Tarsiformes — Tarseiro
Subordem: ANTROPOIDES

Infraordem:

Platirríneos (Novo Mundo)

Catarríneos (Velho Mundo)

Superfamília:

Cercopitecos

Pongídeos (Gibão, Orangotango, Gorila e Chimpanzé)

Hominídeos (Gigantopitecos, Oreopitecos, Ramapitecos,


Australopitecos, Pitecantropos, Homo Erectus, Homo Habilis,
Neanderthal, Cro-Magnon e Homo Sapiens).

O termo antropomór co, como nos surge em Leroi-Gourhan, cria a


ligação entre os grandes símios e a Humanidade. Basicamente, compreende
todos os antropomorfos que dominam a postura vertical bípede e todas as
suas múltiplas consequências morfofuncionais.
Fig. 5.1 - Árvore dos Primatas (segundo F. H. T. Rhodes)

Antes, porém, de avançar nas adaptações hominídeas, é urgente que se


de nam as características dos primatas resultantes da adaptação arborial.

A vida nas árvores oferece outro tipo de exigências, e de novo, como


atesta Szalay no seu estudo sobre a paleobiologia dos primatas primitivos, a
motricidade ocupa uma função capital.

Em termos esquemáticos, e segundo o mesmo autor, a motricidade


arborial é responsável pelas seguintes tendências adaptativas: alargamento
do cérebro; recessão do prognatismo; convergência dos olhos; ossi cação
das paredes orgitais; atro a do aparelho olfativo; especialização preensiva
das extremidades; desenvolvimento dos receptores táteis; desenvolvimento
neurobiológico oculomotor; agilidade excepcional, colocando em jogo um
alto nível de controle cerebeloso; desenvolvimento da associação pré-frontal;
desenvolvimento da função motora; integração interneurossensorial; visão
estereoscópica; desenvolvimento do anel timpânico, de grande importância
para o desenvolvimento da acuidade e da discriminação auditiva etc.

A adaptação arborial é, por de nição, a penúltima etapa da logênese


da motricidade, justi cando posteriormente a verticalização, a braquiação, a
manipulação e a dentição hominídea.

Wasburn e Jay, no seu trabalho intitulado Perspectivas da Evolução


Humana, procuram abordar uma chave biológica da adaptação arborial e
hominídea, característica de todos os primatas e os antropoides,
diferenciando nomeadamente as seguintes:
Fig. 5.2 - Árvore genealógica dos Hominídeos. O Homo Sapiens tem atrás de
si uma evolução histórica...7a - desenvolvimento do cérebro: aprendiza‐
gem, linguagem e fabricação de instrumentos;

8a - redução do número de descendentes por nascimento, dependência


maternal e organização social.

Vejamos agora, na companhia de outros autores, como Tobias,


Montagu, Simons, Simpson, Le Gros Clark, Leakey, Napier e outros, cada
uma destas características antropomór cas.

O DESENVOLVIMENTO DOS MEMBROS COMO ÓRGÃOS DE


PREENSÃO

A vida na árvore exige, objetivamente, que os animais que nela habitam


se possam manter e sustentar. Uns com unhas, outros, como os primatas,
com mãos e pés preensivos.

A preensão em nível da mão, outra das aquisições logenéticas da


motricidade, implica a libertação da cintura escapular, a rotação do rádio e
do cúbito, a mobilidade independente dos dedos, originando
consequentemente uma maior dissociação entre as falanges e os metacarpos
e entre este e os ossos do carpo.

A mão primata, e igualmente a mão humana, é constituída por 27 ossos


(oito no carpo; cinco nos metacarpos, dois no polegar e doze nos restantes
quatro dedos), enquanto o resto do membro superior tem só três ossos
unidos por inúmeros tendões e músculos que se encontram inseridos na
unidade motora mais complexa do mundo animal — a mão.

A preensão é garantida pela oponibilidade do polegar em relação aos


restantes dígitos. A característica pentadáctila do primata vem já dos répteis;
porém, a oponibilidade é só possível nos primatas. O polegar pode oferecer
a sua superfície palmar às superfícies palmares dos outros dedos e, por via
dessa unidade de coordenação, o primata está apto a suspender-se nos
ramos e a saltar de uns para outros, mantendo vertical o seu corpo.

A coordenação motora dos primatas, que é necessária para a preensão


de ramos, é a mais complexa de todos os mamíferos placentários. De fato, a
agilidade e a disponibilidade motora que são exigidas para saltar de um
ramo para outro e a sequência de balanços aéreos que compreendem põem
em destaque um diferenciado controle cerebeloso, extrapiramidal e
piramidal.

Fig. 5.3 - Adaptação arboreal. A coordenação perfeita é necessária a um


meio onde o equilíbrio é precário. A preensão é simultaneamente uma
função de suspensão e de propulsão (segundo E. L. Simons).

Alguns dos primatas, nomeadamente prossímios, acusam


especializações preensivas, como nos lêmures, onde o anelar é o maior dedo,
ou como nos lóris, onde o indicador e o médio são reduzidos, porque não
interferem na preensão.

Em termos logenéticos, as garras dos carnívoros, já portadores de um


simples dispositivo de exão-extensão, ou dos insetívoros são nos primatas
substituídas por unhas, conferindo aos dedos uma morfologia arredondada
e achatada, possibilitando uma pluriarticulação entre as pontas dos dedos e
a palma da mão, unidade de coordenação indispensável às funções de
sustentação, suporte, preensão, pronação e supinação.

A extensão e a exão metacarpofalângica, características de todos os


primatas, permitem a divergência e a convergência manodigital, condição
resultante das inúmeras libertações anatômicas que se operam nos membros
superiores e, principalmente, nas suas extremidades (mais um corolário da
adaptação arborial de grande interesse para a logênese da motricidade). As
unhas, ao contrário das garras, são uma consequência da adaptação ao
envolvimento arborial.

Por acumulação funcional, a mão sofre ainda outras transformações. A


palma da mão expande-se e tende a uma superfície quadrangular, aban‐
donando a sua forma retangular, dado que, em termos de coordenação
motora, como na preensibilidade ou na oponibilidade, tal forma facilita a
especialização do polegar.

A expansão da mão como caráter anatômico arrasta consigo um caráter


funcional, isto é, cobertura das superfícies plantares, dos dedos e da palma
da mão, por uma pele rugosa e áspera, que está na base do desenvolvimento,
em termos logenéticos, do sentido tátil-cinestésico (o haptic system). Este
sentido interneurossensorial, já desenvolvido nos primatas, dado a sua
adaptação ao movimento, combina dois tipos de informação: um em nível
dos contatos da pele, ou seja, do tato; outro em nível do movimento. De um
lado, estão as informações da textura, da pressão, da dor, da temperatura e
das consistências (tato) e, do outro, as informações da tensão muscular, do
ângulo das articulações, da sensibilidade das diferentes partes do corpo e da
relação com os objetos (movimento).

Veremos mais à frente, no estudo da logênese do cérebro, a


importância deste sentido em todos os aspectos da aprendizagem humana.
Aqui, em um sentido mais biológico, encontra-se a transformação da
“almofada” ou do “estofo” das extremidades que se estão presentes nas
espécies plantígradas em superfícies de fricção, onde o sentido tátil tende a
enraizar-se.

A indispensabilidade da preensão nas árvores é de tal ordem que


alguns primatas, como os platirríneos, chegam a desenvolver uma cauda
preênsil, capaz de agarrar um ramo e manter o corpo suspenso, como um
membro e uma mão extra. (TITIEV)

Para que em nível da mão se tivessem dado as transformações que


assinalei, convém dizer que se deram transformações na omoplata e na
clavícula, no úmero, no processo olecrânico, no rádio e no cúbito,
exatamente resultante da braquiação e da quadrumania dos primatas, que,
no Homem, já não se observam pelo abandono do comportamento
sustentatório.

A preensão no Homem, é bom que se note, não serve para sustentações


nas árvores, mas sim para a função de manipulação de objetos e para a
fabricação de instrumentos, daí as suas mais recentes adaptações que têm a
sua origem logenética na transição do teromor smo para o
pitecomor smo e deste para o antropomor smo, isto é, na alteração radical
da locomoção terrestre horizontal para a locomoção arborial vertical. (LE
GROS CLARK)

É evidente que uma das grandes diferenças que separam os primatas do


Homem é o pé. Nos primatas, acusa um alto grau de preensão, com
oponibilidade do polegar e com uma mobilidade interna muito
característica. No Homem, o pé assume uma especialização hierárquica que
tem a ver com a postura bípede e a marcha. O pé humano tem um arco
longitudinal idêntico ao dos primatas, mas é único quanto ao arco
transversal, em virtude dos ligamentos e dos ossos do tarso que suportam
antigraviticamente o peso do corpo, pois só assim pode criar o grau de
tensão muscular adequado e necessário ao desequilíbrio, à propulsão e ao
momento corporal que está envolvido na marcha (sinal de Trendelenburg).

No Homem, e por motivos da marcha bípede, os metatarsos são curtos


e direitos. O primeiro e o quinto são os mais robustos, re etindo o modo
como o peso do corpo na marcha é transferido desde o calcanhar ao bordo
externo do pé e, por último, ao terço ântero-interior e ao dedo grande do pé.
Todos os dedos são reduzidos, e o dedo grande é particularmente robusto,
perdendo a sua função preênsil e juntando-se paralelamente aos restantes
para efeitos de especialização na função de sustentação. O pé abandona
progressivamente as funções de preensão para desenvolver funções de
locomoção.

Como Shultz evoca, as transformações dos membros resultam, em


termos comparativos entre o primata e o Homem, na grande diferença dos
índices intermembros, ou seja, a percentagem de relação entre os membros
superiores e os membros inferiores, que oscila entre 136 e 178 nos primatas
e que é de 88 no Homem.

Por outras palavras, as transformações nos membros estão, quer nos


primatas, quer nos seres humanos, dependentes das suas atitudes e
movimentos característicos. Do lado dos primatas, estão a quadrumania e a
braquiação; do lado dos seres humanos,estão o bipedismo e a preensão
práxica.

O DESENVOLVIMENTO DOS MEMBROS ANTERIORES COMO


ÓRGÃOS DE EXPLORAÇÃO

É evidente que avancei algo neste aspecto, na primeira adaptação


arborial e hominídea, no entanto, o enfoque foi essencialmente anatômico,
pelo que passarei agora a abordar o funcional, o neurológico e o integrativo.

Fig. 5.4
O envolvimento arborial, além de ser intrincado em termos de
equilíbrio, é irregular, e, como consequência, os primatas tiveram de de‐
senvolver formas extremamente complexas de agilidade (Le Gross Clark
chama os primatas de “os acrobatas arboriais”), coordenação e regulação
motoras e, por isso, os mamíferos placentários são mais disponíveis em
termos de aquisições motoras (motor skills).

É evidente que a locomoção aérea apresenta mais problemas de


equilibração e coordenação que a locomoção terrestre, na medida em que os
estímulos proprioceptivos tendem a multiplicar-se, até porque se encontram
conjugados com os estímulos exteroceptivos visuais, razão pela qual as
conexões corticais e cerebelosas se inter-relacionam cada vez mais,
favorecendo um desenvolvimento cerebeloso que tem por função coordenar
as informações que vêm dos músculos, dos tendões e das articulações e
submetê-las à apreciação da motricidade, responsável pela equilibração
(sistema extrapiramidal-teleocinético) e pela coordenação (sistema
piramidal-ideocinético).

É interessante apontar, só como curiosidade, que as aves e os primatas,


uns dominadores do ar, outros de um envolvimento muito similar — a
árvore — , são os animais em que o cerebelo ocupa funções muito
importantes, daí o seu desenvolvimento privilegiado em comparação com as
restantes estruturas cerebrais.

Recordemos para este efeito Sanides, que nos diz: “Ao grau mais
elevado da diferenciação da representação motora neocortical, com o
aperfeiçoamento progressivo dos movimentos unilaterais das extremidades,
corresponde um aperfeiçoamento cerebeloso que assegura a harmonia dos
movimentos (o grifado é meu) mais complicados através de sistemas
cerebelosos proprioceptivos. Recordemos aqui a gravidade das perturbações
da coordenação, a ataxia e a assinergia que as lesões cerebelosas provocam
no Homem”.

Já vimos na adaptação anterior que duas das aquisições logenéticas da


motricidade mais relevantes são a pronação e a supinação, que, por si sós,
implicam uma rotação do rádio e do cúbito, dependentes de uma
articulação mais exível e resistente que é garantida pelo processo
olecrânico, o qual vai, por sua vez, originar uma alteração radical em nível
da omoplata e da clavícula, ossos importantes que ligam o esqueleto axial ao
esqueleto apendicular superior.

A omoplata, por exemplo, passa para a zona posterior do tórax,


aproximando-se da coluna; as clavículas alongam-se e robustecem-se; o
tórax reduz a sua amplitude ântero-posterior; e os membros superiores
desenvolvem-se em comprimento, tudo contribuindo para a libertação
progressiva dos membros anteriores e para uma elevação e recuo do centro
de gravidade, que favorece naturalmente a locomoção arborial.

Fig. 5.5 - A caixa toráxica do Homem oferece um achatamento no plano


frontal (M1 . H1), ao contrário da maior amplitude lateral (M2 < H2),
ambas consequência da postura bicépede.

A libertação dos membros superiores acarreta igualmente o


desenvolvimento da musculatura peitoral e deltoide que subsequentemente
introduz uma compressão ântero-posterior do tórax, com hipermorfose do
esterno e necessariamente com alterações nas funções cardiorrespiratórias, à
base de uma maior mobilização do diafragma.

Torna-se necessário abordar todos estes aspectos para nos


apercebermos de que a libertação da mão tem um mecanismo de causa e
efeito morfológico que é indispensável equacionar, a m de vermos a
unidade da osteologia, da anatomia e da siologia que está contida na
logênese da motricidade.

Regressando de novo à adaptação arborial, é óbvio que a libertação dos


membros superiores, o desenvolvimento da preensão e a dissociação
palmidigital são a resposta a um envolvimento tão precário e irregular, onde
a vigilância e a agilidade motora acusam um grande valor de sobrevivência.

A emancipação da mão, necessária às funções de locomoção arborial,


produz consequentemente novas funções, agora de ordem exteroceptora e
exterofectora, que naturalmente a vão caracterizar como um dispositivo
exploratório do meio.

A mão passa a ser utilizada para a preparação alimentar, apanhando e


separando a comida antes de a introduzir na boca, diminuindo
consequentemente a função do prognatismo.

A dextralidade manual (só é possível ao primata na posição de sentado,


enquanto o Homem a pode realizar na posição ereta), enriquecida com a
sensibilidade tátil, vai introduzir a função manipulatória, de grande
signi cado mais tarde, na evolução humana, quando a mão se torna a
grande obreira da civilização.

A mão dispõe agora de funções de palpação, discriminação tátil e de


uma complexidade de funções preensivas, como, por exemplo, apanhar,
segurar, bater, riscar, catar, lançar, puxar, empurrar etc.

A mão, como órgão de apropriação e relação com o real, vai ser um


dispositivo fundamental ao desenvolvimento psicológico da criança, como
vamos ver na ontogênese da motricidade. No Homem, a mão assume a
função de construção, transformação e fabricação, surgindo como o
instrumento corporal privilegiado e materializado da evolução cerebral.
Fig. 5.6 - O instrumento corporal surgiu antes da evolução do cérebro. A
dextralidade corresponde à especialização de cada uma das mãos. Um
passo importante para a especialização hemisférica.

A mão humana, com os seus dedos reduzidos, com um polegar


relativamente comprido, evidenciando a capacidade de rotação sobre o seu
próprio eixo, podendo opor-se aos dedos restantes, permitiu ao Homem a
capacidade de fabricar instrumentos, razão fundamental do fenômeno
humano.

Cuénnot e Bergson de nem o fenômeno humano como um fenômeno


instrumental; para eles, antes do Homem, o instrumento não era conhecido,
dado que, como diz Piveteau, no primata, o instrumento encontra-se
confundido com o organismo que o utiliza.

Com o Homem, o instrumento não é intracorporal, mas sim


extracorporal, e as consequências que daí advêm, como sabemos, são
fundamentais em termos de Hominização.

A área do córtex motor que representa a mão, particularmente o


polegar e o indicador, isto é, os dedos que mais relações estabelecem com o
exterior, expandiu-se na mesma dimensão que o cerebelo, justi cando a
importância das aquisições manipulativas, resultantes necessariamente de
aspectos periféricos (proporções da mão, morfologia articular, organização
muscular), mas também, fundamentalmente, de aspectos centrais-cerebrais
(reconhecimento lateral e corporal da mão, gnosia digital, gnosias tátil-
cinestésicas, exterognosias, programação de praxias ideatórias, ideomotoras
e construtivas).

Reforçando este aspecto fundamental do antropomor smo, o Homem


pôde fabricar inúmeros instrumentos e objetos utilitários, variar in nita‐
mente as suas formas e funções, modi car a sua utilização, apropriando-se,
como é evidente, de um pensamento re exivo, antecipado e programado.

Con rmando este corolário da logênese da motricidade, basta-nos


recorrer aos neurologistas, nomeadamente a Pien eld, e reconhecer que as
partes do cérebro humano que controlam a motricidade voluntária da mão
se encontram mais desenvolvidas no Homem do que no primata.

Esquema 5.1

D
Fig. 5.7 - O anão invertido. Área de representação cortical do corpo. A
mão e a face, porque têm mais relações com o meio, são mais
importantes. Com uma, produz-se trabalho; com a outra, produz-se
comunicação (segundo D. Pilbeam).

Dois quartos da superfície do córtex motor (que representam o corpo)


estão ocupados com a mão, daí a sua importância no aumento das aferências
tátil-viso-cinestésicas e no alargamento das zonas associativas.

O DESENVOLVIMENTO DO SISTEMA HERBÍVORO E


OMNÍVORO DE DIGESTÃO E A CONSEQUENTE ESTRUTURA
CRANIODENTAL

A nutrição, como sabemos, é uma condição vital de sobrevivência


animal, e, por conseguinte, ela posiciona-se como problema em nível do
meio arborial.

Se considerarmos os primatas, a maioria é herbívoro, tendo em atenção


os alimentos disponíveis na árvore. No entanto, a tendência evolutiva é
frugívora e omnívora, independentemente de alguns prossímios
evidenciarem uma dieta insetívora.
A estrutura do sistema digestivo nos primatas não é diferente da dos
insetívoros, porém, em nível da estrutura dental, dão-se algumas
transformações de grande signi cado morfológico, principalmente em nível
do crânio e do maxilar inferior, em nível das cúspides (protuberâncias na
superfície de mastigação de um dente) e em nível da fórmula dentária:

Fig. 5.8 - Arcada dentária em U invertido dos primatas com diastema, em


comparação com a arcada parabólica do Homem, levando a uma
redução signi cativa da mandíbula e do crânio dentário.

A diferenciação dentária mais característica entre os primatas e o


Homem é evidentemente a ausência de caninos robustos e projetados, bem
como a ausência de diastema.

O Homem, em comparação com os primatas, reduziu a maioria dos


dentes e transformou a arcada dental. Da forma em U invertido, passa-se à
forma parabólica, que aumenta os efeitos mecânicos da mastigação,
reduzindo consideravelmente a estrutura do maxilar inferior e levando,
consequentemente, à expansão do crânio cerebral, nitidamente maior no
Homem que no primata, onde subsiste o crânio dental.

A mandíbula humana apresenta aspectos evolutivos adaptativos e não


adaptativos, adquirindo maior funcionalidade mecânica com menor
estrutura óssea. Se pusermos em causa fatores evolutivos convergentes e
paralelos, entre o primata e o Homem, vamos veri car que, em termos
logenéticos, a dieta introduziu grandes transformações morfológicas no
crânio, e estas, por efeito, grandes modi cações neurobiológicas, dado que o
cérebro encontrou mais espaço e volume de expansão, seguido
posteriormente de maior organização e complexi cação.

Dentro de uma perspectiva antropológica, não podemos separar


radicalmente a nutrição da locomoção. Já vimos que esta relação biológica
dialética é uma chave da evolução das espécies que atinge muito
particularmente uma diferenciação extremamente signi cativa entre os
primatas e o Homem.

A relação entre nutrição e locomoção está para relação entre boca e


órgãos de preensão, que, em si, como foca Leroi-Gourhan, põe em movi‐
mento a diferenciação funcional do campo anterior dos animais e do
Homem, isto é, em termos adaptativos, a relação entre a face e a mão é uma
das mais complexas em termos biológicos.

Fig. 5.9 - Representação esquemática do crânio de vários Hominídeos. Em


gura e fundo, os australopitecos (A-), os pitecântropos (P-.-) e os
neandertalenses (N-). À direita o crânio do Homo Sapiens. Veri car a
esfericidade do crânio do Homo Sapiens em comparação com outros
Hominídeos. A redução do prognatismo introduziu alterações
morfológicas cujo produto reverteu na expansão do sistema nervoso
central.
Fig. 5.10 - A evolução é uma dialética. Perde-se em uns aspectos, ganha-
se em outros. A mandibulação, ao reduzir-se, produz um ganho
considerável na expansão do crânio. No gorila, o crânio dentário
sobrepõe-se ao crânio cerebral. No Homo Sapiens, passa-se o inverso,
para bem da civilização.

Os caninos humanos não são cônicos nem em forma de lâmina, mas


em forma de cinzel, e acusam uma forma muito similar à dos incisivos. Estes
são pequenos em relação aos prémolares e aos molares e possuem coroas
orientadas verticalmente. Outro pormenor dentário que convém sublinhar
compreende a continuidade que se veri ca entre os dentes, desde os
incisivos aos molares.

Os pré-molares “molarizam-se”, como destaca Pilbeam, e as suas


cúspides hipocones e talonídeos tornaram-se mais reduzidas em altura e
maiores em número. De quatro cúspides que encontramos nos macacos do
Velho Mundo, passamos a cinco nos símios e no Homem. O esmalte dos
dentes é espesso e denso, o que constitui igualmente uma adaptação para
uma dieta mais preparada fora da boca (papel da mão e do fogo) e também
mais diversi cada, daí a relação evolutiva que vai da dieta herbívora à dieta
omnívora.

Todas estas transformações nos dentes, provocadas pela dieta e pela


preparação manual prévia, foram introduzindo alterações morfológicas,
como a redução do prognatismo, a redução da face, a redução da arcada
dentária, que acusa uma divergência da frente para trás, em forma arredon‐
dada e parabólica, aumentando o braço do momento da mastigação, o que
origina uma maior e ciência mecânica, por meio da redução do braço da
potência. O aparelho dentário produz reduções consideráveis na face e passa
a car progressivamente por baixo do crânio cerebral, ou, mais exatamente,
por baixo da região frontal.

Não podemos compreender estas transformações na face se não


falarmos igualmente na redução da musculatura, responsável pela masti‐
gação, nomeadamente do temporal, do masséter e do pterigóideo.

Não sendo tão robusta, a mandíbula não necessita ser sustentada por
um grande músculo temporal e, por isso, a sua inserção no osso temporal
pode explicar a expansão do osso parietal do crânio. A mastigação nos
hominídeos envolve movimentos muito intensos no sentido vertical e alguns
movimentos menos intensos no sentido lateral, isto é, põe em jogo uma
combinação de vários movimentos, sendo só possíveis porque os maxilares
estão desobstruídos de caninos projetados e volumosos, permitindo uma
oclusão perfeita e e ciente.

Destes aspectos dentários, ocorrem adaptações que se diferenciam


entre o primata e o Homem, em todos os setores do aparelho digestivo, quer
se trate da língua, do tubo digestivo ou do fígado, embora apresentando
semelhanças em termos de anatomia visceral que propriamente não afetam
a anatomia esquelética.

O mesmo já não podemos evocar quanto à anatomia do crânio, dado


que se dão transformações radicais em termos de anatomia comparada entre
o primata e o Homem. As transformações dão-se em tamanho e forma e
re etem-se no próprio cérebro.
Le Gros Clark especi ca em termos paleontológicos três grandes
diferenças (índices) entre os crânios dos primatas não hominídeos e do
Homem:

1º- Índice dos côndilos occipitais que se articulam com a coluna


vertebral no buraco occipital, o qual, nos primatas, está colocado oblíqua e
posteriormente em relação à caixa craniana, enquanto, no Homem, se
encontra localizado inferiormente, colocando em relevo a importância da
verticalização da coluna decorrente da postura bípede humana. Este índice,
segundo Pilbeam e Simons, pode ainda justi car a razão da libertação da
cabeça, a redução da face, a expansão cerebral na região occipital e temporal
ou todas estas adaptações correlacionadas e combinadas;

2º - Índice da altura dos músculos da nuca, onde se veri ca a grande


superfície relativa de inserção do trapézio no occipital em relação aos
primatas, que se traduz consideravelmente no Homo, dado que a sua face
não projetada, e sem caninos para funções de defesa e ataque, já não
necessita de grandes massas musculares de sustentação, na medida em que
as curvaturas da coluna permitem ao Homem a suspensão do crânio em
uma posição

mais equilibrada, dinâmica e vertical. A cabeça repousa em equilíbrio


no vértice da coluna vertebral;

3º - Índice da altura da caixa craniana, de nido pela altura da caixa


craniana a partir da colocação da arcada orbital. No Homem, este índice é
elevado; no primata, é baixo, e daqui emerge a razão de ser da expansão
cerebral, demonstrando objetivamente que, no Homem, o crânio cerebral é
superior ao crânio dentário, ao contrário dos primatas. O cérebro vai ocu‐
pando os territórios cranianos à medida que se vai libertando das resistên‐
cias faciais, dependentes do aparelho dentário.
Fig. 5.11 - Crânios do Gorila (G) e do Australopiteco (A). De notar os
índices: da altura da nuca AG/AB; da altura supraorbital FB/AB; da posição
do côndilo (D/CE), segundo E. W. Le Gros Clark. De realçar a expansão e a
esferização do crânio A. O ganho correspondente a um maior volume do
cérebro.

Fig. 5.12 - Os índices adaptativos. Sobreposição dos crânios do Gorila e do


Australopiteco. Repare-se que neste é menor a altura da nuca.
É óbvio que toda esta análise biológica não pode perder de vista outra
análise extrabiológica reciprocamente dependente.

O domínio da nutrição é um dos dados da antropogênese, na medida


em que a passagem de uma alimentação herbívora para uma omnívora
re ete um conjunto de transformações biossociais de muito relevo. Assim,
pode-se perceber a importância da caça e da pesca, permitindo a assimilação
de novas substâncias químicas que implicam transformações histológicas,
tendo em vista o que representa em termos de desenvolvimento uma
alimentação mais rica do ponto de vista calórico-proteico.

Os estudos dos nutricionistas são unânimes em correlacionar a dieta


com o desenvolvimento intelectual. Daí perceber-se o que representa em
termos antropológicos o domínio e a diversi cação da nutrição. O
desenvolvimento do cérebro está deveras dependente da assimilação dos
aminoácidos e dos açúcares, daí o signi cado de uma alimentação com
maior valor nutritivo, ao qual tem de estar associada a uma transformação
morfológica do crânio e, posteriormente, do cérebro, não esquecendo o
papel do fogo na alimentação aquecida e na redução do trabalho mecânico e
metabólico do aparelho digestivo, o que constitui um outro tipo de
libertação evolutiva.

A REDUÇÃO DO SENTIDO OLFATIVO

Como foca Napier, o envolvimento arborial não é um “mundo de


cheiros” como o envolvimento terrestre, e, por indução, o primata apresenta
uma progressiva redução e atro a dos mecanismos olfativos, quer
anatômicos, quer funcionais.

Perde-se a glândula rinária (rhinarium), característica dos mamíferos, e


as adaptações da mucosa e do epitélio nasal que estão na base do
prognatismo, que, como sabemos, em termos logenéticos, têm tendência a
desaparecer nos primatas, embora ainda surjam nos babuínos, primatas
também adaptados à locomoção terrestre.
Fig. 5.13 - Na árvore, o centro olfativo exerce funções diferentes às que se
operam nos mamiferos em terra. No cercopiteco (C), no Homem (HS), os
centros visuais (à direita das guras) são essenciais para a adaptação
arboreal (segundo D. Pilbeam).

Com o aumento e a precisão do sentido visual e porque o sistema


olfativo perdeu a sua utilidade prática na árvore, veri ca-se uma progressiva
atro a dos centros neurológicos correspondentes.

A redução dos órgãos olfativos está associada à liberdade motora do


lábio superior e à muscularização da região perioral, que, por sua vez, ocupa
uma função muito especial na expressão facial e na comunicação não verbal
entre os primatas e os seus grupos sociais.

O dispositivo nasal nos primatas é tão importante que constitui a base


da diferenciação entre os platirríneos (narinas afastadas e separadas) e os
catarríneos (narinas quase juntas), ou seja, a distinção entre macacos do
Novo e do Velho Mundo; no entanto, perdeu a sua signi cação em termos
evolutivos.

A diminuição do prognatismo, associada à recessão dos maxilares,


transformou radicalmente a cavidade nasal, reduzindo-se
consideravelmente e subtraindo-lhe todos os lamentos da mucosa nasal (o
turbinal process de Le Gros Clark) que está relacionada com os centros
receptores e integradores do cérebro — o rinencéfalo.

A redução e a aparência externa da região nasal do crânio


correspondem a uma superação do sentido visual sobre o sentido olfativo,
razão explicativa da dominância exteroceptiva da visão em relação aos
outros telerreceptores. É evidente que se encontra aqui um novo corolário
da logênese da motricidade, culminando com a importância da
hierarquização viso-motora que, em termos de evolução, é responsável pela
práxis humana, consequência, mais uma vez, da postura e da marcha
bípedes.

Em termos neurológicos, o rinencéfalo, ou sistema olfativo, é superado


pelo neocórtex, o qual, segundo Sanides, é arrastado da convexidade do
hemisfério para a base do mesmo.

Operam-se em nível dos primatas as expansões corticais associativas,


exatamente porque a locomoção arborial põe em movimento complicadas
conexões viso-motoras e viso-cinestésicas.

Tais conexões vão levar necessariamente a uma progressiva e mais


ampla representação sensório-motora, como resultante da obrigatoriedade
da adaptação, como nos informam Sanides e Le Gros Clark.

O DESENVOLVIMENTO DA ACUIDADE VISUAL

É signi cativo que a seleção natural entre os animais arboriais tivesse


privilegiado os pronunciadamente visuais, na medida em que a visão se
tornou o último escalão da hierarquia dos sistemas sensório-motores de
todos os seres vivos. Já, por esta razão, Leonardo da Vinci dizia que a visão é
o mais intelectual dos sentidos.

A liderança da visão, em termos de exteroceptividade, justi ca-se pela


migração das órbitas, pelo tamanho e estrutura do olho e pela diferenciação
da retina.

A migração das órbitas não permite que os eixos óticos dos olhos se
tornem divergentes; pelo contrário, os eixos tornam-se naturalmente parale‐
los e convergentes, condição indispensável à visão estereoscópica, que
permite a focagem do campo visual em pontos correspondentes e
simultâneos em ambas as retinas.

Esta condição permite a xação de um ponto no espaço com suas


referências posicionais; anterior-posterior, esquerda-direita e superior-
inferior, ou seja, a tridimensão do espaço que permite ao primata a
perspectiva, condição essa superespecializada para quem, acima do solo, faz
acrobacias complicadas e cálculos espaciais acelerados.

O tamanho e a estrutura do olho do primata, e evidentemente do ser


humano, obedecem a uma constituição e função celular extremamente
elaborada. A luz ou a re exão entra no olho e, antes de chegar à retina, tem
de passar sucessivamente pela córnea, humor aquoso, íris, cristalino e corpo
vítreo. Cada uma destas partes realiza um processamento da informação que
tem a ver com vários mecanismos de transdução de energia, isto é, a
transformação da luz em energia elétrica, tendo de passar por
transformações de energia eletromagnética da córnea e químicas, em nível
dos cones e dos bastones.

A diferenciação da retina é demonstrada pela conversão das imagens


em respostas siológicas que se passam em nível dos fotorreceptores. Pri‐
meiro, em nível dos bastonetes, que têm a função de modelar a luminosidade
e particularmente de responder ao movimento dos objetos na periferia do
campo visual, e segundo, em nível dos cones, que têm a função de responder
à intensidade da luz e garantir as condições da visão fotópica que pro‐
porciona o alto nível de discriminação das relações espaciais e das formas,
bem como da apreciação da cor e da textura.

Na maioria dos mamíferos, os cones encontram-se no centro e os


bastonetes na periferia da retina. É importante assinalar, em analogia com
Washburn e Le Gros Clark, que a retina apresenta uma diferenciação local
na mácula lutea, ou melhor, na sua zona central, denominada fóvea, zona
esta livre de vasos sanguíneos, onde efetivamente se acusa o mais alto grau
de acuidade visual, com as relações “ponto na retina” e “ponto no cérebro” a
estabelecerem-se um por um, de sentido neurofuncional extremamente
relevante.
É evidente que, para saltar de um ramo para outro, o primata necessita
de um alto grau de acuidade visual, só possível para a migração orbital, com
a complexidade da retina e com o paralelismo dos eixos óticos.

A retina composta de dois sistemas visuais distintos, mas


dialeticamente complementares (cones e bastonetes), processa, por um
complicado sistema fotoquímico, a transformação do campo visual em
mensagens elétricas que vão pelos nervos óticos, passam pelo quiasma ótico
e os corpos feniculados laterais, antes de atingirem a zona de projeção
primária, denominada área calcarina, localizada no lóbulo occipital.

A título informativo e segundo Lindsay e Norman, o olho humano tem


aproximadamente seis milhões de cones e 120 milhões de bastonetes, ou
seja, 126 milhões de fotorreceptores na totalidade. É óbvio que esta
complexidade em nível de retina representa uma evolução, isto é, uma
logênese, daí o seu interesse em termos de expansão progressiva do córtex
visual, que tende a veri carse do primata ao Homem.

Em termos logenéticos, as oscilações visomotoras passam a colocar a


motricidade em um plano cada vez mais dependente da integração visual,
que constitui, por exemplo, a base do desenvolvimento perceptivo-motor
humano.

MUDANÇAS NO ESQUELETO PÓS-CRANIANO

Não vou-me debruçar sobre o esqueleto apendicular em termos de


extremidades, mão e pé, na medida em que já as analisamos nos primeiro e
segundo aspectos da chave biológica do antropomor smo, que temos vindo
a tratar.

Vou agora debruçar-me sobre o esqueleto axial, caindo


fundamentalmente na análise da coluna vertebral e da bacia e nos aspectos
morfofuncionais que decorrem da postura e da marcha bípede.
As grandes transformações esqueléticas que se observam no Homem
em termos logenéticos têm uma relação de dependência com a postura
vertical permanente e com a marcha bípede, características únicas entre
todos os mamíferos.

A justi cação está preferencialmente em nível da extensão da bacia e da


articulação do joelho que permitem manter vertical a coluna vertebral. O
peso do corpo é sustentado pela base de apoio dos pés que, embora origine
uma restrição em termos de equilibração postural, é, porém, a condição
ideal para o movimento, visto requerer um mínimo de energia tônico-
muscular.

Fig. 5.14 - A complexidade do sistema visual humano tem a sua


logênese na adaptação ao espaço aéreo.
Só no Homem, a linha da gravidade coincide com o eixo do corpo, e os
membros inferiores (em proporção, os mais compridos dos primatas
superiores -172%) com o centro de gravidade pélvico.

Em outro volume desta coleção, desenvolverei este aspecto, quando


abordar a função tônica e a atitude postural no desenvolvimento postural da
criança. Aqui interessa-nos apenas o problema dos ossos, das articulações e
dos músculos envolvidos na marcha e na postura eretas permanentes.

Na postura bípede “normal”, o equilíbrio do corpo exige que a vertical


passe pelo buraco auditivo, pela cabeça do úmero, pelo corpo da quinta
vértebra lombar, pela cabeça do fêmur, pelo joelho e, nalmente, pelo
maléolo externo do pé.

Para que esta aquisição logenética se desse, foi necessário que se


observasse através dos tempos determinado número de transformações
morfológicas, como endireitamento do tronco, redução da coluna lombar,
alongamento dos membros inferiores (caráter exclusivamente humano),
redução e alargamento dos ossos da bacia, encurtamento das apó ses
transversais da coluna, libertação total dos membros superiores no processo
de marcha, perda da função preensiva do pé, horizontal da superfície
articular da tíbia, curvaturas siológicas na coluna, recuo do centro de
gravidade corporal etc., para nomear só as mais signi cativas.

Ao contrário dos primatas, o Homem tem uma coluna cervical e uma


coluna lombar reduzidas, veri cando-se, da zona cervical para a zona lom‐
bar, um progressivo aumento do corpo das vértebras, exatamente porque as
vértebras lombares, nomeadamente a quinta, têm de suportar o peso das
restantes vértebras mais o peso do crânio. Este é extraordinariamente
reduzido, ao contrário dos primatas, exatamente porque o crânio se
equilibra na coluna e não a prolonga; por isso, a coluna humana apresenta
quatro curvaturas exíveis, ao contrário da coluna rígida dos primatas.

Na curvatura cervical e na lombar, a coluna vertebral humana acusa


maior grau de mobilidade: a cervical para a mobilidade da cabeça e a lombar
para a extensão do membro inferior.
A estabilização vertical da coluna é obtida fundamentalmente pelas
quatro curvaturas compensatórias: a cervical para a dorsal e a lombar para a
sagrada. Esta última, além de se encontrar soldada com o ilíaco da bacia,
introduz funções de equilibração muito importantes.

Fig. 5.15 - As duas colunas vertebrais representam dois níveis de


libertação anatômica e de expansão cerebral. Veja-se a orientação do
buraco occipital, quase horizontal no Homem (H) e oblíqua no Gorila (G)
(segundo J. Rostand e A. Tétry).

O ilíaco humano é reduzido em altura, em comparação com o ilíaco


primata, ao mesmo tempo em que se alarga, criando uma curvatura
sigmoide, própria para receber a inserção dos glúteos (ou nadegueiros), que
asseguram a rotação e a extensão da bacia na marcha, e dos quadrados lom‐
bares e dos grandes dorsais, que asseguram a ereção do tronco.

O ísquion humano, ligado ao púbis, compõe a pequena bacia, ou bacia


visceral, como realça Rostand, é pequeno e reduz o braço do momento dos
extensores da bacia e dos exores do joelho (semimembranoso,
semitendentinoso e bicípete crural).

Fig. 15.16 - Os dois cérebros têm volumes diferentes e, por isso,


representam funções diferenciais de complexidade concomitante
(segundo J. Rostand e A. Tétry).

Por sua vez, a cavidade cotiloide e a cabeça do fêmur (o maior osso


humano) atingem maiores proporções, re etindo a sua importância como
transmissores do peso do corpo na marcha.

Os dois fêmures fazem com que as respectivas articulações do joelho


tenham uma maior aproximação, ao contrário da articulação com a bacia,
que é mais afastada, decorrendo daí um triângulo invertido equilibrador,
com base na bacia e vértice nos joelhos, o que biomecanicamente reforça a
postura e facilita o seu controle neuromuscular.

Ao contrário dos primatas, a articulação do fêmur com a tíbia não se dá


em uma linha reta, dáse, sim, uma semi exão. No Homem, a articulação do
joelho obedece a um ângulo equilibrador entre o fêmur e a tíbia, que se
encontram completamente em extensão, isto é, as superfícies articulares dos
dois ossos são horizontais.

Outra característica importante na logênese da motricidade, e que


tem a ver com as fases de aquisição da marcha na criança, é que o equilíbrio
do corpo nos primatas cai sobre os côndilos internos do fêmur e,
consequentemente, no bordo interno do pé, ao contrário do Homem, onde
o equilíbrio do corpo recai nos côndilos externos do fêmur e no bordo
externo do pé.

Fig. 5.17 - Bacia do chimpanzé (C) e no Homo Sapiens (HS). A bacia


humana perde em altura e ganha em largura.

Aqui estão alguns aspectos esqueléticos pós-cranianos, resultantes da


adaptação humana à marcha bípede e à postura ereta que demonstram bem
a evidência das adaptações hominídeas que levaram os precursores do
Homo Sapiens a desenvolver funções locomotoras cada vez mais disponíveis
e variadas, amentando assim o seu reportório comportamental em
concomitância com a expansão cerebral.
Fig. 5.18 - Sequências da marcha no Homem. Uma queda controlada. O
pé livre aborda o solo pelo calcanhar enquanto o peso do corpo é
gradualmente transferido do calcanhar ao dedo grande do pé (segundo
J. Napier, fotogra a de E. Muybridge).

Fig. 5.19 - As diferenças são signi cativas. Repare-se no tamanho dos


ossos da bacia, principalmente o ísquion que surge no Homem muito
reduzido, facilitando a verticalização do tronco e dos membros inferiores,
conquistas signi cativas da adaptação à locomoção bípede (segundo J.
Rostand e A. Tétry).
DESENVOLVIMENTO DO CÉREBRO: APRENDIZAGEM,
LINGUAGEM E FABRICAÇÃO DE INSTRUMENTOS

Sem dúvida nenhuma que a maior diferença entre os primatas e os


mamíferos e entre o Homem e os primatas é a do desenvolvimento do cé‐
rebro, na sua proporção com o peso total do corpo.

A vida arborial, pondo em causa, por exigências da sua adaptação, um


desenvolvimento muito elaborado dos órgãos sensoriais e motores, quer
exteroceptivos, quer proprioceptivos, levou necessáriamente a uma
expansão cerebral, só possível com as alterações morfológicas introduzidas,
primeiro, pela locomoção arborial e, posteriormente, pela locomoção ereta.

Dado que a árvore, em si, não é senão um habitat precário e irregular, é


óbvio que, pondo em causa uma complexa coordenação, harmonia e re‐
gulação de movimentos e de equilibrações, o cérebro dos primatas se
revolucionou em termos de novas áreas e novas conexões. Como novas
áreas, temos as que controlam o movimento (sistema piramidal), como as
áreas quatro e seis de Broadman e as do cerebelo, característica esta já
possível de detectar nos pongídeos e nos fósseis hominídeos, como provam
os endocastos dos fragmentos dos seus crânios.
Fig. 5.20 - A abertura tempo-parietal é superior no Homo Sapiens que
corresponde ao corte da motricidade voluntária e às zonas de associação.

Em termos de comportamento, é o mesmo que dizer em termos de


organização cortical, o Homem possui o cérebro mais hierarquizado e mais
diferenciado do mundo animal.

O cérebro humano contém três tipos de cérebro logeneticamente


reconstruídos e recombinados, que re etem a evolução das espécies e se
compõem de três setores hierarquizados: 1º - o reptiliano; 2º - o
paleomamífero; 3º - o neomamífero.

O reptiliano, o mais antigo, inclui as estruturas responsáveis pelos


comportamentos mais simples, como os que medeiam a regulação das fun‐
ções biológicas vitais e as funções do sono, vigilância, atenção e alerta. Está
igualmente envolvido nas respostas re exas, que, como sabemos, sofrem
uma hierarquização progressiva dos invertebrados aos vertebrados, e, dentro
destes, dos peixes ao Homem.

O paleomamífero é uma herança dos mamíferos inferiores, compreende


a sensibilidade protopática e o sistema límbico, que medeia e regula os
impulsos relacionados com os comportamentos de sobrevivência e
reprodução, compreendendo igualmente as funções pré-alimentares por
meio de sistemas antagônicos de procura-fuga, de defesa-ataque etc., que
visam à satisfação de tendências e necessidades adaptativas e emocionais.

O terceiro cérebro, o neomamífero, também designado por neocórtex,


segundo Rosenthal, é a estrutura mais hierarquizada e organizada, sendo de
aquisição logenética recente. Está contido em todos os mamíferos
superiores, nomeadamente nos primatas, principalmente nos pongídeos e
essencialmente no Homem. O neocórtex é responsável pela sensibilidade
epicrítica ou gnósica e pela programação da motricidade voluntária e da
linguagem, permitindo: a manipulação dos objetos, as praxias, o pensa‐
mento lógico e quantitativo, a simbolização e a conceptualização, a
resolução de problemas, o reconhecimento de experiências e acontecimen‐
tos, o julgamento social e a tomada de decisões, isto é, todos os
comportamentos humanizados.

Fig. 5.21 - Três cérebros que constituem a logênese do SNC, segundo


Rosenthal.

O Homem está dotado, como vimos, com três cérebros que funcionam
hierárquica e harmoniosamente, designados por outros termos diferentes
dos já assinalados: rombencéfalo (cérebro posterior), mesencéfalo (cérebro
médio) e prosencéfalo (cérebro anterior). O rombencéfalo é predominan‐
temente nos répteis; o mesencéfalo é dominante nos vertebrados inferiores;
e o prosencéfalo, subdividindo-se em diencéfalo (estruturas talâmicas) e nos
hemisférios cerebrais (telencéfalo), atinge um alto grau de diferenciação nos
primatas e, posteriormente, no Homem.

Esta concepção hierarquizada, logenética e ontogeneticamente


con rmadas, é igualmente defendida pelos neurobiólogos e neuropsicólogos
mais reconhecidos, como Luria, Ecclees, Sperry, Lindsley, Pribram, Denny
Brown e outros.

Luria, por exemplo, exempli ca a organização funcional do cérebro em


três blocos:

1º bloco - tronco cerebral e rombencéfalo — regula a energia, a atenção e


a função tônica, garantindo os alicerces dos vários processos cerebrais,
normalmente dependentes da substância reticulada, onde se operam os
processos primários de discriminação intersensorial;

2º bloco - lóbulos occipital, temporal eparietal — interferem na análise,


na codi cação e no armazenamento de informação visual, auditiva e tátil-
cinestésica, processando-a em: seleção, distribuição e identi cação (zonas
primárias); codi cando-a e conservando-a (zonas secundárias) e
combinandoa em termos de conduta (zonas tercirárias); e

3º bloco - lóbulo frontal — implicado na formação das intenções e na


associação e utilização da informação conservada e retida, plani cando-a e
programando-a em termos de comportamento.

Como sabemos, todos os animais estão equipados biologicamente com


órgãos capazes de receber sinais (fontes energéticas) do seu meio, os quais
desencadeiam, por concomitância, reações apropriadas e ajustadas a tais
condições. Este aspecto elementar do comportamento animal está implícito
no protozoário do Homem. Isto quer dizer que, entre meio e animal, há um
processo de comunicação que é organizado em termos de sistema nervoso.

Qualquer sistema nervoso, quer se trate de um invertebrado, quer se


trate de um vertebrado, põe em jogo um grupo de células com funções bem
de nidas: células receptoras que recebem os diferentes tipos de estímulos;
células efectoras ou motoras, onde o in uxo põe em atividade os músculos; e
células associativas que transmitem a informação às células efectoras,
aumentando-a ou diminuindo-a, provando o seu papel mediador e
regulador.

É exatamente nestas células associativas que se vão encontrar as causas


da logênese do encéfalo, que tem por função conservar, combinar e
executar os diferentes tipos de informação que, de fato, materializam a
conduta.

Dos peixes aos mamíferos, passando pelos anfíbios, pelos répteis e


pelas aves, vamos observando que as células se diferenciam e se
complexi cam, dando origem a um córtex cerebral cada vez mais
organizado e elaborado, à luz de um “maravilhoso computador”, capaz de
escolher o mais vantajoso e prioritário comportamento para a situação do
momento. O cérebro humano garante uma liberdade progressiva de
condutas, como resultante da liberdade progressiva de estruturas anatômicas
que as precederam em termos logenéticos.

Da célula ganglionar dos invertebrados, isto é, de conjuntos de células


associativas, passamos a um cérebro portador de 14 bilhões de neurônios e
nevróglias (HEBB) no ser humano, o que lhe permite não só se mover no
mundo dos objetos mas também no mundo das ideias.

Figura 5.22 - Organização Funcional do cérebro (luria)

Em qualquer animal, invertebrado ou vertebrado, podemos, com


Jacques Monod, caracterizar as funções do sistema nervoso central.

1º assegurar o comando e a coordenação central da atividade


neuromotora em função, sobretudo, das aferências sensoriais (relação entre
aferências e eferências);

2º conter, sob a forma de circuitos geneticamente determinados,


programas de seleção mais ou menos complexos; dispará-los em função de
estímulos particulares;

3º analisar, ltrar e integrar as aferências sensoriais, a m de continuar


uma representação do mundo exterior adaptado às funções especí cas do
animal;

4º registrar os acontecimentos que são signi cativos, agrupá-los por


classes, segundo as suas analogias, associar essas classes de acordo com as
relações dos acontecimentos que as constituem, enriquecer, aperfeiçoar e
diversi car os programas inatos, neles incluindo estas experiências;

5º imaginar, isto é, representar e simular acontecimentos exteriores ou


programas de ação do próprio animal.

O cérebro é um instrumento de uma liberdade sem limites. De acordo


com A. Scott (1975), o número de ideias básicas ou de componentes
ideacionais que o cérebro pode desenvolver é de um milhar de milhão.
Dentro de uma estimativa, e respeitando que cada ideia se produzia em um
segundo, o Homem poderia manter-se a produzir ideias durante 45 anos de
tempo de vigília (não contando com as horas de sono).

De fato, dos primatas ao Homem, passase um mínimo de diferenciação


cerebral tal que justi ca: de um lado, a relação com os objetos e, de outro, a
relação com as ideias, isto é, de uma inteligência sensório-motora, saltamos
logeneticamente para uma inteligência re exiva e hipotético-dedutiva.

Aqui está também uma maturação ontogenética que os trabalhos de


Piaget con rmam e que iremos ver mais adiante. De um estádio ao outro,
estão dois fenômenos que se entrecruzam dialeticamente: a aprendizagem
biológica de um lado (maturação anatômico-funcional) e a aprendizagem
extrabiológica do outro (integração gregária).

Todas estas aquisições cerebrais resultam efetivamente de alterações


morfológicas no crânio, que decorrem das adaptações da postura ereta e do
aparelho dentário, que passamos a referir em seguida:

1º expansão do prosencéfalo e especialmente do neocórtex;

2º aumento da ssuração do neocórtex com aparecimento da ssura de


Rolando e de Sylvius. Maior número de circunvoluções;
3º expansão do lóbulo occipital, decorrente do enrolamento esférico do
crânio, originando a formação da área pós-calcarina;

4º elaboração de um córtex motor e somatossensorial com inerente


expansão do lóbulo parietal que compreende funções de integração
sensório-motora e de diferenciação somatognóstica que englobam a
tecnicidade manual;

5º elaboração do córtex pré-central, originando consequentemente a


verticalização do frontal e a expansão do lóbulo frontal como central de
comando muscular, quer para as ações intencionais e voluntárias, quer para
a expressão vocal da linguagem; aquisições só possíveis pela função
associativa que está dependente desta recente aquisição logenética;

6º elaboração do lóbulo temporal, associado à perfeição da


discriminação de sons e requer naturalmente a comunicação verbal;

7º estruturação do cerebelo e das suas conexões como central de


harmonização e sistematização da motricidade do córtex cerebral e
regulador da proprioceptividade inconsciente e consciente;

8º redução dos mecanismos neurológicos do olfato (redução do


rinencéfalo).
Fig. 5.23 - Per s posturais do Gorila e do Homo Sapiens. A expansão do
cérebro subentende uma libertação postural especí ca, isto é, a
Osteologia tem uma relação recíproca com a Neurologia. À libertação
anatômica, segue-se uma libertação do cérebro. Uma deu-se
anteriormente à outra.

A expansão destas áreas cerebrais, bem como a sua estrutura e função


(LANCASTER), compreendem uma série de transformações ósseas no
crânio, nomeadamente as que se referem à redução da mandíbula e ao
aparecimento da arcada zigomática, ao enrolamento do occipital, ao
alargamento do parietal, à redução do temporal e à verticalização do frontal,
todas elas como aspectos morfológicos exteriores.

No plano interior, temos de re etir sobre o alargamento da asa do


esfenoide, o aparecimento do lacrimal e do etmoide. Livre de obstáculos ós‐
seos, o cérebro pôde conquistar o máximo espaço possível, originando uma
expansão em leque, que arrastou anteriormente o lóbulo frontal e pos‐
teriormente o lóbulo occipital, permitindo o alargamento da área associativa
parietotemporal de onde emergiu a própria linguagem, segundo Lenneberg
e Geschwind (área associativa das áreas associativas de Pilbeam).

Para termos uma noção do grau de expansão cerebral que se deu entre
os primatas e o Homem, basta referir que o volume médio do cérebro
humano está calculado em 1.400cm3, quando o do gorila é de 500cm3 e o
do chimpanzé não passa de 400cm3.

Convém, no entanto, lembrar Pilbeam, quando nos diz que a expansão


do cérebro humano não foi acompanhada no número de células nervosas,
a rmando que existem apenas mais 25% de células nervosas no Homem,
relativamente ao chimpanzé.

Mas, continuando a tomar como referência Pilbeam, é importante que


se re ra que os neurônios humanos são maiores, mais complexos, com
prolongamentos mais extensos e com uma densidade celular inferior à dos
pongídeos, não esquecendo o aumento do número de nevróglias no cérebro
humano. Porém, a grande diferença entre o cérebro humano e o cérebro dos
primatas ou dos gol nhos não é um problema de quantidade de neurônios
ou de volume, mas basicamente um problema de organização interna, nas
inter-relações entre as várias áreas, na e ciência bioquímica e
neuroendócrina e nas multiconexões entre os vários blocos funcionais. O
resultado da logênese da motricidade não é a expansão do cérebro, mas
sim a sua reestruturação.

É dentro desta constelação de revoluções morfofuncionais que a


logênese do cérebro deve ser compreendida, pois só assim podemos
equacionar que as transformações são resultantes da antropogênese, que
compreende três aquisições de grande importância: aprendizagem (a
maioria dos comportamentos hominídeos é aprendida), fabricação de
instrumentos e linguagem.

Qualquer destes aspectos re ete-se na expansão “organizada” do


cérebro, e todos eles têm em comum um processo neurológico que os expli‐
ca, ou seja, a consequência significativa das ações que os justi cam.
Quer a prendizagem simbólica ou não simbólica, quer a linguagem
verbal ou não verbal, quer a fabricação de instrumentos simples ou
utilitários, todas exigem que, no cérebro, se organizem e se plani quem as
ações no espaço e no tempo, pois só assim as mesmas obtêm resultados,
satisfazem necessidades e atingem determinados ns.

As ações ou as condutas sucedem-se dentro de uma sequência


ordenada e previamente planificada e programada.

A aprendizagem, entendida como mudança estável e permanente de


comportamento, adquirida pela experiência, põe sempre em jogo uma
complicada rede neuronal, garantida por uma cadeia sináptica, por sua vez
dependente de uma ativação bioquímica mais e ciente.

Para que se observe a aprendizagem, é necessário que se estabeleça uma


conexão entre estímulos (ou situação) e respostas (ou ação-conduta), da
qual resulta a percepção, só possível pela capacidade seletiva da atenção, ou
seja, a concentração em estímulos sensoriais relevantes, eliminando ou
inibindo os estímulos irrelevantes.

A possibilidade do cérebro humano de aprender muitas coisas está


dependente da eliminação de associações ou vias neurológicas inúteis ou
parasitas. A atividade dos “extraneurônios” pode complicar as associações
“intraneurônios”, que compreendem a aprendizagem, a não ser que tal
atividade seja inibida, regulada e controlada. Esta função seletiva re nada e
inibitória é a sombra da experiência no meio, a consciência da ação.

A experiência cognitiva do ser humano é, pois, o resultado de uma


hierarquia de aprendizagens. Ela põe em jogo redes neuronais (network of
cells assemblies) que recebem, conservam, combinam, associam e controlam
a informação.

Toda esta constelação de ações corticais visa à maturação cerebral


(formação), que, por inibição, regulam, por reaferência, as condutas, isto é,
as ações voluntárias conscientes (transformação). No Homem, o cérebro,
antes de ser um instrumento de ação (transformação), tem de ser um
instrumento de preparação (informação-formação).
Fig. 5.24 - Funções cerebrais
Figura 5.25

O nascimento do pensamento re exivo traduz, segundo Sokolov e


Anokhine, a relação entre a mão (aspecto motor) e o cérebro (aspecto
psíquico) por meio da exploração e da observação visual.

A re exão é a consciência da ação retardada, segundo Piveteau, daí que


seja possível ao primata, em termos rudimentares, e ao Homem, em termos
complexos, a antecipação da ação, que exige uma imagem, que sustenta, em
nível do cérebro, o projeto (táticas e estratégias) da ação que se prolongará
por meio da mão.

Desta combinação entre a ação exterior e a consciência (ação interior),


emerge “tijolo a tijolo” a experiência sensório-motora que vai construindo o
“edifício” do pensamento. Às ações manuais, correspondem ações cerebrais;
às coordenações gestuais, correspondem coordenações cerebrais, que
equacionam um conjunto de operações practognósicas, que mais não são do
que o diálogo entre a ação e a consciência, entre a mão e o cérebro. Interação
é vista como ponto de partida para a edi cação do pensamento conceitual.
Fig. 5.26 - Do movimento ao pensamento re exivo. Das ações à
sequência dos seus efeitos. Ação e representação corolário um do outro.

A linguagem é, como a ação, um sistema sequencial signi cativo,


característico da espécie (CHOMSKY e LENNEBERG), pois compreende
uma ordenação e uma relação de elementos vocais que em si lhe dão
signi cado. Se alterarmos a sequência das letras em uma palavra, quer
falada, quer escrita, alteramos o seu signi cado (braco em vez de barco etc.).
A linguagem não é apenas um sistema de combinação, é, antes, um sistema
de relação que tem a sua origem na sociedade. É a relação dos elementos
que, em conjunto, dão signi cado à palavra. Segundo Vygotsky, não é um
som qualquer, é, sim, uma sequência de sons que lhe confere o signi cado
que se edi ca a partir da tendência gregária do Homem. Não se trata de um
som ou de um conjunto de sons arbitrários e vazios. O signi cado das
palavras é o seu componente indispensável, e esse componente é
basicamente uma sequência fonética ordenada, reestruturada e codi cada
socialmente. Como diz Chomsky, a competência linguística se refere a uma
capacidade de aplicação de regras, e esta volta a ser uma sequência
signi cativa de unidades ordenadas sistematicamente.

Independentemente de não subsistirem dados paleontológicos da


linguagem, convém frisar que a linguagem articulada é possível por cinco
razões biológicas fundamentais, como nos indica Lenneberg:

1a - redução da dentição;

2a - diminuição dos caninos;

3a - encurtamento e hipermobilidade da língua; 4a - aumento do


espaço bucal vibratório;

5a - um quarto da superfície cortical que representa o corpo é ocupado


pelos neurônios que controlam a língua, os lábios e a faringe.
Fig. 5.27 - O Girys angular representa uma área de associação viso-
auditiva e tátil-cinestésica. A mielinização desta área é mais lenta e
corresponde ao período pré-operacional de Page, compreendendo a fase
da linguagem falada.

Segundo uma perspectiva integrada, a evolução da linguagem obedece


ao seguinte quadro:

Evolução antropológica da linguagem


Grupos

Fósseis Utilização de Estádios da


Pensamento Expressão oral
objetos linguagem

* Estádio de
* Percepções * Sons instintivos
precedência
* Ocasional difusas e
e inconscientes (expressão
siognômicas
sintomática)

Australopitecos * Ampliação * Sinais


* Rudimentar
perceptivomotora semiinconsciente

* Plebe Cultura
* Inteligência * Sons
(madeira e
sensório-motora diafragmáticos
ossos)
* Indústria da * Conceitos
* Gritoschamada * Pré-estádio
pedra primários

* Articulação
* Indústria * Pensamento * Linguagem primária
gutural médio
acheniense mitológico (gestual)
lingual

Pitecantropos
* Indústria * Conceitos * * Integração auditivo-
Masturiense difusos Palavrapreposição motora

* Especialização * Articulação
técnica bucal

* Ideogra a

* Paleolítico * Conceitos * Indiferenciação * Linguagem


superior diferenciados semântica articulada pré-verbal

* Pronúncia pós- * Integração auditivo-


Neanderthalenses * Fogo * Racionalização
lingual verbal

* Conceitos
* Metalurgia * Palavras simples
uni cados

Como acabamos de ver, a linguagem está dependente da associação


funcional de várias áreas do cérebro, que passam a estar ligadas por meio de
equivalentes interneurossensoriais (MYKLEBUST). A simples nomeação de
objetos envolve a ligação e a associação entre a experiência (visual e
cinestésica) e a expressão verbal, sendo só possível depois de uma recepção
auditiva.
Fig. 5.28 - O neocórtex do Homem (por fora) e o do macaco (por dentro).
As regiões primárias expandem-se e conquistam regiões associativas
fundamentais à produção do trabalho (motricidade ideacional) e à
linguagem (instrumento do pensamento).

A linguagem é um produto do cérebro e da organização social que


permite, além de outras aquisições, generalizar e compreender códigos lin‐
guísticos hierarquizados.

Todos estes comportamentos, embora rudimentares, são


experimentados por primatas já portadores de musculatura facial
expressiva, como provam as experiências dos Hayes (1955) e dos Gardners
(1969), demonstrando que estes animais já possuíam aquisições organizadas
em uma sequência signi cativa.

A linguagem, antes de ser um produto do cérebro, é um corolário da


motricidade ou da experiência social e colaboral, na medida em que a
sequencialização signi cativa das ações já está contida na motricidade do
primata e do hominídeo. A caça, por exemplo, é uma manifestação de
cultura que exige: plani cação, comportamento cooperativo, organização e
coordenação de atividades econômicas e diferenciadas nos dois sexos etc.
Esquema 5.2

A fabricação de instrumentos, como a linguagem por outro lado, é uma


atividade e uma motricidade hierarquizada; por isso, um cérebro que é
capaz de produzir objetos utilitários também gera a linguagem.

Destacamos estes aspectos aqui, na medida em que o trabalho


(atividade colaboral), como forma de controle do real, transformou o
macaco em homem, pois, só por ele, o Homem, podia-se manter vivo.

O trabalho, e a consequente fabricação de instrumentos, necessários


para a caça, por exemplo, só pode ser explicado em termos de sobrevivência
(nutrição), razão por que a organização social e a linguagem dele emergem.

O trabalho, grande arquiteto da consciência humana, desencadeia as


funções extrabiológicas e culturais: da caça, da linguagem, da fabricação de
instrumentos, da divisão do trabalho entre os sexos, do domínio do fogo, da
cooperação, da formação da família, do domínio da alimentação, das
primeiras relações com a terra (agricultura), da domesticação de animais, da
xação da territorialidade, das proibições do incesto, das regras exogâmicas,
da sistematização das condutas, da conservação, do armazenamento dos
produtos do trabalho e da experiência etc.
Esquema 5.3
Em uma palavra, o trabalho gera a cultura, razão material
predominante da expansão cerebral, com todas as suas ilimitadas
capacidades e aptidões biológicas, natural e dialeticamente dependentes de
uma organização social cada vez mais complexa.

O comportamento social compreende o último degrau da inteligência


humana, que resultou de bases biológicas que, em termos logenéticos, se
foram diferenciando a partir da experiência no meio (motricidade).

Temos aqui, em resumo, a harmonia dialética entre os fatores


biológicos e os fatores sociais. De fato, é incognoscível e impraticável separar
o biológico do social.

Chegamos, nalmente, ao último aspecto do antropomor smo, e,


assim, damos por concluída a análise da logênese da motricidade.

REDUÇÃO DO NÚMERO DE DESCENDENTES POR


NASCIMENTO, DEPENDÊNCIA MATERNAL E ORGANIZAÇÃO
SOCIAL

Se a proteção de uma cria é particularmente difícil e complicada em


uma árvore, mais di cil seria a criação de mais descendentes. Daí uma ex‐
plicação natural da tendência dos primatas para não terem, por nascimento,
mais de um descendente.

Este “simples” fato biológico deu origem a consequências de ordem


evolutiva muito profundas. Dado que não subsiste uma gravidez múltipla, os
embriões não necessitam de “competir” seletivamente, e, por via desse fato, a
lentidão de maturação intrauterina e extrauterina põe em causa a proteção
maternal como dispositivo de sobrevivência.

O processo de maturação do primata e do Homem é lento e


dependente, o que origina a proteção e o envolvimento maternal, base
biológica da organização social dos primatas e do Homem.
Com um processo de maturação tão prolongado, dão-se dois
fenômenos biossociais muito importantes: a aprendizagem e a socialização.
A proteção às crias e a sua criação são a razão de ser de um dado núcleo ou
grupo de primatas e de hominídeos, estando em causa a continuidade da
linhagem.

O núcleo familiar com um adulto macho e um adulto fêmea em um


“casamento formal” (DE VORE) caracteriza a organização social dos
primatas, principalmente quando a atividade exclusiva é a caça. Desde o
babuíno aos gorilas e chegando ao Homem, a estabilidade temporária das
relações entre macho e fêmea e fêmea e crias é uma constante em todos os
primatas e no Homem, embora a relatividade cultural do problema mereça
ser respeitada.

A relação entre mãe e lho, entre os primatas, é a mais duradoura no


reino animal, daí a importância do período de aprendizagem e de prepa‐
ração para a vida adulta, que materializa o processo de socialização,
caracterizado pelo jogo e pela imitação, comportamentos indispensáveis
para a preparação e a apropriação das aquisições manifestadas pelos adultos
do grupo, que tendem a ser facilitadas por aprovação e reforço social.

É dentro destas condições que se opera a “ logênese da socialização”,


onde se forjam os comportamentos cooperativos, a rejeição de com‐
portamentos agressivos arbitrários e esporádicos, a sustentação da
motivação, o desenvolvimento de laços afetivos, a utilização e a fabricação
de objetos e a apropriação da linguagem maternal.

Efetivamente, o comportamento cooperativo e a organização social


consequente da sociedade que vive da caça (hunting society) originam a
separação das funções sexuais entre os caçadores e os armazenadores e o
aparecimento de regras de casamento exogâmico, as diferentes dimensões
religiosas, a relação social e econômica entre diferentes bandos etc., ou seja,
o reconhecimento de uma relação histórico-social, onde os fenômenos de
comunicação e responsabilidade social e o desenvolvimento tecnológico
assumem papel de relevo.
A experiência acumulada e a transmissão de valores culturais vão
explicar, por um lado, a importância do trabalho e, por outro, o papel
relevante da linguagem, que, como já vimos anteriorgeneralização,
abstração, dedução, memorização, mente, dependem estruturalmente da
logênese orientação e plani cação, ao mesmo tempo que da motricidade.
promove o desenvolvimento dos órgãos dos senti-

Em resumo, o trabalho, como já o dissemos, inclui uma evolução


somática e uma evolução psíquica. Uma envolve as libertações corporais, a
outra compreende as libertações cerebrais.

O desenvolvimento cerebral decorre de funções que têm de ser postas


em jogo no trabalho: generalização, abstração, dedução, memorização,
orientação e plani cação, ao mesmo tempo que promove o desenvolvimento
dos órgãos dos sentidos: visual, auditivo e tátil-cinestésico.

Esquema 5.4
Esquema 5.5

É fácil ver que o trabalho é a nalidade da aprendizagem e da


socialização e, por conseguinte, a fonte de toda a riqueza grupal. Representa
o nível mais elevado de libertação alcançado pelo biológico, permitindo a
transformação do real e do social.

A dependência biológica do trabalho, quanto à logênese da


motricidade (principalmente a libertação da mão e as condições de
reprodução), e a dependência social do trabalho combinam-se em uma
dialética inacabada que, em síntese, explica a Cultura e a Civilização.

A mão, como órgão de trabalho e como seu produto, adquire funções


de apropriação e controle da realidade. A mão, ao enriquecer-se com um
diferenciado sistema tátil-cinestésico, a que corresponde, em espelho, uma
complexa área de associação cerebral interneurossensorial, alcança o mais
alto a namento práxico e a mais aperfeiçoada instrumentalidade de
expressão, como se veri ca na arte ou na criação cientí ca.

Só por meio da produção de valores e de instrumentos, podem-se


compreender a existência de mercado e as primeiras formas de utilização e
de troca, condição indispensável para a expansão da cultura e para o
desenvolvimento e o progresso dos povos, como nos explicaram M. Mauss e
Levi-Strauss.

A descoberta do Homem como ser trabalhador é um dos grandes


acontecimentos do pensamento contemporâneo. O trabalho é a fonte de
relações sociais, econômicas e culturais, é o meio indispensável pelo qual o
Homem luta contra a raridade natural. É no e pelo trabalho que se
organizam as relações entre Homem e Homem (aspecto social) e Homem e
Natureza (aspecto biológico).

Como nos assegura Marx, o trabalho contém o sentido material das


relações humanas. Tal relação, exatamente nascida da função práxica (a
função transformadora da logênese da motricidade) e da função
fabricadora, é inerente ao próprio Homem. É essa função que explica,
fundamentalmente, toda a sua evolução histórico-social. Só o trabalho une o
Homem ao seu envolvimento natural, onde a resistência deste é um apelo
para aquele.
O Homem atingiu o nível mais alto da logênese da motricidade, isto é,
a capacidade de fabricar um instrumento socialmente útil. O instrumento,
como produto de uma consciência, re ete não só um tipo especial de
organização social mas também o próprio despertar da palavra.

O Homem não se contenta em adaptar-se ao meio, transforma-o e


transforma-se. Transforma a Natureza e transforma a sua natureza. O
trabalho é a produção do Homem e das suas representações. Do ato ao
pensamento, do gesto à palavra, interpõe-se o trabalho, isto é, a produção de
instrumentos e de valores, por meio do qual o Homem ultrapassa os seus
limites biológicos e alcança domínios extrabiológicos: religião, dança, moral,
justiça, arte, ciência etc. em uma: palavra a Cultura, que, por de nição, é
impossível sem uma libertação biológica que a antecedeu.

A grande dicotomia entre o instinto e a aprendizagem e entre o


genótipo e o fenótipo já não se justi ca. Todos os comportamentos, mesmo
os mais básicos, independentemente de serem determinados geneticamente,
requerem grandes períodos de aprendizagem.

Os fundamentos gerais da ciência do Homem não podem opor a


logênese da motricidade à ontogênese da motricidade, o biológico ao
sociológico, na medida em que o social está inscrito no biológico.

Daqui há a necessidade de compreendermos o ser humano na sua


evolução, como um animal vertebrado, mamífero placentário que resultou
da evolução dos primatas. Portador de um extraordinário desenvolvimento
cerebral, condicionado pela logênese da motricidade, mas sem
especializações biológicas (generaliza as especializações dos outros animais),
o Homem foi capaz de conceber e fabricar instrumentos, dispor de uma
marcha bípede e se comunicar com os seus semelhantes por meio da
linguagem articulada.

O Homem é o resultado de uma totalidade biossocial, isto é, o corolário


de uma totalidade logenética e ontogenética.

Esta abordagem, intencionalmente inacabada, contém abordagens


pouco profundas em um plano interdisciplinar. Estando consciente dos seus
limites cientí cos, no entanto, procuro combater o tradicional reducionismo
abusivo, que tende a separar os diversos ramos do conhecimento e impedir
o estudo do ser humano naquilo que ele é, quer na sua essência, quer na sua
evolução.

Que que mais ou menos claro que um estudo sobre o


desenvolvimento da criança não pode car separado do estudo
antropológico do ser humano como totalidade biopsicossocial.

Esta perspectivação integrada no desenvolvimento humano é ainda


demasiado rara para dela se recolherem aqui dados concretos e signi‐
cativos. Desejamos, no entanto, desa á-la, lançando neste trabalho
algumas ideias e re exões, pretendendo defender um princípio evolutivo
fundamental: a motricidade não é senão o alicerce comum e original de onde
emergiu a filogênese e a ontogênese cerebral.

Esquema 5.6
Esquema 5.7

Quadro 5.2 - Adaptações entre os primatas e o homem

TENDÊNCIAS FILOGENÉTICAS EM UMA PERSPECTIVA


DIALÓGICA ENTRE O “NORMAL” E O “DESVIANTE”
Tendências logenéticas

Dados Paleontológicos Funcionais

Conhecer os segredos do desenvolvimento humano passa por se tentar


equacionar qual o propósito da Evolução e qual sua essência pretérita, pois
daí poderá emergir uma perspectiva do futuro da espécie e,
consequentemente, do desenvolvimento da criança.

As visões biológicas reducionistas, as quais P. Weiss (1971) faz


referência, não satisfazem a compreensão dos micromundos e dos
macromundos da Evolução, onde se cruzam inúmeros conceitos
transdisciplinares que se orientam e convergem para uma totalidade
estrutural com que se tem de conceber hoje a Teoria Sintética da Evolução.

Cerca de 40.000 genes, que constituem o patrimônio genético da nossa


espécie, com que se continua a perpetuar e a reduplicar (CRICK, WATSON
e WILKINS, 1975) uma certa direcionalidade, ou mesmo até, uma certa
intencionalidade (o “desígnio teleonômico” de Monod, 1970), o propósito da
Evolução sugere adaptações intencionais que foram produzidas pela
Natureza (processo que Darwin, em 1872, denominou “seleção natural”),
retendo e modelando traços adaptativos favoráveis à sobrevivência.
(WADDINGTON, 1957, e DO- BZHANSKY, 1967)

Com Mendel (1866), e mais tarde com De Vries (1900), descobriu-se


experimentalmente o mecanismo da hereditariedade cujas mutações, ins‐
truções abertas e recombinações poligenéticas permitiram não
consubstanciar uma concepção de origem súbita, mas sim a ocorrência de
profundas refundições no genoma com consequentes rearranjos
cromossômicos com componentes adaptativos novos, ilustrando, de fato,
que a própria Natureza contém um propósito evolutivo. (GOULD, 1977)

Dentro de tais componentes, o cérebro é considerado o órgão mais


organizado dos organismos (“o órgão da Civiliação” para Vygotsky, 1930) e,
em termos evolutivos, o órgão por excelência para lidar intencionalmente
com o envolvimento.
É a especi cidade e a complexidade que o cérebro adquiriu ao longo da
sua interação histórico-evolutiva, desde o diminuto cérebro dos animais
mais simples ao cérebro humano hipercomplexo de cerca de 1.350 gramas,
atingido em apenas 10.000 anos em uma dimensão temporal calculada em
seis bilhões de anos, que se deve à grande aventura da evolução do ser
humano, considerado, para todos os efeitos, o verdadeiro “vertebrado
dominante”.

De acordo com Hubel (1979), o cérebro alarga-se progressivamente nos


vertebrados. Os vertebrados inferiores possuem cérebros pequenos
tubulares e lisos, mas as espécies superiores adquirem muitas
circunvoluções, e o cérebro tornase mais esférico, sobrepondo o cerebelo.

Fig. 5.29 - Ao longo da evolução, em termos relativos, o tamanho da face


diminui enquanto o tamanho do cérebro aumenta.

O Homem, produto da evolução, a meio caminho entre os deuses e os


animais, como assegurava Plotino, composto de cerca de 60.000 milhões de
células que cumprem cerca de 200 funções, tem nele impresso, em termos
darwinianos, “o cunho indelével da sua origem inferior”.

O Homem (fully upright tool-user, Simpson, 1973), como singular e


único entre os animais, verdadeiro explorador da Natureza, não só se adap‐
tou a todos os envolvimentos mas também produziu neles inúmeras
mudanças, transformando-os com a sua imaginação e com a sua
neomotricidade plani cada, pensada e baseada na bigorna da ex‐
perimentação, tendo acrescentado ao mundo natural um mundo
civilizacional. Dispondo de adaptações extragenéticas, isto é, aquisições
aprendidas de onde emerge a sua evolução cultural, segundo Sarnat e Netsky
(1981), o ser humano, pobre em instintos (evolução biológica) e rico em
plasticidade adaptativa, não está sujeito nem condenado a uma programação
inata.

O paradoxo do seu sucesso adaptativo não está em uma herança inata,


mas sim em uma herança adquirida, dado que as suas condutas são mais
condicionadas pelas respostas aprendidas por tradição, mediatização e
memória acumuladas, do que por reações predeterminadas. (MONTAGU,
1964, e FEUERSTEIN, 1984)

O Homem não aceitou o seu envolvimento inicial, ele mudou todos os


envolvimentos por onde passou e xou-se, por meio da sua motricidade
práxica. Com as suas invenções, refez, refaz e refará o seu envolvimento,
pondo em marcha uma evolução não biológica, mas sociocultural.

O Homem é eminentemente um ser exível, educável e sociável. A sua


biologia é insu ciente para explicar tudo aquilo que fez e faz, na medida em
que é, ao mesmo tempo, agente e produto de cultura.
Fig. 5.30 - A evolução biológica favoreceu o aumento do tamanho do
cérebro, e a evolução cultural, que se lhe seguiu, favoreceu a sua
complexidade funcional decorrente de inúmeras e novas interações com
o envolvimento.

Em sintese, a humanação (SACARRÃO, 1989) e a escalada do Homem


(BRONOWSKI, 1973) revelam que os seres humanos e os seus cérebros se
desenvolveram em paralelo.

Leroi-Gourhan (l964) e Pilbeam (1970) apresentam nesta linha de


pensamento uma hierarquização morfológico-motora dentro dos
vertebrados que re ete uma concomitante organização cerebral e, em certa
medida, uma paleontologia funcional da motricidade consubstanciada na
seguinte progressão:

• Ictiomorfismo (equilíbrio no meio aquático característico da


motricidade dos peixes);

-Anfibiomorfismo (libertação do meio aquático característico da


motricidade dos anfíbios);
• Sauromorfismo (libertação da cabeça característica da motricidade
dos répteis);

• Teromorfismo (locomoção quadrúpede característica dos mamíferos);

• Pitecomorfismo (quadrumania, braquiação e postura de sentado,


característica dos primatas); e nalmente

• Antropomorfismo (postura bípede e libertação da mão, característica


do ser humano).

Esta progressiva diferenciação funcional da motricidade (FONSECA,


1989) sugere não só a emergência de transformações anatômico-funcionais,
mas igualmente o surgimento de complexas transformações organizativas e
de sistemas funcionais cerebrais que são o corolário da evolução que vai do
peixe ao Homem. Nesta perspectiva, a evolução triunfante do cérebro
encontra-se imperiosamente dependente das libertações corporais, como
que pré- gurando um dado paleontológico de todos os vertebrados, isto é, a
evolução da motricidade precedeu a evolução dos sentidos e a evolução do
cérebro.

Por um lado, a complexidade da motricidade (output) e, por outro, a


complexidade da sensibilidade (input), ambas tendem, interativa e
dialeticamente, a ampliar em todos os vertebrados a capacidade de utilizar
os recursos ecológicos, originando, por consequência, um sistema
organizativo e elaborativo cada vez mais evoluído.

O registro fóssil dá-nos indicações de que todo o vertebrado, extinto ou


existente, do mar ou da terra, pode remontar aos peixes blindados de‐
nominados crossopterígeos (exemplo do Crossopterígeo latiméria
representante atual existente na África do Sul, revelando a transformação
adaptativa das barbatanas em patas primitivas, de onde saíram rami cações
dos primeiros anfíbios e dos primeiros répteis (LEROI-GOURHAN, 1964 e
LE GROS CLARK, 1971). Répteis mamiferiformes, desenvolvendo uma
postura soerguida, uma motricidade versátil que produz calor e sangue
quente e protegendo as crias com cuidados parentais, puseram em jogo uma
estratégia evolutiva para a manutenção da espécie muito bem aprendida pe‐
los mamíferos e pelos primatas.

Apesar da diversi cação evolutiva, os fósseis permitem desenhar as


especializações adaptativas estáveis e transicionais ao longo de grandes
períodos de tempo com base no carbono 14, no conteúdo de uorina e de
outros métodos so sticados de datação. Tais fragmentos distorcidos por
pressões ou fraturas que sugerem estruturas e totalidades esqueléticas das
partes duras (e, eventualmente, utensílios) possibilitam inferências e
eduções características das partes moles (cérebro), por serem evidências
singulares e registros (fóssil record) particulares da história da vida dos
vertebrados e da existência humana. (DUBOIS, 1937; BROCA, 1869;
HUXLEY, 1894; TEILHARD CHARDIN, 1959 e BRONOWSKI, 1973)

Os fósseis continuam sendo a visão dinâmica e plausível do passado,


como atesta a relevância dos achados de Dart (1925) e Broom (1938), com o
“bebê de Taung” (“Taungs baby”) e de Johanson e Schüster (1981), com os
fragmentos elucidativos das adaptações hominídeas de “Lucy”.

Haeckel, biólogo alemão, desenvolveu nos seus livros: Morfologia Geral


(1866) e História da Criação (1876) a loso a do progresso cósmico e a ideia
imprecisa, embora popularizada, de que a ontogênese recapitula a logênese
com base na embriologia. Nos nossos dias, Prechtl (1981) substitui o termo
“recapitula” por “revela”, dando outra transcendência ao fascínio da
reconstrução detalhada da história da vida.

Gould (1977), repensando estas teorias logenéticas, dá relevo a dois


conceitos fundamentais: heterocronia e paidomorfose. Na heterocronia, des‐
tacam-se as mudanças que se operam no tempo com a emergência de
caracteres e com uma periodicidade relativa de padrões de conduta já
existentes nos ascendentes. Quando à paidomorfose, evoca a importância de
traços jovens nos descendentes dos adultos, algo que, para o mesmo autor,
são demonstrativos de uma certa recapitulação que puxa por adaptações
adultas para os estágios progressivos ontogenéticos dos descendentes.
É hoje consensual no seio dos grandes teóricos do desenvolvimento
humano avançar-se, já que a ontogênese e a socialização estão fundidas na
realização do ser humano. A ontogênese traduz o conjunto de
transformações embrionárias e pósembrionárias pelas quais passa o
organismo vertebrado desde a fase do ovo até a forma adulta. (GOULD,
1977)

As mudanças evolutivas expressam-se na ontogenia e,


consequentemente, a informação logenética tem de residir no
desenvolvimento dos indivíduos. Para o mesmo autor, as mudanças evo‐
lutivas no tempo produzem paralelismos entre estágios ontogenéticos e
logenéticos.

A questão essencial é saber se a evolução ascende, logeneticamente ou


não, a partir do animal até o Homem. Uma vez que se torna impossível ter
acesso a este fenômeno, apenas podemos visualizar uma ocorrência similar
no estudo ontogenético.

Efetivamente, o Homem é o produto simultâneo do biológico e do


social, uma síntese dialética de natura e cultura, como nos elucidaram
Vygostky (1930) e Wallon (1968, 1970).

O ser humano nasce com um cérebro menor que muitos animais,


ilustrando uma tendência evolutiva deveras signi cativa (PEIPER, 1963).
Qual o signi cado logenético de se partir de uma inferioridade complexa?
Por que é que as novas faculdades se desenvolvem a partir das antigas e se
tornam rudimentares? Por que é que, do nascimento à vida adulta, o peso do
cérebro aumenta somente quatro vezes, quando o peso do corpo aumenta
cerca de 21 vezes durante o mesmo período? Por que é que somos uma
espécie que começa a andar em quatro membros, passamos a dois e
terminamos a andar em três?

EVOLUÇÃO DA MOTRICIDADE, EVOLUÇÃO DO CÉREBRO E


HABITAT ESPECÍFICO
O cérebro, como órgão central da motricidade (considerada
logenética e ontogeneticamente uma periferia dinâmica), é o mais
complicado objeto que ciência alguma vez tentou compreender.

O cérebro assegura em todos os vertebrados o deslocamento do seu


corpo no seu habitat especí co, ele é, em suma, o resultado da integração de
vários sistemas motores de complexidade gradual ao longo da evolução.

A natureza da sua totalidade integrativa reside na combinatória e na


transformação informática paralela entre o centro e a periferia, entre o
cérebro e a motricidade, o que subentende uma aferenciação e acepção de
retorno (ANOKHINE, 1935), que lhe dá em termos evolutivos uma
arquitetura cibernética, não linear, mas multirrami cada, cada vez mais
complexa, desde o An oxo até o Homem.

Neuroanatomistas, como Bourret e Louis (1983), enquadram a


evolução do cérebro em substratos neurológicos que são responsáveis por
diversos tipos de motricidade. Ao longo da evolução biológica, os músculos,
além de assegurarem a sobrevivência adaptativa em todas as espécies, ad‐
quiriram uma função adicional de transmissão de informação que está na
gênese do cérebro.

Ao contrário das outras espécies, o ser humano tem de aprender a


aperfeiçoar a maioria dos padrões motores onde o fator ecológico joga um
papel facilitador relevante.

A emergência do sistema piramidal (vias corticoespinais, oriundas do


córtex motor e também do córtex sensorial-parietal) e da área suplementar
motora que proporcionaram a motricidade precisa, delicada, seletiva,
construtiva, intencional, plani cada e transformadora, decorre,
efetivamente, da mais viável organização e controle informático-sensorial da
musculatura de relação, cujas unidades motoras são altamente
individualizadas e diferenciadas neurologicamente. Só assim o cérebro
humano se tornou logeneticamente em um miraculoso sistema total
sensório-motor com ilimitados graus de liberdade.
Para os mesmos autores, a hierarquia ou a integração funcional do
cérebro re ete uma organização (evolução ou dissolução de H.Jackson,
1931) pleurineuronal da motricidade, desde a protomotricidade à
neomotricidade, passando pela arqueomotricidade e pela paleomotricidade:

• Protomotricidade (subentendendo os substratos da medula e do


tronco cerebral com o protocerebelo e os tubérculos quadrigêmios,
já inerentes aos peixes);

• Arqueomotricidade (subentendendo o substrato do mesencéfalo,


característico dos anfíbios e dos répteis);

• Paleomotricidade (subentendendo o substrato do diencéfalo, com


elementos mais integrados e afetivos, com reações emocionais,
instintos de conservação e de reprodução já característicos dos
mamíferos e dos primatas); e nalmente

• Neomotricidade (subentendendo centros quinéticos corticais e


neocerebelosos de comando mais evoluídos, com funções
gnosopsíquicas e áreas motoras suplementares, características
exclusivas da espécie humana).

A neomotricidade, paradigmática da espécie humana, disfuncional no


momento do seu nascimento, não é mais do que uma metamotricidade por‐
tadora de signi cações que a ultrapassam e transcendem, pois trata-se de
um sistema funcional novo com múltiplos processos motores
hierarquizados, integrados e convergentes (GREENE, 1972), que exige uma
tomada de consciência (uma vontade) e um sistema de representações, isto
é, um salto quântico nos sistemas de signi cantes cujas amplitude e
complexidade são desconhecidas na motricidade animal. (FONSECA, 1989)

O ser humano com a sua motricidade pensante serve-se da


motricidade dos animais, aproveitando as suas funções e atributos para seu
proveito próprio, dando origem a um desenvolvimento cultural
incomparável (HASS, 1987). Com o seu corpo natural, inventou e fabricou
corpos arti ciais, adquirindo órgãos muito especializados que trabalham
por ele com mais rendimento e e cácia.
Os paleontologistas nunca o esqueceram — a motricidade é um traço
signi cativo e crucial da evolução do peixe ao Homem. (PIVETEAU, 1973)

A motricidade é logenética e ontogeneticamente um fator


determinante da evolução e, por alguma razão, à área 4 (córtex motor)
vieram juntar-se as áreas 6, 8 e 9 (córtex pré-motor), com consequente
expansão do lobo frontal em territórios não motores, mas pré-motores ou
paramotores, substratos de integração práxica e de plani cação motora, com
expansão nas áreas 37, 39, 40, 44, 45 e 46, que constituem também as áreas
receptivas e oromotoras indispensáveis à linguagem e que são únicas da
espécie humana.

Fig. 5.31 - A expansão das áreas pré-motoras ou psicomotoras (áreas 6, 8


e 9) e da linguagem (37, 39, 40, 44, 45 e 46) são únicas da espécie
humana.

A expansão da máteria cinzenta no lobo frontal marca a evolução do


Homem de Neanderthal ao Homem Moderno (JASTROW, 1987), onde resi‐
dem os domínios mais criativos da cognição, como a música, a arte e a
ciência, dado que neles estão centrados sistemas funcionais conectados com
todas as unidades funcionais, quer do tronco cerebral, quer dos outros
lobos, e especialmente dedicados à atenção voluntária e hipervigilância, à
expressão de afetos e de emoções, bem como a comportamentos superiores
de regulação e controle de condutas. (DAMÁSIO, 1979 e LURIA, 1966)

O cérebro humano atingiu a máxima separação estrutural e temporal,


entre o estímulo e a resposta, entre as gnósias (“imagens motoras” de
Bernstein, 1967) e as praxias, inibindo a impulsividade motora, por ação de
uma complexa cadeia de decisões, pois transcendeu em muito a atividade
re exa, na medida em que complexi cou a sua organização interna,
conferindo à motricidade uma elaboração psíquica superior e uma função
vicariada e complexa do pensamento. As síndromes disfuncionais frontais
são, portanto, uma demonstração inequívoca. O paciente perde a capacidade
de elaborar respostas a situações envolvimentais complexas, como se
revelam nos casos clínicos de apraxia ideacional e quinética. (DENNY-
BROWN, 1966)

A perda da sutileza, da plasticidade e da programação da motricidade


são também conhecidas nas crianças como lesões ou disfunções cerebrais
mínimas, clinicamente diagnosticadas como dispraxias, com ou sem
di culdades de aprendizagem associadas (FONSECA, 1984). Com apraxias
ou dispraxias, o Homem Moderno não teria transformado a Natureza,
adaptando-a às suas necessidades.

Da metamerização dos vertebrados inferiores, atinge-se um sistema


coerente com vias ascendentes, centrípetas e aferentes — sensoriais — e,
com vias descendentes, centrífugas e eferentes — motoras — onde os
sistemas superiores emergem — centros tectais e sobrepõem-se aos
precedentes, duplicando-os e passando a controlá-los, depois de assumirem
novas propriedades e atributos funcionais. (JACKSON, 1931)

As pressões seletiva e adaptativa (reaplicação preferencial) são exercidas


dos peixes aos cordatos (corda no dorso), de onde emergem os répteis,
primeiros vertebrados reinantes antes do Homem com o domínio dos
Dinossauros (dino do grego terrível, e sauros que signi ca lagartos),
enormes animais com grandes corpos e pequenos cérebros como o é o
exemplo dos Supersauros com um cérebro de 1kg e meio e 100 toneladas de
peso, daí o seu comportamento tão estereotipado, automático e
ininteligente, com um repertório de comportamentos pouco exível, pois a
maior parte dele estava hipotecada ao controle do corpo, nada restando de
massa cinzenta para a memória, para a plani cação e para a aprendizagem,
vantagens evolutivas que se desenvolveram nos primeiros mamíferos de
pequeno porte, com uma motricidade mais adaptada às mudanças
ecológicas.

Corpos pequenos, facilmente deslocáveis, dispondo de uma


motricidade plástica, com um metabolismo de sangue quente, assimilando
tais sinergias, sobreviveram às inclemências do meio. Os mamíferos com os
seus cérebros grandes, certamente que dotados de exibilidade adaptativa,
conseguiram os primeiros passos de uma motricidade inteligente.

O cérebro atua no corpo e na motricidade por meio de uma interação


dialética com os recursos envolvimentais (habitat) especí cos de cada
vertebrado.

São essa complexidade progressiva e essa acumulação contínua de


inúmeros aperfeiçoamentos sinergéticos dos vertebrados, que estuda a
paleoneurologia, que nos permitem abordar a reconstituição do cérebro nos
vários vertebrados, inclusive no do Homem.

Com o surgimento dos primeiros modelos fósseis endocranianos


(endocastos), contendo informações preciosas sobre os acidentes internos do
crânio, para além da localização e da inserção das artérias, dãonos indícios
sobre o tamanho e as áreas especí cas do cérebro dos nossos antepassados,
pode-se contatar qual o tipo de evolução que a motricidade sofreu e inferir
isto das suas relações com a origem e a evolução da inteligência, isto é, com
os poderes que residem no cérebro e que fazem do Homem um animal
diferente de todos os outros.Em síntese, a evolução do Homem não se
concebe sem a evolução da motricidade.

Tal computação antecipada da resposta vai ligando inputs sensoriais e


outputs motores, à medida que o Homem se torna mais ativo e mais cons‐
ciente das circunstâncias da sua motricidade e, por inerência, mais
consciência de si próprio — paradigma da somatognósia, exclusivo da
espécie humana. Esta tomada de consciência subjetiva e intrapessoal, de que
existe um mundo inanimado, é uma vantagem evolutiva incalculável, não só
para o uso de praxias mas igualmente para a apropriação e a assimilação de
processos intersubjetivos e sociais de comunicação e de aprendizagem,
processos esses que são, logenética e ontonegeticamente, inseparáveis da
evolução da inteligência humana.

PRINCIPAIS ADAPTAÇÕES HOMINÍDEAS

O estudo da mais importante etapa da logênese, ou seja, o


antropomorfismo, leva-nos à análise comparativa morfofuncional entre os
grandes símios e os Hominídeos que dominam de nitivamente a postura
vertical bípede.

Tal caráter singular na evolução da Humanidade, que nos conduziu à


libertação das mãos, há muito usadas na braquiação, e à reespecialização dos
pés, vai permitir o uso e a invenção de instrumentos e ferramentas (tools),
fator estimulador imprescindível do desenvolvimento do cérebro, por meio
de processos e circuitos de retroalimentação e de associação polissensorial:
uma inteligência superior produziu melhores ferramentas, mas o uso mais
frequente dessas ferramentas levou, igualmente, a uma inteligência superior.

A evolução do Homem, como temos abordado, é inseparável da


evolução da sua motricidade e do seu cérebro, ambos tributários de liberta‐
ções anatômicas, que abriram, por meio da motricidade, o caminho e o
acesso a novos sistemas funcionais cerebrais.

A circunstância de os primatas se terem adaptado ao longo da evolução


a um habitat especí co, como a árvore, levou a inúmeras mudanças
morfofuncionais que lhe conferiram signi cativos benefícios adaptativos.
(BOWLER, 1986; OAKLEY, 1968; SIMPSON, 1971; SIMONS, 1972 e LE
GROS CLARK, 1972)

A motricidade arborial é responsável por múltiplas tendências


evolutivas, das quais se destacam as seguintes:
1. desenvolvimento das extremidades como órgãos de preensão e de
exploração;

2. modi cações estruturais na dentição e alterações na dieta;

3. complexidade na integração e associação interneurossensorial;

4. postura bípede e mudanças no esqueleto pós-craniano;

5. evolução cultural e desenvolvimento do cérebro como órgão de


comunicação e de aprendizagem.

Centraremo-nos apenas na análise da última tendência evolutiva.

EVOLUÇÃO CULTURAL E DESENVOLVIMENTO DO CÉREBRO


COMO ÓRGÃO DE COMUNICAÇÃO E APRENDIZAGEM

O desenvolvimento do cérebro decorre logeneticamente da síntese


integrada e sistêmica de todas as adaptações hominídeas que temos anali‐
sado, uma síntese evolutiva triunfante que só é possível de se equacionar e
concretizar em um contexto histórico-social.

A transformação do mundo exterior que o Homo Sapiens foi capaz de


desencadear e produzir com a sua motricidade construtiva, sequencializada
e mediatizada pelos instrumentos, que ele próprio imaginou, criou e
utilizou, está na base da construção da sua consciência, verdadeiro substrato
do desenvolvimento do cérebro e, para Popper (1977), isto é um verdadeiro
mistério, só comparável ao da origem da vida.

A consciência emergida da ação causal e interiormente imaginada


desprendeu-se, biologicamente, para obedecer a novas leis e propriedades
que estão na origem do trabalho e da formação das funções mentais
superiores que marcam de nitivamente a evolução sociocultural. Encarada
neste contexto, a consciência tem uma gênese social, e não meramente uma
gênese solipsista.
Em Vygotsky (1987), a consciência não é mais do que o “contato social
consigo mesmo”, ela sai fora dos limites do subjetivo e de uma explicação
biológica reducionista, para se projetar nas formas objetivas da vida social e
da relação do homem com a natureza.

A consciência, pressupondo uma evolução do cérebro, emerge como


processo e como produção da ação, isto é, da motricidade concebida como
disposição de repertórios para ações e reações mentais que resultaram das
variadas pressões seletivas. A evolução da motricidade pode ser
neodarwinianamente explicada como luta pela vida, com efeitos
multissensoriais competitivos de retroalimentação, selecionados e
integrados neurologicamente, que conduziram o cérebro aos níveis de
regulação e conscientização mais elevados.

A evolução de formas superiores de vida decorreu de processos


intencionais que irradiaram funcionalmente da neomotricidade
instrumental e modi cabilizadora do envolvimento (criação de uma cultura
material), que dialeticamente assumiu uma nova signi cação ecológica e
uma produção plástica de novas adaptações de comunicação e de
aprendizagem (criação de uma consciência interior), o que, em si, torna
mais compreensível a emergência da própria consciência humana.

A consciência (espaço mental, interior) tem a sua raiz no “espaço


exterior”, na relação com os objetos e com os outros, ou seja, nas condições
objetivas da vida social. Primeiro é interpsicológica e depois intrapsicológica,
algo que se evidencie e testemunha em termos logenéticos e ontogenéticos.

A motricidade intencional e construtiva desencadeadora de tais


relações re ete-se e duplicase sobre os objetos sociais e, ao interiorizar-se
sobre a forma de sistemas funcionais de autorregulação, modi ca
intrinsecamente a própria estrutura do cérebro e está na gênese das suas
funções mentais superiores.

As ditas funções mentais superiores não têm só uma origem natural,


têm também, antes de tudo, uma origem histórico-social, por consequência,
uma origem nas relações entre seres humanos (LURIA, 1980). Como
assegura o pensamento vygotskiano, o desenvolvimento de funções mentais
superiores, e por inerência o desenvolvimento do cérebro, implica a
interiorização dos processos de socialização.

Com a possibilidade conferida pela mão, como periférico inteligente do


cérebro, a fabricação de utensílios e instrumentos abriu a porta à fabricação
de uma cultura, como corolário de um sistema de transformação do meio.

O cérebro maior do Homo Erectus (cerca de 900 a 1.100 gramas) em


comparação com o Homo Habilis (cerca de 700 gramas), ilustra claramente a
evolução cultural, embora lenta e demorada, que os separa, a avaliar pelos
legados fósseis disponíveis. Da mesma forma, a superioridade do Homo
Sapiens (cerca de 1.500 gramas) sobre o Homo Erectus re ete uma evolução
cultural, aqui extraordinariamente rápida, considerando os produtos
culturais que ambos deixaram na sua história evolutiva. (ECCLES, 1979)

Na tentativa de ilustrar vários índices de progressão cerebral nos


primatas, este mesmo autor vai ao ponto de comparar os substratos neu‐
rológicos, pondo em evidência o elevado índice do neocórtex, do
hipocampo e dos lobos frontal, pariento-occipital e temporal (áreas de
transmissão e associação hiperatro adas) e o baixo índice do bulbo olfativo.

A plani cação da ação (planificação motora) está certamente associada


à existência de maior matéria cinzenta no Homem Moderno do que no
Homem de Neanderthal (JASTROW, 1987), na parte anterior do cérebro —
o lobo frontal — considerada a terceira unidade funcional luriana,
responsável pela organização da atividade consciente, por

programação, regulação e veri cação da atividade, atributos e


propriedades excelsas da motricidade humana, que estão na origem da capa‐
cidade criativa do pensamento e na base da evolução cultural ( g. 5.32).
Fig. 5.32 - O Homem Moderno, ao contrário do Neanderthal, com a
expansão do lobo frontal alcançou uma motricidade plani cada,
regulada e hipercontrolada que está na base da sua maior criatividade e
inovação cultural.

Efetivamente, a motricidade instrumental explica, em parte, por que a


expansão do lobo frontal está interligada à evolução cultural, uma vez que o
córtex motor associativo (em analogia e em interligação com o córtex
sensorial associativo) com tão importantes funções de plani cação e de
programação e sub-rotinas motoras só pode ser compreendido no contexto
do trabalho, onde se tem de conjugar funcionalmente: estratégias
perceptivas, aquisições cognitivas e orquestrações de controle no de
automatismos motores disponíveis.

O trabalho considerado gerador de riqueza coletiva é também


dialeticamente gerador de riqueza individual, uma vez que ele está na
origem da emergência da inteligência, pois tornou possível o aparecimento
de novas regiões no córtex. Com ele, o ser humano expandiu as áreas associ‐
ativas, desenvolveu a memória, revolucionou os seus estilos de vida, indaviu
e pisou novos horizontes e novos nichos ecológicos, adaptando-se a novos
envolvimentos climáticos, ocupou-se em manifestações estéticas e lúdicas,
treinou habilidades até a exaustão, perenizou formas de comunicação
gestual e verbal, plani cou novas formas de aprendizagem, em uma palavra,
transcendeuse culturalmente.

Como adianta Tobias (1971), a evolução cultural é incompreensível


sem o desenvolvimento do cérebro, e as suas modi cações mútuas são
logenética e ontogeneticamente indissociáveis, na medida em que a
sobrevivência passou a ser subordinada à cultura.

Ao aumento do peso do cérebro, correspondeu um aumento de


complexidade da organização neuronal e das funções mentais superiores,
daí emergindo uma diversi cação de repertórios de comunicação e de
aprendizagem que produziram manifestações culturais cada vez mais am‐
pli cadas e enriquecidas.

Com esta organização funcional complexa, o carnívoro social


desenvolveu a sociedade de caçadores e de recoletores, de trabalhadores e
inventores, em cuja atividade cooperativa e contato colaborial se tem de
perspectivar os primórdios da sua evolução cultural. Tais atividades de
origem social implicaram outras tantas competências sociais, como, por
exemplo, a coesão, a reciprocidade, a liderança, o altruísmo, a repartição dos
produtos capturados, a conservação de estratégias e táticas de ataque e
defesa, a atividade sexual contínua, a divisão sexual do trabalho, a criação de
grupos e famílias, as formas de acasalamento, as normas de protoincesto e
de incesto, os sentimento de culpa, valores e regras, costumes e códigos,
tabus etc., no fundo, resultaram em mais experiência e em mais
aprendizagem. (BOAS, 1965)

Este contato social interativo resultante do trabalho e da caça, inevitável


na espécie humana, uma quase condenação à comunicação a que nenhum
elemento de uma comunidade pode fugir, está na origem da sua
consciência. Os instrumentos criados pela mão do Homem transformaram-
se em signos e em símbolos, que alteram radicalmente as relações dele com o
mundo exterior, com os outros e com ele próprio.
Nesta ótica, a conduta instrumental (VYGOTSKY, 1977) dá à evolução
cultural uma outra transcendência, pois nem considera o Homem um
re exo passivo do meio nem um espírito prévio ou apriorístico.

O Homem e, consequentemente, o desenvolvimento do seu cérebro


resultam de uma nova relação e de uma mais ampla e complexa interação
com o meio ambiente, que o instrumento intrinsecamente provoca, um
sistema funcional complexo, não só entre a mão e o cérebro (componente
biológico) mas também entre o Homem e o seu contexto histórico-social
(componente cultural). Na primeira relação, a mão revelou-se criadora de
utensílios e o cérebro conceptor e organizador deles, a mão aperfeiçoou-se
gradualmente, graças ao cérebro e vice-versa (CLARKE, 1980); na segunda
relação, o fabricar e o pensar a ele inerente tornam-se um requisito da
comunicação, o que acarreta indubitavelmente uma fonte inesgotável de
interações sociais. (VYGOTSKY, 1977)

A interiorização dos instrumentos e das ações a eles cometidas gerou


uma sintaxe de regulação externa e interna que está implicada na expansão
do cérebro. Tal interiorização produz uma autorregulação que não se pode
reduzir ao aumento de super cie cerebral.

A complexidade informática, intraneurossensorial e


interneurossensorial, intra-hemisférica e inter-hemisférica só pode ser
entendida em termos de pressões evolutivas e competências de sobrevivência,
onde o trabalho, o domínio do fogo, a fabricação de utensílios e de
ferramentas, as estratégias de caça, a expulsão de ocupantes indesejáveis, a
curiosidade, o comportamento exploratório ativo etc., em si e na sua
interação biossocial, atingiram um signi cado de grande transcendência
extrabiológica.

Mais tarde, outras competências culturais adicionais, como a conversão


da linguagem falada em escrita, a agricultura, a domesticação de animais, a
conservação de alimentos e de água, a construção de habitações e de
vestuário, os mitos, a tecnologia, a arte, a escrita, a organização social etc.,
no seu todo, expandiram o volume de experiências e de conhecimentos
naturalmente concomitantes com as mudanças evolutivas forjadas pela
seleção natural e culminadas no desenvolvimento do cérebro.

O cérebro, como sistema composto de várias regiões que intervieram


de forma diferente e distinta no decurso da evolução, dispõe hoje de cerca
de 10 elevado a 14a de neurônios, cada um deles dispondo de milhares de
conexões com outros neurônios, número incomensurável de células
cerebrais só possível porque, em 10 milhões de anos, desde o Dryopitecos
(ECCLES, 1978) até aos nossos dias, o cérebro se distinguiu como o órgão
mais organizado do organismo e como o órgão de comunicação e de
aprendizagem.

Não é, portanto, o tamanho do cérebro a melhor medida de capacidade


cerebral, porque, neste parâmetro, o ser humano é ultrapassado pelo elefante
e a baleia azul (GRANT, 1977). O que conta é essencialmente a
complexidade dos circuitos internos, as conexões sinápticas, a organização
das regiões subcorticais e corticais, as constelações dos sistemas funcionais,
ou seja, a emergência de novos substratos neurológicos resultantes da evo‐
lução cultural. Cada nova aprendizagem implica um novo sistema funcional,
que, por sua vez, tem de ser integrado centralmente no sistema nervoso, daí
surgindo um cérebro mais alargado e complexo funcionalmente. (TOBIAS,
1971)

Com base nos vestígios fósseis, o desenvolvimento do cérebro do Homo


Habilis (590- 700g) e, nalmente, do Homo Sapiens (1.150- 1.550g) retrata
uma evolução no cérebro e também uma evolução cultural, independente‐
mente de todos terem sensivelmente o mesmo tamanho do corpo.

A transcendência da evolução biológica para a evolução cultural é


exclusivamente humana, uma vez que a cultura é produto do Homem, algo
inacessível ao animal. De um mundo de objetos criados pelo Homem,
passou-se a um mundo mais complexo de conscientização subjetiva deles
emergida pela sua imaginação e utilização, culminando, posteriormente, em
um novo mundo de conhecimentos objetivos e de sistemas teóricos (os três
mundos de Popper, 1977), cuja informação conservada e preservada ao
longo das gerações consubstancia a história da civilização. Todos os
testemunhos da criatividade humana têm a sua sede na comunicação e na
aprendizagem, funções psíquicas superiores que são o resultado de uma
organização neuronal única e singular.

Do Paleolítico ao Mesolítico, a superioridade, a perfeição e a precisão


dos instrumentos de pedra, osso e madeira estão na base de uma mais e caz
cooperação grupal, como estão na base de uma mais delicada e elaborada
motricidade construtiva, cujas performances técnicas acrescidas estão
implicitamente relacionadas com o desenvolvimento do cérebro,
desenvolvimento de tipo quântico e inultrapassável, quando o Homo Sapiens
se superou ao Homo Erectus pelo recurso à linguagem e ao pensamento.

O aperfeiçoamento da caça, da habilitação, do vestuário, da agricultura,


da domesticação de animais, da repartição da riqueza etc. decorre de formas
de comunicação mais diversi cadas, quer receptivas, quer expressivas, algo
que indica a invenção do símbolo e a emergência de valores que vão dar ao
Homem o poder incomensurável de controlar e explorar o mundo biológico
terrestre, de tal forma que a evolução biológica cedeu o passo à evolução
cultural.

Maclean (1978) sugere que a evolução do cérebro é o resultado de três


cérebros. O cérebro humano evidencia a evolutiva integração de três
cérebros em um, três cérebros diferentes na sua estrutura e na sua química
— o cérebro triúnico.

A triunicidade anatômica que apresenta a unidade funcional do


cérebro humano, emergente de três ordenadores biológicos distintos, cada um
deles integrando um passado vivido evolutivamente em função de um
futuro projetado, cada um com a sua própria inteligência, com a sua própria
motricidade, com o seu espaço e tempo e com a sua memória.

O cérebro triúnico humano é na realidade composto por três cérebros,


logenética e o ontogeneticamente, embutidos e sobrepostos: o reptiliano, o
paleomamífero e o neomamífero ( g. 5.33).
F’ig. 5.33 - O cérebro triúnico ilustra a evolução ( logenética e
ontogenética) que se inicia nos re exos, passa pelas emoções e termina
nos símbolos.

O cérebro reptiliano, mais antigo e composto por tronco cerebral,


mesencéfalo, gânglios da base, grande parte do hipotálamo e sistema
reticulado de ativação, parece conter para o mesmo autor o saber ancestral
da espécie, pois trata das funções vitais, das condutas de sobrevivência e da
inteligência biológica e sensório-motora, visualizando o desenvolvimento
neurológico intrauterino, desde o sétimo mês até ao nascimento. O cérebro
paleomamífero, velho cérebro mamífero que contém o sistema límbico,
delimitado pelo gírus cingular e pelo gírus hipocâmpico, processador da
autoconservação, das emoções básicas e especí cas e controlador do sistema
nervoso autônomo, parece gerir a inteligência afetiva e sensório-motora,
característica do desenvolvimento neurológico desde o período neonatal até
por volta dos 14 meses. Por último, o cérebro neomamífero, mais recente
evolutivamente e característico do primata e do Homo Sapiens, constitui o
neocórtex, a calote pensante, o centro das funções superiores de
comunicação e de aprendizagem não simbólica e, posteriormente,
simbólica, ou seja, a sede da inteligência préoperacional, operacional e
formal.
O Reptiliano assegura a vida vegetativa e um inúmero conjunto de
funções que a espécie humana desfruta com as outras espécies, como
respirar, eliminar, comer etc., além de garantir a conservação térmica, a
evocação dos instintos e das rotinas adaptativas mais rígidas, xas e
esterotipadas, as isopraxias e as imitações tônicas e ritualizadas, onde se
destaca sensorialmente o olfato como sistema de orientação, cuja analogia
com as formas mais severas de de ciência mental e de autismo é possível de
serem visualizadas.

O Paleomamífero garante outro tipo de padrões adaptativos mais


complexos e inerentes aos mamíferos, como, por exemplo, a proteção das
crias; as estratégias de reciprocidade, segurança e con ança; os estados
antagônicos de prazer e desprazer, fulgor e medo, recompensa e punição,
espera e realização, sociabilização e a rmação etc.; as emoções
diferenciadas; as miradas; as mímicas de satisfação; os sorrisos; as
agressividades; as imitações diferidas; a comunicação não verbal; o orgulho;
o ciúme; os esquemas de ação e de representação mais simples etc.
enunciam uma complexa rede de competências sociais de comunicação, cu‐
jas disfunções são possíveis de detectar nas de ciências mentais treináveis e
educáveis.

Destaca-se, no contexto evolutivo inerente ao sistema límbico, a grande


importância e implicação que tem a proteção das crias mamíferas, que, ao
contrário dos répteis, zelam e cuidam pela segurança dos descendentes
indefesos e vulneráveis. Tal imprinting afetivo, verdadeiramente transcende
na espécie humana, consubstancia um vínculo entre mãe e lho profundo e
não efêmero, quente e não frio, intencional e não negligente, interativo e não
passivo, que teve uma repercussão extremamente relevante no
desenvolvimento do gênero Homo. O avanço da evolução cultural do ser
humano está associado a uma longa dependência maternal e a um longo
período de aprendizagem precoce. A sua imaturidade biológica inicial,
decorrente da incompatibilidade fetopélvica, já abordada anteriormente, é
compensada com uma longa mediatização sociocultural, onde as
competências de comunicação e de aprendizagem vão ter lugar.
O Neomamífero gera as funções de aprendizagem mais diferenciadas
que os seres humanos só desfrutam com outros elementos da mesma es‐
pécie, trata-se da necessidade da razão, da utilidade e da precisão, da
multiplicidade de motivações, da capacidade construtiva, da fabricação de
instrumentos, da interação intencional, do autocontrole e da
autossu ciência, da autocon ança, da aprendizagem de estratégias de caça e
de pesca, da emergência do pensamento mágico e mítico, do de‐
senvolvimento do pensamento lógico e da consciência moral, do surgimento
do pensamento operacional e formal, isto é, do acesso ao incrível volume de
conhecimento que traduz a extraordinária evolução cultural da espécie
humana. Em síntese, para Maclean (1978), parece que os três cérebros se in‐
tegram, vertical e sucessivamente, uns nos outros ao longo da evolução.Da
evolução biológica à evolução cultural, do inato ao aprendido, dos re exos à
re exão etc., o desenvolvimento do cérebro, à luz da concepção
macleaniana, materializa esta transição quando parte dos reflexos, passa
pelas emoções e atinge os símbolos.

Independentemente de o tamanho do cérebro humano não ter mudado


nos últimos 50.000 anos, onde se operou o re namento do Homo Sapiens
Sapiens, depois de ter alargado excepcionalmente em 500.000 anos do Homo
Erectus ao Sapiens (METTLER, 1955), parece que a sua organização
neuronal não pôde evitar tal tendência, sugerindo efetivamente que a
evolução biológica do cérebro do Homem está no m, considerando que as
pressões seletivas foram eliminadas pela observância de um “estado de bem-
estar”. (SARNAT e NETSKY, 1981)

Apesar da enteléquia da evolução biológica do cérebro como órgão de


comunicação e de aprendizagem, subsistem enormes e chocantes
discrepâncias de evolução social, cultural e tecnológica em muitos povos na
face do nosso planeta. A grande ameaça ao desenvolvimento total do
Homem, onde a evolução cultural possa atingir o esplendor da evolução
biológica, persiste, sendo o próprio Homem.

AS GRANDES CONQUISTAS DA ESPÉCIE HUMANA


Em síntese, as grandes conquistas da espécie humana, consideradas
como produto nal das tendências filogenéticas que acabamos de
problematizar, podem ser resumidas nos seguintes sistemas funcionais
ontogenéticos que constituem a hierarquia da motricidade humana:

• Postura Bípede (macromotricidade);

• Praxia e Visão Binocular (micromitricidade); Linguagem Falada


(oromotricidade); Linguagem Escrita (grafomotricidade);

• Cultura Social Complexa (sociomotricidade).

O resumo da História Natural da Espécie Humana que sintetizamos


nas tendências filogenéticas, tentando redesenhar os processos evolutivo-
adaptativos e as circunstâncias envolvimentais, onde elas ocorreram, em
uma perspectiva dialógica entre o “normal” e o “desviante”, é o cenário de
fundo onde decorrerá o desenvolvimento das tendências ontogenéticas e a
emergência da personalidade única, evolutiva e holística que é cada criança,
na medida em que ela só pode ser compreendida quando reconhecemos que
o seu futuro revela um passado.

O desenvolvimento ontogenético revela efetivamente, em termos


neuropsicomotores, a sinopse logenética que tentamos ilustrar
dialogicamente. Apesar de a criança poder ser considerada o pai do adulto,
em termos logenéticos e ontogenéticos, o seu desenvolvimento completo e
total é, em síntese, uma integração exível, versátil e plástica de conquistas
que se vão adquirindo em um longo processo evolutivo inserido em uma
multiplicidade de ecossistemas biopsicossociais (BRONFEN- BRENNER,
1977). Por esse fato, não pode ser considerada uma de ciente motora aos
oito meses por não andar, nem ser considerada uma afásica aos doze meses
por não falar.

O desenvolvimento neuropsicomotor surge só quando interage com um


envolvimento apropriado. Se uma criança for criada com primatas, ela
nunca aprenderá a falar — paradigma das crianças selvagens.
O desenvolvimento neuropsicomotor da criança é o produto nal de
vários fatores neurobiológicos: mielinização, crescimento dentrítico, cres‐
cimento dos corpos celulares, estabelecimento de circuitos interneuronais e
muitos outros eventos bioquímicos, mas eles só se complexi cam em um
envolvimento humano e cultural.

Substratos neurológicos (componente biológico) e envolvimento


facilitador e mediatizador (componente cultural) têm de reciprocamente in‐
teragir de forma que os processos transientes da comunicação e da
aprendizagem possam surgir de acordo com uma hierarquia, logenética e
ontogeneticamente, pré-estruturada (Fig. 5.34).c

Fig. 5.34 - O córtex associativo frontal (F), parietal (P) e temporal (T)
desenvolve-se preferencialmente no período pós-natal onde ocorre a
ontogênese da comunicação e da aprendizagem. Os territórios
llogenéticos mais recentes (a pontilhada), ligados por longos circuitos
intra-hemisféricos e inter-hemisféricos (<->) estão na base das grandes
conquistas da espécie humana, conquistas essas que a criança tem de
integrar pelo processo ativo e interativo da aprendizagem.

Para se apropriar da cultura social envolvente, a criança necesista de


mediatização adequada, pois, só com ela, pode-se desenvolver e organizar a
sua ontogênese cerebral, vertical e ascendente, como sugere Luria (1980).

Primeiro, desenvolverá a unidade de vigilância responsável pela


tonicidade postural e atencional, consubstanciando a conquista
proprioceptiva e vestibular da postura bípede, a segurança gravitacional e o
conforto tátil a ela inerente.

Posteriormente, será a vez das áreas sensoriais e motoras primárias com


que manipulará, com a praxia na e a visão binocular, o envolvimento
objetal e afetivo, apropriando-se de uma noção do corpo e de uma
estabilidade emocional e interativa que culminam na ontogênese da
comunicação não verbal.

Em seguida, com o desenvolvimento das áreas sensoriais e motoras


secundárias atingirá a linguagem falada oromotora e o sistema viso-motor
com que iniciará a ontogênese da comunicação verbal e viso-espacial. Com
o desenvolvimento das áreas sensoriais terciárias, adquire a autocon ança, a
autoestima e o autocontrole com que demonstrará capacidades de
organização gnósica, lúdica e interacional.

Por último, como que conquistando a plataforma para a evolução


cultural, com o desenvolvimento das áreas motoras terciárias de planificação
préfrontal, conquista a linguagem escrita, a capacidade de pensamento e de
raciocínio, a concentração e a especialização do corpo e do cérebro, para se
orientar cognitivamente no sentido da aprendizagem de uma cultura social
complexa.

Com base no desenvolvimento neuropsicomotor, cujos abstratos


neurobiológicos refundem as tendências logenéticas e ontogenéticas, a cri‐
ança transforma-se em um ator social. A sua ontogênese total resultará,
portanto, da interação dinâmica e perpétua entre a natura e a cultura.

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PARTE 2

ONTOGÊNESE DA MOTRICIDADE
-6-

Abordagem Ontogenética

A ONTOGÊNESE DA ONTOGÊNESE

Antes de iniciar a ontogênese da motricidade, convém não esquecer de


que ela decorre de um processo embrionário complexo, ou melhor, de um
desenvolvimento intrauterino. Não desejando aprofundar o tema, parece-me
fundamental avançar com algumas generalidades, pois, desta forma, e por
meio da embriologia, podemos compreender o sentido biológico e dinâmico
da recapitulação logenética da ontogênese.

As origens do comportamento humano, e por conseguinte da ontogênese


da motricidade, encontram-se na embriologia e na neonatologia. Daí a
importância dos estudos da concepção, fecundação, nidação e gestação do
zigoto, por onde um ser humano, único e determinado, começa a sua vida.

O nascimento da vida humana dá-se a partir do momento em que duas


células sexuais incompletas — o óvulo da mãe e o espermatozoide do pai — se
juntam em uma célula, denominada zigoto, contendo a informação genética
que determinará o crescimento pré-natal, bem como todo o crescimento
morfológico que se prolongará preferencialmente até por volta de 15 a 16 anos
de idade.
É óbvio que, se nestas mudanças de forma continuassem na proporção
do crescimento prénatal, o ser humano seria muito diferente.

A célula inicial (do tamanho de cabeça de um al nete) mede cerca de


dois décimos de milímetro e pesa seis décimos de miligrama. Nove meses
depois, o crescimento ponderal aumentou 500.000.00% e o crescimento
estatural 250.000%. O recém-nascido tem em média 50cm de estatura, 3.000g
de peso e 35cm de perímetro cefálico.

É esta ontogênese da forma que a embriologia procura estudar. A


embriologia permite o estudo sistemático que é minucioso dos estados
ontogenéticos do crescimento. Crescimento este que, por de nição, deve ser
entendido como irregular, assíncrono, diferenciado e hierarquizado.

A embriologia compreende, portanto, o estudo do desenvolvimento


humano, quer nos aspectos morfológicos, quer nos aspectos químicos e
siológicos. Para Darwin, o embrião “é o representante mais ou menos
obscuro dos antepassados de quaisquer membros da mesma classe”. Porque a
embriologia empresta uma signi cativa clari cação ao problema
logêneseontogênese, tentamos integrá-la neste nosso ensaio psicobiológico.
Fig. 6.1 - O nascimento da vida humana emerge da informação genética e
decorre de um processo embrionário muito complexo.

A embriologia visa ao estudo da organização, estruturação e função da


morfologia somática e da energia dos agentes genéticos de crescimento. Ela
permite-nos o estudo da neurobiologia dos comportamentos, das cartas de
motricidade, dos índices de maturidade e das escalas de desenvolvimento.
Neste âmbito, não podemos esquecer as contribuições de Preyer, Minkowski,
Coghill, Gesell, Homburger, Hertig, Rock, Nishirmura, A. omas,
Dargassies, Sheridan, Illingworth, Amatruda, Catell, Holt etc.

A embriologia, em outras palavras, procura “inventariar”, passo a passo,


os comportamentos que se iniciam na concepção e originam a formação
sequencial do zigoto, do embrião, do feto, do prematuro, do recém-nascido,
da criança etc.

Fig. 6.2 - O crescimento humano é irregular assíncrono, diferenciado e


hierarquizado.

É esta morfologia dinâmica, dependente do genoma e do meio, que


vamos equacionar até a separação dos corpos da criança e da mãe. Esta
ontogênese dá-se em três períodos fundamentais: pré-embrionário,
embrionário e fetal, ao qual se segue o período neonatal.

PERÍODO PRÉ-EMBRIONÁRIO (DA CONCEPÇÃO AO PRIMEIRO


MÊS)

O ciclo vital, iniciado na fecundação, está dependente da gravidez,


normalmente contada a partir do primeiro dia do último período menstrual,
aproximadamente duas semanas antes de a fecundação ocorrer.

O ovo fecundado (zigoto) que vai tornarse um novo ser humano, inicia a
sua segmentação poucas horas depois da “copulação” operada por um único
espermatozoide, no meio de 300 a 500 milhões de espermatozoides que são
depositados interiormente na vagina, após a ejaculação (teoria
monospérmica).

A fecundação é posterior à gametogênese, isto é, à formação de células


sexuais que se formam nas gônadas do pai (testículos) e da mãe (ovário). A
célula macho — espermatozóide — é pequena, liforme e móvel. Trata-se de
um agelo (protozoário), com 0,006mm de tamanho. A célula fêmea — óvulo
— a maior do corpo humano, é volumosa, esférica e móvel. O espermatozoide
“vencedor”, que atinge a velocidade de um a três milímetros por minuto, tem
de mover-se nadando antigraviticamente, até atingir o óvulo nas trompas
uterinas (Trompas de Fallope), onde penetra, fecundando-o e perdendo a
cauda. Logo que o óvulo é fecundado, a sua membrana celular cria
imediatamente uma “resistência” que impede, na maioria das vezes, qualquer
outro espermatozoide de a ultrapassar.

Gradualmente, o zigoto com a mistura cromossômica recebida pelos pais


— 23 da mãe e 23 do pai (isto é, 46 pares de cromossomas; 2 pares sexuais —
genossomas — e 44 pares somáticos — autossomas) — e com o processo da
divisão celular (mitose), segmenta-se em uma massa de células denominadas
blastômeros, que se desenvolve e solidi ca na mórula (parecido com uma
amora, daí o nome), transformando-se em uma cavidade com líquido ou
brástula.1
Ao mesmo tempo em que a segmentação se opera, o zigoto é rodeado de
células nutritivas — o trofoblasto — e vai sendo empurrado até ao útero. Ao
chegar ao útero, a mórula lança secreções ricas em açúcar e sais, ação essa
associada a uma ativação hormonal, à base de progesterona, que provoca a
hipervascularização da mucosa uterina. Entretanto, o processo de
especialização celular vai-se operando por meio de mecanismo bioquímicos
ativados e inibidos em nível do código genético. As células do trofoblasto
(exteriores), que originam os anexos embrionários, segregam um líquido para
dentro da blástula que vai permitir a nidação (implantação) no útero, que se
dá, mais ou menos, sete dias depois da fecundação, que, em termos gerais,
completa o período do zigoto ou o período pré-embrionário.
Fig. 6.3 - De 300 a 500 milhões de espermatozoides, um único fecundará o
óvulo.

Durante o período pré-embrionário, observase a disposição dos folhetos


embrionários (pré-gastrulação), que advém da diferenciação-especialização
do blastócito, ocupando posições normalmente delimitadas em duas zonas
fundamentais: ectoderme (exterior) e endoderme (interior), formando o disco
embrionário. Por sua vez, o trofoblasto invasor subdivide-se em uma camada
externa - o sinciciotrofoblasto — e em uma interna — o citotrofoblasto. Além
disso, o âmnios diferencia-se do embrião, a m de o proteger, envolvendo-o
em um líquido. Progressivamente, o trofoblasto em proliferação, na busca de
oxigênio, adquire um núcleo de mesoderme e passa a ser chamado de
trofoderme, que vai originar o córion, ou seja, a face fetal da placenta, que
estabelece a relação nutritiva entre o embrião e o corpo (sangue) materno.

Estamos na segunda semana do desenvolvimento do ser humano. O


útero da mãe pode aceitar o disco embrionário, que, entretanto, vai recebendo
elementos nutritivos dos vasos sanguíneos. Por ação hormonal da
gonodotropina coriônica (GCH), que as células das vilosidades da placenta
enviam para o corpo amarelo, o útero deixa de contrair-se, não originando,
por consequência, a hemorragia menstrual. Este hormônio GCH é excretado
pela urina maternal quando a menstruação deixa de aparecer, daí o interesse
em teste de gravidez.

Durante esta fase, a “futura criança” não passa de um disco redondo com
0,02 milímetros de diâmetro.

Na terceira semana, porém, o embrião transformar-se-á em um corpo


redondo em forma de C com cabeça, tronco e cordão umbilical. O corpo
redondo vai crescendo no sentido longitudinal, de cima para baixo, surgindo
um eixo, no notocórdio. Na parte anterior, desenvolve-se uma extremidade
encefálica e, na parte posterior, a cauda: daí a lei cefalocaudal do
desenvolvimento característico dos vertebrados superiores.

Na quarta semana (primeiro mês), o embrião já contém uma cabeça


diferenciada, o “esboço” das mãos começa a surgir, o saco vitelino (o balão da
criança) surge como meio de formação de glóbulos de sangue, e a placentra
assume a função permeável de absorção de alimentos obtidos dos tecidos
envolventes da mãe. O número de células do embrião, nesta fase, atinge os
milhares.

No m do primeiro mês de desenvolvimento, o embrião possui três


camadas de células em especialização: 1- Camada externa — ectoderme — que
formará a pele, os pelos, as glândulas sebáceas e sudoríparas, o sistema
nervoso periférico, o sistema nervoso central, o esmalte dentário, a retina, a
córnea, o cristalino, o nervo ótico, a hipó se etc.

2- Camada intermédia — mesoderme — que formará músculos, ossos,


coluna vertebral, veias, artérias, órgãos genitais, tecido conjuntivo,
córtex suprarrenal, rins, miocárdio, gânglios linfáticos, baço, sangue
etc.

3- Camada interna — endoderme — que formará o epitélio do tubo


digestivo (exceto boca e ânus), o epitélio respiratório (traquéia,
brônquios e alvéolos), a trompa de Eustáquio, a bexiga, a tireoide, o
timo etc.

Fig. 6.4 - Camadas de células em especialização ao m do primeiro mês de


desenvodvimento.

A formação do sistema nervoso está mais ou menos estabelecida em três


setores primordiais: prosencéfalo, mesencéfalo e robencéfalo. A ectoderme
tende a engrossar e a enrugar-se, formando um tubo — tubo neural — onde se
vai formar o cérebro (extremidade cefálica), mais tarde a medula (ex‐
tremidade caudal) e, posteriormente, os nervos e os ventrículos.

Simultaneamente, podemos ver a boca primitiva, a face e a faringe,


associadas a seis excressências, espécie de guelras, de onde nascerão a
mandíbula e as estruturas da faringe. Muito próximo, encontra-se o coração
primitivo e tubular, e os rudimentos de um sistema circulatório facilmente
emergirão etc.

Toda esta constelação bioenergética comandada superiormente pelo


plano-mestre do código genético, responsável pelas sequências da ontogênese,
está ainda no começo, pois só decorreram, desde a concepção, 25 dias,
faltando ainda 255 para concluir a gestação.

O “esboço” das extremidades dos membros superiores e depois das dos


membros inferiores começam a sobressair, mantendo membranas in‐
terdigitais, à semelhança de uma barbatana de um peixe até por volta do
segundo mês. O crescimento continua, desde o zigoto até o embrião. Aumen‐
tou-se em comprimento 10.000 vezes.

Neste período, em termos de animal vertebrado, não existem diferenças


embriológicas signi cativas entre o embrião do mamífero superior e do
embrião humano.

PERÍODO EMBRIONÁRIO (DO PRIMEIRO AO SEGUNDO MÊS)

Neste período, o desenvolvimento embrionário adquire proporções


importantes. A coluna vertebral começa por se desenvolver a partir dos
mesoblastos, dos quais vão surgir os ligamentos, os tendões, as aponevroses,
os músculos e os ossos.

O tronco tem origem nos sômitos, isto é, células justapostas, epiteliais


(miocelos), que se encontram do lado da goteira neural e que representam a
sementação do mesoblasto. O embrião humano transporta quarenta sômitos,
dos quais se desenvolvem os membros e a cabeça, que deriva
fundamentalmente do mesenquima cefálico.

Os ossos de origem cartilagínea ou masenquimática irão formar a placa


basilar de onde nascerão os órgãos sensoriais; outras camadas formarão o
occipital, o esfenoide, o etmoide, o temporal, o parietal e o frontal.
A face, as maxilas, os ossículos do sistema auditivo, o osso hioide e as
estruturas da laringe evoluirão dos arcos braquiais, que estão também na base
da formação dos nervos cranianos, dos músculos faciais e mastigadores, da
boca e do septo nasal.

Durante este período, a atividade circulatória desenvolve-se, porque o


coração pulsa com maior intensidade. Entretanto, o embrião evidencia uma
melhor circulação placentária.

Segundo Dollander e Fenart, podemos compreender, até aqui, o


desenvolvimento intrauterino nos seguintes estágios:
No 1º dia - Fecundação do ovo (zigoto)

Do 2º ao 4º dia - Zigoto em segmentação

Do 4º ao 5º dia - Blastócito livre

Do 6º ao 7º dia - Zigoto no início da implantação

Do 7º ao 9º dia - Trofoblasto composto

Do 10º ao 12º dia Trofoblasto na procura de vasos nutritivos, para instalar a circulação útero-
- embrionária

Do 13º ao 15º dia


Vilosidades primitivas
-

Do 16º ao 17º dia


Arborização das vilosidades
-

Do 18º ao 19º dia


Crescimento do cordão umbilical (1 a 1,5mm)
-

Do 20º ao 21º dia


Goteira neural, 1 a 3 partes de sômitos
-

Do 21º ao 22º dia


4 a 12 pares de sômitos
-

Do 24º ao 25º dia


13 a 20 pares de sômitos
-

No 25º ao 28º dia


21 a 29 pares de sômitos
-
No 24º dia, surge o prosencéfalo; no 30º, formam-se os olhos; no 33º, as
retinas pigmentadas acabam de se formar; no 38º, aparece a córnea e a íris; no
40º, surgem as orelhas etc. Tudo seguindo inexoravelmente o programa ge‐
nético, com um rigor, uma precisão e uma minuciosidade espantosas.

Na face, surgem o lábio superior, o nariz, o palatino, os maxilares e a


língua, tudo assumindo a forma de nitiva. Durante esta fase, a cabeça ocupa
metade de todo o tamanho do corpo, daí a sua importância e a sua prioridade
embrionária e evolutiva. Os dois hemisférios cerebrais estão já formados, e as
suas três grandes divisões (anterior, média e posterior) já se reconhecem. A
pia e a dura máter desenvolvem-se, protegendo o cérebro, e os nervos
cranianos começam a despontar. No m do segundo mês, o cérebro já
controla os primeiros movimentos. À medida que o cérebro se desenvolve, os
pontos de ossi cação do crânio iniciam a sua maturação.

Nessa altura, o corpo é ainda coberto de uma pele muito na e


translúcida, podendo observarse inclusivamente as veias e as artérias
sanguíneas. Os folículos pilosos e as glândulas sudoríparas começam a crescer
e a atuar.

Os braços crescem, as membranas interdigitais da mão vão


desaparecendo, os três setores dos membros separam-se.

Ao m de oito semanas, os braços crescem o su ciente para tocar na


boca, relação essa depois fundamental na ontogênese da motricidade. Os pés e
os membros inferiores seguem o mesmo desenvolvimento e, ao m do
segundo mês, esboçam as primeiras “pedaladas”.

Os músculos começam a sua atividade motora. Os órgãos interiores,


estômago e gado, iniciam as suas funções. Os órgãos sexuais primitivos
passam a formar-se e a diferenciar-se.

Todas as estruturas que o recém-nascido vai apresentar já se encontram


“desenhadas” no embrião sete meses antes. O período embrionário está ultra‐
passado e surge o feto. Já não se observa um conjunto indistinto de células;
estamos em presença de um candidato à Hominização. Um ser humano existe.
Desde a concepção, o bebê cresceu 240 vezes em comprimento e mais de
um milhão de vezes em peso. A mãe, como evoca V. Apgar, perdeu a segunda
menstruação e começa a acreditar que o bebê é uma realidade no seu ventre.

PERÍODO FETAL (DOS DOIS AOS NOVE MESES)

O desenvolvimento intrauterino, que se observa do terceiro ao nono mês,


é uma ontogênese estatural, ponderal e motora. Para facilitar, vamos
apresentar as novas aquisições “fetais” em termos mais esquemáticos.

Terceiro mês:

• O feto tem l7cm.

• Surgem os movimentos de utuação com xação na “âncora” do cordão


umbilical, à semelhança de um “astronauta” no espaço amniótico: o
bebê é um “intranauta”.

• A atividade neuromuscular inicia a sua função dialética funcional, e a


ontogênese da motricidade inicia os seus passos. Segundo Hamburger,
a neurogênese sofre a seguinte evolução: atividade espontânea,
estimulada e evocada, inputs sensoriais, padrões de comportamento
pré-natais e, por último, generalização e especi cação do de‐
senvolvimento intrauterino.
Fig. 6.5 - Períodos críticos do desenvolvimento humano.

Para Coghill, os neuroblastos primitivos geram a formação de axônios,


que, por meio do seu crescimento e diferenciação, vão dar lugar às primeiras
conduções de impulsos, favorecendo o contato sináptico e a ativação
bioquímica, que constituem as primeiras etapas da atividade funcional
neuromotora.

A atividade neuromotora é a base da ontogênese da motricidade.


Segundo Preyer, a motricidade começa por ser global e espontânea e tende a
uma motricidade localizada e selecionada; vai do simples ao complexo, do
menos organizado ao mais organizado. Os movimentos espontâneos de
“pontapear”, de “nadar”, de “torcer”, de “pivotar” etc. são característicos desta
fase.

• O polegar esboça as primeiras opinibilidades. A boca entreabre-se, as


inalações e as sucções são desencadeadas. De fato, o feto pode realizar
uma enormidade de padrões de comportamento, dentro,
evidentemente, de um envolvimento líquido. A sua motricidade
natatória é semelhante à dos peixes e dos anfíbios, daí o seu interesse
na ontogênese da motricidade.

• Os ossos começam a sua ossi cação, a partir das diáfases.

• As diferenças sexuais começam a ser mais óbvias.

• A expressão facial começa a humanizar-se.

• Os olhos movem-se convergentemente.

-As cordas vocais emergem, embora nenhum som seja produzido.

• Bebe o líquido amniótico, que tem efeitos nutritivos importantes.

• Os rins começam a operar a sua função.

• As trocas de oxigênio, por meio da mãe, intensi cam-se pelo cordão


umbilical.

• O líquido aumenta, dadas as necessidades de crescimento,


acompanhadas com expansão do útero maternal, que durante a
gestação vai de 2 a 5cm3 até 5.000 a 7.000cm3 ao m de 280 dias
(Jones).

• Os mamilos passam a ser visíveis.

Quarto mês:

• O feto já tem 24cm. O peso é multiplicado seis vezes.

• A modelagem do corpo continua a veri car-se.

• Aparecem as unhas nos dedos.

• A velocidade de crescimento é máxima neste período.

• Os centros de ossi cação são agora visíveis no esqueleto fetal.

• A mobilidade é cada vez mais rigorosa e diferenciada, passando a ser


sentida pela própria mãe.

• O coração bate com uma intensidade já detectável pelo estetoscópio.

• O sistema circulatório desenvolve-se.

• O cordão umbilical aumenta de tamanho.

• A estrutura da placenta atinge a maturação, fazendo o trabalho


simultâneo dos pulmões, dos rins, dos intestinos, do gado e das
glândulas. Na placenta (barreira bioquímica), o oxigênio, a glicose, os
aminoácidos e os sais que circulam no sangue da mãe passam para os
capilares do feto, enquanto o bióxido de carbono e a ureia do feto para
a mãe, seguindo a direção oposta. Muitas drogas ou vírus podem
ultrapassar a permeabilidade placentária e afetar o corpo do feto. Estão
neste caso os agentes infecciosos (rubéola, toxoplasmose ou sí lis), os
agentes químicos (talidomida, quinino, substâncias abortivas,
hormônios, LD etc.), os problemas de subnutrição maternal (carências
calórico-proteicas, carências de iodo, de vitaminas etc.), as anemias e
diabetes da mãe, as radiações etc., que no seu todo constituem algumas
embriopatias e fetopatias.

Grá co 6.1 - Períodos Críticos do Desenvolvimento Intrauterino.


Apresentam-se os períodos mais vulneráveis aos agentes teratogênios, isto
é, agentes causadores de embriopatias ou fetopatias.

Quinto e sexto meses:

• O feto agora tem 31cm e pesa cerca de 1.200g. As estruturas re nam-se,


as funções operam mais adequadamente e os comportamentos do
bebê são cada vez mais frequentes e vigorosos.

• Surge o lanugo (que quer dizer: lã em latim) que cobre a maioria do


corpo do feto, em analogia com o revestimento piloso dos macados (o
bebê é uma amostra de primata; mais tarde, será um “primata nu”).

• As sobrancelhas, pestanas e o cabelo começam a surgir.

• O Vernix seosa cobre a totalidade do corpo, protegendo a pele em


analogia com o mecanismo protetor idêntico ao das espécies anfíbias.

-A pele torna-se mais consistente.

• As unhas crescem.
• O controle muscular dos olhos é evidente e a retina sensível à luz.

• Ouve sons (do coração e do tubo disgestivo maternais).

• Há ainda muito espaço para a ontogênese da motricidade se


concretizar, observando uma espécie de motilidade espontânea, ampla
e lenta, de exploração da “piscina uterina”, por meio de movimentos
simétricos, que tendem a ser limitados, dada a progressiva exiguidade
de espaço disponível.

• As posturas preferenciais tendem a uma hipotonia global e a uma


hiperextensibilidade características.

• As extensões e as exões bruscas e esporádicas são frequentes. O


“chupar” do polegar pode surgir, e os movimentos respiratórios são
cada vez mais diferenciados e adaptados, não irá se dar o caso de um
nascimento “prematuro”, que pode ocorrer a partir de 24 semanas de
gestação, segundo Illingworth.

• Os testículos saem das bolsas.

Sétimo, oitavo e nono meses:

• Diferenciação de períodos de vigilância e sonolência.

• O crescimento ponderal e estatural cresce segundo novas proporções,


os ritmos de crescimento lenti cam-se e aceleram-se
assincronicamente.

• A formação de gorduras protetoras da pele opera uma função


homeopática já mais e caz.

• O nascimento prematuro é viável e a incubadora não é senão um “útero


mecânico” possível. A incubadora deve ser regulada, principalmente
em relação ao oxigênio, pois o seu excesso pode provocar a broplasia
retrolental, que pode gerar (normalmente) a cegueira.
• A motricidade fetal pode ser detectada por uma simples palpação da
parede abdominal; na medida em que o espaço uterino disponível se
encontra quase totalmente ocupado, a motricidade é viva e a mais
localizada e e caz.

• A respiração é mais regular.

• A hipotonia diminui, com melhoria do tônus de ação.

• A motricidade é do tipo anfíbio.

• Re exos mais vivos, rápidos e duráveis, no caso da criança prematura,


revelando a progressiva maturação tônico-postural e tônico-motora.

• Sinergias tônico-re exivas.

• A “cambalhota” nal, com colocação cefálica, vai preparando o terreno


para a ultrapassagem do estrangulamento público que culmina no
parto.

• A postura predominante é caracterizada pela exão da coluna e pela


exão dos membros — há de se ocupar o mínimo espaço uterino
possível (o que seria se o feto se mantivesse em extensão...). Persiste
uma postura de exão característica, mesmo de recém-nascido, em
que se veri ca a hipertonia das extremidades, que, por seu lado,
favorece a exão dos membros. Por outro lado, em termos dialéticos,
subsiste uma hipotonia da coluna, o que favorece de novo a postura
fetal de exão. Vai durar tempo a maturação dos extensores. Em
termos de ontogênese, os músculos que, em primeiro lugar, iniciam a
maturação são os exores, daí a postura fetal intrauterina.

• Hipertonia em nível dos exores e hipotonia nos extensores.

• Movimentos espontâneos mais amplos.

• Automatismos primários prestes a funcionar.


• Recepções auditivas manifestam-se por reações tônico-motoras em
cadeia.

• Sinergia entre os olhos e a cabeça.

• Já não há tanto espaço disponível, e, por esse fato, a motricidade fetal é


diminuída, operando-se completamente uma maturação tônica.

• Separam-se as pálpebras, e os olhos tornam-se de novo visíveis.

• O peso vai evoluindo de 1.500g para 3.000g, a altura de 40 passa para


50cm e o perímetro cefálico vai-se expandindo de 28 para 34 a 35cm
(valores médios).

• Os cabelos estão mais desenvolvidos.

• O desenvolvimento do sistema nervoso envolve a extensão dos axônios


e a arborização dentrítica, bem como a modi cação das sinapses e a
aquisição das bainhas protetoras de mielina, re etindo uma produção
de efeitos químicos mais ativida e adequada.

• Ao m dos nove meses (90 semanas, 280 dias, quase 10 meses lunares,
95% dos bebês nascem entre 266º e o 294º dia), a penugem (lanugo)
cai em grande parte e as proporções corporais harmonizam-se (a
cabeça ocupa agora um quarto da totalidade do corpo). A título de
exemplo, as proporções de crescimento são as seguintes: 400% do 3º
para o 4º mês.

200% do 5º para o 6º mês.

40% do 7º para o 8º mês.

20% do 8º para o 9º mês.

• O corpo ajusta-se à forte compressão uterina.

• As contrações uterinas tendem a ser mais sensíveis, à medida que se


aproxima o parto (“a saída das águas vai car para trás, e inicia-se a
conquista da terra rme”). Resta agora o rompimento da bolsa das
águas, a queda do rolhão mucoso e o início dos trabalhos de parto.

• A adaptação à vida aérea acelera-se e consolida-se.

• O córtex ainda não é excitável, mas o feto está maturo.

• A logênese está recuperada em grande parte (da ameba ao peixe — o


desenvolvimento intrauterino que acabamos de resumir é, em certa
medida, a recapitulação histórica da espécie. É curioso que se sublinhe
que o desenvolvimento humano, principalmente na sua evolução
intrauterina, é impressionantemente semelhante ao desenvolvimento
das outras formas de vida. “O feto humano é um peixe transformado”
— Estará aqui o sentido da unidade da vida?... ).

Para perspectivarmos a ontogênese, convém apresentar o


desenvolvimento ponderal e estatural que se opera no feto, segundo o quadro
seguinte: Quadro 6.1 - Desenvolvimento ponderal do feto
Idade em meses Crescimento estatural em centímetros Crescimento ponderai em gramas

2 9 20

3 17 (+6) 100 (+80)

4 24 (+7) 300 (+200)

5 31 (+7) 660 (+360)

6 37 (+6) 1150 (+490)

7 42 (+5) 1759 (+600)

8 47 (+5) 2400 (+650)

9 51 (+3) 3000 (+600)

VINTE E DOIS AXIOMAS DA ONTOGÊNESE DA MOTRICIDADE

Em termos de ontogênese da motricidade, convém salientar que ela


obedece a vários axiomas do desenvolvimento, quer intrauterinos, quer
extrauterinos que passamos a abordar: 1º O desenvolvimento se faz
irregularmente, traduz uma descontinuidade.

2º O desenvolvimento de várias áreas não se faz segundo o mesmo ritmo,


veri ca-se um crescimento assíncrono.

3º O desenvolvimento processa-se por especialização de estruturas, ou


seja, por meio de diferenciações progressivas.
4º A diferenciação de estruturas encontrase dependente de uma
hierarquização de estruturas neutras.

5º As estruturas mais hierarquizadas levam mais tempo para atingir a


maturação; dependem da maturação de estruturas funcionais que se
complexi cam.

6º O desenvolvimento opera-se com o primado da cabeça sobre as


estruturas do corpo (MC GRAW). A direção maturacional é cefalocaudal (da
cabeça para os pés).

7º A lei cefalocaudal é anterior à lei próximo-distal (Coghill),


demonstrando-se que o desenvolvimento respeita outra direção — do eixo do
corpo para as extremidades.

8º A maturação muscular é primeiramente axial (tronco) e


posteriormente apendicular (membros e extremidades). A evolução é a
seguinte: músculos da cabeça, do pescoço, do tronco, dos braços, das pernas,
das mãos, dos pés, dos dedos das mãos e dos pés.

9º O tubo neural embrionário dá origem a bioblastos e a neuroblastos, o


que prova, em termos evolutivos, a constante dependência dos aspectos
musculares relativamente aos aspectos neurológicos.

10º Na maturação nervosa (neurogênese), processa-se em primeiro lugar


a ativação dos neurônios motores (motoneurônios), em seguida dos
neurônios sensitivos e por último dos neurônios de associação; 11º A
motilidade, segundo Prayer, sofre a seguinte maturação:

I - movimentos passivos (provocados por contrações amnióticas ou


uterinas);

II - movimentos de irritação (induzidos por agentes endógenos, como


drogas, hormônios etc., ou por estimulação direta dos nervos); III -
movimentos reflexos (mediatizados pelos órgãos dos sentidos);

IV -movimentos impulsivos (movimentos espontâneos, que não são nem


re exogêneos nem irritativos. Normalmente são descoordenados e
provocados por descargas automáticas dos motoneurônios); V - movimentos
instintivos (dirigidos e integrados, causados por estimulação ou por agentes
endógenos); VI - movimentos ideacionais (causados por imagens mentais
essencialmente corticais). Em conclusão, a motilidade evolui da motilidade
espontânea à motilidade endogenamente estimulada e, por último, à
motilidade evocada.

12º - A sistemogênese, segundo Anokhine, decorre de acordo com uma


evolução em que se veri ca uma maturação neuromuscular. Perante a mesma
estimulação, as respostas orientam-se na seguinte ordenação: I - resposta
global e generalizada a todo o corpo (whole body response);

II - resposta progressivamente mais localizada, restrita e diferenciada.

13º - A ontogênese da motricidade precede a ontogênese da


sensibilidade. Não há oposição entre a motilidade e a sensibilidade, o que
justi ca a passagem de uma atividade espontânea a uma atividade estimulada.
O embrião é ativo (sistema motor) e, posteriormente, reativo (sistema senso‐
rial). É segundo este axioma de desenvolvimento que se constrói o repertório
do comportamento, naturalmente em mútua dependência com os circuitos
sinápticos inibitórios. Da expansão motora global, evolui-se para um conjunto
total (pattern), perfeita e progressivamente integrado. Por aqui se pode
con rmar que o sistema muscular não evolui biologicamente de uma forma
diferente do sistema neurológico, porque ambos “comunicam” ao nível do
desenvolvimento de conjuntos sinápticos integrados, isto é, a materialização
do processo de mielinização.

14º - As relações evolutivas entre a motilidade e a sensibilidade


dependem da maturação da função tônica, que se opera no sentido contrário à
lei cefalocaudal. A função tônica, base da modulação antigravítica, que
possibilita ao Homem a postura bípede característica, sofre uma maturação
caudocefálica. Dela depende a harmonização, automática e voluntária. Por esta
maturação, percebe-se como cada atividade motora pressupõe uma atividade
postural. Outro axioma, demasiado signi cativo em termos ontogenéticos. O
movimento não se opõe à postura, a ação não se opõe à atitude bípede, e a
coordenação não se opõe à equilibração. Trata-se, para utilizar o termo de
Hamburger, de uma progressiva reativação (feedback) proprioceptiva, na qual
se encontra dimensionada a função tônica, que põe todas as estruturas
somáticas (músculos, tendões, articulações, vísceras, órgãos, aparelhos vitais
etc.) em confronto integrado com as estruturas cerebrais. Está aqui a
emergência da perspectiva psicossomática ou psicomotora do
desenvolvimento humano.

15º - A função tônica, grande medidora da ontogênese da motricidade,


reorganiza em um todo integrado a função dos 639 pares de músculos que,
segundo Gesell, constituem o corpo humano. Dos 639 pares de músculos, 47
estão relacionados com o controle automático (adquirido logeneticamente)
das funções neurovegetativas. Os restantes 582 pares estão relacionados com
as funções de equilíbrio (postura) e de movimento (ação-
coordenaçãorelação). Esta complicada rede funcional da função tônica
depende de um processo de regulação neuromotora e neurossensorial onde
entram fundamentalmente as estruturas do tronco cerebral (formação
reticulada, bulbo e protuberância) e do cérebro.

16º - Outro axioma do desenvolvimento compreende a progressiva


maturação que vai dos músculos exores (ativos no útero) aos músculos
extensores (ativos fora do útero). É evidente que o sistema motor, à base de
músculos e glândulas, é demasiado complexo, e só nos interessa aqui a
ontogênese da motricidade, porque queremos dizer que a dialética exores-
extensores se prolonga noutros grupos musculares, conforme a complexidade
e a hierarquia da sua função. A hierarquização compreende a maturação que
decorre igualmente dos músculos monoarticulares aos pluriarticulares, dos da
profundidade aos da superfície, dos agonistas aos antagonistas. Daqui,
decorre, segundo Sherrington, a inervação recíproca, base da função
integrativa do cérebro, comprometendo uma evolução que se inicia nas
condutas re exas, passa pelas automáticas e atinge as voluntárias.

17º - A ontogênese postural, que é explicada em termos de evolução da


espécie, compreende a evolução das unidades musculares em articulações
neuromusculares, estas em vias de condução nervosa e, nalmente, estas em
receptores periféricos. Facilmente se percebe a dialética da motilidade com a
sensibilidade. Este princípio de desenvolvimento pressupõe a seguinte
maturação postural: 1- Estágio pré-motor
2- Estágio não motor

3- Estágio de exão primitiva

4- Estágio espasmódico

5- Estágio reativo

6- Estágio locomotor

Se analisarmos bem, estão aqui contidas as libertações progressivas da


cabeça em relação ao tronco, do braço em relação à cintura escapular
(preensão) e a do pé em relação à cintura pélvica (locomoção bípede). Em
outras palavras, esta revolução subentende o retrato da logênese da
motricidade, como tentamos demonstrar inicialmente.

18º -A ontogênese da sensibilidade, baseada em estudos eletro siológicos


e histológicos, integra a seguinte maturação das funções sensoriais: 1- Tato
(oral e perioral. Sensibilidade espalhada pela ectoderme);

2- Vestibular (orientação e endireitamento postural, Nistagmus cefálico e


ocular); 3- Auditivo (orientação, localização e discriminação);

4- visual (orientação, excitação, inibição, sequência e discriminação).

Dado que, em termos de ontogênese da motricidade, a visão (input) se


encontra em permanente relação com a motricidade (output), vejamos
esquematicamente a sua diferenciação funcional.

Segundo Skeffington, em uma perspectiva de desenvolvimento, a visão


como processo emergente resulta da multi-integração dos seguintes processo
sensório-motores: 1º - Processo antigravítico (A) Este processo engloba as
aquisições motoras que vão permitir superar a ação permanente da gravidade.
Trata-se da fase de desenvolvimento dos sistemas tônico-motores básicos
(reptação, quadrupedia, braquiação de apoio, locomoção bípede etc.), que em
si materializam a evolução antropológica, isto é, logênese da motricidade.
Este período de desenvolvimento compreende a maturação dos sistemas
nervoso e muscular, que se edi ca em função das leis neurológicas de de‐
senvolvimento: lei cefalocaudal e lei próximo-distal. A primeira é responsável
pela mielinização das vias que vão originar o desenvolvimento postural; a
segunda compreende a mielinização das vias que vão permitir o
desenvolvimento da preensão e da motricidade ideacional.2º - Processo de
localização corporal (B) Compreende todos os processos básicos da
arquitetura da imagem do corpo, que vão produzir a diferenciação do eu e do
mundo (não-eu), onde se vai dar a semantização vivida do corpo resultante da
“locação”, da lateralização e da direcionalidade do corpo, que, em síntese, vão
permitir a orientação e a exploração do espaço envolvente. Em resumo, trata-
se de uma espécie de “piloto” do eu, a partir do qual se processam os
esquemas de relação com o meio.

3º - Processo de identi cação (C) Trata-se de um processo de


manipulação do real, isto é, da ação sobre os objetos e os outros, que vai
originar o conhecimento dos seus atributos, propriedades e características. A
ação sobre o real e a sua posterior especialização cognitiva vão exigir da visão
complicadas associações perceptivo-motoras. Aqui, a visão assume o papel de
um órgão coordenador, regulador e controlador. Estão dentro deste período
de desenvolvimento etc., onde se vão dar inter-relações neurossensoriais entre
a visão e a audição, entre a visão e o sentido tátil-cinestésico, bases
fundamentais de todos os simbolismos primitivos. (PIAGET) 4º - Processo
auditivo-verbal (D)

Constitui no fundo o alicerce da linguagem falada, quer quanto aos seus


aspectos receptivos, quer integrativos e expressivos. É bom que se assinale que
este processo, aliás, como os restantes, é dependente da integração entre
criança e adulto, na qual se vão edi car as relações auditivo-verbais da
comunicação e as relações viso-motoras da ação, que juntas vão participar no
desenvolvimento da linguagem. A nomeação dos objetos e a sua identi cação,
comparação e diferenciação são tratadas e combinadas em função da
experiência da criança, isto é, da sua história. A visão participa como “plasma”
neurológico integrador, do qual vão nascer a simbolização e a
conceitualização, ou sejam, todas as relações entre o espaço agido e o espaço
representado, que compreendem a práxis não verbal (corporal e motora) e a
ação como verdadeiro instrumento do pensamento).
5º - A visão (E) Compreende, portanto, uma inter-relação dialética dos
quatro processos, conforme o esquema que se segue:

Fig. 6.6

O processo visual - E

A - O processo antigravítico

B - O processo de localização corporal

C - O processo de identi cação

D - O processo auditivo-verbal

E - O processo visual

A visão é o processo sensorial mais hierarquizado do ser humano, daí a


sua maturação mais demorada, que reuni ca as maturações sensoriais que a
precederam. Aqui está a razão logenética de um cérebro associativo
característico do Homem. No cérebro, dá-se uma maturação que é posterior à
dos gânglios sensoriais periféricos, o que provoca que a função está antes da
integração. A função desenvolve-se, mas os receptores são os últimos
elementos a serem amadurecidos. Em resumo, a maturação ontogenética da
sensibilidade (fetal) dâ-se de acordo com o seguinte esquema:

Esquema 6.1

19º - A ontogênese do sistema nervoso central está naturalmente


dependente da formação inicial do tubo neural e das suas transformações em
comprimento e largura. As transformações, segundo Lazorthes, entendem
uma segmentação, várias curvaturas e, por último, uma báscula. A ontogênese
compreende, em primeiro lugar, a medula e, em segundo, o encéfalo. Em nível
da medula, na zona dorsal, formam-se as conexões sensitivas (ganglioblastos);
na zona lateral, as conexões neurovegetativas; e, na zona anterior, as conexões
motoras (neuroblastos). Da estrutura da medula primitiva, vão resultar os
miotomas (grupos musculares) e os dermatomas (territórios cutâneos), que,
combinados, originam os segmentos metaméricos, compostos
simultaneamente de unidades anatômicas e de unidades funcionais.

Em nível de encéfalo, temos de considerar a seguinte subdivisão de baixo


para cima: mielencéfalo, metencéfalo, mesencéfalo, diencéfalo e telencéfalo.

20º - A ontogênese da motricidade humana é inversa, em termos de


dependência cerebral, à dos outros mamíferos. Por exemplo, a zebra põe-se de
pé logo após o nascimento, o bebê humano leva em média doze meses para
adquirir a postura bípede. O bebê zebra corre e acompanha a manada
passadas 24 horas do seu nascimento. O bebê humano corre controladamente
por volta dos três anos. Mas, ao contrário, o bebê humano relaciona a audição
com a motricidade por volta dos quatro meses e a visão com a motricidade
por volta dos oito meses, quando da aquisição da posição de sentado. O bebê
zebra só muito mais tarde pode orientar-se independentemente em relação
com os receptores a distância (visão e audição).
Fig. 6.7 - Desenvolvzmento segmentar do encéfalo.

1. Hemisférios
Telencéfalo cerebrais
1. Cérebro anterior Ventrículos laterais III
PROSENCÉFALO Ventrículos
2. Tálamo
Diencéfalo
Hipó se-Epí se

Tubérculos
2. Cérebro médio 3. quadrigêmeos Arqueduto de Silvius
MESENCÉFALO Mesencéfalo
Pedúnculos cerebrais

4. Protuberância
Metencéfalo
Cerebelo
3. Cérebro posterior
IV Ventrículo
ROMBENCÉFALO
5.
Bulbo
Mielencéfalo

Em termos de desenvolvimento humano, temos:

1º - Receptores a distância (telerreceptores: audição e visão).

2º - Receptores proximais (proprioceptores: tato e cinestésico).


Há aqui um aspecto dialético que Wallon já assinalara. No
desenvolvimento intrauterino, a motricidade precede a sensibilidade. No
desenvolvimento extrauterino, a sensibilidade precede a motricidade; por isso,
a criança põese de pé depois de manipular objetos, onde desenvolve
precocemente conexões viso-motoras e auditivo-motoras.

Esquema 6.2

21º - Em uma dimensão ontogenética integrada, a ontogênese do sistema


nervoso é o resultado da associação entre a ontogênese da motricidade e a
ontogênese da sensibilidade.

Esquema 6.3
22º - A associação funcional que materializa a hierarquia do sistema
nervoso decorre de uma maturação cognitiva que envolve as seguintes fases:

Esquema 6.5 - O desenvolvimento intrauterino é o alicerce do


desenvolvimento extrauterino.
PERÍODO NEONATAL

Tomando em sequência a ontogênese da ontogênese, ao desenvolvimento


intrauterino seguese, obviamente, o desenvolvimento extrauterino, e, entre
um e outro, surge o nascimento, que compreende a passagem de um meio
uido (líquido amniótico) para um meio gasoso (ar). Nesta passagem, vão
veri car-se novas adaptações, quer em nível das funções de respiração,
circulação e digestão, quer em nível da articulação sensorial e da reativação
re exivo-motora.

Para que se processe convenientemente o trabalho de parto, é necessário


que o feto ultrapasse várias barreiras biológicas. A expulsão do feto resulta do
controle da hipó se da mãe, que, ao colocar ocitocina na circulação, vai
provocar contrações intermitentes, involuntárias, dolorosas e espaçadas em
nível do útero, o que implica o alargamento da bacia e um relaxamento dos
ligamentos púbicos e sagrados. Tal relaxamento é provocado por outro
hormônio segregado nas paredes do útero, denominado relaxina.

Quadro 6.3
VARIÁVEIS PRÉ-NATAL PÓS-NATAL

1.
Líquido amniótico Gasoso (ar)
Envolvimento

2.
Mais ou menos
Temperatura Varia consoante as condições externas
constante
externa

3. Hemotró co: difusão


Fornecimento por meio da barreira Dos alvéolos para o sangue
de O2 da placenta

Realizada pelos
4. Nutrição elementos nutritivos Depende da alimentação que é fornecida pelos adultos.
do sangue da mãe

5. Eliminação
Por meio do sangue
dos produtos (CO2), pelej rins e intestinos.
maternal
metabólicos

Reduzida,
essencialmente tátil- Ampliada de acordo com a estimulação social, envolvendo
6. Estimulação cinestésica e todas as modalidades sensoriais: proprioceptivas e
sensorial vestibular. telerreceptivas (audição e visão)
Interoceptividade

Signi cativa,
diversi cada e viva.
7. Atividade Sinergias tônico- Re exos incondicionados e deslocamentos passivos, Movs.
re exas. indiferenciados; descargas tônico-emocional. Dialéticas
motora
hipotenia-hipertonia satisfação-necessidade
Movimentos
espontâneos

Quadro 6.4 - Quadro de Apgar


Avaliação
Fatores de Vitalidade
0 1 2

Rosada no corpo e azulada nas


1. Cor (Appearance) Azul Rosada
extremidades

2. Ritmo (Pulse) Cardíaco Ausente < 100 > 100

3. Irritabilidade re exa
Nula Grito Grito vigoroso
(Grimace)

Atividade Alguns movimentos nos braços e nas Movimentos


4. Tônus (Activity)
pernas ativos
Nula

5. Respiração (Respiration) Ausente Lenta e irregular Boa

A extremidade cefálica, entretanto, vai-se ajustando à distenção e ao colo


uterino e vai se acomodando para o nascimento. A cabeça, privilegiada pela
Natureza, surge à frente e vai abrindo caminho, daí a sua apresentação em 92 a
94% dos partos (parto eutócico).

Normalmente, o nascimento vem no momento mais adequado de


desenvolvimento do bebê. Este deve estar pronto para sobreviver em outros
“cosmo”. O seu corpo relativamente hipotônico tem de realizar várias
habilidades e contorcionismos. A cabeça primeiro e, depois, o resto do corpo
moldam-se a condições anatômicas do corpo da mãe; caso contrário, outras
intervenções vão ser necessárias.

A progressiva expulsão é auxiliada pelas contrações rítmicas. Nada deve


inibir a saída do futuro cidadão. O trabalho do parto tem três fases essenciais:
1a - ruptura das águas;

2a - abertura completa do cérvix;


3a - separação total da placenta, após o nascimento.

A avaliação de 7 a 10 compreende a maioria dos casos que evidenciam


um estado normal. As avaliações 4, 5 e 6 merecem uma intervenção, muitas
vezes, relacionada com a assistência de oxigênio ou a observação da faringe,
onde poderão estar contidos elementos que di cultam a respiração. As
avaliações abaixo de 4 merecem cuidados ainda mais profundos. O índice
deve ser repetido cinco minutos depois do nascimento e devidamente
assinalado na cha neonatal. Está provado, por estudos longitudinais, que os
índices inferiores a 4 são altamente preditivos de lesões neurológicas e de
outras anomalias da criança de ciente.

Quadro 6.5 - Taxonomia do domínio psicomotor (segundo Harlow)

2. Movimentos
1. Movimentos
interpretativos
expressivos -
Comunicação postura - Movimentos
não-verbal estáticos
- gestos
- movimentos
- mímica
criativos

Todas as aquisições
respeitam uma
hierarquia

Aquisições 1. Aquisições 2. Aquisições 3. Aquisições de fases:


adaptativas simples compostas complexas
(aquisições (aquisições (aquisições - inicial
(skills) instrumentais) desportivas) artísticas)
- intermédia

- avançada

- hiperelaborada

4. Agilidade
1. Endurance 2. Força
- mudança de direção
- endurance - força de braços
Capacidades de
muscular 3. Flexibilidade - controle
execução - força de pernas
- endurance - tempo de reação
endurance tempo de reação
cárdio-vascular - força abdominal
- dextralidade

1. Discriminação
tátil-cinestésica
3. Discriminação
- consciência visual
corporal:
bilateralidade, 2. Discriminação - acuidade
auditiva
lateralidade, - sequência 4. Coordenação
Comportamentos
dominância, - acuidade
perceptivo- - memória - óculo-manual
equilíbrio.
motores - sequência
- imagem do - discriminação - óculo-pedal
corpo -memória gura-fundo

- relação do - constância
corpo com o perceptiva
espaço e com os
objetos

1. Movimentos
de locomoção 2. Movimentos não
locomotores
- reptação
- puxar
- quadrupedia
- empurrar 3. Movimentos
Movimentos - braqueação manipulativos
- oscilar e balançar
Básicos 1º ano de
- marcha - preensão
vida -parar
- corrida - dextralidade
- esticar
- salto
- dobrar e vergar
- pé-coxinho
- torcer
- saltitar

4. Re exos posturais

• reações de
1. Re exos suporte
segmentares
2. Re exos • reação de
• re exo intersegmentares transferência
3 Re exos
3. Re exos
de exão
• re exos suprasegmentares • reações
• re exo agonistas tônicas de
• re exo de
miotático atitude
Movimentos • re exos retenção
Re exos • re exo antagonistas • reações de
passiva
de re exos de endireitamento
extensão indução • reação de (reti cação e
plasticidade verticalização)
• re exo • re exo
de integrativo • re exo de
extensão preensão
cruzada
• reações de
equilíbrio e
apoio

Vários cuidados e exames pediátricos devem ser realizados no recém-


nascido, como, por exemplo, pele, órgãos genitais, face, cabeça, tórax, ab‐
dômen, sistemas sensoriais, fontanelas, cordão umbilical, malformações
congênitas etc.

Porém, apenas nos interessa abordar aqui os cuidados que, de alguma


forma, respeitam à ontogênese da motricidade. Dentro desses, temos fun‐
damentalmente a observação: dos re exos, do tônus e da mobilidade
espontânea.

De uma forma integrada, podemos argumentar que a observação dos


três aspectos acima diferenciados constitui o repertório neurobiológico inicial,
com o qual o recém-nascido vai iniciar a aprendizagem histórico-social.
Trata-se de uma taxonomia dos comportamentos psicomotores, muito bem
descrita e analisada por Harlow.

Mais de 70 re exos primitivos foram já detectados no período neonatal.


Porém, só vamos nos deter nos mais signi cativos em termos de ontogênese
da motricidade. Uma ideia fundamental, queremos já evidenciar — a
observação dos re exos primitivos compreende necessariamente uma
maturação tônica concomitante.

André-omas, Dargassies, Illingworth e Minkowski chegam ao mesmo


ponto de estabelecer escalas de maturação tônica e de re exos primitivo com
base na observação de prematuros e crianças de cientes. Segundo aqueles
autores, a exploração do bebê deve compreender uma simples observação
subdividida nos seguintes aspectos: comportamento global evolutivo,
alternância vigilância-sono, reatividade, choro e atividade sensorial.

Fixando-no na observação dos re exos (ou dos automatismos


primários), a memória da espécie, vamos agora discriminar os mais
importantes para o nosso estudo ontogenético: 1- Reflexos orais e periorais —
os re exos da deglutição e da sucção estão presentes no recémnascido. A sua
ausência pode sugerir um defeito de desenvolvimento. A cabeça orienta-se no
sentido da zona perional estimulada (re exos dos pontos cardiais).

2- Reflexos dos olhos (pitpilar e palpebral) — vários re exos se observam


ao nível dos olhos. Os mais importantes são: o re exo de pestanejar, e
o re exo da não- xação, o re exo de rotação (dependente da função
vestibular) e o re exo da pupila.

3- Reflexo de Moro (do abraço) — resposta global a um estímulo


inesperado ou a um estímulo antigravítico. É um re exo vestibular que
consiste em uma abdução e em uma extensão dos braços,
acompanhado de choro vigoroso. Trata-se também de um mecanismo
de alerta que deve desaparecer por volta de três a quatro meses de
idade.

4- Reflexo de preensão — veri ca-se quando se estimula a palma da mão,


provocando uma exão nos dedos, cando a mão fechada. Constitui
um re exo tônico dos exores dos dedos. A estimulação nas costas da
mão provoca o re exo oposto.

5- Reflexo do pé — exão da perna provocada por simples estimulação na


sola do pé, podendo causar movimentos no membro ipsilateral. Este
re exo deve desaparecer por volta dos oito meses.

6- Reflexos da anca — provocado por exão de uma perna, originando


exão na perna contrária.
7- Reflexão da marcha — por estimulação da superfície plantar do pé,
com o bebê suspenso ou seguro pelas axilas, este evoca a exão
projetada da perna contrária com extensão da perna apoiada,
evidenciando um movimento similar à marcha.

8- Reflexo do calcanhar — provocado por uma percussão ou pressão,


implicando extensão do membro.

9- Reflexo tônico do pescoço — re exo postural assimétrico em que se


veri ca a orientação, para o mesmo lado, da cabeça e do braço, com
exão contralateral do joelho. Desaparece por volta de dois a três
meses. Nas crianças com paralisia cerebral, este re exo persiste e pode
até aumentar.

10- Reflexo de incurvação — a estimulação de uma região paravertebral


leva a uma incurvação de todo o corpo da criança, no sentido do
ponto estimulado (GALANT); 11- Reflexo de Landau — o bebê na
suspensão ventral evidencia uma extensão na cabeça, na coluna e nas
pernas. Trata-se de uma associação do re exo labirintítico de
reti cação com certos re exos cervicais.

12- Reflexos osteotendinosos — normalmente exagerados nas crianças


com paralisia cerebral.

13- Reflexo palmomental — abertura da boca por estimulação da palma


da mão.

14- Reflexo da passagem do obstáculo — provocado por estimulação


dorsal do pé com exão da perna.

Esses re exos são evidentemente os que possuem talvez maior interesse


neurológico para a ontogênese da motricidade. Em termos de de‐
senvolvimento, esses re exos devem desaparecer com o tempo, dando lugar a
aquisições motoras ontogenéticas, como as que emergem como consequência
do desenvolvimento postural e do da preensão que veremos mais à frente.

A ausência e a persistência contínua desses re exos podem re etir uma


perturbação neurológica e, por isso, fornecem uma informação muito
relevante para o diagnóstico evolutivo, a identi cação precoce e a maturação
da criança.

A avaliação da maturidade interessa particularmente ao neuropediatra e,


neste sentido, vários trabalhos têm sido conduzidos. Robinson sugere cinco
testes de idade gestacional, subdivididos em: reação da pupila, toque na
glabela, queda da cabeça, endireitamente do pescoço e orientação da cabeça
para a luz. Farr sugere outros sinais: atividade motora, reação da pupila,
velocidade passiva, exão do antebraço, preensão plantar e intensidade de
choro.

Estes e outros inventários relativos podem servir para uma identi cação
precoce de desenvolvimento e constituem efetivamente os primeiros passos da
ontogênese da motricidade, que se inicia fundamentalmente pela
operacionalidade das respostas re exas. Daqui é possível tirar guias fun‐
cionais e objetivos sequenciais hierarquicamente ordenados, que podem
constituir os alicerces do desenvolvimento de currículos de aprendizagem,
principalmente para as crianças de cientes, como iremos apresentar exemplos
mais à frente.

A observação do tônus aborda o tônus de fundo e o tônus de ação. O


tônus de fundo é revelado pela extensibilidade e pela passividade. O tônus de
ação é evidenciado pela motilidade, pelo endireitamento da cabeça, pelo
endireitamento global e pelo endireitamento do eixo corporal, quando a
criança é mantida por um apoio plantar.

O tônus é um reforço às aquisições motoras automáticas primárias. A sua


maturação dá-se no sentido caudocefálico, isto é, o sentido inverso das
aquisições locomotoras, que seguem, como já vimos, o sentido cefalocaudal.
A exploração desta dupla e dialética aquisição, segundo Dargassies, permite
determinar a idade fetal neurológica.
Esquema 6.6 - A exploração do tônus e dos re exos permite determinar a
idade fetal.Na mesma linha, está o trabalho de Mossa e Dubowitz, que
criaram uma escala de sinais neurológicos composta dos seguintes itens:
postura, extensibilidade da mão, dorsi exão do pé, retorno da exão do
braço, retorno da exão da perna, ângulo poplíteo, manobra calcanhar-
orelha, sinal de cachecol, queda da cabeça e suspensão ventral.

Quadro 6.6 - Escala de sinais neurológicos de Mossa e Dubowitz


É evidente que estas escalas do desenvolvimento precoce têm uma
grande importância para o estudo da maturação da criança normal e para a
detecção de crianças com lesões ou disfunções cerebrais ou outros deficits. A
identi cação e a despistagem precoces são processos importantíssimos para se
poder intervir o mais rapidamente possível. Não devemos nos esquecer de que
a educação de uma criança paralítica cerebral ou com síndrome de Down se
inicia não aos cinco ou seis anos, mas logo após o nascimento.

Muitos trabalhos têm sido conduzidos na tentativa de perspectivar


adequadamente o desenvolvimento global da criança. Os estudos longitu‐
dinais, iniciados por Shinn, Pichon e tantos outros, são um modelo que exige
condições especiais de observação continuada que só podem ser conduzidas
em casa ou em instituições. Os exemplos dos estudos sistemáticos, por meio
da diferenciação de fragmentos do comportamento, tiveram os seus expoentes
em Bergeron, Halverson, Brunet e Lezine, Gesell Bühler, Hetzer, Wolff, Cattell,
Charmichael, Sheridan, Illingworth e tantos outros. Aqui interessa
fundamentalmente a metodologia do desenvolvimento e a obtenção de
quocientes: de aptidão intelectual e motora, de desenvolvimento e de
sociabilidade etc.

De qualquer forma, não podemos esquecer, em termos neonatais, a obra


de Gesell. A obra deste autor centrou-se em cinco fatores fundamentais:
maturação, diferenciação individual, leis de desenvolvimento, ritmo de
desenvolvimento e setorização de comportamentos. Sendo um “colecionador”
hiper-rigoroso dos comportamentos da criança, não restam dúvidas de que as
suas escalas de maturação são de um interesse básico e imprescindível.

A título sumário, apresentamos a sua escala de desenvolvimento até aos


cinco anos, compreendendo os seguintes comportamentos: 1-
comportamento adaptativo (ajustamentos sensório-motores e percepção das
relações); 2- comportamento motor global (postura e marcha);

3- comportamento motor no (preensão e dextralidade);

4- comportamento linguístico (fatores de comunicação verbal e não


verbal);
5- comportamento pessoal-social (reações pessoais à cultura social).

Estes cinco aspectos do comportamento desenvolveram-se


interdependentemente, contendo processos normais de maturação. Trata-se
de uma embriologia neurobiológica e psicomotora que origina
progressivamente novas formas de comportamento cada vez mais
diferenciadas, ilustrando níveis de maturidade e de integridade do sistema
nervoso. O comportamento transforma-se em estrutura e em função. O corpo
cresce e o comportamento também. O pensamento e o movimento não se
opõem, e a diferenciação neurológica produz a sua maturação evolutiva.

A ontogênese da criança compreende um aspecto biológico e um aspecto


social. No primeiro aspecto, deparamo-nos com a maturação dos sistemas
nervoso e endócrino. No segundo, observamos a integração social, valorizada
com as aquisições da imitação, do jogo e da linguagem.

O biológico não se opõe ao sociológico. Um não é redutível ao outro.


Não há neles uma incompatibilidade, mas, pelo contrário, subsiste uma uni‐
dade dialética. O biológico e o social coexistem em termos de ontogênese da
motricidade.

Como defende Wallon, o desenvolvimento da criança é um misto de


inovação e de renovação. A causa modi ca-se a si mesma. A motricidade e o
psíquico, embora sendo duas realidades diferentes, são igualmente duas
realidades solidárias.

Quadro 6.7 - Escala de maturação, segundo Gesell


A inteligência é o corolário da ação. O pensamento resulta da ontogênese
da motricidade, que subentende um organismo total que evoluiu através dos
tempos em termos de interação com o potencial genético. O organismo
humano, como totalidade, é resultante de “contrários dialéticos” que se
harmonizam: anatômico-funcional; motorpsíquico; biológico-social;
fenótipo-genótipo.

O crescimento, como aumento quantitativo (estrutura), e o


desenvolvimento, como aumento qualitativo (complexidade), são as
manifestações do mesmo fenômeno. Fenômeno antagônico (Viole), alternado
(Godin) e harmonioso (Pende), onde surgem períodos de aceleração e
desaceleração que postulam uma relação dialética entre fatores endógenos e
fatores exógenos, que retratam a passagem de uma vida vegetativa
(intrauterina) a uma vida mental (extrauterina).
Quadro 6.8 - Da filogênese à ontogênese da motricidade

SEMANAS DE
PERÍODO DE IDADE APÓS DESENVOLVIMENTO DO COMPORTAMENTO
DESENVOLVIMENTO A NEUROMUSCULAR
CONCEPÇÃO

Diferenciação das bras musculares excitáveis. Inervação


EMBRIONÁRIO 5-6
dos motoneurônios alfa.
Ativação dos motoneurônios das unidades motoras (por
6-7
meio de axônios mielinizados)

Os neurônios aferentes estabelecem conexões periféricas


7-8
e centrais não mielinizadas (sistemas do trigênio).

8 Re exos orofaciais cutâneos.

Movimentos espontâneos. Re exo de Moro (a partir dos


FETAL 9-10
receptores vestibulares)

Diferenciação dos fusos neuromusculares. Movimentos


12 oculares. Re exos do pescoço. Re exos palmares e
plantares

Diferenciação dos núcleos cinzentos da medula. Ativação


14 dos fusos neuromusculares. Movimentos localizados dos
lábios, da língua, da cabeça, do tronco e dos membros.

Movimentos dos músculos respiratórios (intercostais


anteriores ao diafragma). Mielinização de bras no SNC
16
(nas vias intersegmentais do pescoço e nos nervos
vestibulares).

Mielinização das vias dorsais e médio-longitudinais da


medula. Mielinização dos nervos motores cranianos,
24
seguidos pelos nervos aferentes (em primeiro o
Vestibular).

Mielinização das vias reticulomedulares, tectomedulares


e vestibulomedulates. Mielinização dos nervos
taquidianos (motores antes dos aferentes).

Re exo mímico-faciais. Coordenação dos re exos


28
cervicais (Re exo de Magnus e re exo de Klein).
32 Mielinização das vias medulocerebelosas e
medulotalâmicas.
36
Efeitos do re exo vestibular nos músculos dos olhos e
e tos do e e o vest bu a os úscu os dos o os e
nos músculos dos membros.

Mielinização nas vias projetivas corticais e nos nervos


óticos.

NASCIMENTO 36-37

38 Re exos da marcha e da reptação.

Movimentos de perseguição ocular. Controle voluntário


40
começa a observar-se.

42 Relfexo da extensão da cabeça em decúbito ventral.

50 Efeitos dos re exos visomotores no pescoço, tronco e


INFÂNCIA
membros. Re exos de suporte nos braços.
(3m */2)

60 A cabeça acompanha o tronco até a posição de sentado,


quando o bebê é suspenso pelos braços, desde a posição
(6 meses) de deitado dorsal.

64
Senta-se sem suporte. Movimentos de exploração.
(7 meses)

68 Bipedismo com suporte. Dominância cerebral começa a


estabelecer-se bem como a preferência manual
(8 meses) (lateralidade).

70 Quadrupedia exploratória. Re exos de suporte nas


pernas.
(8m */2)

80
Marcha com suporte.
(11 meses)
100
Marcha e postura bípedes independentes.
(16 meses)

A ontogênese da motricidade é o espelho da logênese humana. Por


aqui, demonstra-se que os músculos (como órgãos motores por excelência)
são os instrumentos privilegiados pelos quais os seres humanos comunicam e
materializam os seus pensamentos e sentimentos. O movimento voluntário e
o ajustamento postural são as chaves da inteligência e da comunicação
humanas. O pensamento é o corolário da ação; os dois são as duas facetas
sublimes da atividade psíquica superior. Foi assim que a consciência humana
evoluiu historicamente (aspecto logenético), e é assim que se opera a
formação da inteligência da criança (aspecto ontogenético).

Fig. 6.8 - Filogênese do SNC.


Fig. 6.9 - Ontogênese do SNC.

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-7-

Abordagem Psicobiológica

O ESTUDO DA MOTRICIDADE E A SUA IMPORTÂNCIA NO


DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO DA CRIANÇA

O estudo do movimento na gênese do comportamento humano é


extremamente complexo, dado que a sua signi cação total se encontra
profundamente inter-relacionada com a corticalização progressiva e, por
outro lado, porque constitui o suporte de toda a estruturação da atividade
psíquica.

O movimento é um elemento de estudo em muitos setores,


nomeadamente em Fisiologia (MA- REY), Neurologia (BOULOGNE),
Neuro siologia (SHERRINGTON), Psicobiologia (WALLON), Psicologia
(PIAGET), Psiquiatria (SPITZ) etc.

Os vastos campos do estudo do movimento, na evolução da pessoa


humana, estão ligados a todas as multiplicidades do seu comportamento,
não só no desenvolvimento das suas potencialidades mas também nos
processos cognitivos da sua maturação integrativa superior.

Se se pretender estudar a motricidade no seu conjunto, teremos de a


situar essencialmente no campo da expressão humana, inserida em um pro‐
cesso ontogenético de evolução ascendente, como desenvolvimento das
manifestações motoras em um vasto sistema de referências, tanto biológicas
como sociais.

Encaramos a expressão humana como relação recíproca e indissociável


entre o organismo e o meio envolvente.

A evolução da motricidade é profundamente complexa, muito mais do


que parece, mesmo nas formas mais automatizadas, pois funciona desde o
feto, em uma estreita relação com o sistema de necessidades, e está ligada a
certos re exos primitivos e arcaicos que traduzem a fenomenologia da sua
satisfação necessária.

A expressão humana não se explica pela anatomia; fundamentalmente


explica-se pela relação, quer dizer, é um perfeito funcionamento de estru‐
turas funcionais disponíveis. É o movimento que, ao xar estruturas e ao
libertar outras, promove uma sucessiva estruturação interna que se prepara
para futuras realizações.

A integração sucessiva da motricidade implica a constante e


permanente maturação orgânica, que vem re etir aquilo que Piaget
denominou dimensão motora do comportamento humano.

O movimento contém a sua verdade em si próprio e implica por si um


envolvimento onde se desenvolve. O movimento tem sempre uma
orientação signi cativa, em função da satisfação das necessidades que
provoca com o meio.

O movimento e o seu m são uma unidade, e desde a motricidade fetal


até a maturidade plena, passando pelo momento do parto e pelas sucessivas
evoluções, o movimento é sempre projetado em face de uma satisfação de
uma necessidade relacional. A relação entre o movimento e o m
aperfeiçoa-se cada vez mais, como resultado de uma diferenciação
progressiva das estruturas integrativas do ser humano.

Este estudo impõe a coexistência das estruturas motivacionais que,


inexistentes à nascença, se ligam mais tarde aos efeitos do movimento, os
quais, posteriormente, se orientarão para os automatismos que, nalmente,
traduzirão a plasticidade adaptativa às situações novas.

Gesell e a sua escola estudaram as proliferações dos aspectos motores,


concluindo que é o próprio movimento que liberta o estado caótico de
inconsciência absoluta, que caracteriza o momento do nascimento do ser
humano.

É por meio do movimento que o homem integra os dados do exterior,


que relacionados e sistematizados evolutivamente originam a corticalização.
Para Minkowski, a evolução motora é, essencialmente, a evolução nervosa.
Este paralelismo dialético estrutura-se a partir dos primeiros contatos com o
mundo, estabelecendose uma sucessiva diferenciação e especialização nos
contatos posteriores.

Em cada idade, o movimento toma características profundamente


signi cativas, como processo maturativo e, portanto, como enriquecimento
especí co do indivíduo com o ambiente.

Cada nova aquisição in uencia as ulteriores, tanto no domínio mental


como no domínio motor, de modo que se valorizem as relações com o meio,
por meio de uma adaptabilidade a novas circunstâncias, provenientes de
uma alteração do conteúdo signi cante das situações vividas e experimen‐
tadas. É essa experiência, esse contato com o exterior, que esboça a
consciencialização.

O estudo neurológico de Jackson levantou o problema de que as


funções neuropsicomotoras são o resultado de uma evolução hierarquizada,
evolução que será a passagem:

• do mais organizado ao menos organizado;

• do mais simples ao mais complexo; e

• do mais automático ao mais voluntário.


Os centros superiores são ao menos organizados, os mais complexos e
os mais voluntários.

A integração do sistema nervoso opera-se em níveis cada vez mais


elevados, de estados cada vez mais diferenciados e especializados. Mais
tarde, Von Monarkow e Murgue estudaram os mesmos problemas,
demonstrando que a unidade do comportamento e, portanto, do
ajustamento, se estabelece sucessivamente em níveis cada vez mais
complexos.

A integração mental do movimento, como forma de expressão de uma


individualização em face da realidade, está em dependência recíproca com a
gênese do comportamento humano; daí se traduzir em aquisições motoras
integradas, em estreita relação com o desenvolvimento psico siológico.

O enriquecimento das possibilidades é elaborado pela motricidade, que


sucessivamente estrutura intimamente o sistema integrativo, sendo pelo
movimento que a vida mental se organiza em função do passado e projeta-
se para a frente, em função do futuro.

A motricidade é um vasto problema rico de prolongamentos mentais,


com aquisições de nidas, mas ainda malconhecidas, na medida em que a
motricidade repousa em infraestruturas biológicas e neurológicas, sem as
quais não podemos entender as suas relações com os princípios da vida
mental.

A ambiguidade dos problemas centrados no movimento leva os


neurologistas e os psicanalistas a debruçarem-se sobre o seu estudo, por
meio de um ponto de partida fundamental, ou seja, a relação do signi cado
do movimento, mas, após as situações, as circunstâncias e as condições do
meio que o originaram. Bergeron acrescenta ainda que a complexidade do
estudo do movimento nem é um problema de abstração do estudo do
movimento, nem é um problema de abstração siológica, nem mecânica,
nem sequer um objeto exclusivo da psicologia.

Não se podem dissociar os conjuntos que são responsáveis pelo ato


motor, na medida em que o movimento isolado não possui o signi cado de
comportamento.

A determinação da conduta está em íntima relação com as estruturas


possíveis do indivíduo; são fundamentalmente estas que as garantem a
diferenciação progressiva das condutas.

Em uma perspectiva dinâmica, a evolução nervosa é sempre uma


evolução motora. É uma maturação importante na integração sensório-
motora em função com a causalidade no tempo.

Compreendemos agora a di culdade e a vastidão do estudo do movi‐


mento, dentro de uma visão do comportamento humano, mas deveremos
procurar uma via de fundamentação do movimento, procurando
essencialmente a sua signi cação.

Fig. 7.1 - Posturas com quatro meses de idade. Da postura simétrica à


exploração visual dos objetos agarrados pela mão. A cabeça possui já
controle tônico para se opor à gravidade. Postura de reptação e de
sentado com suporte.
Fig. 7.2 - Posturas com sete meses de idade. A lei cefalocaudal introduz
novos avanços na mielinização. Primeiras conexões sensório-motoras
(visual-mão). Pseudoidenti cação no espelho. Elevação da cabeça
revelando melhor controle tônico postural. A boca como órgão tátil de
conhecimento corporal.

Fig. 7.3 - Posturas e movimentos com dez meses. Controle da postura de


sentado. As mãos estão livres, para agarrar manipular e largar objetos. A
locomoção quadrúpede inicia-se. Os ensaios para a estação bípede
despontam.
Fig. 7.4 - Posturas e movimentos com um ano. Motricidade na para
iniciar os primeiros passos, colocando em destaque a lei neurológica de
desenvolvimento, denominada lei próximodistal. Os esquemas de ação
desenvolvem-se. A marcha com apoio é semidependente, con rma a fase
nal da lei cefalocaudal. A utilização inteligível dos objetos é possivel.

Fig. 7.5 - Novas aqu isigões com dois anos. Funções práxicas construtivas.
Primeiros gra smos. Corrida e coordenação oculopedais. O
reconhecimento de mais de 50 palavras é facilmente identi cado com a
exploração de livros.
Fig. 7.6 - A diferenciação das aquisições aos três anos. Controle postural
perfeito. Mantém-se em equilíbrio estático. Controla objetos, realizando
simultaneamente gestos diferenciados nos membros superiores e nos
membros inferiores (dissociação). Alimenta-se independentemente,
controlando os talheres econômica e harmoniosamente. O jogo passa a
ser uma constante.

Fig. 7.7 - Aquisições aos quatro anos. Total domínio das funções motoras
globais e xas. Diferenciações linguísticas. Apropriação perceptiva-
motora e pré-operacional.
Pretendemos relacionar o movimento com as interações que tem com
os outros aspectos do comportamento, não só com os de ordem motora,
mas essencialmente com os aspectos da inteligência, da afetividade e da
percepção.

Foi Piaget um dos autores que mais estudaram as inter-relações entre a


motricidade e a percepção por meio de uma larga experimentação. Piaget
relacionou a percepção visual com a motricidade do globo ocular,
constatando que a percepção surge primeiro em uma fusão pouco de nida
com os objetos em movimento, e só tardiamente, os movimentos do olho
conseguem acompanhar a velocidade dos objetos, classi cando e precisando
a percepção. As experiências do quadrado animado de um movimento de
circundação a velocidades diferentes de Lambercier, veri caram a
intervenção da motricidade nos fenômenos da percepção. Tais experiências
mostraram que a criança tem di culdade em reconhecer o quadrado, e só vê
uma cruz simples, ao contrário do adulto, que, possuindo uma motricidade
ocular mais desenvolvida, consegue ajustar a sua concentração e ver uma
cruz dupla envolvida de quatro traços, com obscuridade nos quatro ângulos
da gura de conjunto.

Outro autor, Michotte, também estudou a causalidade perceptiva na


criança, concluindo que esta experimenta di culdades em seguir os
movimentos e distinguir as prioridades temporais e espaciais e, sobretudo,
as velocidades. Esta di culdade apresenta-se sob a forma de uma
inadaptação, dependente do irreconhecimento do envolvimento e da
limitação do campo visual.

Este nível de comparação é melhorado com a idade, mas também


acompanhado por um aumento de ilusão, relacionado com a forma de co‐
nhecimento e de vivência do indivíduo.

Piaget considera que a motricidade interfere na inteligência antes da


aquisição da linguagem.

A inteligência verbal ou re exiva repousa em uma inteligência


sensório-motora ou prática, que, por seu lado, se apoia nos hábitos e
associações adquiridas para as recombinar.

O movimento constrói um sistema de esquemas de assimilação e


organiza o real a partir de estruturas espaço-temporais e causais.

As percepções e os movimentos, ao estabelecerem relação com o meio


exterior, elaboram a função simbólica que gera a linguagem, e esta dará
origem à representação e ao pensamento.

A coordenação dos sistemas sensório-motores estabelece-se e


concretiza-se no movimento, que, de forma cumulativa, dá lugar à atividade
organizada, como consequência da assimilação dos estímulos exteriores.

A continuidade dos processos morfogenéticos e a adaptação ao meio


fazem realçar um sistema de reflexos que se desenvolve e que,
sucessivamente, vai estabelecendo as trocas com o meio.

A realização do movimento leva, segundo Piaget, à assimilação, que se


torna elemento de compreensão prática e, ao mesmo tempo, compreensão
da ação. Piaget de ne a motricidade como a explicação das condutas que a
concebem de um modo integrativo na construção de esquemas sensório-
motores, portanto, com a complexi cação progressiva, ligada de forma
contínua à motricidade elementar resultante de uma série de atos de
inteligência, características do período pré-verbal.

Piaget realça ainda a importância da motricidade na formação da


imagem mental e na representação imagética. O vivido, integrado pelo mo‐
vimento e, portanto, introjetado no corpo do indivíduo re ete todo um
equilíbrio cinético com o meio que, valorizando as representações psico‐
lógicas do mundo, dá lugar à linguagem.

Nos trabalhos que o mesmo autor apresentou com B. Inhelder, mostra-


se que a imagem mental é antes estática e só depois possibilita a antecipação
em face da imagem, dadas as di culdades em imaginar os detalhes da ação.

A constante integração que o indivíduo estabelece com o mundo por


meio do movimento permite-lhe sucessivamente um controle e uma
intencionalidade progressivos que possibilitam os conhecimentos dos
pormenores da ação.

A esta passagem entre a ação e a representação, Michotte designou a


chave viso-tátil-cinestésica do comportamento humano.

Estes elementos e tantos outros estudos revelam a importância


psicológica do movimento, porque a formação da vida mental é baseada em
uma inteligência prática de nidora de uma espécie de imitação interiorizada
que prepara a imagem verbal e sonora.

As atividades perceptivo-motoras prolongam a interiorização de


imagens visuais, preparadoras dos primeiros esquemas operatórios que dão
suporte à linguagem e à re exão.

Para Piaget, a operação é a ação coordenada que implica a estruturação


lógica da inteligência humana.

A cadeia evolutiva movimento-linguagem-inteligência deve ser,


portanto, constantemente entendida como ponto de partida, da
respeitabilidade da unidade do desenvolvimento da inteligência do ser
humano.

A noção do objeto e o signi cado da sua utilização levam ao progresso


da noção de ordem, propriedade fundamental da coordenação das ações.
Essa noção de ordem origina a logicidade da inteligência, fundamentada na
lógica da motricidade.

Veri ca-se, com efeito, que a motricidade intervém em todos os níveis


do desenvolvimento das funções cognitivas, na percepção e nos esquemas
sensório-motores, substratos da imagem mental, das representações pré-
operatórias e das operações propriamente ditas.

“A inteligência não aparece em um momento dado do desenvolvimento


mental, como um mecanismo todo montado e radicalmente distinto dos que
a precederam”. (PIAGET)
Efetivamente, a inteligência é o resultado de uma certa experimentação
motora integrada e interiorizada, que, como processo de adaptação, é essenci-
almente movimento.

Precisamos, agora, perspectivar as constantes funcionais da


inteligência, em Piaget.

Para Piaget, a inteligência é uma adaptação.

A vida é uma criação cotínua de formas dadas, cada vez mais


complexas, é a procura de um equilíbrio progressivo entre estas formas e o
meio. Esta mesma linha é defendida também por Vygotsky, para quem a
adaptação é a procura de um equilíbrio, entre o indivíduo e o meio.Piaget
prossegue defendendo que o organismo humano se adapta, constituindo
materialmente formas novas, para posteriormente as inserir no seu
universo, na medida em que caberá à inteligência prolongar essa criação,
constituindo mentalmente estruturas suscetíveis de serem aplicadas ao meio.
Biologicamente, a inteligência é um caso particular da atividade orgânica,
dado que as coisas percebidas ou conhecidas são um aspecto do meio ao
qual o organismo tende a adaptar-se, operando-se como consequência uma
inversão das relações. Piaget quis explicar que, no desenvolvimento mental,
existem elementos variáveis e outros constantes.

No desenvolvimento da criança ao adulto, assistimos a uma elaboração


contínua de estruturas variáveis, mas também veri camos que as grandes
funções do pensamento permanecem estáveis.

De fato, encontramo-nos em uma di culdade em estudar história do


comportamento humano, na medida em que se torna inútil separar os
aspectos variáveis dos aspectos permanentes. Teremos de situar o
desenvolvimento do indivíduo em um contexto dialético, entre as estruturas
de transformação e as estruturas de estabilização, como defendeu J. C.
Filloux.

Uma das estruturas entre o organismo é a adaptação, como condição de


conservação e equilíbrio entre o organismo e o meio. Para Piaget, há
adaptação logo que o organismo se transforma em função do meio,
provocando uma variação de efeito que origina o enriquecimento das trocas
entre o meio e o indivíduo, que lhe são favoráveis à sua conservação.

O organismo, como um ciclo de processos psicoquímicos e cinéticos,


estabelece com o meio uma relação constante, íntima e gerante.

Mas Piaget subdivide o processo de adaptação em:

• assimilação — que constitui o funcionamento do organismo, o qual,


coordenando os dados do meio, os incorpora; e

• acomodação — como resultado de pressões exercidas pelo meio;


justi cando que a adaptação é um equilíbrio entre a assimilação e a
acomodação.

A inteligência é, com efeito, assimilação, na medida em que incorpora


todos os dados da experiência. A adaptação intelectual comporta um ele‐
mento de assimilação, ou seja, uma estruturação por incorporação da
realidade exterior por meio da atividade do sujeito. Chamamos aqui a
atenção para a importância do movimento, dado que é por ele que se
estrutura a inteligência sensório-motora (prática), a qual, organizando os
atos, assimila os comportamentos motores das diversas situações oferecidas
pelo meio.

Posteriormente à experiência motora, o indivíduo constrói formas de


pensamento baseadas na incorporação dos dados fornecidos por meio dela,
assimilando os objetos a si próprio e esboçando aquilo que Piaget
denominou por inteligência re exiva ou gnósica.

Por outro lado, o mesmo autor acrescenta que a vida mental também é
acomodação ao meio ambiente, dado que ela não é possível sem a assimila‐
ção atinente. Ao trabalho de acomodação, corresponde, inversamente, o da
assimilação. A noção de objeto não é inata; ela necessita de uma construção
tanto assimiladora como acomodadora.

Em conclusão, tanto a adaptação intelectual, como a adaptação motora


são a con rmação de um equilíbrio progressivo entre um processo
assimilador e uma acomodação complementar. O indivíduo não se encontra
adaptado enquanto não estabelecer uma ajustada acomodação com a rea‐
lidade, mas, inversamente, não haverá adaptação se a nova realidade
impuser atitudes motoras ou mentais contrárias às que foram adaptadas no
contato com outros dados anteriores. Não há adaptação sem coerência e,
portanto, sem assimilação, que conduzirá a uma função de organização
inseparável da unidade da adaptação, constituindo aquela o aspecto interior
e esta o aspecto exterior da totalidade funcional da unidade de
comportamento.

Todo o aspecto de inteligência supõe, segundo Piaget, um sistema de


implicações mútuas e de signi cações solidárias, que ascenderão ao aspecto
categorial, onde a inteligência se adapta concretamente ao meio. São as
“categorias” do espaço e do tempo, da causalidade e da substância, da
classi cação e do número etc., que, correspondendo à realidade, a integram
no consciente por meio do movimento.

O “acordo do pensamento com as coisas” e o “acordo do pensamento


com ele mesmo” exprimem a constante funcional da adaptação e da
organização.

Para nalizar, com Piaget, os dois aspectos do pensamento são


indissociáveis: é adaptando-se às coisas que o pensamento se organiza, e é
organizando-se que ele estrutura as coisas.

TENDÊNCIAS FILOGENÉTICAS

Para os palentólogos e os antropólogos, a motricidade é a chave da


Evolução, encerrando nela, como paradigma, a sua própria nalidade
enteléquia. Não se trata de colocar uma visão puramente biológica, nem
tampouco valorizar um reducionismo inconsequente como nos fala Weiss
(1971); pelo contrário, a totalidade estrutural com que hoje concebemos a
teoria sintética da Evolução, confere à motricidade o papel motor que ilustra
o triunfo evolutivo dos vertebrados, e na espécie humana, a signi cação da
sua comunicação e da sua civilização.
Com cerca de 40.000 genes, o patrimônio informático da espécie
perpetua e reduplica (CRICK, WATSON e WILKINS, 1975) uma direcio‐
nalidade e um desígnio transcendente, nos quais a tricidade, por via de
pressões seletivas darwinianas, retém certas características que desfrutamos
com as outras espécies e modela outras, únicas da espécie humana.

Com base em recombinações poligenéticas abertas e transitórias, a


motricidade, com origem nos re exos, refunde e rearranja ao longo do pro‐
cesso evolutivo componentes adaptativos que a transcendem e lhe permitem
materializar a própria cognição.

Dos re exos à re exão, a motricidade consubstancia o longo, o


integrado e o complexo processo interativo e evolutivo, que obviamente tra‐
duz a emergência do cérebro, considerado o órgão mais organizado do
organismo (“o órgão da Civilização” para Vygotsky, 1930), o órgão principal,
por excelência, para lidar intencionalmente com o envolvimento, e por
inferência funcional, para captar, integrar, elaborar e expressar a linguagem,
porque mais nenhum outro órgão evidencia tanta indiferenciação
topológica e tão elevada especialização (LENNEBERG, 1975), apesar de se
conhecer hoje mais a sua anatomia do que as suas funções.

É a especialidade e a complexidade funcional que o cérebro adquiriu ao


longo da sua interação histórico-evolutiva, desde o diminuto cérebro dos
peixes, dos répteis e das aves, ao longo de um horizonte calculado em 3
bilhões de anos, ao cérebro hipercomplexo e esférico dos mamíferos, dos
primatas e do Homo Sapiens, atingindo em cerca de 10.000 anos, que se deve
a grande aventura do “vertebrado dominante e comunicante”, o único a
atingir uma gestualidade, uma pantomima e uma imitação intencionais, em
síntese uma neomotricidade (isto é, uma metamotricidade sinônima da
Psicomotricidade, ou mais exatamente, de praxia ideomotora, ideacional ou
construtiva), capaz de se consubstanciar em uma forma transcendente de
comunicação — a comunicação não verbal.

O ser humano como produto da Evolução (o fully upright toll-user de


Simpson, 1973), singular e único, entre os animais em termos de
motricidade e de linguagem, explorador da Natureza, adaptando-se a todos
os seus envolvimentos ecológicos e produzindo neles impressionantes
mudanças e transformações, cujos megaefeitos estão ainda por apreciar,
conseguiu com a sua neomotricidade plani cada, pensada e
sequencializada, eacrescentar a ela um mundo objetal (por meio da
micromotricidade) e um mundo simbólico-civilizacional ( por meio da
oromotricidade e da grafomotricidade).gato

Fig. 7.8 - Ao longo da evolução em termos relativos o tamanho da face


diminui, enquanto o tamanho do cérebro aumenta.

Dispondo de adaptações macromotoras, micromotoras, oromotoras e


grafomotoras extragenéticas, ou seja, adaptações decorrentes da sua apren‐
dizagem cultural, o ser humano biologicamente vulnerável à nascença e
pobre em instintos, mas, em contrapartida, rico em plasticidade e exibili‐
dade adaptativa e em mediatização interativa e comunicativa, resistiu a
todos os predeterminismos e pré-formismos com sua motricidade práxica e
representacional, pois, com as suas invenções, entre as quais os
instrumentos e os próprios símbolos, refez e refará o seu envolvimento,
colocando em prática um sucesso evolutivo, independentemente das suas
vicissitudes.

O Homem é, eminentemente, um ser práxico e comunicativo, educável


e sociável, não obstante de sua biologia ser insu ciente para explicar o que
fez e o que faz ou venha a fazer, uma vez que está condenado a ser
sumultaneamente agente e produto de cultura. Em síntese, a evolução revela
que, nos seres humanos, a sua motricidade e a sua linguagem e,
simultaneamente, o seu cérebro e concomitantes sistemas funcionais de‐
senvolveram-se em paralelo.

Paleontólogos, antropólogos e primatólogos (LEROI-GOUHRAN,


1964; BRONOWSKY, 1973; PILBEAM, 1970) são unânimes em considerar
uma hierarquização paleontológico-funcional e morfológico-motora dentro
dos vertebrados, que re ete paralelamente uma organização cerebral
hierarquizada, desde o Ictiomorfismo dos anfíbios, passando pelo
Sauromorfismo dos répteis, pelo Teromorfismo dos mamíferos e até o
Pitecomorfismo dos primatas. (FONSECA, 1989)

Só dentro de uma progresiva diferenciação funcional da motricidade


vertebrada (FONSECA, 1989 e 1992), pode-se conceber a emergência de
transformações e libertações anatômicofuncionais, elas próprias indutoras
de outras transformações e libertações neurobiológicas, quer sobre o ponto
de vista logenético, quer ontogenético, dado que são sinteticamente o co‐
rolário triunfante da Evolução.

A evolução da motricidade pré- gura a evolução do cérebro, e este


requer uma certa maturação neurológica vertical e ascendente (LURIA,
1966) para dar origem à evolução dos sistemas de comunicação não verbal e
à comunicação verbal, quer no Homo Sapiens quer na criança.

Os sistemas de comunicação animal não podem substanciar uma


sequência de marcas ou uma manipulação de símbolos, pois elas são só
próprias da espécie humana. Independentemente de a comunicação não
verbal animal ser deveras especí ca e restrita em termos de espécies, a sua
complexidade gestual e facial, quinestésica e proxêmica está longe da
comunicação não verbal humana, dada a sua contiguidade com a
manipulação de sinais, signos e símbolos, que não respondem apenas a
necessidades biológicas, mas subentendem necessidades extrabiológicas,
cuja transcendência signi cativa está na base da emergência da própria
linguagem.

Para que a linguagem se justi que em termos paradigmáticos, é


necessário que os sons emitidos sejam:
• (1) vocais

• (2) articulados

• (3) signiticativos

• (4) indicativos

• (5) intencionais

• (6) multicombináveis

Para Critchley (1975), os sons devem envolver uma micromotricidade


especí ca da língua, da laringe e da faringe — oromotricidade — algo que
em si encerra uma especialização do aparelho articulatório inter-relacionado
com os sistemas corticais superiores, ou seja, um conjunto sistemático de li‐
bertações anatômicas e de transformações funcionais ao nível do crânio e do
cérebro, a que já zemos referência. (FONSECA, 1989 e 1992)

Os animais produzem sons destituídos de signi cação que mais não


são do que sinais xos e in exíveis, não sequencializados nem ordenados,
que determinam padrões inatos que podem servir de meios inintencionais
de comunicação e de esquemas básicos de sobrevivência e sinalização, mas
não podem ser caracterizados como linguagem.

As ululações, os arfamentos, os rugidos, os latidos, os guinchos, os


ofegamentos e os arquejamentos, os roncamentos e os rosnamentos, os gri‐
tos e os uivos limitativos, que servem para exprimir ameaças, ataques,
defesas, perigos, dores, prazeres, chamadas-aviso, desejos, fome, medo,
proteções e interações lúdicas, olhares, posturas etc., certamente muito
complexas e hierarquizadas, com certo paralelismo na evolução pré-verbal
da criança, não podem criar novas palavras, nem, tampouco, novas frases
(SLOBIN, 1979). Os animais não produzem nomes de objetos, direções
comportamentais, ideias, valores etc., comunicam entre eles, mas de forma
limitativa e restritiva.
Como o ser humano adquiriu os diferentes passos até a apropriação da
linguagem, talvez nunca venha a ser conhecido, uma vez que a linguagem,
nas suas origens, não deixou qualquer rastro ou registro, pois ela não é
possível de se perpetuar em fósseis.

A nossa proposta sobre a origem da linguagem é que ela esteve associada


à motricidade, especialmente à libertação e à utilização da mão e da face, de
onde decorre a emergência sequencial de gestos e mímicas intencionais.
Apesar da incomensurável versatilidade da comunicação não verbal
humana, em gestos mímicos, ambas estão limitadas, e ambas são ine cazes
na escuridão noturna, daí a necessidade de recorrer aos sons, para se dispor
de um meio de comunicação também utilizável no escuro.

A combinação de sons, gestos e mímicas para indicar objetos e situações,


sinergeticamente integrada (componente interna neurobiológica) e imitada
pelo grupo (componente externo social), em termos de contágio biocultural,
ecocinésia transcendente, logenética e ontogeneticamente única e exclusiva
da espécie humana, fornece algumas tendências sobre a emergência da fala,
ela própria no seu início, uma linguagem de sinais, só concebível em paralelo
com a fabricação e a manipulação de instrumentos, marco antropológico
crucial que identi ca a separação do Homem de Neanderthal do Homem
Moderno (LIBERMAN, 1975) e que esclarece a importância do tamanho e
da complexidade do cérebro.

A sequência de sons, reforçada com gestos e mímicas, induz a palavra


(síntese verbal de um construto não verbal), que, inicialmente hipotecada à
comunicação de fatos concretos, se tornou progressivamente um
instrumento de conhecimento, como podemos acompanhar longi‐
tudinalmente na criança. Com a palavra, o corpo e a sua motricidade
prolongam-se em simbolismos, isto é, ela permite a elevação do concreto
(no sentido do sensorial) ao abstrato (no sentido do simbólico). O primeiro
signo sonoro, uma vez que reúne o sensorial, o perceptivo e o imagético (no
sentido iconográ co de Bruner, 1970), dá início ao pensamento humano.

Na gênese do pensamento, o homem primitivo se associou, e a própria


criança se associa às coisas e aos objetos, por meio da sua motricidade neles
aplicada, motricidade vivida e representada que se inseriu e insere entre as
coisas, às suas próprias necessidades, a partir das quais, modi cou e
modi ca as relações entre ambas, uma vez que os seus próprios corpos se
tornam no campo privilegiado de atividade, acomodando a sua postura à
presença das coisas e dos objetos, procurando reproduzir algo deles,
assemelhar-se a eles, mesmo imitá-los.

Trata-se de um pensamento descritivo, baseado na motricidade com a


qual se opera a passagem da ação concreta à imagem que internamente a
representa. O gesto, complementar das coisas e dos objetos, tornou-se
progressivamente complementar da coisa ou do objeto a ser expresso
(WALLON, 1963). O pensamento parece ter sido inicialmente mímico, antes
de ter sido falado ou escrito, e tal paradigma da linguagem é ilustrado na
ontogênese, como está expresso em algumas formas regressivas do afásico.

Quais serão então as características intrínsecas dos signos sonoros que


explicam a passagem dos seres não humanos aos humanos?

Autores, como Balbi (1982), Hockett (1978), Critchley (1975),


identi cam propriedades distintas da linguagem, que designaram por
“características construtivas”, das quais destacaram três peculiares do ser
humano: deslocação, produtividade e dualidade.

Deslocação no sentido de a linguagem apresentar um atributo de


extensibilidade que transcende as barreiras imediatas do tempo e do espaço,
cuja analogia com a dança das abelhas é um mero indício. Produtividade, no
sentido da multiplicidade inovadora e in nita de mensagens e da
versatilidade e da exibilidade in ndável das suas divisões, inteligivelmente
descodi cadas e codi cadas (o open-endedness chomskiniano), cuja intera‐
ção entre os gol nhos e as baleias é um simples exemplo. Dualidade, no
sentido da estruturação básica de padrões da linguagem, que, em termos
humanos, se revela pela manipulação de morfemas que decorrem da copiosa
construção de fonemas, cujas semelhanças com a melodia sonora das aves é
apenas uma amostragem plausível.
Embora os etologistas nos venham elucidando da complexidade da
comunicação entre os animais, o seu efeito comunicativo não pode ser ainda
considerado intencional. A linguagem humana, embora emergindo de bases
biológicas inquestionáveis, não pode ser reduzida a uma comunicação
animal, independentemente de a comunicação entre os primatas apresentar
indícios de formas mais elaboradas e plásticas de interação cognitiva,
impensáveis no passado (GARDNER, 1969). Todavia, primatas não
pronunciam senão simples duplicações silábicas.

O ser humano é único no seu aparelho oromotor (DUBRUL, 1958) que


lhe permite atingir dois a três anos depois de nascer e depois de se equilibrar
(papel da postura bípede e da segurança gravitacional, das quais
funcionalmente advêm grandes transformações craniocerebrais e o aparelho
vocal), e, em um ecossitema sociocultural apropriado e mediatizado, uma
articulação voluntária, complexa temporalmente (100 músculos para
produzirem em média cerca de 14 sons por segundo) e diferenciada em
inúmeros sons distintos.

Com as ditas transformações craniocerebrais decorrentes da postura


bípede (FONSECA, 1989), conquista motora especí ca da espécie, outras
transformações se veri caram paralelamente, quer na faringe, quer na
laringe, bem como na língua.

A faringe humana serve de passagem à comida e ao ar, permitindo que


a passagem nasal seja convenientemente fechada, possibilitando que o ar
seja inalado, perfeita e totalmente pela boca. Os músculos digástricos que
servem para mobilizar a mandíbula a partir do osso hioide estabilizam a
laringe como verdadeiras âncoras, recurso e suporte essencial à fala,
inexistentes noutras espécies. Além desta função de suporte, os mesmos
músculos se ampliam e divergem para expor o diafragma oral profundo
(músculo milo-hioide), fornecendo-lhe maior liberdade de
micromovimentos que são essenciais à produção oral.

insetívoro
Pelo efeito da conquista bípede, a mandíbula, desde os insetívoros ao
Homo Sapiens, arredonda-se, em virtude da produção de modi cações no
crânio tendentes à redução do prognatismo e da estrutura dentária e
também, da rotação descendente do foramem magnum, mobilizando
anteriormente e reduzindo os músculos da base da boca (digástrico
anterior), ao mesmo tempo em que o osso hioide progride para a frente,
tornando menor o ângulo entre a cavidade oral e a esôfago-faríngica, dando
origem simultaneamente ao alongamento dos mesmos músculos na parte
posterior (digástrico posterior). A boca e o aparelho oromotor cam assim
controlados no plano posterior pelo músculo milo-hioide, conferindo a
ambas as estruturas anatômicas libertações funcionais que estão por detrás
da linguagem articulada humana.

Fig. 7.9 - As transformações craniocerebrais decorrentes da postura


bípede produziram, paralelamente, transformações na faringe e na
laringe. Os músculos digástricos mobilizam a mandíbula e estabilizam a
laringe, garantindo maior liberdade de micromovimentos necessários à
fala.
Figura 7.10 - Em virtude da postura bípede, a mandíbula arredonda-se
desde os insetívoros até o Homem, o prognatismo reduz-se e o foramem
magnum recua descendentemente, transformações que estão na base da
produção da fala (na gura, a mandíbula está colocada na posição
inversa).

A laringe humana, por sua vez, originalmente nos vertebrados uma


simples válvula de ar para proteger os pulmões, quando conquistaram a ter‐
ra rme, transformou-se nos humanos em um dispositivo funcional
importantíssimo para produzir sons. O ar vindo dos pulmões, modulado
pelo diafragma, vibra perfeitamente por meio das cordas vocais, originando
inúmeras modi cações e subdivisões que se repercutem nas três câmaras da
fala: a faríngica, a nasal e a oral.

A forma em ângulo reto e do trato vocal é também única do ser


humano, assim como é a colocação baixa da laringe e o controle da úvula.
Figura 7.11 - Representação do trato vocal na criança e no adulto. Veja a
limitação do aparelho oromotor na criança.

Com tanta especi cidade anatômico-funcional, a fala tinha de ser


especí ca da nossa espécie, e só possível em um dado período maturacional,
uma vez que a criança humana e o chimpanzé e, também, o trato vocal
reconstruído do Homem de Neanderthal desfrutam limitações no sistema
que não lhes permitem, nem permitiram, produzir a multiplicidade de sons
que caracterizam o aparelho humano da fala.

Alguns papagaios e araras podem reproduzir a fala humana, sem,


contudo, entenderem a sua signi cação, usando para o efeito mandíbulas e
cavidades bucais não humanas, mas a complexidade do seu repertório é
extremamente restrita, pois limitam-se aos processos periféricos e não ao
central e principal, imitam e copiam, mas não podem inventar e criar novos
símbolos.

A linguagem tornou-se, deste modo, um meio determinante da


organização social. A caça ou a pesca, como um grande jogo, pode ser
preparada e plani cada pelo grupo. Tarefas podem ser transmitidas, comu‐
nicadas e, em seguida, realizadas. Localizações espaciais e temporais são
compartilhadas. Memórias revisualizadas, reauditorizadas, revisitadas,
reexperimentadas tátil e quinestesicamente, regestualizadas, remimadas etc.,
pondo em marcha a melhoria de estratégias de interação e de métodos de
trabalho, que tenderam a perpetuar a propensibilidade para aprender, o que
caracteriza o desenvolvimento da cultura. Daí emergindo mais tempo de
lazer, mais tempo para re etir, mais tempo para aperfeiçoar armas,
instrumentos e ferramentas e, consequentemente, mais tempo para as
relações sociais, em uma palavra, mais tempo para desenvolver a inteligência
e a comunicação. A capacidade cognitiva para aprender e reaprender
tornou-se, assim, cada vez mais importante.

A evolução cultural e o desenvolvimento do cérebro, dialeticamente,


interin uenciaram-se ao longo do tempo, razão pela qual a criança humana
necessita de tempo de dependência para se apropriar de tais aquisições
complexas, pressupondo, de novo, uma hierarquia da motricidade, em
analogia com a hierarquia da inteligência. Assim como nos evoca Piaget
(1964), a criança precisa aprender umas tarefas antes das outras, isto é,
precisa passar pelas inteligências: sensório-motora, préoperacional e
operacional, antes de atingir a inteligência formal e hipotético-dedutiva, assim
também a criança precisa conquistar a macromotricidade e a
micromotricidade, antes de atingir a oromotricidade da linguagem falada (1.
sistema simbólico) e, anos mais tarde, a grafomotricidade que culmina na
aquisição da linguagem escrita (2. sistema simbólico), ou seja, o conjunto
integrado e pré-estruturado de aquisições fundamentais para a apropriação
cultural que, por sua vez, ilustra e espelha a maturação de substratos
neurológicos e de sistemas funcionais que são o monopólio da espécie
humana.

Em conclusão, não basta possuir um cérebro largo para produzir a


linguagem, é também necessário um sistema postural de onde emerge um
aparelho vocal disponível que sinergeticamente passa produzir uma
oromotricidade especializada. A incorporação da linguagem pressupõe a
integração de uma neomotricidade decorrente da aquisição exclusiva da
espécie humana, ou seja, da postura bípede, que em Quiros (1979),
materializa em termos neurofuncionais a potencialidade corporal, sem a qual
a linguagem se pode reproduzir e cazmente. Com ela, desenvolve-se um
sistema cognitivo extremamente potente e plástico e, simultaneamente,
apropria-se da comunicação simbólica.

Efetivamente, com músculos perilabiais, uma cavidade bucal pequena,


uma língua hiperpráxica e capaz de bloquear a faringe, um palatino baixo e
dentes metamorfoseados e reduzidos, o ser humano controla uma pressão
de ar, de onde emerge a função única da fala, permitindo transferir
conceitos abstratos para outros seus semelhantes.

A evolução quanti cativa e qualitativa entre o primara e o Homo


Sapiens, em termos de linguagem, é deveras impressionante, nela se situa,
provavelmente, a formulação das hipóteses mais atraentes sobre a origem da
linguagem.

Figura 7.12 - Trato vocal no primata e no Homem.

HIPÓTESES SOBRE A ORIGEM DA LINGUAGEM

Uma das hipóteses da origem da linguagem é avançada pelas loso as


teológicas Judaica-Árabe-Cristã, que defenderam a fala como uma doação
divina e misteriosa ao par humano original, faculdade essa depois
transmitida aos seus progenitores. Segundo a mesma fonte, um cataclismo
desencadeou-se posteriormente, dando origem à fragmentação da fala,
uniforme e primordial, em uma multiplicidade de línguas nas quais o mito
da Torre de Babel se baseia. A língua primitiva Adamica, para muitos
teólogos pioneiros, a própria língua sagrada que se falava no paraíso, teria
então evoluído no vocabulário e nos adornos sintáxicos, consagrando nela a
hipótese monomagnética da linguagem.

Outra hipótese alternativa a esta compreendeu a teoria poligenética da


linguagem, tendo esta emergido, segundo os seus defensores, em diferentes
regiões, em diferentes períodos e em diferentes raças, sem, contudo, ter
abandonado a sua origem sobrenatural.

Só nos séculos XVIII e XIX, os primeiros lólogos lançam novas


hipóteses: umas mais concentradas na evolução biológica contínua; outras
mais ligadas aos impulsos inatos e abruptos da autoexpressão; outras, ainda,
mais baseadas nas onomatopéias ou nas imitações dos sons da natureza;
outras mesmo decorrentes da elaboração das interjeições a partir de
expressões expletivas, ora de gestos audíveis e de inaudíveis pantomimas,
en m, uma multiplicidade de hipóteses, sendo todas elas de grande interesse
histórico.

Outras hipóteses so sticadas, mais recentes, situam a fala humana


como uma elaboração de sons evocados pelo esfíncter glotal, que cortando o
mecanismo de engolir e prevenindo a comida de entrar nas passagens
respiratórias, permitiu o acesso à articulação. Outras menos sedutoras
situaram a origem da fala no canto e na dança; outras como re exo do
contato com um envolvimento sonoro, além de outras ainda mais
especulativas, como a hipótese nativista, a hipótese de coesforço, a hipótese
gestual (ligando os centros corticais da mão com os da vocalização), a
hipótese musical e a hipótese do contato. (FONSECA, 1986)

PRESSUPOSTOS FILOGENÉTICOS E ONTOGENÉTICOS DA


COMUNICAÇÃO NÃO VERBAL
Independentemente de os vários protagonistas e defensores das várias
hipóteses da origem da linguagem não apresentarem uma hipótese
consensual, de um ponto de vista anatômico, a fala utiliza estruturas
bucolaríngicas e linguofaríngicas, que originariamente foram desenhadas
para nalidades de respiração e de deglutição.

Certamente que a linguagem no Homo Sapiens não emerge fora dos


pressupostos antropológicos que o tornaram um vertebrado falante, uma vez
que ela se limitou a aproveitar as libertações anatômico-funcionais
preexistentes a que jâ aludimos (FONSECA, 1989), e que plenamente
equacionam os pressupostos logenéticos e ontogenéticos da comunicação
não verbal (CNV).

Não se pode observar a origem do comportamento simbólico e da


comunicação verbal do ser humano, sem perspectivar as adaptações
antropomórficas da espécie, bem como suas tendências evolutivas que
constituem a CNV, por mais que custe a alguns linguistas.

A sua compreensão é incompleta sem o contributo da motricidade


arborial própria dos primatas e dos hominídeos, de onde decorrem as
seguintes libertações funcionais:

• desenvolvimento das extremidades como órgãos de preensão e de


exploração;

• modi cações estruturais craniodentárias decorrentes da dieta;

• complexidade na integração e associação interneurossensorial;

• postura bípede e consequentes mudanças no esqueleto craniano;

• evolução cultural e desenvolvimento do cérebro como órgão de


comunicação e aprendizagem. (FONSECA, 1989 e 1992)

DESENVOLVIMENTO DAS EXTREMIDADES COMO ÓRGÃOS DE


PREENSÃO E EXPLORAÇÃO
O desenvolvimento das extremidades, como órgãos de preensão e de
exploração, está associado à capacidade de sustentação e de destreza
antigravítica, de onde decorre a dissociação micromotora dos dados e a
oponibilidade do polegar que assegura a pinça re nada e a potente
discriminação tátil-quinestésica, com os quais se libertou posturalmente a
mão e se fabricaram os instrumentos. A mão pôde então refazer o cérebro, e
este, por sua vez, pôde reconstruir e multiplicar as suas capacidades práxicas
e simbólicas, como podemos constatar na linguagem gestual dos de cientes
auditivos. Fabricar utensílios é uma das tendências evolutivas mais
relevantes da espécie humana, uma aquisição superior só possível com um
esqueleto e uma motricidade superiores. A libertação da mão — a
micromotricidade — põe em marcha uma nova libertação, a da boca para
falar — a oromotricidade — que rompeu com novos sistemas no cérebro.

MODIFICAÇÕES ESTRUTURAIS CRANIODENTÁRIAS


DECORRENTES DA DIETA

As modificações estruturais craniodentárias decorrentes da dieta


consubstanciam uma maior, mais complexa e diversi cada preparação
extrabucal dos alimentos, que simultaneamente com o domínio do fogo
produziram efeitos especiais na dentição e na concomitante musculatura
peribucal. A boca libertada da exclusividade do processamento dos
alimentos, perdendo a sua função de predação e de agressividade, com a
modi cação estrutural da mandíbula, com a incisivação dos caninos e a
molarização dos pré-molares, menos proeminentes e mais diferenciados,
produziu uma mastigação muscularmente mais leve e funcional e,
paralelamente, uma diminuição convergente e parabólica dos maxilares,
cujo extraordinário impacto na musculatura mímico-expressiva traduz uma
das tendências evolutivas da comunicação não verbal mais interessantes.
Com todas estas libertações, onde a mão se ocupa da preparação alimentar,
antes de entrar na boca, e os dentes passaram a ser ultrapassados pelos
utensílios, a faringe, a laringe, a língua e os lábios passaram a estar mais
livres para produzir sons articulados e emoções, tendência evolutiva e
cultural da qual emergiu obviamente a restrição do crânio dentário e a
expansão do crânio cerebral exclusiva da espécie humana.
COMPLEXIDADE NA INTEGRAÇÃO E ASSOCIAÇÃO
INTERNEUROSSENSORIAL

A complexidade na integração e associação interneurossensorial re ete a


tendência evolutiva da complexidade informativa (intraintegrada,
interintegrada e integrada), que explica o aumento do peso do cérebro e a
gestão sistêmica das suas relações com o corpo e a motricidade e, no fundo,
as condições transientes que induziram os sistemas de comunicação não
verbal, primeiro e, posteriormente, os sistemas de comunicação verbal.

Como cabe ao cérebro realizar o comportamento (relação integrada de


estímulos e respostas), a interconexão de múltiplas redes informáticas es‐
palhadas pelo corpo, quer periféricas (pele, músculos, articulações, nos
órgãos internos e nos órgãos sensoriais da cabeça), quer centrais
(mielencefálicas, metencefálicas, mesencefálicas, diencefálicas e
telencefálicas), retratam um complexo sistema de comunicação sensorial.
Efetivamente, para que o comportamento animal ou humano possa ocorrer
de forma adaptativa, as sensações, puras informações integradas, devem
estimular e ativar, em um todo funcional, as células nervosas que iniciam o
pr ocess o neurológico e terminam na resposta motora (macromotoras
especí cas de muitos vertebrados e, micromotoras, oromotoras e
grafomotoras exclusivas da espécie humana).

É ao cérebro que cabe organizar um sistema de comunicação de


milhões de dados para que as respostas adaptativas façam parte do
repertório do indivíduo, por meio das quais ele se apropria de aprendizagens
não verbais e verbais múltiplas, que espelham no fundo a sua evolução
cultural. A disfunção de tal sistema de comunicação põe em perigo o
desenvolvimento de sistemas funcionais que sustentam os processos de
aprendizagem e oferecem referências sobre a taxonomia defetológica.

A evolução dos vertebrados e do vertebrado falante exige a organização


das sensações para fornecer aos seus cérebros as informações acerca das
condições do corpo (universo intrassomático) e do envolvimento (universo
extrassomático) com as quais produz uma motricidade adaptativa e exível.
Filogeneticamente, a integração sensorial está na base da evolução da
motricidade e da cerebralidade dos vertebrados, a expansão das áreas
sensoriais e associativas é expressão disso e, no ser humano, explica por que
é o único no reino animal, nos seus sistemas de comunicação não verbais, e
único no seu índice de encefalização.

Ontogeneticamente, a integração sensorial na espécie humana inicia-se


no útero maternal como pré-requisito do desenvolvimento e da apren-
dizagem, e prolonga-se extrauterinamente, por meio das suas aquisições
transientes desde o gesto à palavra. A inteligência sensório-motora de Piaget
(1973) evoca que as sensações devem ser integradas em “esquemas de ação”,
de modo que proporcione à criança a capacidade de agir sobre o mundo e
acomodar-se a ele, e não apenas captá-las passivamente. As sensações são
conduzidas centripetamente ao cérebro, e não mais a nenhum outro órgão
por alguma razão. Desde os órgãos internos (interoceptores), dos órgãos
corporais e motores, tátil-quinestésicos e vestibulares (proprioceptores), até
aos órgãos captadores de informação a distância, como a audição e a visão
(telerreceptores), todas as informações neles processadas e traduzidas devem
ser organizadas em termos de tráfego e de integração sistêmica no cérebro,
construindo a partir delas sistemas funcionais (LURIA, 1980),
intraneurossensoriais e interneurossensoriais, que estão na base das
aquisições básicas de aprendizagem e de desenvolvimento, como o jogo, a
imitação, a linguagem, a leitura, a escrita, o cálculo, em suma, as funções
psíquicas superiores. (FONSECA, 1987)

Para chegar à integração de fonemas e articulemas (l. sistema


simbólico) e de optemas e grafemas (2. sistema simbólico), verdadeiros
produtos nais da integração sensorial, a criança deve primeiro integrar
múltiplas informações tátil-quinestésicas (tocar, beijar etc.), vestibulares
(gravidade e motricidade) e proprioceptivas (músculos e articulações), onde
ela constrói a gênese da sua CNV, quer pela forte ligação, diálogo,
sincronização e vinculação com a mãe (attachement) durante a alimentação
(mamadas, miradas etc.) e em todas as práticas que traduzem a sua
segurança e conforto tônico e tátil, quer na gênese da sua competência
motora.
Esta gênese da competência motora da criança, que, por sua vez, vai
dar origem à sua competência comunicativa, decorre da coordenação
binocular para explorar e identi car objetos e, posteriormente, para os
manipular, como se desenrola para progressivamente vencer a gravidade,
inicialmente com a cabeça, depois com o tronco, e mais tarde com a postura
bípede, revelando a logênese do Sistema Nervoso Vertebrado na sua
ontogênese motórica própria e pessoal, por meio da apropriação de uma
segurança gravitacional, que a vai direcionar para o mundo simbólico. Nesta
impressionante integração sensorial (AYRES, 1982), a criança, com base na
mielinização, conquista o seu corpo, fazendo dele o espaço da sua
imaginação e o continente da sua ação, um instrumento vital para o seu
desenvolvimento emocional e psíquico (autoestima), de onde surgirá a
plani cação motora que se encarregará de dar aos seus gestos e às suas
mímicas a atenção, a coordenação, o controle e a intencionalidade, que
pré gura, em termos não verbais, a emergência da linguagem propriamente
dita.

O processo de organização e integração das sensações no sistema


nervoso constitui o triunfo adaptativo, logenético e ontogenético da
espécie humana.

Antes de se apropriar dos símbolos, a criança tem de fazer uso dos seus
re exos e conquistar o seu corpo como um instrumento de liberdade
gravitacional e espacial e como um engenho de comunicação emocional.
Algumas partes do cérebro devem encarregar-se de controlar o corpo e a sua
motricidade, para que outras se disponibilizem para as imagens, os símbolos
e, mais tarde, para as construções conceituais. A encefalização, na espécie
humana, emerge da maior riqueza de padrões de ação, que resultam de uma
maior sinergia dos receptores sensoriais, de onde surgiram sistemas de
controle e organização neurológica, cujo produto evolutivo resultou na
expansão do cérebro no seu interior por adição de neurônios extras.
(LURIA, 1980)

A CNV é uma competência que antecede a comunicação verbal,


exatamente porque ela resulta de uma integração sensorial superior e
singular. A linguagem interior, baseada em uma motricidade expressiva,
antecede a linguagem falada, exatamente porque a complexidade da
integração sensorial o permite, pois nela se postula a gênese da comunicação
total própria dos humanos.Os bebês humanos possuem vários canais de
CNV, postos em prática logo após o nascimento, evidenciando uma
competência de comunicação que consubstancia o papel da motricidade na
aquisição da linguagem.

Apesar de o desenvolvimento da competência de comunicação partir


de uma dinâmica interativa, portanto, social, como já nos tinha ensinado
Vygotsky (1962), ela emerge de pressupostos paralinguístiscos e tátil-
quinestésicos, de processos de compreensão situacional e de sequencializações
de gestos e mímicas intencionais, um verdadeiro processo de comunicação
sensorial plurimodal, uma vez que incorpora em primeiro lugar uma
protolinguagem, isto é, um sistema quinestésico de comunicação, com quines,
quinemas e quinomorfemas, para utilizar as designações inovadoras de
Birdwhistell (1970).

As mensagens não verbais se transmitem de modos muito diferentes e


utilizando vários canais, sendo esses modos bem mais diferenciados do que
os da comunicação verbal. Enquanto a fala é o único meio de expressão oral
e a audição o único canal de recepção na linguagem falada (substituídas pela
visão e pela mão da linguagem escrita), os canais e os modos da CNV são
múltiplos (Quadro 7.1).

A interação humana combina muitos dos modos e dos tipos de


codi cação acima apontados, pois todos estão envolvidos em emitir e em
receber mensagens e, neste contexto, o bebê humano é um exímio
especialista.

A atividade, a inatividade, o silêncio, os olhares etc. têm um valor


especí co de mensagem, que, nos autistas e em outros âmbitos
defetológicos, acusam signi cações comunicativas muito importantes, uma
vez que a comunicação pode ocorrer sem a produção de qualquer palavra,
como podemos observar em uma “conversa” entre de cientes auditivos. Em
algumas situações, as mensagens não verbais são bem mais signi cativas do
que as palavras ou frases. Em outras situações, as mensagens não verbais su‐
portam, contradizem, sublinham e reiteram mensagens verbais. No processo
total de comunicação, a motricidade está implícita na linguagem, como se
tratasse de uma sombra. Quando o emissor fala, o receptor está também
enviando mensagens (sorrindo, olhando, acenando, mudando de posição ou
de atividade etc.) que podem modi car e alterar o discurso daquele. É nessa
sincronização e interação básica entre a mãe e o lho que consubstancia a
CNV na criança.

Quadro 7.1 - Contribuidores sensoriais da CNV


Modos Tipos de codi cação

Olhos Visual

Ouvidos Auditiva

Pele Tátil

Nariz Olfativa

Boca Gustativa

Mecanismo de fala Vocalizações

Face Mímicas

Mão Gestos

Cabeça Ritualizações

Corpo Posturas

Espaço Proxêmica

Para Birdwhistell (1970), a CNV ocupa 65 a 70%, enquanto a verbal


ca por 30 a 35%. No contexto na interação, nem só as palavras entram em
jogo mas também as vocalizações, os gestos, as mímicas e expressões faciais,
os movimentos da cabeça, os olhares, as xações e as focagens faciais, as
posturas, a motricidade, os odores, os emblemas corporais, os reguladores e
os adaptadores gestuais etc. ocorrem em combinações que enriquecem e
modelam a comunicação.
Por estranho que pareça, os bebês humanos possuem capacidades
inatas para receber e enviar mensagens não verbais que lhe são cruciais para
satisfazer necessidades básicas e afetivas.

Quais serão então os canais dessas mensagens? Em que medida a


complexidade interneurossensorial da CNV e a complexidade da
gestualidade e da mímica, em uma palavra, a motricidade, estão implicadas
na apropriação da linguagem propriamente dita?

Vejamos separadamente o papel de alguns sistemas sensoriais na CNV:

Tato

O tato constitui um meio extraordinário de comunicação, exatamente


porque se encontra espalhado diferencialmente por toda a pele, quer em
termos proprioceptores, quer propriofetores. Temperatura, pressão, dor,
posturas, movimentos etc. são processados por sensores táteis e
quinestésicos. Em algumas regiões do corpo, a discriminação tátil é
extremamente elevada. A ponta dos dedos, os lábios, os mamilos, os órgãos
sexuais, as zonas erógenas etc. são considerados os mais sensíveis, por isso
também têm a maior importância para a comunicação.

Filogeneticamente, o tato está associado ao aumento da superfície


corporal ou cutânea virada para o mundo exterior, de onde surge o sistema
háptico (GIBSON, 1966), que reúne a dimensão analítica do tato e a sintética
do sentido quinestésico, algo crucial ao vertebrado dotado de maior
disponibilidade proprioceptiva e motora. Visto tratar-se de um sistema de
convergência sensorial que está na origem da consciência somática, só
possível com uma integração sensorial complexa, algo que justi ca, em
termos evolutivos, pois, por que motivo os pequenos mamíferos possuíam
maior índice de encefalização do que os dinossauros de grande tonelagem?
A proprioceptividade, promovida superiormente, superou as áreas motoras
corticalmente, fornecendo-lhes profundidade associativa e integrativa e, em
consequência disso, poder expressivo e intencional de onde decorrerão os
gestos e as mímicas (CNV) e, mais tarde, a linguagem.
O feto humano rodeado pelo líquido amniótico está já sofrendo na pele
múltiplas estimulações táteis, estimulações de segurança, conforto, agitação,
instabilidade etc. No parto, a cor da pele, a sua textura e tonicidade de nem
a integridade do seu desenvolvimento intrauterino. A estimulação
envolvimental vai mais tarde condicionar igualmente a pele como órgão de
comunicação e de interação, não só pela quantidade e qualidade das esti‐
mulações e cuidados induzidos sobre o bebê mas também ele próprio, com o
seu corpo e com o seu tato, inicia a exploração do seu mundo interno e
externo.

A forma como a mãe toca, acaricia, explora, apalpa etc. tem


importância no despertar da vigilância e da reciprocidade do bebê para a
interação ou para a comunicação, e assume um papel essencial na sua
autocon ança e autossegurança, e mesmo, na iniciação das suas secreções
hormonais. (KLAUS e KENNELL, 1982)

As mamadas, momentos de grande comunicabilidade tônica e tátil


entre o bebê e a mãe, desencadeiam nesta a libertação de ocitocina e
prolactina, quando o bebê chupa o seu seio. Isto prova que a sua interação
tátil tem uma enorme signi cação nos processos precoces de comunicação,
certamente inscritos e projetados no desenvolvimento emocional da criança,
cujo paradigma antagônico é ilustrado nas crianças autistas ou
emocionalmente perturbadas, onde a intensa sincronização entre os dois
protagonistas é inexistente.

Olfato

O sentido do olfato é um potente meio de comunicação,


profundamente associado a situações de prazer e desprazer e, também, de
sobrevivência, ocupando o nariz o papel primordial neste âmbito, apesar de
a Evolução o ter diminuído consideravelmente.

Efetivamente, o olfato está ligado ao mundo dos cheiros, potentes


meios de orientação espacial à noite, ou quando a visão está afetada (pa‐
radigma dos de cientes visuais). Com ele, podem-se construir mapas
territoriais e topográ cos que permitem deambulações na escuridão e
plani cações mentais das ações, por isso, em termos de contexto ecológico
inicial, o olfato ligado à audição permitiu a evolução dos mamíferos, pois
desencadeia processos de atenção seletiva e comparativa e processos de
rechamada de situações e experiências passadas, daí a expansão dos seus cé‐
rebros auditivos e olfativos (neopalium), um primeiro estágio da evolução da
inteligência. O odor não contém detalhes que são a base da inteligência su‐
perior, ele entra diretamente no cérebro sem passar pelo tálamo, por isso
evoca recordações e associações muito fortes. Talvez isso explique por que
muitas crianças autistas e de cientes mentais insistem e se xam em jogos
odorí cos.

A aceitação e a rejeição ou a aproximação e o afastamento de um


indivíduo depende muito, em termos de comunicação, de como ele cheira.
Muitas mensagens são recebidas ou emitidas mais rapidamente por cheiros
do que por expressões gestuais, verbais ou vocais. Este segredo da
comunicação é já muito bem compreendido pelo bebê humano
(BRAZELTON, 1981), ele rejeita energicamente cheiros de substâncias
químicas, como o ácido acético, a benzina, o álcool etc., virando a cara e
produzindo mímicas de insatisfação. Em contrapartida, os bebês revelam
comportamentos de aceitação em face dos cheiros de leite ou de soluções
açucaradas, chegam mesmo a identi car os seios da mãe pelo cheiro, a
reagir mais ativamente e a respirar mais rapidamente diante de estimulações
olfativas. (LIPSITT e col., 1983)

Outras experiências com mães revelaram que a maioria delas pode


identi car o cheiro dos seus próprios bebês (KLAUS e KENNEL, 1982).
Paralelamente, outros estudos revelaram que os bebês são capazes de
identi car mais rapidamente os seios de suas mães, virando a cabeça mais
frequentemente, quando comparados com os seios de outras mães.
(MACFARLANE, 1975)

Em síntese, o olfato parece ser um canal não verbal muito importante


na comunicação, extremamente relevante no processo de vinculação entre
mãe e filho, podendo ser mesmo problemático em alguns casos de doenças
metabólicas (fenilcetonúria, diabetes etc.), quando a tolerância aos cheiros,
das amas ou puericultoras, é muito sensível, e, por esse fato, pode provocar
rejeições inconscientes. Os cheiros podem provocar efeitos de rejeição e
comportamentos de evitamento muito importantes, como podemos
constatar em crianças abandonadas ou privadas e tal, como é óbvio, pode ter
algum impacto na sua sociabilização.

Gosto

O gosto lida também com substâncias químicas, e os bebês humanos


evidenciam preferências por determinados sabores de alimentos sólidos ou
líquidos, aos quais estão associados a situações positivas de interação e de
satisfação, e todos sabemos da importância biocultural da nutrição e do
papel de estabilidade afetivo-emocional que se passa em torno dos
momentos de refeição.

Se se força a alimentação, os choros e os comportamentos indesejáveis


podem criar barreiras comunicativas que se prolongam ao longo do
desenvolvimento da infância, pois muitas expectativas e percepções, que
circulam entre a mãe e o lho, podem ocorrer em momentos de insatisfação
que se repetem nas refeições. O gosto, portanto, representa um canal de
CNV de grande importância na comunicação, pois a mesa à dinâmica
interativa é da maior importância, não só pela intensa comunicação que
ocorre mas também pela dimensão afetiva e gregária que ela subentende.

Visão e expressão facial

A visão é o primeiro e mais importante modo de comunicação


interpessoal (DILL, 1984). Os olhos são efetivamente a fonte mais usada,
mais fascinante, mais rica, mais ativa e rápida da comunicação.

As expressões faciais são fontes inesgotáveis de CNV. Olhos,


sobrancelhas, pestanas, testa, cabeça, queixo, nariz, lábios e boca são os
ingredientes da comunicação primeiramente integrados no bebê, muito
antes da fala. A motricidade facial, expressiva e singular, de primatas e
humanos, são potentes sistemas de transmissão de mensagens não verbais.

O conforto, a segurança, a satisfação ou a insatisfação, a dialética


hipertônica e hipotônica atingem o seu auge nos músculos da face. O sorriso
social, em que se baseia muita da CNV entre a mãe e o seu bebê, é suscetível
de ser visto a partir da segunda semana, e desenvolve-se
extraordinariamente nos próximos quatro meses, reciprocidade visual essa
que caracteriza a intimidade da vinculação primária de Bowlby (1969).

A dilatação e a contração da pupila, o contraste colorido entre a pupila,


a íris e a córnea atraem ou afastam o contato olho a olho que se veri ca na
comunicação interpessoal, além de se veri carem xações e regulações
periorbitais que reforçam e modelam a comunicação, pondo no olhar o
papel comunicador mais profundo, onde a contemplação e a admiração
assentam as suas signi cações, momentos excelsos da interação precoce
entre mãe e lho.

A visão assume um papel de vigilância, de alerta, de atenção e de


prontidão para a comunicação, que mais nenhum outro sentido pode
desempenhar, ainda por cima, exigindo o mínimo de barulho e de
motricidade.

Filogeneticamente, a visão, um telerreceptor unidirecional,


descontínuo (os olhos podem-se fechar) e simultâneo, um sentido de gura
(foreground sense), básico para lidar com ângulos, linhas, distâncias e
profundidades, diferentes intensidades luminosas, diferentes perspectivas,
posições, orientações e projeções virtuais e ímpar para analisar e simpli car
o envolvimento, é o sentido do espaço, sem o qual a visão estereoscópica e a
especialização arborial não seriam possíveis, pois, em tal nicho ecológico, os
cálculos espaciais são essenciais à adaptação bem-sucedida. Com 125
milhões de células fotorreceptoras instaladas na retina, nos cones e nos
bastonetes, ligados a células corticais especí cas, rearranjadas em colunas
(HUBEL e WIESEL, 1968), permitindo uma análise e uma síntese
verdadeiramente extraordinárias, a visão desempenha um papel primordial
no desenvolvimento motor e linguístico do ser humano, sem a qual a
caminhada do Homo Sapiens (BRONOWSKI, 1986) não seria alcançada.

Ontogeneticamente, o bebê humano responde visualmente a objetos


colocados a cerca de 30cm (BRAZELTON, 1969). A resposta a cores —
branco, vermelho e amarelo — é também obtida mesmo induzindo sinais de
perseguição de pequena amplitude. A exploração visual do envolvimento é,
portanto, veri cada logo a seguir ao nascimento, evidenciando o papel
relevante da visão na interação com o meio envolvente. Perante um ciclo de
luz-escuridão, os bebês humanos aumentam de peso e requerem menos
oxigênio, como provam várias experiências daquele mesmo autor em pre‐
maturos. Com os olhos abertos, a dinâmica interativa das mães é mais
intensa, próxima e afetiva, o que vem reforçar a importância da visão na
comunicação precoce e explicar as di culdades das mães de crianças
invisuais. A reciprocidade visual é concludente, um potente reforçador da
CNV do bebê (1. sistema visual mesencefálico de Bronson, 1974). Mais
tarde, com a maturação ascendente, o segundo sistema visual occipital e
frontal entra em ação para permitir a formação e a reconstrução das ima‐
gens, indispensável à gênese da linguagem falada. Para Skeffington, citado
por Getman (1965), o sistema visual é o mais complexo dos sentidos
(axioma já avançado por Leonardo da Vinci), resultante de uma hierarquia
funcional composta pelos seguintes subsistemas de aprendizagem:
antigravítico (postural e vestibular); corporal (lateralização e
direcionalidade); somatognósico (identi cação); e nalmente, linguístico.

Audição e vocalização

A audição é o órgão especializado para receber vocalizações. O bebê


humano responde a sons intensos de forma tônica, e com motricidade a
sons muito baixos no sono profundo, podendo atingir o estado de alerta se a
mesma voz se prolongar (BRAZEL- TON, 1981), demonstrando igualmente
uma preferência especial por vozes semelhantes à da mãe.

Filogeneticamente, a audição se caracteriza por ser um sentido


pluridirecional, ininterrupto e sequencial, trata-se de um sistema sensorial
de fundo (background sense, MUKLEBUST, 1981), básico para a
compreensão situacional (e para situações de sobrevivência nos animais) e,
mais tarde, para a compreensão da linguagem falada nos seres humanos,
algo a que os de cientes auditivos não têm acesso, daí as suas di culdades
simbólicas.

Chorar, rir, tossir, expressões, focalizações, guturações etc. são


produzidos pelo mecanismo da fala no bebê ouvinte e no bebê de ciente au‐
ditivo (e mesmo no bebê multide ciente cego e surdo), o que vem pôr em
relevo a interdependência dos sistemas sensoriais na fase inicial do
desenvolvimento precoce.

A fase pré-verbal constitui o verdadeiro precursor da fala, daí a sua


signi cação em termos de evolução da linguagem. Nela são expressos os pri‐
meiros estados de satisfação e insatisfação que acarretam dimensões e
estados afetivos de enorme importância no desenvolvimento da criança,
traduzindo-se em nuances comunicativas funcionais e facilitações de
interação social que são facilmente identi cáveis pelos adultos.
(MOERCVK, 1977, HIRSCH, 1966 e REYNELL, 1980)

Gestos e motricidade

Em muitas situações, a comunicação gestual substitui a própria fala,


pois não podemos negligenciar o sentido antropológico da emergência da
linguagem, que decorre do gesto à palavra.

A comunicação gestual é universal e multicultural, na medida em que


transcende a limitação cultural da linguagem falada. Todo o ato social na
criança começa a ser compreendido e expresso pelo gesto. Apontar, evocar,
chamar a atenção, apanhar etc. começa por substituir o choro para induzir,
posteriormente, a emergência da signi cação social que termina na palavra.
Muitas das interpretações verbais que os adultos percepcionam dos gestos
das crianças são a ilustração mais clara do poder comunicativo dos gestos e
das mímicas a que já zemos referência.
A criança usa os gestos exatamente porque, para ela ilustrar objetos e
ações, ainda é difícil de verbalizar. Antes de verbalizar, a criança tem de
gestualizar para exprimir as signi cações, o mesmo se observa em crianças
mais velhas que possuem frágeis instrumentos verbais. Por alguma razão, a
expressão manual e gestual constitui um potente modo de comunicação, e,
na criança, assume uma intencionalidade própria é característica, uma es‐
pécie de linguagem que se mistura com emoções e atitudes que se vão
progressivamente reduzindo, à medida que o vocabulário se expande.

Piaget (1964), no seu célebre livro sobre a formação do símbolo na


criança, situa a gênese da imitação e o jogo como paradigmas iniciais da
comunicação gestual, prelúdio da comunicação verbal, reforçando o início
da representação na gestualidade, ponto de partida da percepção social e da
CNV.

Antes de atingir a linguagem, o terreno da ação é o lugar onde


decorrem as primeiras ações mentais, o gesto reconstrói, assim, as primeiras
intuições representativas da interação social. O gesto precede a
representação e dá-lhe suporte operacional, a partir do qual as primeiras
formas de pensamento imitativo e lúdico se enraízam evolutivamente. Os
primórdios da linguagem (a protolinguagem e a pré-linguagem) só são
compreensíveis à luz da integração das associações sensório-motoras
precedentes, onde o gesto exprime emoções e necessidades de forma
singular.

Em outra dimensão, mais de caráter neuropsicológico, a linguagem


verbal, que de ne a preferência funcional do hemisfério esquerdo, é ante‐
cedida da linguagem não verbal, cuja preferência funcional pertence ao
hemisfério direito (MYKLE- BUST, 1975, GESCHWIND, 1970, 1972). Não é
de estranhar, portanto, que alguns afásicos com lesões no hemisfério
esquerdo possam exibir vestígios de gestualidade e de pantomimas, que
podem ser muito bem aproveitados na sua reabilitação por evidenciarem
integridade funcional no hemisfério direito. (ZANGWILL, 1975)

Quiros (1975), neste âmbito, reforça a ideia de que o hemisfério direito


é eminentemente postural e gestual (não-simbólico), enquanto o hemisfério
esquerdo é linguístico e simbólico, evocando que o controle postural e
gestual se deve automatizar antes que as funções integrativas superiores,
como a linguagem, se possam desenvolver. Muitos casos de crianças com
desordens de comunicação e com di culdades de aprendizagem apresentam
traços de dispráxia e de impercepção social, denotando di culdades
relacionais com outras crianças e, paralelamente, problemas de controle
postural, lateralização, orientação espacial, desenho etc., sutis sinais
difuncionais não verbais, muito comuns na prática clínica daqueles casos,
talvez demonstrando o papel do gesto e da motricidade, ou melhor, da
psicomotricidade na comunicação, uma atividade complexa e especí ca dos
humanos.

A especialização hemisférica requer que evolutivamente o hemisfério


direito assuma a liderança dos processos de comunicação centrados em
atividades não verbais, como os gestos, as posturas, as imitações e as
emoções, as expressões lúdicas etc., em síntese, a integração motora. Mais
tarde, o hemisfério esquerdo liberta-se e transcende esta dimensão da CNV
para se projetar e disponibilizar para atividades linguísticas, verbais e cog‐
nitivas, mais diferenciadas e complexas.

Proxêmica

Hall (1959) descreve a proxêmica como o uso que o ser humano faz do
espaço na comunicação interpessoal, enquanto produto cultural especí co.

As distâncias espaciais, as posições, os territórios etc. já tinham sido


estudados em animais (LORENZ, 1968, TINBERGEN, 1951), mas em seres
humano eles constituem outro importante paradigma da CNV. O uso do
espaço, a possessão do espaço, as regras territoriais na comunicação humana
são, em termos práticos, uma verdadeira aprendizagem social.

Hall de ne, em termos proxêmicos, quatro zonas importantes na


interação adulta: zona íntima (0 a l5cm; é a distância do ato sexual, da luta,
no bebê, de ne a distância do conforto e da proteção e da aprendizagem da
linguagem. No fundo é o espaço que de ne o seu desenvolvimento até os
três anos); zona pessoal (45 a 75cm; é a distância da proximidade do espaço
próprio e do alcance do tamanho do braço, no bebê, é a distância das
funções de higiene, nutrição, base da segurança, universo da manipulação
dos objetos e dos brinquedos, do contato olho a olho peculiar da sua relação
preferencial com a mãe e dos familiares mais próximos. Estranhos que
invadam este espaço podem desencadear reações emocionais imprevisíveis.
Zona onde as crianças operam entre os três e os oito anos); zona social (1,2 a
2,10m; é a distância fronteira entre o pessoal e o social, o limite do poder
sobre o outrem, do bebê, de ne o território de vigilância e interação mímica
e lúdica com os outros) e, por último, a zona pública (mais de 3m; que situa
o exterior do círculo imediato de referência do indivíduo, no bebê, com‐
preende um espaço imperceptível em termos de CNV). A aprendizagem
social das posições, dos espaços reservados e das situações interativas é um
processo lento, que de ne a dimensão oculta e profundamente cultural da
comunicação, daí a sua importância na gênese da CNV.

Aproximar ou atingir pessoas e objetos, tocálos, abraçá-los e explorá-


los retrata outras manifestações proxêmicas não verbais importantes que vão
sendo integradas na criança à medida que o espaço das suas relações
interpessoais se complexi ca.

POSTURA BÍPEDE E MUDANÇAS CONSEQUENTES NO


ESQUELETO CRANIANO

Além do que já abordamos sobre a postura bípede, importa sublinhar


que a postura é considerada um fenômeno locomotor sem paralelo nos
mamíferos, cujas mudanças e transformações no esqueleto pós-craniano são
responsáveis pela expansão cerebral que tornou o ser humano no vertebrado
dominante e falante. Para Gould (1977), a postura bípede criou o próprio
Homem, e, na criança, o controle postural de ne o grau de organização
neurológica que antecede a aprendizagem da linguagem. Engels (1925)
considerou a postura uma das três características da evolução da
Humanidade, ao lado da linguagem e do tamanho do cérebro.
Postura e cérebro evoluíram paralelamente com interações funcionais
mútuas, interações revolucionárias responsáveis pela complexi cação
interneurossensorial de onde emerge a CNV, como tentamos demonstrar, e
pela transformação hierárquica dos sentidos, onde o olfato foi superado pela
visão. A transição da braquiação nas árvores, para a postura e a marcha
bípedes terrestres, uma oportunidade ecológica ímpar, produziu uma
adaptação superior que está na base de um novo estilo de vida que, no fundo,
vai orientar o Homo Sapiens para a produção de instrumentos com base na
libertação da mão, que irão provocar novas relações com o envolvimento,
um passo decisivo na transformação do macaco em Homem.

A postura bípede, arrastando a libertação da mão e da face, produz nos


seres humanos um avanço exponencial das suas inteligências práticas, na
medida em que paralelamente elas resultam do domínio dos instrumentos.
Na criança, o domínio dos objetos, que está na origem da própria linguagem,
pressupõe o controle postural e a segurança gravitacional, isto é, põe em
jogo a aquisição prioritária de uma macromotricidade original, de onde
decorrerão, posteriormente, a micromotricidade e a oromotricidade,
verdadeiras motricidades triunfantes que explicam o fenômeno cultural e
linguístico na espécie humana.

O aparecimento de novos substratos neurológicos está certamente


associado a novas propriedades funcionais que decorreram da conquista da
postura e da motricidade bípede. Devem-se a esta emergência de novos
atributos adaptativos a CNV e o surgimento da fala nos seres humanos, daí a
signi cação neuropsicológica das desordens de equilibração, que
caracterizam a maioria das crianças com de ciência mental, e a existência de
sinais vestibulares e cerebeloso em inúmeras crianças com desordens de
comunicação e de aprendizagem. O controle postural revela a integridade de
importantes centros e circuitos neurológicos, sem os quais a aprendizagem
da linguagem se pode operar de forma e caz.

EVOLUÇÃO CULTURAL E DESENVOLVIMENTO DO CÉREBRO


COMO ORGÃO DE COMUNICAÇÃO E APRENDIZAGEM
Finalmente, a evolução cultural e o desenvolvimento do cérebro como
órgão de comunicação e de aprendizagem traduzem a enteléquia evolutiva
que temos vindo a desenhar. O desenvolvimento do cérebro decorre
logeneticamente da síntese integrada e sistemática de todas as adaptações
que acabamos de apresentar, síntese evolutiva transcendente, que explica a
singularidade da CNV e da comunicação verbal humanas.

A transformação da Natureza produzida pela motricidade construtiva,


única da espécie, mediatizada pelos instrumentos que ela própria imaginou
e criou, está na origem da consciência, o verdadeiro mistério de Popper
(1977), que explica o aparecimento de formas de comunicação. Porque sai
fora dos limites do subjetivo, como nos assegura Vygotsky (1987), a
motricidade humana projeta formas objetivas da vida social. A consciência
ao pressupor uma evolução do cérebro (espaço interior) emerge como um
processo e como produto da motricidade, ou seja, da ação concebida como
intencionalidade para a resolução de problemas (espaço exterior), na relação
com os outros e com os objetos, relação e inter-relação essas geradoras,
inicialmente, de uma dinâmica interpsicológica e, posteriormente, de uma
dinâmica intrapsicológica, com que se tem de conceber também o
aparecimento das formas de comunicação e de aprendizagem.

A motricidade intencional, desencadeadora de tais relações e inter-


relações, re ete-se e se duplica sobre os objetos sociais e, ao se interiorizar
sobre as formas de sistemas funcionais (esquemas de ação) de
autorregulação, modi ca intrinsecamente a própria estrutura do cérebro.
Gestos, mímicas e imitações como expressões não verbais, associados a sons
oromotormente sequencializados, vão permitir ao cérebro, órgão da Evo‐
lução, a multiplicidade das suas expressões verbais que substantivam a
enteléquia da sua evolução biológica, que antecede e sustenta a evolução
cultural e tecnológica.

Em suma e em termos evolutivos, antes de atingir o sistema de


comunicação verbal, o ser humano se apropria de funções de comunicação
que não são dependentes de palavras, objetivando um sistema de
comunicação não verbal de enorme importância e relevância para a
compreensão do papel da motricidade na aquisição do sistema total de
comunicação humana.

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-8-

Abordagem Comportamental

O MOVIMENTO COMO FORMA DE COMPORTAMENTO

O movimento é uma das formas mais signi cativas de adaptação ao


mundo exterior, dado que a assimilação contínua do mundo no indivíduo se
processa por meio do movimento humanizado, portanto, socializado.

Por meio do movimento, o Homem projeta a sua subjetividade obscura


no seu mundo próprio e signi cante.

O Homem existe no mundo como uma unidade e uma totalidade, não


como um corpo animado, mas sim como uma organização dialética em
permanente relação inteligível com o seu envolvimento momentâneo.

O signi cado de uma existência subjetiva respeita a situação dada, isto


quer dizer que, para se observar um comportamento, é necessário que o
homem esteja em situação. O estar em situação permite perceber a
nalidade do comportamento.

Entre o homem e o envolvimento coexiste uma unidade dialética, na


medida em que o homem reconhece no meio um conteúdo significante que o
leva a produzir um comportamento. É este comportamento signi cativo que
leva o homem a tomar contato com a sua subjetividade, produzindo-se nele
um sistema de referências que dão consciência ao seu “estar no mundo”.

Para se reconhecer a conduta humana, é preciso estabelecer uma


relação significativa e inteligente entre a situação e a ação.

A unidade signi cante da situação e da ação é concreta no momento do


movimento. É o movimento que estabelece uma sucessão temporal que
caracteriza a efetivação do comportamento. É em cada momento que se
experimenta a signi cação própria entre o precedente (passado) e o seguinte
(futuro), o que a traduz uma simbiose acordante entre o sujeito e a situação
que determina o caráter melódico-cinético do comportamento humano,
como ilustram funções implícitas na práxis humana, quer na arte, quer no
trabalho.

Fig. 8.1 - O trabalho é um produto nal da organização cerebral do


movimento humano, envolvendo uma complexa miríade de processos
neuropsicossensoriais.

Para que se estabeleça um ajustamento entre o indivíduo e o meio, é


necessário que a situação seja compreendida pelo indivíduo, e é o
movimento, a partir de uma representação mental da situação, que
concretiza essa tomada de consciência.
O movimento humano é sempre um movimento situado; ele é sempre
uma relação signi cativa entre a situação e a ação, é sobretudo a
concretização de uma presença dinâmica no mundo, que caracteriza e
dimensiona a experiência pessoal.

O meio é integrado no homem por meio da sua experiência individual.


É pelo movimento que o homem estrutura a individualização do meio. O
movimento e a situação são uma unidade cujas partes estão ligadas por uma
relação consciente. Há, entre elas, uma lei mínima e uma ordem lógica e
interior orientadas para um m.

Entre o indivíduo e o meio, há uma dominante individualidade que


condiciona as ações recíprocas entre o organismo e o meio.

As tentativas contínuas de adaptação ao mundo, que o indivíduo


experimenta na sua evolução, permitem-lhe descobrir, pela vivência, o valor
e a signi cação vital-situacional que esse mundo toma para ele.

É pela conduta, como veículo e símbolo de signi cações, que o homem


transporta o seu próprio mundo. Perante o mundo, o homem experimenta
as coisas e os outros, por meio da consciência subjetiva determinante das
suas adaptações singulares ao próprio mundo.

Perante a sua adaptação intencional, o homem vai sucessivamente


provocando modi cações de relação com o seu mundo próprio.

Existir, para Buytendijk, é provocar relações com o envolvimento. É


essencialmente no e pelo movimento que o homem constrói essa relação his‐
tórica, estabelecendo a fecundidade da sua dimensão existencial e social.

O mundo existe para e por meio do homem, que em si constitui não só


uma estrutura signi cante mas também uma estrutura estruturante.

É conscientemente que o homem reintegra e apropria o que o rodeia,


porque dá ao movimento uma signi cação psicológica. A sua estrutura
projetiva é observável pelo movimento por meio de uma convicção e
intenção íntima, pessoal e subjetiva.
O homem responde conscientemente às signi cações das situações, por
meio do movimento, pois é por ele que “vive com” e “onde vive”. “Com‐
portar-se” não é mais do que “adaptar-se” ou “procurar adaptar-se”,
respondendo favoravelmente às signi cações do meio.

Nas respostas sucessivas e permanentes, o homem cria a sua


individuação própria, estabelece-se no mundo como ser único,
caracterizado por um processo de integração particular que o torna
responsável pela sua unidade coexistencial.

O homem, enquanto vive, não está desprovido de movimentos de


sensações e de percepções; é por eles que autoelabora a sua organização
integrativa superior. Todo o seu conhecimento e saber é em razão das
percepções, carregadas em si de signi cações diferenciadas que traduzem o
processo histórico e a maturação orgânica progressiva.

Toda a situação tem uma signi cação imediatamente perceptível, a


partir da qual se esboça um plano de ação, um projeto, um pensamento
determinante em relação a ela. Só somos conscientes para um determinado
m. A partir daí, a nossa consciência desenha um esquema de resposta
motora (conduta) que traduz a adaptabilidade ao m proposto.

O movimento é, como resposta e como experiência total, um meio de


enriquecimento perceptivo, visto que dá signi cado à percepção quando a
exterioriza e a materializa.

O movimento humano é construído em função de um objetivo. A


partir de uma intenção como expressividade íntima, o movimento transforma-
se em comportamento significante.

O ser humano vive em unidade com o mundo exterior, e é no e pelo


movimento que ele o descobre, autodescobrindo-se.Nessa linha de
abordagem, teremos de encarar o movimento não por uma ótica
mecanicista mas também por uma justi cação antropológica cultural.

Os estudos sobre comportamento revelam que é insustentável imaginar


qualquer comportamento sem uma representação antecipada dos meios que
caracterizam a situação.

Desta forma, dando ao movimento um caráter de exteriorização


signi cativa, só o podemos entender dentro de uma representação
psicológica, portanto, inserido e programado a partir das estruturas
associativas superiores que precisam e determinam o equilíbrio dialético en‐
tre o organismo (unidade de signi cação) e o meio (unidade de relação).

O ser humano só pode fazer qualquer coisa a partir do momento em


que dá ao seu movimento e à situação exterior uma signi cação.

Não devemos ver o homem como uma máquina perfeita, mas sim ver o
homem no seu envolvimento próprio. É essencialmente no movimento em
que o homem exprime e atualiza as suas potencialidades subjetivas e profun‐
das; é por ele que se atinge o signi cado da autonomia e da liberdade.

Toda a interiorização humana constitui a base do comportamento, é o


motivo que justi ca e determina a ação.

Para Jung, todo o comportamento, quer procure um m, quer não o


procure, é motivado, isto quer dizer que é casualmente determinado pela li‐
bertação ou pela transformação da energia. Cada vez mais, os estudiosos do
comportamento dão relevância aos impulsos interiores e às motivações
inconscientes. Os estudos de Freud, Adler, Jung, Rank e tantos outros são
hoje comprováveis e justi cam muito do “obscuro” e do “profundo” que
existe em cada indivíduo.

A libertação da vinda interior é uma das necessidades fundamentais


para a conquista do mundo exterior. A noção da libido e as teorias do “id”,
“ego” e “superego” dão uma vez mais signi cado unitário ao comportamento
e ao movimento humano.

A motivação é um processo dinâmico que se desenrola no interior do


indivíduo, dado que cada motivo tem a sua signi cação pessoal e constitui o
“ at” do comportamento personalizado.
Há na experiência e no contato com o mundo uma autenticidade
pessoal das vivências, dando ao comportamento uma signi cação imanente
da unidade do indivíduo.

O mundo fora de nós assume uma perspectiva pessoal e social que o


faz transformar no nosso próprio mundo. A estruturação e a reestruturação
do mundo, operada pela percepção e pela ação, está em dependência mútua
com a satisfação das necessidades biológicas, afetivas, emotivas e cognitivas
da unicidade individual.

Entre a espontaneidade do indivíduo e a inércia do envolvimento, o


movimento surge como elo de relação, renovação, construção e retroação.

O mundo é experimentado e percebido objetivamente pelo homem,


contendo em si uma imagem subjetiva. Há no ser humano uma disposição
subjetiva e afetiva, em face do seu desenvolvimento, dado que o mundo
ocupa signi cado por ser concreto e possibilitar o comportamento.

O comportamento humano está diretamente e indiretamente ligado a


uma sociologia das motivações que são incorporadas no indivíduo pela edu‐
cação ou pelas relações socioculturais.

O homem, como a rmou Engels, representa no fundo um conjunto de


relações sociais. O outro ou outros são para o indivíduo a condição essencial
do seu desenvolvimento e maturação.

A maturação do indivíduo não está subordinada ao contexo biológico;


ela é também dependente do contexto histórico e cultural (mundo dos
valores humanos). Deste modo, o movimento do Homem apresenta-se sob a
forma sociológica, não só porque provoca a transição de uma interioridade
mas também porque modi ca o próprio ambiente dos outros e dos objetos.

Todo o ser humano executa movimentos re exos, involuntários,


inconscientes, não perceptíveis a ele mesmo, mas só ele pode sentir e mo‐
di car o próprio movimento em função da situação, ou em função da
modi cação imprevista do envolvimento.
O mundo do homem é permanentemente mutável e, portanto,
renovado nas suas signi cações. A estrutura de resposta do ser humano não
pode ser uma adaptação mecânica a um meio imutável. O indivíduo precisa
responder e cazmente a uma modi cação do envolvimento, a uma nova
signi cação da situação como nas situações de jogo ou de desporto, que são
continuamente modi cáveis e exigem uma adaptação plástica às novas re‐
lações provocadas.

A verdade do movimento não está no início, mas no m. O homem


necessita utilizar o movimento para a satisfação das necessidades que lhe são
inerentes. A plasticidade e a disponibilidade adaptativa do ser humano
traduzem-se pela execução do movimento ajustado à situação, por meio de
um controle biopsíquico consciente.

A dominante do movimento situa-se essencialmente no processo


decisivo e intencional que encerra o próprio indivíduo.

O movimento puramente humano tem uma interferência nos processos


integrativos, dado que ele tem na sua exteriorização a marca de uma per‐
sonalidade. A importância do movimento é demais signi cativa no processo
consciente, ou seja, nas estruturas da consciência social.

O movimento humano re ete uma interligação dos processos


emotivos, volitivos e intelectuais, dado que constitui em si uma conquista
biológica da espécie humana, como vimos anteriormente.

O movimento, como a linguagem, são os processos superiores da


comunicabilidade sociológica.

Desde o nascimento até a maturidade plena, o movimento deve


contribuir para o desenvolvimento de todas as faculdades humanas e para o
alongamento do período criador da vida do ser humano.

Reconhecemos que o movimento é uma necessidade vital essencial do


ser humano. Desde a exteriorização das emoções à consciência e à
individualização do próprio corpo até a consciência de si, o movimento é
revelador de uma conquista progressiva de independência.
Temos de aceitar na unidade dialética do homem um poder da
consciência humana sobre o organismo humano. O mesmo é dizer que
existe um poder dominante do psíquico sobre o motor, depois de este ter
originado aquele. Daí a sua relação recíproca que se traduz no equilíbrio
dinâmico do indivíduo.

O movimento não só estabelece uma regulação interna e estruturante, a


partir de uma previsão consciencializada, como também projeta a totalidade
humana no seu mundo exterior e social.

Na dialética da vivência humana, surge uma adaptabilidade a novas


circunstâncias processadas pelo movimento, como meio de relação à
espacialidade e à temporalidade humanas.

A criança elabora a sua unidade com o meio pela sua estrutura êxtero-
afetiva, onde se estabelece o enriquecimento do círculo funcional entre o
organismo e o meio. Há como que uma dinamização da subjetividade do eu
quando o homem está em movimento: efetivamente ele constitui um ele‐
mento fundamental da formulação da consciência da nossa própria
interioridade.

A situação convida o homem a uma alteração da sua vida interior,


como do seu comportamento implícito, na medida em que a situação en‐
cerra em si uma redação de implicação.

A situação implica movimento, como ação consciente, originando no


indivíduo uma intencionalidade e uma exteriorização volitiva da execução
do gesto.

Há um complexo número de situações e de problemas que se levantam


no estudo do movimento humano, dando a ele um caráter universalista da
ciência e do acontecimento.

O homem e o mundo adaptam-se como a chave e a fechadura,


querendo demonstrar a relação recíproca de dependência funcional que
existe entre ambos.
A integração do mundo está condicionada à experiência muscular, ou
seja, à função da experiência pessoal e dos hábitos adquiridos pelo
indivíduo, onde o movimento ocupa um papel fundamental.

É certo que cada indivíduo tira do mundo o seu ponto de vista,


consubstanciado com a liberdade, embora limitada às suas características
motoras pessoais, à situação do momento, às decisões histórico-sociais
anteriores, aos interesses, às inclinações e às intenções. O mundo do homem
é dependente da constituição dos seus órgãos de percepção e de ação
subordinado às contingências do momento.

A percepção e a resposta motora (a ação) são os polos da unidade do


comportamento humano.

O homem constrói o seu mundo por meio do seu mundo de percepção


e do seu mundo de ação, querendo demonstrar que o homem não existe
somente pelas suas sensações e pelas suas ações, como o animal, mas existe
pelo seu conhecimento e pelos seus movimentos interiorizados.

A consciência é formulada por uma experiência que é sinônimo de um


conhecimento, e é esse conhecimento integrado que dá ao homem a pos‐
sibilidade de se adaptar ao meio.

O mundo só existe no próprio homem pelo movimento e pela


experiência, não como uma reação, mas como uma realização criadora e
organizadora sob a conduta de uma consciência sociológica que encontrou
no mundo preestabelecido da sua infância, que aceitou, assimilou e renovou,
como a rmou Buytendijk. Para Merleau-Ponty, o homem é uma ideia
histórica; o mundo que o rodeia parte de uma fonte social e cultural.

O homem habita um espaço pelo corpo e prolonga-o na sua evolução


temporal por meio do movimento. A signi cação vital da sua vida é o seu
próprio movimento, pelo qual o homem conhece a significação das
significações.

Na execução do movimento não está só a resolução de uma tensão ou a


realização de um tropismo; está também uma signi cação intencional que é
dependente de uma adesão voluntária à situação.

Para Buytendijk, “o homem não é um animal coberto de uma camada


super cial de funções intelectuais. É um espírito encarnado, quer dizer, cada
comportamento em que intervém o seu corpo, este revela uma dimensão
espiritual”.

Em Merleau-Ponty, “o movimento humano atinge o signi cado


espiritual inerente”, o que vem proporcionar ao movimento uma certa
característica espiritual e profundamente humana (espiritualização do
movimento).

Perante o movimento, o homem confere-lhe um aspecto particular; é


capaz de corrigir alguma perturbação e arrisca, experimenta e descobre no‐
vas reações. A noção de criatividade e de descoberta do desconhecido são
incorporadas no indivíduo pela experiência do movimento, como veículo
atualizador das necessidades interiorizadas.

O comportamento inovador e criador é dependente de uma vivência


integrada e baseada em conquistas (skills) anteriores. Claro que, para nos
projetarmos em uma dimensão conquistadora do mundo, precisamos de um
estado interior perfeitamente equilibrado no seu aspecto emotivo e afetivo.

Todo o conhecimento humano está impregnado de afetividade, tal


como o movimento só se pode equacionar em uma esfera afetiva.

Em todo o comportamento, observa-se uma orientação motora


portadora de uma signi cação espaço-temporal e carregada de uma ori‐
ginalidade criadora.

O homem é uma estrutura complexa e indivisível em permanente


interação com o meio envolvente, cuja textura não pode separar-se da situ‐
ação ambiental em que se encontra.

Os estudos de Psicologia e de Neuro siologia romperam com o


dualismo cartesiano, dados que comprovam que o ser humano é conduzido
a reagir como um todo a uma situação dada. A descoberta da unidade do
sujeito, do corpo e da situação são os fundamentos da psicossomática.

Para Sechenov, todas as manifestações interiores da atividade cortical


podem reduzir-se a movimentos musculares, além de acrescentar que a
causa do comportamento não se encontra no pensamento, mas na
estimulação sensorial exterior sem a qual nenhum pensamento é possível.O
movimento, como substrato do comportamento, é o suporte do caráter,
como sustentou o grande psicólogo Wallon.

Para Piaget, o comportamento não é outra coisa senão a própria


organização da vida aplicada, ou generalizada, a um setor mais largo das tro‐
cas com o meio.

Estes conteúdos são hoje constatados pela prática humana e são


veri cados pela observação dos comportamentos. Estes elementos devem
constituir o alicerce de fundo da utilização do movimento como aspecto
fundamental da educação.

Os valores da re exão humana são fundamentais em um plano teórico


para basear e fundamentar a prática.

Sentimos cada vez mais a necessidade de provar que o movimento


humano não é uma reação provocada por contração muscular, mas é algo
orientado para um m, para um projeto, é a expressão de uma vivência
sentida, plani cada e intencional.

A Neuro siologia procura descobrir as diversas transformações,


elaborações e integrações que sofrem as aferências sensoriais e a organização
que preside às respostas motoras e à determinante profunda do
comportamento.

A complexidade da signi cação do movimento tem sido estudada por


neurologistas, siologistas, neuro siologistas, psicobiologistas,
neuropsicólogos, psicólogos etc., e todos eles chegam à conclusão comum de
que o movimento é fundamentalmente um meio de interação humana entre
o mundo interno da pessoa e o mundo externo dos objetos e dos outros.
Aliado a todo este conteúdo, o ponto de partida do estudo do
movimento e a sua repercussão no desenvolvimento psicológico do
indivíduo situa-se na incomensurável complexidade do sistema nervoso e na
objetividade dos fenômenos da percepção e da consciência.

As interações inumeráveis que se produzem entre o homem e o meio


ambiente estão na origem da estruturação do sistema nervoso humano, sis‐
tema esse que liga o indivíduo ao meio. Pavlov chamou este sistema de
“sistema de sinalização”, demonstrando que o ser humano evolui não uni‐
formemente, mas em constantes oposições e identi cações com o ambiente.
Nos sinais que encontra na sua evolução, e aos quais, ao dar-lhes signi cado,
os renova, rejeita ou integra, o homem estabelece a relação com o meio.

A atividade nervosa superior “pavloviana” põe em relação o indivíduo


com o ambiente por meio de re exos condicionados e por reações
multifacetadas às estimulações exteriores.

A enormidade existencial humana é uma fusão do biológico com o


sociológico, como defendeu a escola de Pavlov, querendo situar a per‐
sonalidade em um contexto dialético, onde o mundo sociológico atinge
maior signi cação que o mundo físico.

A edi cação da unidade dialética é operada pelo movimento, como


reação mais humana às solicitações propostas pelo meio.

No movimento, não interessa só a posição de tal membro ou segmento,


mas essencialmente a origem das motivações profundas. O interesse do
movimento não é particularidade deste ou daquele gesto, mas sim a
exteriorização de uma necessidade.

Não podemos encontrar no movimento um somatório de tropismos,


mas a forma mais pura de conquista do meio, como resultado de uma
relação adquirida.

Na projeção humanizada pelo movimento, o indivíduo não sofre um


processo de castração psicológica como um simples esquema anatômico-
mecanicista, mas situa-se no mundo sociologicamente, utilizando o
movimento como conquista biológica da civilização.

A importância dos processos inconscientes do comportamento não


pode ser esquecida em uma teorização do movimento, dado que o
movimento, desde o nascimento do indivíduo, encontra-se ligado aos
impulsos e às emoções, e mais tarde, às percepções e às conceptualizações.

O movimento no recém-nascido é inconsciente e difuso, é uma simples


descarga muscular, mas, progressivamente, a intenção do gesto vai ter um
papel decisivo na maturação psicológica do indivíduo e no desenvolvimento
da linguagem.

A vida do homem é toda ela realizada por contração muscular, mas em


uma evocação consciente sobre o m em que se xou, como a orientação de
si próprio em face do mundo que o cerca, previamente programada e
plani cada no cérebro.

A estrutura receptivado ser humano inicia-se no próprio músculo,


como demonstraram os estudos de Granit e Kaada, que veri caram que a
sensibilidade ao músculo se encontra submetida ao controle central. Tudo
isto prova a unidade signi cativa do ser humano, onde a sua ação está
profundamente ligada a uma presença mental do m que plani cou no
cérebro, como meio de expressão de um estar, dinâmico e consciente, no
mundo.

O movimento como ação liga o mundo da recepção ao mundo da


expressão, justi cando a síntese existencial e integrada do homem no seio
do seu envolvimento.

A relação entre a situação, como problema a resolver, e a ação, como


movimento ajustado, tem a sua profunda signi cação na vida interior do in‐
divíduo, que elabora antes da ação um projeto anterior que caracteriza a
intencionalidade da mesma. Isto quer dizer que o movimento responderá às
exigências da situação, se não for realizado só em função de esquemas
motores e elaborações siológicas de transformação de energia. A repro‐
dução do movimento só é humanizante se for estabelecida a partir das
estruturas conscientes.

O movimento tem antes de tudo que possuir um caráter de signi cação


e de intencionalidade, de forma que possa conferir à ação um todo
organizado em si, portador de signi cado e dirigido globalmente para um
m.

O movimento situa-se na problemática dos primeiros atos intencionais


e nas relações afetivas e emocionais entre o ser humano e o seu mundo
próprio circunstancial e social.

Para nos relacionarmos com o envolvimento momentâneo, é


fundamental que se estabeleça uma simbiose afetiva entre o meio e o
organismo; é a partir daí que a motricidade se revela como atividade
êxterio-efetiva cinética. Para Zazzo, a motricidade não é uma pura descrição
das praxias; ela é essencialmente uma expressão da fenomenologia da
afetividade.

A evolução da motricidade não é só maturação a partir das


determinantes hereditárias; ela é fundamentalmente assimilação de
in uências sicas e humanas e é reação às reações do próprio meio.

Não podemos, atualmente, desinserir o movimento das estruturas da


corticalidade, dado que o próprio movimento é em si carregado de uma
intimidade peculiar, que caracteriza o seu valor expressivo.

É na experiência interior que se estabelece a relação signi cativa entre a


situação e a ação. Kurt Lewin denominou esse aspecto de espaço vital.

O homem é criador de mundos e criador de movimentos, dado que o


seu entrelaçamento intrínseco com os elementos do ambiente o leva a
elaborar sucessivos planos de construção em face da realidade do mundo
onde está introduzido.

O homem, como provam os estudos dos biologistas, constrói-se por si


próprio. Cada pessoa “aprende o mundo” de uma maneira particular, na
medida em que a representação psicológica do mundo é diferente de pessoa
para pessoa.

A representação psicológica do mundo não está fora do indivíduo; ela


estabelece-se no campo fenomenal interior da pessoa humana. O ser hu‐
mano é sensível, os seus sentidos não transmitem diretamente objetos
físicos, reagem à representação dos objetos, a partir dos quais constroem um
plano de reação baseado nas estruturas intermediárias (integrativas e
elaborativas) da pessoa.

Aquilo que o homem reconhece do seu meio não é igual ao próprio


meio, quer dizer, tira do meio aquilo que lhe causa interesse.

A reação aos estímulos exteriores não depende dos objetos (estímulos


distais), mas essencialmente da percepção dos mesmos (estímulos
proximais).

O comportamento, com exteriorização total da pessoa humana, é uma


apreensão subjetiva no meio ambiente, com o qual estabelece uma interação
contínua que traduz uma peculiaridade existencial e pessoal.

Não há só uma “participação muscular”; há sim uma interação


recíproca, constante e permanente, entre as funções motoras e as funções
psíquicas. Em cada indivíduo, existe um complexo mediador entre o mundo
e a sua interioridade, que constitui o ímpeto do comportamento.

Os estudos da Psicanálise vieram enriquecer extraordinariamente os


problemas inerentes ao comportamento, fundamentalmente no que diz
respeito à descoberta das motivações profundas e inconscientes.

Qual o papel do movimento neste campo tão complexo? Efetivamente,


a produção de movimento, com ação original, portanto humana, é muitas
vezes estranha às intenções conscientes que regulam normalmente o nosso
comportamento. Onde podemos notar com maior facilidade este problema é
na criança, principalmente nos dois primeiros anos de sua existência,
durante os quais o movimento constitui o único comportamento que
signi ca o bem-estar ou mal-estar do recém-nascido.
Sabe-se, hoje, que o comportamento inibido do homem é
profundamente in uenciado pela espontaneidade motora que viveu na sua
infância. O nível de tolerância e de aceitação social em face dos movimentos
e das descobertas espaço-temporais tem uma grande importância na
formação da autoimagem e na autocon ança, que desempenham relevância
crucial no desenvolvimento posterior da personalidade da criança.
(ERIKSON)

O comportamento é sempre resultante de uma certa oposição entre os


processos conscientes (voluntários) e os processos inconscientes
(automáticos); podemos mesmo dizer que o comportamento constitui um
compromisso como resultado de um con ito. Esse resultado é
essencialmente uma signi cação personalizada dessa oposição e deve
processar-se em função de uma nalidade de nida e precisa, como
sinônimo de uma autenticidade e de uma coerência de comportamento.

Convém que a ação ajustada se liberte dos mecanismos de defesa e se


traduza como ação desinibida. É neste teor que o movimento tem de se
situar, de modo que signi que uma ação positiva do ser humano.

Atribuir intencionalidade ao movimento é a única forma de subordiná-


lo ao comportamento, na medida em que só assim pode corresponder à
exigência da objetividade da situação.

A pessoa humana é dialeticamente unitária e coerente, é uma unidade


lógica construtiva, e só podemos conceber uma expressão pelo movimento
quando se tomar como referência esta visão da pessoa.

A concepção tradicional da pessoa humana é a base da metafísica da


alma apresentada como substância e, como se sabe, ela marcou profunda‐
mente uma certa concepção do movimento que urge desmisti car
culturalmente.

O estudo do comportamento eliminou o grande inconveniente da


divisão humana e superou o dualismo entre “corpo” e “alma”, entre “matéria”
e “espírito”, entre “dentro” e “fora”, parajusti car o processo unitário da
adaptação perfeita e harmoniosa que o ser humano assume como unicidade
individual.

A tendência ortodoxa de dividir jamais tem cabimento na


contemporaneidade cientí co-cultural; dividimos porque não entendemos a
complexidade das coisas.

Como diz Chauchard, a oposição clássica entre pensamento e ação,


entre Homo Sapiens e Homo Faber é ctícia porque a estrutura cerebral é
análoga nos dois casos.

Os mecanicistas da vida, e como tal da cultura, não se limitaram a


reduzir os órgãos dos sentidos e os órgãos do movimento a peças de uma
máquina, mas foram mais longe, mecanizaram o homem, reduziram o
homem a uma máquina.

O ser humano vive em síntese com o que o rodeia, por meio da


signi cação pessoal que confere às situações que experimenta na sua perma‐
nente adaptação, como sustentou Pierón. Não podemos, hoje, ver a divisão
do estímulo e da resposta, ou o dualismo organismo-meio, dado que são for‐
mas camu adas para substituir o dualismo clássico e cartesiano — do corpo
e da alma.

Teremos de iniciar um estudo sobre a totalidade das adaptações


humanas, onde o movimento constitua reação adaptativa do organismo,
resposta que dá ao estímulo a sua correspondente signi cação,
restabelecendo o equilíbrio entre o indivíduo e o envolvimento.

Tolman denominou a adaptação como o conjunto de meios para


atender a um m desejado, mais ou menos longínquo.

A estrutura humana é essencialmente formuladora de reações, não


unicamente estrutura de resolução de problemas, pois só o homem pode ter
a iniciativa da reação, correndo todos os riscos que lhe são atinentes. Não
podemos reduzir toda a atividade psíquica a movimentos, ou a uma reação
períférica, devemos, sim, relacionar o movimento com a consciência.
Só a consciência permite o conhecimento do mundo, dado que o
integra na experiência pessoal, não como simples conexões entre o estímulo
e a reação, mas como um processo afetivo de integração, revelador de uma
conquista biológica da Humanidade.

Piaget, como psicólogo, não se interessou pelas estruturas nervosas


subjacentes inerentes ao comportamento, para se debruçar sobre os fe‐
nômenos da maturação, sobre a necessidade de justi car o comportamento
como um processo de troca entre o organismo e o meio.

Segundo o seu conceito, a inteligência é sempre um processo de


adaptação e, na sua primeira fase, ela é exclusivamente sensório-motora,
portanto, resultante do movimento interiorizado (esquema de ação). Para o
mesmo autor, o comportamento só é resultante das imagens e das operações.

Wallon a rmou que a explicação de Piaget era incompleta, justi cando


que não é o encadeamento de experiências, adaptações e complexidade
progressivas que dá ao movimento uma característica de consciencialização.

A consciência é precedida de comportamentos sensório-motores que a


preparam por meio de fatos novos, implicadores de uma maturação sio‐
lógica. É a constante coordenação de sistematizações sensoriais e motoras
que origina o progresso do sistema integrativo do homem, que se diferencia
progressivamente, mas, no fundo, constitui um aspecto mais afetivo do que
sensorial, mais postural do que motor.

Esta hipótese, defendida por Wallon, fornece à maturação orgânica


progressiva um conteúdo afetivo, humanizando, assim, a estruturação da
consciência.

Consciência humana é, portanto, segundo Wallon, função de uma


representação das coisas, do outro e do próprio indivíduo.
Figura 8.2

A noção de consciência humana está radicalmente ligada ao conteúdo


concreto das condições sociais e culturais, como sublinhou Leontiev.

Quando tomamos consciência de qualquer coisa, adquirimos um


conhecimento, como a rmou Guillaume, conhecimento esse só possível
pelo aspecto dinâmico e re exivo proveniente dos processos siológicos
inconscientes do pensamento. Isto quer dizer que o comportamento é uma
variável dos processos psico siológicos que constituem a unidade de
conduta do homem.

Em continuidade ao problema levantado por Wallon, podemos situar o


comportamento como uma norma cultural, na medida em que o compor‐
tamento em si é biossocial, como defendeu Murphy. Esta linha de
justi cação cultural do movimento foi também esclarecida pelos estudos de
Marcel Mauss sobre a aquisição dos hábitos motores no homem. Este autor
pretendeu demonstrar que o gesto, o andar e os fenômenos do tempo e do
espaço têm uma forma de expressão particular, a que estão ligados todos os
problemas culturais do homem e dos povos.

Todo o comportamento está carregado de motivações afetivas,


emotivas e cognitivas e é um subproduto da atividade cortical, como a orou
Colle.
As relações humanas in uenciam os comportamentos posteriores, daí a
grande importância que os psicólogos dão às primeiras relações entre a mãe
e o lho, querendo-se demonstrar que, no comportamento de qualquer
pessoa, encontram-se muitos outros, signi cando o comportamento como
projeção do homem no seu mundo próprio, todo ele eivado de afetividade e
de atividade.

O comportamento eliminou o “espiritualismo”, para situar a presença


dinamogênea do indivíduo total em face do seu meio exterior. É neste
contexto de totalidade que interpretamos o comportamento motor em
relação a todo um conjunto individual, social e cultural.

É pela expressão do movimento que libertamos o indivíduo da sua


estrutura reacional, dado que, por ele, o organismo assume o seu caráter
espontâneo e intrínseco de atividade. Fundamentalmente, teremos de
estudar o movimento ligado a todos os fenômenos do comportamento,
tomando como referência o homem.

O processo arcaico e a estrutura caótica da consciência, no momento


do nascimento do ser humano, são sucessivamente libertados por meio do
movimento. É esta dimensão humana que carrega o próprio movimento,
que dá ao sujeito a consciência do seu ser.

É o caráter bioconsciente e intencional do movimento que enriquece a


signi cação espaçotemporal do comportamento humano.

Este aspecto primitivo e inicial na integridade da pessoa, para sucessiva


e dissociada integração motora, é que estabelecerá os princípios da vida
mental do invidíduo.

A organização do sistema integrativo do homem é dependente e


resultante da experiência do sujeito, geradora da noção da consciência de si
e da estruturação do esquema corporal, como consequências de uma
autoestruturação progressiva, de um dispositivo de ltragem e de uma
canalização de informação em um nível superior, que homologa o canal
único, por onde o movimento atualizará a experiência consciente.
A autonomia crescente e a independência em relação ao meio é
operada pelo movimento interiorizado, introjetado e integrado, pelo qual o
indivíduo assume a noção de um ser distinto. A maioria das necessidades é
satisfeita pelo comportamento motor, pois é pela resolução mais ou menos
favorável dos con itos e das situações-problema que se processa a
maturação orgânica.

A maturação orgânica progressiva é elaborada por um processo lento,


tomando como ponto de partida a noção da superfície do corpo, dado que a
criança só pode iniciar o seu sistema de reciprocidade com o meio, a partir
do momento em que consegue separar o interior do exterior, em que o
indivíduo adquire uma noção do seu espaço existencial.

Como envolvimento, podemos entender tudo o que pode estar ao


alcance do indivíduo, tudo o que liga a uma signi cação de existência; no
fundo, tudo o que lhe garante a sua evolução temporal.

A noção do próprio corpo é a primeira função da troca dialética entre o


organismo e o meio. Só depois da noção do próprio corpo, o indivíduo
inicia uma relação signi cativa com o meio e elabora, como autoconstrução,
o seu desenvolvimento signi cativo. É após o momento da noção do corpo
que o indivíduo dá um requisito à sua interioridade, projetada em uma
espacialidade exterior que permitirá, concomitantemente, a representação
desse mesmo ambiente.

Para se observar a existência de um envolvimento, necessário se torna a


coexistência de uma volição de ação, a partir de uma intencionalidade de
pensamento.

A riqueza da vivência humana é extremamente vasta, dado que a


própria linguagem socializada não é por si su ciente para traduzir a riqueza
das impressões vividas. O movimento enriquece a linguagem, e o corpo
escolhe a palavra. Foi a melodia do gesto que socializou a forma de
comunicação não verbal e verbal.

Para Zazzo, a vida do ser humano termina no momento em que o


movimento deixa de ser impregnado de intencionalidade e de expressão.
A liberdade de movimento é a mais pura, é pelo gesto que a
subjetividade atinge a vida. O movimento é a signi cação mais sociológica
da liberdade individual.

A liberdade é uma conquista. É o movimento que possibilita e assegura


sucessivamente a autonomia e a independência.

O movimento é um raio de energia, um raio de inspiração que faz do


Homem um ser criador. De fato, toda a criação humana é um processo de
movimento humanizado.

A signi cação de uma criação é a satisfação de um desejo de


concretização, que se atinge pelo movimento, por meio de uma perfeição
íntima entre o desejo e o m criativo, como atestam as obras de arte.

O movimento integra-se progressivamente na lógica interna das


condutas, tornando-se intenção, projeto e ação.

Os atos do indivíduo são orientados, de uma certa forma, a partir do


momento em que se esboça na consciência a representação de uma tarefa ou
de um m. Não podemos explicar os movimentos por estímulos, mas sim por
inserções no psiquismo, de modo que se compreenda a motricidade como uma
dialética da conduta humana.

Teremos, irremediavelmente, de situar o movimento como um


fenômeno da vida psíquica, fazendo parte integrante do interacionismo da
conduta. O movimento é uma dimensão subjetiva, é uma forma de
reconhecimento de uma existência consciente, ou seja, a dimensão dinâmica
da interiorização do ser humano. É a integração do movimento que facilita a
totalidade das adaptações humanas na própria experiência pessoal, como
forma de alargamento e edi cação do próprio indivíduo. O movimento é
essencialmente um problema de inteligibilidade.

O comportamento é para alguns autores um fenômeno misto,


implicando dois aspectos, um exterior e outro interior, duas faces do mesmo
acontecimento dinâmico-pessoal, faces essas estritamente complementares,
mas com graus de presença variável. No aspecto interior, temos a revelar a
intencionalidade, a tendência e a aspiração que de nem a introspecção e a
marca diferencial e pessoal do comportamento. No aspecto exterior, os ges‐
tos, os movimentos, a motricidade, tudo o que podemos perceber de fora,
ou seja, aquilo que re ete a direcionalidade do movimento.

O comportamento exteriorizável e, portanto, observável, é sempre


função de um aspecto introspectivo-interior que caracteriza a
intencionalidade da experiência humana e justi ca a estruturação da
consciência como qualquer coisa de vivido. É o próprio movimento que
justi ca a experiência imediata no mundo e a projeção nele da estrutura
global do ser.

O fenômeno do movimento revela a dimensão espacial e temporal da


unidade do ser colocada na unidade do mundo.

Segundo Merleau-Ponty, o movimento é uma modulação de um meio


já familiar e submete-nos,

cada vez mais, ao nosso problema central, que é de saber como se


constitui esse meio que serve de fundo a todo o ato consciente.

A nossa convivência com o mundo é valorizada pelo aspecto dinâmico


que caracteriza a nossa presença. É a intenção do movimento que nos
permite habitar o mundo.

Para Husserl, o mundo é inseparável do sujeito, mas de um sujeito que


não é senão projeto do mundo, e o sujeito é inseparável do mundo, mas de
um mundo que é projeto dele mesmo.

O indivíduo está no mundo, mas o mundo mantém-se subjetivo, como


focou Heidegger, dado que a sua textura e as suas articulações com o mundo
são desenhadas por meio do seu movimento. O mundo, como berço de
signi cação, é incorporado no indivíduo pela coerência da unidade do mo-
vimento, pela qual o indivíduo estabelece todas as suas experiências e
concretiza todos os seus projetos, como signi cação humana no seu
desenvolvimento e da sua aprendizagem.
O movimento é o meio mais humanizado de comunicação com o
mundo; um mundo não como soma de objetos e pessoas determinadas, mas
como horizonte latente de toda a nossa autonomia.

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-9-

Abordagem Psicotônica

PSIQUISMO, MOTRICIDADE E TÔNUS

Para perspectivarmos uma evolução da motricidade, não podemos


esquecer a importância do desenvolvimento da motricidade fetal, onde se
estabelecem já as primeiras formas de comportamento relacional com o
mundo exterior.

O próprio momento do parto provoca alterações no desenvolvimento


da motricidade, conforme as pressões e as tradições existentes nesse
momento. Sobretudo Otto Rank, entre outros psicanalistas, considerou o
parto como o traumatismo inicial da angústia existencial do ser humano.

Propomo-nos abordar alguns aspectos da ontogênese do


comportamento motor, focando muito ligeiramente a importância do
movimento nas várias etapas que constituem a sucessiva conquista do
mundo exterior.

Além de um esquema sumário sobre a motricidade nos primeiros anos


da existência da criança, focaremos a importância do desenvolvimento
postural e do desenvolvimento da preensão na formação da atividade psíquica
total.
Desejamos alargar um pouco as perspectivas da motricidade,
inserindo-a na esfera da afetividade, procurando relacioná-la com os
trabalhos de Wallon e focando fundamentalmente a importância das
relações entre o psiquismo, a motricidade e a função tônica.

A atividade, na criança, começa por ser elementar, descontínua,


esporádica, difusa, grosseira e indiferenciada. As suas primeiras
manifestações são destituídas de qualquer objetivo; elas são consequência de
um estado caótico que caracteriza o recémnascido nas suas primeiras etapas
maturativas.

Todo o crescimento mental, assim como motor, constituem, segundo


Gesell, um processo de modelagem mais ou menos de nido.

As primeiras estruturas do comportamento humano são


essencialmente de ordem motora e só mais tarde de ordem mental. À
medida que o contato com o meio se vai enriquecendo, o papel da
motricidade vai estando cada vez mais em dependência recíproca com a
consciência.

Gesell a rma que é por meio do movimento e da sua atividade que se


pode observar o desenvolvimento da inteligência do bebê, e é por meio dele
que se elaboram as estruturas do comportamento, à medida que ele avança
em maturidade.

A maturação motora, como defendeu Ajuriaguerra, implica o assumir


de características diferentes, não só por originar a integração de novos
esquemas motores mais complexos mas também o desaparecimento de
certas reações-tipo.

Em inúmeros autores, veri ca-se a importância que dão ao movimento,


por meio da sua sucessiva signi cação, que se modi ca ao longo da
ontogênese. Engels chegou mesmo a concluir que, na ontogênese, se veri ca
uma recapitulação das etapas principais da logênese, do que é exemplo o
re exo de Moro e tantos outros.
O movimento é tudo o que constitui a vida da criança e traduz a
unidade do seu comportamento em estreita analogia com a organização
progressiva do sistema nervoso.

De uma certa agitação e imperícia motora nos primeiros meses,


puramente orgânica, veri ca-se sucessivamente uma perfeição e uma
precisão do controle mental sobre o comportamento motor, como resultado
da organização da corticalização. As vastas e as inumeráveis bras nervosas
que preenchem a unidade do indivíduo invadem cada parte do organismo;
graças às suas interconexões, o sistema nervoso chega a toda a parte,
provocando uma ligação profunda entre o seu crescimento e o crescimento
motor e mental.

Cinco meses antes do nascimento, o bebê possui todas as células


nervosas, cerca de 14 milhões, que jamais lhe serão dadas. Muitas delas
encontram-se já funcionando corretamente no momento do nascimento.
Neste momento, o feto realiza movimentos de braços e pernas de tal
maneira vigorosos que podemos observá-los e senti-los por meio da parede
abdominal da mãe. Tudo já prepara-se para o momento do nascimento,
quando o ar da vida exterior se precipita nos pulmões.

À medida que a criança adquire comportamentos motores, ela


experimenta uma Psicologia que lhe é própria e que está em paralelo com a
estruturação progressiva do sistema nervoso.

O progresso das estruturas perceptivo-motoras fornece-nos, em certa


medida, o grau de maturidade mental. As permanentes investigações e
inspeções da visão, acompanhadas das preensões correspondentes,
modi cam, segundo Gesell, a arquitetura íntima do sistema nervoso.

Além de Gesell, mais recente, teremos de focar outros autores, como,


por exemplo, Preyer, Stern, Duchenne, Sherrington, Babinsky, Winslow,
Jackson, Slinn, Scupin, Guileaume etc., que se esforçaram por estudar o
papel do movimento da unidade da vida da criança.

A criança faz-se entender por gestos nos primeiros dias de sua vida, e,
até o momento da linguagem, o movimento constitui quase que a expressão
global das suas necessidades. A profundidade e o valor da intercomunicação
humana pelo gesto são de extrema importância na criança, tanto por estar
em relação estreita com as emoções como propriamente por ser o veículo de
transmissão do equilíbrio do estado interior do recém-nascido.

O sistema nervoso, com as suas capacidades prodigiosas de


crescimento e aprendizagem, é o meio pelo qual a vida mental se organiza.
O sistema nervoso elabora-se e estrutura-se pelo movimento, como
primeiro aspecto da relação da integração humana com o mundo objetivo.

Fig. 9.1 - Graus de mielinização das regiões do córtex..

Pontos do cérebro que se encontram mielinizados à nascença.

Pontos de mielinização intermédia.

1- Área motora

2- Área sensorial

3- Área auditiva

4- Área visual

5- Área motora da fala


6- Área psicomotora (frontal)

7- Área somatognósica

8- Área associativa da visão

9- Área associativa da audição

10- Área associativa viso-auditiva

11- Áreas associativas... crossamodais (GEJCHWIND)

No momento do nascimento, as crianças (e o seu SNC) estão


preparadas para receber informação dos principais sistemas sensoriais.

As áreas complexas dos sistemas associativos demoram cerca de oito


anos para adquirir a mielinização completa.

Não é por acaso que atualmente se colocam os recém-nascidos em


ambientes enriquecidos de estímulos, com o m de fazer despertar
determinados aspectos da visão e da preensão e, mais tarde, da locomoção.
Espelhos, bonecos, bolas, aquários e um grande número de outros objetos
multicoloridos são hoje uma grande preocupação dos psicólogos e dos
pediatras, o que em certo nivel vem atestar e pôr em relevo a importância do
“ambiente cultural” que envolve a criança.

O início da vida mental do recém-nascido esboça-se em três planos do


real:

1- funções vegetativas de respiração, da nutrição e da eliminação;

2- mundo dos objetos: movimento, tempo e espaço;

3- mundo das pessoas, da comunidade da criança.

Segundo a escola americana de Gesell, a vida da criança desenvolve-se


na combinação destes três planos da realidade, justi cando que o desenvol‐
vimento da sua personalidade se estabelece em simbiose unitária com a
realidade, dado que a socialização da sua conduta a encaminha para o
mundo das pessoas, na medida em que a organização da sua personalidade
depende da sua adaptação às relações humanas.

É a atividade de relação com o mundo que permite a evolução


psicológica da pessoa humana. Para se dar essa atividade de relação, as
pessoas têm de romper com os horizontes do seu espaço e projetar-se no
universo pelo movimento, dado que a relação com ele é essencialmente
dinâmica e dinética. Dessa forma, nunca é demais realçar a importância de
relação recíproca entre a motricidade e a evolução psicológica do ser
humano.

Para Zazzo, o movimento é um meio de expressão da afetividade. O


movimento como adaptação, no verdadeiro sentido de Piaget, está pro‐
fundamente condicionado à esfera da efetividade e, por outro lado,
interconectado com a evolução da função tônica, não como um puro
desenvolvimento siológico, mas como estado de transformações
progressivas, tanto integrativas como projetivas em função de uma
organização psicomotora particularizada.

As funções motoras e psíquicas inter-relacionam-se reciprocamente em


todo processo evolutivo humano.

Como provaram os trabalhos de Spitz e de Wallon, a atitude afetiva da


mãe em face da agitação explosiva e descoordenada da criança, pode as‐
sumir extraordinárias repercussões no desenvolvimento posterior da
motricidade e da personalidade.

A criança toma contato com o mundo por meio dos movimentos. É por
um verdadeiro diálogo tônico que a criança se introduz na cultura. Durante
muito tempo, a forma de contato que a criança estabelece com o mundo é
realizada particularmente com a mãe, por meio de um verdadeiro diálogo
corporal e gestual.As primeiras relações vão ocasionar uma alteração da
tonicidade do indivíduo que traduzem esquemas de reação, uns
hipertônicos, outros hipotônicos.
Estas impressões vão modi car a musculatura (de relação estriada),
constituindo assim a história do indivíduo, re etida em uma diferenciada
compleição motora.

Os primeiros atos intencionais surgem na simbiose afetiva com o meio.


O meio representa já uma forma de possessão, e é a partir desse
autorreconhecimento que se iniciam as descobertas e o domínio do próprio
ambiente. Esta forma de aquisição só é possível a partir da sequência das
aquisições motoras essenciais (posição de pé, marcha, preensão global,
percepção sincrética etc.).

A evolução autônoma não é somente maturação, seguindo um


programa inscrito nas origens das estruturas da hereditariedade. Ela é
também assimilação das in uências sicas e humanas. A evolução é,
portanto, o resultado do equipamento neuro siológico básico e da
assimilação de estímulos do meio ambiente (mundo físico) e de estímulos
sociais e culturais (mundo humano).

Sendo a evolução autônoma um processo de estruturação


neuro siológica em equilíbrio com a progressiva culturização do
comportamento, teremos de aceitar que essa incorporação cultural só é
possível a partir do momento da aquisição da postura e da preensão.

Estamos, portanto, em presença de uma signi cação maturativa


alicerçada fundamentalmente na motricidade.

Liddel a rmou que, de todos os domínios do estudo da Psicologia, é a


motricidade que está estreitamente ligada ao funcionamento do sistema
nervoso. Por outro lado, Zazzo defende que é a partir da motricidade e da
sua relação com as funções nervosas subjacentes que se pode conduzir um
estudo psicológico.

O movimento, como forma de adaptação do mundo exterior, não


permite que se estude o indivíduo somente em relação aos aspectos
neurofisiológicos, mas também o papel do movimento na organização
psicológica geral.
Um estudo profundo sobre a motricidade deve ainda fundamentar-se
em uma neurofisiopsicopatologia, na medida em que se torna impossível
separar no mesmo indivíduo comportamento e estrutura nervosa.

Wallon justi ca que todo o movimento da criança tem uma potência


psíquica. O movimento é essencialmente deslocamento no espaço e tem três
formas de conexão com o desenvolvimento psicológico da criança.

1 - Deslocamentos exógenos ou passivos: depende essencialmente de


forças exteriores e em particular, da gravidade. Por ação deste estímulo cons‐
tante e permanente, processam-se na criança reações de compensação e
reequilíbrio por meio de uma regulação arcaica da coluna (lei do de‐
senvolvimento neuromotor das vértebras, posta em evidência por Coghill,
1929).

As experiências de Magnus e Kleinjn, realizadas no período pré-natal,


justi caram a existência de re exos labirínticos às variações da gravidade.
Estes re exos desaparecem no ato do nascimento e preparam a criança para
uma sucessão de aquisições que a levam da posição de deitado à posição de
pé, passando pelas posições de reptação, de sentado, de joelhos, e
engatinhando.

Esta evolução leva a criança a uma posição própria do ser humano: a


estação bípede (atitude), que os antropologistas de nem como a conquista
biológica mais signi cativa da espécie humana; aquela que projetou o
processo histórico humano, e que a fez libertar os membros superiores
(anteriores) da locomoção, para o trabalho e para a civilização. Esta
aquisição, como é óbvio, é de extraordinária importância para o
comportamento ulterior da criança (Fig. 23).

O homem é um animal vertical. Vários antropologistas documentam


que esta evolução da espécie humana foi fundamental tanto para a
adaptação ao mundo como para o seu domínio. G. Olivier foca que o
homem não está somente adaptado à estação bípede; ele está fundamental‐
mente adaptado à locomoção ereta. Por outro lado, Vallois insiste sobre a
“patologia da estação bípede” (hérnias inguinais e discais, ptoses diversas
etc.). O processo adaptativo que a espécie humana desenvolveu desde os
ramos mais altos das árvores até aos mais baixos e, posteriormente, na
planície operou inúmeras alterações no aspecto morfológico, como é o
exemplo da coluna vertebral, da bacia, das proporções dos membros e, fun‐
damentalmente, do pé. Tanto as curvaturas lombares como de oposição do
dedo grande do pé não são mais do que alterações resultantes da adaptação
do Homem às exigências da gravidade. Já estudamos modi cações
morfológicas e a visão antropologista da evolução ascendente do homem;
queremos, agora, enfatizar que foi efetivamente a necessidade de satisfazer
uma situação que lançou o homem em um locomoção mais rápida e mais
disponível, dispondo de possibilidade de movimento cada vez mais rápida e
mais disponível, dispondo de possibilidade de movimento cada vez mais
dissociada e complexa. Quase que podemos nos situar em uma conclusão
revolucionária que deixamos em suspenso. Não foi a locomoção bípede, e
como tal o movimento humanizado, que possibilitou ao Homem as
consequentes modi cações cranianas que o projetaram no processo da
Civilização?

É também a aquisição da postura na criança que a prepara para a


locomoção e, depois, para o conhecimento e a experiência daquilo que a
envolve, estabelecendo-lhe assim os primeiros esboços da sua atividade
superior mental-social-cultural.

2 - Deslocamentos autogêneos ou ativos: resultantes do próprio corpo no


meio exterior ou em contato com os objetos, originam os processos da
locomoção e da preensão humanas. Consideramos, aqui, os movimentos
como uma das formas de adaptação do mundo exterior e, como tal, veículo
crucial da organização psicológica geral. É a manutenção da cabeça, a
estação sentado, a estação bípede, a marcha (desenvolvimento postural), a
preensão e a construção (desenvolvimento da coordenação oculomanual)
que situam o crescimento e o desenvolvimento global do ser humano.

3 - Deslocamentos corporais (ou de suas frações) em relação aos outros:


como sejam as reações posturais com caráter mais diferenciado e mais
psicológico, ou seja, uma exteriorização por meio de atitudes e de mímicas
que estão na base da comunicação corporal total.
Estas três formas de movimento condicionam-se mutuamente. O seu
desenvolvimento e as suas anomalias mostram que se podem combinar
diferentemente e com regulações que variam de indivíduo para indivíduo.

A organização do movimento é dependente da musculatura estriada ou


de relação, onde se veri cam dois tipos de atividade estreitamente
complementares.

Wallon insistiu na dupla função do músculo:

Fig. 9.2 - Da logênese à ontogênese. O desenvolvimento da motricidade


humana recapitula o desenvolvimento dos animais vertebrados...

1- Função ciônica, base de toda a atividade cinética, virada para o


mundo exterior, ou seja, o encurtamento ou o alongamento
simultâneo das mio brilas componentes do músculo; e

2- Função tônica, que mantém no músculo uma certa tensão de suporte


e de apoio ao seu esforço. Esta tensão varia em condições siológicas
próprias do indivíduo ou das di culdades de execução.
O tônus garante, como consequência, as atitudes, as posturas e a
mímica. A sua regulação complexa, que abordamos, é dependente das
emoções e do controle afetivo e constitui um dos meios de preparação da
representação mental. A ele, estão ligados os diferentes tipos de
hipertonicidade em relação próxima com a organização progressiva do sis‐
tema nervoso central. O tônus constitui o fulcro das atitudes em relação à
acomodação (expectação perceptiva) e à vida afetiva.

O tônus tem um papel muito importante na tomada de consciência de


si e na edi cação do conhecimento do mundo e do outro.

Este funcionamento está longe de entrar em ação no momento do


nascimento. O seu aparecimento depende da maturidade motora em função
da relação com o mundo exterior.

O comportamento começa por ser caracterizado por uma imperícia


total, dada a relação restrita e limitada com o exterior envolvente. A im‐
potência inicial leva à coexistência de um substrato afetivo fundamental. A
possibilidade de satisfação das necessidades é excessivamente diminuta,
dando lugar a uma primeira relação humana de dependência. A libertação
sucessiva dessa ligação corresponde ao crescimento do organismo, e é
especi camente o movimento do primeiro elemento de separação dessa
dependência. O movimento vai garantindo, por meio da evolução, uma
crescente potência de realização e uma e ciência pessoal que re ete o
progressivo ajustamento às situações exteriores.

O constante contato com o exterior provoca uma fenomenologia das


reações periféricas que estruturam sucessivamente a sensibilidade (JAMES),
na medida em que o gesto é um processo de linguagem da sensibilidade.

Entre o movimento e a sensibilidade, há uma constante e incessante


reciprocidade, justi cando de nitivamente o binário funcional entre a con‐
tração muscular e a sensação provocada. A contração muscular, por meio da
qual o movimento é possível, suporta-se mutuamente com a sensação que
origina no próprio indivíduo.
Entramos, assim, em uma acomodação simultânea, tanto motora como
mental, geradora da conscientização humana. A atividade muscular en‐
contra-se ligada ao próprio corpo e, consequentemente, ao objeto e à pessoa.
Sherrington denominou, por essa razão, dois tipos de sensibilidade:
proprioceptiva e exteroceptiva. Também Cannon já tinha proposto dividir a
motilidade em motilidade proprioceptiva e motilidade êxtero-afetiva.

A motilidade proprioceptiva é baseada na contração tônica dos


músculos, enquanto a motilidade êxtero-afetiva resulta das contrações
fásicas (clônicas), ou seja, dos seus encurtamentos rápidos. A função tônica,
de nida por Gesell como um comportamento, tem por função manter, a
todo o instante, o músculo em um grau de tensão ótimo, que prepare a ação
ajustada.

Esta função exerce-se em todos os músculos do corpo, regulando a


todo instante as diferentes atitudes. As variações locais ou generalizadas do
tônus, que são em razão dos estados de hipotonia ou hipertonia, ou de
espasmo, estão na base das emoções.

Wallon concluiu que as variações do tônus estão ligadas às


modi cações da sensibilidade afetiva. Entre o tônus e a afetividade, coexiste
uma reciprocidade de ação imediata.

A atividade tônica apresenta, assim, uma dualidade de relação: como a


atividade muscular prepara a atividade motora fásica; como a atividade
mental dá expressão às emoções e à esfera da afetividade.

Concluiu-se que o comportamento não é mais que um meio pelo qual a


motricidade e o psiquismo se expressam. Os estudos e os trabalhos
neuro siológicos indicam-nos a existência derelações estreitas e inter-
relações constantes entre a periferia muscular e a centralidade cortical,
demonstrando mais uma vez o caráter global e unitário da pessoa humana.
Dentre eles, temos de realçar os trabalhos de Sherrington, Lidell, Pallard,
Bottazi, Jakcson etc.

O aspecto e a dimensão psicossomática também não são preocupação


deste trabalho. Simplesmente abordamos mais este problema por nos
parecer importante para uma teoriazação do movimento, inserida em uma
problemática terapêutico-pedagógica. Entre uma tensão nervosa e uma
tensão muscular, não há diferença; elas têm implicações recíprocas, na
medida em que a perturbação psíquica se estabelece na dependência de uma
perturbação da motilidade. O mesmo é dizer que todo o con ito
intrapsíquico se pode repercutir em consequências motoras.

Neste aspecto da unidade do homem, entre o hemisfério psíquico e o


hemisfério motor, o tônus constitui a função de ponte. Todas as manifes‐
tações do comportamento e da afetividade estão ligadas à função tônica.

Para Reich, há uma noção de identidade funcional entre atitudes


musculares e atitudes caracteriais, suscetíveis de se in uenciarem e de se
relacionarem reciprocamente. O mesmo autor situa na musculatura estriada
(relação) toda a dimensão do psiquismo, e caracteriza-a como sede de
espasmos e de rigidez, a que chamou de armadura muscular.

Ajuriaguerra aborda as relações do psiquismo com o tônus em um


âmbito relacional humano. Para o mesmo autor, o tônus é a função de
comunicação inter-humana e chegou mesmo a elaborar um estudo
biotipológico dos indivíduos, segundo as suas possibilidades de reação
tônica.

Wallon situou o problema como suporte das atitudes, dado que,


segundo as condições do meio exterior, o tônus provoca uma certa resolução
muscular e uma obnubilação mental que parece frequentemente um meio
de defesa ou de oposição da reação ao ambiente. O tônus suscita uma reação
muscular de defesa, armadura que focou Reich, a que se encontram
necessariamente ligados os mecanismos de defesa do Ego, estudados
posteriormente por Anna Freud e muitos outros.

Abordamos, neste âmbito, o tônus nas suas conexões estreitas com o


psiquismo. Os estudos de Neuro siologia e de Neuropsiquiatria revelam
determinado número de desordens, tanto no tônus piramidal como no
tônus parkinsoniano ou de postura, justi cadores da unidade dialética entre
o psíquico e o tônico.
O tônus de suporte, que acompanha a execução de movimentos, dá
lugar à contração intencional. É na reação de conjunto que se dá às partes a
sua signi cação, e é neste aspecto que situamos a importância do
movimento.

A unidade global do comportamento constitui uma manifestação total


do destino atual da pessoa humana.

Tanto os movimentos como as atitudes apropriadas refugiam-se nas


veleidades da consciência reinante. (WALLON)

André-omas e Ajuriaguerra elaboraram um estudo sobre o tônus


onde puseram em realce as duas formas de tônus muscular:

• tônus de repouso (permanente); e

• tônus de atividade (ruptura de atitude).

O estudo leva também em consideração a relação recíproca que as duas


formas de tônus exercem entre si.

O estudo do tônus de ação expõe problemas múltiplos. Consideramos


habitualmente que a entrada em ação do músculo resulta em uma atitude ou
em um movimento. Stambak defendeu que é extremamente difícil distinguir
a partir de que momento o deslocamento de um segmento corporal sobre o
qual age o músculo corresponde a uma simples variação tônica ou a um
movimento real. É completamente impossível pensar que a ação resulta de
um músculo isolado; ela é essencialmente dependente das características da
situação e do fator espaço-temporal. Esta hipótese também é válida para o
tônus estático, bem como para o tônus de orientação e o tônus de expressão.

Toda esta complexidade atinente ao tônus de ação é abordada em


termos de extensibilidade e oscilação dos membros. Uma é dependente de
aspectos maturativos e tipológicos, e a outra de fatores tipológicos e também
emocionais, que, portanto, intervêm na relação com o outro e com o objeto.
Ajuriaguerra diferencia este tônus como aspecto indutivo (tônus de
indução), como função de relação com os outros. Este tônus encontra-se
induzido pelo nosso contato com o outro e pela sua presença.

O tônus toma também parte das sensações de prazer e de dor que


percebemos parcialmente por seu intermédio. É uma atitude
intercomunicável do diálogo com o outro, e é já em si um meio de
comunicação com o outro.

Depois de focar esta relação do tônus com a afetividade, interessa-nos


abordar agora a sua relação com toda a atividade motora.

Paillard con rma que a tonicidade permanente adquire um valor de


uma verdadeira acomodação plástica do órgão muscular. Sempre presente e
em uma atividade inesgotável, o tônus prepara, orienta e suporta a e cácia
do movimento.

O tônus permanente e particularmente a extensibilidade foram


estudados do ponto de vista genético por Lemaire, Desbuquoise, Ste Anne
Dargassies etc.

A melodia cinética traduz o aspecto harmonioso e equilibrado com que


se esboça o movimento de origem cortical, onde participa
inequivocadamente a função tônica, lembrando a imagem da música que,
com dez notas, faz melodia; também para a realização da melodia gestual da
mão, são necessários cerca de trinta músculos.

Toda a beleza do movimento humano tem como fundo a atividade


tônica, na medida em que o aspecto melódico do movimento pode ser
frenado por sincinesias, ou por perturbações de ordem tônico-emocional.

A exploração do objeto e a sua manipulação criativa permitem


ultrapassar a esfera motora e entrar no campo da experimentação humana,
aliás ligado ao problema da descoberta e, portanto, de uma importância
relevante para o problema da autocon ança e do controle afetivo, onde a
função tônica se encontra também obviamente integrada.
A importância do tônus no desenvolvimento motor é de uma
complexidade tal que muitos campos são hoje ainda desconhecidos.

A orientação, como testemunho da solidariedade entre a motricidade e


o esquema corporal, é o elemento de construção do mundo espacial huma‐
no. A conquista do espaço obedece a uma atividade de orientação que é
dependente da disponibilidade da reação tônica. A atividade gestual é mais
do que uma reação motora, ela é o primeiro elemento de signi cação
espaço-temporal do comportamento e é por meio dela que se desenvolvem
as premissas da linguagem. Em Ajuriaguerra, a relação pré-verbal pelo gesto
é já uma comunicação não verbal.

A evolução tônico-funcional assume características seletivas e


especializadas, ocasionadas pelo desaparecimento de certas reações, tais
como: hipertonia logitudinal, re exo de Moro, re exo de preensão forçada e
re exo de orientação bucolingual. Estas reações persistem nos encefalopatas
e nos oligofrênicos, provocadas por desorganizações maçiças da atividade
tônica.

O aparecimento de novas possibilidades, em dependência com a


maturação e a ação, é acompanhado por certos funcionamentos destinados a
desaparecer momentaneamente, para reaparição em uma fase ulterior do
desenvolvimento motor. É o caso da marcha re exa e, mais tarde, da autono‐
mia da locomoção ereta.

A maturação não se produz no sentido de um crescimento unívoco de


funcionamento mas também em tomadas de aquisições sucessivas. Não é
somente adjunção de níveis, há também a produção de novas organizações.

A regularização intrínseca da motricidade respeita esta demonstração,


mostrando que a hereditariedade não constitui uma oposição em relação ao
meio.

Para Zazzo, o meio é criado em função da hereditariedade, e é o meio


que dá expressão à hereditariedade, formando-a e reestruturando-a.A
espécie humana é a que possui maior patrimônio hereditário e maior
plasticidade de condutas. É inserindo o movimento nesta perspectiva que
ele permite o desenvolvimento máximo das potencialidades hereditárias.

O movimento, como contato com o mundo exterior, provoca uma mais


larga maleabilidade integrativa, sem a qual se podem observar atrasos
funcionais da evolução motora.

Como atrasos funcionais da evolução motora, destacamos os casos


estudados por Ajuriaguerra:

1-Os atrasos relacionados com desordens do desenvolvimento afetivo: o


conhecimento do comportamento das criança-lobo. Seriam elas
neurologicamente normais?

2- As psicotoxicoses da criança: causas graves de carência afetiva.

3- A restrição de movimentos: Frankel estudou crianças albanesas que


são xadas no berço no primeiro ano de vida, sem poder mexer os
braços e as pernas. Depois do primeiro ano de imobilidade, em duas
horas, as crianças passam pelas diferentes etapas do desenvolvimento
e chegam às mesmas possibilidades que as crianças da mesma idade,
pertencentes a outras sociedades.

A restrição de movimento origina atrasos da evolução motora,


especialmente quando acompanhada de falta de estimulações ativas e
emocionais que se agrupam na chamada privação sensorial.

Para Koupernik, a motricidade deve ser estudada em função da


sequência postural-locomotor e dos processos de manipulação-preensão. No
aspecto postural-locomotor, a criança esboça movimentos globais e com certa
inadaptação. Desenvolvem-se primitivamente o re exo de marcha e o
re exo de reptação ou de natação. Estes re exos desaparecem em geral
muito rapidamente, não permitindo que o recém-nascido se desloque e
provocando um certo estado de parasitismo aliado a uma sensibilidade
proprioceptiva. A uma modi cação da cabeça, a criança responde com um
afastamento dos braços e chora quando o seu equilíbrio é bruscamente
alterado.
Stamback realizou um trabalho experimental muito interessante.
Pretendeu estudar a relação entre o desenvolvimento motor e a integração
caracterial, e ainda as repercussões na estruturação somatopsíquica, ou
sejam, os problemas do esquema corporal e da dominante lateral. Procurou
também elaborar estudos sobre o desenvolvimento postural (MCGRAW e
GESELL) e o desenvolvimento da preensão. (BRUNET e LEZINE)

No aspecto postural, tomou nota das datas em que se deram as


seguintes aquisições:

1- manutenção da cabeça;

2- sentado com suporte;

3- sentado sem suporte;

4- sentado sozinho;

5- em pé com suporte;

6- pôr-se de pé sozinho;

7- caminhar com ajuda de uma mão; e

8- caminhar sozinho.

No aspecto da preensão, tomou igualmente nota das datas em que se


deram as seguintes aquisições:

1- ver o cubo colocado na mesa;

2- movimento da preensão para objetos;

3- abanar um objeto e olhá-lo;

4- sentado, pegar o objeto;

5- levar o cubo aos olhos;


6- pegar nos cubos um em cada mão;

7- pegar algo roçando com os dedos;

8- pegar algo com o polegar; e

9- pegar algo entre o polegar e o indicador.

A mesma autora abordou igualmente um terceiro aspecto: as diferentes


formas de movimento espontâneo não orientadas para um m e que não têm
função êxtero-afetiva.

E concluiu que o ritmo de evolução da hipotonicidade ou da


hipertonicidade varia de criança para criança; só a partir dos dois meses, é
possível obter o balanceamento dos membros; e existem, entre o rapaz e a
moça, diferenças de tônus relacionadas com o problema de linguagem.O
aspecto mais relevante da sua experimentação foi ter chegado à conclusão de
que o rapaz, por ser mais hipertônico, tem tendência para a precocidade da
marcha, ao contrário da moça, que, com características hipotônicas, tem
tendência para a preensão na.

No desenvolvimento da postura, a marcha possibilita a conquista do


espaço e, consequentemente, uma maior independência caracterial.

No desenvolvimento da preensão, a exibilidade articular facilita a


coordenação na de movimento, o que, consequentemente, facilita a
aquisição da linguagem. Daí a maioria dos problemas de afasia ser mais
comum no sexo masculino. Este estudo procurou justi car, por
experimentação, a interferência do aspecto da tonicidade (como tal da
motricidade) na formação da personalidade.

Abandonando a noção de tônus, André omas e Ajuriaguerra


enunciam determinadas propriedades, como a consciência, a extensibilidade
e a passividade. Dentre as três, a extensibilidade é a que mais interessa para
um estudo ontogenético da motricidade.
Nos mesmos autores, a extensibilidade é o maior comprimento que
podemos imprimir a um músculo, afastando as suas inserções.

Podemos medir a extensibilidade pelo ângulo formado por dois


segmentos que se articulam entre si, logo que as suas extremidades distais
são aproximadas ou afastadas ao máximo. A distância que separa as duas
extremidades representa o grau de extensibilidade do músculo.

A extensibilidade está ligada ao grau de elasticidade do músculo e


subordinada à resistência dos ligamentos articulares.

A extensibilidade é maior nos músculos extensores, e a resistência ao


alongamento é maior nos músculos exores. É o chamado tônus fetal (tonus
foetal). Este tônus é subcortical, reage à hipertonia dos seus antagonistas.
Este aspecto pode ser facilmente observado no recém-nascido quando ele
mexe a cabeça, oscilando-a em todos os sentidos, enquanto os membros se
mantêm imóveis, colados ao corpo. Este comportamento é o contrário do
das crianças mais velhas: a cabeça mantém-se direita e resistente a todos os
deslocamentos dos membros.

Como evoluiu a extensibilidade de zero a três anos?

A extensibilidade aumenta progressivamente até os 18 meses, para


diminuir em seguida e chegar à extensibilidade normal, atingindo assim a
tonicidade mais ou menos normal aos três anos (comportamento tônico).

No nascimento, constatamos uma hipertonia muito marcada e os


membros em exão.

Progressivamente, a hipertonia desaparace entre os 12 e os 18 meses


(acrobacia do recémnascido), instalando-se uma hipertonia e, por m, um
retorno à normalidade.
Fig. 9.3 - Evolução da extensibilidade segue a mielinização (M). O recém-
nascido é hipertônico e hipoextenso. Mais tarde, a mielinização provoca
uma hipotonicidade e uma hiperestensibilidade, estamos nos seis meses,
quando o sistema piramidal inicia a sua mielinização. O bebê se torna um
ser cortical.

Por passividade, os mesmos autores situamna como a propriedade de


balanceamento dos diferentes membros (independência segmentar), ou seja,
a mobilização de tal ou tal membro. Observa-se a amplitude de movimento
ou o grau de resistência sentida no membro superior: no ombro, no cotovelo
e no pulso; no membro inferior: nas ancas, no joelho e no tornozelo.

No grau de extensibilidade, vários aspectos entram em relação, como,


por exemplo, o desenvolvimento ligamentar, o aspecto morfológico, a
largura das articulações, a forma da ossatura etc. Inclusive, Stamback levanta
um problema extremamente coerente.

Segundo o seu estudo, e também o de neurologistas, constata-se que há


uma maior extensibilidade no membro superior esquerdo para os destros, e
no membro superior direito para os “canhotos”.

Parece veri car-se uma relação entre a evolução da extensibilidade e a


dominância lateral, ou seja, a problemática da predominância manual e da
dominância cerebral.
Estudaremos, antes do aspecto propriamente ontogenético, a
importância e a evolução do desenvolvimento postural e do desenvolvimento
da preensão, procurando abordar as suas ligações com a integração
caracterial.

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- 10 -

Abordagem Neurobiológica

A FUNÇÃO TÔNICA

Encaramos a evolução do ser humano como uma sucessão de


integrações tônico-emocionais cognitivo-motoras em formas cada vez mais
organizadas, na medida em que elas traduzem a evidência da dialética
tônico-afetiva que preside a todas as condutas do indivíduo. O organismo
humano funciona globalmente, como um todo indissociável, a uma situação
dada.

A criança manifesta-se nos primeiros momentos de sua vida por um


estado dialético de hipertonia que traduz o seu modo de ser. O estado tônico
revela toda a vida da criança. Ele constitui o elemento fundamental da
sobrevivência, pondo em perfeito funcionamento todas as funções de
adaptação, incluindo as da nutrição, da eliminação e da respiração.

O estado tônico é o modo de relação da criança. A hipertonia do apelo


gera uma hipotonia de consolo, alívio, repouso e satisfação.

Os espasmos iniciais e a excessiva rigidez vão diminuindo


progressivamente, à medida que se veri ca a maturação do sistema nervoso,
isto é, a mielinização.
A exteriorização da interioridade tônica é a primeira forma de relação
com o exterior.

As primeiras satisfações e as primeiras repulsões vão em paralelo com


as atitudes tônicas correspondentes e formam uma espécie de pattern da
personalidade em evolução.

Numerosos autores, e especialmente Wallon, deram uma grande


importância ao tônus no desenvolvimento motor e, em geral, em todo o
desenvolvimento psicológico. O tônus não só acusa repercussões no
desenvolvimento motor mas também em toda a formação da vida mental.

A função do tônus e, especialmente a extensibilidade, tem uma grande


importância nas aquisições motoras e, concomitantemente, na formação da
personalidade do indivíduo.

O desenvolvimento motor é acompanhado de um aumento do tônus


axial e vai em paralelo com a diminuição progressiva da hipertonicidade dos
membros. Quanto maior é o grau de extensibilidade, tanto maior é a
facilidade de integração de novos esquemas motores. É uma certa
extensibilidade que permite o jogo harmonioso e perfeito dos músculos para
a realização de sinergias motoras. Podemos concluir que o grau de
extensibilidade tem uma correlação especí ca com o desenvolvimento do
eixo corporal. O desenvolvimento do eixo corporal está em estreita relação
com a manutenção do sistema nervoso central e, por conseguinte, todo o
seu desenvolvimento in uencia o desenvolvimento psicológico geral. Note-
se que entendemos por tonus não só a extensibilidade mas também o de‐
senvolvimento neuromaturacional do eixo corporal (tônus axial).

Ao longo da maturação do indivíduo, veri ca-se que a criança menos


extensível é mais tarde mais movimentada, ao contrário da criança mais
extensível, que tem tendência para uma menor mobilidade.

A criança hipotônica é hiperextensível, com tendências para a


coordenação da preensão. A criança hipertônica é hipoextensiva e assume
tendência para a marcha e para a conquista do espaço.
A criança hipotônica tem movimentos mais soltos, mais leves e mais
coordenados e, portanto, acusa um menor gasto muscular. Socialmente, esta
criança é mais bem-aceita. As pessoas que a envolvem dedicam-lhe um
“amor sem censura”, por isso são normalmente denominadas “os mansi‐
nhos”. Este envolvimento, como é evidente, intervém na formação do caráter
da criança.

A criança hipertônica apresenta uma multiplicidade de reações que


traduzem uma certa carência afetiva (“os diabretes”). Graças à sua excessiva
mobilidade, a criança hipertônica realiza mais tentativas para se sentar pelos
seus próprios meios.

A criança hipertônica põe-se de pé mais cedo que a criança hipotônica.


De fato, uma forte tonicidade nas pernas favorece a aquisição da posição de
pé, enquanto a fraca tonicidade favorece aquisições de outra ordem, mais
em relação com o próprio organismo. Em relação a todas as aquisições
posturais, a criança hipertônica assume-se mais depressa que a hipotônica,
enquanto, nas aquisições preensivas, esta está mais avançada do que aquela.

Hipotonicidade =

Hiperextensibilidade -> Preensão

Hipertonicidade = Hipoextensibilidade -> Locomoção

Já citamos anteriormente que a data de aquisição ou aparição de


determinados comportamentos motores tem repercussões importantes no
desenvolvimento da criança. A aparição da marcha é um dos grandes
motivos de regozijo dos pais, pois “o estado de bebê” terminou; a
independência é um fato. A partir daí, os primeiros desgastes estão à vista,
os perigos passam a instaurar um clima de ansiedade e superproteção que
poderá ter efeitos no caráter da criança. Tudo é diferente quando uma
criança de 10 meses já sabe andar, enquanto o normal do aparecimento da
marcha se situa por volta dos 16 meses.

Esta aquisição motora na criança origina uma certa obliteração afetiva.


A relação entre mãe e lho pode deixar de ser fácil para se tornar repressiva,
enquanto a criança de berço, mais calma e mais imóvel, continua a receber
carinhos. Este simples fato é su ciente para provocar determinadas
modi cações do ambiente afetivo que, efetivamente, irão repercutir-se no
desenvolvimento posterior da criança.

Em contrapartida, a criança hipotônica, portanto, mais calma, é mais


precoce na preensão do que a hipertônica. Como a preensão depende ex‐
clusivamente da corticalização, esta criança inicia assim mais depressa a sua
vida mental. Esta criança tem predileção especial por passar longos
momentos a fazer movimentos nos das mãos e dos dedos, favorecendo a
coordenação oculomanual e apresentando-se, dessa forma, mais apta para a
atividade grá ca.

A criança que está sentada todo dia a um canto da sala estabelece


contatos muito diferentes dos da criança que corre diariamente toda a casa.
Estas relações, como é óbvio, além de provocarem estados de ansiedade das
pessoas de casa (especialmente da mãe), originam múltiplos fatores que
necessariamente intervêm no desenvolvimento do caráter afetivo da criança.

Stamback e Lézine realizaram um estudo em que procuraram observar


as interferências entre os tipos motores e a adaptação do caráter. Puderam
concluir que as crianças hipotônicas são mais tímidas, mais afetivas e mais
dependentes que as crianças hipertônicas. Estas, ao contrário, são mais
coléricas e menos xadas aos pais. Os mesmos autores constataram que os
comportamentos das crianças do mesmo tipo motor variam em função do
regime educativo a que estão sujeitas. Apresentando manifestações motoras e
de caráter semelhantes, as crianças podem ser fáceis ou difíceis, segundo o
ambiente cultural que as cerca.

Muito ligado a este problema, Reich apresentou um estudo em que


procurou identi car as atitudes musculares com as atitudes de caráter. Se‐
gundo este autor, a musculatura estriada constitui uma sede de espasmos
permanentes que provocam a armadura muscular. Esta armadura re ete
toda uma evolução histórica de um ser, em face de um desenvolvimento.
Todas as trocas com o meio passam pela musculatura estriada de relação e é
por ela que o ser humano estrutura a sua corticalidade.
Todo o con ito ou a inquietude suscita uma reação muscular de defesa.
Há entre uma tensão muscular uma relação de equivalência. Para Janet, toda
a tensão nervosa é acompanhada por uma tensão muscular. Também toda a
perturbação psíquica gera uma alteração da motilidade, dado que a unidade
da pessoa se encontra globalmente afetada.

É nesta dimensão psicossomática que englobamos a função tônica,


porque a ela estão ligadas todas as manifestações de ordem afetiva, emotiva,
cognitiva e motora.

A adaptação constante que o indivíduo estabelece em face do meio está


condicionada pelas esferas da afetividade em conexão com a evolução e o
a namento tônicos, não como puro desenvolvimento neuro siológico, mas
como estado de transformações progressivas em função de uma organização
global particularizada.

Para muitos autores, a função tônica é a mais complexa e aperfeiçoada


do ser humano; ela encontra-se organizada hierarquicamente no sistema
integrativo reticulado e toma parte em todos os comportamentos de postura
e movimento, por meio de uma maturação progressiva.

O comportamento humano é um complexo onde cada fator psicológico


ou psicossomático joga uma inter-relação recíproca.

Para Lemaire, o tônus é o carrefour psicossomático do ser humano.


Efetivamente, o tônus não é mais do que a função de ligação entre o psí‐
quico e a motricidade. Foi a descoberta de sua função que nos projetamos
no comportamento total e humano.

Em todas as formas de conduta do ser humano, há uma interconexão


entre a musculatura estriada, a musculatura lisa e o sistema hormonal. É a
função tônica que intervém na inter-relação do sistema muscular voluntário,
do sistema neurovegetativo e do sistema hormonal.

Wallon sublinhou que o tônus é o suporte onde se fazem as atitudes, e é


o responsável pelas perturbações da evolução humana. Para o mesmo autor,
a função tônica intervém na dialética da atividade de relação e no campo da
psicogênese.

No diálogo corporal que o indivíduo estabelece com o mundo, o tônus


integra toda a história dialética das informações exteriores e interrelaciona-
as para dar origem à fenomenologia do comportamento humano.

A ATITUDE E O EQUILÍBRIO

Procuraremos, em seguida, uma justi cação neurobiológica e


neuro siológica da função tônica, entrando propriamente nas suas concep‐
ções e de nições e nas suas relações com a atitude e o equilíbrio.

O estudo da função tônica situa-se no estudo do sistema nervoso


central, não podendo ser ligado a qualquer região particular do neuroeixo.
Todo o complexo das suas estruturas se arquiteta desde a medula até o
cérebro.

Não podemos separá-la da função da atitude e do equilíbrio, pela dupla


razão de que o tônus varia em função da atitude e da postura. Em con‐
trapartida, as adaptações do tônus cotribuem largamente para a manutenção
do equilíbrio.

Os estudos mais clássicos são os de Sherrington (1898), a que se


seguiram tantos outros, como, por exemplo, os de Magnus e de Klein, Bre‐
mer, Rademaker, Renshaw, Liddel, Loyd, Paillard, Granit, Kaada, Hunt,
Kuffler, Eccles, Azemar, Ajuriaguerra, Lemaire, Morin etc.

Classicamente, o tônus muscular é a ligeira tensão que afeta os


músculos estriados em repouso e dá-lhes uma consistência característica
que desaparece por secção do nervo motor ou das raízes medulares
posteriormente correspondentes. (MORIN)Sherrington argumenta que a
contração tônica não é geradora de movimentos ou deslocamentos, como a
contração fásica; ela é essencialmente a atividade postural dos músculos, que
xa as articulações em posições determinadas, solidárias umas com as
outras, compondo a atitude no seu conjunto.

Rademaker de ne tônus como a tensão dos músculos pela qual as


posições relativas do corpo são corretamente mantidas e pelo que se opõe às
modi cações passivas das suas posições.

Podemos acrescentar que o tônus não serve só para pôr os segmentos


corporais no lugar; serve para manter os grandes aparelhos da vida
vegetativa em bom funcionamento. Também já focamos que o tônus tem
toda uma interferência signi cativa na esfera da afetividade.

O tônus postural pode ser apreciado: pelas posições das várias


articulações que compõem o corpo, pela sua resistência à exão passiva,
pelo controle voluntário do relaxamento muscular e pela palpação. O tônus
de ação pode ser apreciado pelas diadococinesias e pela observação das
sincinesias.

O tônus é regulado e modulado por todos os processos do sistema


nervoso, desde o nível medular, passando pelos centros bulbo-ponto-
pendunculares até o nível cortical.

Paillard realçou duas características da função tônica: uma especí ca,


outra inespecí ca. A função específica responde a manifestações or‐
ganizadas, coordenadas e distribuídas na musculatura. A função inespecífica
assegura expressões dinamogêneas mais difusas e traduz uma função geral
de vigilância, condicionando o estado de alerta da musculatura.

Mauro e Laget situam o estudo do tônus como um dos mais vastos e


complexos da neuro siologia. Vasto porque não é de formação nervosa
exclusiva; é também de formação cerebral, medular e periférica, tendo com
todas uma relação de conjunto. Complexo porque forma o fundo das ati‐
vidades motoras e posturais, preparadoras para o movimento, xando a
atitude, protegendo o gesto, mantendo a postura e o equilíbrio.

Origem e função
A contração tônica dos músculos esqueléticos difere da sua contração
fásica, pela sua expressão, e apresenta analogias com a contração dos
músculos lisos: lenta emissão nervosa, persistência, mais resistente à fadiga,
fraca despesa energética etc. No aspecto metabólico, não apresenta
diferenças especiais. Podemos acrescentar que tem uma organização de
circuitos nervosos que lhe são próprios.

Todos os mamíferos apresentam dois tipos de re exos medulares. Os


músculos esqueléticos do homem possuem uma sensibilidade re exogênea
ao estiramento, de que são testemunho os re exos tendinosos e miotáticos.
Uns são os reflexos tendinosos (tendão), como, por exemplo, o re exo da
rótula, resultantes de uma percussão do tendão, e os outros são os reflexos
periósteos (ossos) do rádio e do cúbito. Quanto aos reflexos miotáticos
(músculo — strech reflex — de Sherrington e Lydell), eles se manifestam por
um aumento progressivo da tensão muscular, em resposta aos alon‐
gamentos, também progressivos, provocados por tração. Aqueles autores
chegariam à conclusão de que todos os músculos esqueléticos apresentam
essa sensibilidade reflexogênica e são mais frequentes nos antigravíticos.

Estes re exos têm origem nos fusos neuromusculares, alojados na parte


carnuda dos músculos; logo que o alongamento é progressivo, os receptores
(fusos) são solicitados progressivamente, daí uma descarga assíncrona dos
motoneurônios e uma resposta sustentada (re exo miotático). Os re exos
de estriamento têm uma nalidade postural (atitude) e uma importância
capital no momento do tônus muscular e nas suas adaptações. Eles são
particularmente desenvolvidos nos músculos de oposição à gravidade.

Segundo Sherrington, o re exo miotático traduz a existência de uma


ligação músculo-medulomuscular que informa permanentemente os
motoneurônios do estado de tensão dos músculos que ele comanda
(feedback). O re exo medular constitui um re exo proprioceptivo de
estiramento e, ao mesmo tempo, um re exo medular monossinaptivo. Este
re exo aparece com grande exagero no animal descerebrado, e é mais
marcado nos músculos extensores. Pelo seu arco monossináptico, assegura a
mais rápida das reações sensitivo-motoras e ajusta a resistência do músculo
ao seu próprio estriamento.
Segundo Loyd, a vida aferente não chega somente aos motoneurônios
do músculo estriado, mas também aos músculos agonistas e antagonistas,
para excitar os primeiros e inibir os segundos. Desta forma, o re exo
miotático constitui um sistema de integração de um grupo de músculos em
função da atitude.

Os receptores que dão origem a esse re exo são os fusos


neuromusculares, que se encontram integrados na parte carnuda muscular,
acusando uma estrutura demasiadamente complexa. Neste setor da
Neuro siologia, persistem ainda as maiores dúvidas, dado que o seu estudo
continua a ser uma das mais árduas tarefas cientí cas. O nosso propósito é
focar sincreticamente a importância deste funcionamento no
desenvolvimento da motricidade, em relação aos problemas da atitude e da
equilibração.

Proprioceptores músculo-tendinosos

Dentro dos estudos mais signi cativos de Neuro siologia e de


Eletro siologia, sobre os proprioceptores, devemos destacar os de Mathews
e seus colaboradores e os de Hunt.

Como proprioceptores, temos a distinguir os musculares (fusos) e os


articulares (corpúsculos de Golgi); há também os labirintíticos, e todos eles
são mais ou menos responsáveis pelas estimulações geotrópicas
permanentes. Têm um caráter lento de acomodação que os torna
profundamente aptos a manter as aferências dinamogêneas sobre as quais
repousa a atividade postural-motora.

Os fusos neuromusculares

Paralelos às bras dos músculos, colocados entre elas, os fusos


neuromusculares são constituídos por bras musculares maldiferenciadas,
onde a estriação é ligeira e aparentemente rica em sarcoplasma e em
núcleos, constituindo o músculo intrafusorial. A sua formação muscular
possui uma inervação motora própria. A sua inervação sensitiva é
assegurada por dois tipos de terminações e de bras nervosas:

1- Terminações anuloespirais (Fibras I) — os in uxos são recolhidos


pelas clássicas terminações anuloespirais enroladas em torno do
músculo fusorial e constituídas por bras mielínicas de grande
calibre (12 a 20 mícrons), com condição rápida do grupo Ia, que se
prolongam sem rami cações sinápticas até os motoneurônios me‐
dulares. A sua reação é muito rápida e amortece o efeito do re exo
miotático.

2- Terminações em leque (Fibras II) — as terminações são mais estreitas


(4 a 12 microns — m), acabando na medula e fazendo sinapse com
os neurônios intercalares, e alimentando os arcos polissinápticos.
São mais lentas, dada a maior quantidade de sinapses.

Os corpúsculos de Golgi

A inervação dos corpúsculos de Golgi dos tendões é fornecida pelas


bras mielínicas do grupo lb, um pouco mais lentas e um pouco menos
largas que as bras la dos fusos. A sua ativação provoca respostas simétricas
e inversas ao re exo miotático, inibe os motoneurônios do músculo for‐
temente estriado e dos seus agonistas e excita os motoneurônios dos
antagonistas.

Sherrington situa a reação de alongamento da ativação dos corpúsculos.


Logo que se estira progressivamente o músculo, experimenta-se uma
resistência crescente, na medida em que se estimula um re exo miotático
cada vez mais potente.

A atividade-gama

A atividade-gama reduz os efeitos do re exo miotático, amortecendo


no fuso os efeitos de alongamento ou do relaxamento passivo do músculo. A
importância e as repercussões em nível da atitude foram primeiramente
descritas por Hunt, Küffler, Granit e Eccles.

Poderemos descrever a atividade-gama da seguinte forma:

O motoneurônio-gama destinado ao fuso assegura a inervação


anuloespiral do mesmo e, simultaneamente, organiza um circuito ao nível
dos neurônios radiculares anteriores, comandando as unidades motoras
(motoneurônios-alfa — MORIN).

Este circuito é reconhecido como o bouche gama, cuja atividade


principal é controlar os motoneurônios alfa.

As características essenciais desta atividade podem ser assim descritas:

1º - É permanente, e só para quando a atividade é inibida. Os


motoneurônios-gama, ao assegurarem um tônus de base no fuso, e
mantendo-se em permanente funcionamento, enviam constantemente
in uxos aos motoneurônios-alfa, exercendo sobre eles uma atividade de
controle e, ao mesmo tempo, uma atividade de facilitação.

2º- Procede a descarga dos motoneurôniosalfa, facilitando por esse fato


uma execução motora mais ajustada às situações exteriores.

3º- A sua atividade pode ser facilitada ou inibida pelas estimulações do


córtex cerebral, do tronco cerebral e do bulbo, que podem in uenciar a
atividade-alfa, como também a atividadegama. Granit e Kaada constataram
que a substância reticulada tem uma in uência marcante na atividade-gama.
Já Sherrington defendera que o tronco cerebral favorece o jogo dos
músculos, cujo trabalho se opõe à força da gravidade. Magoun também
estudou que a substância reticulada consegue inibir a atividade motora,
tanto tônica como fásica. Aliado a este problema, podemos acrescentar que,
em nível da substância, chegam a todo o tipo de aferências sensitivo-
sensoriais que acusam uma sensibilidade muito especial nos problemas de
ordem afetiva.
As fibras-gama são, portanto, os elementos musculares de um sistema
regulador da tensão dos fusos (tenso-receptores), destinados a amortecer os
efeitos do seu estiramento ou do seu relaxamento passivo. O sistema-gama é
um sistema regulador; serve como proteção e defesa às agressões do mundo
exterior.

Logo que uma massa muscular se contrai, a tensão dos fusos diminui
obrigatoriamente, e as suas terminações anuloespirais tornam-se inope‐
rantes, não funcionam mais se não intervir com uma contração corretora dos
músculos fusoriais por intensi cação da atividade dos motoneurôniosgama.
Esta atividade diminui, ao contrário, nos casos de estiramento passivo do
músculo. Este sistema assegura um estado tensorial adaptável a todas as
variações de tensão.

Segundo Sherrington, o reforço das descargas-gama pode assegurar o


ajustamento postural tônico que antecede todas as formas de atividade
cinética. Daí a sua importância para uma teorização de movimento que
sirva de base e fundamento para a intervenção terapêutico-pedagógica.

A atividade-gama é, portanto, dependente da substância reticulada e,


segundo Granit, a sua atividade constitui um indicador muito sensível dos
estados de alerta e da ativação da formação reticulada. A hierarquia e,
simultaneamente, a independência do sistema nervoso são conveni‐
entemente demonstradas no funcionamento da atividade-gama, dado que
ela não é por si autossu ciente, na medida em que se encontra em relação
com o grau de vigilância e de atenção seletiva do indivíduo.

A formação reticulada, além de se encontrar em relação com os vários


centros corticais, estabelece relações estreitas com todos os fenômenos da
sensibilidade e da mobilidade. Podemos mesmo focar que a formação
reticulada constitui o centro principal das integrações sensitivo-motoras.As
ligações que estabelece com todas as funções do organismo podem ser assim
descritas:

1- ligações com a atividade respiratória;

2- ligações com a atividade vasomotora;


3- ligações com a atividade motora tônica ou fásica;

4- ligações com a atividade elétrica do córtex e do subcórtex;

5- ligações com os neurônios sensoriais; e

6- ligações com o cerebelo.

A sua regulação supramedular permite-lhe também ligações com as


funções vegetativo-afetivas. Todo o complexo inerente à personalidade tem
interferências muito especiais com os circuitos reticulares. Efetivamente, a
formulação reticulada constitui hoje em dia um dos mais difíceis temas da
Neuro siologia, mas podemos a rmar que ela tem uma importância capital
em todos os problemas relativos ao pensamento e à intenção motora. A sua
função de vigilância e de alertamento é não só importante para a modulação
do tônus muscular mas também para a dinamização do tônus cerebral geral.

Para vários autores, a formação reticulada constitui a base de toda a


personalidade, onde as funções locomotoras e todas as expressões cinéticas
ocupam uma regulação muito especializada.

Granit e Eccles demonstram que existem dois tipos de motoneurônios-


alfa; um de tipo tônico, outro de tipo fásico, com características di‐
ferenciadas. Um com descargas repetidas e prolongadas, que assegura as
respostas lentas e sustentadas com nalidades posturais; outro com
descargas breves e de elevada frequência que asseguram a contração fásica.

Foi Ranvier um dos primeiros a distinguir músculos brancos de


músculos vermelhos. Os primeiros, com uma contração mais rápida, mais
ricos em mio brilas e menos ricos em sarcoplasma; os segundos, com uma
contração mais lenta, apresentam características de composição diferencia‐
das. Os vermelhos são mais fáceis de tetanizar, fastigam-se mais lentamente
que os brancos e estão mais implicados nas atividades posturais.

Eccles e seus colaboradores descobriram maior quantidade de


motoneurônios-alfa do tipo tônico nos músculos vermelhos do que nos
brancos. Em resumo: os alfa-tônicos encontram-se mais nos músculos da
atitude (vermelhos da profundidade); os alfa-básicos nos músculos de
movimento (brancos da periferia).

Em conclusão, podemos a rmar que o tônus do músculo estriado


depende de nitivamente de todos os in uxos re exogêneos heterogêneos
que se integram na vida nal comum (via piramidal ou da motilidade
voluntária).

Toda a regulação e a repartição tônica tem uma importância especial


na atitude e na equilibração. É graças a um ajustamento apropriado na
musculatura que o Homem pode manter-se em equilíbrio e recuperar o
equilíbrio.

Na atitude simples, veri ca-se um pequeno esforço muscular,


conseguido por meio dos músculos que acusam menor gasto. Não podemos
pensar em imobilidade total. Existe, sim, uma aparência de imobilidade,
dado que internamente se estabelecem inúmeros circuitos que no seu
conjunto constituem a atitude do ser humano. Podemos dizer que a atitude é
mecanicamente pouco fatigante, mas, no seu aspecto neurológico, veri ca-
se uma enormidade de autorregulações que sustentam a estação bípede
privilegiada do ser humano.

Este fenômeno complexo pode ser facilmente constatado pelo fato de


se colocar o esqueleto humano em pé. Se colocarmos em pé um esqueleto
ou um cadáver, imediatamente ele cai. O mesmo resultado pode ser
veri cado se cortarmos a medula, ou se excluírmos a in uência dos centros
encefálicos.

O problema da atitude compromete um certo grau de vigilância dos


músculos. A atitude humana também responde às exigências da mecânica,
dado que, para um indivíduo, se manter em equilíbrio, é preciso que o
centro de gravidade caia na base de sustentação. Mas essa atitude não é hoje
inexplicável só por leis físico-mecânicas; ela constitui uma das conquistas
mais importantes da espécie humana.

Na atitude humana, está uma história, uma compleição motora que é


sinônimo de uma experiência pessoal única. Na posição de pé estão todos os
dados de uma subjetividade única e personalizada. O caráter humano está
projetado nas características globais de uma atitude que diferencia e que lhe
fornece o dom de uma presença humana situada no universo.
Fig. 10.1 - O controle postural subentende uma expansão do cérebro. A
libertação anatômica deu lugar à libertação funcional, quer em termos
logenéticos, quer em ontogênicos.

A posição vertical e, como tal, o endireitamento da cabeça são os


responsáveis pela corticalidade mais perfeita dos seres vivos. A posição
horizontal da visão dá ao cérebro uma colocação ótima para a centralização
e a integração de todas as informações que originam o comportamento
humano.

A posição fundamental da extremidade cefálica projetou o homem na


civilização, na medida em que a atitude vertical do Homem lhe permitiu
uma locomoção e um equilíbrio mais disponíveis que o lançaram em um
mais diferenciado conhecimento do mundo envolvente. Com uma atitude
corporal vertical, o homem pôde responder mais ajustadamente às
exigências do seu mundo próprio.

Toda esta aquisição humana é adquirida lentamente na infância, e é por


meio dela que o ser humano vai estando sucessivamente mais disponível e
mais adaptável às realidades do seu mundo cultural (extrabiológico e
extracorporal).

Postura bípede

A manutenção da postura bípede é operada por uma multiplicidade de


excitações re exogêneas que nascem nos receptores labirínticos e pro‐
fundos, provocadas pela ação constante da força da gravidade. Estas
excitações em permanente atividade vêm dos receptores musculares,
labirínticos e visuais que, autorregulados pelas funções supramedulares,
correspondem à atitude. A atitude é, assim, todo um complexo neurológico
inconsciente, integrado no indivíduo como expressão corporal de uma
vivência dinâmica.

Dentro das excitações re exogêneas mais importantes, temos a


enumerar:
1- as excitações labirínticas;

2- as excitações proprioceptivas;

3- as excitações exteroceptivas; e

4- as excitações visuais.

As excitações labirínticas

Estas excitações têm origem em receptores especializados, situados na


membrana labiríntica, cheia do líquido endolinfático, separada do labirinto
ósseo pelo líquido perilinfático, que suporta nas suas paredes dois tipos de
aparelhos sensoriais: os canais semicirculares e os otólitos.

Os canais semicirculares são três: um vertical, outro frontal e outro


horizontal, orientados nos três planos do espaço. Estes três canais vão
terminar no utrículo, onde chegam as terminações do nervo vestibular, de
grande importância para a atitude. O sistema otolítico é composto de
receptores do tipo tátil formados por nos cristais de carbono de cálcio. O
otólito utricular orienta-se em um plano horizontal, quando a cabeça está
em uma posição normal, enquanto o otólito sacular se orienta em um plano
vertical (sagital).

Dentro de dois sistemas, de nem-se, segundo Ewald, dois tipos de


receptores:

Os receptores canaliculares — excitam-se por modi cação da endolinfa


provocada pelo deslocamento da cabeça e encontram-se a serviço do equi‐
líbrio cinético.

Os receptores otolíticos — provocados por alterações anormais da


cabeça e encontram-se a serviço do equilíbrio estático. Constituem a origem
dos re exos tônicos, pois variam com todas as alterações da gravidade.
Pelos estudos de Magnus e de Kleijn, as vias labirínticas constituem as
terminações do nervo vestibular. As suas vias de intercomunicação são de
dois tipos: umas superiores, outras inferiores. O nervo vestibular encontra-se
ligado aos motoneurônios espinais, aos núcleos e aos neurônios
oculomotores, ao cerebelo, ao núcleo rubro e ao córtex cerebral.

As excitações proprioceptivas

As excitações proprioceptivas têm origem nos músculos e nas


estruturas que eles mobilizam, como demonstrou Sherrington. Nas articula-
ções, principalmente nas cápsulas e no periósteo, chegam terminações
nervosas sensíveis às variações de pressão e de tração. Nos músculos e nos
tendões, temos os fusos neuromusculares e os corpúsculos de Golgi, acima
citados. Quando as partes do corpo variam, temos as excitações
proprioceptivas somáticas: quando a cabeça muda de posição em relação ao
tronco, temos as excitações proprioceptivas cervicais.

Os in uxos proprioceptivos suscitam re exos medulares (re exo


miotático), que estabelecem relações suprassegmentares com o cerebelo e o
córtex.

As excitações exteroceptivas

Estas excitações desenvolvem re exos que contribuem para assegurar a


atitude e para restabelecer a verticalidade. As experiências de isolamento
sensorial de Hebb e Smith demonstram determinadas perturbações da
atitude. Estes autores colocaram voluntários suspensos a 5 metros de altura e
com os olhos vendados. Passadas 5 horas, veri caram que os indivíduos
tinham perdido a noção de espaço e de tempo, acusavam alucinações e
aberrações do esquema corporal, afecções de origem tônica e perceptiva e,
fundamentalmente, uma sensação difusa de permanente desequilíbrio.

As excitações visuais
Os sinais visuais não intervêm somente pelo seu aspecto perceptivo,
eles constituem uma das referências principais da atitude do ser humano.O
complexo problema das aferências sensitivo-sensoriais e labirínticas ocupa
um lugar destacado no contexto da atitude e do equilíbrio. Inúmeros autores
realizaram experiências em coelhos, gatos, cães, macacos etc., tentando
estudar todas as aferências que têm uma repercussão mais ou menos
imediata na atitude e nos movimentos. Por meio da exclusão de vários
centros receptores, os autores puderam veri car a grande importância de
todas as aferências na regulação do tônus e a sua importância na
motricidade dos animais. Desde Magnus, Rademaker, passando por Garcin,
Sherrington, Romberg e outros, podemos veri car a importância da
supressão das aferências visuais, proprioceptivas e exteroceptivas.

Os vários casos de ataxia labiríntica e ataxia locomotora são mais do


que su cientes para se registrarem os problemas de ordem estático-motora
provocados pela obliteração de informações indispensáveis à manutenção da
atitude e à volição de execução de movimentos.

Todo o tipo de fontes dinamogêneas, fornecedoras de informações, tem


uma profunda importância na regulação do tônus de suporte e no tônus
paracinético.

No que respeita às aferências da regulação tônica, temos de diferenciar


as seguintes fontes:

• os exteroceptores;

• os receptores a distância (visão, audição etc.);

• os receptores cutâneos;

• os interoceptores;

• os proprioceptores;

• os proprioceptores musculares;
• os órgãos de Golgi;

• os receptores interósseos;

• os receptores articulares; e

• os proprioceptores labirínticos.

Toda esta multiplicidade de aferências participa largamente, de


maneira mais ou menos direta, na gênese e na distribuição do tônus. A todo
tipo de estímulos do mundo exterior, estes receptores periféricos enviam
informações aos centros corticais, que se encarregam de distribuir
seletivamente o tônus pela totalidade do corpo, provocando globalmente a
intenção e a direção do movimento (adaptação).

No que interessa ao problema do movimento, temos a realçar a especial


exclusão das aferências mioatrocinestésicas que originam problemas de ata‐
xia, ou seja, perturbações da coordenação da motricidade controlada. Estes
fenômenos de exclusão sensitiva levantam perturbações nos movimentos
segmentares na locomoção e na atitude. A supressão momentânea ou o
funcionamento limitado ou adormecido destes centros receptores pode
provocar problemas de ordem motora. Devemos, neste aspecto, deixar uma
interrogação especial em relação a um processo educativo baseado no
movimento. Será que interessa única e exclusivamente fazer movimentos,
espetaculares que sejam? — ou será mais importante situar o movimento em
um problema de pensamento de intenção motora?

A importância do tônus é fundamental na estação bípede, que,


episódica nos antropoides, é usual e automática no ser humano. Não há
qualquer espécie animal que tenha o privilégio da atitude que possibilita ao
homem libertar os seus membros torácicos para o serviço da motilidade
voluntária. O equilíbrio no homem, em contrapartida, encontra condições
menos favoráveis que nos animais restantes. A estabilidade do animal
quadrúpede é favorecida por uma base de sustentação muito maior e por
uma altura do centro de gravidade relativamente baixa. A priori, o equilíbrio
humano é mais precário, não só pela exiguidade da superfície de apoio,
como também pela elevada colocação do centro de gravidade. Ao mínimo
deslocamento, o homem entra em desequilíbrio, tendo em atenção as suas
características mecânicas.

Todo este problema da atitude corresponde a uma diferente e mais


complexa regulação tônica, onde os estágios superiores de integração possu‐
em uma importância ainda mais signi cativa. Todas as reações estáticas e
equilibradoras são desempenhadas pelas excitações labirínticas e,
principalmente, proprioceptivas.Os re exos estudados por Sherrington e
Liddel, e mais tarde por Hoffmann, Rademaker, Foix e évenard,
mostraram que a organização tônica se estrutura progressivamente desde a
motricidade fetal, como focou Minkowsky, até a maturação adulta. A sua
organização geral é ainda malconhecida, dado que os elementos anatômico-
clínicos fornecidos ainda não tornaram viável uma série de experiências
provocadas nos animais. As síndromes de rigidez, de descerebração e os
casos de lesões patológicas são ainda elementos pouco precisos e rigorosos
para uma justi cação cientí ca.

É talvez pela plasticidade de condicionamento inerente ao Homem e,


portanto, pela sua possibilidade de corticalizar as funções motoras, que ele
se ajusta a uma in nidade de situações muito diferentes da estação habitual
da espécie, como provam as inúmeras possibilidades de expressão motora do
ser humano.

Podemos concluir que a capacidade de adaptação motora do ser


humano é dependente do melhor, ou pior, ajustamento tônico.

E, de fato, por um progressivo ajustamento tônico que o ser humano se


apresenta como o animal mais adptável às exigências do nosso envolvimen‐
to. Qualquer tipo de motricidade automática ou voluntária está
profundamente dependente da melhor ou pior integração dos dados
exteroceptivos (espaço e tempo) e dos dados proprioceptivos (esquema
corporal), organizados, sistematizados, codi cados e programados pela
função tônica. O movimento humanizado não se pode desenrolar sem se
apoiar no equilíbrio e na coordenação dinâmica automática. Só a
possibilidade de integração cortical da motricidade permite uma
exteriorização ajustada (inibida ou corrigida) do movimento.
O movimento corticalizado ou voluntário não é senão um movimento
controlado, integrado ou interiorizado, onde a consciência intervém em
nível aferente para regular a escolha e induzir as adaptações globais às
informações recebidas e captadas. (AZEMAR)

Dado este contexto neuro siológico, só podemos conceber um tipo de


aprendizagem motora que leve a uma fenomenologia da introspecção da
motilidade voluntária. Só a interiorização personalizada pode levar a uma
regulação e a um ajustamento dos movimentos mais delicados e mais ele‐
mentares das pequenas massas musculares que movem as pequenas
articulações dos dedos. É por uma motricidade ideocinética que podemos
fundamentar uma ação terapêutica pedagógica signi cativa, que utiliza
como elo relacional o diálogo corporal e o movimento humanizado.
Fig. 10.2 - A motricidade humana está dependente da integração dos
dados exteroceptivos e dos dados proprioceptivos. O cérebro, o corpo e o
envolvimento estão em permanente interação.

O movimento como comportamento, portanto, como forma de


educação, só pode tomar como referência o processo de conscientização
progressiva do ser humano, isto quer dizer que, só por meio da intervenção
piramidal, o movimento pode ser rico, a nado, e caz e progressivamente
adaptado às situações novas. Toda a motilidade ideocinética está
profundamente baseada em uma organização cada vez mais complexa do
tônus muscular. É o aspecto ideocinético que transforma o músculo em um
microcórtex, estabelecendo a imediatividade dialética e unitária da
motricidade e da corticalidade.

A função tônica é a chave da articulação córtico-postural-motora.

Em complemento, todo o comportamento é realizado por aferências


sensitivo-sensoriais, in nitamente renovadas pela função tônica que
caracteriza a coerência, a precisão e o ajustamento do indivíduo no seio do
seu meio envolvente.

A função tônica tem, portanto, um papel muito importante na tomada


de consciência de si (formação do EU) e na edi cação do conhecimento do
mundo e do outro.

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- 11 -

Abordagem ao Desenvolvimento
Postural

É no plano postural que se veri ca mais facilmente o progresso da


criança entre o nascimento e os dois anos. O recém-nascido não suporta a
cabeça; a criança de dois anos marcha perfeitamente.

Esta evolução depende da progressão comum de todas as vértebras: a


lei cefalocaudal (descoberta por Coghill em 1929). Este autor mostrou que,
na salamandra, os movimentos aparecem primeiro na região da cabeça e
depois progressivamente em direção à cauda. O crescimento avança em
ondas sucessivas, desde a extremidade cefálica à extremidade caudal.

Este processo aparece também nos vertebrados e na criança; o


desenvolvimento do controle cortical sobre a atividade neuromuscular
evolui segundo uma direção craniocaudal; começa pelo segmento cefálico e
progride até os membros inferiores.

Este desenvolvimento está de acordo com o sistema motor arcaico, com


as suas origens da logênese da motricidade, que já abordamos neste livro.
Nos estudos feitos por Gessell, o aparecimento dos músculos no feto
respeita a seguinte ordem:
1- músculos da cabeça;

2- músculos do tronco;

3- músculos dos braços;

4- músculos das pernas;

5- músculos das mãos;

6- músculos dos pés;

7- músculos dos dedos;

8- músculos do tornozelo.

Esta lei foi estudada por neurologistas e vários psicólogos, mas foi
MacGraw quem demonstrou que os movimentos estão primeiro submetidos
ao controle subcortical e só posteriormente ao controle voluntário. O
declínio progressivo dos movimentos subcorticais produz-se entre o
segundo e o quarto mês. A in uência inibidora do córtex manifesta-se em
um sentido determinado que vai da cabeça até a região da bacia.

Teremos de alargar esta perspectiva ontogenética com os trabalhos de


Gesell, por meio dos seus princípios da morfologia do desenvolvimento.
Além da lei cefalocaudal, Gesell enunciou mais cinco princípios de
desenvolvimento:

1- A organização neuromotora elabora-se a partir dos segmentos


centrais para os segmentos periféricos, desde a cabeça à bacia, na
direção do eixo longitudinal: é o princípio do desenvolvimento
próximo-distal. Bergeron denominou este princípio de lei da
coordenação descendente correlativa, que vai desde a raiz do
membro às extremidades: desde o ombro à mão.

2. Existem relações precisas entre os órgãos simétricos e opostos: o


princípio do entrelaçamento recíproco.
3. A lateralidade representa uma forma assimétrica dinâmica: é o
princípio de assimetria funcional (para Goethe, a assimetria é um
aperfeiçoamento).

4. Existem diferenciações especí cas nas esferas que são governadas


pelo princípio de maturação individualizante (a integração deve ser uma
função que uni ca o organismo, individualizando-o).

5. O organismo pode autolimitar os estados de desequilíbrio, por um


princípio de utuação reguladora.

Em todo o desenvolvimento motor, estes princípios interferem uns nos


outros, mas é fundamentalmente o princípio cefalocaudal que domina o
conjunto do desenvolvimento.

No desenvolvimento postural, devemos estudar sucessivamente:

1- a manutenção da cabeça;

2- a posição de sentado;

3- a posição ereta; e

4- a marcha.

A MANUTENÇÃO DA CABEÇA

A criança só mantém a cabeça aos três meses. Até os três meses,


veri camos a manutenção da cabeça em vários aspectos: logo que o tronco
está vertical (ligeira inclinação anteriores); logo que está em decúbito ventral
(ligeira hiperextensão); logo que está em decúbito dorsal (colocação sagital
da cabeça).

Em Brunet e Lézine, veri camos as seguintes evoluções da manutenção


da cabeça:
Fig. 11.1 - A lei cefalocaudal de Coghill re ete a ontogênese do
bipedismo.

Em posição vertical:

• levantar a cabeça de tempos em tempos (um mês);

• ter a cabeça direita em um curto momento (dois meses);

• manter a cabeça bem direita (três meses).

Em decúbito ventral:

• elevar a cabeça e vacilá-la (um mês);

• elevar a cabeça e os ombros (dois meses);

• apoiar-se nos antebraços (três meses).


Em decúbito dorsal:

• retenção da cabeça quando se senta, por tração nos antebraços (dois


meses);

• elevação da cabeça e dos ombros quando se exerce ligeira tração nos


antebraços (quatro meses).

A POSIÇÃO DE SENTADO

Desde o nascimento até os quatro meses, as costas do bebê são


cifóticas, tornando impossível a posição de sentado. A partir dos quatro
meses, o tronco vai endireitando, desde a parte superior até a inferior. O
equilíbrio é precário e a criança cai lateralmente com frequência. Só por
volta dos oito meses, a posição de sentado é dominada. Nesta idade, a
criança liberta as suas mãos para apanhar um objeto e é capaz de se virar de
lado sem perder o equilíbrio. A partir da posição de deitado, a criança é
capaz de se sentar sem ajuda.

Em Brunet-Lézine, a aquisição da posição de sentado respeita as


seguintes evoluções:

• senta-se por longos momentos com apoio

(cinco meses);

• senta-se por longos momentos com um ligeiro apoio (seis meses);

• senta-se sem apoio por curtos momentos (sete meses);

• eleva-se da posição de deitado à posição de sentado (oito meses).

Stambak defende que, entre a evolução da manutenção da cabeça e a


posição de sentado, há uma relação íntima. Com efeito, a cabeça e o tronco
formam o eixo corporal, que apresenta uma certa unidade em relação à
independência dos braços e das pernas. As funções do eixo corporal são
distintas das dos membros, na medida em que a inervação dos membros
parece ser mais controlada pelos centros superiores do que as do eixo.

A POSIÇÃO ERETA

A maioria dos autores xa a idade de oito meses para a aquisição da


estação bípede. Com os trabalhos de André-omas e Ste. Anne Dargassies,
bem como MacGraw, chegou-se à conclusão de que podemos adquirir um
re exo de endireitamento estático (rèflexe de redressement statique) nos pri‐
meiros dias de vida.

Esta posição tem problemas de ordem afetiva, na medida em que a


maioria dos pais, ansiosa pela sua chegada, forçam repetidamente a posição,
provocando, muitas vezes, ulteriormente, atrasos de evolução motora. As
pernas, suportando mal o peso do corpo, têm tendência para a exão,
provocando, por via disso, inúmeros problemas de atitude.

A possibilidade de se manter de pé é assegurada pelas primeiras


tentativas de marcha, na medida em que o ser humano tem mais tendência
para a locomoção do que para a estação, como provam os ensaios mais
recentes de Antropologia.

Aos nove meses, a criança mantém-se de pé com apoio e aos dez meses,
é capaz de se pôr de pé sozinha.

A MARCHA

A marcha exige uma propulsão anterior provocada por movimentos


alternados dos membros inferiores. Também se conhece a marcha re exa e a
subida de uma escada nos primeiros dias de vida, mas esta reação
desaparece rapidamente aos dois e três meses e só surge aos nove e dez
meses. Se a marcha re exa se mantém para além dos três meses, estamos em
presença de um sinal patológico.Aos 9 e 10 meses, a criança esboça alguns
passos com suspensão dos seus braços e, aos 11 e 12 meses, é capaz de
marchar com uma mão. Os primeiros passos de independência representam
uma aquisição capital para o desenvolvimento global da criança (“os
aborrecimentos que começam”; “os primeiros desgastes materiais” — Spitz).

Para MacGraw, a marcha de nitiva é caracterizada pela alternância de


movimentos pendulares dos membros superiores e pela possibilidade da
corrida, que só adquire por volta dos dois anos.

Estas diferentes etapas da aquisição da marcha dependem da evolução


da corticalização progressiva dos centros nervosos. Aos problemas de
marcha, estão também ligados outros problemas, como, por exemplo, a
integração afetiva, que tem uma importância muito grande para a formação
do caráter da criança.

Fig. 11.2 - Sequencia dos padrões motores, que constituem o


desenvolvimento postural.

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- 12 -

Abordagem ao Desenvolvimento
da Preensão

A mão aparece como instrumento principal da conquista do mundo


exterior. Baldwin, Preyer, Stern, Buhler e tantos outros insistiram na impor‐
tância da preensão, nas conexões do desenvolvimento psicológico da
criança.

As coordenações oculomotoras nas perspectivas próprias, tanto de


Piaget, como de Wallon, explicaram as suas integrações nos domínios do
psiquismo. Piage explica a gênese da inteligência por uma coordenação
progressiva dos esquemas sensório-motores. A utilização da mão, em
função da signi cação do movimento, está liada ao pensamento.

A este problema, estão ligados todos os interesses afetivos que nascem já


na criança, pelas impressões, agradáveis ou não, que os objetos lhe causam.

Podemos concluir que existe uma relação de implicação entre a


coordenação oculomotora e a formação da vida mental da criança.

Pelos princípios acima focados, tanto o cefalocaudal como o próximo-


distal, constatamos que a coordenação da visão é mais precoce do que a dos
membros superiores, e a mão só se desenvolve motoramente depois da
relação total do braço e da dissociação do antebraço e do pulso.

Primeiro, a visão segue a mão, depois domina-a. Desde a descoberta da


visão da mão à do objeto, passando pela agitação e pelo grasping reflex à
preensão na, a visão e a mão assumem uma convergência psicomotora.

A evolução da preensão é extremamente complexa: podemos


sincreticamente formular que ela passa, sucessivamente, de uma preensão
palmar a uma preensão radiopalmar (com o polegar já em uma função ativa)
e, posteriormente, à preensão em pinça (Gesell — quando o polegar
consegue a oposição total com todos os dedos).

A maturação próximo-distal chega assim ao seu estado terminal. Desde


a reação global do braço à diferenciação segmentar ombro-braço, braço-
antebraço e antebraço-mão, a mão e os dedos são capazes de um tipo de
preensão cada vez mais na e precisa.

O ritmo de evolução da postura e da preensão está, até os oito meses,


dependente da corticalização progressiva. Depois dos oito meses, as
correlações entre uma e outra são dependentes de outros fatores. No campo
experimental, ainda não foi possível justi car rigorosamente a intervenção
de outros fatores.
Figura 12.1

ESTUDO DO RECÉM-NASCIDO

Encaramos em seguida um estudo correlativo entre a ontogênese da


motricidade e a espontaneidade motora.

Procuraremos analisar os movimentos constituídos pela agitação


explosiva e descoordenada e os movimentos com origem no próprio
organismo.

Observamos essencialmente uma hipertonia generalizada,


caracterizada por: gesticulações, descargas bruscas de atitude, contrações
musculares esporádicas e fortuitas, correspondendo à forma mais
fragmentada da atividade humana.

Bergeron foca que a criança esboça já os primeiros gestos em função


das suas necessidades e desejos. Pelo movimento, poderemos compreender
se a criança “está bem” ou “está mal”, atividade esta ligada a uma mímica
indiferenciada, mas expressiva.
Todos estes movimentos são consequência de um substrato tônico, em
relação com uma hipertonia globalizada e uma hipotonia axial.

Conhecem-se inúmeras reações que põem em evidência o re exo de


Moro (certo movimento primata de defesa perante um perigo, em que o
bebê é colocado no ventre da mãe para permitir a esta deslocar-se
facilmente).

A orientação gestual, segundo Ajuriaguerra, manifesta-se no domínio


bucolingual. O pulso descobre o espaço bucal. (STERN)

A criança é capaz de movimentos de marcha logo após o nascimento, e


veri ca-se um re exo de adaptação estática que desaparece por volta dos
três meses.

Neste estado, não há preensão propriamente dita, e as respostas que se


obtêm são as excitações da palma da mão (grasping reflex), reveladas pela
reação global dos exores. Esta reação é provocada, segundo A. omas,
pelo reflexo tônico dos flexores. Alguns autores justi cam que este re exo
tem por m a familiarização com a suspensão nos ramos, experimentada
pelo bebê macaco. Outros estudos, nomeadamente americanos, provaram
que o recém-nascido é capaz de car suspenso algum temestar em contato
com o meio exterior, por meio dos po, à imagem da preguiça. dois polos do
tubo digestivo.

Veri ca-se nos dois primeiros meses uma gran- As reações motoras são
produzidas de uma

de regularização vegetativa. A criança começa por forma maciça, difusa


e indiferenciada.
Fig. 12.2 - Desenvolvimento da preensão

ESTUDO DOS DOIS AOS SEIS MESES

A hipertonia dos membros diminui, à medida que se instala um tônus


axial. Os membros superiores reagem já de uma forma menos global, e são
capazes de uma certa motilidade lateral.

A criança pode olhar a vista humana e segui-la nos seus deslocamentos.


Diante de um objeto, a criança agita um dos braços, à maneira de uma
marionete, começando o despertar preensível dos membros superiores. A
mão descoberta pelo olho dá lugar a dois tipos de informações
extremamente importantes: uma proprioceptiva, e a outra visual
exteroceptiva. É por esta fusão que, no espaço cortical, inicia-se a
estruturação do esquema corporal vivido.

A aquisição do controle da cabeça e dos músculos oculomotores inicia


a organização dos dados espaciais. Rapidamente o universo do berço é
descoberto, e entramos na fase da cadeira e, posteriormente, do espaço
restrito etc.

Dadas as di culdades de uma visão ainda pouco desenvolvida,


observamos uma certa inadaptação locomotora, aliada ainda a uma de‐
bilidade da atitude. É o movimento agitado e descoordenado que,
progressivamente, alarga a integração social da criança, principalmente, no
circuito familiar.

A marcha automática desaparece, dando lugar ao aparecimento do


re exo do equilíbrio, que origina possibilidades de deslocamento, como a
reptação, o deslizamento, o escalar, o engatinhar etc.

A preensão inicia-se primeiro manual e, depois, oculomanual. Por via


dessa aquisição, a criança inicia o processo evolutivo de relação de sig‐
ni cação com o meio envolvente. A preensão voluntária é então precedida
de uma manifestação investigativa e exploratória.

As reações são menos maciças, menos difusas e apresentam já uma


certa diferenciação. O contato com o mundo dos objetos é estabelecido de
um modo perceptivo-objetal do tipo magnético.

ESTUDO DOS SEIS AOS DOZE MESES

A hipertonia desaparece, a atividade axial é su cientemente


desenvolvida para permitir a estação de pé. O re exo de Moro tem uma for‐
ma de reação particular, o susto. Devemos cuidar em envolver a criança em
um manancial de estímulos e em uma segurança especial, de forma que não
possamos provocar estados impulsivos prejudiciais ao seu desenvolvimento.

A atividade manual inicia uma exploração mais profunda do mundo


dos objetos. A preensão avançada permite uma dissociação da mão e do
olho. Segundo Koupernik, a criança, depois de olhar durante muito tempo
os objetos que tem, é capaz de os passar para a mão livre, combinando,
assim, um novo ângulo de visão e uma série de novas informações táteis e
cinestésicas.

A criança passa o objeto de uma mão para outra, de nindo já a mão


iniciativa da mão auxiliar, que, por sua vez, origina toda a gênese da
lateralidade.
A orientação espacial é estruturada em função de uma visão conhecida
e uma visão estranha; organizando a sua espacialidade, a criança esboça o
seu campo de experiência, ou seja, o seu mundo de ação, começando por
atingir o universo da práxis.

Bergeron defende que, neste período, se estabelecem as reações


circulares, também focadas por Wallon e Piaget. O movimento tende a
produzir ou a veri car determinados efeitos, provocando um ajustamento
progressivo do gesto ao efeito que o provocou, e que se torna o seu próprio
m.

Assim se estabelecem uma série de reações diferenciadas e objetais, em


que a criança já identi ca o conjunto e isola-o, para limitar o seu campo de
atividade ao objetivo das suas preocupações.

A evolução temporal das sucessivas aquisições é operada


conjuntamente pelo sistema de relações entre os meios da criança e o meio
envolvente.

Toda a evolução motora só é possível por um relaxamento voluntário,


isto quer dizer que só a hipotonia ou o estado hipotônico constitui um bloco
corporal que di cilmente deixa incorporalizar os dados do exterior.

A maturação motora tem uma signi cação social; o jogo e a livre


expressão ideomotora da criança estão estritamente dependentes da maior
ou menor tolerância afetiva dada às experiências motoras.

A imobilidade na criança, ou, mais precisamente, a maior restrição ou


repressão social exercida sobre a investigação e a necessidade motora, pode
provocar vários desvios psicológicos. As carências motoras que daí podem
emergir são normalmente de dois tipos: umas periféricas, outras centrais.

A orquestra dramático-motora do miopata e do poliomielítico é


sempre acompanhada de alterações profundas da personalidade. A
imobilização das crianças, durante muito tempo, por causas não
neurológicas, como, por exemplo, os eczematosos ou as crianças que
partiram braços, malformações, amputações etc., pode dar origem a fases de
hipercinesia reacional.

O movimento, segundo Koupernik, traduz uma compleição motora


personalizada; é uma projeção rítmica da personalidade e fornece todo um
sistema de relações com o mundo exterior.

A passagem do autismo à sinfonia motora é a essência do


desenvolvimento global da criança.

Esquema 12.1

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- 13 -

Abordagem Biopsicossocial

EVOLUÇÃO DA MOTRICIDADE EM

WALLON

Wallon apresenta uma visão ontogenética mais simpli cada, e,


portanto, mais uni cada do desenvolvimento psicológico da criança.

É sobre os estados de desenvolvimento motor de Wallon que vamos


apresentar uma pequena perspectiva.

Segundo aquele psicólogo, os movimentos do recém-nascido


difundem-se por simples descargas ine cientes de energia muscular, onde se
veri cam reações tônicas e clônicas, acompanhadas de espasmos e bruscas
descargas, bem como de gestos descoordenados e de automatismos sem fun‐
ção (estereótipos), como os movimentos de pedalagem observáveis na
primeira semana.

As primeiras atividades motoras da criança são aneurais e miológicas.


Aos poucos, a intervenção do sistema nervoso vai-se estabelecendo, por
meio de um afinamento tônico. A este período, o autor denominou estado
impulsivo.
A agitação global da criança é suscitada pelas necessidades, pelos
estados de bem-estar ou mal-estar provocados por variações tônicas
(hipotônicas e hipertônicas) e pelas emoções. É na forma agitada e difusa
que a criança comunica com o envolvimento, onde progressivamente se irá
introduzir de forma ajustada.

Os primeiros gestos úteis são os da expressão, desenvolvidos na criança


para tomar objetos demasiadamente indispensáveis ao seu bem-estar.

Tal expressão motora encontra-se profundamente ligada à esfera


afetiva, por ser o escape das emoções vividas. A forma de expressão emotiva
é o elemento da formulação da consciência, que, embora confusa e global,
vai iniciando a estruturação das signi cações.

É no mundo das emoções que mais tarde se originará o mundo da


representação, por meio das atitudes e simulacros postos em jogo pelo
movimento. A ação ligada à sensibilidade reestrutura o processo histórico
que caracteriza a evolução emocional e mental do ser humano.

A Psicologia de Wallon insere-se na Psicologia social de Politzer. Para


este autor, o homem não é totalmente explicável pela Psicologia, na medida
em que o seu comportamento e as suas atitudes têm por condição essencial
a sociedade e tudo o que ela comporta.

Wallon denomina este segundo período por estado tônico-emocional.

A relação com o meio dominante dá ao comportamento da criança um


estilo particular.

A coexistência de diferentes atividades traduz o enriquecimento


especí co das relações da criança com o seu meio ambiente.

Após o domínio afetivo, pela própria subjetividade da criança, as


atividades anunciam o terceiro estado — o sensório-motor.

Este estado tem um caráter mais subjetivo; o seu m é ligar o


movimento às suas consequências sensíveis e operar uma riqueza de dados
sensoriais que provoca uma percepção mais na, mais precisa e mais
descriminativa das excitações causadas pelos objetos exteriores. Surgem as
reações de autopalpação e de balanço da cabeça e do tronco, a que
Koupernik chamou reações autoeróticas.

O estado sensorial sucede ao desenvolvimento das atitudes, dos atos


rudimentares, das expressões emotivas, de tal forma que o indivíduo é o
curto-circuito da sua atividade.

Graças às tentativas cinestésicas e auditivas provocadas pelo contato


dos objetos, esboça-se a primeira forma de repertório fonético.

A atividade circular é assim denominada porque o efeito proveniente


de um movimento leva à reprodução do mesmo, como provam as suas
mútuas modi cações.

É com este tipo de atividade que a criança desenvolve os instintos de


orientação e de investigação, estudados por Pavlov. A conduta de exploração
espacial é determinada por objetivos ocasionais. O espaço começa por ser
bucal (a boca é o único local entre a sensação e o movimento) e depois
torna-se próximo dos braços. Depois da boca, todo o corpo é fragmentado,
cada uma das suas partes é descoberta progressivamente. A unidade do
corpo só aparece muito tardiamente. Nos casos de ordem patológica, o
corpo apresenta-se sempre dissociado e dividido.

As relações com o meio ambiente vão sendo cada vez mais indecisas e
ambíguas. Elas passam a revelar uma intencionalidade que cresce em para‐
lelo com a mielinização.

O indivíduo, como a rma Wallon, não é apenas uma combinação de


sensações ou uma coleção de movimentos. A sua experiência combina
movimentos com emoções, representações com sociabilizações.

Essa evolução mental não nasce só das relações entre o indivíduo e a


natureza física mas também entre o indivíduo e a sociedade em que vive. O
movimento, como elementobase da re exão humana, tem sempre um fun‐
damento sociocultural e depende de um contexto histórico e dialético.
Para Tournay, o problema das coordenações intersensoriais é de uma
importância capital no desenvolvimento da criança. O movimento é o
dominador comum das polissensações. Em Gesell, o movimento é o
elemento essencial da percepção sensorial.

O domínio do espaço passa por três universos, desde o nascimento aos


três anos. W. Stern demonstrou que a criança reconhece as coisas por três
espaços: bucal, próximo e locomotor. É todo este caminho que leva à
maturação orgânica superior. A evasão progressiva e a exteriorização
emotiva têm como tema central o próprio movimento. É por meio dele que
se indica a aventura fantástica, fabulosa e prodigiosa do psiquismo.

Wallon sublinha diferentes níveis da atividade sensório-motora.

Na primeira fase, puramente subjetiva, a mão chega ao campo visual,


retém o olhar, e este a segue em todos os seus deslocamentos. A visão
começa progressivamente a guiar a mão, e esta elabora os primeiros contatos
com os objetos do seu envolvimento. A mão torna-se um órgão cortical
(THOMAS) e, pelas suas possibilidades sensitivas, torna-se um órgão
analisador.

Sobre este aspecto da coordenação do olho e da mão, Sherrington fala


de percepções visomúsculo-labirínticas ou tátil-músculo-labirínticas,
demonstrando a estrutura de fusão entre os processos visuais e os processos
táteis.

A perfeição dos movimentos da mão é acompanhada pela maturação


da motricidade humana e da sensibilidade cinestésica, que estão em paralelo
com a progressão das capacidades de informação e de realização.

A preferência e a riqueza dos movimentos do membro superior-


anterior levanta problemas de córtex motor, na medida em que a mão é o
elemento de expressão mais humanizado e, por conseguinte, o segmento que
mais concretiza as veleidades da corticalidade. Para Conel, a capacidade de
movimento é sempre sinônimo de reconhecimento cerebral.
A mão, disse Herbert Spencer, é um aparelho tátil, altamente elaborado,
que vem a ser acompanhado uniformemente de uma inteligência superior.
O aspecto evoluído, intelectualizado e práxico da motricidade continuará a
desenvolver-se a partir dos três anos. Há como que um aperfeiçoamento
contínuo das aprendizagens e uma revolução no domínio da maturação. O
movimento, como meio de expressão, fornece o aspecto cinético da imagem
de si, projetando no mundo dos homens uma nova dimensão de vida.

W. Stern evoca que, neste período, se instalam os gestos precursores da


preensão na. Dentre eles, destacam-se os gestos de jubilação e de im-
paciência. Estes gestos começam por ser pouco diferenciados; em uma
primeira fase, os objetos são manipulados globalmente com as duas mãos. A
esta preensão, segue-se a preensão de mão a mão, xando a preensão
unilateral, de grande importância para a de nição do hemisfério piloto.
Wallon chamou a esta preensão de palpação estrutural, na qual a atividade
de uma mão é completada pela outra; uma toma as iniciativas e a outra tem
uma função auxiliar.

Surge depois uma fase muito importante no desenvolvimento


psicomotor da criança; a bipartição diferencial do movimento em que cada
mão é capaz de ações combinadas, cada uma com o seu papel.

Bergeron estabelece, aliás, como Spitz, uma relação de dependência


entre as aquisições motoras da criança e as pessoas que a envolvem. Entre a
criança e o outro, há um desdobramento de duas pessoas, o diálogo corporal,
embora maldiferenciado, é já uma forma de sociabilização sincrética.
Quanto mais vezes a criança vê o outro, tanto mais facilmente ela projeta
alguma coisa de si mesma.

Até este momento, o movimento está ligado à subjetividade, ou seja, à


percepção dos objetos exteriores.

A representação mental serve de suporte à intencionalidade do gesto;


ela impõe-se à consciência ainda dominada pelas impressões do momento e
ligada ao jogo das associações sensoriais, é o estado projetivo.
A criança exprime-se por gestos e por palavras, nos quais parece
organizar o mimetismo do pensamento e distribuir pelo movimento as suas
imagens no envolvimento atual, bem como para lhe conferir uma certa
presença.

Estamos perante o simulacro, em que a atividade motriz está a serviço


da representação. É sempre a ação motriz que regula o aparecimento e o
desenvolvimento das formações mentais. O ato, portanto o movimento,
mistura-se com a própria realidade.

Esta realidade não é ainda totalmente acessível, é exclusivamente


relacionada com uma atividade de origem subjetiva e com poder essencial‐
mente prático. É o sistema pelo qual se opera o contato com as coisas, que
prevalece sobre o das associações entre imagens e símbolos. Resulta daqui
uma guração motriz que, destacando-se da ação propriamente dita, poderá
cada vez mais tomar o aspecto de um simulacro; mas ainda está longe de ser
uma representação pura. (WALLON)

Nesta fase, a criança tem uma necessidade enorme de comunicar as


suas experiências por meio dos gestos; a maioria das vezes nada mais há
senão o gesto. O gesto é o refúgio da sua expressividade.

Wallon foca o fato de uma criança de três anos e meio se divertir ao


lavar o urso de pelúcia, mas apenas simula ensaboá-lo. Exerce o ato de pegar
no sabão, de pegar em uma garrafa, de a destapar, friccionar e enxugar, sem
nada nas mãos, além do urso.

O gesto pode tornar presente o objeto ausente e substituí-lo. O gesto é


um meio de estabelecer analogias que di cilmente se poderiam formular de
outro modo. (WALLON)

Surge então a imitação, que não é mais do que a repetição de um gesto


executado por ela própria, como forma de resistência de uma excitação
recente e facilmente renovada no aparelho psicomotor.

As ligações psicomotoras, anteriormente constituídas, condicionam a


atividade circular, como indicou Guillaume. Por intermédio de reações
convergentes, a mesma situação pode provocar simultaneamente a mesma
ação em vários indivíduos.A imitação é uma forma de atividade que parece
implicar de uma maneira incontestável relações entre o movimento e a
representação. A criança esboça o movimento já em relação a algo exterior a
si próprio. Os movimentos deixam de responder imediatamente a uma
necessidade impulsional, para se ajustarem às situações exteriores.

A similitude gestual é muito comum aos animais, mas ela é


fundamental na evolução psicológica da criança. O modelo do outro inicia a
sua importância, enriquecida por uma in uência de uma excitação atual. A
assimilação do gesto traduz uma incubação pré-motora que, em si,
representa já um contato com as esferas psíquicas.

A imitação passa, primeiramente, por uma fase passiva e,


posteriormente, por uma fase ativa. Em qualquer delas, a imitação
corresponde ao prelúdio da representação psicológica.

A criança aproveita, então, todas as oportunidades para pôr em


movimento a necessidade de realizar os seus próprios ritmos e, por
intermédio destes, de se adequar ao ambiente e de estender a sua
sensibilidade subjetiva aos objetos que a rodeiam. (WALLON)

É um processo semelhante ao contágio do bocejo. O mesmo se passa na


fenomenologia desportiva, em que o espectador sente em seu próprio corpo
a agitação do jogo, e mais, tem com frequência a impressão de fazer
intimamente o gesto que devia ter feito pelo jogador, ou de o corrigir se ele
foi malrealizado.

A imitação, depois de ser uma simples repetição, estabelece um sistema


de ligações perceptivomotoras e projeta-se em uma reação convergente.

Toda esta dimensão de expressão é possível por intermédio da marcha


e da palavra. Estas duas aquisições sociais encaminham a criança para a sua
autonomia. Pela marcha, a criança, começando pelo seu espaço próximo
(STERN), que não ultrapassa o alongamento do seu braço, inicia a
modi cação do envolvimento. O espaço, como autocriação da própria
independência da pessoa humana, vai permitir à criança a descoberta do seu
mundo de criação e de satisfação.

A sensação e o prazer da autonomia, experimentados a partir dos três


anos, têm uma elevada importância na formação da autocon ança e da
iniciativa da criança.

É o movimento que, introjetando no meio uma realidade humana,


permite à criança uma atenuação de grupos musculares onerosos
(sincinesias e paratonias), que proporcionarão uma progressiva coordenação
e uma melhor habilidade manual.

A evolução da motricidade tem um fim cognitivo: a criança constrói o


real por meio da exteriorização cinética da sua unidade. Os limites do real
deixam de ser um bloco; eles são cada vez mais abertos e longínquos. O
espaço não é medido em metros, mas em dados da sua experiência, cada
passo é uma sensação da sua autonomia andante.

Todo o processo das reações circulares e, posteriormente, da imitação,


provoca um teclado cada vez mais rico das relações sensitivo-motoras que,
progressivamente, de nem a adaptação singular ao ambiente. Essas reações
estão longe de ser “passadas a papel químico”; elas são reações em eco:
ecocinesia, ecopraxia, ecomímia, ecolalia etc.

Este tipo de reações prolonga as percepções, e todo o aspecto viso-


áudio-cinestésico vem enriquecer a autonomia singular por meio da palavra.

A signi cação da palavra evolui com a maturidade motora e com a


corticalização progressiva. É pelo movimento que a criança integra a relação
signi cativa das primeiras formas de linguagem (simbolismo).

É pelo aspecto motor que a criança reivindica uma porção de espaço


pelo qual estabelece os primeiros contatos com a linguagem socializada. As
noções de “aqui” e “ali”, de “esquerda” e “direita”, de “frente” e “atrás”, de “em
cima” e “em baixo”, de “dentro” e de “fora” etc. são fundamentais para a
orientação do ser humano, no sentido da sua autonomia e da sua
independência.
Para Wallon, o movimento não intervém só no desenvolvimento
psíquico e nas relações com o outro mas também in uencia o
comportamento habitual. É um fator importante do temperamento da
pessoa humana.O movimento está ligado aos progressos das noções
culturais e às capacidades fundamentais, e, quando passa ao controle
dominante da inteligência, continua implicado com as formas de ex‐
teriorização da atividade psíquica.

A modi cação do meio exterior provocado pelo movimento, que, em


si, operou uma modi cação da própria pessoa, encaminha-a na represen‐
tação, como forma criadora de relações. É a representação que liberta o
homem dos dados imediatos na natureza e dos dados imediatos da sua
experiência individual.

A representação com base em uma simbolização não pertence ao


mundo das coisas; ela constitui o entendimento com o próximo e tem, por‐
tanto, uma signi cação social.

Nascem todas as formas de comunicabilidade. A linguagem, como


resultado da representação, dá origem à inteligência.

A aquisição da linguagem, segundo Bernard, implica três condições


necessárias:

1- A maturação do sistema nervoso:

• importância da motricidade na fonação e na audição.

2- A integração em um grupo humano:

• importância da cultura.

3- A motivação afetiva:

• importância da afetividade.
Depois da motricidade e baseada nela, a linguagem introduz a criança
no mundo e na sociedade e, reciprocamente, introduz o mundo na sua
própria personalidade.

O movimento é o veículo da conscientização global. É


fundamentalmente o movimento que leva à dissociação da oposição entre a
adaptação motora e a representação simbólica. A oposição entre o espaço
dos movimentos e o espaço inde nidamente decomponível e imóvel que
pensamos não é senão um caso particular das contradições que reaparecem
em todos os fenômenos do desenvolvimento humano.

Esquema 13.1

REFERÊNCIAS
AJURIAGUERRA, J. de. Leçon Inauguralle. Chaise de Neuropsychology Development. Ed. College
de France, 1976. BERGERON, M. La Psychologie du Premier Age. Paris, Ed. Puf, 1961.

ALPHANDERY, H. G. Lecture d’Henri Wallon. Paris, Ed. Socialres, 1971.

GESELL, A. & AMATRUDA, C. Development Diagnosis. Nova Iorque. Ed. Harper & R. Pub., 1974.
GUILLAUME, J. L’imitation chez l’Enfant. Paris, Ed. Alcan, 1925.

KOUPERNICK, C. Motricité et Development Psychologie. In: Enfance, Mar/Abr., nº 2, 1956.


POLITZER, G. Princípios Elementares de Filosofia. Lisboa, Ed. Prelo, 1974.

PAVLOV, L. P. Obras Escolhidas. S. Paulo, Ed. Helmus, 1970.

SPITZ, P. De la Naisi Ance à la Parole. Paris, Ed. Puf, 1958.

THOMAS, A. Les Premiers Automatismes. In: Pres, Medicale, 22, 1946.


TORNAY, A. Bases Neurolongiques Dela Maturation Motrice. In: Enfance, 9, 1956.

WALLON, H. L’Enfant Turbulent. Paris, Ed. Alcan, 1925.

WALLON, H. Les Origines da Caractére. Paris, Ed. Puf, 1947.

WALLON, H. Importance du Movement dans le Dévelopment Psychologique de L’Enfant. In:


Enfance, 9, 1956.

WALLON, H. Kinesthesie et Image Visuelle du Corps Popre chez l’Enfant In: Bull. de Psych.

WALLON, H. Do Acto do Pensamento. Lisboa, Ed. Portugália, 1966.

WALLON, H. Psychiologie et Educativa de L’Enfance. In: Enfance, 1973.

WALLON, H. Les Origines de l’Pensee chez l’Enfant. Paris, Ed. Puf, 1962. ZAZZO, R. Psychologie et
Marxisme. Paris, Ed. Meditions, 1975.
- 14 -

Dez Escalas de Desenvolvimento

ORIENTAÇÕES PEDAGÓGICAS PARA A UTILIZAÇÃO DAS


ESCALAS

Antes de representar alguns exemplos de Escalas de Desenvolvimento


(ED) que pretendem simplesmente ilustrar a Ontogênese da Motricidade,
queremos advertir que não se trata de escalas normalizadas ou
rigorosamente padronizadas. Trata-se, fundamentalmente, de apoios
pedagógicos de onde podem emergir orientações curriculares para
programas precoces de estimulação, desenvolvimento ou reabilitação e, em
nenhuma circunstância, deverão servir para determinar Quocientes de
Desenvolvimento. (QD)

A preocupação de observar a criança em termos evolutivos e genéticos


não é recente. Já C. Darwin no seu livro, A Expressão de Emoções no Homem
e no Animal, editado em 1877, escrevia: “A minha primeira criança nasceu
em 27 de dezembro de 1839, e de imediato comecei a tomar notas sobre as
experiências que ia exibindo. Convencime, mesmo nos períodos mais
precoces, de que as manifestações mais complexas e nas têm uma origem
natural e gradual. Estaria aqui já a preocupação do presente livro — a
ontogênese repete aceleradamente a dialética da logênese...”
A compreensão dos fenômenos que se observam constitui sempre uma
preocupação do ser humano. A descoberta das leis da Natureza ou dos
princípios de desenvolvimento humano é muito complexa e, hoje, está ainda
em pesquisa. Aprender a dominar as causas e os efeitos dos fenômenos que
se observam, explicá-los, predizê-los, controlá-los e transformá-los é
efetivamente as nalidades básicas da atividade cientí ca.

Não cabe, no âmbito desta obra, ir além da descrição da ontogênese da


motricidade. Embora insu cientes, apenas apresentamos várias escalas que
possam exempli car alguns aspectos de desenvolvimento humano.
Descrever e explicar o desenvolvimento humano são tarefas difíceis que só
podem ser superadas com grande esforço de investigação interdisciplinar,
que, por si só, justi cariam a citação de um Instituto para o
Desenvolvimento da Criança.

Não basta car no que é, é necessário avançar para o como é. A


descrição não revela por que é que se dão determinados fenômenos. Por
isso, urge criar instrumentos simples e e cazes, que permitem descobrir e
detectar séries e sequências de condutas, apoiadas em princípios de
maturação, podendo, em presença de sinais de risco, identi car e prevenir
problemas futuros, eliminando condições inibitórias ou bloqueadoras do
desenvolvimento.

Nesta linha de orientação, conhecem-se vários autores, desde Binet a


Buhler, Gesell, Cattell, Griffits, Sheridan e outros. Dentro destes, algumas
loso as se têm confrontado, basicamente entre os psicólogos e os pediatras.
Uns sentem uma particular atração por normas, “percentis” e “quartis”
(imaginação estatística); outros procuram responder a problemas clínicos de
prescrição. Os psicólogos optam por uma precisão cientí ca na base de
testes objetivos. Os pediatras fazem diagnósticos fundamentados nos
antecedentes (hereditários e anamnésicos) interpretativos.

A utilização de testes objetivos e quanti cáveis é restrita a áreas bem


de nidas do comportamento do indivíduo, não se perspectivando nele uma
captação cientí ca do individual em moldes globais. Em termos de
exempli cação, o psicólogo raramente atende aos aspectos orgânicos do
indivíduo, enquanto o(a) pediatra analisa o orgânico, perdendo de vista
fatores simbólicos, linguísticos, socioemocionais etc. Se os testes
psicológicos e as observações clínicas pediátricas apresentam estas ca‐
racterísticas no que diz respeito à criança dita normal, o que será quando o
caso for o de uma criança de ciente ou desviante?

No âmbito pedagógico, embora a observação no campo educacional


esteja a iniciar os primeiros passos, não se podem omitir a maximização e a
otimização do potencial humano nem as condições internas e externas, que
obviamente condicionam o seu desenvolvimento, ou melhor, a sua
aprendizagem.

A observação em Pedagogia, ao contrário das que foram anteriormente


focadas, terá de nortearse para outros parâmetros de avaliação e de decisão,
não suprimindo, evidentemente, a informação vital obtida da Psicologia e da
Pediatria.

Historicamente, os sistemas educacionais de avaliação têm estado


orientados para interpretar os resultados escolares em normas etárias.
Segundo Reynolds e Birch, a teoria da avaliação que se tem praticado, bem
como a construção de testes e dos seus itens, têm produzido essencialmente
a variância interpessoal, provocando, em consequência, grandes diferenças
nos sujeitos tratados, para identi car os seus lugares em uma distribuição de
resultados, dentro de um contexto social (ou grupal) comparativo. Em
reforço a esta concepção, os sistemas de testes têm sido fortemente
orientados para decisões preditivas ou para decisões de seleção-rejeição.
Hoje, reconhece-se o aspecto discriminativo de tal avaliação, o que, de certa
forma, é incompatível com uma loso a de educação, cujo rumo é
nitidamente combater a exclusão, a marginalização e a segregação, e pôr,
consequentemente, em prática a igualdade de oportunidades e de proteção e
estimulação educacional e cultural.

Como princípio pedagógico, a observação do indivíduo deve


preocupar-se em pesquisar aquilo que ele oferece para o desempenho de uma
determinada tarefa, e não selecionar os indivíduos ditos mais aptos para
alcançar sucesso em uma situação particular. O teste não existe para se
bene ciar a si próprio. O teste deve ser construído e aplicado tendo em vista
as necessidades intraindividuais e sociais dos que o utilizam.

Os testes, as escalas ou outras observações deverão ser um aspecto


integral do processo educacional, daí os seus propósitos pedagógico-
curriculares e os seus critérios pedagógicos, de utilidade prática para que o
indivíduo (aluno) e o professor sejam informados continuamente da
evolução relativa dos resultados, facilitando, assim, a informação de dados
necessários para a implementação de programas educacionais apropriados.

Segundo Glaber, a orientação dos sistemas de avaliação educacional


deve caracterizar-se por: referenciar domínios e critérios, relacionar pro‐
gramas de instrução, interpretar aptidões sem comparações sociais ou
normas, sistematizar e individualizar programas educacionais e perspectivar
o conceito de como o indivíduo aprende mais fácil e preferencialmente.

A análise profunda deste problema não cabe nesta introdução nem


neste presente trabalho. Todavia, queremos ressalvar a importância da
observação em Pedagogia, não a confundindo com a observação em
Psicologia ou em Pediatria.

Em todas as ciências, a observação é necessária; em Pedagogia também.


Daí a urgência de formação de professores neste âmbito, pois só assim
poderão ajustar as necessidades de aprendizagem dos indivíduos às
condições do seu ensino.

A nossa intenção não é meramente analisar variâncias, predições ou


seleções; ela centra-se mais em clari car o domínio dos comportamentos
em observação.Trata-se de uma tentativa de delinear o que se pretende
avaliar sem concorrer a comparações sociais. A partir daqui, as mudanças e
os progressos das aquisições são mais facilmente determinados. A qualidade
da informação é outra quando se trata de observar os produtos (e também
os processos) do indivíduo quanto a um certo número de aquisições.

Com objetivos pedagógicos bem plani cados e com tarefas


especi cadas por graus de di culdade, o professor pode encontrar maior
interesse e validade na utilização de processos de observação em vários
domínios do comportamento humano: motricidade, psicomotricidade,
linguagem receptiva, linguagem falada, percepção auditiva e visual,
processos cognitivos, leitura, escrita, cálculo, desenho etc.

Com esta advertência, as escalas, que vamos em seguida apresentar


sumariamente, procuram cobrir uma necessidade clínico-pedagógica, não
devendo, de qualquer maneira, ser adotadas para ns psicométricos, visto
não estarem padronizadas em populações portuguesas.

É uma re exão que me parece necessária, sem esquecer o interesse das


escalas de desenvolvimento para quem trabalha com crianças que apre‐
sentam discrepâncias ou ritmos atípicos e desviantes de desenvolvimento,
como é o caso das crianças de cientes.

As escalas procuram satisfazer um interesse prático que sirva


fundamentalmente para estruturar e plani car as sessões pedagógicas, na
medida em que perspectivam as aquisições motoras, perceptivo-motoras e
psicomotoras por graus de di culdade, constituindo por esse motivo um
currículo evolutivo no domínio psicomotor do comportamento humano.

As escalas que se apresentam, umas são adaptações de escalas já


conhecidas em outros países, outras são adaptações originais que resultam:
da minha prática clínica no Consultório Médico Psicopedagógico (da
responsabilidade do Dr. Arquimedes da Silva Santos), de projetos de
investigação que conduzi no ISPA (Instituto Superior de Psicologia
Aplicada) e de ações de sensibilização e formação de professores de
Educação Geral e Especial em várias instituições: Centros de Educação
Especial de Lisboa, Vila Real, Porto e Viseu; CERCIS de Peniche, Aveiro,
Extremoz, Lousã, Guimarães, Covilhã, Beja, Barreiro etc., A. P A. C. D. M.
(Braga), Escolas de Ensino Primário e Secundário, Instituto Antônio Aurélio
da Costa Ferreira, Escolas de Enfermagem de Saúde Pública etc.

As datas de aquisição referidas em algumas escolas não devem ser


entendidas como parâmetrós rígidos e rigorosos; elas representam uma ten‐
dência onde se podem identi car (sinais de risco — warning singnals) e não
uma con rmação estatística. Os estudos feitos com a escola de Denver e de
NewCastle evidenciaram o perigo das predições em idades muito precoces,
daí o cuidado na sua utilização acrítica.

O interesse das escalas pretende atingir vários pro ssionais (psicólogos,


pediatras, psiquiatras, terapeutas, enfermeiras, assistentes sociais e até pais),
mas, preferencialmente, servem os professores, visto serem estes os mais
carentes no plano do diagnóstico e da observação, habitualmente
dependentes e subalternizados no direito que lhes cabe a diagnosticar a sua
realidade.

No campo da intervenção educacional, sou dos que pensam na necessidade


de dotar o professor com um mínimo de instrumentos, que lhe permita
controlar o seu envolvimento complexo de atividade. A mútua descoberta
entre a criança e o professor passa naturalmente por processos dialéticos
diversi cados entre observador-observado; analisador-analisado e
avaliador-avaliado. Para responder a esta necessidade, o professor deve
apropriar-se de competências cientí co-pedagógicas que permitam valorizar
as condições da sua atividade e otimizar o potencial de aprendizagem dos
seus educandos.
APRESENTAÇÃO DAS ESCALAS
DE DESENVOLVIMENTO

1 - ESCALA DE DESENVOLVIMENTO PSICOMOTOR (DE ZERO A


CINCO ANOS) (Vitor da Fonseca 1977)
2 - ESCALA DE DESENVOLVIMENTO DE ZERO A DOIS ANOS
(ADAPTAÇÃO DE VITOR DA FONSECA 1979)
3 - ESCALA DE DESENVOLVIMENTO DE M. SHERIDAN (DE
ZERO A CINCO ANOS)

A Escala de Desenvolvimento de Sheridan compreende a evolução


normal desde o primeiro mês aos cinco anos de idade. Trata-se de uma
escala que não deve ser confundida com qualquer quociente numérico
ou quantitativo. É uma memória do desenvolvimento humano que tem
em vista detectar os primeiros sinais de um desenvolvimento
harmonioso. A identi cação precoce de sinais de desenvolvimento,
quer em nível motor, quer em nível cognitivo ou emocional, é de
grande interesse para o ensino. A escala tem ainda uma vantagem
signi cativa quanto à possibilidade de estruturar um circuito
sequencialmente fundamentado que permite plani car situações
educativas de acordo com as necessidades educacionais especí cas da
criança.

A escala, na sua originalidade, tem uma nalidade pediátrica. No


campo psicopedagógico, a escala deve ser utilizada com o máximo
cuidado, a m de facilitar a obtenção da melhor informação possível,
que dê suporte a um planejamento terapêutico-educativo
fundamentado.

A escala compreende quatro áreas:

1º - Postura e Motricidade Global

2º - Visão e Motricidade Fina

3º - Audição e Linguagem Falada;

4º - Maturidade Social (Autossu ciência)

Todos os aspectos de comportamento evidenciados na observação


devem ser rigorosamente registrados na coluna das observações, para
obter um per l, ou melhor, o nível global de compreensão, a
maturidade da personalidade, a psicomotricidade e o ajustamento
social da criança.

A escala não deve ser utilizada sem uma de nição clara dos
objetivos da mesma. Só uma utilização criteriosa pode evitar
conclusões falíveis e precipitadas, não esquecendo que, por de nição, o
desenvolvimento é irregular, assíncrono e descontínuo.
4 - ESCALA DE DESENVOLVIMENTO MOTOR (ADAPTAÇÃO DE
VITOR DA FONSECA, 1978)
Grupo Data de Aquisição
Comportamento Obs.
Etário Observação S-N

0 a 1 1. Esforça-se por alcançar um objeto colocado a 20cm


ano à sua frente.

2. Agarra e segura um objeto suspenso a 10cm à sua


frente.

3. Alcança e segura um objeto colocado à sua frente.

4. Esforça-se por alcançar um objeto preferido.

5. Leva objetos à boca.

6. Em decúbito ventral, sustenta a cabeça e o pescoço,


sobre os braços.

7. Em decúbito ventral, suporta o peso da cabeça e do


tronco apoiada em um só braço.

8. Explora e sente os objetos com a boca.

9. Passa de decúbito dorsal para a posição de apoio


lateral do corpo, mantendo-se 50% do tempo.

10. Rola de decúbito ventral para decúbito dorsal.

11. Movimenta-se para a frente em uma extensão igual


ao comprimento do seu corpo.

12. Passa de decúbito dorsal para a posição de apoio


lateral do corpo.
13. Passa de decúbito dorsal para decúbito ventral.

14. Alcança a posição de sentado com a preensão nos


dedos do observador.

Grupo Data de Aquisição


Comportamento Obs.
Etário Observação S-N

0 a 1 15. Movimenta livremente a cabeça desde que o corpo


ano esteja apoiado.

16. Mantém a posição de sentado durante dois


minutos.

17. Põe deliberadamente um objeto no chão para


tentar alcançar outro.

18. Pega e larga objetos intencionalmente.

19. Põe-se de pé com o máximo de apoio.

20. De pé, com suporte, balança-se para cima e para


baixo.

21. Rasteja uma distância igual ao seu comprimento


para obter um objeto.

22. Senta-se com apoio das mãos.

23. Passa de sentado à posição quadrúpede.

24. Passa de decúbito ventral à posição de sentado.


25. Senta-se sem apoio das mãos.

26. Lança casualmente objetos para o chão.

27. Balança-se para a frente e para trás apoiado nos


braços e nos joelhos.

28. Sentado, transfere objetos de uma mão para a


outra.

29. Retém em uma mão dois cubos de 8cm de volume.

Grupo Data de Aquisição


Comportamento Obs.
Etário Observação S-N

0 a 1
30. Coloca-se de joelhos sem ajuda.
ano

31. Põe-se de pé sozinho.

32. Usa a preensão em pinça para agarrar um objeto.

33. Desloca-se por reptação.

34. Em reptação, liberta uma mão para alcançar


objetos.

35. Fica de pé com um apoio mínimo.

36. Lambe a comida à volta da boca.

37 Fica de pé sem auxílio durante cerca de 1 minuto


37. Fica de pé sem auxílio durante cerca de 1 minuto.

38. En a objetos em receptáculos (caixa, lata etc.)

39. Vira, ao mesmo tempo, várias páginas de um livro.

40. Realiza movimentos imprecisos com a colher.

41. Coloca vários objetos em uma caixa.

42. Passa da posição de pé para a posição de sentado.

43. Bate as palmas.

44. Anda com uma ajuda mínima.

45. Dá alguns passos com ajuda.

Grupo Data de Aquisição


Comportamento Obs.
Etário Observação S-N

1 a 2
46. Sobe escadas em reptação.
anos

47. Passa da posição de sentado à de pé.

48. Faz rolar uma bola por imitação.

49. Sobe para uma cadeira normal, volta-se e ca


sentado.

50. Pôe quatro argolas em um suporte cilíndrico.


51. Tira um prego colorido de uma placa perfurada.

52. Põe um prego colorido em uma placa colorida.

53. Constrói torre de três blocos.

54. Faz riscos com um lápis ou com uma caneta.

55. Anda autonomamente.

56. Desde escadas em reptação e em marcha atrás.

57. Senta-se sozinho em uma pequenina cadeira.

58. Põe-se de cócoras e volta à posição de pé.

59. Empurra e desloca brinquedos enquanto anda.

60. Utiliza o cavalo de balanço ou a cadeira de


balanço.

61. Sobe escadas com ajuda.

62. Dobra-se pela cintura para apanhar objetos, sem


perder o equilíbrio.

63. Imita o gesto circular.

Grupo Data de Aquisição


Comportamento Obs.
Etário Observação S-N
2 a 3 64. En a em um cordão quatro pérolas em dois
anos minutos.

65. Manipula as maçanetas das portas para as abrir.

66. Salta com os pés juntos sem sair do mesmo lugar.

67. Anda à retaguarda.

68. Desce escadas com ajuda.

69. Lança uma bola para um adulto colocado a 1,5m


de distância, sem que este tenha de se mover para a
apanhar.

70. Constrói torre de cinco a seis cubos.

71. Vira as páginas de um livro, uma de cada vez.

72. Desembrulha um pequeno objeto.

73. Dobra um papel ao meio por imitação.

74. Separa e junta brinquedos de encaixe.

75. Desencaixa vários objetos uns dos outros.

76. Chuta uma bola grande, que esteja estática.

77. Faz rolar bolas de plasticina.

78. Faz a preensão do lápis entre o polegar e o


indicador com suporte no médio
indicador com suporte no médio.

79. Dá cambalhotas com ajuda.

80. Crava manualmente cinco pregos lúdicos.

Grupo Data de Aquisição


Comportamento Obs.
Etário Observação S-N

3 a 4 81. Encaixa três peças de puzzle (quebracabeça) ou


anos quatro de encaixar.

82. Faz recortes simples com tesouras.

83.Salta de uma altura de 25cm.

84. Chuta uma bola grande que seja lançada para ele.

85. Anda nas pontas dos pés.

86. Dá dez passos de corrida com coordenação e


alternância dos braços.

87. Dá cinco pedaladas em um triciclo.

88. Anda de balanço e faz balanço depois de o


empurrarem.

89. Sobe e desce em um plano inclinado.

90. Dá cambalhotas para a frente.

91 Sobe escadas alternando o pé de apoio


91. Sobe escadas alternando o pé de apoio.

92. Marcha controladamente.

93. Segura uma bola com as duas mãos.

94. Desenha guras com escantilhão.

95. Faz recortes com tesoura sobre uma linha reta de


20cm de comprimento e 0,5cm de largura.

Grupo Data de Aquisição


Comportamento Obs.
Etário Observação S-N

4 a 5 96. Fica em equilíbrio sobre um pé durante


anos
4 a 8 segundos e sem recurso à ajuda do adulto.

97. Corre com mudanças de direção.

98. Caminha sobre uma trave de equilíbrio.

99. Executa dez saltos para a frente sem cair.

100. Salta sobre um bastão colocado a 5cm do chão.

101. Executa seis saltos à retaguarda.

102. Bate no chão e apanha uma bola relativamente


grande.

103. Faz guras de barro ou plasticina com dois ou


três partes diferenciáveis.
104. Recorta uma linha curva.

105. Enrosca objetos.

106. Desce escadas, alternando o pé de apoio.

107. Anda de triciclo, contornando obstáculos ou


ângulos retos.

108. Dá cinco saltos sucessivos entre um pé e outro.

109. Recorta um círculo de 5cm de diâmetro.

110. Faz desenhos simples, mas reconhecíveis, tais


como uma casa, um homem ou uma árvore.

Grupo Data de Aquisição


Comportamento Obs.
Etário Observação S-N

4 a 5
111. Recorta e cola guras simples.
anos

112. Desenha letras maiúsculas, grandes, mas em


qualquer parte da folha de papel.

113. Caminha na trave de equilíbrio em três sentidos:


para a frente, para trás e em deslocamento lateral.

114. Executa “trote” para a frente.

115. Anda de balanço independentemente.


116. Com os dedos em extensão, toca com o polegar
em cada um dos outros (tamborilar).

117. Consegue copiar letras minúsculas.

118. Prega um prego com um martelo.

119. Controla uma bola em uma determinada direção.

120. Consegue colorir guras, mantendo-se quase


sempre dentro dos seus limites espaciais.

121. Consegue cortar uma gura de uma revista sem


errar quase nada em relação aos seus limites.

122. Usa o apontador.

123. Copia desenhos complexos.

124. Rasga pelo picotado guras simples.

Grupo Data de Aquisição


Comportamento Obs.
Etário Observação S-N

4 a 5 125. Dobra por imitação um quadrado de papel em


anos duas partes, utilizando a diagonal.

126. Segura com uma mão uma bola macia ou um


saco de feijão.

127. Pula corda sem auxílio.

128 D l b l “ ti k”
128. Desloca uma bola com um stick .

129. Em corrida, apanha um objeto do chão, sem


perder o equilíbrio.

130. Patina à distância de 4m.

131. Anda de bicicleta.

132. Anda de patinete.

133. Anda e brinca dentro de uma piscina, desde que


tenha água pela cintura.

134. Brinca de trem, fazendo-se de locomotiva e com a


propulsão feita em “trote”.

135. Salta e gira sobre um pé.

136. Escreve o nome próprio entre as linhas de uma


folha pautada.

137. Salta de 35cm de altura, caindo na ponta dos pés.

138. Com os olhos fechados, equilibra-se em um só


pé, durante dez segundos.

139. Suspende-se pelos braços, de uma barra


horizontal, durante 10 segundos.

140. Adapta-se a qualquer ritmo com uma expressão


corporal, harmoniosa e ideacional.
5 - ESCALA DE DESENVOLVIMENTO PSICOMOTOR (VITOR DA
FONSECA, 1975)
MOTRICIDADE FINA Adquirida
Data Idade Obs.
em:
Aquisição Motora

Agarrar moedas, al netes, os etc., com um olho tapado de 36 a 42


cada vez.
meses

Consegue imitar e tocar com o polegar cada um dos outros 36 a 42


dedos (mão esquerda e mão direita).
meses

Colocando as duas mãos em cima de uma mesa, ergue cada 4 a 5


dedo independentemente dos outros.
anos

Em situação de imitação, muda de personagem três vezes 4 a 5


(exemplo: fazer de sinaleiro, motorista, médico etc.).
anos

Segurando duas folhas de papel pelos cantos, uma com a mão


5a6
esquerda e outra com a direita, consegue transformá-las em
bolas sem tocar com as mãos uma na outra ou tocar com elas anos
no corpo.

5a6
Consegue fazer laços dos cadarços dos sapatos.
anos

Viso-Motricidade — Consegue copiar um quadrado e uma


5 anos
cruz.

Consegue copiar um triângulo. 6 anos

Consegue copiar um retângulo com diagonais. 6 anos

MOTRICIDADE GLOBAL Ad i id
O RC G O Adquirida
Data Idade Obs.
em:
Aquisição Motora

3a4
Subir de escadas, alternando o pé de apoio.
anos

3a4
Saltar de um degrau com altura máxima de 40cm.
anos

Andar para a frente e para trás, tocando com um calcanhar na 4 a 5


ponta do outro pé (marcha controlada).
anos

Saltitar, usando alternadamente o pé esquerdo e o direito 5


como pés de apoio (tipo dança folclórica).
anos

Saltitar sem se deslocar do local inicial (primeiro com um pé, 5


depois com o outro).
anos

Saltitar para a frente e para trás (primeiro com um pé, depois 5 a 6


com o outro).
anos

Corrida transpondo pequenos objetos (sacos, ringues, caixas 5 a 6


etc. )
anos

Executar embaixada com uma bola. Percorrer uma pequena 5 a 6


distância, passando a bola de um pé para o outro.
anos

Consegue pular corda sem nenhum auxílio. 5 anos

Corrida rápida — muda de direções sem perder o equilíbrio. 6 anos


Corrida contomando obstáculos. 6 anos

Corrida por cima de obstáculos (exemplo: paralelepípedos de


6 anos
madeira).

Saltar de 40cm de altura, caindo nas pontas dos pés. 6 anos

EQUILÍBRIO E CONTROLE POSTURAL Adquirida


Data Idade Obs.
em:
Aquisição Motora

6a7
“Trote”— mudança de pé diretor.
anos

6a7
Salto a pés juntos de 1 metro de extensão.
anos

6a7
Salto vertical entre 20 e 25cm.
anos

Deslocação por saltos com um pé à frente e outro atrás, 7


mudando o pé diretor por cada cinco saltos.
anos

Saltar sobre uma série de objetos de 30 a 35cm de altura 7 a 8


(corrida de obstáculos).
anos

8a9
Deslocamento encadeado por trote e salto.
anos
EQUILÍBRIO E CONTROLE POSTURAL Adquirida
Data Idade Obs.
em:
Aquisição Motora

Equilíbrio estático sobre um pé durante 5 segundos. 3 anos

Anda em frente, com relativa estabilidade, por cima de uma 3 a 4


linha direita (reta) feita com ta ou com giz. anos

Equilíbrio estático, quer sobre o pé direito, quer sobre o 4 a 5


esquerdo, durante dez segundos. anos

Sobe e estabiliza-se em uma trave ou banco de equilíbrio de 4 a 5


10cm de altura, sem ajuda. anos

Caminha em frente sobre a trave ou banco de equilíbrio de 5 a 6


10cm de altura (veja-se o primeiro item da lateralidade). anos

Caminha para trás sobre a trave ou banco de equilíbrio de


6 anos
10cm de altura. Deve-se permitir que a criança volte a cabeça.

Corre em frente sobre a trave ou banco de equilíbrio de 10 cm


6 anos
de altura.

Faz uma deslocação lateral sobre a trave ou banco de


equilíbrio de 10cm de altura (veja o segundo item da
lateralidade).

Salta (esquerdo ou direito) em cima da trave ou banco de 6 a 7


equilíbrio de l0cm de altura. anos

Faz uma deslocação lateral, cruzando um pé sobre o outro, em


7 anos
cima da trave ou banco de equilíbrio, de 10cm de altura.
EQUILÍBRIO E CONTROLE POSTURAL Adquirida
Data Idade Obs.
em:
Aquisição Motora

Equilíbrio com balanço da perna direita e da esquerda, em 7


cima da trave ou banco de 10cm de altura.
anos

Sobre uma trave de equilíbrio de 10cm de altura — andar até 8


ao meio, parar e apanhar um objeto.
anos

Equilibrar-se de joelhos sobre a trave de equilíbrio de 10cm de 8


altura.
anos

Sobre a trave de equilíbrio de 10cm de altura, passar por cima 9


e por baixo de um bastão, colocado horizontalmente à altura
do peito. anos

Sobre a trave de 10cm de altura, ectir a perna de equilíbrio e 9 a 10


pôr-se de novo em pé.
anos
LATERALIDADE, DIRECIONALIDADE, IMAGEM
Data Observações
DO CORPO

Durante a marcha para frente no banco de equilíbrio de a. pés esquerdo e direito


10cm, observar: a. se a criança mantém o pé condutor; conduzem de igual modo; b.
passadas pequenas e lentas;
b. velocidade e comprimento da passada;
c. deve ter um controle bilateral.
c. capacidade de controlar bem ambos os lados do corpo.

Durante os deslocamentos laterais na trave de equilíbrio,


observar: a. se a criança consegue alternar, de um modo
suave, o peso do corpo de um pé para o outro; b.
consegue realizar facilmente, e de igual modo, as
deslocações da esquerda para adireita e vice-versa.

Desenho do círculo:
a. esquerda ou direita;
Pedir à criança para traçar um círculo no quadro negro,
usando a sua mão preferida. b. 60cm - 80cm
Observar: c. pequeno ou grande
afastamento à esquerda ou à
a. mão preferida; direita do eixo médio do corpo;
d. de cima para baixo: no sentido
b. dimensão do desenho;
contrário aos ponteiros do
c. posição do desenho em relação ao eixo médio do relógio.
corpo; d. direção do círculo.

Círculos Duplos
a. 60cm - 80cm
Pedir à criança para traçar dois círculos simultaneamente,
b. não interceptados, demasiado
um com a mão esquerda, outro com a mão direita.
afastados;
Observar: a. dimensão dos círculos;
c. no sentido inverso dos
b. posição dos círculos, em relação ao outro; c. direção do
ponteiros do relógio.
movimento;
d. relativamente simétricos.
d. precisão dos círculos.
LATERALIDADE, DIRECIONALIDADE,
Data Observações
IMAGEM DO CORPO

Linha Lateral

Sem a criança observar, desenhe dois X, afastados


a. consegue ou não andar e desenhar ao
cerca de 60cm. Pedir-lhe que trace uma linha reta
mesmo tempo; b. muda ou não de mãos
que os ligue entre si. Não são permitidas mais
enquanto desenha.
explicações. Observar: a. uso do corpo;

b. uso e posição das mãos.

Imagem do corpo: Identi cação das partes do


corpo.

a. tocar na cabeça;

b. mãos nas ancas;

c. mãos nos ombros; a. hesitações;


d. mãos nas orelhas; b. se os órgãos pares do corpo são
tocados ao mesmo tempo; c. depois de
e. mãos nos olhos; começar o movimento em uma dada
direção, hesita antes de conseguir
f. mãos no nariz;
acertar.
g. tocar nos cotovelos;

h. mãos nos joelhos;

i. mãos nos tornozelos;

j. mãos nos dedos dos pés.

CONTROLE OCULAR, COORDENAÇÃO


OCULOMANUAL E OCULOPEDAL Adquirida
Data Idade Obs.
em:
Aquisição Motora

Apanha uma bola de rítmica lançada de 2 metros com um 36 a 48


ressalto no solo. meses
Apanha uma bola e lança à distância de um metro, sem 36 a 48
ressalto. meses

36 a 48
Chuta uma bola.
meses

Lança uma bola pelo solo, acertando em um alvo posto de 5 a 6


2m a 2,5m (com uma ou duas mãos). anos

Parado, bate 25 vezes a bola no solo, controlando-a com as 5 a 5


duas mãos. anos

Bate com a bola no solo várias vezes, andando 5 a 6


simultaneamente. anos

Lança por cima do ombro uma bola, bem agarrada para um 5 a 6


companheiro situado à distância de 2m a 2,5m. anos

Lança uma bola ao ar, deixa-a saltar no solo e apanha-a. 6 anos

Chuta para a frente uma bola em movimento. 6 anos

Corre para uma bola parada e chuta-a para frente à distância


6 anos
de 4,5m a 6m.

Parado, bate a bola no chão várias vezes, alterando a mão de


6 anos
controle da bola.

Bate a bola no chão enquanto corre controladamente, usando


7 anos
uma mão para o controle da bola.

Bate a bola no chão, contornando obstáculos, alternando a 7 a 8


mão de controle. anos
CONTROLE OCULAR, COORDENAÇÃO OCULOMANUAL Adquirida
Data Idade Obs.
E OCULOPEDAL Aquisição Motora em:

7 a 8
Sentado em uma cadeira, bate a bola no solo.
anos

Correndo e mudando de direções, consegue bater com a bola no


8 anos
solo ao mesmo tempo.

8 a 9
Controla uma bola, usando ambos os pés.
anos

9 a 10
Apanha uma bola lançada à distância de 4,5m a 6m.
anos

CONTROLE OCULAR, COORDENAÇÃO Adquirida


Data Idade Obs.
OCULOMANUAL E OCULOPEDAL Aquisição Motora em:

Apanha uma bola de rítmica lançada de 2 metros com um 36 a 48


ressalto no solo. meses

Apanha uma bola e lança à distância de um metro, sem 36 a 48


ressalto. meses

36 a 48
Chuta uma bola.
meses

Lança uma bola pelo solo, acertando em um alvo posto de 5 a 6


2m a 2,5m (com uma ou duas mãos). anos

Parado, bate 25 vezes a bola no solo, controlando-a com as 5 a 6


duas mãos. anos

Bate com a bola no solo várias vezes, andando 5 a 6


simultaneamente. anos
Lança por cima do ombro uma bola, bem agarrada para um 5 a 6
companheiro situado à distância de 2m a 2,5m. anos

Lança uma bola ao ar, deixa-a saltar no solo e apanha-a. 6 anos

Chuta para a frente uma bola em movimento. 6 anos

Corre para uma bola parada e chuta-a para frente à distância


6 anos
de 4,5m a 6m.

Parado, bate a bola no chão várias vezes, alterando a mão de


6 anos
controle da bola.

Bate a bola no chão enquanto corre controladamente, usando


7 anos
uma mão para o controle da bola.
7 - ESCALA DE OBSERVAÇÃO DAS ETAPAS DE
APRENDIZAGEM (Vitor da Fonseca, 1978)
8 - IDENTIFICAÇÃO DAS PRAXIAS (Adaptação de Vitor da
Fonseca, 1978)
9 - PERFIL PERSPECTIVO-MOTOR DE KEPHART (Adaptação de
Vitor da Fonseca, 1978)
10 - AVALIAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL
AUTOSSUFICIÊNCIA
HÁBITOS À MESA

1. Usa colher quando come sem ajuda 1

2. Bebe sem entornar, segurando o copo com uma mão 1

18. Usa um garfo sem di culdade (com comida cortada e preparada) 1

19. Toma uma bebida sem ajuda 1

34. Serve-se sozinho e come sem precisar de muita ajuda 2

51. Usa a faca à mesa para passar manteiga, compota etc 2

69. Usa a faca à mesa para “cortar” sem muita di culdade 2

92. Come com garfo e faca sem precisar de ajuda 3

93. Despeja líquidos (chá, café) do bule 3

102. Usa a faca para descascar a fruta 3

MOBILIDADE

3. Sobe as escadas com os dois pés em cada degrau (crédito se passou


este estágio) 1

4. Desce escadas com os dois pés em cada degrau (crédito se passou


este estágio) 1

20. Anda de triciclo 1

35. Sobe escadas, pondo um pé por degrau, sem se agarrar 2

36. Desce escadas, pondo um pé por degrau, sem se agarrar 2

52. Vai aos vizinhos e aos lugares próximos 2


70. Requer pouca vigilância quando brinca fora de casa, ausentando-se
por uma hora ou mais 2

71. Anda pelas proximidades com outros, sem necessidade de muita


vigilância 2

94. Vai aos vizinhos sem vigilância, mas não atravessa as ruas (crédito
se passou neste estágio) 3

110. Vai aos vizinhos sem vigilância e atravessa as ruas 3

HIGIENE

5. Controle dos esfíncteres com poucos problemas 1

21. Pede para ir ao banheiro ou vai regularmente sem pedir ajuda 1

22. Limpa bem as mãos sem muita assistência 1

37. Cuida de si próprio no banheiro, limpa-se e lava as mãos 2

38. Lava as mãos com sabão de uma maneira aceitável 2

53. Lava o rosto “mais ou menos” bem (não necessariamente atrás das
orelhas) 2

54. Lava os dentes 2

72. Escova e penteia o cabelo 2

95. Toma banho adequadamente sem muita vigilância 3

11. Prepara o banho (põe a água a correr e vê o que é necessário) 3

VESTIR
6. Tira as meias 1

7. Ajuda a vestir-se 1

23. Despe e veste peças simples de vestuário 1

24. Desabotoa botões acessíveis 1

39. Aperta e ajusta a roupa (botões, velas, fechos de correr) 2

55. Veste-se de manhã com pouca vigilância 2

73. Despe-se à noite 2

74. Veste as roupas mais vulgares 2

96. Aperta os nós e/ou cadarços 3

12. Aperta a gravata ou os laços do cabelo 3

SOCIALIZAÇÃO

ATIVIDADES LÚDICAS

13. Joga “em companhia” de outros, mas não em cooperação (crédito se


ultrapassou este estágio) 1

30. Espera a sua vez, às vezes, é capaz de “compartilhar” 1

45. Joga em cooperação com outros 2

46. Gosta de divertir os outros (crédito se passou este estágio) 2

62. Entra em jogos competitivos, isto é, esconde-esconde, cabra-cega


etc. 2

63. Representa histórias que ouviu (crédito se passou este estágio) 2


64. Canta, dança, ouve discos 2

84. Brinca com jogos de mesa individuais, isto é, dominós, bingo etc. 2

103. Joga bola com outros, isto é, passando a bola 3

117. Joga em equipes e respeita as regras 3

ATIVIDADES CASEIRAS

14. Leva alguns recados 1

21. “Ajuda” em tarefas domésticas, isto é, limpar a mesa, varrer etc. 1

27. Faz recados simples fora de casa 2

65. Vai a lojas e armazéns, enquanto os adultos esperam no exterior 2

85. Con am-lhe dinheiro para os recados 2

86. Vai a uma loja ou armazém e realiza tarefas especí cas 2

87. Encarrega-se de responsabilidades mínimas 2

104. Ajuda em casa, indo a várias lojas ou armazéns realizar tarefas


especí cas 3

105. Encarrega-se de pequenas tarefas sem supervisão, exemplo:


despejar o cesto dos papéis 3

118. Encarrega-se de tarefas de rotina mais complicadas, exemplo:


engraxar os sapatos etc. 3

OCUPAÇÃO
MOTRICIDADE FINA (movimentos nos dos dedos)

15. É capaz de en ar contas em um o 1

16. É capaz de desenroscar tampas 1

22. Sabe cortar com a tesoura 1

48. Sabe trabalhar com plastilina, blocos de construção etc 2

49. Recorta gura, embora não com muita perfeição 2

66. É capaz de enrolar o regularmente, mesmo em uma canilha 2

67. Constrói estruturas completas com materiais apropriados (tijolos,


ferramentas etc.) 2

88. Sabe cortar tecidos com a tesoura 2

106. É capaz de empilhar papéis, jogar as cartas etc., com habilidade 3

119. Consegue cortar com precisão guras redondas 3

AGILIDADE (controle dos movimentos globais)

17. É capaz de chutar a bola sem cair 1

33. Salta com ambos os pés 1

50. É capaz de permanecer na ponta dos pés durante dez segundos 2

68. Salta com cada um dos pés 2

89. Usa o martelo corretamente, as meninas começam a costurar 2

90. Pode atirar a bola a cerca de 1,5m e atingir o alvo (30cm x 30cm) 2

91. Brinca no parque com segurança e de forma apropriada (balanço,


balancê, cordas etc.) (crédito se passou deste estágio) 2
107. Utiliza ferramentas, utensílios de cozinha, instrumentos de
jardinagem 3

108. É capaz de se balançar na ponta dos pés inclinado para a frente 3

120. É capaz de se balançar na ponta dos pés agachado 3

COMUNICAÇÃO

LINGUAGEM

8. Obedece a instruções simples 1

9. “Compreende” ordens, contendo: em cima, dentro, atrás, debaixo etc.


1

25. Relata experiências de um modo coerente 1

26. Diz frases com plurais, pretérito, “Eu”, preposições: acima, debaixo
etc 1

40. Compreende questões simples e dá respostas ajustadas 2

56. Sabe de nir palavras simples 2

57. Usa frases causais, contendo: porque, mas etc. 2

75. É capaz de executar uma “ordem tripla”, por exemplo: coloca isto ...
em seguida...

e depois 2

97. Compreende direções: em cima, à esquerda, ao fundo, à direita etc.


3

13. Repete uma história sem grande di culdade 3


DIFERENCIAÇÃO

10. É capaz de apontar diferenças de sexo 1

27. Sabe discriminar cores, classi cando-as 1

47. Distingue entre curto, comprido, grande, pequeno, pesado e leve 2

58. Discrimina ou nomeia, sem errar, quatro ou mais cores 2

59. Situa-se corretamente em relação à “manhã” e à “tarde 2

76. Identi ca “a esquerda” e “a direita” no próprio corpo, por exemplo:


braço esquerdo, orelha direita, olho esquerdo etc. 2

77. Nomeia os dias da semana e reconhece alguns dias 2

78. Compreende as diferenças entre: dia, semana, minuto, hora etc. 3

98. Identi ca o quarto de hora 3

14. Associa as horas com várias ações e acontecimentos 3

TRABALHO COM NÚMEROS

11. Discrimina entre “um” e “muitos” ou “alguns” 1

28. É capaz de dar “um” e “dois” objetos 1

42. Conta dez objetos mecanicamente 2

43. Responde a “situações de número” até quatro (incluindo “tirar”) 2

50. Classi ca objetos por ordem de tamanho, do menor ao maior 2

70. Conta trinta ou mais objetos mecanicamente 2


80. Responde a “situações de número” até treze ou mais (incluindo
“tirar”) 2

81. Reconhece R$ 0,50 2

99. Sabe juntar R$ 0,50 com R$ 0,25 3

15. Sabe trocar R$ 1,00 3

PSICOMOTRICIDADE

12. Segura o lápis e imita traços verticais e circulares 1

29. Copia círculos 1

14. Começa a desenhar “pessoas” com cabelo e pernas 2

81. Desenha “homens” e “casas” de forma reconhecível 2

82. Escreve o seu nome (em letra de imprensa) e reconhece-o entre


outras palavras e nomes impressos 2

83. Reconhece quarenta ou mais palavras do vocabulário normal para a


idade 2

90. Escreve o seu nome (manuscrito) 2

91. Lê instruções simples, por exemplo: nos transportes públicos


(apesar de fora do seu vocabulário normal) 2

92. Escreve uma direção de um modo aceitável 3

96. Lê assuntos de matéria simples, por exemplo: programas de rádio e


televisão 3
PARTE 3

RETROGÊNESE DA
PSICOMOTRICIDADE
- 15 -

Gerontopsicomotricidade: Uma
Abordagem ao Conceito da
Retrogênese Psicomotora

INTRODUÇÃO AO CONCEITO DE RETROGÊNESE

Qualquer abordagem sobre o conceito da retrogênese psicomotora tem


obviamente que equacionar o conceito de Evolução Humana.

A Evolução Humana encerra em si própria um conceito de mudança e


de adaptabilidade que nos revela que cada vertebrado, incluindo o Homo
Sapiens, possui as características neuroanatômicas expressas pela sua relação
com o envolvimento e na sua capacidade de utilização dos recursos
ecológicos.

Efetivamente, a linha de evolução que nos leva até ao Homo Sapiens,


com a sua inteligência social e superior, não pode ser considerada como a
melhor de todas. Como a rmaram Sarnat e Netsky, o Homem, como os
dinossauros, tem a alternativa da sua própria extinção. Aqui, mais uma vez,
con rma-se que o principal inimigo do Homem não é, senão, o próprio
Homem.
Para o Homem se conhecer a si próprio e reconhecer o seu lugar na
Natureza, tem-se avançado com inúmeros estudos antropológicos
comparativos, onde as estruturas esqueléticas das espécies fósseis e das
espécies vivas assumem maior relevância inferencial para a compreensão do
desenvolvimento logenético progressivo. Além destas estruturas es‐
queléticas, atualmente é necessário estudar a sequência da evolução do
cérebro, verdadeiro órgão da Evolução, o órgão da civilização, segundo
Vygotsky, independentemente de ser o órgão que apresenta maior diver‐
gência e variação estrutural.

A evolução do cérebro, no seu todo logenético e ontogenético, como o


órgão mais organizado do organismo, envolve uma passagem do mais
organizado (medula) ao menos organizado (córtex); dos centros inferiores
mais organizados, aos centros superiores que se vão organizando pela vida
afora; do mais simples ao mais complexo, do mais re exo ao mais
automático; do mais automático ao mais voluntário, pressupondo,
consequentemente, uma organização vertical ascendente.

Nenhuma teoria conseguiu até hoje explicar todas as características da


evolução, mas é atualmente reconhecido que o cérebro a traduz na sua
essência intrínseca e extrínseca, tendo alterado e modi cado a função de
sistemas antigos, desenvolvendo-os e transformando-os em novos sistemas.
Como assegurou Hughling Jackson, a evolução levou a que sistemas
sucessivos se reduzissem a sistemas coexistentes (continuous reductson of
sucession to coexistence). Novos sistemas e novos níveis de complexidade são
superpostos sobre unidades funcionais preexistentes, de onde emerge uma
progressiva organização de tais unidades em um só e único sistema mais
organizado (FONSECA). Os sistemas que foram totalidades a um certo
nível, tornaram-se subsistemas de uma totalidade superior.

Ao longo da evolução, damos conta que cada nível de organização


possui propriedades únicas de estruturação e de comportamento, que, por
sua vez, são dependentes das próprias propriedades dos elementos
constituintes, elementos esses, que só aparecem na evolução, quando
combinados em novos sistemas. As novas relações organizacionais e as
novas relações recíprocas das unidades elementares entre si e com todo o
sistema (“o todo é superior à soma das partes”) vão traduzir-se, segundo
Novikoff, em processos evolutivos novos. Os novos sistemas emergem com
novas propriedades, propriedades essas que não foram nem são anexadas do
exterior, mas que resultam de novos sistemas internos de organização, que
se organizam e se complexi cam para melhor responderem às exigências
externas, que em si consubstanciam o desenvolvimento da Criança e da
Humanidade.

É esta transformalidade e modi cabilidade que justi ca as adaptações


morfológicas e funcionais da evolução da Humanidade. Com a evolução da
protomotricidade à arquimotricidade, o cérebro humano adquiriu novas
propriedades e funções. Com a motricidade, não como mera adaptação, o
cérebro humano captou informação, integrou formação e elaborou
transformação. A impressionante dominância da espécie humana está
inexoravelmente relacionada com a neomotricidade (psicomotricidade), de
onde surge a ação como verdadeiro produto nal de uma organização
central do cérebro.

O cérebro, como órgão do corpo, resulta da hominização do corpo, da


ação e da motricidade (FONSECA). O cérebro é um metacorpo, organiza-s e
dentro dele o itui e o conhece primeiro, e o conduz e o regula depois. O cor‐
po é vicário do cérebro, substitui o cérebro, daí que o comportamento motor
seja vicário de outro comportamento mais complexo. Muenzinger
introduziu o termo de comportamento vicário (vicarious behauvior) para
reforçar a inseparabilidade da percepção, do pensamento e da ação, isto é
básico para a compreensão da logênese, como defenderam Montagu,
Legros Clark, Leroi Gourhan, e da ontogênese, como asseguram Piaget,
Brunner e tantos outros, e obviamente, da retrogênese psicomotora, como
iremos tentar demonstrar neste estudo.

Como a rma Prechtl, o desenvolvimento ontogenético não é apenas a


recapitulação da logênese (HAECKEL, 1866), é muito mais do que uma
recapitulação, trata-se de uma nova combinação de uma nova totalidade. Os
resíduos logenéticos são estruturas de transição (transient structures) que
estão presentes durante períodos particulares da ontogênese, para equipar o
sistema nervoso com certas propriedades que lhe permitem satisfazer
determinadas exigências do desenvolvimento.

O desenvolvimento humano é, consequentemente, um processo


contínuo, iniciado na concepção e seguido por metamorfoses
sequencializadas e faseadas até a morte, de tal forma que cada estágio
apresenta um determinado nível de maturidade. De uma imaturidade
característica, o ser humano caminha para uma maturidade, vencendo
vários obstáculos e integrando várias aquisições que são essenciais para lidar
com as realidades existentes, culminando posteriormente em uma
desmaturidade declinativa na terceira idade. As complexas capacidades
inatas transformam-se em novas fontes da informação por meio de novas
aprendizagens, que em si consubstanciam o fator causal do desenvolvimen‐
to. A imaturidade explica a adaptação reinante da espécie humana, uma vez
que ele não depende tanto de padrões genéticos herdados, mas sim de con‐
dições de aprendizagem (CONNOLLY, BRUNER e BRUNER). A evolução
humana contém uma reorganização desde o nascimento à morte, desde a
criança ao adulto e desde o adulto ao idoso. Por cada fase, há algo de sazonal
idêntico à sequência das estações: primavera (criança), verão (jovem); outo‐
no (adulto) e inverno (idoso). Nascemos e renascemos muitas vezes,
seguindo sempre uma dinâmica organizativa dentro do próprio cérebro,
onde ocorrem migrações, proliferações, mortes e interconexões seletivas de
células, que permanentemente reorganizam e remodularizam os
mecanismos existentes, não destruindo, por conseguinte, as estruturas
antigas, mas, pelo contrário, desenvolvendo-se em estruturas
completamente novas. Por isso mesmo, algumas características do
desenvolvimento precoce podem reaparecer em adultos com lesões
cerebrais.
Figura 15.1 - Da ontogênese à retrogênese: T - Tonicidade; E-
Equilibração; L- Lateralização; NC- Noção do Corpo; EET- Estruturação
Espaço-Temporal; PG- Praxia Global; PF- Prática Final.

A evolução caminha, portanto, para a involução, isto é, está programada


para se desintegrar. O produto nal da evolução é a involução, ou seja,
contém um processo inverso da evolução. A involução, como mudança de
comportamento intrínseca no período nal da vida, implica uma
deteriorização, peça por peça dos novos sistemas, propriedades e funções,
seguindo agora uma sequência inversa.

Tais mudanças foram inicialmente encaradas patologicamente, e não


como decorrentes do processo dialético da evolução e da adaptação
humana. O efeito inevitável da idade inverte a sequência dos fatores
transicionais do desenvolvimento, isto é, introduz a noção de desenvolvi-
mento e de retrogênese.

No idoso, em todas as manifestações do seu comportamento, quer


sejam motoras, perceptivas, cognitivas ou socioemocionais, a involução,
geneticamente programada, vai dar-se agora do córtex à medula, do mais
complexo ao mais simples, do mais voluntário ao mais automático,
pressupondo, conseqüentemente, uma desorganização vertical descendente.
Figura 15.2

As grandes mudanças da infância à adolescência, desta à vida adulta e à


velhice, são inevitáveis, elas atingem todas as áreas do comportamento
humano e, naturalmente, da Psicomotricidade.

Os últimos estádios do desenvolvimento são também controlados por


mecanismos regulatórios epigenéticos, que afetam tanto as estruturas como
as funções do cérebro. O plano mestre do ADN contém genes
programadores que transformam o desenvolvimento em
(des)desenvolvimento, a evolução em involução, a organização vertical
ascendente em (des)organização vertical descendente.

Não se trata de algo rígico e infalível, não se podem equacionar


predeterminismos, a idade cronológica não é sinônimo de idade biológica,
idade esta que, segundo Leaf, é diferenciada em vários órgãos.

A retrogênese das funções não ocorre ao mesmo tempo em todos os


órgãos e sistemas.
A barreira da longevidade depende mais das doenças do que da
diminuição gradual das funções, diminuição esta inscrita no código
genético (veja gura da página anterior).

Levinson, por exemplo, sugeriu quatro eras no desenvolvimento


humano: criança e adolescência (0 a 22 anos), adulto recente (17 a 45 anos),
adulto médio (40 a 45) e adulto avançado (60 até a morte), especi cando
para cada uma delas qualidades psicossomáticas distintas e próprias,
referindo que a ideia do desenvolvimento como um processo contínuo deve
dar lugar à ideia de períodos qualitativamente diferentes de
desenvolvimento. Este autor, aparentemente de acordo com os fundamentos
do desenvolvimento cognitivo de Piaget, evoca que “as eras e os períodos
estão inscritos na natureza do homem como um organismo biológico,
psicológico e social, eles representam o ciclo da vida das espécies. Cada
indivíduo atravessa os períodos das formas in nitamente mais variadas, mas
os períodos, esses, são universais”.

A senescência, como antítese da adaptação e da evolução, implica uma


complexa rede de mudanças desintegradoras e progressivas. Mudanças
bioquímicas, siológicas, biológicas e comportamentais que
progressivamente acumuladas culminam na morte. Tais mudanças não são
arbitrárias nem afetam uniformemente o comportamento, segundo Birren e
Schaie.

A deterioração seletiva ocorre em diferentes ritmos e em diferentes


zonas do cérebro, como demonstraram Konigsmark e Murphy, Brody e
Kalin e Michell. Algumas são menos severas, outras mais complexas, quer
nos sistemas axonais, quer dentríticos ou sinápticos, independentemente de
se terem descoberto crescimentos dentríticos em indivíduos com cerca de 70
anos. (BWELL e COLEMAN)

Muitos estudos con rmam relações cérebro-endócrinas na terceira


idade, que constituídas sob forma de um sistema funcional, apresentam
padrões diferenciados em várias idades, parâmetros esses que carregam
mudanças nos neurotransmissores como na doença de Alzheimer.
A doença deAlzheimer, uma espécie de causa da demência, é
progressiva e raramente responde ao tratamento, tendo mais tendência de
ocorrer depois dos 45 anos, de onde resulta uma crescente disfunção social,
vocacional e familiar. Segundo Goldberg, 50% das pessoas com demência
senil têm uma doença de Alzheimer que tende a provocar uma demência,
que em si de ne com um declinio das funções cognitivas, intelectuais e de
memória, em razão de um processo de doença que afeta o sistema nervoso
central.

Kokmen e Terry encontraram mudanças estruturais em indivíduos


com a doença de Alzheimer, nomeadamente desarranjos neuro brilosos em
muitas regiões subcorticais. Investigadores da Escola de Medicina de
Harvard descobriram alterações no ácido ribonucleico do cérebro, em
virtude de uma superatividade de proteínas (ribonucleose alcalina). As
funções do sistema colinérgico, segundo Goldberg, parecem caracterizar o
cérebro do indivíduo com a doença de Alzheimer, tendo o mesmo autor
referido a uma redução substancial (70 a 80%) na atividade de uma enzima
no córtex frontal e no hipocampo. Como é hoje conhecido, um nível
adequado de acetilcolina é essencial à neurotransmissão das células
nervosas, quer no hipocampo, quer no córtex, e é fácil compreender que tal
mudança bioquímica vai provocar perturbações, na memória e na cognição.

Whitehouse e colaboradores encontraram em indivíduos com tal


doença uma perda substancial de neurônios no prosencéfalo, mais
exatamente no núcleo de Meynert, centro de inervação cortical com muita
importância nas funções da memória, da cognição e da velocidade da
atividade motora.

Para Dorozynski, a partir dos 25 anos, sensivelmente, o cérebro


humano perde, ao ritmo cotidiano, cerca de uma dezena de milhar de
neurônios. Este desperdício acelera-se a partir dos 40 anos, onde cerca de
100.000 neurônios nos abandonam diariamente. Embora não existindo
qualquer correlação matemática constante entre o número de neurônios
sobreviventes e a qualidade de funcionamento do cérebro, as faculdades
mentais dependem naturalmente da população neuronal e do stock
neuronal, além, evidentemente, de outros múltiplos fatores.
O empobrecimento neuronal causado pelo tempo, conduz a um declínio
funcional irremediável no envelhecimento normal. Problemas de memória
de humor, de concentração, de atenção e de vivacidade intelectual, tendem a
emergir com o tempo. Primeiro, de forma pouco óbvia e benigna, mais tarde
de forma óbvia e patológica, por vezes com conotações trágicas, como nos
casos da doença de Alzheimer.

As perturbações da memória imediata e de médio termo são


características, enquanto se veri ca um apego ao longínquo e são
normalmente acompanhadas de: insônias, perdas de julgamento,
egocentrismo, exploração assistemática de objetos e situações, inércia
afetiva, incontinência, dependência hipotonia etc., que traduzem uma
espécie de regressão — a “regressão da meninice” da gíria popular.

O processamento da informação visual sofre também algumas


desintegrações neuropsicológicas com especial relevância na discriminação
gura e fundo, na constância da forma, na detecção e escrutínio de
pormenores e detalhes, perdendo poder seletivo, ao mesmo tempo que se
observa a restrição do campo visual.

O processamento da informação auditiva diminui de e cácia nas


frequências mais altas e nas funções de atenção seletiva, assim como se
reduz substancialmente o poder de discriminação fonética.

No processamento tátil-quinestésico, perdemse algumas capacidades de


discriminação, de pressão, forma e textura, surgindo progressivamente
maior número de disgnosias táteis e maior número de problemas de
integração sensorial.

A inteligência torna-se cada vez mais cristalizada (CATELL) ao mesmo


tempo que a inteligência uida se vai esvanecendo com desordens cognitivas
em vários planos, nomeadamente: na indução, na dedução, na
generalização, na abstração etc., com perdas das noções de tempo, de
espaço, de objeto e, nalmente, do corpo. Os fatores verbais resistem mais
que os fatores não verbais (de performance), como provam os vários estudos
de avaliação do quociente intelectual em indivíduos idosos. (SCHAIE, BAL‐
TES e SCHAIE, STORCK e HOOPER)

As modi cações afetivas emergem também, como a hipocondria, a


anorexia, a solidão, o isolamento, a passividade, a imobilidade etc., caracte‐
rísticas de um quadro bradipsicossomático.

A pseudodemência, termo também utilizado para caracterizar


indivíduos idosos com depressões clínicas, exibem globalmente
perturbações na linguagem, na motricidade e na percepção (disfasia,
dispraxias e disgnosias), que não podem ser caracterizadas como
incapacidades de aprendizagem (afasias, apraxias ou agnosias), mas
esboçam já um prelúdio de desorganização neurológica, que convém detectar
precocemente e reabilitar a tempo. A desorganização e a desincronazação
motora, a perda da memória, a falta de iniciativa, o bradipsiquismo, as
utuações de tristeza, o isolamento dos vínculos essenciais de gregarismo e
de convivencialidade, o anonimato e a segregação sociofamiliar favorecem
um quadro de degradação mental que convém combater, em um momento
em que a população idosa tende a aumentar. De 200 milhões em 1950 e de
350 em 1975, segundo Dorozinsky, a população de idosos no ano 2000 será
cerca de 600 milhões. Segundo Leaf, 40% das camas dos hospitais são
ocupadas por pessoas de mais de 65 anos, considerando mesmo que os
idosos são o maior “reservatório de doenças” e a população com mais
necessidades médico-sociais.

Independentemente da tradicional aversão à velhice, onde certamente


interpenetram mitos e fantasmizações que variam de cultura para cultura, o
envelhecimento normal não pode ser encarado como doença. É um fato que
nenhum ser humano manifesta preferência por uma idade avançada, de‐
sejamos sim rejuvenescer permanentemente. Guardamos no nosso íntimo o
desejo de não envelhecer, lutamos contra a disposição nal do nosso destino
natural, mas essa luta, aliás paradigmática em todas as sociedades, termina
com um resultado previsível, é inevitável. Lutamos, mas perdemos, porque a
essência da vida contém a própria morte. No m da vida, está a morte, como
focou Engels. Envelhecemos como vivemos e como merecemos, e o processo
de envelhecimento natural, programado geneticamente, inicia-se muito
antes da terceira idade, designação esta introduzida por Huet.

Já vimos que a vida, como a evolução, é uma implacável e inexorável


sequência de experiências, que nos revelam o nosso patrimônio logenético
e evidenciam a nossa competência ontogenética, que, em um momento
determinado, se esvanece e regride. Da filogênese à retrogênese, passando
pela ontogênese. Trata-se de uma sequência e não de uma decadência, de
uma evolução em um sentido que se completa com outra evolução de
sentido contrário e dialeticamente complementar. Só assim se deve
compreender a singularidade da própria Humanidade, uma vez que a
velhice subentende a síntese da experiência e a maturidade da vivência.

Ao abordarmos biopsicossocialmente a gerontomotricidade, temos de


integrar os múltiplos aspectos de que se reveste, desde uma visão
neurobiológica a uma visão neuropsicológica, e desta a uma visão
sociológica, que é indispensável para se compreender a complexidade da
problemática que estamos tentando estudar.

A carência de estudos e investigações nesta área, é talvez em virtude de


atitudes culturais antagônicas. Por um lado, em face do idoso, assume-se
uma atitude de respeito, de simpatia e de piedade, descrédito e
marginalização. A perigosidade da discriminação pela idade espreita com
igual ênfase, nas chamadas sociedades desenvolvidas, como a discriminação
pelo sexo, pela raça, pelo quociente intelectual etc.

A política da reforma compulsiva não obedece a nenhum pensamento


cientí co, mas antes a um tipo de “norma imposta”, onde se escondem no‐
ções de rendimento, e cácia, produção etc. A loso a do trabalho, guiada
puramente por critérios de sobrevivência material, tende a um desgaste, a
uma tensão e a uma hostilidade crescentes, que, por vezes, sugerem o
recurso a uma reforma desejada precocemente, que se pode transformar em
uma solução social equilibrada, desde que obviamente se concretizem outras
mudanças nas políticas do trabalho e do tempo livre, da realização pro‐
ssional e da inovação sociocultural.
A vida e o trabalho vergam-nos a todos. Os discos intervertebrais
desidratam-se, o tônus de suporte enfraquece, os defeitos de atitude aumen‐
tam, a mobilidade e a quietude crescem, a pele perde o tecido adiposo, as
“ ores da velhice” emergem em várias partes da pele, o colágeno perde a
elasticidade, a coordenação a força e a melodia cinestésica desagregam-se, a
respiração torna-se mais super cial, o cérebro menos oxigenado torna-se
mais confuso, a memória de curto termo esvanece-se, a mobilidade
cardiovascular reduz-se, a pressão arterial aumenta etc. Tais sinais, mesmo
que indesejados, surgem no decurso natural do processo de envelhecimento.

A velhice envolve um processo siológico (senescência) e um processo


metabólico (senilidade), inscritos no pool genético peculiar de cada in‐
divíduo. Envelhecer é viver, viver é mexer, também aqui, o adágio “mens
sana in corpore sano” se aplica, daí a urgência de programas de prevenções e
de reabilitação psicomotora, daí também um dos motivos do nosso estudo
sobre os fatores psicomotores em indivíduos idosos.

O envelhecimento impõe disfunções e desintegrações que variam de


indivíduo para indivíduo, mas seguindo sempre um processo de involução
universal. A concentração e a plani cação mental (mental tracking, segundo
Williams), a in exibilidade mental, a lentidão do comportamento, as
perturbações de memória de curto termo e a redução da modi cabilidade
da aprendizagem, bem como a restrição na abstração e na conceitualização
etc., evocam necessariamente a desintegração de sistemas e de centros fun‐
cionais, como justi cam os estudos de Bilash e Zubek, Eysenck, Clark e
Allinson.

O envelhecimento é inevitável, constitui uma etapa da vida que é


preciso estudar, uma vez que exige adaptação, pois encerra um conjunto de
modi cações, quer somáticas, quer psíquicas, quer afetivas, quer
psicomotoras, que mergulham em atitudes ambíguas, autodesvalorizações,
resignações profundas, reações emocionais e comportamentos regressivos,
que urge combater com medidas reabilitativas ativas e dinâmicas. Nesse
sentido, a psicomotricidade pode exercer um efeito preventivo, conservando
uma tonicidade funcional, um controle postural exível, uma boa imagem
do corpo, uma organização espacial e temporal plástica, uma integração e
prolongamento de praxias ideomotoras etc., perfeitamente adaptada às
necessidades funcionais especí cas do idoso, escapando à imobilidade, à
passividade, ao isolamento, à solidão, à depressão, à dependência, à
institucionalização e à segregação, dando à fase terminal da vida a dignidade
que ela merece. É urgente seguir os exemplos de Miguel Ângelo, Picasso,
Verdi, Charlot, Stravinsky e tantos outros, que, apesar de envelhecerem,
continuaram a orescer e a viver experiências criativas.

COLOCAÇÃO DO PROBLEMA

Partindo da noção que a evolução do cérebro, no seu todo logenético


e ontogênico, envolve uma transição: do mais organizado (medula) ao
menos organizado (córtex); dos centros inferiores, mais organizados aos
centros superiores que se vão organizando pela vida fora; do mais simples ao
mais complexo, do mais re exo ao mais voluntário; da protomotricidade à
arqueomotricidade; da paleomotricidade à neomotricidade; da sensório-
motricidade à psicomotricidade, pressupondo uma organização vertical
ascendente, a organização funcional do cérebro, de cordo com A. R. Luria,
resulta da interação conjunta e hierarquizada de três blocos funcionais, dos
quais dependem as funções que presidem ao trabalho do cérebro, implicado
em todas as formas complexas de comportamento, nomeadamente na
organização psicomotora.

Para Luria, as formas complexas de comportamento têm origem social,


a partir da qual se desencadeiam processos que elaboram, armazenam e
conservam a informação do mundo exterior e se programam e controlam
ações que materializam intenções, obedecendo estas a uma organização
estruturada, autorregulada e hierarquizada no cérebro. Assim, “cada
processo de comportamento envolve um complexo sistema funcional,
baseado em um plano ou programa de operações, que conduz a um m
determinado”. (LURIA)

Dos três blocos funcionais, Luria faz a seguinte caracterização:


1º Bloco - O primeiro bloco regula o nível de energia e o tônus do
córtex, garantindo-lhe uma base estável para a organização dos seus vários
processos, incluindo o da memória. Encontra-se localizado no tronco
cerebral e, particularmente, na formação reticulada. Pertencemlhe
fundamentalmente funções de seleção, discriminação e de vigília.

Figura 15.3

Lóbulo Parietal

2º Bloco - O segundo bloco compreende a análise, a codi cação e o


armazenamento da informação. Encontra-se localizado nas zonas pos‐
teriores do córtex, ou seja, nos lóbulos occipital, temporal e parietal.
Pertencem-lhe funções especí cas e hierarquizadas em zonas primárias,
secundárias e terciárias que compreendem a organização
intraneurossensorial, interneurossensorial e integrada dos analisadores
visuais, auditivos e tátil-quinestésicos.
Figura 15.4

Figura 15.5

Na tentativa de encontrar um modelo psicomotor que con rmasse este


modelo de organização funcional do cérebro, construímos ao longo de
vários anos de experiência clínica uma Bateria Psicomotora (B.P.M.)
subdividida em sete fatores, distribuídos, segundo o modelo de Luria, da
seguinte forma:

3º Bloco - O terceiro bloco envolve a formação, a programação, a


regulação e a veri cação das condutas. Encontra-se localizado na zona an‐
terior do córtex, isto é, nos lóbulos frontais. Pertencem-lhe funções de
plani cação, de utilização e de execução de praxias, intimamente relaciona‐
da com as funções de tronco cerebral, nomeadamente, a atenção e a
concentração.

MODELO DE
FATORES PSICOMOTORES DA BPM
LURIA

1º bloco Tonicidade (T) Equilibração (E)

Lateralização (L) Noção do Corpo (N.C.) Estruturação Espaço-Temporal


2º bloco
(E.E.T )

Praxia Global (P.G.)


3º bloco
Praxia Fina (P.F. )

Estudos clássicos e inúmeras investigações têm sugerido que a


organização psicomotora humana depende da operação conjunta de várias
faculdades localizadas em diferentes zonas do cérebro.

Experimentalmente, veri camos, em termos ontogenéticos, que a


organização psicomotora de acordo com o modelo neuropsicológico de
Luria, evolui do 1º ao 3º bloco, isto é, evolui da Tonicidade à Praxia Fina,
sugerindo que a evolução maturacional do córtex humano, parte do Tronco
Cerebral (1º bloco) para os hemisférios cerebrais (2º e 3º blocos), dando
signi cado ao princípio da hierarquia estrutural do cérebro.

De acordo com Luria e na base dos dados por nós obtidos, a


organização psicomotora subentende uma organização sistêmica, que
resulta de interação de sete subsistemas hierarquizados, cuja totalidade
funcional permitiu a maior transformação da Natureza até hoje conhecida
que, em suma, ilustra a capacidade práxica e a adaptação reinante da espécie
humana. A Tonicidade e a Equilibração, que regulam o tônus, as funções de
vigilância, e controle vestibular e postural e a segurança gravitacional
indispensável a qualquer praxia.

A Lateralização, a Noção de Corpo e a Estruturação das informações


tátil-quinestésicas, visuais e auditivas, proprioceptivas e exteroceptivas do
espaço intracorporal e extracorporal, que conferem a sinalização aferente e
eferente fundamentais à melodia práxica. E, por último, a Praxia Global e a
Praxia Fina, que programam e plani cam a sequência das operações
mentais que conduzem a um m e a um resultado determinado.

A logênese e a ontogênese da motricidade humana re etem,


consequentemente, a integração de sistemas funcionais do 1º bloco (tronco
cerebral e cerebelo), em novos níveis de complexidade que se sobrepõem,
diferenciam e hierarquizam nos 2º e 3º blocos (lobos occiptal, parietal,
temporal e frontal), conferindo à praxia, como movimento intencional e vo‐
luntário, o resultado nal de um elevado número de processos cerebrais
(ECCLES), que levaram tempo a integrar em termos logenêticos
(FONSECA), e que levam tempo a organizar em termos ontogenéticos.
(FONSECA)

Se a evolução humana contém uma dinâmica organizativa e funcional


do cérebro, onde ocorrem transições e modi cações, que como acabamos de
ver, tendem a evoluir das estruturas inferiores às superiores, segundo uma
organização vertical ascendente (do 1º ao 3º bloco), e se a evolução está pro‐
gramada para se desintegrar, isto é, involuir das estruturas superiores às
inferiores, segundo uma organização vertical descendente e de sentido con‐
trário, então a retrogênese psicomotora deve seguir uma desmontagem
declinativa do 3º para o 1º bloco, ou seja, a deteriorização da organização
psicomotora vai da Praxia Fina à Tonicidade.

Na busca de uma relação signi cativa entre o modelo neuropsicológico


de Luria e o modelo de organização psicomotora de Fonseca, enquanto o
modelo de estudo da ontogênese psicomotora, tentamos estudar, com a
mesma Bateria Psicomotora (FONSECA), o da retrogênese psicomotora,
procurando veri car se de fato a involução dos subfatores psicomotores vai
do córtex ao tronco cerebral, do mais complexo ao mais simples, do mais
voluntário ao menos automático, da neomotricidade à protomototricidade,
pressupondo, consequentemente, uma (des)organização vertical ascendente.

Independentemente de várias limitações do presente trabalho, como,


por exemplo, a exiguidade da amostra, a falta de controle do variável sexo, a
carência de estudos nesta matéria, a inexistência de medidas padronizadas
etc., esperamos que este trabalho possa estimular no futuro outras
investigações no domínio da psicomotricidade do geronte, pois acreditamos
que, com ele, algumas perspectivas se abrem para a compreensão da
retrogênese psicomotora.
Quadro 15.2

METODOLOGIA

Amostra

No sentido de realizarmos o presente trabalho experimental,


contatamos com Instituições para a terceira idade das cidades de Santarém,
Tomar, Abrantes e Entroncamento, tendo-lhes sido solicitado a autorização
para realizarmos o recolhimento de dados sobre o per l funcional e,
posteriormente, a administração da Bateria Psicomotora (BPM) de Vitor da
Fonseca.

A seleção da amostra tem por base o despiste dos casos que não
ofereciam condições para ser feita a observação psicomotora, tendo sido
utilizada para o efeito a cha de G. Attali (Anexo I).

A cha de Attali, que permite de nir o perfil funcional do geronte com


relativa facilitada, contém uma gura humana com chapéu, e o corpo
dividido em 27 setores, tendo cada espaço um número correspondente a um
item a observar. O item 1 constitui a coerência e o item 27, a validez no
exterior.

Assim, no Chapéu, registram-se os deficits mentais: (1) coerência, (2)


orientação Espaço-Temporal, (3) Inserção Social; na Cara, as funções
sensoriais: (4) vista, (5) ouvido, (6) palavra; no Tronco, as atividades
corporais: (7) higiene da parte superior do corpo, (8) higiene da parte
inferior do corpo, (9) vestir a parte superior do corpo, (10) vestir a parte
média do corpo, (11) vestir a parte inferior do corpo, (12) tipo de
alimentação, (13) ajuda na alimentação, (14) continência urinária, (15)
continência anal; no Membro Superior direito, as atividades domésticas: (16)
manipulação de objetos usuais, (17) preparação das refeições, (18) lida da
casa, (19) comunicação ativa verbal ou escrita; no Membro Superior
Esquerdo, as atividades no exterior: (20) transportes, (21) compras, (22)
visita no exterior, (23) atividade; nos Membros Inferiores as atividades
locomotoras: (24) validez global, (25) validez no interior, (26) ajuda na
validez e, nalmente, (27) validez no exterior.
Figura 15.6

O registro é feito em cada item, deixando o espaço correspondente em


branco, riscando-o com traços (tracejado), ou enchendo a preto, consoante
o nível de realização ou de competência.

Exemplo: - Membro Superior Direito Atividades Domésticas

(16) Manipulação de objetos usuais (verdadeiro ou simulado)

• exemplo: lingueta da porta, ferrolho, interruptor etc.;

• branco: não manipula nada;

• traçado: manipula algum;

• preto: manipula-os todos.

Membros Inferiores

Atividades locomotoras

(25) - validez no anterior


• branco: nunca deixa a cama;

• traçado: na cadeira e/ou na cama sem os deixar;

• preto: movimenta-se em casa ou no exterior da instituição.

O per l da idosa a que se refere o Anexo 2, diz-nos que M.S., de 73


anos em 1983, é cega, parcialmente coerente, ouve mal, não realiza ativida‐
des domésticas, não realiza atividades no exterior. Outras conclusões
poderiam ainda ser tirada, mas tal não é motivo central do nosso estudo
sobre gerontopsicomotricidade.

Por meio da análise das chas aplicadas aos 212 gerontes nos quatro
lares de idosos referenciados, concluímos que na população total de 212
indivíduos:

Figura 15.7
Figura 15.8

1- 48,2% são do sexo femino, 51,8% do sexo masculino;

2- as idades dos indivíduos foram assim distribuídas:

Quadro 15.3
Grupo de idade Número de Indivíduos

40-49 2

50-59 16

60-69 39

70-79 86

80-85 39

> -86 30

3- As percentagens mais elevadas de insucesso na realização de tarefas


situam-se ao nível de algumas atividades domésticas: itens 17(75,5%) e 18
(70%), e de atividades no exterior: 21 (60,9%), 22 (50,5%) e 23 (60%). Só
17,7% são coerentes e 16,8 necessitam de ajuda na validez (veja Anexo 3).

Com base nos dados da cha Attali, selecionamos uma amostra de 47


indivíduos para o nosso trabalho experimental de gerontopsicomotricidade.

A amostra de 47 gerontes (quadro 15.3), selecionados de acordo com a


cha de Attali de uma população de 212 idosos, tomou em consideração in‐
divíduos com um nível funcional adequado, com elevado sucesso nos 27
itens da cha, tendo sido rejeitados casos de de ciência sensorial, mental,
motora ou ortopédica ou outros problemas atípicos de saúde. A amostra
tinha como característica comum, na sua maioria, uma origem rural onde
tinham exercido a sua atividade laboral.

Quadro 15.4 - Composição da amostra


Grupos Idade Nº de Gerontes %

I 60-69 13 27,7

II 70-79 16 34,0

III 80-85 10 21,2

IV > -86 8 17,1

ADMINISTRAÇÃO DA BATERIA PSICOMOTORA

Os idosos foram avaliados individualmente apenas uma vez. A


observação foi efetuada em condições de observação consideradas
adequadas.

A aplicação das provas seguiu rigorosamente a ordem que consta na


cha de registro da observação (FONSECA). As tarefas que constituem a
B.PM. estão subdivididas em sete fatores: Tonicidade (T); Equilibração (E);
Lateralização (L); Noção do Corpo (NC); Estruturação Espaço-Temporal
(EET); Praxia Global (PG); e Praxia Fina (PF).

Figura 15.9

As respostas foram registradas na base de uma escala de pontuação de


quatro níveis, a saber:

Cotação Nível de Cotação

1 ponto realização incompleta, inadequada e descoordenada

2 pontos realização com di culdades de controle

3 pontos realização completa, adequada e controlada

4 pontos realização perfeita e c/facilidades de controle


Quadro 15.5

Com base nesta cotação, cada resposta dos idosos a uma subtarefa da
BPA foi imediatamente registrada, conforme disposição da própria cha de
registro. De acordo com as cotações obtidas nas subtarefas dos sete fatores,
determinou-se a cotação média que foi posteriormente transferida para o
per l da primeira página da cha de registro.

Desta forma, a cotação máxima possível seria de 28 pontos, a mínima


de 7 e a média de 14.

No sentido de se determinar uma cotação de risco e de se diferenciar o


per l psicomotor, utilizamos a tabela de “normalização ideal” também
apresentada por Fonseca.

Figura 15.10
Figura 15.10 - Continuação
Figura 15.10 - Continuação

TRATAMENTO DOS RESULTADOS

Seguindo a mesma metodologia de tratamento dos resultados


utilizados por Fonseca, adaptamos também dois tipos de análise: uma
intragrupal em relação a cada grupo etário, e outra intergrupal em relação
ao conjunto dos quatro grupos.

Na análise intragrupal, calculamos a média (X) e o desvio padrão(s)


dos resultados de cada uma das distribuições correspondentes aos fatores
psicomotores (FPM), para cada um dos grupos.

Determinamos, em segundo lugar, a matriz de correlações entre os sete


FPM, com a aplicação do coe ciente de correlação de Bravais-Pearson.
Posteriormente, e dentro de cada um dos quatro grupos, constituímos
gra camente a rede de correlações mais signi cativas, para valores de p <
0,05.
Na análise intergrupal em relação ao conjunto dos quatro grupos,
elaboramos um quadro, com a indicação das médias dos FPM, obtidas por
cada um dos grupos. A seguir, veri camos a signi cância da diferença das
médias (t de Student), entre o grupo que registrou a média mais baixa e o
grupo que registrou a média mais alta.

Calculamos também a matriz de correlações entre os sete FPM, com


aplicação do coe ciente de correlação de Bravais-Pearson, com a respectiva
rede de correlações mais signi cativas, para valores de p < 0,05.

Quadro 15.6

Finalmente, fomos veri car o comportamento das diferenças das


médias dos FPM, entre os quatro grupos.

VISÃO GERAL DOS RESULTADOS

A análise do quadro geral dos resultados, sugere globalmente a


retrogênese psicomotora.

Este quadro nos permite ter imediatamente uma ideia sumária do


comportamento da amostra em relação à BPM.

Dentro de uma visão global, podemos veri car que se registra uma
evolução nos valores das médias em cada um dos FPM, ou seja, os valores
vão descendo gradualmente do Grupo I (60 a 69 anos) para o Grupo 4
(maior 86 anos), com exceção do fator da Tonicidade no Grupo 3, que apre‐
senta a média mais alta e dos fatores de Estruturação Espaço-Temporal e da
Praxia Global no Grupo 4, cujos valores sobem em relação ao Grupo 3.

Quadro 15.7 - Quadro geral dos resultados

T E L NC EET PG PF

X s X s X s X s X s X s X s

G1 (60-69) 2,26 0,69 2,51 0,80 2,61 0,70 3,20 0,64 2,29 0,84 2,45 0,79 2,44 0,72

G2(70-79) 2,16 0,64 1,85 0,54 2,25 0,75 3,04 0,54 2,08 0,65 2,31 0,74 2,01 0,64

G3(80-85) 2,30 0,80 1,75 0,58 1,93 0,53 2,96 0,53 1,36 0,55 1,63 0,58 1,60 0,74

G4( 86) 2,05 0,70 1,46 0,54 1,75 0,66 2,76 0,57 1,52 0,74 1,61 0,62 1,50 0,56

Para veri car a ordem de di culdade dos FPM (do mais fácil para o
mais difícil), elaboramos um quadro, a partir da média das médias obtidas
por cada um dos grupos, em cada um dos FPM.

Quadro 15.8 - Ordem de di culdade dos FPM (do mais fácil ao mais difícil)
Fatores Psicomotores Blocos de Luria Ordem de Di culdade Média

Noção do corpo (NC) 2º 1º 2,99

Tonicidade (I) 1º 2º 2,19

Lateralização (L) 2º 3º 2,14

Práxia global (PG) 3º 4º 2,00

Equilibração (E) 1º 5º 1,89

Praxia na (PF) 3º 6º 1,89

Estruturação espaço-temporal (EET) 2º 7º 1,81

O quadro 15.8 nos indica que a prova da Noção do Corpo foi a mais
fácil, o que nos permite sugerir que a Noção do Corpo é um dado gnósico
que se renova constantemente. É de notar que a média global deste fator no
geronte é ligeiramente superior à média global dos resultados obtidos com
as crianças, embora esta diferença não seja signi cativa. A Noção do Corpo,
a Tonicidade e a Lateralização aparecem resistir mais aos efeitos do
evelhecimento.

Por outro lado, as provas mais difíceis foram as da Equilibração, da


Praxia Fina e da Estruturação Espaço-Temporal, que, segundo o nosso estu‐
do, parecem desintegrar-se mais rapidamente em termos de retrogênese
psicomotora.

No grá co seguinte, podemos visualizar mais facilmente o


comportamento dos grupos em cada um dos FPM.
Grá co 15.1

Em uma análise detalhada das médias dos fatores psicomotores,


veri ca-se que a Equilibração (1º bloco), a Lateralização e a Noção do Corpo
(2º bloco) e a Praxia Fina (3º bloco), em certa medida, constataram uma
involução e, portanto, parecem sugerir a retrogênese psicomotora, uma vez
que as médias dos resultados decrescem do grupo 1 (6069) ao grupo 4
(maior 86 anos), o que em si consubstancia a nossa hipótese experimental.

A Tonicidade (1º bloco), a Estruturação Espaço-Temporal (2º bloco) e


a Praxia Global (3º bloco) não sugerem a involução, uma vez que o grupo 3
(80 a 85 anos) quebra a tendência de retrogênese psicomotora, apresentando
médias inferiores ao grupo 4 (maior 86 anos) na Estruturação Espaço-
Temporal e na Praxia Global, embora pouco signicativas, ao mesmo tempo
que se constitui como o grupo que melhor realiza as tarefas da Tonicidade.
A exata signi cação desta discrepância não retira ao trabalho a veri cação
da retrogênese psicomotora nos quatro grupos estudados.

ANÁLISE INTRAGRUPAL

Grupo 1 (70 a 69 anos) (N=13)

Este grupo obteve os melhores resultados na prova de Noção do Corpo.


A sua prova menos cotada foi a da Tonicidade.

A soma das médias deste grupo da BPM foi de 17,76, o que lhe confere
um per l psicomotor normal, sendo o grupo que obteve o valor mais alto
neste aspecto.

A média das médias das FPM foi de 2,54.


Grá co 15.2

Neste grá co, podemos observar o comportamento dos resultados de


cada um dos fatores psicomotores, indicando-nos uma evolução dos fatores
do 1º bloco (T e E) para os do 2º bloco (L, NC e EET) e uma ligeira quebra
destes, para os do 3º bloco (PG e PF).

Este grupo apresenta os valores mais elevados da totalidade da amostra,


em todas as provas, com exceção da prova de tonicidade, cujo valor mais
elevado foi obtido pelo Grupo 3.

Quadro 15.9 - Matriz de correlações do Grupo 1 (60-69 anos)


E L NC EEG PG PF

T 0,46 -0,60 0,32 0,24 0,21 0,50

E -0,45 0,25 0,53 0,53 0,76*

L -0,64* -0,42 -0,76* -0,61*

NC 0,58* 0,76* 0,59*

EET 0,67* 0,79*

PG 0,79*

gl=ll(N-2) *r ≥ 0,55 signi cativo para p ≤ 0,05

A correlação mais forte (0,79) veri ca-se entre os resultados das provas
EET e da PF, bem como da PG e da PF.

Foi o grupo que registrou maior número de correlações (7) e o que


registrou também maior número de correlações negativas signi cativas (4).

Grupo 2 (70 a 79) anos (N=16)

A prova de Noção do Corpo foi a mais cotada neste grupo e a menos


cotada foi a Equilibração.

A soma das médias foi de 15,70 (per l psicomotor normal) inferior ao


Grupo 1 e superior aos Grupos 3 e 4.
Figura 15.11 - Rede das correlações mais signi cativas do Grupo 1.

Grá co 15.3

Este grupo obteve resultados inferiores ao Grupo 1 em todas as provas


superiores aos Grupo 3 e 4 em todas as provas. Com exceção da prova de
Tonicidade, cujo valor é menor do que o observado no Grupo 3.

Quadro 15.10 - Matriz de correlação do Grupo 2

E L NC EEG PG PF

T 0,03 -0,39 -0,26 -0,25 0,06 0,48

E 0,27 0,08 0,00 0,12 0,25

L 0,28 0,43 0,15 -0,08

NC 0,24 0,23 -0,15

EET 0,50* -0,05

PG 0,47

gl = 14(N-2) * r ≥ 0,50 signi cativo para p ≤ 0,05

Veri cou-se neste Grupo o menor número de correlações signi cativas.


Houve uma correlação forte entre os resultados das provas de Estruturação
Espaço-Temporal e Praxia Global.
Figura 15.12 - Rede das correlações mais signi cativas do Grupo 2.

Grupo 3 (80 a 85 anos) (N=10)

O Grupo 3 obteve o melhor resultado de todos os grupos, na prova de


Tonicidade. A sua prova mais cotada foi a da Noção do Corpo e a menor
cotada foi a da Estruturação Espaço-Temporal.

A soma das médias foi de 13,53 (Per l Psicomotor ligeiramente em


risco), inferior à soma das médias dos Grupos 1 e 2, mas superior à do
Grupo 4. O valor da média das médias dos FPM foi de 1,92.
Grá co 15.4

Com exceção da prova de Tonicidade (onde este grupo obteve a média


mais alta), todos os outros valores são inferiores aos obtidos pelos Grupos 1
e 2. Por outro lado, os valores das médias de E, L, NC e PF são superiores ao
Grupo 4, sendo, no entanto, a média deste grupo na EET e PG inferior aos
valores observados no Grupo 4.

Quadro 15.11 - Matriz de correlações do Grupo 3

E L NC EEG PG PF

T 0,32 -0,58 0,12 -0,46 -0,08 0,72*

E -0,37 0,61 -0,41 0,01 0,04

L -0,30 0,19 0,17 -0,62

NC -0,13 0,43 -0,06

EET 0,17 -0,54

PG -0,04
gl — 8 (N-2) * r ≥ 0,63 signi cativo para p ≤ 0,05

Veri cou-se neste grupo uma correlação altamente signi cativa


(r=0,72) entre os resultados das provas da Tonicidade e Praxia Fina.

Figura 15.13 - Rede das correlações mais signi cativas do Grupo 3.

Grupo 4 (maior de 86 anos) (N=8)

A melhor prova deste grupo foi a da Noção do Corpo e a pior foi a da


Equilibração.

O valor de 12,65 referente à soma das médias, confere-lhe um per l


psicomotor em risco. A média das médias da FPM foi de 1,81.
Grá co 15.5

Todos os valores obtidos por este grupo são inferiores aos valores dos
Grupos 1 e 2. Em relação ao Grupo 3, o Grupo 4 tem valores mais baixos em
todas as provas com exceção dos valores das provas de Estruturação Espaço-
Temporal.

E L NC EEG PG PF

T 0,60 0,47 -0,43 -0,70 0,65 0,92*

E -0,17 -0,04 -0,29 0,52 0,59

L -0,25 -0,56 -0,25 0,37

NC 0,43 -0,12 0,37

EET 0,00 -0,79*

PG 0,52

gl = 6 (N-2) * t ≥ 0,71 signi cativo pata p ≤ 0,05

O Grupo 4 obteve a correlação negativa mais forte (-0,79 entre EET e


PF) de todos os grupos. Veri ca-se uma correlação altamente signi cativa
entre T e PF.

Figura 15.14

ANÁLISE INTERGRUPAL

A análise intergrupal permite-nos observar as diferenças existentes


entre os vários grupos, ao nível dos resultados em cada um dos sete Fatores
Psicomotores.

Quadro 15.13 - Média dos FPM por grupos


FPM

T E L NC EET PG PF

Grupos

I (60-69) 2,26 2,51 2,61 3,20 2,29 2,45 2,44

II (70-79) 2,16 1,85 2,25 3,04 2,08 2,31 2,01

III (80-85) 2,30 1,75 1,93 2,96 1,36 1,63 1,60

IV ( >86) 2,05 1,48 1,75 2,76 1,52 1,61 1,51

E 8,77 7,57 8,54 11,96 7,25 8,00 7,56

X 2,19 1,89 2,13 2,99 1,81 1,99 1,88

s 0,31 0,62 0,57 0,40 0,62 0,62 0,61

No quadro 15.13, podemos observar que o grupo 1 (60 a 69 anos)


obteve as médias mais elevadas em todas as provas da BPM, com exceção da
prova da Tonicidade, onde a média mais elevada foi obtida pelo Grupo 3 (80
a 85 anos).

O Grupo 4 (maior 86 anos) obteve as médias mais baixas em todas as


provas, com exceção das provas de Estruturação Espaço-Temporal e Praxia
Global. O quadro seguinte (quadro 4) nos dá uma visão mais evidente das
médias mais altas e das médias mais baixas, obtidas pelos respectivos
grupos.
Veri cou-se, portanto, uma diminuição de resultados das provas do
grupo dos menos idosos (Grupo 1), para o grupo dos mais idosos (Grupo
4).

No quadro 15.15, podemos observar mais especi camente este aspecto.

Quadro 15.14 - Médias mais altas e médias mais baixas de cada um FPM
(valores não signi cativos)

FPM Média mais baixa Média mais alta Diferença Hierarquia Valores t

Tonicidade Grupo 4 Grupo 3 0,25 7º 0,2193

Equilibração Grupo 4 Grupo 1 1,05 1º 0,9813

Lateralização Grupo 4 Grupo 1 0,86 4º 0,7747

Noção do corpo Grupo 4 Grupo 1 0,44 6o 0,3055

Estr. espaço-tempo Grupo 3 Grupo 1 0,93 3o 1,0568

Praxia global Grupo 4 Grupo 1 0,84 5o 0,8854

Praxia na Grupo 4 Grupo 1 0,94 2o 0,9029

Quadro 15.15 - Comportamento das diferenças das médias dos FPM,


entre os Grupos
Grupo 1 Grupo 2 Grupo 3 Grupo 4
FPM Blocos de Luria
60-69 70-79 80-85 maior de 86

Tonicidade 1º bloco desce 0,10 sobe 0,14 desce 0,25

Equilibração 1º bloco desce 0,66 desce 0,10 desce 0,29

Lateralização 2o bloco desce 0,36 desce 0,32 desce 0,18

Noção do corpo 2o bloco desce 0,10 desce 0,08 desce 0,20

Estr. espaço-temporal 2o bloco desce 0,21 desce 0,72 sobe 0,16

Praxia global 3o bloco desce 0,14 desce 0,68 sobe 0,01

Praxia na 3o bloco desce 0,43 desce 0,51 desce 0,10

Analisando os dois quadros (quadros 15.15 e 15.6), veri camos que as


provas de Tonicidade, Noção do Corpo e Praxia Global, são as menos
discriminativas em termos da idade. Se compararmos com os resultados
obtidos nas crianças, veri camos também que as provas da Tonicidade e
Noção do Corpo são as menos discriminativas, pois é menor a diferença
entre a média mais baixa e a média mais alta. Contrariamente, as provas
mais discriminativas nos gerontes foram as da Praxia Fina, Estruturação, o
que tem certas semelhanças com os resultados observados nas crianças,
pois, as provas de Estruturação Espaço-Temporal e Praxia Fina foram
também as mais discriminativas.

Quadro 15.16 - Matriz de correlações intergrupos


E L NC EEG PG PF

T 0,60 0,48 0,68 0,11 0,24 0,40

E 0,96* 0,95* 0,80 0,83 0,95*

L 0,96* 0,92 0,95* 0,99*

NC 0,80 0,87 0,93

EET 0,98* 0,95*

PG 0,95*

As correlações mais signi cativas veri caram-se entre E-L; entre ENC e
E-PF; entre L- NC, L-PG e L-PF; entre EET-PG e EET-PF; e entre PG-PF,
demonstrando que existe uma acentuada associação e interação entre os
vários Fatores Psicomotores.
Figura 15.15 - Rede de correlações mais signi cattvas.

Todos os fatores estão correlacionados entre si, com exceção da


Tonicidade que não se correlaciona com nenhum dos outros.

DISCUSSÃO

A análise dos dados, independentemente de se tratar de um estudo


transversal, suporta com alguma evidência a retrogênese psicomotora.

Ao contrário do estudo feito na criança (FONSECA), a retrogênese


psicomotora parece re etir uma organização funcional dos fatores
psicomotores inversa no geronte. Enquanto na criança se observou uma
evolução da Tonicidade à Praxia Fina, isto é, do 1º bloco ao 3º bloco,
segundo A. R. Luria, no geronte, a involução veri cada ocorre no sentido
inverso, da Praxia Fina à tonicidade, portanto, do 3º ao 1º bloco funcional,
de acordo com o modelo de organização funcional do cérebro, proposto por
aquele autor.

O presente estudo sugere que a organização vertical e a hierarquia


estrutural dos vários blocos funcionais do cérebro, que caracterizam a
logênese e a ontogênese da psicomotricidade, invertem de sentido, quando
abordados em termos de retrogênese.

A retrogênese psicomotora parece assim con rmar a involução


geneticamente programada, do córtex à medula, dos lobos frontais ao
tronco cerebral, do mais complexo ao mais simples, do mais programado ao
mais re exo, do mais no ao mais global, do mais seletivo ao mais difuso,
pressupondo uma desintegração da hierarquia estrutural e,
consequentemente, uma (des)organização vertical descendente.

A análise intergrupal das correlações entre cada um dos fatores


psicomotores estudados mostra que eles se encontram signi cativamente
correlacionados com exceção da Tonicidade (T), o que se compreende, uma
vez que, como primeiro fator de organização psicomotora evolutiva,
também leva mais tempo a desintegrar-se como último fator psicomotor de
desorganização involutiva, embora se reconheça que se registram alterações
neste fato na terceira idade, nomeadamente os que se relacionam com o
debilitamento da extensibilidade, a rigidez paratônica apendicular e a
desa nação dos mecanismos de reaferência e vigilância proprioceptiva. A
Tonicidade, base do edifício psicomotor, decresce do grupo 1 para o grupo 4,
no entanto, sobe do grupo 2 para o grupo 3, sendo este grupo o que obteve a
média mais alta. Embora não correlacionada com outros fatores e não
relacionada com a involução, a Tonicidade é progressivamente afetada com o
avançar dos anos, de onde evoluem desmodulações tônicas, mioclônicas,
crispações focais, movimentos pseudocoreifornies proximais e distais, que
parecem anunciar os pronúncios da desagregação psicomotora.

O estudo dos fatores psicomotores no geronte está de acordo com os


modelos evolutivos de Luria, Wallon, Piaget, Dolmam e Delacato etc.,
quando dialeticamente abordados em termos de involução.

Com base na gura do cérebro na qual se diferenciam funcionalmente


os três blocos funcionais e os fatores psicomotores, com as suas respectivas
correlações, os dados encontrados revelam não só a organização funcional
do cérebro mas também a interação funcional dos fatores psicomotores
estudados no geronte.

Figura 15.16

Os dados indicam que a organização psicomotora engloba os três


blocos funcionais. Como assegura Luria, o movimento intencional põe em
jogo os três blocos ou unidades funcionais, conforme evocam as correlações
signi cativas entre a Equilibração (E) e a Lateralização (L), a Noção do
Corpo (NC) e a Praxia Fina (PF), parecendo reforçar a importância
funcional do cerebelo na integração postural bilateral e na organização do
movimento voluntário no geronte, con rmando a relevância dos circuitos
de reverberação corticocerebelosos apontados por Allen e Tsukahara 74, e
que, no fundo, suportam o modelo organizacional de Luria, ou seja, a
intrínseca interdependência e interação entre os três blocos funcionais. A
desintegração postural, que obviamente tende a ocorrer no geronte, pode
comprometer toda a organização psicomotora, nomeadamente na elabo‐
ração e programação das práxias. Não é por acaso que o geronte apresenta
di culdades em iniciar a marcha, evocando lentidão e hipervigilância, de
onde emergem re exos posturais e desajustamentos e de dis(inibição) que
provavelmente implicam alterações nos gânglios da base do cérebro e no
cerebelo e, possivelmente, um declínio gradual dos fatores psicomotores.

A correlação entre a Equilibração e dos dois fatores do 2º bloco, como


Lateralização e a Noção do Corpo parecem querer revelar que a integração
bilateral e intracorporal e a integração gnósica do corpo interatuam
funcionalmente com o sistema postural. No geronte, consequentemente,
qualquer disfunção cerebelosa parece interferir com as aferências
proprioceptivas da lateralidade e da somatognosia, da qual poderão resultar
também problemas de programação de movimentos, uma vez que os
somatogramas são difusamente evocados. As assomatognosias são
frequentemente apontadas como disfunções psíquicas superiores no
geronte, talvez porque as suas alterações de equilibração sugiram
perturbações na convergência polissensorial, onde se combinam múltiplos
in uxos vestibulares, proprioceptivos e quinestésicos. As perturbações viso-
espaciais e viso-perceptivas podem decorrer também da desintegração
postural, à qual se podem associar, ainda, problemas de integração do Eu,
tão paradigmáticas no geronte.

A correlação entre Equilibração e a Noção do Corpo põe em relevo a


importância dos dados gnósicos na integração proprioceptivo-postural,
também essencial para a programação das praxias, razão porque surgem
assomatognosias, apractognosias e síndromes de Gerstmann nos idosos,
sugerindo uma espécie de delapidação somatognósica da postura com o
avançar da idade. A recepção, a análise e o armazenamento da informação
tátil-quinestésica parecem diminuir e desa nar, embora lentamente, como
atestam os resultados obtidos, uma vez que a Noção do Corpo foi como
fator psicomotor, o que apresentou média mais elevada em todos os grupos
estudados. A autoimagem sensorial interior parece resistir mais à in uência
da idade, embora se identi quem progressivas perdas de localização tátil e
na respectiva identi cação intermodal e linguística, evocando um
progressivo esvaziamento semiótico da imagem do corpo.
O tônus cortical e o postural interligados, durante a vida adulta,
tendem a dessincronizar-se com a idade, daí, talvez, também resulte uma ex‐
plicação sobre a dispraxia na característica de muitos casos de senilidade a
que não serão estranhas as disfunções viso-perceptivas concomitantes, bem
como as possíveis alterações ao nível de estruturas subtalâmicas e
mensencefálicas. O triângulo postura-visão-mão é uma (re)coordenação
sistêmica que está na base da organização psicomotora, daí a correlação
entre a Equilibração e a Praxia Fina.

A correlação de Equilibração com a Praxia Fina parece revelar a


imprescindível comunicação entre os lobos frontais e o cerebelo para a
realização da micromotricidade, demonstrando que o controle postural é
vital a qualquer forma de coordenação. Os movimentos distais põem em
jogo uma complexa regulação do cerebelo lateral (ECCLES), chamado
neocerebelo, por essa razão, os gerontes desaprendem tarefas micromotoras,
em razão das alterações dos movimentos sequenciais e terminais nos que
tendem cada vez a ser mais trêmulos, inseguros e assinergéticos. O tônus
cortical e o postural, interligados durante a vida adulta, tendem a
dessincronizar-se com a idade.

Essa correlação entre a Equilibração e a Praxia Fina pode também estar


associada às alterações estruturais que se sabe ocorrerem no cérebro.

Scaff e colaboradores evocam que o peso médio do cérebro diminui 5%


aos 70 anos e cerca de 20% aos 90 anos, sendo a atro a predominante nos
lobos frontais, isto é, no 3º bloco de Luria que integra, em termos de
organização psicomotora, a Praxia Fina.

A correlação veri cada entre a Lateralização e os fatores psicomotores,


da Noção do Corpo da Praxia Global e Fina, parece demonstrar que há algo
de funcional subjacente na retrogênese psicomotora e na integração bilateral
do corpo, parecendo indicar que a dinâmica do processo cortical na
retrogênese psicomotora também compreende uma cooperação interativa
entre vários fatores psicomotores.
A integração bilateral e postural do corpo é peculiar no ser humano,
pois dela decorre a preferência manual, a orientação simbólica e a especia‐
lização hemisférica, além de estar implicitamente relacionada com a
utilização dos instrumentos, por isso não é de estranhar o grau de
concordância da Lateralização com os fatores somatognósicos e práxicos:
porque, objetivamente, têm de participar dinamicamente na plani cação
motora e na melodia cinestésica.

As correlações da Estruturação Espaço-Temporal com ambas as Praxias


retratam o papel da sinalização aferente do movimento intencional que
mediatizam as funções espaciais (que dependem de funções parietal-
occipitais) e as funções sequenciais (que constituem a melodia cinética), sem
as quais as praxias redundam em movimentos dismétricos e
disincronizados. Como o espaço e o tempo correspondem à gênese da inteli‐
gência (PIAGET), é provável que em termos de retrogênese psicomotora, a
estruturação temporal seja deteriorada em primeiro lugar em relação à
estruturação espacial. Esta estruturação, que, por sua vez, é monitorizada
pelas informações tátilquinestésicas, tem tendência a ser afetada pela
Equilibração, visto que a segurança graustacional vai perdendo a sua
estabilidade postural. Sem uma noção espaço-temporal estável, as dispraxias
ideomotoras desencadeiam-se para além de tal disfunção psiconeurológica e
podem interferir com outras funções mentais complexas, como, por
exemplo, problemas de retenção, estados confusionais, desorientação
temporal, indiferença amnésica, lentidão, problemas topográ cos ou de
localização de rotas etc.

A capacidade para estruturar e organizar o espaço é essencial para


qualquer programação e execução práxica, uma vez que o espaço constitui o
imenso continente da motricidade. Por isso, algumas características
predominantes nos idosos interferem com a desintegração espaço-temporal,
que, por sua vez, se re ete em perturbações perceptivas cognitivas e
psicomotoras (BIRREN, EYSENCK e JARVIK), que talvez suportem mo‐
di cações difusas do cérebro, características da idade avançada, pelo menos
visíveis e óbvias, nas demências corticais (ALZHEIMER), subcorticais
(HUNTINGTON, PARKINSON etc.), e axiais (WERNICKE-KORSAKOFF,
segundo JOYNT e SHOULSON).
Por último, a correlação entre Praxia Global e Praxia Fina re ete a
organização funcional intrínseca do 3º bloco, isto é, dos lobos frontais que
parecem estar sujeitos a alterações estruturais no geronte, por isso, o
processo da involução tem aqui a sua origem, como observamos nos
resultados deste estudo. Se, de acordo com Eccles e Roland, a área
suplementar motora (ASM), localizada no 3º bloco, assume um grande papel
na programação das praxias (planificação motora), e segundo Luria, é o
centro de atenção voluntária que permite a formação, a antecipação, a
regulação e a veri cação das condutas, então, a involução ou a retrogênese,
tem algo a ver com esta área, ou seja, é o ponto de partida da delapidação
psicomotora, que consubstancia a (des)organização vertical descendente dos
fatores psicomotores, isto é, a involução que decorre da Praxia Fina à
Tonicidade, conforme se veri cou no presente estudo.

A delapidação psicomotora parece subentender uma involução, segundo


o nosso estudo, da neomotricidade (psicomotricidade) à paleomotricidade,
desta à arqueomotricidade e, nalmente, à protomotricidade, sugerindo
uma retrogênese psicomotora.

As tarefas motoras sequenciais, a micromotricidade, a perícia manual,


de onde decorre a própria Antropogênese, tende a desintegrar-se progres‐
sivamente no geronte, não só quanto à diminuição das aquisições de
preensibilidade, oponibilidade, convergência, divergência sinérgica mas
também quanto à disfunção da coordenação dos movimentos dos olhos
durante a xação da atenção na manipulação dos objetos. A progressiva
perda de mobilidade independente dos dedos e a perda de dissociação
metacarpo-falângica, além da desintegração sensorial, interferem
naturalmente em uma lenta e diminuída criação práxica no geronte, ponto
de partida da retrogênese psicomotora, ao qual se seguem os restantes
fatores psicomotores.

A interação e a comunicação entre o cérebro e o corpo e o centro e a


periferia, que na ontogênese subentende uma evolução que visa à síntese e à
unidade psicomotora, desintegra-se na retrogênese, subentendendo,
consequentemente, uma involução que tende a desintegrar os processos
neurológicos que orientam, regulam e coordenam a neomotricidade. Isto é,
a síntese psicomotora, que tende a relacionar intenções com ações, noções
com operações, pensamentos com movimentos, começa a delapidar-se
progressivamente conforme ilustra o presente trabalho.

Na criança, os fatores psicomotores encontram-se inter-relacionados de


acordo com uma organização vertical ascendente, da Tonicidade (tronco
cerebral, 1º bloco), à Praxia Fina (lobos frontais, 3º bloco).

No geronte, os fatores psicomotores, por meio das correlações encontradas


na análise intergrupal, apontam uma desorganização vertical descendente da
Praxia Fina (lobos frontais 3º bloco) para a tonicidade (tronco cerebral 1º
bloco), contrastando, pois, com o observado na criança, ilustrando o con‐
ceito de retrogênese psicomotora e con rmando que, no geronte, a
delapidação da organização funcional da psicomotricidade se inicia do 3º
bloco e culmina no 1º bloco, suportando o modelo de Luria e tantos outros
autores, nomeadamente Wallon e Ajuriaguerra, uma vez que se veri ca no
geronte a perda progressiva das aquisições exteroceptivas, posteriormente as
proprioceptivas e, por último, as interoceptivas.

Sendo a média do 3º bloco (Praxia Global e Praxia Fina) a mais baixa, e


veri cando-se correlações signi cativas entre todos os outros fatores
psicomotores, com exceção da Tonicidade, este fato e os dados restantes no
seu conjunto parecem sustentar o conceito da retrogênese psicomotora,
além de con rmarem a coerência dinâmica do modelo de organização
funcional do cérebro proposto por Luria, como podemos observar nos
grá cos comparativos da evolução dos fatores psicomotores na criança e da
involução no geronte.

As mudanças regressivas no geronte estudadas por Birren e Schaie,


Finch e Hay ick, Brody e Howard, Klein e Michel revelam mudanças estru‐
turais e funcionais, que não podem ser encaradas como doença, mas como
processos adaptativos que, no geronte, interferem como o comportamento e,
naturalmente, com a organização psicomotora.

O nosso estudo, veri cando uma retrogênese e uma delapidação, não se


afasta dos dados veri cados por aqueles investigadores. Independentemente
de uma amostra reduzida e de várias imprecisões metodológicas, no nosso
estudo, contém uma informação potencial que está na linha de muitos
trabalhos que apontam uma dissolução orgânica (Oppenheim) e uma
deterioração global que ocorre inevitavelmente no geronte, embora em tem‐
po e formas diferentes, variando de indivíduo para indivíduo e de cultura
para cultura, pois os mecanismos regulativos epigenéticos entram em ativi‐
dade no último ciclo da vida, desencadeando uma espécie de
desenvolvimento e de involução, algo semelhante, mas inverso ao processo
embriológico.

O cérebro tem a sua juventude e a organização psicomotora o seu


período crítico de desenvolvimento, culminando em uma síntese que
convém prolongar em termos de longevidade. A retenção dessa síntese
psicomotora é decisiva para contrariar a tendência bradicinética do geronte,
razão pela qual se devem instituir programas de reabilitação psicomotora
nos lares da terceira idade.

O nosso estudo sugere que se devem criar programas e currículos


psicomotores para gerontes (gerontopsicomotricidade) no sentido de con‐
trariar a retrogênese psicomotora, a tardomotricidade, a vagorisidade
motora, o embaçamento cognitivo e o ensurdecimento psíquico, que ca‐
racterizam a fase terminal da vida de uma pessoa. Métodos de relaxação,
formas dinâmicas de estimulação vestibular e proprioceptiva, exploração de
situações estáticas e dinâmicas de equilibração, atividade lúdica de ativação
global, de atenção, de observação e de memória, atividades de integração
somatognósica e de simbolização e semiotização do corpo, explorações viso-
motoras, sequencializadas espacial e ritmicamente, exploração de atividades
de verbalização e de programação, situações de elaboração práxica etc., de‐
vem ser implementadas cotidianamente na ocupação dos gerontes.

Ativar pela psicomotricidade os neurônios corticais, preservando as


características de um cérebro funcional, pode ser essencial para prevenir o
envelhecimento, pois, dessa forma, podemos ampliar a qualidade de vida e
perpetuar a criatividade e a motivação vital de muitos gerontes.
Figura 15.17 - Blocos e FPM na criança e no geronte

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(In)Conclusão

Tentei nesta simples abordagem bioantropológica e psicobiológica


situar a posição única e original do desenvolvimento humano, naturalmente
inter-relacionada, dialética e harmoniosamente, com o desenvolvimento de
tudo o que o cerca.

O Homem Sapiente (como nos designamos) é compreensível à luz das


suas limitações e disponibilidades, ditadas pela sua natureza
anatômicofuncional, e esta, por sua vez, passa a ser mais compreensível à luz
do seu passado, isto é, à luz da História Natural, como tentei demonstrar.

A Evolução, como vimos, envolve uma multiplicidade de criações


inexplicáveis. Longe de mim, tentar arriscar uma explicação inequívoca; essa
será a missão inconclusa dos especialistas. Quis apenas ilustrar, quase
sempre de uma forma elementar, que a Evolução equivale à produção de
adaptações anatômico-funcionais por adequações às diferentes
circunstâncias dos diferentes envolvimentos. Adaptações que resultaram de
processos ativos e de reações elementares e complexas, desencadeadas em
todas as espécies, segundo o nosso ponto de vista, pela ação da motricidade
(ação da ação).

Da origem da vida à origem das espécies, veri cam-se combinações


geradoras de implicações entre signi cações (PIAGET). De fato, as
transformações evolutivas, ao operarem-se em estruturas adptativas
preexistentes, implicam modi cações morfológicas, libertações anatômicas e
aquisições funcionais, que se veri cam em todos os organismos vivos. Trata-
se de uma “força motora” da evolução, que, acumulando e rearranjando
modi cações morfológicas ao longo de gerações, vai originar processos
evolutivos, tendo por base as transformações genéticas susceptíveis de
transmissão aos futuros descendentes.

Os peixes arrastam-se pela terra rme; os répteis expandiram-se por


outros espaços, incluindo o espaço aéreo; os mamíferos desenvolveram-se
em diversos ambientes, incluindo as árvores; os primatas tornaram-se aptos
a avaliarem distâncias e a coordenar movimentos complexos; os hominídeos
tornaram-se gregários, engenhosos, inventivos e comunicativos depois de
dominarem as aquisições antigravíticas de postura ereta. Embora com signi‐
cativas omissões, obviamente inevitáveis, a minha abordagem pretendeu,
fundamentalmente, proporcionar alguns subsídios para a percepção da
continuidade da Natureza, e para a percepção da continuidade da maturação
do sistema nervoso e da motricidade da criança.

É impossível condensar 3.000 milhões de anos da História Natural em


uma obra que apenas procura alicerçar, em termos antropológicos, uma
certa perspectiva logenética e ontogenética da motricidade e do
desenvolvimento humano.

O Homem é um elemento do puzzle (quebra-cabeça), coerente e total,


da manifestação de Vida no nosso planeta. Uma certa genética do acaso, um
mecanismo de conservações e transformações, mutações aleatórias,
inúmeras modi cações evolutivas, uma dialética genético-morfológica e as
complexas interações organismo-meio promoveram o sentido afetivo e di‐
nâmico da Evolução.

No animal, a autolocomoção, ou melhor, a motricidade, aliada a uma


fecundação intrassomática e a um sistema nervoso plástico, permitiu a
edi cação de comportamentos cada vez mais complexos, até atingir a
espécie humana.

É ao comportamento, como ação exercida sobre o meio, que se deve a


Evolução. A Evolução é uma ação. Uma ação da evolução e uma evolução da
ação. Foi dentro dessa dialética, constantemente renovada em novos
“reforços completivos” (PIAGET), que o cérebro se modi cou e estruturou
na base de combinatórias de comportamentos elementares e de
comportamentos complexos.

O comportamento, como motricidade adaptativa, exige a informação


detalhada do meio. Sem esta informação, a ação não se ajusta às suas cir‐
cunstâncias. A motricidade, em termos evolutivos, é uma ação nalizada no
meio, é uma ação com objetivos interiores e exteriores. Daqui resultam
progressivas libertações anatômicas que se registram do peixe ao Homem,
libertações geradoras de modi cações funcionais operadas no sistema
nervoso, do recém-nascido ao adulto.

Isto quer dizer que as ações (comportamentos) geram novas libertações


anatômicas, novas morfogêneses, novas organogêneses, novas
sistemogêneses e novos cérebros, do protocórtex ao neocórtex, da
protomotricidade (re exos) à neomotricidade (re exos e plani cação da
ação), isto é, a ação e a motricidade originam a psicomotricidade e a
sociomotricidade para depois a elas se submeterem, materializando as
incomensuráveis combinações cognitivas. A motricidade sem cognição é
possível, mas a cognitividade sem motricidade não. A motricidade é vicária
(vicarious behavior) da cognitividade, quer em termos de evolução da
espécie humana, quer em termos de evolução da criança.

Da bactéria ao Homem, um denominador comum ressalta — a


autoiniciação do movimento. Os deslocamentos ativos, ou seja, os
deslocamentos de um corpo no espaço, implicam sistemas de ação dirigidos
e controlados, sistemas que visam em cada animal superar-se a si próprio
sem cessar, assegurando, dessa forma, o principal mecanismo motor da
Evolução. Há, portanto, uma lógica na motricidade animal e,
consequentemente, uma lógica dos órgãos e uma lógica da Evolução.

A motricidade animal contém em si uma lógica, uma sintaxe e uma


história. A imprescindibilidade da motricidade na conservação das espécies
é óbvia, visto que a nutrição daquelas só é possível com a disposição para a
ação inerente a todos os animais.
A motricidade como tentamos perspectivar é um sistema regulador
melhorado no decurso da logênese, na medida em que materializa a trans‐
formação de estruturas anatômicas e de estruturas funcionais. Quanto mais
complexa é a motricidade, mais complexo é o mecanismo que a planifica,
regula, elabora e executa. A motricidade conduz a esquemas de ação
sensório-motores, por sua vez transformados em padrões de
comportamentos cada vez mais versáteis e disponíveis.

A logênese da motricidade é uma sequência de motricidades


construtivas.

O cérebro de cada animal é o espelho da sua motricidade, da sua ação


sobre o meio. A cada animal, um cérebro e uma motricidade concomitantes.
Motricidade simples, combinada com motricidade complexa, gera novos
programas e supraprogramas de realização sucessiva sobre o meio. A
motricidade retrata, em termos de ação, os produtos e os processos
funcionais criadores de novas ações sobre ações anteriores.

Em termos piagetianos, o comportamento re ete as ações de caráter


teleonômico, visando utilizar ou transformar o meio, ou ainda modi car a
situação do organismo em relação a ele próprio.

A motricidade envolve, consequentemente, sistemas de ação que


permitem outra exploração e alargamento do meio, além de implicar o
crescimento dos poderes do organismo, fatores esses mobilizadores da
melhoria funcional e do progresso do comportamento, como re exo de uma
organização aperfeiçoada que vai do protozoário ao primata, e deste ao
Homem, e da criança ao adulto, surgindo deste ao gerante em sentido
inverso, ou seja, uma involução. Na terceira idade, a motricidade, em um
momento, que varia de indivíduo para indivíduo, iniciará o processo de sua
dilapidação, dando origem a um desenvolvimento; primeiro, dos padrões
ontogenéticos mais complexos, depois dos padrões logenéticos mais
simples e vitais.

A logênese da motricidade fornece-nos os dados necessários para


compreendermos como ela implicou libertações anatômicas, que, por sua
vez, introduziram libertações cerebrais.As respostas rápidas a modi cações
bruscas produzidas pela motricidade geraram orientações mais complexas e
observações do envolvimento mais dirigidas e controladas, relações essas
que estiveram na base da hierarquia da sobrevivência, ou seja, das relações
entre predadores e presas.

O desenvolvimento da motricidade está equiparado ao


desenvolvimento dos sentidos em todos os animais vertebrados. Trata-se de
um postulado da logênese e da ontogênese da motricidade. O
desenvolvimento dos sentidos a distância — telerreceptores e dos sentidos
proximais — proprioceptores, está intimamente associado à expansão dos
hemisférios e à reorganização do cerebelo. Tais implicações dependem,
apenas, de diferentes graus de especialização adaptativa a diferentes meios.

Como tentei fundamentar, no cérebro dos animais, estão mais


representados os segmentos corporais que têm maior número de
complexidade de relações e interações com o meio. A boca nos herbívoros, a
pata em alguns carnívoros e a mão dos primatas são efetivamente as
estruturas da motricidade que maior número de neurônios reguladores
mantêm no córtex daqueles animais. Quanto mais dissociada for a
motricidade das extremidades, mais complexa é também a reorganização
dos circuitos nervosos correspondentes.

Da simetria radial dos primeiros invertebrados à simetria bilateral dos


primeiros vertebrados, não se veri ca apenas uma maior elaboração esque‐
lética; veri ca-se, em convergência, uma maior diferenciação de condutas e
de ações sobre o meio.

Do sedentarismo ao nomadismo, dão-se só transformações


morfoesqueléticas, como transformações cerebrais e comportamentais. Os
movimentos representam condutas, e estas representam a coordenação de
órgãos e, consequentemente, o surgimento de novas atividades nervosas.

Em suma, a motricidade tem progressos solidários com a corticalidade.


A motricidade exige membros articulados, estes exigem músculos. Por sua
vez, os músculos para serem inervados exigem neurônios, neurônios que
obviamente consubstanciam uma certa estrutura e organização do sistema
nervoso.

O progresso dos comportamentos em termos logenéticos e


ontogenéticos é sinônimo do progresso da motricidade, quer no animal,
quer inclusivamente no Homem.

Os deslocamentos no meio (isto é, a motricidade) levam a uma


sequência e a uma hierarquia de aperfeiçoamentos neurológicos e
morfológicos. Primeiro, os morfológicos, depois os neurológicos, sempre em
uma inter-relação dialética, plástica e reduplicativa.

Nas diversas etapas da logênese da motricidade, a gravidade vai sendo


sempre contrariada. Depois da sua compensação na água por meio da
impulsão e desde que os peixes levantaram a cabeça das águas, a gravidade
não mais deixou de constituir um obstáculo e um problema à motricidade.
A superação da gravidade impõe-se aos répteis e, cada vez mais, aos
quadrúpedes, mas ela é desa ada permanentemente com a vida nas árvores.
Nas árvores, o domínio da gravidade representa uma questão de vida ou de
morte.

A adaptação arborial representa uma grande etapa da logênese da


motricidade. Para Piaget, não há equivalente biológico ao nível do mundo
vegetal que se aproxime das tendências adaptativas provocadas pela
motricidade arborial. Desde a especialização preensiva das extremidades
dos membros, ao desenvolvimento de receptores tátilcinestésicos, passando
pela visão estereoscópica (relação entre espaço ótico-exterior e espaço
cinestésico-interior), pela integração intrassensorial e intersensorial, pela
hipertro a hemisférica, até ao alargamento do cérebro e ao aperfeiçoamento
dos sistemas de organização motora (piramidal-ideocinético e
extrapiramidal teleocinético), quase tudo se deveu e deve à motricidade.

Não é por ocaso que o cérebro dos primatas e do Homem registra o


maior número de conexões entre os centros de comando motor e o sistema
de detectores de movimento da visão. A coordenação da informação, dada
por tantas fontes dinâmicas, confere ao cérebro novas faculdades de controle
e de regulação motora, que serão a chave do sucesso para novas
aprendizagens.

Pela motricidade utilizadora, exploratória, inventiva e construtiva, o


Homem e a criança, humanizando, isto é, socializando o movimento,
adquiriram o conhecimento.

A unidade dialética da ação sobre o meio e sobre os objetos promoveu


a interiorização dos mesmos e, simultaneamente, a sua manipulação e
transformação simbólica.

A motricidade é, por consequência, um produto da logênese.


Qualquer movimento como conduta surge como uma resposta a uma situa‐
ção a resolver, quer decorrente de condições exteriores (fuga, perseguição
etc.), quer de condições interiores (sede, fome etc.). Para cada uma dessas
situações, coloca-se um determinado número de nalidades e iniciativas que
vão solicitar uma motricidade da experiência anterior (presente) e uma
motricidade programática da ação que irá se desenrolar (futuro). Vários
processos de inibição e de facilitação terão de se operar no cérebro para que
a motricidade surja autorregulada e adaptada às circunstâncias.

Perante a situação exterior, em qualquer animal, e também no Homem


e na criança, o cérebro, muito antes de decidir o programa motor da
conduta, terá de resolver várias questões: quando deve iniciar um
movimento, qual a velocidade de execução do mesmo, qual a postura ou
posturas mais adequadas à situação etc. A situação exterior pede um certo
tipo de motricidade que terá de ser comparada com a motricidade
realmente conseguida. É por meio destas sínteses de conduta que a
motricidade se foi complicando e simpli cando pela logênese e se vai
integrando ao longo da ontogênese.

A motricidade inteligente do Homem Sapiente é realizada como uma


conduta e é determinada direta ou indiretamente pela situação exterior
como um todo. É neste processo que se baseia a ação e a coordenação das
ações, isto é, a própria aprendizagem humana.
A motricidade animal e humana constitui uma síntese cerebral, visto
que reúne em si um conjunto de acontecimentos neurológicos que a
orientam, regulam e coordenam. Ações e “intenções” aglutinam-se de uma
forma particular e harmoniosa em todas as espécies até chegar ao Homem.

No Homo Sapiens e na criança, a origem do pensamento põe em jogo


uma antecipação do movimento. A antecipação do m a atingir leva a uma
plani cação e sequência de condutas previamente estabelecidas no cérebro
antes de serem materializadas pela motricidade. A invenção de ferramentas
arti ciais permitiu à espécie humana a re exão da sua relação com o mundo
exterior.

Com base na logênese da motricidade, sugiro que a ação, por um lado


(aspecto motor), e a coordenação, por outro lado (aspecto psíquico),
constituem os alicerces do diálogo funcional que gerou e gera a
Hominização.

Em resumo, o desenvolvimento do cérebro é em razão do


desenvolvimento da motricidade, é o resultado da sua transcendência.

De fato, procurei “demonstrar” que os órgãos humanos nunca se


desenvolveram independentemente da motricidade e dos comportamentos
que esta permite. A motricidade possui um dinamismo próprio e uma lógica
interna que têm signi cado no seu caráter intrinsecamente adaptativo.

Para clari car a relação entre a motricidade e o comportamento,


aproveito a distinção entre comportamento e ação em Max Weber, pois nela
podemos distinguir as atividades animais e as do Homem.

Segundo aquele autor, se se descreve o que os animais e as pessoas


fazem, sem se saber das suas razões subjetivas para o fazer, nós estamos
falando acerca do comportamento. Se se estudam os aspectos subjetivos do
que se fez, as razões e as ideias subjacentes e orientadoras da ação, então,
estamos falando de significação. Se estamos estudando o que as pessoas
zeram (ou não zeram), bem como as razões para o fazerem (ou não
fazerem), quando as relacionam com o mundo da signi cação e da
compreensão, então, estamos falando de ação.
Foi dentro deste contexto semântico que quis abordar a logênese e a
ontogênese da motricidade. Quanto mais estudamos a motricidade animal
( logênese), mais compreenderemos a motricidade humana. Pretendo
defender que aquela não pode car reduzida a uma série de explicações
mecânicas ou automáticas. A motricidade é, de fato, o produto de processos
evolutivos da logênese e da ontogênese.

Tentei repensar a motricidade em uma abordagem bioantropológica e


psicobiológica. Motricidade como parte vital do sistema que fez e faz o ser
humano. Fui apenas tributário do meu ponto de vista, que visou a uma
aproximação sobre as origens do Homem, sem ter a vertigem ou a veleidade
da verdade absoluta que jamais atingirei.

As espécies vão no sentido de uma via de aperfeiçoamento contínuo de


estruturas e de condutas, que são o suporte da motricidade, e esta, o motor
da Evolução, quer em termos logenéticos, quer ontogenéticos.

Não podemos, efetivamente, separar a abordagem bioantropológica da


ogênese da motricidade, da psicobiológica da ontogênese da motricidade.
Subsiste nelas uma unidade indivisível.

A logênese e a ontogênese da motricidade completam-se em termos


de desenvolvimento humano; há entre ambas uma unidade totalizadora e
sistêmica, uma interdependência e uma hierarquia, uma autorregulação e
um intercâmbio, um equilíbrio e uma equi nalidade.

Neste livro, tentei demonstrar que a ontogênese da motricidade não se


encontra dissociada da logênese da motricidade, ao mesmo tempo em que
procurei apresentar uma perspectiva do desenvolvimento da criança.
Apresentei uma síntese, em alguns aspectos não tão profunda como desejava
e evoquei implicações da ontogênese da motricidade, lançando recursos
originais à Antropologia, à Genética, à Embriologia e à Neonatologia. Um
esforço multidisciplinar nunca é alcançado na sua totalidade. A minha
abordagem dinâmica é dialética e, por isso, apresenta altos e baixos, fatos e
contradições, generalizações e simplismos, que necessitam ser re nados e
alterados em outros trabalhos futuros. Estou consciente do grande esforço a
desenvolver para compreender a dialética da ontogênese, como nos ensinou
Wallon, pois nela está contida a razão de ser da maturação neurobiológica e
neuropsicológica da integração social da criança.

Não posso responder na íntegra a um problema tão complexo como o


desenvolvimento neuropsicológico da criança. Trata-se de um projeto que
levará anos de pesquisa e de re exão. O meu trabalho, resultante de uma
combinação de estudos e de experiências, não pode ser uma resposta nal e
completa às questões do desenvolvimento humano. Estamos em um
caminho que tem como primeiro marco a logênese e a ontogênese da
motricidade, pontos de partida da gênese da consciência.

Recorremos à Embriologia que, em si própria, fundamenta a


ontogênese pré-natal e pósnatal, analisando a pré-re exogênese e a pré-
sistemogênese, axiomas fundamentais das condutas do recém-nascido.
Posteriormente, salientamos o estudo da motricidade e a sua importância no
desenvolvimento psicobiológico da criança, complementado com um estudo
do comportamento humano. A gênese do psiquismo, com base na
motricidade e na tonicidade, compreendeu outro enfoque, além do estudo
neurobiológico da função tônica no controle da postura bípede e na
plani cação e execução dos movimentos ideacionais. Culminamos com um
estudo do desenvolvimento postural e do desenvolvimento da preensão,
mais diferenciados com o auxílio de uma dezena de Escalas de
Desenvolvimento que sistematizaram e materializaram pedagogicamente a
ontogênese da motricidade humana.

Nesta parte, de característica prático-pedagógico, apresentamos escalas


de desenvolvimento de variáveis motoras, sensório-motoras, perceptivo-
motoras e psicomotoras, de aplicação clínicopedagógica e, não
necessariamente, psicométrica, de interesse para o ensino geral e especial e
igualmente para o ensino pré-primário, visto que pretende cobrir a evolução
que decorre do nascimento aos cinco anos de idade.

Comecei pelo princípio, tentando um dado concreto do


desenvolvimento humano — a hierarquização da motricidade; ou melhor,
na linguagem de Leontiev, tentei discriminar o desenvolvimento motor
como um processo de apropriação da experiência social.

Não me limitei a estudar a motricidade na criança; optei por justi cá-la


e fundamentá-la como processo humanizado e socializado. A criança entra
no mundo objetivo criado pelos homens por meio da sua progressiva
autonomia motora, meio crucial de exploração do envolvimento e meio
imprescindível da consciencialização progressiva. O desenvolvimento da
motricidade tem a sua origem na logênese. A ontogênese da motricidade
recapitula, em grande velocidade, a logênese da motricidade. Esta é a visão
totalizante e generalizante da vida e da evolução, que não pode ser
equacionada apenas em dados biológicos. A interpretação parcelar de uma
motricidade explicada exclusivamente em termos biológicos (ou
neurobiológicos) é reducionista e apresenta perigos. Não podemos dissociar
na criança a motricidade da socialização. Não há, pura e simplesmente, uma
autocriação motora. A motricidade humana é o resultado da experiência
acumulada pela Humanidade ao longo da sua história social. Não se trata
propriamente de um desenvolvimento motor por um lado e um desen‐
volvimento psíquico por outro. O que se veri ca em termos humanos é a
maturação da criança dentro de um mundo humano. Só a partir daqui,
podemos enquadrar uma motricidade que faz parte de uma unidade e de
uma personalidade em desenvolvimento descontínuo. A motricidade não é
“impessoal”; ela se transforma, através da história social, na consciência
concreta e criadora. É a ela que devemos as obras da Civilização.

É óbvio que não defendemos um novo “messianismo”. A motricidade,


enquanto materialização da consciência, é uma ação exterior operante e
transformadora e, por isso, constitui um fator predominante da maturação
do sistema nervoso e da aprendizagem social. Ela não explica tudo. A ati‐
vidade motora não é exclusivamente consciente. É preciso entendê-la nos
seus limites e nas suas implicações. Até o momento do domínio da lin‐
guagem falada, a motricidade, em perfeita harmonia com a emoção, é o
meio privilegiado de exploração multissensorial e de adaptação ao
envolvimento. A partir da aquisição da linguagem, o movimento
compreende a regulação das intenções e a concretização das ideias.
Queremos alertar que não defendemos a atividade motora em si, nem
como uma condição orgânica ou anatômico- siológica. A nossa re exão
pretende colocar a motricidade como processo de evolução psíquica e como
processo de apropriação social. O movimento na criança não é um meio
isolado de adaptação, mas sim um elemento do todo que constitui a sua
expressão humana em desenvolvimento, como resultado da sua integração
social progressiva. Por outras palavras, a ontogênese da motricidade é o
corolário de suas heranças — a biológica e a social.

As etapas da sociabilidade não são senão etapas da motricidade, uma


motricidade como expressão de uma linguagem incorporalizada, con‐
quistada socialmente pela experiência da Humanidade. Só na medida em
que a motricidade se socializa é que se pode entender a objetividade da sua
ontogênese.

O ato motor na criança depende do meio social (WALLON), isto é, da


motricidade dos adultos. Aliás, como todos, os adultos já foram crianças,
mesmo que não se lembrem. Só podemos entender esta relação recíproca
exatamente porque a motricidade humana é própria da sua evolução social
— explica-se em termos biossociais.

O desenvolvimento da criança só é possível pela mediatização do


adulto. Só dentro de um processo de comunicação, primeiro afetiva e
motora e depois emocional e verbal, é que podemos entender o
desenvolvimento global da criança. O adulto é quem guia inteligivelmente a
mão, a voz e as atitudes da criança. A ontogênese da motricidade só é
possível em termos humanos, exatamente porque é um dado da Civilização
construído e conservado pela experiência de gerações precedentes. O adulto
constrói assim a ontogênese da motricidade na criança. As condutas do
adulto (na família, principalmente) são a segurança do crescimento e do
desenvolvimento da criança.

A criança, como tentei demonstrar, não nasce com a sua motricidade


prestes a realizar funções ideacionais. Até que se adquira a motricidade
ideacional, muitos outros aspectos do desenvolvimento se vão integrar
dialeticamente. O movimento, por meio dos seus efeitos multissensoriais,
vai garantir processos de associação intrassensorial e intersensorial que se
operam pela mielinização. Daqui, podemos justi car a maturação postural e
a maturação perceptiva viso-auditiva e tátil-cinestésica, condições estas
indispensáveis ao desenvolvimento da linguagem — instrumento intelectual
por excelência e instrumento social por essência. A linguagem representa
uma aquisição social em estreita dependência com a motricidade, ela
emerge dela, nomeadamente no que encerra o dinamismo do jogo e da
imitação. Da compreensão das situações à maturação das conexões
linguísticas, passa-se uma integração tele-encefálica da ação e do
movimento.

A aquisição da linguagem sobrepõe-se à motricidade no seu sentido


sensório-motor-explícito, porém a linguagem compreende a signi cação da
experiência histórico-social.

A partir desta ontogênese e por meio da ativação de fenômenos


exteriores, proporcionados pelos outros, a criança vai evoluindo para uma
experiência individual própria, cuja repetição e cujo reforço vão permitir
novas associações condicionadas que se re etem em um desenvolvimento
perceptivo-motor e, mais tarde, em um desenvolvimento cognitivo.

À ação exterior (aspecto motor), corresponde uma ação interior


(aspecto sensorial: auditivo, visual, vestibular e tátil-cinestésico). Tais ações
no mundo exterior re etem-se no cérebro, sendo primeiro confusas e,
posteriormente, signi cativas, por meio da objetividade social da
linguagem.

O ato transforma o pensamento, o gesto transforma a palavra e o corpo


transforma a consciência.

Temos aqui a explosão mental da ontogênese da motricidade. A ação


dinamizada pelos objetos exteriores e socializados garante a formação das
noções, dos conceitos e dos conhecimentos. A ação motora ou prática tem
como produto uma ação mental ou teórica, que só pode subsistir pela
linguagem. As ações com os objetos contrapõem-se, em termos
ontogenéticos, às ações com as palavras.
A ação, como resultado da aprendizagem, passa a ser transposta para
um plano mental, exatamente o mesmo que se passa do Homo Habilis ao
Homo Sapiens. O movimento é a origem do pensamento, como podemos ver
no quadro seguinte que resume o desenvolvimento biopsicossocial da
criança:

Por meio da minha contribuição, procurei defender que a Psicologia


não é uma ciência abstrata do Homem (RIBOT). A hierarquia das condutas,
que iniciada puramente em uma dimensão biológica (atos re exos),
organiza-se e molda-se pela ação sociológica (tendências racionais e ex‐
perimentais). Como Ajuriaguerra evoca, “as necessidades do organismo e as
exigências sociais são os dois polos entre os quais se desenrola o
desenvolvimento do ser humano”. Parafraseando Wallon e na mesma linha
de conteúdo, “a criança é um ser biológico e é um ser social. É uma só e a
mesma pessoa”.

Foi objetivamente neste enquadramento dialético e biossocial, que


situei conceitualmente a logênese e a ontogênese da motricidade.

A autoestruturação cerebral (input) que compreende o


desenvolvimento da criança é a consequência da motricidade, meio de
expressão concreto e meio de exploração dinâmico (output).
Esquema
O movimento, como meio de exploração motora, permite a
apropriação das qualidades dos objetos do real de onde surge a signi cação,
a conservação e a organização da informação cerebral.

A ontogênese da motricidade compreende a diferenciação do sentido


cinestésico que implicará, em termos de maturação, todos os processos de
integração intersensorial. Por simples rotação ou aproximação de um objeto,
provocadas pela mão, a visão adquire informações diferentes quanto à forma
e quanto ao tamanho do mesmo. Kephart demonstrou-nos que a
informação intersensorial do ser humano é tanto mais signi cativa quanto
mais cinestésica, isto é, quanto maior relação tiver com a experiência prática
e motora. O movimento não pode continuar a ser (e para muitos teóricos o
é) o lho pobre do comportamento humano.

A percepção e a ação não se reduzem uma à outra. Uma é o corolário


da outra. Entre ambas, estabelecem-se conexões neurológicas de retroação
(feedback) que justi cam a categorização psicomotora, indispensável a todas
as formas de aprendizagem e comportamento. A impressão perceptiva do
mundo exterior, em termos neurológicos, só é signi cativa a partir do
momento em que é possível manipulá-lo e explorá-lo tátil-cinestesicamente,
como provam as investigações em crianças que nascem cegas e que
adquirem mais tarde a visão por intervenção cirúrgica. (VON SENDEN)

Estas aproximações que acabamos de rever, além de outras do domínio


da Neuropsicologia (ECCLES, LINDSLEY, SPERRY e outros), vão superar
certamente no futuro o impasse do dualismo.

Para mim, não há oposição possível entre o psiquismo e o motor. O que


se passa fundamentalmente não é uma dicotomia nem uma identidade. Não
basta reforçar a teoria de Descartes, segundo a qual o indivíduo se compõe
de um corpo (res extensa) e de um espírito (res cogitans). O fascínio deste
problema que tem marcado o pensamento ocidental permanece por
esclarecer, na medida em que também não se pode desprezar o psíquico e
explicá-lo apenas pela motricidade (ou pior ainda, pelas suas causas
siológicas ou mecânicas). O positivismo cartesiano não pode defender uma
certeza baseada em tudo o que é mensurável. A realidade do psíquico não
pode ser palpável na motricidade. O conhecimento do psíquico não pode
ser limitado ao conhecimento do motor. A psicologia não pode desintegrar-
se a si própria pela sua redução ao motor ou ao siológico. Não queremos
alimentar este dogma. O corpo não pode continuar a ser considerado como
realidade palpável e o psíquico como não-realidade. O psíquico não pode
permanecer objetivo pura e simplesmente, quando explicado em termos
siológicos. Para mostrar os limites destes problemas, queremos apenas
recorrer a Jessoy que utiliza o exemplo seguinte:

“Duas pessoas que se cruzam cumprimentam-se com um gesto da mão.


O siológico pode, na sua linguagem especí ca, transmitir o que se passou
falando de “uma alteração da posição do braço”; de “uma modi cação do
tônus muscular”; de “relação metabólica”; de “repartição do sangue” e de
“reatividade neural”. Nada exprime o signi cado social e a intenção
psicológica implicada no ato do cumprimento.”

Não podemos, atualmente, defender a verdade dogmática, de


supervalorizar o aspecto psíquico em relação ao aspecto motor ou vice-
versa, pois, caso contrário, corremos o perigo de perdermos o nosso espírito
crítico e dialético. Não podemos substituir um dualismo por outro de
sentido contrário (pseudodualismo).

A grande di culdade é perceber o monismo que reconhece dois tipos


de realidade: a consciência e a realidade ou a existência de todo o resto. E
esta realidade, segundo Eccles, é relativa. Mas, negar a realidade do mundo
interior (consciência) equivale a rejeitar tudo o que nos é dado pela nossa
existência. É nesta dimensão que nos procuramos situar, projetando-nos
para a unidade psicossomática do indivíduo e do seu desenvolvimento, da
sua logênese e ontogênese totais.

Procuramos integrar fatores que justi cam a ontogênese funcional do


ser humano. Não esgotamos o assunto, estamos mesmo muito longe. Do
nosso ponto de vista, não basta interpretar a dinâmica da evolução e as suas
variantes, como vemos de maneiras diferentes em Wallon e Freud. Não é
su ciente também partir da biologia para descrever por estágios da
organização do conhecimento, como vemos em Piaget e nos etologistas. As
escalas de desenvolvimento surgem-nos como observações inevitavelmente
dependentes de um ponto de vista particular, como em Gesell. O
preformismo não nos satisfaz por deixar de lado os fatores do envolvimento,
como se veri ca em Mussen. A ótica de um miniadulto (MONTESSORI e
RORSCHACH) também não é dialética nem nos ajuda a esclarecer a
problemática do desenvolvimento da criança.

A compreensão e a organização da profundidade dos afetos e da


epigênese da identi cação, as bases emocionais, motoras e sociais e a lógica
do desenvolvimento intelectual são essenciais para a compreensão da
criança. Só assim superaremos as contradições entre o psíquico e o motor.
Apenas dentro de uma dialética de: maturação-integração; genótipo-
fenótipo; vegetativo-mental; anatônico-funcional; motor-psíquico e
logêneseontogênese, podemos compreender a logênese e a ontogênese da
motricidade.

O processo de desenvolvimento e de reumanização da criança põe em


jogo uma evolução maturativa e relacional. Desde socius de Baldwin,
passando pelo alter de Wallon e o attachment de Bowlby, até ao holding de
Winnicott e o contato de Harlow, tiramos uma lição: o social é fundamental
ao desenvolvimento biológico.

A evolução que decorre da informação (estimulação, segurança,


con ança, contato e autonomia) à formação (maturação, jogo, imitação, lin‐
guagem e aprendizagem) até a transformação (condutas sociais, linguagem
falada, motricidade e identidade) é a mesma que se explica em termos
histórico-social.

Com este ensaio, nalizamos a perspectiva que empreendemos desde o


início, isto é, tentar apresentar uma dimensão do desenvolvimento humano
onde a logênese não se opusesse à ontogênese, ou melhor, onde o
desenvolvimento da criança representasse a recapitulação acelerada da
Evolução.

Tentar demonstrar que a metamorfose da criança é o espelho da


história Natural do Homem foi o propósito e a intenção que quis concretizar
ao longo deste trabalho.

Assim como não é possível compreender o Homem e a sua sociedade


sem ter em conta a sua Evolução, também não é possível separar na criança
o seu ser biológico e o seu ser social, ou melhor, a sua motricidade da sua
psicomotricidade. A sincronização adaptativa entre a logênese e a
ontogênese torna o estudo do desenvolvimento humano uma história dentro
de outra história.

Consciente da limitação das duas abordagens, aqui deixo uma


mensagem inconclusa que aposta na unidade da vida, na unidade do
Homem e na unidade da sua motricidade em evolução.

Em resumo, não podemos conhecer a Psicologia da criança sem


conhecer a Psicologia do adulto que participa na sua evolução. Estamos cada
vez mais próximos de Woodworth que nos diz: “A crianca é o pai do
homem”. Aqui está implicitamente a verdade da Civilização Humana. A
futura civilização será constituída pelo cérebro e pela mão das crianças de
hoje — esta é a repetição dinâmica da evolução da Humanidade.

Concluindo, a metamorfose da criança é o espelho da História Natural e


Social do Homem...
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