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ORGANIZADORES

GUILHERME BARROSO L. DE FREITAS


GRACE TOMAL
Cardiologia: Teoria e Prática

Edição II

Organizadores
Guilherme Barroso L. De Freitas
Grace Tomal

2021
2021 by Editora Pasteur
Copyright © Editora Pasteur

Editor Chefe:

Dr Guilherme Barroso Langoni de Freitas

Corpo Editorial:

Dr. Alaércio Aparecido de Oliveira Dr Guilherme Barroso L de Freitas


Dra. Aldenora Maria X Rodrigues Dra. Hanan Khaled Sleiman
Bruna Milla Kaminski MSc. Juliane Cristina de A Paganini
Dr. Daniel Brustolin Ludwig Dr. Lucas Villas Boas Hoelz
Dr. Durinézio José de Almeida MSc. Lyslian Joelma Alves Moreira
Dr. Everton Dias D’Andréa Dra. Márcia Astrês Fernandes
Dr. Fábio Solon Tajra Dr. Otávio Luiz Gusso Maioli
Francisco Tiago dos S Silva Júnior Dr. Paulo Alex Bezerra Sales
Dra. Gabriela Dantas Carvalho MSc. Raul Sousa Andreza
Dr. Geison Eduardo Cambri Dra. Teresa Leal
MSc. Guilherme Augusto G. Martins

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Editora Pasteur, PR, Brasil)

FR862c FREITAS, Guilherme Barroso Langoni de.


Cardiologia: Teoria e Prática
/ Guilherme Barroso Langoni de Freitas - Irati: Pasteur, 2021.
1 livro digital; 323 p.; ed. II; il.

Modo de acesso: Internet


ISBN 978-65-867-0083-1
https://doi.org/10.29327/552791
1. Medicina 2. Cardiologia 3. Ciências da Saúde
I. Título.

CDD 610
CDU 601/618
PREFÁCIO

Este livro traz trabalhos sobre um dos sistemas


vitais para nossa vida, responsável pelas
principais incidências de mortalidade e
morbidades, o sistema cardiovascular. Ele possui
o coração como ator principal, caracterizado por
batidas e frequências graciosamente rítmicas
para distribuir sangue e oxigênio a todos os
outros órgãos e manter a pressão arterial,
filtração glomerular e tantas outras tarefas vitais.
Até o final de 1800 a cirurgia cardíaca era algo
impensado, entretanto, os avanços da ciência
médica permitiu o advento de tratamentos
eficientes, cirurgias minuciosamente realizadas
de forma presencial e até remota, políticas
públicas eficazes para prevenção, controle e
tratamento das doenças cardiovasculares.
Muitos estudantes, profissionais da área e
pesquisadores tornaram este livro possível.
Portanto, a Editora Pasteur deixa aqui o seu
muito obrigado a todos e deseja uma ótima
leitura nesta coletânea de estudos sobre o campo
da Cardiologia.
SUMÁRIO
Capítulo 1

ASSOCIAÇÃO ENTRE ALTERAÇÃO FENOTÍPICA E CELULAR NA INSUFICIÊNCIA


CARDÍACA – Revisão de Literatura .........................................................................................................1

Capítulo 2

ANÁLISE DA PERSISTÊNCIA DE HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA NA ETNIA


NEGRA ..........................................................................................................................................................7

Capítulo 3

ALTERAÇÕES ENDOTELIAIS DA PRESSÃO ARTERIAL E TRATAMENTOS ......................17

Capítulo 4

CARDIOMIOPATIA DE TAKOTSUBO SECUNDÁRIA A ACIDENTE VASCULAR


ENCEFÁLICO ISQUÊMICO: UM RELATO DE CASO ....................................................................29

Capítulo 5

HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA PRIMÁRIA: ABORDAGEM GERAL DO


TRATAMENTO MEDICAMENTOSO ..................................................................................................34

Capítulo 6

A INSUFICIÊNCIA CARDÍACA E O USO DE ESTIMULANTES À BASE DE CAFEÍNA E


TAURINA EM PESSOAS SAUDÁVEIS ...............................................................................................51

Capítulo 7

ANGIOPLASTIA NO TRATAMENTO DA SÍNDROME CORONARIANA AGUDA ................58

Capítulo 8

A INSUFICIÊNCIA CARDÍACA E SUAS PECULIARIDADES EM RELAÇÃO À


CARDIOLOGIA .........................................................................................................................................66

Capítulo 9

ENDOCARDITE INFECCIOSA: UMA REVISÃO NARRATIVA ...................................................75

Capítulo 10

CARDIOMIOPATIA DE TAKOTSUBO ...............................................................................................87


SUMÁRIO
Capítulo 11

DIAGNÓSTICO DE SOPRO CARDÍACO NA CONSULTA PEDIÁTRICA DA ATENÇÃO


PRIMÁRIA ................................................................................................................................................102

Capítulo 12

ATUALIZAÇÕES SOBRE O MANEJO DO CHOQUE CARDIOGÊNICO ..................................115

Capítulo 13

MAIORES CAUSAS PARA A NECESSIDADE DA COLOCÇÃO DE STENT ..........................129

Capítulo 14

CARDIOVERSÃO ELÉTRICA NO TRATAMENTO DAS TAQUIARRITMIAS: UMA


REVISÃO INTEGRATIVA DO PROTOCOLO MÉDICO ...............................................................137

Capítulo 15

ANÁLISE EPIDEMIOLÓGICA DO RISCO DE MORTE SÚBITA EM ........................................147

Capítulo 16

MANEJO PÓS PARADA CARDÍACA E PREVENÇÃO DE DESFECHOS NEGATIVOS: O QUE


FALAM OS ESTUDOS MAIS RECENTES ........................................................................................154

Capítulo 17

FEBRE REUMÁTICA: UMA REVISÃO NARRATIVA ..................................................................163

Capítulo 18

ABORDAGEM CLÍNICO-EPIDEMIOLÓGICA DA HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA


.....................................................................................................................................................................172

Capítulo 19

INFARTO AGUDO DO MIOCÁRDIO NA GESTAÇÃO: PREVENÇÃO, DIAGNÓSTICO E


MANEJO ADEQUADO ..........................................................................................................................185

Capítulo 20

O IMPACTO DA PANDEMIA NA OFERTA DE SERVIÇOS EM SAÚDE VOLTADOS A


HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA .........................................................................................192
SUMÁRIO
Capítulo 21

O IMPACTO DA PANDEMIA CAUSADA POR SARS-CoV-2 NOS TRANSPLANTES


CARDÍACOS. ...........................................................................................................................................200

Capítulo 22

PREVALÊNCIA DE CARDIOPATIAS CONGÊNITAS NAS SÍNDROMES GENÉTICAS .....209

Capítulo 23

HIPERTENSÃO ARTERIAL RESISTENTE: UMA REVISÃO DE LITERATURA ...................226

Capítulo 24

SÍNDROME DE TAKOTSUBO: UMA RESPOSTA DO SISTEMA NERVOSO SIMPÁTICO AO


ESTRESSE.................................................................................................................................................231

Capítulo 25

INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS E NÃO MEDICAMENTOSAS NO USO DE


ANTICOAGULANTES ANTAGONISTAS DE VITAMINA K ......................................................243

Capítulo 26

IMPACTO DA PANDEMIA DE COVID-19 NO TRANSPLANTE CARDÍACO NO BRASIL E


EM MINAS GERAIS ...............................................................................................................................250

Capítulo 27

SMARTWATCHES E SAÚDE CARDIOVASCULAR: VANTAGENS E DESAFIOS ..............259

Capítulo 28

ADESÃO TERAPÊUTICA DE PACIENTES HIPERTENSOS: LIMITES E POSSIBILIDADES


DE ATUAÇÃO DO ENFERMEIRO .....................................................................................................267

Capítulo 29

IMPLANTE TRANSCATETER DE VALVA AÓRTICA (TAVI) COMO TRATAMENTO PARA


ESTENOSE AÓRTICA ...........................................................................................................................284

Capítulo 30

A VARIABILIDADE DA FREQUÊNCIA CARDÍACAE SUA RELAÇÃO COM O RISCO DE


DOENÇAS CARDIOVASCULARES...................................................................................................295
SUMÁRIO
Capítulo 31

A PREVALÊNCIA DO ANEURISMA DE AORTA ASSOCIADO AO PROCESSO DE


ENVELHECIMENTO DA POPULAÇÃO BRASILEIRA ................................................................307

Capítulo 32

FEBRE REUMÁTICA .................................................................................................................. 311


Capítulo 1

ASSOCIAÇÃO ENTRE
ALTERAÇÃO FENOTÍPICA E
CELULAR NA INSUFICIÊNCIA
CARDÍACA – REVISÃO DE
LITERATURA

ANA LUÍSA ZINATO DE CARVALHO1


MARIAH SILVA DUARTE1
SOFIA FERREIRA PENA QUADROS1
THAÍS OLIVEIRA MEIRELES1
1
Discente – Medicina no Centro Universitário de Belo Horizonte – UNIBH, Brasil.

Palavras-chave:
Hipertensão Arterial; Insuficiencia Cardíaca; Cardiomiopatia.

1
INTRODUÇÃO nismos serão ativados, como o sistema nervoso
simpático, porém essa resposta pode potenci-
A insuficiência cardíaca (IC) é uma patolo- alizar o estresse. Como consequência posterior,
gia na qual ocorre a falência ou a incapacidade o músculo cardíaco hipertrofiado tem seu rela-
no que diz respeito a ejeção adequada de sangue xamento reduzido e a rigidez dos ventrículos
para a realização das funções vitais do orga- aumentada, levando a disfunção diastólica, com
nismo. Existem inúmeras causas para que essa enchimento prejudicado e, em fases mais avan-
capacidade de bombeamento seja reduzida, çadas, leva a disfunção sistólica (MALIK;
dentre elas, a principal é a disfunção da contra- BRITO; CHHABRA, 2020).
tilidade do miocárdio - músculo estriado cardí- Sendo assim, a insuficiência cardíaca é uma
aco - mas ainda pode ocorrer por lesões de doença grave com potencial para reduzir a
valvas cardíacas, pressão externa em torno do perfusão no organismo, além de ser a causa de
coração, deficiência de vitamina B, doença grande número de internações e óbitos. So-
muscular cardíaca primária ou quaisquer causas mando-se a isso, por ter como etiologia doenças
que tornam o coração enfraquecido (GUYTON; que são prevalentes e crescentes na população,
HALL, 2011). A IC é um problema de saúde na como hipertensão, obesidade, diabetes mellitus
população mundial que acomete cerca de 23 e doença arterial coronariana , a IC tem grande
milhões de pessoas no mundo (FREITAS; número de novos casos (MALIK; BRITO;
CIRIN, 2017), em que 50% dos casos evolui CHHABRA, 2020).
para óbito em até 5 anos após o diagnóstico Diante disso, o objetivo do presente estudo
(MALIK; BRITO; CHHABRA, 2020). é discutir as alterações fenotípicas e celulares
O coração é um órgão muscular especiali- que podem estar presentes na insuficiência
zado que funciona como uma bomba de ejeção, cardíaca, demonstrando as mudanças ocorridas
composto por fibras estriadas excitáveis, que a nível celular com o decorrer do desenvolvi-
possuem contração rítmica e involuntária, dis- mento da doença.
postas em sincícios, que tem o intuito de manter
a contração harmônica e independente entre das MÉTODO
câmaras atrial e ventricular. No entanto, o es-
tresse crônico ocasionado por algumas pato- Com base na finalidade do estudo, para
logias, como a hipertensão arterial sistêmica produção de uma revisão de literatura descri-
(HAS) que está presente em 75% dos pacientes tiva, foram utilizados artigos renomados dentro
com insuficiência cardíaca, segundo a 7ª do tema de insuficiência cardíaca e alterações
Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial, anatômicas e sistematicas no coração, dispo-
prejudica o seu funcionamento fisiológico, ao níveis na plataforma PubMed, publicados entre
tornar sua contratibilidade insuficiente. Em o período de 2015 a 2020, utilizando os seguin-
uma tentativa de compensação, o miocárdio tes descritores: “Heart Failure”, “Pulmonary
sofre remodelamento, no qual o músculo car- edema”, “Hypertension”, “Pathology”, “His-
díaco inicia processos de hipertrofia concên- tology”, “Preserved ejection fraction” e “Phy-
trica, apoptose, reparo e deposição de colágeno, siopathology”. A busca bibliográfica resultou
resultando na redução do débito cardíaco e da em 43 artigos na base de dados do PubMed,
pressão arterial (PA). Com isso, em uma sendo selecionados para contribuir com o
tentativa de reverter o quadro, outros meca- presente estudo 4 artigos, em língua inglesa.

2
Além de outros 2 artigos em língua portuguesa, Porém, esse aumento na espessura da parede
que foram encontrados pela base de dados causa aumento da demanda sanguínea, ao passo
Scielo. Ainda foram realizadas pesquisas em que dificulta a chegada de sangue para todas as
livros acadêmicos e diretrizes brasileiras, todos células (que se encontram aumentadas e mais
devidamente citados nas referências, que auxi- afastadas), o que resulta na morte celular isquê-
liaram o presente artigo. mica de alguns cardiomiócitos com substituição
por tecido cicatricial. Até o momento, o coração
RESULTADOS E DISCUSSÃO ainda consegue manter sua função, caracteri-
zando a fase compensada da cardiopatia. Entre-
As alterações celulares decorrentes do es-
tanto, a persistência da origem do problema,
tresse crônico ocasionado pela hipertensão
leva a fase descompensada. Nesse momento,
arterial sistêmica (HAS) levam a alterações
com a contração do ventrículo esquerda já
sequenciais de acordo com a progressão da
prejudicada, o sangue passa a se acumular na
doença interferindo fenotipicamente na fisio-
câmara, dilatando-a, com consequente hiper-
logia cardíaca do paciente. Inicialmente, a HAS
trofia excêntrica. Portanto, a sequências de alte-
causa maior resistência para ejeção ventricular,
rações celulares, levam às alterações fenotí-
que passará a exercer mais força, consequen-
picas características da cardiopatia dilatada
temente, hipertrofia sua camada muscular.
com fração de ejeção reduzida (Figura 1.1).

Figura 1.1 Fluxograma das alterações resultantes da IC

O coração, fisiologicamente, é composto adas, com miofibrilas típicas e com filamentos


por camadas musculares especializadas que de actina e miosina, que se dispõem lado a lado
são: o músculo atrial, o músculo ventricular e e deslizam uma sobre a outra durante a con-
as fibras condutoras e excitatórias. A contração tração. Já os discos intercalares cruzam as fibras
cardíaca ocorre de maneira involuntária e miocárdicas funcionando como uma membrana
rítmica, na qual as fibras excitatórias apresen- celular, separando uma fibra muscular da outra,
tam descargas elétricas rítmicas automáticas, na além de permitir a formação de junções comu-
forma de potencial de ação, compondo um sis- nicantes, que proporcionam uma difusão rápida
tema excitatório. Essa camada muscular, deno- e eficaz do potencial de ação. Dessa forma, o
minada miocárdio, é composta por fibras estri- miocárdio forma um sincício de células mus-
3
culares cardíacas interconectadas, sendo o cora- a primeira manifestação cardíaca é o enchi-
ção composto por dois sincícios, o atrial – pare- mento ventricular prejudicado, caracterís-tico
de dos átrios - e o ventricular - parede dos da disfunção diastólica, na qual a pressão de
ventrículos, separados por uma barreira fibrosa. enchimento final do VE está elevada (MO-
Essa arquitetura cardíaca permite a contração RAIS; CASTILLO, 2014). Devido a essas alte-
independente das câmaras atrial e ventricular, rações celulares, o relaxamento ventricular se
através do sistema de condução átrio-ventri- encontra prejudicado e há um aumento da
cular (A-V) (GUYTON; HALL, 2011). rigidez, o que, consequentemente, reduz o dé-
Contudo, a morfologia e funcionalidade do bito cardíaco. Por conseguinte, há queda da PA,
coração podem ser alterados por algumas pato- o que gera uma resposta neuro-humoral, na qual
logias, como a hipertensão arterial sistêmica, há redução do estiramento de barorreceptores -
sendo essa a causa mais comum de disfunção localizados nas carótidas - diminuindo os po-
diastólica associada a insuficiência cardíaca tenciais de ação, estimulando a ativação do
com fração de ejeção preservada (ICFEP). A sistema nervoso simpático. Ao passo que o
HAS é uma doença crônica que a longo prazo sistema renal, em resposta, ativa o sistema re-
pode evoluir para insuficiência cardíaca, le- nina- angiotensina-aldosterona. No qual ambos
vando ao aumento da pós-carga, na qual o promovem a vasoconstrição e aumento da fre-
coração precisará fazer mais força para ejetar o quência cardíaca (MALIK; BRITO; CHHA-
sangue. Essa sobrecarga da pressão leva ao BRA, 2020).
aumento da contratilidade e da pressão na Sabe-se que a capacidade de hipertrofia do
parede do coração, lesionando os cardiomióci- coração, assim como os outros mecanismos
tos que iniciarão um processo de remodela- compensatórios são limitados. Nessa fase, pode
mento, em uma tentativa de atender a demanda ocorrer distúrbios de irrigação do miocárdio,
do organismo - manter a perfusão (BRASI- pois a hipertrofia leva ao aumento de estruturas
LEIRO FILHO, 2016). Como consequência, celulares, como o núcleo, o número de ribos-
pode haver hipertrofia do ventrículo esquerdo somos e de mitocôndrias, aumentando o meta-
(VE) e insuficiência cardíaca congestiva (ICC). bolismo e a demanda celular. Em detrimento
Essa hipertrofia faz com que a demanda de oxi- dessas células aumentadas, o aporte sanguíneo
gênio e a pressão diastólica final do ventrículo insuficiente deixa algumas hipotrofiadas, po-
esquerdo estejam aumentadas, enquanto a com- dendo causar substituição por tecido cicatricial.
placência diminuída (GILL; GOLDSTEIN, Então, a persistência do problema leva a dila-
2020). tação da cavidade do ventrículo e sobrecarga do
Com o avanço da doença, o processo de volume diastólico, característico da fase des-
remodelamento subsequente ocorre com o au- compensada, (BRASILEIRO FILHO, 2016).
mento do volume das células musculares cardí- Em virtude das alterações celulares, surgem
acas, ou seja, hipertrofia concêntrica, na qual há evidências características da insuficiência car-
espessamento da parede ventricular e deposição díaca, como a hipertrofia excêntrica, na qual há
de tecido cicatricial. Entretanto, a cavidade do aumento da massa cardíaca e do volume da
coração ainda continua mantida ou levemente câmara, com hipertrofia miocitária e perda de
diminuída, característico da cardiopatia hiper- miofibrilas, fibrose e com modificações nucle-
tensiva na fase compensada (BRASILEIRO ares e mitocondriais (JEFFERIES et al., 2017).
FILHO, 2016). Com o desenvolvimento da IC, Como efeito, há a evolução para o quadro de

4
cardiopatia dilatada com fração de ejeção redu- CONCLUSÃO
zida, devido a dilatação e a rigidez do ventrí-
culo, o qual tem a contratilidade diminuída, não A insuficiência cardíaca é um problema de
sendo capaz de bombear todo o sangue do seu saúde pública que leva ao comprometimento da
interior, como resultado, há aumento do volume qualidade de vida do paciente, haja vista que
diastólico final (BRASILEIRO FILHO, 2016). este sofrerá alterações celulares que culminam,
Contudo, o conjunto de alterações celulares a longo prazo, em alterações fenotípicas. O
e fenotípicas na IC podem causar conse- comprometimento cardíaco iniciado pelo es-
quências sistêmicas para o organismo, levando tresse crônico de uma hipertensão arterial leva
ao comprometimento do estado geral do paci- a diminuição da performance do coração com-
ente acometido. Dentre as complicações possí- prometendo a irrigação do organismo, devido
veis da IC há o edema pulmonar, que consiste às alterações, como a hipertrofia concêntrica e
no acúmulo de líquido no pulmão que é secun- a deposição de colágeno e, posteriormente, a
dário a elevação da pressão hidrostática, como hipertrofia excêntrica, consequentes do estresse
consequência, ocorre extravasamento de líqui- constante em que as células cardíacas se encon-
do da circulação pulmonar para o interstício, tram. Como consequência da perda da capa-
prejudicando a troca gasosa alveolar (LÓPEZ- cidade de contratilidade adequada, assim como
RIVERA et al., 2019). Dentre outras comor- da redução da força e do volume das câmaras, a
bidades, ainda pode haver internações recor- patologia evolui com a cardiopatia dilatada com
rentes e a perda progressiva da capacidade de fração de ejeção reduzida. Dentre as várias
realizar atividades diárias, comprometendo a complicações possíveis para o quadro de insu-
qualidade de vida do paciente (KING; GOLD- ficiência cardíaca, o edema pulmonar deve ser
STEIN, 2020). citado, o que pode causar maior número de
internações e comprometer as atividades coti-
dianas, bem como o agravamento da doença
pode levar ao óbito.

5
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASILEIRO FILHO, G. Bogliolo - Patologia. 8. ed. LÓPEZ-RIVERA, Fermín et al. Treatment of


Rio de Janeiro: Gen, Guanabara Koogan, 2016. Hypertensive Cardiogenic Edema with Intravenous
High-Dose Nitroglycerin in a Patient Presenting with
FREITAS, Ana Karyn Ehrenfried de; CIRIN, Raphael Signs of Respiratory Failure: A Case Report and Review
Henrique Déa. Manejo ambulatorial da insuficiência of the Literature. American Journal Of Case Reports, San
cardíaca. Revista Médica da Universidade Federal do Juan, p. 83-90, 21 jan. 2019. Disponível em:
Paraná, Curitiba, v. 4, n. 3, p. 123, 2017. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC63506
<file:///C:/Users/USUARIO/Downloads/56397-219492- 73/>. Acesso em: 21 jul. 2020.
1-PB.pdf>. Acesso em: 04 ago. 2020.
MALIK, Ahmad; BRITO, Daniel; CHHABRA, Lovely.
GILL, Rabia; GOLDSTEIN, Sheldon. Evaluation And Congestive Heart Failure (CHF). StatPearls, Treasure
Management of Perioperative Hypertension. StatPearls, Island, 2020. Disponível em:
Treasure Island, 2020. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK430873/>.
<https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK557830/>. Acesso em: 21 jul. 2020.
Acesso em: 22 jul. 2020.
MORAIS, Lídia Gomes de; CASTILLO, José Maria del.
GUYTON, A.C.; HALL, J.E. Tratado de Fisiologia “Papel da Ecocardiografia no diagnóstico da disfunção
Médica. 12. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011. ventricular esquerda (Revisão da Literatura)”. CETRUS,
2014. Disponível em: https://www.cetrus.com.br/aluno-
JEFFERIES, John et al. Heart Failure in the Child and artigos/papel-da-ecocardiografia-no-diagnostico-da-
Young Adult: from bench to bedside. Cincinnati: disfuncao-ventricular-esquerda-revisao-da-literatura.
Academic Press, 2017. 824 p. Acesso em: 04 ago. 2020.

KING, Kevin C.; GOLDSTEIN, Samuel. Congestive SOCIEDADE BRASILEIRA DE CARDIOLOGIA, VII
Heart Failure And Pulmonary Edema. StatPearls, Diretriz Brasileira de Hipertensão. Arq Bras Cardiol.;
Treasure Island, 2020. Disponível em: 107 (3 supl 3): 1-83, 2016.
<https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32119444/>. Acesso
em: 23 jul. 2020.

6
Capítulo 2

ANÁLISE DA PERSISTÊNCIA
DE HIPERTENSÃO ARTERIAL
SISTÊMICA NA ETNIA NEGRA

BÁRBARA QUEIROZ DE FIGUEIREDO¹


GARDÊNIA SILVA AMORIM2
ISADORA BUCAR CARDOSO³
JOÃO PEDRO DE MIRANDA CARVALHO¹
JÚLIA DE OLIVEIRA ALVES²
LUAN FERREIRA CAIXETA¹
PEDRO DIAS DUARTE¹
VITOR EMANUEL GONÇALVES BRAGA¹

1
Discente - Medicina do Centro Universitário de Patos de Minas.
2
Discente - Medicina do Centro Universitário Atenas.
2
Discente - Medicina do Centro Universitário de Goiatuba.

Palavras-chave:
Hipertensão; Afro-americanos; Prevalência.

7
INTRODUÇÃO quando, mesmo sob tratamento anti-hiperten-
sivo, o paciente permanece com a PA elevada
A Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) é tanto no consultório como fora dele por algum
uma doença multifatorial com alta frequência dos dois métodos (MAPA ou MRPA). Consi-
na população, sendo um grave problema de sa- dera-se normotensão quando as medidas de
úde no Brasil e no mundo. Nesse sentido, con- consultório são ≤ 120/80 mmHg e as medidas
forme a Sociedade Brasileira de Cardiologia fora dele (MAPA ou MRPA) confirmam os va-
(2016), a prevalência da HAS no país varia de lores considerados normais. Define-se HAS
acordo com a população estudada, sendo que controlada quando, sob tratamento anti-hiper-
atinge 32,5% (36 milhões) de indivíduos adul- tensivo, o paciente permanece com a PA com-
tos, com maioria de idosos. Desse modo, é im- trolada tanto no consultório como fora dele.
portante destacar que essa condição clínica (SOCIEDADE BRASILEIRA DE CARDIO-
multifatorial é a causa mais comum de uso de LOGIA, 2016).
medicamentos de forma crônica e está condi- A pré-hipertensão caracteriza-se pela pre-
cionada como o principal fator de risco para sença de PAS entre 121 e 139 e/ou PAD entre
Doenças Cardiovasculares (DCV), tais como a 81 e 89 mmHg. Os pré-hipertensos têm maior
insuficiência renal crônica, o infarto e o aciden- probabilidade de se tornarem hipertensos e mai-
te vascular cerebral (AVC) (BRASIL, 2013). A ores riscos de desenvolvimento de complica-
HAS pode vir isoladamente ou associada a ções CV quando comparados a indivíduos com
demais fatores de risco ou doenças já estabe- PA normal, ≤ 120/80 mmHg, necessitando de
lecidas. Não existe uma causa definida pré- acompanhamento periódico. Além de tais clas-
estabelecida para o seu desenvolvimento, mas sificações, existe a hipertensão do avental
diversas características estão associadas a ela, branco (HBA), a situação clínica caracterizada
como às doenças cardiovasculares propriamen- por valores anormais da PA no consultório,
te ditas, como, por exemplo, o sedentarismo, a porém com valores considerados normais pela
história familiar, a obesidade, o tabagismo, as MAPA ou MRPA. A hipertensão mascarada é
condições socioeconômicas desfavoráveis. A caracterizada por valores normais da PA no
HAS, relacionada ou não a outros fatores de consultório, porém com PA elevada pela
risco, associa-se a um risco aumentado de do- MAPA ou medidas residenciais. Vários fatores
enças cardiovasculares, sobretudo as doenças podem elevar a PA fora do consultório em re-
cerebrovasculares e as doenças isquêmicas car- lação à PA nele obtida, como idade jovem, sexo
díacas (GUSSO et al. 2019). masculino, tabagismo, consumo de álcool, ati-
Considerando-se que os valores de PA obti- vidade física, hipertensão induzida pelo exercí-
dos por métodos distintos têm níveis de anor- cio, ansiedade, estresse, obesidade, DM, DRC e
malidade diferentes, há que se considerar os história familiar de HAS. Já a hipertensão
valores de anormalidade definidos para cada sistólica isolada é definida como PAS aumen-
um deles para o estabelecimento do diagnós- tada com PAD normal. A hipertensão sistólica
tico. Quando utilizadas as medidas de consul- isolada (HSI) e a pressão de pulso (PP) são im-
tório, o diagnóstico deverá ser sempre validado portantes fatores de risco cardiovascular
por medições repetidas, em condições ideais, (FRCV) em pacientes de meia-idade e idoso.
em duas ou mais ocasiões, e confirmado por (SOCIEDADE BRASILEIRA DE CARDIO-
medições fora do consultório (MAPA ou LOGIA, 2016).
MRPA). A HAS não controlada é definida

8
Dessa forma, a HAS é caracterizada por ele- dislipidemia, obesidade abdominal, intolerân-
vação sustentada dos níveis pressóricos, sendo cia à glicose e diabetes melito (DM) (BRASIL,
a sistólica ≥ 140 e/ou a diastólica ≥ 90 mmHg 2013). Nesse sentido, os principais fatores de
(SOCIEDADE BRASILEIRA DE CARDIO- risco associados à HAS são: idade avançada,
LOGIA, 2016), que ocorre frequentemente em sexo feminino, excesso de peso e obesidade, in-
associação às alterações funcionais e/ou estru- gestão de sal, consumo excessivo de álcool, ta-
turais dos órgãos-alvo (coração, encéfalo, rins e bagismo, sedentarismo, baixa renda e fatores
vasos sanguíneos) e às alterações metabólicas, genéticos. A classificação da HAS é dada da se-
sendo agravada na presença de condições como guinte forma:

Tabela 2.1 Classificação da PA de acordo com a medição casual ou no consultório a partir de 18 anos de idade

Classificação PAS (mmHg) PAD (mmHg)


Normal < 120 < 80
Pré-hipertensão 121-139 81-89
Hipertensão estágio 1 140-159 90-99
Hipertensão estágio 2 160-179 100-109
Hipertensão estágio 3 > 180 > 110

Fonte: Sociedade Brasileira de Cardiologia, 2016

Pesquisas indicam que boa parte dos indiví- dade de condições sensíveis à Atenção Primária
duos rotulados foi diagnosticada durante mo- (FERREIRA, 2014). A abordagem individual
mentos de vida peculiares. É frequente, ainda, o de alto risco poderá contribuir para essa redu-
relato de diagnósticos em pronto-atendimentos ção, mas isoladamente é menos custo-efetiva e
durante crises e do uso indiscriminado do esfig- mais danosa do que a abordagem populacional.
momanômetro automático durante eventos es- A promoção à saúde é o caminho que tem mos-
tressantes do dia a dia, o que justifica, portanto, trado melhores resultados, por meio da consci-
a necessidade da Medida Ambulatorial de Pres- entização e de intervenções não fármacológi-
são Arterial (MAPA), sendo utilizada prefe- cas, como redução de sódio nos alimentos in-
rencialmente à Medida Residencial da Pressão dustrializados, políticas públicas para desmo-
Arterial (MRPA), seguindo parâmetros de fide- tivação do tabagismo e do uso abusivo de ál-
dignidade de resultados. Durante o processo de cool, a promoção à prática de atividades físicas
tomada de medidas de PA, podem-se obter as por meio de medidas de mobilidade urbana e
análises laboratoriais complementares pertinen- oferta de locais para isso, entre muitas outras
tes, como glicemia e creatinina, e eletrocardio- ações. Tais medidas precisam atingir a maior
grama (ECG), por exemplo (GUSSO et al. parte da população com políticas públicas de
2019). qualidade e de longa duração (GUSSO et al.
A abordagem da HAS na Atenção Primária 2019).
em Saúde tem com o objetivo de reduzir a mor- As orientações dietéticas nas consultas mé-
bimortalidade por doenças cardiovasculares de- dicas ocupam bastante tempo e não parecem
ve ser populacional, além da maior resolutivi- muito eficazes quando não surgirem por inte-

9
resse da pessoa. Em nível individual, a aborda- line (Scielo), Cochrane Database of Syste-ma-
gem da HAS deve respeitar a avaliação global tic Reviews (CDSR), Google Scholar, Bibli-
do risco cardiovascular. Identificando-se o per- oteca Virtual em Saúde (BVS) e EBSCO Infor-
fil de uma pessoa, pode-se priorizar a aborda- mation Services, no mês de setembro de 2021.
gem de acordo com o componente do risco mais Para a busca das obras foram utilizadas as pala-
representativo (BRASIL, 2013). Sendo assim, vras-chaves presentes nos descritores em Ciên-
em um indivíduo hipertenso e tabagista ou em cias da Saúde (DeCS): em inglês: "hyperten-
outro hipertenso e sedentário, a abordagem ini- sion", "black", "prevalence", "physiopatholo-
cial deve priorizar o tabagismo, no primeiro gy", "genetics", em espanhol: "hipertensión",
caso, e o sedentarismo no segundo, na medida "negro", "prevalencia", "fisiopatología", "ge-
em que é possível que a HAS seja, pelo menos netica" e em português: "hipertensão", "ne-
em parte, o resultado desses dois fatores. A pes- gros", "prevalência", "fisiopatologia", "gene-
soa hipertensa não deve ser estimulada a pensar tica"
que sua condição é permanente e incurável, Como critérios de inclusão, foram conside-
uma vez que isso poderá desestimular sua ade- rados artigos originais, que abordassem o tema
são ao plano terapêutico. As dificuldades de pesquisado e permitissem acesso integral ao
adesão devem ser encaradas como problemas a conteúdo do estudo, publicados no período de
serem compreendidos na perspectiva do médico 2000 a 2021, em inglês, espanhol e português.
e da pessoa, visando sempre o bem-estar e o O critério de exclusão foi imposto naqueles tra-
bom resultado da conduta (GUSSO et al. 2019). balhos que não estavam em inglês, português e
Sob essa perspectiva, nota-se que a preva- espanhol que não tinham passado por processo
lência da hipertensão arterial na população ne- de Peer-View e que não abordassem a prevalên-
gra é mais elevada, bem como sua maior gra- cia da hipertensão arterial em indivíduos ne-
vidade, particularmente quanto à incidência da gros. A estratégia de seleção dos artigos seguiu
hipertensão arterial maligna, acidente vascular as seguintes etapas: busca nas bases de dados
encefálico e insuficiência renal crônica, e esse selecionadas; leitura dos títulos de todos os ar-
comportamento pode estar relacionado a fatores tigos encontrados e exclusão daqueles que não
étnicos e socioeconômicos. Desse modo, o ob- abordavam o assunto; leitura crítica dos resu-
jetivo deste estudo é buscar evidências sobre mos dos artigos e leitura na íntegra dos artigos
essa causalidade, a fim de elucidar os fatores selecionados nas etapas anteriores. Assim, tota-
responsáveis por essa prevalência. lizaram-se 23 artigos científicos para a revisão
integrativa da literatura, com os descritores
MÉTODO apresentados acima.
Trata-se de uma pesquisa descritiva do tipo
revisão integrativa da literatura, que buscou
evidenciar a as hipóteses da prevalência da hi-
pertensão arterial em negros. A pesquisa foi re-
alizada através do acesso online nas bases de
dados National Library of Medicine (PubMed
MEDLINE), Scientific Electronic Library On-

10
RESULTADOS E DISCUSSÃO e essa prevalência é quase quatro vezes maior
do que a de seus homólogos brancos ou hispâ-
A prevalência de hipertensão, sobretudo da
nicos. Os efeitos fisiológicos relacionados à
dificuldade de controle da doença e seu início
obesidade que contribuem para este fenótipo da
precoce, é significativamente mais comum em
hipertensão incluem; aumento da atividade sim-
afro-americanos do que em brancos. As mani-
pática, alteração da sensibilidade ao sal e resis-
festações subclínicas de lesão de órgão-alvo re-
tência à terapia com drogas anti-hipertensivas,
lacionada à pressão também são mais comuns
sem mencionar a lesão renal crônica devido à
nesse grupo do que em brancos, mesmo sob ní-
hiperfiltração glomerular (ZALEZIN et al.
veis de pressão arterial (PA) bem abaixo dos li-
2011).
mites convencionais de hipertensão. Aliado a
Além de fatores fenotípicos e ambientais, a
isso, os negros brasileiros são mais propensos
genética também pode contribuir para o desen-
que os caucasianos à doença cardiovascular clí-
volvimento e progressão da hipertensão em ne-
nica, incluindo insuficiência cardíaca, acidente
gros (BERRO et al. 2020). Os fundamentos ge-
vascular cerebral e infarto do miocárdio, e a
néticos que podem aumentar a tendência de re-
mortalidade por estas patologias também é
tenção de sódio incluem polimorfismos do ca-
maior em negros na faixa etária entre 30 a 50
nal epitelial de sódio que levam a defeitos no
anos (GAILLARD, 2009). A descoberta da va-
transporte celular de sódio, níveis mais baixos
riação de taxas de incidência da hipertensão en-
de renina e cininas e níveis mais baixos de pros-
tre diferentes subgrupos populacionais tem le-
taglandinas vasodilatadoras natriuréticas (FRE-
vado os pesquisadores a investigar quais os pos-
ER et al. 2006). Vários polimorfismos de nucle-
síveis processos patológicos subjacentes que
otídeo único que podem ser significativos em
determinariam essas diferenças.
sua relação com a pressão arterial sistólica
Acredita-se que sua patogênese envolve
também foram identificados (SLC24A4 e CA-
múltiplos mecanismos com a interação de dife-
CANA1H), e são candidatos potenciais razoá-
rentes fatores como obesidade, sensibilidade ao
veis para a regulação da pressão arterial envol-
sal, sistema renina-angiotensina e resposta vas-
vendo as trocas de sódio, potássio e cálcio
cular do endotélio, entre outros. Dados do es-
(EGAN et al. 2010).
tudo de Fuchs (2011), demonstraram menor
Sob essa perspectiva, segundo Ferdinand et
prevalência de hipertensão entre as populações
al. (2014), por um lado, a associação entre pig-
afrodescendentes do Caribe e da África conti-
mentação da pele e hipertensão sugeriria que
nental rural em relação às dos Estados Unidos,
um ou mais genes envolvidos na biossíntese da
corroborando a hipótese de que os fatores ambi-
melanina também estariam envolvidos no me-
entais representam um papel importante no de-
canismo bioquímico que produz uma elevação
senvolvimento da hipertensão em negros que
da pressão arterial e quanto mais escura a pele,
vivem nos EUA. Essa variação geográfica na
maior a presença desses alelos da suscetibili-
prevalência de hipertensão pode ser atribuída a
dade. Por outro lado, pele negra funcionaria
diferenças no índice de massa corporal (IMC) e
como marcador de uma ancestralidade vincu-
na relação dietética entre sódio e potássio.
lada à presença de genes para retenção de sal
Ademais, a obesidade mais prevalente em
que proveria uma vantagem seletiva para a po-
afro-americanos e hispânicos, especialmente
pulação africana frente a uma situação adversa,
em mulheres, em comparação com os brancos,
tal como a malária ou a escravidão, mas que se

11
tornaria desvantajosa fora do seu contexto ori- por serem os negros oriundos de uma região
ginal pela mudança no meio ambiente evoluci- quente, úmida e pobre em suprimentos de sal,
onário que alteraria a aptidão de genótipos. A que os tornaria incapazes de reter sódio, e pelo
persistência de genótipos que reduzem a apti- efeito de uma seleção dos sobreviventes à tra-
dão em gerações subsequentes se daria pela pre- vessia do Atlântico (KAUFMAN et al. 2003).
sença de mutações gênicas mascaradoras vin- Segundo tal hipótese, esses escravos estiveram
culadas ao mesmo fenótipo, que reduziriam a sujeitos ao estresse e à privação de água e sal
força seletiva sobre o genótipo modificado durante a viagem, e aqueles que sobreviveram
(TAHERZADEH et al. 2010). apresentariam uma resposta adaptativa para re-
O papel do sistema renina-angiotensina tenção de sódio. A exposição abrupta, no novo
(SRAA) nessa população ainda não foi clara- continente, a uma dieta de baixa qualidade e
mente definido, mas o padrão de lesão exces- rica em sal teria um efeito negativo, tornando-
siva de órgão-alvo dependente de SRAA (como os mais sensíveis ao sal e consequentemente
proteinúria) em afro-americanos mostra a rele- mais suscetíveis à hipertensão (JAMES et al.
vância desse sistema nessa população. Porém, 2002).
isso não explica totalmente a falta de redução Outra hipótese estaria relacionada à sele-
da pressão arterial com o uso de inibidores da ção, pela exposição à malária na África, de in-
enzima conversora da angiotensina (ECA) em divíduos com eritrócitos com maior concentra-
comparação aos diuréticos (DOMINGO et al. ção de sódio e menor de potássio quando com-
2009). Uma possível razão é que os baixos ní- parados aos caucasianos. Em defesa da validade
veis de renina aumentam a produção vascular dessa hipótese, Grim (2003) anteviu, por meio
de angiotensina II, promovendo os efeitos fi- das técnicas genéticas e do teste para sen-
bróticos da aldosterona, haja vista que pacientes sibilidade ao sal, a possibilidade de identifica-
normotensos afro-americanos apresentam ati- ção dos genótipos para sensibilidade ao sal com
vação do SRAA com níveis mais elevados de variações entre grupos étnico-linguísticos na
aldosterona em comparação com brancos, e África, que essas variações genéticas serão pre-
afro-americanos com nefropatia não diabética ditoras da sensibilidade ao sal em afro-america-
apresentam menos eventos renais quando trata- nos e que os genes para sensibilidade ao sal são
dos com um inibidor da ECA (ADEYEMO et mais comuns nos descendentes da diáspora ne-
al. 2009). gra do hemisfério ocidental.
A origem africana e as condições históricas O uso de conjuntos familiares, para estima-
da colonização das Américas têm servido de tiva da extensão na qual as observações atuais
substrato para o surgimento de hipóteses gene- sobre efeitos genéticos são influenciadas pelo
ticas que expliquem a maior prevalência da hi- meio ambiente, tem se configurado como uma
pertensão entre as populações negras (FOX et alternativa mais razoável que os estudos gene-
al. 2004). O papel preponderante que o meta- ticos com migrantes, que requerem um volume
bolismo do sódio desempenha na regulação do maior de informações genéticas. Estudo de Co-
volume sanguíneo e no equilíbrio tensional su- oper et al. (2000), com o intuito de modelar o
geririam que os negros seriam mais propensos efeito dos fatores genéticos e do meio ambi-
a sofrer de uma mutação genética que afetaria a ente domiciliar, estimaram correlações famili-
sua natriurese. Esse distúrbio funcional, de ares para os componentes do sistema renina-an-
acordo com a hipótese da escravidão, se daria giotensina, angiotensinogênio e enzima com-

12
versora da angiotensina, de pares de parentes no tocante ao estilo de vida (alimentação, fa-
(esposa, pais, prole, irmão-irmão) de pessoas mílias extensivas, atividade física e ingestão de
negras de origem norte-americana e nigeriana, sódio) (COOPER et al. 2000).
assumindo que essas duas populações apresen- O tratamento ideal da hipertensão requer
tavam forte semelhança genética por sua an- uma abordagem que englobe modificações
cestralidade comum. Esse critério de seleção multifatoriais no estilo de vida, como perda de
garantiu, segundo os autores, um maior con- peso, diminuição da ingestão de sal, restrição de
trole da variação na frequência de alelos (ante- álcool e aumento da atividade física, além de te-
cedente genético). A análise desses dados su- rapia medicamentosa. A declaração de con-
geriu que sobrepeso, ausência de exercício e di- senso sobre o tratamento de hipertensão em
eta pobre explicava entre 40 e 50% do aumento afro-americanos, da Sociedade Internacional de
do risco de hipertensão nos afro-americanos Hipertensão em Negros (ISHIB), recomenda
quando comparados com os nigerianos. A nível uma modificação abrangente do estilo de vida
fisiológico, os autores constataram que os ní- em todos os afro-americanos com PA> 115/75
veis de angiotensina no sangue acompanhavam mmHg, pois este é o nível de pressão arterial
os níveis tensionais, embora esta associação acima do qual o risco de doença cardio-vascular
não fosse forte para as mulheres, provável- epidemiológica começa sua inflexão para cima
mente pelas variações no nível de estrogênio sé- (FLACK et al. 2010).
rico. O foco da terapia medicamentosa em afro-
Desse modo, os resultados desse estudo de- americanos está centrado na eficácia de redução
monstraram também que as correlações famili- da pressão arterial por classes individuais de
ares para os traços estudados variaram substan- medicamentos e, infelizmente, a maioria dos
cialmente em diferentes cenários sociais. Os pa- casos não será controlada com um único agente
drões de agregação familiar para o angiotensi- (JAMES et al. 2014). Evidências sugerem que
nogênio e a enzima conversora da angiotensina a monoterapia com um diurético tiazídico ou
foram maiores na Nigéria entre os parentes de um antagonista dos canais de cálcio reduziu
primeiro grau, sem mudanças no padrão mesmo consistentemente a PA de forma mais eficaz do
após o ajuste para os efeitos de idade e sexo, que beta bloqueadores, inibidores da ECA e an-
enquanto nos Estados Unidos observaram-se tagonistas do receptor tipo 1 da angiotensina II
apenas efeitos marginais significativos nos pa- (JAMESON et al. 2008). Conforme mencio-
drões de agregação familiar para o índice de nado acima, a maioria dos hipertensos afro-
massa corpórea e a pressão sistólica. A herda- americanos exigirá uma combinação de terapia
bilidade para o angiotensinogênio, a enzima medicamentosa anti-hipertensiva para controlar
conversora da angiotensina e a pressão sanguí- sua PA e não há diferenças raciais e étnicas dis-
nea também se mostraram maiores na Nigéria cerníveis na resposta da pressão arterial à tera-
do que nos Estados Unidos. Uma explicação pia anti-hipertensiva de duas drogas se pelo me-
para as diferenças observadas entre esses dois nos um dos medicamentos for diurético ou um
países repousaria no pressuposto de que os efei- antagonista do canal de cálcio (ERNST et al.
tos ambientais aleatórios no nível individual se- 2006).
riam maiores no caso americano, especialmente Os diuréticos desempenham um papel pro-
eminente nos pacientes afro-americanos com
hipertensão refratária. A razão para isso não é a

13
expansão do volume plasmático, apesar da pre- podem ser usados em combinação com diuré-
valência de um estado de sensibilidade ao sal, ticos para o controle da PA ideal e renoproteção
uma vez que o efeito é transitório em modelos em pacientes com doença renal diabética e não
animais e humanos de hipertensão. O uso de diabética.
mais de um diurético será necessário para con- Desse modo, o médico deve estar ciente de
trolar a PA, principalmente em pacientes com que o angioedema ocorre mais em afro-ame-
taxa de filtração glomerular estimada <40ml / ricanos do que em brancos durante o tratamento
Min (eTFG). Hidroclorotiazida mais um anta- de inibição da ECA. O angioedema é menos
gonista de aldosterona ou amilorida são usados frequente com o uso de BRA ou inibidores
em pacientes com eTFG> 50 mL / min / 1,73 diretos da renina (FLACK et al. 2014). Ou seja,
m² e mostraram benefícios quando combinados o tratamento da hipertensão em afro-america-
com diuréticos de alça, principalmente em nos evoluiu ao longo dos anos. O objetivo é usar
pacientes com insuficiência cardíaca avan- a combinação de medicamentos mais eficaz
çada. Em pacientes com eTFG de 30-45 mL / para o controle da PA e proteção dos órgãos-
min / 1,73 m², a combinação de um diurético alvo, e o manejo ideal da hipertensão nesses
tiazídico e de alça representa uma opção eficaz pacientes exigirá o uso de modificações abran-
(FLACK et al. 2011). gentes no estilo de vida e combinações indivi-
Outrossim, estudo randomizado, prospec- dualizadas de medicamentos (FERDINAND et
tivo e controlado de Ojji et al. (2019) comparou al. 2012).
combinações de três classes terapêuticas de
anti-hipertensivos: um bloqueador do canal de CONCLUSÃO
cálcio (anlodipino), um inibidor da enzima con- O estudo obteve maior conhecimento sobre
versora de angiitensiva (perindopril) e um diu- as particularidades de saúde da população de et-
rético tiazídico (hidroclorotiazida), concluindo nia negra, bem como sobre a genética na hiper-
que, para pacientes negros na África subsaari- tensão arterial, ao assumir que as identificações
ana, a combinação com anlodipino + hidroclo- dos determinantes genéticos podem fornecer as
rotiazida ou perindopril foi mais eficaz do que pistas que elucidarão os processos envolvidos
a perindopril + hidroclorotiazida para redução na patogênese desse fenótipo e, assim, identi-
da pressão arterial. Portanto, existem vários ficar os indivíduos com predisposição especí-
efeitos colaterais que precisam ser levados em fica herdada. A posse desse conhecimento indi-
consideração ao usar diferentes agentes anti-hi- vidualizaria a intervenção, tanto nos estágios
pertensivos. Como afirmado anteriormente, os pré-clínicos quanto nos clínicos, por meio de
inibidores da enzima de conversão da angi- uma terapia moldada às tidas anormalidades
otensina e dois bloqueadores da angiotensina subjacentes a essa causalidade.

14
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16
Capítulo 3

ALTERAÇÕES ENDOTELIAIS
DA PRESSÃO ARTERIAL E
TRATAMENTOS

SABRINA DA CUNHA CAVALCANTI DE ALMEIDA¹


RAFAELA FERNANDA FERNANDES OLIVEIRA¹
RAFAELLA DE ANDRADE FERRAZ RIBEIRO¹
VICTOR HUGO POLICENA DE JESUS¹
VINICIUS DIEGUES BRASIL¹
YASMIN DE OLIVEIRA D’AVILA DE ARAUJO¹
RUBIA BRASIL SILVA MENEZES¹
REBECCA REIS DE SOUSA¹
MÁRCIO RABELO MOTA²

¹Discente do curso de Medicina do Centro Universitário de Brasília-UniCEUB


²Docente do curso de Medicina do Centro Universitário de Brasília-UniCEUB

Palavras-chave:
Endotélio; Hipertensão; Tratamentos e Vasoconstritores.
17
INTRODUÇÃO Sendo a HAS uma disfunção endotelial ela é um
importante um preditor de eventos ateroscleró-
Hipertensão arterial sistêmica (HAS) é uma
ticos (D’ EL-REI, 2020).
doença de alta prevalência na população mun-
O Endotélio vascular é um tipo especial de
dial, estando presente entre 22% a 44% da po-
epitélio que forma uma barreira semipermeável
pulação brasileira. A HAS aumenta em 40% o
entre o plasma sanguíneo e o líquido intersticial
risco de mortalidade por acidente vascular en-
atuando como uma camada protetora entre eles,
cefálico, 25% para doença arterial coronariana
tendo como papel principal efetuar trocas gaso-
e também é um fator de risco de agravamento
sas. O Endotélio é responsável pela produção e
de pacientes acometidos por COVID-19 (AL-
secreção de agentes vasodilatadores (óxido ní-
MEIDA, et al, 2021 E ANDRADE, 2014).
trico) e agentes vasoconstritores, que incidem
De acordo com o eighth joint National
de maneira importante nos quadros de HAS
Committee (JNC-8), a HAS pode ser definida
(JUNQUEIRA, 2019).
pela elevação sustentada dos níveis pressóricos,
Em situações fisiológicas, o endotélio é um
sendo classificada em estágios. Considera-se
sistema autócrino, parácrino e endócrino. De-
níveis elevados de pressão arterial (PA), uma
sempenha funções como manutenção do tônus
pressão arterial sistólica (PAS) entre 120 e 129
muscular, da permeabilidade muscular, da flui-
mmHg, conjuntamente com uma pressão arte-
dez do sangue e da vasomotricidade. Para exe-
rial diastólica (PAD) entre 90 e 89 mmHg.
cutar essas ações, o endotélio sintetiza substân-
Quando os valores de PAS estiverem entre 130
cias vasoconstritoras e vasodilatadoras, de for-
e 139 mmHg associados a uma PAD entre 80 e
ma a manter a homeostase do organismo
89 mmHg, a hipertensão será classificada em
(LESSA, 2001).
grau 1. Já valores de PAS iguais ou acima de
A HAS tem como característica a quebra da
140 mmHg e PAD acima ou igual a 90 mmHg,
homeostase endotelial, gerando um desequilí-
classificam a hipertensão como grau 2 (ABEL,
brio entre as concentrações fisiológicas das
et al, 2015).
substâncias vasodilatadoras e vasoconstritoras
A HAS é uma das condições cardiovascula-
secretadas pelo endotélio. Essa descompensa-
res mais prevalentes, na população mundial. A
ção leva a um aumento da resistência vascular
Organização Mundial da Saúde (OMS) estima
periférica e hipertrofia da parede vascular, ge-
que aproximadamente 600 milhões de pessoas
rando prejuízo ao equilíbrio metabólico
sejam portadores de hipertensão, com um cres-
(BRANDÃO, 2020).
cimento de 60% dos casos até 2025, em níveis
A redução na biodisponibilidade de óxido
mundiais. A HAS é uma disfunção endotelial
nítrico (NO) e o aumento dos fatores pró-infla-
que provoca aumento significativo na mortali-
matórios, por exemplo, influenciam direta-
dade por outras doenças cardiovasculares
mente na higidez do endotélio vascular, uma
(DCV) (ROCHA, 2017; MALTA, 2018).
vez que podem alterar o padrão do fluxo san-
A HAS está associada ao aumento da mor-
guíneo e acentuar o desenvolvimento de proces-
bimortalidade de muitos indivíduos, e eviden-
sos ateromatosos (ROCHA, 2017).
cia-se uma associação positiva entre percentu-
As substâncias vasoconstritoras são respon-
ais de gordura mais elevados com danos vascu-
sáveis pela redução da luz endotelial, gerando
lares e alterações metabólicas, corroborando a
aumento da PA, isso ocorre diariamente, man-
interação entre HAS com outras comorbidades
tendo a homeostase endotelial. Contudo, essas

18
substâncias podem ser secretadas de forma ex- e biopsicossociais para que o tratamento seja
pressiva em situações de estresse metabólico, eficiente, haja vista a necessidade, quando ne-
bloqueios vasculares e hipovolemia. Como cessário, de modificações nos hábitos de vida
exemplo de substâncias vasoconstritoras, pode- do paciente, e uso de medicamentos (MALA-
mos citar os promotores de desenvolvimento CHIAS, et al 2016 e ABEL, et al 2015).
celular e ativadores plaquetários, a exemplo das Uma vez que a HAS está relacionada a fa-
endotelinas, dos endoperóxidos cíclicos, dos tores genéticos, nutricionais e atitudinais como
leucotrienos e da angiotensina II. Para equili- estilo de vida e prática regular de atividades fí-
brar a ação das substâncias vasoconstritoras, o sicas, considera-se a necessidade de um trata-
corpo se vale dos antioxidantes presentes no mento multiprofissional para pacientes hiper-
plasma, e de substâncias vasodilatadoras como tensos. Dentre o rol de terapias não medicamen-
o óxido nítrico. Contudo, se a concentração de tosas estão: a redução do consumo de sal, a
antioxidantes e vasodilatadores for insuficiente prescrição de uma dieta balanceada, rica em an-
para se sobrepor aos efeitos das substâncias va- tioxidantes e a prática regular de atividades fí-
soconstritoras, o endotélio vascular iniciará a li- sicas (ABEL, 2015).
beração de espécies reativas de oxigênio, que Quando o paciente necessita aliar tratamen-
culminarão com o envelhecimento celular pre- tos medicamentosos, a tratamentos não medica-
maturo e a hipertensão arterial sistêmica (BAT- mentosos, a introdução de drogas anti-hiperten-
LOUNI, 2001 e PIERIN, 2010). sivas e/ou diuréticos serão avaliados conforme
As substâncias vasodilatadoras são substân- os graus de hipertensão do paciente, sua ori-
cias responsáveis pela manutenção da luz endo- gem, seu estado geral de saúde e a análise dos
telial em uma circunferência normal, permi- determinantes sociais que incidem sobre esse
tindo um fluxo sanguíneo adequado e uma pres- paciente. A fim de garantir uma prescrição que
são estável. Por esse motivo as substâncias va- esteja de acordo com a realidade e com a neces-
sodilatadoras são secretadas em maior quanti- sidade do indivíduo (MILL, 2019).
dade que as vasoconstritoras. Os vasodilatado-
res também possuem ação antiproliferativa e Estágios da hipertensão arterial
antiagregante plaquetários. Dentre as substân- É chamada de Normotensão verdadeira a
cias vasodilatadoras mais estudadas estão: o PA relacionada ao paciente hígido, o qual foi
óxido nítrico, os fatores de relaxamento depen- estabelecido uma medida de PA com o uso das
dente do endotélio (EDRF/NO), o fator hiper- técnicas adequadas, apresentando uma PAS
polarizante dependente do endotélio (EDHF), próxima a 120 mmHg e PAD próxima a 80
as prostaciclinas, as prostaglandinas e a bradi- mmHg (BARROSO, 2021).
cinina (LESSA, 2001). Já na chamada hipertensão sistólica isolada,
Pacientes que tenham fatores de risco como existe um estado de comportamento anormal da
dislipidemia, obesidade abdominal, intolerân- PAS associado a uma PAD normal. Existe tam-
cia à glicose, diabetes melito (DM), sedenta- bém, hipertensão do avental branco (HAB) ou
rismo, histórico familiar de DCV, consumo ex- hipertensão do jaleco branco. Ela é definida
cessivo de sal e que vivam em um ambiente quando o paciente apresenta medidas de PA
muito estressante, têm maior predisposição ao elevadas no consultório (≥ 140/90 mmHg) e
desenvolvimento de HAS. Por isso, a HAS deve normotensão na residência. Existe a correlação
ser compreendida em seus aspectos fisiológicos de que 70% dos pacientes com HAB terão

19
maior chance de ter HAS no futuro, com aten- saúde: “Endotélio”, “Hipertensão”, “Trata-
ção ao comprometimento cardiovascular (PIE- mentos” e “Vasoconstritores”.
RIN, et al, 2010 e JOBIM, 2008). Dos 138 artigos encontrados, foram seleci-
A hipertensão é classificada como masca- onados 30 artigos para compor essa revisão,
rada, quando o paciente apresenta valores nor- após inserir os critérios de inclusão e exclusão.
mais de PA em consultório (< 140/90 mmHg), Para critérios de inclusão: utilizamos arti-
porém, PA elevada no exame de Monitorização gos cujo tema principal estivesse relacionado
Ambulatorial da Pressão Arterial (MAPA) com esse estudo, além disso, foram incluídos
(ABEL, 2015). aqueles trabalhos publicados entre 2001 e 2021.
O tratamento da HAS consiste em tratamen- Para critérios de exclusão: foram retirados
tos que minimizem os efeitos cumulativos e de- da seleção, artigos que não tratassem direta-
letérios da hipertensão sobre o endotélio, além mente de disfunções endoteliais relacionadas à
disso é preciso evitar lesões de órgãos-alvo HAS e artigos publicados antes de 2001.
(LOA). Na HAS os órgãos que compõem o sis-
tema cardiovascular, o sistema nervoso central RESULTADOS E DISCUSSÃO
e o sistema renal são os mais acometidos. As
O endotélio é sensível a estímulos humo-
crises hipertensivas ainda podem ser classifica-
rais, neurais e mecânicos, responsáveis pela
das como urgências ou emergências hipertensi-
síntese e excreção de substâncias que partici-
vas a depender de LOA e/ou risco de morbimor-
pam do processo de modulação vascular, em re-
talidade desses pacientes (LUKSHA, 2009).
lação a: tônus, fluxo, coagulação e trombólise,
Os medicamentos disponíveis para a dis-
angiogênese, hipertrofia vascular e processos
função endotelial são os diuréticos, beta blo-
inflamatórios (ROCHA, 2017).
queador, vasodilatadores diretos, bloqueadores
A homeostase metabólica depende direta-
dos canais de cálcio, Inibidor da enzima con-
mente da integridade endotelial. A manutenção
versora da angiotensina, bloqueador dos recep-
de um fluxo sanguíneo adequado favorece a
tores de angiotensina II e os inibidores direto da
perfusão de órgãos e tecidos, mantém a oxige-
renina (SILVA, et al 2016).
nação cerebral, a filtração renal, a hematose, as
O objetivo deste estudo foi analisar as alte-
reações metabólicas e o funcionamento do co-
rações endoteliais e fisiológicas da pressão ar-
ração. Por esse motivo a preservação desse en-
terial, que levam a hipertensão arterial sistê-
dotélio é sine qua non na prevenção de doenças
mica, correlacionando com tratamentos medi-
cardiovasculares, acidentes vasculares cere-
camentosos e não medicamentosos.
brais, infartos, dentre outras inúmeras altera-
ções metabólicas (ANDRADE,2014).
MÉTODO
O endotélio é um marcador precoce de do-
Estudo de revisão do tipo narrativa. Foram enças vasculares, sinalizando alterações quími-
encontrados 138 artigos nas bases de dados Sci- cas, humorais e hemodinâmicas na corrente
elo, Google acadêmico e PubMed, nos idiomas sanguínea, de forma imediata, dada sua veloci-
inglês e português, publicados entre 2001 e dade de ação no tônus vascular (ANDRADE,
2021, usando os operadores booleanos utilizou- 2014).
se “AND” e “OR”, utilizando os descritores em Dentre as várias funções endoteliais, está a
produção de substâncias de relaxamento e anti-

20
plaquetárias. Alguns compostos, de maneira es- retrógrado do fluxo sanguíneo parece estar re-
pecífica, podem promover uma vasodilatação, lacionado a maior expressão de endotelina-1 e
como o fator de relaxamento dependente do en- de moléculas de adesão, e maior liberação de
dotélio (EDRF), que tem como composto ativo espécies reativas de oxigênio (por exemplo,
o Óxido Nítrico (NO), o Fator de Hiperpolari- ânion superóxido), além de diminuir a expres-
zação Derivado do Endotélio (EDHF), a Pros- são da enzima e NOS (ANDRADE, 2014).
taciclina e prostaglandina E2 (PGE2). Já outros Existe também um aumento na liberação de
compostos podem induzir a vasoconstrição, fatores endoteliais vasoconstritores, como a
como a Endotelina-1 (ET 1), o PGH2, o trom- prostaglandina H2 em resposta à acetilcolina e
boxano A2 (TXA2) e os ânions superóxido à angiotensina II. A Prostaciclina ou Prosta-
(O2) (BRANDÃO, et al, 2021). glandina 12 é um mediador inflamatório de ori-
Um dos principais vasodilatadores secreta- gem lipídica que, ao ativar os receptores de
dos pelo endotélio é o NO. Ele é originado após prostaciclina (IP) nas células do músculo liso,
a oxidação da L-arginina em L-citrulina por in- pode causar a vasodilatação, a inibição da pro-
termédio da enzima nitric oxide synthase liferação celular e a agregação plaquetária.
(NOS), a qual possui atividade estimulada por Nesse sentido, a ativação dos receptores induz
agonistas como a acetilcolina ou impedida por à ativação da adenilato ciclase, o que provoca o
análogos da L-arginina. Logo, o NO ativa pro- aumento do monofosfato de adenosina cíclico
teínas quinase dependente de cGMP (G-kina- (AMPc) e, como resultado, o estímulo da prote-
ses) provocando o relaxamento endotelial (FI- ína cinase dependente do AMPc (PKA) na mus-
GUEIREDO et al, 2013). culatura lisa, permitindo a saída dos íons de cál-
O EDHF é encontrado tanto em artérias sis- cio do citosol. Portanto, a prostaciclina pode ser
têmicas, quanto em artérias pulmonares ocasio- caracterizada como um protetor natural contra
nando relaxamento, esse fenômeno ocorre em acontecimentos trombóticos no organismo
decorrência da ativação da bomba de sódio e (NOGUEIRA, 2015).
potássio ou dos canais de KATP sensíveis. No que diz respeito às substâncias vaso-
Dessa forma, ocorre a ativação dos canais de constritoras, deve-se destacar a endotelina-1, a
potássio, diminuindo a concentração dos íons qual é um peptídeo produzido no endotélio vas-
de cálcio na musculatura lisa vascular (BAT- cular e age em receptores específicos das célu-
LOUNI, 2001). las musculares lisas, ativando, assim, canais de
O fluxo sanguíneo é composto por dois cálcio dependentes de voltagem através da pro-
componentes, um componente anterógrado e teína Gi. Essa atua, majoritariamente, como
um retrógrado. O componente anterógrado cor- agente autócrino e parácrino e suas outras for-
responde ao fluxo sanguíneo que segue pelas mas (ET-2 e ET-3) podem provocar efeitos re-
artérias no sentido do coração em direção a cir- nais, como o aumento da resistência vascular
culação periférica. Já o componente retrógrado, renal, a redução de fluxo plasmático, do ritmo
é o percentual do volume de sangue que flui em de filtração glomerular etc., os quais interferem
sentido contrário ao componente anterógrado diretamente na pressão arterial (YUGAR-TO-
(ROCHA, 2017). LEDO, et al, 2015).
O fluxo pode influenciar a saúde endotelial, Além disso, a ET-1 pode estimular regiões
uma vez que o aumento abrupto do componente do sistema nervoso central, o que aumenta tanto

21
o tono simpático, quanto a liberação de hormô- Fisiopatologia da HAS
nios vasoconstritores, a exemplo das catecola- Evidências demonstram que a HAS possui
minas adrenais e da arginina vasopressina, bem causas multifatoriais. Nesse sentido, é impor-
como a liberação de aldosterona, além de po- tante entender os mecanismos normais do orga-
tencializar a ação de substâncias vasoconstrito- nismo para o controle da PA para que, a partir
ras. Portanto, é possível que a endotelina esteja disso, seja possível procurar evidências de irre-
relacionada à homeostase hemodinâmica e à pa- gularidades que estejam elevando a PA em ní-
togênese da hipertensão arterial essencial e se- veis patológicos (SANJUALIANI, 2002).
cundária (YUGAR-TOLEDO, et al 2015). Um dos mecanismos de regulação da PA é
Nesse ínterim, a mácula densa, região de o sistema renina-angiotensina (SRA). O SRA
células epiteliais especializadas que estão na também auxilia no equilíbrio da homeostase de
alça de Henle, se conecta ao glomérulo, provo- água e sal. A renina, é enzima proteolítica, que
cando uma liberação de renina, e, além dela, quando liberada na circulação, cliva o angioten-
uma dilatação arteriolar acabam desencadeando sinogênio, formando a angiotensina I. A angio-
a hipertensão arterial. A renina será responsável tensina I, por sua vez, é clivada a angiotensina
pela transformação do angiotensinogênio em II, pela enzima conversora de angiotensina I
angiotensina I, que por sua vez, em órgãos (ECA) (RIGATTO, 2004 e NOGUEIRA, 2015).
como rins, adrenais, cérebro, músculo liso e em A angiotensina II é um potente vasoconstri-
células endoteliais, é convertida pela enzima tor, responsável pela diminuição da excreção de
ECA em angiotensina II (LUKSHA, 2009). sal e de água pelos rins e por uma vasoconstri-
A angiotensina II possui três tipos de recep- ção intensa, em diversas partes do corpo, le-
tores, a AT1A, AT1B, e AT2 e tem como fun- vando ao aumento da PA (GUYTON, 2017).
ções a liberação de vasopressina, aumento da Outro ator importante na homeostase endo-
contratilidade e estímulo da secreção de aldos- telial é o sistema nervoso autônomo, que con-
terona, que por consequência, aumenta a reab- tribui para a manutenção da PA durante situa-
sorção renal de sódio e gera um aumento da vo- ções fisiológicas. A liberação de noradrenalina
lemia, do débito cardíaco e então uma elevação e acetilcolina alteram a frequência cardíaca e a
da pressão arterial (TRAPP, et al, 2009). força de contração de fibras miocárdicas, o que
Ocorre uma interação de grupos celulares acaba modificando o débito cardíaco
como linfócitos T, plaquetas, monócitos e célu- (ANGELIS, 2004).
las musculares lisas vasculares nessa resposta A HAS está relacionada a uma disfunção
vascular contra estes agentes agressores. Essa endotelial, pelo desequilíbrio na homeostase
resposta inflamatória, culmina no enrijecimento vascular. Nessa disfunção a biodisponibilidade
do vaso e na consequente formação da placa de óxido nítrico está reduzida e ocorre aumento
aterosclerótica. A espessura da parede do vaso da secreção de citocinas inflamatórias, influen-
vai ser modificada pelo acúmulo contínuo de ciando diretamente no aumento do fluxo san-
células espumosas no espaço subendotelial, guíneo retrógrado, causado pela hiperativação
contribuindo para a redução ou obstrução do simpática. Essa mesma ativação promove au-
seu diâmetro (ROCHA, 2017). mento de apoptose endotelial e por consequên-

22
cia maior liberação de micropartículas endote- cardiovascular, uma vez que a sobrecarga me-
liais (MPE) na corrente sanguínea (NEVES, et cânica advinda da hipertensão proporciona uma
al, 2016). adaptação miocárdica que infere o aumento da
massa ventricular. A vasoconstrição periférica
Micropartículas decorrente do aumento da pressão arterial fo-
Micropartículas endoteliais (MPE) são menta a elevação em excesso da pós-carga ven-
substâncias liberadas pelo endotélio em res- tricular, bem como da frequência cardíaca, tais
posta a ativação e/ou apoptose. Os mecanismos fatores contribuem para a expansão da massa
específicos liberação das MPE ainda não estão mitocondrial, aumento da espessura dos mióci-
totalmente definidos, mas sabe-se que diversas tos, e consequentemente o aumento da espes-
substâncias pró-inflamatórias e oxidativas, co- sura da parede ventricular (MACIEL, 2001).
mo fator de necrose tumoral (TNF-α), angio- Concomitantemente, há a ativação de me-
tensina II e espécies reativas de oxigênio, têm canismos neuro-humorais, os quais aumentam a
relação com a liberação de MPE (ROCHA, estimulação adrenérgica do coração, resultando
2017). em aumento do volume e sobrecarga no órgão.
Nesse contexto, o endotélio é essencial- Nesse sentido, outro ponto relevante é a depo-
mente prejudicado pelo processo de apoptose, sição de colágeno e a fibrose ventricular, fatores
já que, ao ter suas células endoteliais circulantes que pioram o desempenho ventricular, influ-
(CEC) desprendidas, as MPE também são enciando diretamente no desenvolvimento de
perdidas pela liberação da membrana celular de insuficiência cardíaca em pacientes hiperten-
CEC ou pelo dano da apoptose. Dessa forma, ao sos. No que lhe concerne, a epidemiologia da
ser encontrada em grandes quantidades na cor- hipertrofia vascular, é caracterizada como de
rente sanguínea, a MPE pode estar diretamente maior prevalência no sexo masculino, em ho-
associada a quadros de trombogênese, forma- mens com idade ≥ 49 anos (NOBLAT, et al,
ção de placas de ateroma, inflamações, danos 2004).
vasculares e angiogênese (DEANFIELD, et al,
2007). TRATAMENTOS
A manutenção da integridade endotelial é Tratamento não medicamentoso
imprescindível para a manutenção dos níveis A HAS pode ser provocada por fatores nu-
pressóricos ideais. Para que isso ocorra, os me- tricionais, atitudinais, genéticos entre outros,
canismos celulares de reparo vascular devem caracterizando assim, uma patologia com trata-
estar funcionais. Indivíduos com HAS possuem mento multifatorial. Assim, o estilo de vida do
baixos níveis de células progenitoras endoteli- indivíduo, como a prática regular de atividades
ais (CPE) e altos níveis de MPE, diminuindo físicas, uma menor ingestão de sal e a adesão a
mais ainda a biodisponibilidade de agentes va- uma dieta saudável estão diretamente vincula-
sodilatadores como o NO, agravando a injúria dos à prevenção da HAS (MALACHIAS, et al,
endotelial (ROCHA, 2017 e D'EL-REI, 2020). 2016).
É fundamental realizar atividades físicas
Hipertrofia vascular moderadas por no mínimo 30 minutos por dia e
A hipertensão arterial configura-se como por pelo menos 5 dias na semana, tendo as op-
um fator de risco para mortalidade e morbidade ções de realizar 30 minutos corridos (de forma

23
contínua) ou realizar de forma acumulada de cálcio; os inibidores da enzima conversora
(2x/dia por 15 minutos ou 3x/dia por 10 minu- de angiotensina (ECA); os bloqueadores dos re-
tos). Em se tratando de treinamentos aeróbios, ceptores de angiotensina II e os inibidores de
o ideal é realizá-los 5 vezes por semana, sendo renina (MARTELLI, 2008).
a quantidade mínima 3 vezes por semana, a du-
ração dos exercícios molde seria de 40 a 50 mi- Diuréticos
nutos, porém a duração mínima é de 30 minu- Dentre os medicamentos utilizados para o
tos. As atividades podem ser de modalidades controle da HAS estão os diuréticos, a saber:
variadas (dançar, correr, lutar, nadar, remar, amilorida, clorotiazida e a furosemida. Sua ação
etc), desde que a intensidade seja moderada se dá por reduzir a PA, diminuindo o volume de
(ABEL, et al, 2015). sangue ao alterar os transportadores e as bom-
O protocolo de tratamento resistido, preco- bas iônicas nas células dos néfrons, e fazendo
niza a prática entre 2 a 3x/semana, priorizando com que a liberação de íons sódio seja mais in-
um treino que estimule os principais grupos tensa. Isso produz um maior volume de urina e
musculares, a saber: peitoral maior, latíssimo impede uma grande retenção de líquido na cor-
do dorso e quadríceps femoral. São recomenda- rente sanguínea, ocasionando a alteração na ati-
dos de 8 a 10 exercícios para os grupos selecio- vidade de corticoides como a aldosterona e im-
nados, bem como realizar de 1 a 3 séries com pedindo o sistema renina-angiotensina-aldoste-
10 a 15 repetições, cada. A potência do movi- rona (SRAA). É importante ressaltar, ainda, que
mento deve focar em uma fadiga moderada. É os medicamentos de efeito diurético podem
preferível a realização de exercícios unilaterais causar como efeito colateral a hiperuricemia e a
e que as pausas entre as séries fiquem entre 90 resistência à glicose (LESSA, 2001).
e 120 segundos (MALACHIAS, et al, 2016).
Bloqueadores adrenérgicos
Tratamento medicamentoso
Os bloqueadores adrenérgicos são divididos
O tratamento medicamentoso deve estar as- em diversas classes, classes essas que têm efei-
sociado aos tratamentos não medicamentosos a tos diferentes como por exemplo os de ação
fim de uma maior efetividade do prognóstico. central que por sua vez, atuam estimulando re-
Os tratamentos medicamentosos visam contro- ceptores do sistema central que reduzem a des-
lar a PA, reduzir eventos cardiovasculares fatais carga simpática, não são efeitos muito efetivos
e não fatais, além de controlar as taxas de mor- quando o medicamento é utilizado sem a com-
bimortalidade de pacientes hipertensos em ur- binação a outros anti-hipertensivos e podem
gências ou emergências hipertensivas. Con- causar sonolência, sedação e boca seca decor-
tudo, apenas 30% dos portadores de HAS no rente da diminuição da atividade simpática
Brasil realizam tratamento anti-hipertensivo de (VOSGERAU, 2011).
forma adequada (MARTELLI, 2008). Mais um exemplo de bloqueadores adrenér-
Os anti-hipertensivos podem ser de diferen- gicos são os betabloqueadores que atuam na di-
tes classes, como: os diuréticos; os inibidores minuição do débito cardíaco, na diminuição da
adrenérgicos, que podem ter ação central como renina, na readaptação dos barorreceptores e na
agonistas alfa-2-centrais ou que podem ser be- inibição simpática periférica. É um fármaco de
tabloqueadores ou alfa bloqueadores; os vaso- mecanismo complexo que pode ser efetivo
dilatadores diretos; os bloqueadores dos canais
24
mesmo sem sua combinação a outros anti-hi- Inibidores da ECA
pertensivos (MARTELLI, 2008).
A classe dos inibidores da ECA pode ser re-
Vasodilatadores presentada pelo captopril, pelo enalapril e pelo
fosinopril, por exemplo. Auxiliam no trata-
Vasodilatadores diretos também são pres- mento da HAS impedindo a formação da angi-
critos como adjuvantes no tratamento da HAS. otensina II e, como consequência, ocorre a di-
A hidralazina e o Minoxidil são exemplos des- minuição da liberação de aldosterona. São bas-
ses medicamentos, que induzem a vasodilata- tante efetivos como monoterapia, mas também
ção periférica, a qual acarreta no relaxamento podem ter seu efeito otimizado se utilizados em
da musculatura dos vasos sanguíneos, produ- conjunto com diuréticos. São medicamentos
zindo efeito mais visível nas arteríolas e redu- contraindicados durante a gestação ou para mu-
zindo, principalmente, a pressão arterial diastó- lheres em idade fértil que desejem engravidar,
lica, porém, eles não são os primeiros recomen- por riscos de ação teratogênica (VOSGERAU,
dados e geralmente são utilizados somente em 2011).
casos de emergência ou HAS de difícil controle
pois podem causar retenção hídrica e taquicar- Bloqueadores dos receptores de angi-
dia reflexa (DEANFIELD, 2007). otensina II

Bloqueadores de canais de cálcio Os bloqueadores dos receptores de angio-


tensina II interrompem o processo do SRAA
Os bloqueadores de canais de cálcio estão depois que a angiotensina II já foi liberada na
entre os preferidos para o tratamento de hiper- corrente sanguínea, bloqueando especifica-
tensão, mesmo quando não combinados a ou- mente os receptores de angiotensina 1, impe-
tros anti-hipertensivos. A base para seu uso vem dindo os efeitos vasoconstritores da angioten-
da ideia de que em caso de HAS é atrativo re- sina II (MARTELLI, 2008).
duzir a resistência vascular periférica, a qual é A eficácia dessa classe de medicamentos se
controlada pela concentração de Ca 2 + intrace- dá, além de sua ação direta sobre o controle da
lular livre. Assim, os bloqueadores de canais de PA, pela maior adesão ao tratamento farmaco-
cálcio vão inibir a movimentação dos íons para lógico, por parte dos pacientes, devido aos me-
que esse estresse do músculo liso não aconteça, nores efeitos colaterais, em comparação a ou-
tendo como resultado o relaxamento do mús- tros medicamentos anti-hipertensivos (FER-
culo arteriolar e a diminuição da resistência NANDES, 2017).
vascular periférica. Esses medicamentos pos-
suem diferentes grupos com características far- CONCLUSÃO
macológicas distintas, mas que acabam por ter
o mesmo resultado, são esses: fenilalquilaminas Essa revisão demonstrou as principais dis-
(verapamil), benzotiazepinas (diltiazem), dii- funções endoteliais e fisiológicas da hiperten-
dropiridinas (nifedipina, isradipina, nitrendi- são arterial sistêmica (HAS), que é caracteri-
pina, felodipina, amlodipina, nisoldipina, laci- zada pela quebra na homeostase entre as subs-
dipina) e antagonistas do canal T (mibefradil) tâncias vasodilatadoras e vasoconstritoras.
(MALACHIAS, et al, 2016 e BRUNTON, 2018). A presença de HAS é um fator de risco para
lesão de órgãos alvo, desenvolvimento de doen-

25
ças cardiovasculares, e elevação de risco de ou- guidelines sobre as terapêuticas fármacológicas
tras patologias. Por se tratar de uma doença crô- e mudanças atitudinais relacionadas aos porta-
nica e por ter características multifatoriais, sua dores de HAS. Contudo o percentual de hi-
abordagem necessita de tratamentos medica- pertensos que aderem ao tratamento tem que ser
mentosos e não medicamentosos. substancialmente elevado, para que se tenha um
A Sociedade Brasileira de Cardiologia e melhor prognóstico sobre a saúde desses paci-
Eighth joint national committee atualizaram os entes.

26
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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28
Capítulo 4

CARDIOMIOPATIA DE
TAKOTSUBO SECUNDÁRIA A
ACIDENTE VASCULAR
ENCEFÁLICO ISQUÊMICO:
UM RELATO DE CASO

ARTHUR SALVARO PANATO¹


CAMILA TASCA GHISI1
GABRIELA FERNANDES ARAÚJO CECHINEL1
MARIA LAURA REIS REMOR1
ROBERTO GABRIEL SALVARO2

1
Discente – Universidade do Extremo Sul Catarinense
2
Docente – Universidade do Extremo Sul Catarinense

Palavras-chave:
Dor torácica; Cardiomiopatia; Acidente vascular encefálico.

29
INTRODUÇÃO A busca por referencial teórico ocorreu nas
plataformas digitais: Scielo e PubMed, livros
A síndrome de Takotsubo é caracterizada científicos recentes da área relativa ao tema. Fo-
por uma disfunção sistólica regional transitória ram utilizados os descritores: síndrome de Ta-
do ventrículo esquerdo devido a um aumento de kotsubo, AVE isquêmico e dor torácica. Desta
catecolaminas, sendo um importante diag- busca foram encontrados 15 artigos, posterior-
nóstico diferencial da síndrome coronariana mente submetidos aos critérios de seleção.
aguda. Mais de 80% dos casos ocorrem em Os critérios de inclusão foram: artigos no
mulheres, geralmente após menopausa e com idioma inglês ou português; publicados no pe-
um estresse físico ou emocional precipitante. A ríodo de 2004 a 2021 e que abordavam as temá-
manifestação clínica mais comum é a dor to- ticas propostas para esta pesquisa, estudos do
rácica subesternal que pode ser associada com tipo revisão, disponibilizados na íntegra. Os cri-
dispneia e síncope. Além da clínica ser seme- térios de exclusão foram: artigos duplicados,
lhante a síndrome coronariana aguda, há alte- disponibilizados na forma de resumo, que não
rações eletrocardiográficas e aumento dos bio- abordavam diretamente a proposta estudada e
marcadores cardíacos e BNP. Sua diferenciação que não atendiam aos demais critérios de inclu-
é feita pela ausência de evidência angiográfica são.
de doença arterial coronariana obstrutiva ou Após os critérios de seleção restaram 08 ar-
ruptura aguda de placa na cardio-patia de es- tigos que foram submetidos à leitura minuciosa
tresse (TEMPLIN et al., 2015). para a coleta de dados. Os resultados foram
O objetivo deste estudo foi correlacionar a apresentados de forma descritiva, associando
clínica de duas síndromes distintas, de maneira diretamente com a literatura.
aprofundar o raciocínio clínico ao abordar sin-
tomas de dor torácica. Descrição Do Caso
Paciente, feminina, 69 anos, dislipidêmica,
MÉTODO
com doença coronariana e ponte intramiocár-
Trata-se de uma revisão de literatura com dica prévia. Foi encaminhada ao hospital com
relato de caso. As informações relacionadas ao queixas de déficit sensitivo e motor. Após rea-
caso clínico foram obtidas por meio de revisão lização de TC de crânio foi demonstrado aci-
do prontuário e registro fotográfico dos laudos dente vascular encefálico isquêmico, no terri-
diagnósticos. tório da artéria cerebral média direita, com re-
Esta pesquisa atendeu aos critérios de pes- perfusão de fluxo após trombólise. Seu ECG
quisa envolvendo seres humanos estabelecidos apresentava ritmo sinusal com intervalo QT
na Resolução 466/2012 do CNS, tendo aprova- longo e extrassístoles ventriculares bigemina-
ção do Comitê de Ética em Pesquisa. O local da das. Os exames laboratoriais demonstraram ele-
pesquisa envolveu um laboratório de análises vação da Troponina I.
químicas e uma clínica de imagem de uma ope-
radora de saúde localizada na região Norte do
Paraná. Por fim, o manejo da paciente foi rea-
lizado no Hospital de Turvo, bem como as con-
sultas que foram realizadas com o cardiologista,
autor desta publicação.

30
Figura 4.1 Imagem do Eletrocardiograma da paciente na Figura 4.2 Imagem do Ecocardiograma unidimensional
internação pelo AVE (Acidente Vascular Encefálico) e bidimensional com doppler colorido da paciente após a
alta hospitalar

Legenda: Ritmo sinusal com intervalo QT longo e ex-


trassístoles ventriculares bigeminadas.

O ecocardiograma transtorácico revelou um


Legenda: Câmaras cardíacas com tamanhos e funções
ventrículo esquerdo com 51 mm e uma fração normais; fração de ejeção de 62%.
de ejeção de 36% associada a um comprometi-
mento miocárdico segmentar com disfunção RESULTADOS E DISCUSSÃO
sistólica moderada (hipocinesia importante dos
De origem japonesa, o nome “takotsubo”
segmentos médio apical). Sua cinecoronario-
atribui a semelhança do angiograma do ventrí-
grafia apresentou na artéria descendente ante-
culo esquerdo com uma armadilha de polvo
rior: ponte intramiocárdica; artéria diagonal 1:
típica oriental. A antiga predileção por pacien-
lesão ostial severa, vaso fino.
tes da cultura asiática vem diminuindo com o
Paciente teve uma boa evolução e proce-
aumento dos relatos de casos em diversas par-
deu com a alta hospitalar. No acompanhamento
tes do mundo, e precisa ser reconhecida pela
com o seu cardiologista foi solicitado um Eco-
comunidade médica (SHARKEY et al., 2005).
cardiograma com doppler colorido que mostrou
Há diversas hipóteses que tentam explicar a
as câmaras cardíacas com tamanhos e funções
causa principal do transtorno. Mesmo sem ori-
normais e uma fração de ejeção de 62%. Tam-
gem exata, o espasmo coronariano, baixo nível
bém foi solicitado uma RM cardíaca que de-
de estrogênio, aumento de catecolaminas e in-
monstrou ventrículo esquerdo apresentando di-
flamação são os principais mecanismos asso-
âmetros dentro da normalidade, leve hipocine-
ciados. Entre os fatores de risco encontram-se
sia e balonamento apical, com função global
abuso doméstico, morte de familiares ou ami-
preservada (fração de ejeção do ventrículo es-
gos, acidentes, perda financeira, diagnóstico
querdo 63%). Novo eletrocardiograma com rit-
recente de uma doença, drogas estimulantes
mo sinusal, extrassístoles ventriculares e sem
como a cocaína, ou até mesmo aconte-cimentos
demais particularidades.

31
positivos – quando é denominada “síndrome do inalação de oxigênio, heparina intravenosa,
coração feliz" (AHMED et al., 2021). AAS e betabloqueador. Após a confirmação da
Os fatores estressantes aumentam os níveis cardiomiopatia, o AAS pode ser interrompido
de adrenalina liberada pelas células cromafins se não houver doença coronariana. A heparina
da medula adrenal, e de noradrenalina liberada deve ser mantida a fim de evitar possível
pelas terminações nervosas simpáticas. A toxi- trombose apical do ventrículo esquerdo. Trom-
cidade direta das catecolaminas associada a bolíticos não têm benefícios e podem cursar
vasocontrição coronariana aumentam o traba- com complicações hemorrágicas. (S; Y, 2014)
lho cardíaco. Em adição, a deficiência do es- No caso acima, torna-se difícil determinar
trogenio promove dano endotelial e tem papel se a cardiomiopatia foi a causa ou o resultado
facilitador na disfunção cardíaca (PELLICCIA do acidente vascular cerebral. Se a síndrome for
et al., 2017). considerada a causa do AVC, o paciente deve
Embora ainda não haja um algoritmo defi- receber anticoagulação. No caso da se-gunda
nitivo para o diagnóstico, foram propostos, em hipótese, o AVE é então considerado cripto-
2004, critérios para a definição do diagnóstico: gênico e um estudo etiológico mais com-pleto é
1. Acinesia ou discinesia transitória da região necessário (FEBRERO et al., 2020).
apical ventricular esquerda; 2. Ausência de
doença obstrutiva coronariana ou evidência CONCLUSÃO
angiográfica de ruptura aguda de placas; 3.
As principais teorias etiológicas da cardio-
Anormalidades recentes no eletrocardiograma
miopatia de estresse são o aumento das cateco-
como inversão da onda T ou supraelevação do
laminas e disfunção microvascular que podem
segmento ST; e 4. Ausência de trauma cranio-
ser ocasionadas por estresse físico e psicoló-
encefálico significativo, sangramento intracra-
gico (KUROWSKI et al., 2007). No caso cita-
niano, feocromocitoma, miocardite, cardiomi-
do a síndrome de Taktosubo, aparenta ser se-
opatia hipertrófica e doença obstrutiva corona-
cundária a disfunção causada pelo AVEi. A
riana. Todos os 4 critérios são necessários para
paciente apresentou regressão do quadro de
fechar o diagnóstico (BYBEE et al., 2004).
disfunção ventricular esquerda, sem sequelas
Como o quadro clínico simula um infarto
posteriores causadas pela miocardiopatia.
agudo do miocárdio, o manejo inicial inclui

32
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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33
Capítulo 5

HIPERTENSÃO ARTERIAL
SISTÊMICA PRIMÁRIA:
ABORDAGEM GERAL DO
TRATAMENTO
MEDICAMENTOSO

ALINE AZIZ ALEXANDRE POZZA¹


BRUNA PORTELA COSTA FERREIRA DE MELO¹
JULIA MIGUEL MESQUITA CASTANHEIRA¹
LARISSA SILVEIRA FIUZA¹
LARISSA JÚLIA COSTA FURTADO¹
LAURA FERREIRA MOREIRA DOS SANTOS¹

¹Discente - Medicina da Faculdade Ciências Médicas de Minas Gerais

Palavras chave:
Hipertensão; Pressão Arterial; Tratamento Farmacológico; Fatores de Risco de Doenças Cardíacas.

34
INTRODUÇÃO base a fisiopatologia da doença. Ademais, pro-
cura-se trazer informações atualizadas sobre o
A Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) é assunto a fim de integrar raciocínio à prática clí-
uma doença crônica não transmissível (DCNT) nica do profissional.
multifatorial, caracterizada por uma elevação
dos níveis pressóricos médios do paciente, que MÉTODO
levam ao aumento significativo do seu risco de
desenvolver lesões em órgãos alvo do corpo, e Trata-se de uma revisão integrativa reali-
eventos cardiovasculares agudos ou crônicos, zada no período de Agosto a Setembro de 2021,
até mesmo antes de ser diagnosticada - uma vez por meio de levantamento bibliográfico nas ba-
que é considerada uma doença silenciosa. Ela é, ses de dados PubMed e Scielo, com uso dos se-
atualmente, o principal fator de risco modifica- guintes descritores em inglês e português: Hi-
vel para o desenvolvimento de doenças cardio- pertensão; Pressão Arterial; Tratamento Farma-
vasculares (DCV) que, por sua vez, são a prin- cológico; Fatores de Risco de Doenças Cardía-
cipal causa de atendimentos ambulatoriais, hos- cas. Além disso, foram utilizados também li-
pitalizações e mortes em todo o mundo (BAR- vros didáticos e diretrizes nacionais.
ROSO et al., 2020; KASPER et al., 2017). Os critérios de inclusão foram: material nos
No cenário global, a HAS está em ascensão idiomas inglês e português, publicado no perí-
nos países em desenvolvimento, e estima-se odo de 2000 a 2021 e que abordavam as temá-
que em 2015, 4,5 milhões de homens e 4 mi- ticas propostas para esta pesquisa, disponibili-
lhões de mulheres tenham morrido devido a zados na íntegra. Os critérios de exclusão fo-
complicações de uma pressão sistólica maior ram: artigos duplicados, disponibilizados na
que os níveis preconizados como aceitáveis, a forma de resumo, que não abordavam direta-
maioria em regiões de baixa ou média renda mente a proposta estudada e que não atendiam
(ZHOU et al., 2021). No Brasil, estima-se que aos demais critérios de inclusão.
mais de meio milhão das mortes, ocorridas en- Após os critérios de seleção restaram 26 ar-
tre 2008 e 2017, possam ser atribuídas à HAS tigos que foram submetidos à leitura minuciosa
(BARROSO et al., 2020). para a coleta de dados. Os resultados foram
Apesar de ser uma doença de fácil diagnós- apresentados tanto em tabelas quanto de forma
tico e tratamento eficaz, com diversos medica- descritiva, divididos nos tópicos a seguir.
mentos distribuídos de forma gratuita pelo Sis-
tema Único de Saúde (SUS), a hipertensão RESULTADOS E DISCUSSÃO
ainda é subdiagnosticada e há pouca adesão ao A HAS é fator de risco para o desenvolvi-
seu tratamento, tanto farmacológico quanto não mento de doença coronária, acelera o processo
farmacológico, principalmente por ser uma do- de aterosclerose e pode ser um fator determi-
ença muitas vezes assintomática. Por causa nante para o surgimento prematuro de morbi-
disso, ela pode ser considerada um grande pro- dade e mortalidade cardiovascular (BARROSO
blema de saúde pública, gerando altos gastos et al., 2020). Diante disso, conhecer os meca-
para o sistema de saúde brasileiro. nismos fisiopatológicos da alteração da pressão
O objetivo deste estudo é demonstrar a im- é essencial para estabelecer um tratamento far-
portância do tratamento farmacológico da HAS macológico racional e direcionado para cada
e explicar seus princípios básicos, tendo como pessoa.

35
A regulação da pressão arterial envolve da pressão (GUYTON & HALL, 2017). Vale
ações dos sistemas cardiovascular, renal, neural ressaltar que todos esses sistemas atuam em
e endócrino, sendo sua alteração, portanto, de equilíbrio mantendo a pressão arterial em níveis
causa multifatorial. De forma básica, a pressão normais. A HAS se desenvolve quando há de-
arterial (PA) é o resultado do débito cardíaco sequilíbrio crônico de alguns desses fatores,
(DC) e da resistência vascular periférica (RVP), visto que sua fisiopatologia é multifatorial.
obedecendo a seguinte fórmula: PA = DC x Acerca dos fatores de risco, destacam-se:
RVP. Sua alteração pode se dar a partir de um idade, sexo, etnia, sobrepeso e obesidade inges-
só desses mecanismos, mas é comum que haja tão de sódio e potássio, ingestão de álcool, se-
aumento tanto do DC - como alteração do vo- dentarismo, fatores socioeconômicos e geneti-
lume de sangue circulante, frequência cardíaca cos, apneia obstrutiva do sono, dentre outros.
e contratilidade do miocárdio -, quanto da RVP Embora a relação com esses fatores seja bem
- como alteração dos mecanismos vasoconstri- estabelecida, é importante ter em mente que al-
tores e do sistema renina-angiotensina guns são mais significativos do que outros; a
(GUYTON & HALL, 2017). exemplo disso temos a ingestão de sal em ex-
Em um momento de queda brusca da pres- cesso como importante causador do aumento do
são arterial, por exemplo, ocorre a propagação volume intravascular, em contrapartida o sexo
de sinais nervosos que estimulam o inotropismo indica o masculino como fator de risco, e em-
e a constrição geral da maioria das arteríolas em bora em pessoas mais jovens eles sejam a mai-
todo o corpo. Já em períodos mais prolongados oria, nas pessoas por volta da 6ª década de vida,
(dias e semanas) de alteração da pressão, como a maioria dos hipertensos são mulheres (BAR-
ocorre no caso de pessoas acometidas pela ROSO et al., 2020).
HAS, os rins desempenham papel adicional
fundamental no controle dessa PA por meio da 1. Diagnóstico
regulação do volume sanguíneo e pela secreção O diagnóstico de hipertensão é clínico,
de hormônios controladores da pressão. dado por um médico após avaliação do paci-
De modo geral, se o volume sanguíneo au- ente, obtenção de seu histórico médico, realiza-
menta e a capacidade vascular não é alterada, ção de exame físico e investigação clínica e la-
ocorre aumento da PA. Isso ativa os mecanis- boratorial.
mos renais de controle, e faz com que os rins Após duas ou mais consultas, em que será
excretam o volume excessivo aumentando o aferida a PA dos pacientes, serão considerados
volume do débito urinário (diurese de pressão) hipertensos aqueles que apresentarem, em mé-
e a eliminação de sal (natriurese de pressão), dia, uma pressão arterial sistólica (PAS) ≥ 140
normalizando então a pressão arterial. Além mmHg e/ou uma pressão arterial diastólica
disso, os rins também englobam o sistema re- (PAD) ≥ 90 mmHg (BARROSO et al., 2020).
nina-angiotensina, que é um mecanismo bas- Apesar de ser o método mais comumente em-
tante complexo, e que também atua no controle pregado, ele está sujeito a alterações, que de-
da PA a longo prazo. Ele atua neste órgão con- pendem tanto do profissional ao realizar a me-
trolando a retenção de sal e água, e faz com que dição, quanto do paciente, que pode ser porta-
as glândulas adrenais secretam aldosterona - dor de uma “HAS mascarada”, de difícil detec-
que por sua vez, aumenta a reabsorção de sal e ção, ou da “HAS do jaleco branco”, na qual o
água pelos túbulos renais, provocando aumento consultório médico o deixa nervoso e provoca

36
aumento de sua PA, e por isso deve ser criterio- um período de tempo acordado com o médico,
samente analisado (KASPER et al., 2017). sendo os valores anotados e levados na consulta
Para evitar superestimação ou subestimação subsequente. Já na Monitorização Ambulatorial
dos valores de PA, foram desenvolvidas técni- de Pressão Arterial (MAPA), o paciente recebe
cas de monitorização pressórica contínuas, que um aparelho de monitorização contínua e auto-
podem ser utilizadas concomitantemente às mática, que deverá ser utilizado por 24 horas,
avaliações em consultório médico e auxiliam no enquanto o paciente realiza suas atividades nor-
diagnóstico (BARROSO et al., 2020). A malmente, e entregue ao médico para que ele
Monitorização Residencial de Pressão Arterial avalie os dados coletados (NOBRE et al.,
(MRPA) se baseia na aferição, pelo próprio pa- 2018). O fluxograma abaixo (Figura 5.1) ilus-
ciente e com aparelho devidamente calibrado, tra, de maneira resumida e atualizada, o melhor
de sua PA em diferentes momentos do dia por caminho para o diagnóstico clínico da HAS:
Figura 5.1 Fluxograma de diagnóstico de HAS

Legenda: PA: pressão arterial; HAS: hipertensão arterial sistêmica; PAv: pressão arterial em vigília; PAs: pressão
arterial durante sono. Fonte: Adaptada de BARROSO et al., 2020.

2. Classificação tensão Arterial de 2020, há necessidade de mo-


No Brasil, a HAS é classificada em três nitorização mais atenta dos indivíduos classifi-
principais estágios, além de serem descritos o cados como pré-hipertensos devido ao seu
estágio de PA ótima, PA normal e pré-hiperten- maior risco de desenvolver DCV, doença arte-
são - esquematizados na Tabela 5.1 Vale res- rial coronariana (DAC) e acidente vascular en-
saltar que esses parâmetros podem mudar de cefálico (AVE) em relação aos indivíduos clas-
acordo com os indicadores de saúde de cada sificados dentro da faixa de PA normal (BAR-
país. Segundo a Diretriz Brasileira de Hiper- ROSO et al., 2020).

37
Tabela 5.1 Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial - 2020

Classificação PAS (mmHg) PAD (mmHg)

PA ótima < 120 e < 80

PA normal 120-129 e/ou 80-84

Pré-hipertensão 130-139 e/ou 85-89

HAS estágio 1 140-159 e/ou 90-99

HAS estágio 2 160-179 e/ou 100-109

HAS estágio 3 ≥ 180 e/ou ≥ 110

Fonte: Adaptada de BARROSO et al., 2020.

3. Importância do tratamento far- de exercícios físicos, além de apresentarem im-


macológico pacto positivo na redução e controle da PA,
também são importantes na prevenção e con-
Diante dos altos riscos de desenvolvimento
trole de outras comorbidades.
de desfechos cardiovasculares e de lesões em
órgãos alvo (LOA), como cérebro e rins, apre- 4. Conduta inicial
sentados pelos pacientes portadores de HAS,
foi necessário estabelecimento de terapêuticas Dado o diagnóstico de HAS primária, o
com o objetivo de redução da PA e de proteção passo seguinte é realizar a Estratificação de
cardiovascular. A implementação do tratamen- Risco Cardiovascular, que leva em conta os fa-
to farmacológico trouxe grande impacto na tores de risco associados ao indivíduo, e que
morbimortalidade provocada pela HAS. Foi ob- norteia as medidas preventivas, metas pressó-
servado uma redução de 10-12mmHg na PAS e ricas e o tratamento a ser realizado. O cálculo
de 5-6mmHg na PAD, que foi acompanhada de do RCV é realizado a partir de equações mate-
significativa redução no risco de desenvolvi- máticas e modelos baseados em estudos popu-
mento de eventos cardiovasculares, como AVE lacionais. Ele leva em conta a idade, a ocorrên-
(37%) e insuficiência cardíaca (46%), e na mor- cia de eventos cardiovasculares prévios, LOA,
talidade total provocada pela HAS (12%) (BAR- e outras comorbidades como o diabetes mellitus
ROSO et al., 2020; KASPER et al., 2017). e a dislipidemia (BARROSO et al., 2020). Na
Vale ressaltar, porém, que as medidas não- Tabela 5.2, está ilustrada a classificação pre-
medicamentosas, como a cessação do tabagis- conizada pela mais recente Diretriz Brasileira
mo, alterações na dieta, perda de peso e prática de Hipertensão (2020).

37
Tabela 5.2 Estratificação do Risco Cardiovascular

PA (mmHg)

Presença FR, LOA Pré-hipertensão HAS estágio 1 HAS estágio 2 HAS estágio 3
ou comorbidades

Sem FR Sem risco adicional Risco baixo Risco moderado Risco alto

1 ou 2 FR Risco baixo Risco moderado Risco alto Risco alto

≥ 3 FR Risco moderado Risco alto Risco alto Risco alto

LOA, DRC estágio Risco alto Risco alto Risco alto Risco alto
3, DM, DCV

Legenda: FR: fatores de risco; LOA: lesões de órgãos-alvo; DRC: doença renal crônica; DM: diabetes mellitus.
Fonte: Adaptado de BARROSO et al., 2020.

5. Diuréticos (DIU) cos e poupadores de potássio. A monoterapia


Os diuréticos são uma classe de fármacos com DIU pode ser iniciada em pacientes com
altamente recomendados como tratamento da HAS leve a moderada não complicada, na au-
HAS, estados edematosos e distúrbios hidroele- sência de contraindicações. Existe a preferência
trolíticos. Eles foram os primeiros antihiper- pelos tiazídicos em baixas doses por promo-
tensivos disponíveis para uso possuindo grande verem uma redução mais suave da PA em com-
experiência mundial, alta eficiência, fácil ma- paração com os demais DIU, apresentando pou-
nuseio e baixo custo. Adicionalmente, essa cos efeitos colaterais. Os DIU de alça são indi-
classe tem demonstrado benefícios em relação cados apenas na vigência de DRC avançada
aos desfechos cardiovasculares da HAS (creatinina > 2,0 mg/dl ou RFG calculado < 30
(JAUCH et al., 2013; HEMPHILL et al., 2015). Os ml/min/1,73m2) e/ou na presença de edema
DIU, de uma forma geral, atuam aumentando a (ex.: ICC). A classe dos "poupadores de K+"
eliminação de Na+ e água pelos rins, logo, oca- não são considerados bons anti-hipertensivos
sionam diminuição do volume extracelular. Tal quando usados isoladamente, no entanto, po-
mecanismo ocorre através da diminuição da re- dem ser associados aos tiazídicos ou DIU de
absorção de Na+ e de um ânion acompanhante alça a fim de evitar a hipocalemia. Além disso,
do filtrado, geralmente o Cl-, sendo que a elimi- podem ser usados em combinação com outros
nação do NaCl trará, como consequência, o au- fármacos usados no tratamento da HAS
(BRAAM et al., 2017).
mento da perda de água. Devido a capacidade
Os efeitos adversos são praticamente os
de indução de um balanço hídrico negativo os
mesmos para as três classes e incluem fraqueza,
diuréticos possuem efeitos anti-hipertensivos
câimbras, hipovolemia e disfunção erétil. Com
quando usados isoladamente e potencializam a
relação ao metabolismo, o distúrbio mais co-
eficácia de praticamente todas as outras classes
mum é a hipocalemia, com exceção da espiro-
de anti-hipertensivos (PADILLA et al., 2007).
nolactona, além da hipomagnesemia e hipona-
São três os principais tipos de diuréticos
tremia. Estes distúrbios eletrolíticos podem in-
usados no tratamento da HAS: de alça, tiazídi-

38
duzir arritmias ventriculares, sobretudo extras- Diuréticos tiazídicos
sistolia. Um dos efeitos colaterais mais comuns
Dentro da classe dos diuréticos, os tiazídi-
do uso de DIU é o aumento do ácido úrico.
cos, têm sido o padrão ouro na terapia anti-hi-
Além disso, podem reduzir a liberação de insu-
pertensiva, e seus principais representantes são
lina, devido a hipopotassemia, provocando in-
a hidroclorotiazida (12,5 a 50 mg/dia), a clorta-
tolerância à glicose e aumentando o risco do de-
lidona (12,5 a 25 mg/dia) e a indapamida (1,25-
senvolvimento de DM2 (GUYTON & HALL,
2,5 mg/dia). São os escolhidos para o trata-
2017). O uso de doses baixas diminui o risco dos
mento da HAS não complicada leve a moderada
efeitos adversos, sem prejuízo da eficácia anti-
sendo utilizados muitas vezes como mono-
hipertensiva, especialmente quando em associ-
terapia. São mais tolerados que os diuréticos de
ação com outras classes de medicamentos
alça, pois são menos potentes e, têm demons-
(WALLER et al., 2019).
trado capacidade reduzir os riscos de AVE e in-
Diuréticos de alça farto agudo do miocárdio (IAM) (PSATY et al.,
2016).
Os principais representantes incluem a Fu- Os tiazídicos atuam na parte proximal dos
rosemida (20 a 80 mg/dia) e a Bumetanida (0,5 túbulos contorcidos distais, bloqueando o co-
a 2 mg/dia). Essa classe é considerada a mais
transportador Na+/Cl− na membrana luminal
potente, e os medicamentos são capazes de cau-
das células tubulares causando natriurese com
sar a eliminação de 15 a 25% do Na+ filtrado,
perda desses íons na urina. Inicialmente, a na-
aumentando a oferta deste íon ao néfron distal,
triurese causa uma redução do VEC, que esti-
causando perda de H+ e K+. Seu local de atua-
mula a secreção de renina e, consequente-
ção é no ramo ascendente da alça de Henle, ini-
mente, de aldosterona. Contudo, após 4-6 sema-
bindo o cotransportador Na+/ K+/2Cl− na mem-
nas, o VEC volta ao normal devido à compen-
brana luminal. Além disso, possuem ação vaso- sação renal, e com isso ocorre redução da RVP,
dilatadora que ainda não é muito bem compre- o que efetivamente reduz a PA do paciente, ou
endida, aumentam a eliminação de Ca2+ e mg2+ seja, a queda inicial da PA seria pela diminui-
e diminuem a eliminação de ácido úrico (WAL- ção do volume sanguíneo pela diurese, mas a
LER et al., 2019).
vasodilatação é o que contribui para a fase tar-
Suas principais indicações são HAS leve as-
dia (GOODMAN, 2019).
sociada à insuficiência cardíaca com retenção
Em relação aos efeitos colaterais específi-
de volume, na insuficiência renal com clearance
cos desta classe, destaca-se a disfunção erétil.
abaixo de 30 ml/min/1,73 m, no edema agudo
Ademais, é contraindicado em caso de compro-
de pulmão, insuficiência cardíaca crônica, e in-
metimento grave da função renal (depuração da
suficiência renal. Com relação às contraindica-
creatinina abaixo de 30 mL/min), distúrbio he-
ções, esses fármacos não devem ser usados em
pático grave, icterícia em crianças, distúrbio
pacientes que possuem insuficiência renal com
grave do equilíbrio de eletrólitos e anúria (BAR-
anúria, pré-coma e coma hepático associado a
ROSO et al., 2020).
encefalopatia hepática, hipopotassemia grave,
hiponatremia grave, hipovolemia (com ou sem
hipotensão) ou desidratação (BARROSO et al.,
2020).

40
Diuréticos poupadores de potássio 6. Inibidor da Enzima Conversora de
Angiotensina (IECA) e Bloqueadores
Dentro dessa classe, o mais utilizado é a es- do Receptor de Angiotensina II
pironolactona (25 a 100 mg/dia) que é bem es- (BRA)
tabelecida como a quarta droga a ser acrescen- O SRAA é o único capaz de atuar sobre to-
tada ao esquema terapêutico da HAS (ALESSI dos os sistemas e fatores reguladores da pressão
et al., 2012). Para entender seu mecanismo de arterial, como vasos, rins, coração e SNA sim-
ação é necessário entender que no túbulo cole- pático. Inicialmente, será elucidado a fisiologia
tor ocorre a reabsorção de sódio em troca da se- desse sistema, para enfim expor os efeitos da
creção de K+ e H+, através da ação da aldoste- Angiotensina II e, consequentemente, as ações
rona. Esse fármaco é um inibidor competitivo dos IECA’s e BRA’s, bem como suas diferen-
específico desse hormônio, aumentando a ex- ças.
creção de sódio e água e a retenção de potássio Na parte espessa ascendente da alça de
e hidrogênio. Entretanto, essa troca de íons é Henle, encontra-se a mácula densa, a qual apre-
responsável pela reabsorção de apenas 2% do senta em sua membrana luminal o co-transpor-
Na+ filtrado, e, devido a este fator, esse fár- tador NKCC2. Quando a PA está baixa, o fluxo
maco, quando usado isoladamente, tem a ação renal e a taxa de filtração glomerular (TFG) di-
diurética limitada. Eles têm, contudo, acentua- minuem, aumentando a reabsorção de substân-
dos efeitos anti-hipertensivos, prolongam a so- cias no lúmen, uma vez que ela é dependente do
brevida em pacientes com insuficiência cardí- fenômeno gradiente-tempo. Assim, chega
aca e podem impedir hipocalemia quando com- pouco sódio, cloreto e potássio na mácula
binados a diuréticos de alça ou tiazídicos densa, ocasionando uma baixa atividade da
(CHAPMAN et al., 2007). NKCC2 (GOODMAN, 2019).
A indicação do uso dessa droga é na HAS A baixa reabsorção de sódio é acompa-
resistente, na insuficiência cardíaca, hiperal-
nhada de redução proporcional da atividade do
dosteronismo primário e secundário. Sobre os canal Sódio-Potássio ATPase, na membrana
efeitos colaterais específicos dessa classe, te- basolateral. Isso estimula a enzima Cicloxige-
mos a ginecomastia e a dor nas mamas, secun-
nase 2 (COX-2) a produzir prostaglandinas
dários à ação da espironolactona nos receptores (PG’s), que por sua vez, irão acionar receptores,
androgênicos e progestagênicos. Além disso,
na Célula Justaglomerular, localizada na arte-
pode ocorrer uma hipercalemia devido a parada
ríola aferente, a produzir Renina (GOODMAN,
de secreção de potássio e desconforto gastroin- 2019). Observe a Figura 5.2 sobre a produção
testinal (BARROSO et al., 2020).
de renina.
Esse fármaco é contraindicado em pacien-
tes com insuficiência renal aguda, Anúria, hi-
perpotassemia, doença de Addison, hipercale-
mia ou em uso concomitante de eplerenona.
Além disso, não deve ser utilizado por mulheres
grávidas sem orientação médica (BARROSO et
al., 2020).

41
Figura 5.2 Produção da Renina no Aparelho Justaglo- Após compreender a fisiologia normal do
merular SRAA, entende-se os efeitos subsequentes cau-
sados pelos usos dos BRA’s e IECA’s, nesse
sistema, na Figura 5.4 e 5.5.
Figura 5.4 Efeitos do IECA no metabolismo da Angio-
tensina

Fonte GOODMAN, 2019

Portanto, para aumentar a PA, secreta-se renina,


a qual é responsável por converter o Angioten-
sinogênio, produzido no fígado, em Angioten-
sina I (1-10). Essa será transformada pela En-
zima Conversora de Angiotensina 1 (ECA 1)
em Angiotensina II (1,8) (Ang. II) (GIANI, J.F. Fonte: SANTOS, RAS, et.al, 2019 e VARAGIC, J, et al,
et.al, 2015). Veja na Figura 5.3 a via clássica 2014

com a produção da Ang. II (1-7). Embora, estu-


Figura 5.5 Efeitos do BRA no metabolismo da Angio-
dos recentes já tenham desvendado novas eta- tensina
pas desse processo, cabe aqui expor os pilares
básicos dele para fácil compreensão.
Figura 5.3 Sistema Renina Angiotensina.

Em se tratando da farmacodinâmica, os IECAs Fonte: SANTOS, RAS, et.al, 2019 e VARAGIC, J, et al,
são responsáveis por inibir o ECA I e assim di- 2014
minuir a produção de Angiotensina II. Já os Em seguida, estude o fluxograma da Figura
BRA 's bloqueiam a ligação da angio-tensina II 5.6 o qual apresenta as consequências da dimi-
com o seu receptor. nuição da produção e da atividade da angioten-
sina II. A partir das imagens, podemos resumir
que a ação anti-hipertensiva dos IECA’s e dos

42
BRA’s se dá pela vasodilatação arterial e ve- como diminui a atividade adrenérgica e os efei-
nosa e pelo efeito diurético leve inicial. Assim tos deletérios da angiotensina II no remodela-
mento cardíaco
Figura 5.6 A diminuição e/ou inatividade da Angiotensina II decorrentes do uso de IECA’s e BRA’s

Fonte: SANTOS, RAS, et.al, 2019 e VARAGIC, J, et al, 2014.

Os efeitos adversos são os mesmos para ambas queles com função renal já reduzida. Esse efeito
as classes, com algumas exceções. Na primeira é até desejado para pacientes com DRC e Ne-
dose, principalmente nos hipovolêmicos ou nos fropatia Diabética (ND), pois reduz a hiperpro-
usuários de DIU, pode haver hipotensão sem ta- liferação glomerular e a progressão da glomeru-
quicardia reflexa, pois há inibição da atividade loesclerose, em especial na fase de microalbu-
adrenérgica. A hipercalemia é decorrente da di- minúria. Contudo, deve-se ficar atento pois em
minuição da aldosterona, por isso devemos fi- determinadas doenças a TFG é dependente do
car atentos aos usuários de DIU poupadores de fluxo arterial renal, podendo desenvolver Insu-
potássio, pois apresentam risco aumentado. ficiência Renal Aguda reversível com a sus-
Outro efeito colateral é o discreto aumento pensão do medicamento. É o caso dos pacien-
da creatinina plasmática em nefropatas de até tes com: estenose arterial bilateral ou unilateral;
30-35% do valor basal, o qual é normal no iní- IC com DC muito reduzido e hipovolemia gra-
cio do tratamento, mas que deve ser suspenso e ve.
até contraindicado caso aumente acima do es- Consequências exclusivas dos IECA’s são
perado. Isso é explicado pela diminuição na a tosse seca, o broncoespasmo leve e o angioe-
TFG decorrente da vasodilatação da arteríola dema, decorrentes da não depuração da bradici-
eferente, pela falta e/ou inatividade da angio- nina com o uso de IECA’s, em especial o Cap-
tensina II. Portanto, é esperado redução da ex- topril responsável pela reação de hipersensibili-
creção de creatinina no início, em especial na-
43
dade. Além de rash cutâneos, alterações do pa- topril, Enalapril, Ramipiril, Lisinopril. E os re-
ladar, leucopenia, pancreatite e síndrome ne- presentantes dos BRA's são: Losartana, Val-
frótica por nefropatia membranosa. Um efeito sartana, Irbesartana, Candesartana.
adicional único do Losartan, um BRA, é a uri-
cosúria, isto é, eliminação de ácido úrico, inte- 7. Bloqueadores do Canal de Cálcio
ressante para pacientes com Gota. (BCC)
Os IECA’s e BRA’s são indicados como O cálcio é um elemento que participa da
monoterapia (nunca ambos associados) para pa- contração da musculatura lisa e esquelética
cientes jovens brancos maiores de 18 anos; com além de ser essencial para a geração e manu-
hipertensão renovascular com aumento da reni- tenção do impulso nervoso no coração, então o
na plasmática; com nefropatia; hipertensos pós- BCC atua nos vasos e/ou no músculo cardíaco,
IAM; hipertensos com insuficiência cardíaca por meio do bloqueio do canal de cálcio do tipo
com fração de ejeção reduzida (WHELTON, PK l. Eles são divididos em dois grupos de acordo
et al., 2017). com a afinidade ao local de ação: Diidropiridí-
É contraindicado o uso desses fármacos em nicos, com seus representantes sendo a Nifedi-
pacientes grávidas, com estenose bi ou unilate- pina retard, e o Anlodipino; e os Não-diidro-
ral da artéria renal, com hipercalcemia, com piridínicos representados pelo Diltiazem e pelo
broncoespasmos, com insuficiência renal avan- Verapamil.
çada ou que estejam recebendo suplementação Os diidropiridínicos apresentam seletivi-
de potássio. Contraindica-se a associação com dade maior aos vasos, isto é, impedem o fluxo
outros inibidores do SRAA (BRA, IECA, Inibi- de cálcio para a musculatura lisa das artérias e
dor do Receptor de Renina, DIU poupadores de arteríolas, causando vasodilatação e subsequen-
K+), pelo risco de efeitos adversos, exceto a Es- te redução da RVP. Com consequente redução
pironolactona (DIU poupador de K+) na ICC da PA e da pós-carga cardíaca (BAR-ROSO et
(BARROSO et al., 2020). al., 2020).
Em se tratando das interações farmacológi- Por atuarem em qualquer artéria e arteríola
cas, a associação com antiinflamatórios não es- do corpo, os efeitos adversos são consequentes
teroidais (AINES) deve ser desestimulada, de respostas locais e sistêmicas à vasodilatação,
visto que a produção de renina é dependente da e podem ser: cefaleia, rubor facial, hiperplasia
atividade da COX-2. A associação dos IECA’s gengival, edema maleolar, hiperfiltração glo-
e BRA’s a outros diuréticos, como tiazídicos e merular e taquicardia reflexa. Os quatro pri-
ou de alça, potencializa seus efeitos por au- meiros são decorrentes de modificações locais
mento da produção de renina, além de promo- provocadas pela vasodilatação e o último é pro-
ver um equilíbrio da hipocalemia, causada por vocado pela hiperatividade adrenérgica (BAR-
esses diuréticos. Além disso, diretrizes indicam ROSO et al., 2020).
o uso no início do tratamento combinado de O edema maleolar pode evoluir para derma-
IECA/ BRA com bloqueadores dos canais de tite ocre, que ocorre no terço distal da perna Já a
cálcio (BCC), em caso de pacientes com alto hiperfiltração glomerular- consequência de am-
RCV não obesos (BARROSO et al., 2021).Os bos os grupos de BCC-, deve-se a vasodilatação
principais representantes dos IECA’s são: Cap- da arteríola aferente que leva a natriurese adicio-
nal. A taquicardia reflexa é mais comum no uso
de diidropiridínicos com liberação rápida. Ela é

44
decorrente da ativação do sistema adrenérgico pe- São fármacos contraindicados para pacien-
los barorreceptores que identificam a hipotensão tes com inotropismo negativo, isto é, aqueles
abrupta. Esse efeito vem acompanhado do au- com Insuficiência Cardíaca com fração de eje-
mento da contratilidade cardíaca, o qual também ção reduzida, e/ou que fazem uso de Beta blo-
é responsável por aumentar a demanda cardíaca queadores, por serem drogas que diminuem o
por oxigênio. Por isso, é indicado o uso dos re- DC e a FC. Não devem ser usados por pacientes
presentantes de liberação lenta como Nifedi- com bloqueios atrioventriculares de segundo e
pina retard, para evitar a taquicardia reflexa terceiro graus, nem para grávidas (BARROSO et
(BARROSO et al., 2020). al., 2020).
Diante desses efeitos colaterais, é possível Em relação às interações medicamentosas,
compreender o motivo de serem contraindica- ambas as classes de BCC são os únicos anti-hi-
dos para pacientes com história de AVE e DAC, pertensivos que não sofrem interferência dos
como angina e IAM, além de serem evitados na AINES. Além disso, algumas combinações são
gravidez. Em contrapartida, é indicado para hi- indicadas. Observou-se que sua atuação con-
pertensos negros e para o fenômeno de Ray- junta com dos DIU’s se dá de forma aditiva e
naud (nifedipina) (BARROSO et al., 2020). não sinérgica, isto é, possui capacidade de au-
Já os não-diidropiridínicos, como Verapa- mentar mais a diurese. Já sua associação com os
mil e Diltiazem, são cardiosseletivos, isto por- IECA’s / BRA’s é recomendada principalmente
que, atuam inibindo os canais de cálcio do mio- para pacientes com alto RCV não obesos, pos-
cárdio, do nó Sinoatrial (nó SA) e do nó Atrio- suindo duas vantagens: 1-com os IECA’s/
ventricular (nó AV). O cálcio, no coração, pos- BRA’s a TFG será contrabalanceada, prote-
sui três importantes funções: no cardiomiócito gendo contra a glomeruloesclerose, causada pe-
é responsável por contrair, e sua diminuição re- la hiperfiltração glomerular; 2-os IECA’s irão
duz o inotropismo; no nó SA, o início do poten- diminuir o edema maleolar decorrente do uso
cial de ação é dificultado sem a entrada de cál- de BCC (WHELTON et al., 2017).
cio, o que diminui o cronotropismo; e no nó
AV, há diminuição do dromotropismo. Seus 8. Simpatomiméticos
efeitos são bradicardia, cefaléia, edema perifé- Os simpatomiméticos são utilizados para
rico e constipação intestinal (BARROSO et al., aumentar as catecolaminas endógenas do sis-
2020). tema nervoso simpático (SNS), e podem ser ca-
Diante dessas consequências supracitadas, tegorizados em diretos e indiretos. Os diretos
compreende-se, portanto, que os não-diidropiri- funcionam como agonistas de pelo menos um
dínicos são responsáveis por diminuir o débito receptor adrenérgico, tendo como perfil farma-
cardíaco, através da redução do inotropismo, cológico a base primária no subtipo de recep-
assim como diminuem a frequência cardíaca. tores adrenérgicos. A atividade do receptor
adrenérgico depende da estrutura molecular do
Ambos os efeitos, reduzem a demanda de oxi-
receptor, via de sinalização, distribuição anatô-
gênio para o coração, e por isso, podem ser usa-
mica e concentração de dosagem. Os receptores
dos em pacientes hipertensos com taquiarrit- adrenérgicos incluem as famílias alfa e beta, po-
mia, com angina estável e/ ou de Prinzmetal, dendo atuar como agonistas seletivos ou mis-
que não podem usar betabloqueadores, com di- tos nos receptores alfa e beta-adrenérgicos. Os
abetes e idosos com hipertensão sistólica iso- receptores alfa-adrenérgicos dividem-se em
lada (BARROSO et al., 2020).

45
alfa-1 e alfa-2, e os receptores beta-adrenérgi- 9. Betabloqueadores
cos dividem-se em beta-1, beta-2 e beta-3 (HO-
Os antagonistas β-adrenérgicos, também
ROWITZ et al., 2021)
Os agentes simpatomiméticos indiretos al- chamados de β-bloqueadores, são moléculas
cançam um efeito semelhante por meio do au- que pertencem à família dos receptores acopla-
mento da concentração de catecolaminas endó- dos à proteína G e recebem seu estímulo de ca-
genas na fenda sináptica. Esse aumento pode tecolaminas endógenas (OLIVER et al., 2019).
ocorrer por meio do deslocamento de norepi- Eles estão disponíveis para administração
nefrina ou epinefrina armazenada de dentro das nas formas oral, intravenosa, oftálmica e inje-
vesículas pré-sinápticas, inibição da recaptação táveis, por via intramuscular. Suas dosagens es-
ou inibição de seu metabolismo pela mo- tão disponíveis em diferentes intervalos e irão
noaminoxidase ou catecol-o-metiltransferase depender da medicação específica (FARZAM,
(SCHLICHTE, M., 2020).
2021).
Efeitos adversos: Simpatomiméticos com
Os β-bloqueadores são utilizados princi-
predominância da atividade do receptor adre-
palmente para tratar doenças cardiovasculares,
nérgico alfa-1, como fenilefrina ou norepine-
frina, estão associados à hipertensão (com pos- e sua ação inclui efeitos inotrópicos e bradicár-
sibilidade de emergência hipertensiva), bradi- dicos negativos, que resultam em menor DC.
cardia reflexa, piloereção e retenção urinária. A Além disso, o antagonismo dos receptores β1
vasoconstrição pode causar isquemia e necrose das células justaglomerulares pode reduzir a ati-
dos dedos. Os simpatomiméticos com predo- vidade do SRAA, resultando em diminuição da
minância da atividade do receptor adrenérgico PA. Apesar do mecanismo comum a todos os
alfa-2, como a clonidina, estão associados a se- membros dessa classe de drogas, há diversas di-
dação, depressão respiratória, bradicardia e hi- ferenças em suas atividades. A diferença farma-
potensão, miose, hipertensão de rebote e xe- codinâmica mais relevante entre os β-bloquea-
rostomia. Simpatomiméticos com predomi-
dores é sua seletividade para os receptores adre-
nância da atividade do receptor adrenérgico
nérgicos e suas diferentes gerações. A compre-
beta-1, como a dobutamina, estão associados a
taquicardia e arritmias. Simpatomiméticos com ensão das particularidades dos β-bloqueadores
predominância da atividade do receptor adre- é essencial para a indicação adequada dessas
nérgico beta-2, como albuterol ou salmeterol, drogas (FARZAM, 2021).
são associados ao tremor, agitação, insônia e Primeira Geração de β-bloqueadores: São
sudorese. A vasodilatação da artéria coronária antagonistas não seletivos de receptores do tipo
mediada por beta-2 e do músculo esquelético β1 (miocárdio) e β2 (músculo liso, pulmões, va-
pode causar hipotensão e taquicardia reflexa. sos sanguíneos e outros órgãos) (BARROSO et
Simpatomiméticos indiretos, como anfetami- al., 2020).
nas, cocaína ou efedrina, estão associados à Eles podem reduzir a PA por meio da dimi-
anorexia, perda de peso, insônia, náuseas, vô- nuição da força contrátil do coração e de sua
mitos, cólicas abdominais, isquemia mesenté-
frequência e, consequentemente, reduzem o
rica, tiques motores e convulsões. As complica-
DC. Esses mecanismos permitem seu uso em
ções cardiovasculares dos simpatomiméticos
indiretos semelhantes aos agentes diretos po- pacientes que sofrem de hipertensão, angina e
dem incluir hipertensão com bradicardia re- pós-infarto do miocárdio. No entanto, o anta-
flexa, dissecção aórtica, taquicardia e IAM gonismo β 1-adrenérgico não seletivo de drogas
(HOROWITZ et al., 2021). dessa classe, como o propranolol pode causar
efeitos adversos graves, que estão associados ao

46
antagonismo do receptor β2, como broncoes- rial, da remodelação cardíaca e da disfunção en-
pasmo em pacientes com asma ou DPOC. dotelial. Dentre os principais representantes,
Quanto aos representantes dessa classe, o Pro- destaca-se o Labetalol, primeiro representante
pranolol apresenta efeito benéfico em pacientes da terceira geração, que antagonizou o aumento
infartados, com ou sem ICC e está relacionado induzido pela isoprenalina na força contrátil e
à capacidade de reduzir a força contrátil e a fre- na FC, o Carvedilol, sem atividade simpatomi-
quência cardíaca, resultando em um efeito anti mética intrínseca, que bloqueia os receptores
isquêmico. O Labetalol possui ações sobre os α1adrenérgicos e, por fim, o Nebivolol, um be-
receptores ß e a1 adrenérgicos e contribui para tabloqueador seletivo para o receptor de β1 com
queda de pressão arterial em pacientes hiper- ação adicional de vasodilatação mediada pela
tensos. O Nadolol, possui longa ação com igual maior liberação de óxido nítrico (VALEA et al.,
afinidade pelos receptores ß1 e ß2-adrenérgi- 2019).
cos, e o Pindolol, um antagonista ß-adrenérgico
10. Vasodilatadores
não seletivo dotado de atividade simpatomi-
mética intrínseca, apresenta baixa atividade de Os vasodilatadores são medicamentos com
estabilização de membrana e lipossolubilidade grande potencial de hipotensão que atuam na
moderada (VALEA et al., 2019). manutenção da concentração de cálcio ou na al-
Segunda Geração de β-bloqueadores: Pos- teração da sensibilidade a esses íons na muscu-
suem seletividade para o receptor β1, também latura lisa, promovendo a redução da RVP (KU-
chamada de cardiosseletividade. Como tal, eles BOTANI et al., 2019). São uma classe de medi-
estão envolvidos na redução da força e da taxa camentos anti-hipertensivos sem estudos muito
contrátil cardíaca, levando a uma diminuição do eficazes, entretanto sabe-se que seu mecanismo
débito cardíaco, e também na redução da ati- de ação consiste em reduzir a resistência vas-
vação do sistema renina-angiotensina. Assim, cular periférica devido ao relaxamento da mus-
esses medicamentos são uma escolha acertada culatura lisa arteriolar (MALACHIAS et al.,
no tratamento da hipertensão, angina e insufici- 2016). Quando comparado aos alfabloqueado-
ência cardíaca congestiva, com menor risco de res e BCC di-idropiridínicos, percebe-se que a
efeitos adversos associados ao antagonismo do vasodilatação promovida por ele é muito mais
receptor β2. O Practolol, primeiro β-bloqueador intensa, por isso maior risco de hipovolemia re-
que apresentou seletividade para os receptores lativa, já que não há fluxo suficiente para acom-
β1-adrenérgicos, o Atenolol que apresenta a panhar a vasodilatação promovida (CAMPANA
mesma seletividade para os β1-adrenorrecepto- et al., 2009) Desse modo, torna-se mais fre-
res sobre os β2 análogos, e o Metoprolol, que quente a taquicardia reflexa provocada por
possui cardiosseletividade para os receptores maior ativação do Sistema Renina-angioten-
β1, são os principais representantes dos β-blo- sina-aldosterona, culminando em retenção de
queadores de segunda geração (VALEA et al., líquido, sendo assim para diminuir esses efeitos
2019). são associados diuréticos e BB para diminuir a
Terceira Geração de β-bloqueadores: São taquicardia reflexa, outros efeitos colaterais são
drogas com propriedades vasodilatadoras adici- cefaleia e rubor facial (MALACHIAS et al.,
onais, além de efeitos angiogênicos, anti-hiper- 2016).
tróficos, antioxidantes, antifibróticos e antiapo- No Brasil, estão disponíveis cinco represen-
ptóticos, que levam à redução da pressão arte- tantes dessa classe de medicamentos: Hidrala-

47
zina e Minoxidil (via oral), nitroprussiato de só- Além da melhora do controle glicêmico, esses
dio, nitroglicerina e diazóxido (via parenteral) medicamentos garantem outros benefícios, co-
(CAMPANA et al., 2009). Essas substâncias são mo exemplo a Hidralazina pode ser administra-
medicamentos de 3° linha, ou seja, quase nunca da via intravenosa e não é teratogênica, assim é
são utilizados como monoterapia. Por existirem o medicamento de escolha para grávidas com
outros medicamentos anti-hipertensivos mais eclâmpsia. (MALACHIAS et al., 2016).
eficazes, seguros e com menor potencial de cau-
sar efeitos colaterais eles são utilizados apenas 11. Como tratamos HAS
em situações específicas, como hipertensos gra- Além do tratamento não medicamentoso, a
ves, portadores de hipertensão resistente verda- pessoa com HAS no estágio 1 e com risco car-
deira, pacientes que evoluem para DRC e hiper- diovascular baixo ou moderado, deve receber
tensão associada à gestação (KUBOTANI et al., também tratamento medicamentoso em mono-
2019). Essas drogas devem ser evitadas em ca- terapia - podendo ser DIU, IECA, BCC, BRA e
sos de síndrome coronariana aguda, aneurisma BB em casos específicos como associação de
dissecante de aorta e hemorragia cerebral, tendo arritmias supraventriculares, enxaqueca, IC e
em vista que a taquicardia reflexa e o aumento coronariopatia. É importante ter em vista que
do fluxo sanguíneo podem agravar tais situa- nos casos de IC e coronariopatia devem estar
ções (MALACHIAS et al., 2016). associados outros medicamentos (MALACHIAS,
Dentre os efeitos colaterais desses medica- 2016).
mentos o minoxidil causa hirsutismo em 80% Já na pessoa com HAS estágio 1 e risco car-
dos casos, além de derrame pericárdico em diovascular alto ou com HAS isoladamente em
cerca de 3% dos pacientes e a Hidralazina pode estágios 2 ou 3, o tratamento consiste na asso-
acarretar o Lupus Eritematoso Sistêmico fár- ciação de dois fármacos de classes diferentes
maco-induzido (MALACHIAS et al., 2016). em doses baixas. À escolha dos fármacos, deve-
Todavia, essa classe de medicamentos pro- se evitar o uso de anti-hipertensivos que pos-
move benefícios como em relação ao controle suem o mesmo mecanismo de ação, com exce-
glicêmico, essas substâncias são capazes de ção da associação de DIU tiazídicos com pou-
provocar queda do LDL e aumento do HDL, padores de potássio (MALACHIAS et al., 2016).
possivelmente por ativação de enzimas envol- Caso o tratamento não seja eficaz com 2 medi-
vidas no metabolismo dessas lipoproteínas. camentos associados deve-se acrescentar outros
anti-hipertensivos ou trocar a medicação.

48
Tabela 5.2 HAS e condições clínicas associadas

Ausência de albuminúria: Qualquer droga de 1ªlinha


HAS + Diabetes Mellitus
Presença de albuminúria: IECA ou BRA

HAS + Síndrome Metabólica IECA ou BRA e/ou os BCC

HAS + Doença Coronariana BB, IECA ou BRA

HAS + Doença Cerebrovascular Qualquer anti-hipertensivo de 1ª linha

Ausência de albuminúria: Qualquer droga de 1ª linha.


HAS + Doença Renal Crônica
Presença de albuminúria diabética ou não: IECA ou BRA

Fonte: MALAQUIAS et al., 2016

Associações mais recomendadas: Diuréti- canais de cálcio; Betabloqueadores + Inibidores


cos tiazídicos + Bloqueadores dos receptores da da ECA; Diuréticos tiazídicos + Betabloquea-
angiotensina; Diuréticos tiazídicos + Bloquea- dores; Diuréticos tiazídicos + Outros anti-hiper-
dores dos canais de cálcio; Diuréticos tiazídicos tensivos; Bloqueadores dos receptores da angi-
+ Inibidores da ECA. otensina + Outros anti-hipertensivos; Bloque-
Associação não recomendada: Bloqueado- adores dos canais de cálcio + Outros anti-hiper-
res dos receptores da angiotensina + Inibidores tensivos; Inibidores da ECA + Outros anti-hi-
da ECA pertensivos; Betabloqueadores + Outros anti-
Associações menos testadas: Betabloquea- hipertensivos
dores + Bloqueadores dos receptores da angio-
tensina; Betabloqueadores + Bloqueadores dos

49
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50
Capítulo 6

A INSUFICIÊNCIA CARDÍACA
E O USO DE ESTIMULANTES
À BASE DE CAFEÍNA E
TAURINA EM PESSOAS
SAUDÁVEIS
FRANCISCA DAYANE VIEIRA SILVA¹
AMANDA GOMES BARROS MAIA1
ESTER DE SOUSA NASCIMENTO1
LIERLLY LEITÃO DE OLIVEIRA1
MATHEUS ARRAES MARQUES1

1
Discente – Medicina da Universidade Estadual do Ceará.

Palavras-chave:
Cafeína; Taurina; Insuficiência cardíaca.

51
INTRODUÇÃO com o sistema cardiovascular, como aumento
da função ventricular, da frequência cardíaca
Substâncias estimulantes são aquelas que, (CHABAN et al., 2017) e da pressão sanguínea
quando absorvidas pelo organismo de alguma (SHAH et al., 2019). Tais efeitos são proporci-
forma, proporcionam efeitos como melhora da onados devido à ação da cafeína, principal-
atenção, da força física, capacidade cognitiva e mente, no sistema nervoso central, fazendo com
do nível de energia (KURZYDEM et al., 2019). que o nível de substâncias que aumentam a
Um dos produtos alimentícios mais populares carga de trabalho cardíaco fique mais elevado.
que possuem esses efeitos são as bebidas ener- A taurina é um aminoácido o qual é utili-
géticas, as quais, segundo Chaban et al., (2017), zado como aditivo em várias bebidas energéti-
normalmente, são vinculadas a pessoas que tra- cas. É usado tanto como um neurotransmissor e
balham ou estudam exaustivamente por perío- um neuromodulador. Ela é importante para a
dos bastante prolongados, sendo o maior uso osmorregulação, já que um de seus papéis mais
dessas bebidas observado em estudantes do en- importantes é a manutenção da hemostasia do
sino médio e ensino superior (NOWAK et al., íon cálcio (Ca ) (KURZYDEM et al., 2019).
2+

2018), e as utilizam para se manterem despertos Além disso, ela atua no trabalho cardíaco e es-
e eficientes enquanto continuam suas tarefas. timula a contração muscular (KURZYDEM et
Essa condição se encontra vinculada aos moti- al., 2019), além de ser associada a efeitos ino-
vos da maioria das pessoas ingerirem esses pro- trópicos e antiarrítmicos positivos (CHABAN
dutos, sendo as principais causas combater o et al., 2017).
sono (NOWAK et al., 2018), aumentar o de- Entre os efeitos do aminoácido e do alca-
sempenho físico e aumentar a cognição (SHAH loide citados, os que se relacionam com o sis-
et al., 2019). Os energéticos possuem um amplo tema cardiovascular são os mais proeminentes.
leque de substâncias necessárias para sua fabri- Tais fatores, possivelmente, podem contribuir
cação, sendo os maiores destaques, segundo para o surgimento do quadro de insuficiência
Nowak et al., 2018, a cafeína e a taurina. cardíaca, que se manifesta quando o miocárdio
A cafeína é um dos alcaloides mais conhe- se encontra fraco, o que diminui o débito cardí-
cidos, e é um dos principais ingredientes que aco, fazendo com que o coração não seja capaz
são responsáveis pelos efeitos fisiológicos das de suprir as demandas metabólicas (FUENTES-
bebidas energéticas, estando presente nestas ABOLAFIO et al., 2020). Além do mais, de
com pelo menos 32 mg a cada 100 ml da bebida acordo com Fuentes-Abolafio et al., 2020, pa-
em questão (KURZYDEM et al., 2019). Além cientes com insuficiência cardíaca são prejudi-
dos efeitos estimulantes já citados, outras con- cados em algumas de suas capacidades funcio-
sequências da ingestão de cafeína seriam: dimi- nais, fazendo com que não consigam realizar
nuir a sensibilidade do corpo para a insulina, atividades que seriam possíveis com um mio-
aumentar o nível de catecolaminas, dopamina e cárdio mais saudável. Essa mudança diminui a
glicose no plasma sanguíneo (NOWAK et al., qualidade de vida de uma pessoa com essa con-
2018), como também, propiciar a insônia (NO- dição, já que a impede de fazer atividades coti-
WAK et al., 2018), a irritabilidade e a tontura dianas.
(KURZYDEM et al., 2019). Contudo, os im- O principal objetivo deste capítulo é anali-
pactos que a cafeína causa com maior relevân- sar como a literatura científica aborda a relação
cia para este estudo são aqueles relacionados dos estimulantes à base de cafeína e taurina com

52
a insuficiência cardíaca em pessoas saudáveis consumo entre jovens e adultos. Tais substân-
que ingerem tais substâncias. cias são utilizadas mediante vários intuitos, co-
mo para melhorar o desempenho das funções
MÉTODO mentais e físicas. (CHABAN et al., 2017).
Esse presente estudo qualitativo correspon- Kurzydem et al. (2019) informam outros
de a uma revisão integrativa da literatura prepa- motivos pelos quais essas substâncias são uti-
rada no período de agosto e setembro de 2021 lizadas, como estimular o corpo para aumentar
em que foram utilizados meios construtivos o esforço, melhorar o humor e aumentar a vita-
para a busca de artigos nas bases de dados Pub- lidade. Outrossim, Nowak et al. (2018) corro-
med, Embase e Google Acadêmico. Os descri- boram com Chaban et al. (2017) e Kurzydem et
tores utilizados, que foram “caffeine”, “taurine” al. (2019), mas complementam que esses esti-
e “heart failure”, correspondem aos Descritores mulantes também podem ser usados para com-
em Ciência da Saúde (DeCS), MeSH e Emtree. bater a sonolência e obter mais energia.
Além disso, foi aplicado o operador booleano Shah et al. (2019) realizaram um estudo
“AND”. O trabalho tem como objetivo analisar controlado com 34 voluntários saudáveis com
a relação dos estimulantes à base de cafeína e idade entre 18 e 40 anos que analisou como des-
de taurina com a insuficiência cardíaca em pes- fecho primário o intervalo QTc e como desfe-
soas saudáveis. A pergunta de pesquisa “Qual é cho secundário o intervalo QT (QT), intervalo
a relação entre a insuficiência cardíaca em pes- PR (PR), duração QRS (QRSd), frequência car-
soas saudáveis e os estimulantes à base de cafe- díaca (HR), pressão arterial sistólica (PAS),
ína e taurina?” serviu para a condução do traba- pressão arterial diastólica (PAD), pressão arte-
lho em questão. Ademais, os critérios de inclu- rial sistólica central (cSBP) e pressão arterial
são demarcados foram: artigos que se encon- diastólica central (cDBP) oriundos do consumo
tram em um período de 2017 a 2021, abordando de 2 tipos de energéticos com cafeína e taurina
o tema proposto da pesquisa e sem restrição de em sua composição. O intervalo QT representa
idioma. Os métodos de exclusão foram: pesqui- a duração da sístole elétrica ventricular, o inter-
sas que não abordavam o tema questionado, re- valo PR indica o tempo entre a ativação dos
visões integrativas, pré-publicações e os que átrios do coração e a ativação dos ventrículos e
não atendiam aos demais modos de inclusão. a duração QRS mede o tempo total de despola-
Com isso, foram achados 16 artigos com os cri- rização ventricular, sendo visíveis mediante
térios de inclusão e após as avaliações de sele- análise do eletrocardiograma. Ele demonstrou
tividade, foram escolhidas 4 pesquisas para o que esse consumo agudo de energéticos com
tema proposto. cafeína e taurina prolonga significativamente o
intervalo QTc, sendo esse prolongamento, de
RESULTADOS E DISCUSSÃO acordo com a “Food and Drug Administration”,
um fator de risco para arritmias.
Após mais de 50 anos no mercado, tornou- Ademais, o estudo de Shah et al. (2019)
se perceptível, nos últimos anos, que o uso de também demonstrou um aumento de aproxima-
estimulantes à base de cafeína e taurina como, damente 5 e 4 mmHg na PAS e PAD, respecti-
por exemplo, as bebidas energéticas, obteve vamente, e aumento da pressão arterial braquial
grande ascendência no quesito popularidade e e central após exposição aguda. Foi possível ve-
rificar uma elevação significativa na cDBP, que

53
é um preditor emergente do risco cardiovascu- (1,3,7-trimetil-purina-2,6-diona) ainda é consi-
lar, entretanto as consequências a longo prazo derada o principal estimulante do mundo, sen-
ainda não foram elucidadas. Todavia, o estudo do, após ingestão oral, rapidamente absorvida,
sugere que seja feita uma investigação mais chegando ao seu máximo de concentração no
aprofundada para saber se um ingrediente indi- sangue após 30-60 min. (CHABAN et al.,
vidual ou uma combinação única leva às altera- 2017). Nowak et al. (2018) explica que a ele-
ções eletrofisiológicas e hemodinâmicas obser- vada ingestão de cafeína pode aumentar os ní-
vadas com o estudo. Nowak et al. (2018) tam- veis de renina, catecolamina e dopamina no
bém realizaram um estudo com 68 voluntários plasma sanguíneo, estimulando o sistema ner-
saudáveis e acima dos 18 anos separados em 2 voso central e resultando em crescimento da
grupos: um grupo ED (que consumiu as bebidas pressão arterial e frequência cardíaca.
energéticas) e um grupo Controle (que não con- Embora as alterações na pressão arterial
sumiu as bebidas energéticas). Os participantes possam ser remetidas especialmente à cafeína,
do grupo ED que consumiram os energéticos outros ingredientes das bebidas energéticas po-
relataram sensação de excitação, dor de cabeça, dem apresentar alterações hemodinâmicas.
sonolência, mal-estar, irritabilidade e xerosto-
Taurina
mia. O estudo também revelou aumento signi-
ficativo na PAD (p=0,003). Não apresentou au- A taurina é uma substância comumente en-
mento significativo da frequência cardíaca, po- contrada nas bebidas energéticas junto com a
rém, segundo a pesquisa analisada, outros estu- cafeína. Conforme Chaban et al. (2019), ela é
dos abordaram esse aumento. um aminoácido ubíquo, cujo nome oficial é
Além disso, Nowak et al. (2018) informa ácido 2-amino metano sulfônico, encontrada
que a glicose nos energéticos (geralmente em altas concentrações no músculo cardíaco e
acima de 20g) pode afetar o sistema cardiovas- esquelético, onde tem relação, também, com os
cular, já que a ingestão de calorias geralmente é efeitos inotrópicos e com as atividades antiar-
seguida por um aumento da frequência cardí- rítmicas positivas por meio do envolvimento na
aca, débito cardíaco e taxa de ventilação pulmo- hemostasia do cálcio. Além disso, a taurina foi
nar. As bebidas energéticas são constituídas por sugerida como tratamento para a insuficiência
uma variedade de ingredientes como cafeína, cardíaca e, quando utilizada junto à cafeína, au-
taurina, vitaminas do complexo B, glicose, glu- menta a força de contratilidade muscular. No
coronolactona, adoçantes dentre outros. (NO- entanto, o uso desse aminoácido isolado não
WAK et al., 2018) Entretanto, destes ingredien- está correlacionado com o aumento da pressão
tes acredita-se que a cafeína e a taurina exerçam arterial. O oposto é relevante, pois Shan et al.
um efeito direto no miocárdio. (CHABAN et (2019), relata que a taurina reduz a pressão ar-
al., 2017). terial em pacientes pré-hipertensos, contudo,
existem outras substâncias nas bebidas energé-
Cafeína ticas além da cafeína que podem afetar a ativi-
A cafeína é o estimulante mais comum dade hemodinâmica, frisa-se, todavia, que essa
usado em bebidas energéticas e pertence ao característica antiarrítmica também foi acor-
grupo dos alcaloides. As bebidas energéticas dada com as pesquisas de Shan et al. (2019).
geralmente contêm 32-48 mg de cafeína em
100mL. (KURZYDEM et al., 2019) A cafeína

54
Insuficiência cardíaca outra reação à elevação do perfil hemodinâmico
Os artigos não relacionam o uso de bebidas adverso agudo com o aumento da carga de tra-
energéticas com o surgimento de doença cardi- balho do coração e diminuição da velocidade do
ovascular de insuficiência cardíaca. No entanto, fluxo sanguíneo cerebral. Esses energéticos
existe o oposto nos achados dos resultados, um afetam os parâmetros cardíacos e a cafeína con-
tratamento à doença com o uso da substância tida neles induz os efeitos vasculares. Ao en-
taurina. contro com Kurzydem et al. (2019), o uso des-
ses “drinks” pode causar variação hemodinâ-
Problemas cardiovasculares associa- mica, estimulação do ritmo cardíaco, doenças
dos com o uso de bebidas energéticas
cardíacas, taquicardia e palpitações cardíacas.
O uso exagerado de bebidas energéticas po- Outra correlação dos energéticos com o sis-
de causar problemas cardiovasculares nos indi- tema cardiovascular é o que R. Chaban et al.
víduos, uma vez que muitos usuários não sabem (2017) afirma, o consumo somente de taurina
se possuem alguma comorbidade cardíaca ou causa pequena contratilidade do tecido miocár-
procedência a uma doença. Dessa maneira, dico, já na ingestão apenas de cafeína é possível
Shah et al. (2019) afirma que o uso excessivo observar uma variação de contratilidade signi-
de bebidas energéticas onde contêm cafeína ficativa, no entanto, a combinação da cafeína e
pode causar o aumento considerável da pressão da taurina elevou ainda mais a força contrátil
arterial braquial e central, além de aumentar o isométrica. Ademais, ele aborda a variação da
intervalo QTc, destacando que essa sigla se pressão arterial sistólica e diastólica, além da
constitui ao período de despolarização e repola- diminuição do diâmetro sistólico e a fração de
rização ventricular. Salienta ainda que os suple- encurtamento se intensificar, o que causará um
mentos contendo cafeína e efedrina são danosos aumento no volume sistólico.
à saúde por causa dos efeitos adversos do inter- Dessa maneira, os autores entram em
valo QTc. Além disso, as bebidas energéticas acordo sobre a abordagem de que a cafeína, pre-
elevam de forma sustentada a pressão arterial sente nessas bebidas energéticas, é a principal
sistólica, associada a um aumento de 7% no causadora dos maiores problemas cardiovascu-
risco de mortalidade por doença cardíaca isquê- lares advindos do consumo. Ressalta-se, ainda,
mica e um risco aumentado de 10% de mortali- que não existe um limite mínimo de consumo
dade por AVC. Demonstra-se, também, nesse para a manifestação de tais efeitos cardíacos.
estudo que a taurina reduz a pressão arterial em
pacientes pré-hipertensos. CONCLUSÃO
Não obstante, de acordo com Nowak et al.
Devido a sua capacidade energética, a tau-
(2019), a alta ingestão de cafeína, contida nas
rina e a cafeína são amplamente utilizadas por
bebidas energéticas, aumenta os níveis de re-
esportistas, por trabalhadores e por estudantes
nina, catecolamina e dopamina no plasma, que
com o fito de aumentar a eficiência nas ativida-
tem como consequência a excitação do sistema
des físicas ou intelectuais. Na análise do efeito
nervoso central, elevando a pressão arterial, di-
dessas substâncias em pessoas saudáveis, ne-
astólica especificamente, e a frequência cardí-
nhum dos artigos mostrou alguma relação direta
aca. Outrossim, o risco de doenças cardiovas-
entre o surgimento da insuficiência cardíaca e a
culares pela ingestão é advindo da quantidade
ingestão de bebidas à base de cafeína e taurina,
de cafeína utilizada nesses energéticos, que tem

55
foi exposto apenas que a taurina, isoladamente, não houve concordância entre as pesquisas, al-
poderia ser relevante no tratamento da gumas apontavam o aumento da pressão sistó-
insuficiência cardíaca. Entretanto, evidenciou- lica e outras, da diastólica. Destaca-se, portanto,
se que o consumo desses estimulantes desenca- a necessidade da realização de mais estudos so-
deia riscos cardiovasculares e piora o quadro bre os efeitos cardiológicos da taurina e da ca-
clínico de pacientes portadores de comorbida- feína quando ingeridas juntas e de pesquisas
des cardíacas. A cafeína contida nos "drinks" mais minuciosas sobre a relação da insuficiên-
energéticos elevou a pressão arterial, a frequên- cia cardíaca com o uso de bebidas com esses es-
cia cardíaca e o débito cardíaco. Já a taurina timulantes, que excluam ou incluam, depen-
mostrou um efeito antagônico ao da cafeína dendo dos seus resultados, a possibilidade desta
quando utilizada de forma isolada, mas o uso conexão ser positiva ou negativa para a origem
conjunto dos dois estimulantes nas bebidas au- desta doença.
mentou a frequência cardíaca e a pressão arte-
rial. Considerando-se este último sinal vital,

56
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57
Capítulo 7

ANGIOPLASTIA NO
TRATAMENTO DA SÍNDROME
CORONARIANA AGUDA

ARTHUR ANDRADE RESENDE¹


MATHEUS GUILHERME ALVES LAGE 1
JOÃO VICTOR OLIVEIRA MARTINS DA COSTA1
JÚLIA ALVES MOREIRA DE SOUZA1

1
Discente - Medicina do Centro Universitário de Belo Horizonte (UniBh).

Palavras-chave:
Cardiac Catheterization; Angioplasty; Acute Coronary Syndrome; Coronary angioplasty

58
INTRODUÇÃO balão pressiona a placa intraluminal da ateros-
clerose contra a parede arterial e amplia o diâ-
A síndrome coronariana aguda (SCA) com- metro luminal. Esse procedimento é geral-
preende um espectro de doenças cardíacas is- mente combinado com o uso de stents na artéria
quêmicas agudas em que há diminuição do flu- obstruída, que podem ser deixados no local per-
xo sanguíneo para o coração. Trata-se de uma manentemente e permitem ao sangue fluir mais
forma de manifestação da doença cardíaca co- livremente (SMITH et al., 2015).
ronária que surge mais comumente devido ao Este estudo tem como objetivo introduzir o
rompimento de uma placa aterosclerótica nas assunto e avaliar a eficiência desses procedi-
artérias coronárias, podendo levar a um quadro mentos, a angioplastia e o cateterismo cardíaco,
de angina instável, infarto do miocárdio sem no manejo e na evolução da síndrome corona-
elevação do segmento ST (NSTEMI) e infarto riana, avaliando as indicações e os métodos
do miocárdio com elevação do segmento ST para sua abordagem através de revisão de estu-
(STEMI) (PORTH et al., 2016; SINGH et al., 2021). dos científicos publicados nos últimos anos.
A intervenção médica para manejo dessa
síndrome pode ocorrer de diferentes formas de MÉTODO
acordo com a sua apresentação clínica, visando
à melhoria da qualidade de vida e à estabili- Trata-se de uma revisão sistemática reali-
zação da doença. As técnicas mais usadas são o zada no período de 09/21 até 10/21, por meio de
cateterismo cardíaco e a angioplastia coronari- pesquisas nas bases de dados: PubMed e
ana transluminar percutânea. Essas interven- Medline. Foram utilizados os descritores: An-
ções surgiram pela primeira vez no final da dé- gioplasty, Acute Coronary Syndrome, Cardiac
cada de 1970, a partir da ideia de se desobstruir Catheterization e Coronary angioplasty. Desta
artérias sem a necessidade de cirurgia de cora- busca foram encontrados 389 artigos, posterior-
ção aberto. mente submetidos aos critérios de seleção. Os
A angioplastia coronariana transluminar critérios de inclusão foram: artigos no idioma
percutânea (ACTP) consiste em um procedi- Inglês; publicados no período de 2016 a 2021 e
mento para ampliar ou dilatar artérias coroná- que abordavam as temáticas propostas para esta
rias obstruídas por uma placa aterosclerótica es- pesquisa, estudos do tipo revisão sistemática,
tenótica, diagnosticadas por meio de catete- disponibilizados na íntegra. Os critérios de ex-
rismo cardíaco. O termo ‘’angioplastia’’ tem o clusão foram: artigos duplicados, disponibiliza-
significado de usar um balão para esticar uma dos na forma de resumo, que não abordavam di-
artéria estreita ou bloqueada (MAJEED & retamente a proposta estudada e que não aten-
CHOWDHURY, 2021). diam aos demais critérios de inclusão e de ex-
O procedimento realizado na angioplastia é clusão. Após os critérios de seleção, restaram
inicialmente semelhante ao do cateterismo car- 42 artigos que foram submetidos à leitura mi-
díaco, que consiste na introdução de um cateter nuciosa para a coleta de dados. Os resultados
inflável com ponta de balão com lúmen duplo foram apresentados de forma descritiva, dividi-
por via percutânea, através das artérias femoral dos em categorias temáticas relevantes para o
ou braquial (PORTH et al., 2016). Ao atraves- assunto em questão.
sar o local arterial obstruído, o enchimento do

59
RESULTADOS E DISCUSSÃO pedir a aderência dessas macromoléculas, pla-
quetas e monócitos a seu endotélio. Depois que
Encontrou-se na literatura vastos artigos ocorre a lesão no endotélio, os monócitos e li-
que abordam o tema em questão, explicitando pídios circulantes (principalmente LDLs) co-
sua relevância, principalmente, no que diz res- meçam a se acumular no local da lesão. Assim,
peito ao tratamento e ao prognóstico de paci- os monócitos cruzam o endotélio, até a camada
entes com síndrome coronariana aguda. Inici- íntima da parede do vaso, e se diferenciam em
almente, estes são submetidos à avaliação clíni- macrófagos, que acabam ingerindo e oxidando
ca e à estratificação de risco de acordo com a as lipoproteínas acumuladas, e que posterior-
sintomatologia apresentada e os exames com- mente, vão adquirir um aspecto espumoso. Es-
plementares, úteis, então, para o delineamento ses macrófagos quando adquirem este aspecto
das melhores estratégias terapêuticas. Dentre espumoso, se aderem na parede do vaso e for-
elas, os stents coronários destacam-se no mane- mam uma estria de gordura que com o tempo
jo e na profilaxia da doença arterial coronariana aumenta e se junta aos tecidos de músculo liso
(DAC). A implantação do stent coronário me- e fibrosos que se proliferaram na região, devido
lhorou significativamente a intervenção coro- a substâncias liberadas pelos macrófagos, o que
nária percutânea e possibilitou o gerenciamento resultará em placas maiores. O acúmulo de lipí-
de complicações precoces da angioplastia do dios e a proliferação celular podem ser tão sig-
balão simples. No entanto, uma nova compli- nificativos que as placas se destacam no lúmen
cação acompanhou essas melhorias: a reeste- da artéria, compondo trombos, reduzem o fluxo
nose in-stent (RIS) decorrente da hiperplasia do sangue em vasos de menor calibre, e por ve-
neointimal e a trombose in-stent (TIS) (LEOS zes, o obstrui por completo (GUYTON et al.,
PLEVA et al., 2017; JOSEPH et al., 2021). 2016).
Com o passar do tempo, o aumento de te-
Aterosclerose cido conjuntivo denso que é depositado na pare-
A aterosclerose é uma doença que atinge as de do vaso causa seu enrijecimento e aumento
artérias de médio e grande calibre, cujas lesões de resistência. Além disso, alguns sais de cálcio
de gordura, denominadas placas ateroma, se se precipitam com o colesterol e outros lipídios
formam na superfície das paredes arteriais, ali presentes, levando a calcificações nas arte-
mais especificamente em sua camada íntima, rias. As artérias ateroscleróticas perdem a maior
após eventos iniciadores. Dessa forma, há obs- parte de sua distensibilidade e, devido às áreas
trução parcial ou total dos vasos, consequente- degenerativas em suas paredes, elas facilmente
mente, mais espessos e enrijecidos. se rompem. Também, como dito anteriormente,
Nesse contexto, um fator precoce que pode podem levar a formação de coágulos, resul-
ser avaliado nos vasos sanguíneos em risco à tando em trombos ou êmbolos, causando fator
aterosclerose é a lesão do endotélio vascular. de risco para outras doenças.
Isso porque tal lesão pode causar aumento da
expressão das moléculas de aderência nas célu- Fatores de risco para aterosclerose
las endoteliais ao mesmo tempo em que há re- Existem vários fatores de risco para desen-
dução de sua capacidade de liberar óxido ní- volvimento da aterosclerose. Um dos principais
trico e outras substâncias que vão ajudar a im- fatores é a hipercolesterolemia familiar. Neste
caso, a pessoa herda genes defeituosos para a
60
formação de receptores para LDLs nas super- manter uma alimentação saudável; prevenindo
fícies das membranas celulares do corpo. Devi- a hipertensão, mantendo uma alimentação sal-
do a isso, o fígado não consegue absorver as li- dável e sendo fisicamente ativo, ou controlando
poproteínas de baixa densidade, nem as de den- a pressão arterial com fármacos anti-hiperten-
sidade intermediária. Isso acarreta o descon- sivos caso a hipertensão se desenvolva; preve-
trole do mecanismo do colesterol das células nindo diabetes ou a controlando caso se desen-
hepáticas produzindo novo colesterol deixando volva, e evitar o tabagismo. O manejo também
de responder à inibição por feedback, desenca- pode ser feito através de fármacos que reduzem
deado pela presença de quantidade excessiva de os lipídios plasmáticos e o colesterol, como as
colesterol plasmático. Assim, o número de estatinas.
VLDLs liberado pelo fígado para o plasma Há também a relação entre as HDLs como
aumenta imensamente. fator protetivo para desenvolvimento de ateros-
Pacientes com hipercolesterolemia familiar clerose. Acredita-se que as lipoproteínas de alta
têm chances muito mais altas de serem aco- densidade são capazes de absorver cristais de
metidos por infarto agudo do miocárdio ou ou- colesterol que começam a ser depositados nas
tras doenças associadas à obstrução causada paredes arteriais. Com isso, as HDLs ajudam a
pela placa aterosclerótica (GUYTON et al., proteger e prevenir contra o desenvolvimento
2016). da aterosclerose. Consequentemente, quando a
Outros fatores conhecidos que predispõem pessoa apresenta proporção elevada de lipopro-
à aterosclerose são: inatividade física e obesi- teínas de alta densidade (HDLs) com relação às
dade, diabetes mellitus , hipertensão, hiperlipi- de baixa densidade (LDLs), a probabilidade de
demia e tabagismo. Alguns desses fatores cau- desenvolver aterosclerose diminui (PAHWA &
sam aterosclerose, ao aumentar a concentração JIALAL, 2021; GUYTON et al., 2016).
de LDLs no plasma. Outros, tais como a hiper-
tensão, são capazes de levar à aterosclerose, ao Doença da artéria coronária
causar lesões no endotélio vascular, e outras al- A doença da artéria coronária (DAC) é uma
terações nos tecidos vasculares que predis- das principais causas de morte. O termo doença
põem à deposição de colesterol. arterial coronariana (DAC) descreve um tipo de
No início e na metade da fase adulta, os ho- cardiopatia causada por redução do fluxo san-
mens apresentam maior probabilidade de de- guíneo das artérias coronárias. Na maioria dos
senvolver aterosclerose do que as mulheres da casos, a DAC é causada por aterosclerose, que
mesma idade, sugerindo que os hormônios se- acomete não apenas as artérias coronárias, co-
xuais masculinos podem ser aterogênicos ou, mo também as artérias do corpo. As doenças
pelo contrário, que os hormônios sexuais femi- das artérias coronárias podem causar isquemia
ninos podem ter ação protetora (PORTH et al., miocárdica e angina, infarto agudo do miocár-
2016). dio, arritmias cardíacas, distúrbios da condu-
ção, insuficiência cardíaca e morte súbita (LO-
Prevenção da aterosclerose
PEZ et al., 2021; PORTH et al., 2016).
As medidas mais importantes para proteger Os principais fatores de risco que envolvem
contra o desenvolvimento da aterosclerose e sua essa patologia são tabagismo, hipertensão arte-
progressão para grave doença vascular são: rial, níveis séricos altos de colesterol total e li-
manter peso saudável, ser fisicamente ativo e

61
poproteína de baixa densidade (LDL), nível sé- nismo compensatório, o miocárdio não conse-
rico baixo de lipoproteína de alta densidade gue receber oxigênio suficiente quando o cora-
(HDL), diabetes, idade , obesidade e falta de ção necessita realizar mais esforço, por exem-
atividade física. plo, ao praticar atividade física há um aumento
No caso de uma obstrução lenta de uma ar- da atividade cardíaca e aumento na sua de-
téria coronária, ocorre a doença coronariana manda por oxigênio, no qual, a falta de supri-
lentamente progressiva, onde a circulação cola- mento sanguíneo para o coração pode levar a
teral tem tempo de aumentar e assim levar a um infarto agudo do miocárdio (PORTH et al.,
perfusão adequada do miocárdio durante um 2016).
evento potencialmente isquêmico. Consequen-
temente, protegendo contra um infarto. Se hou- Infarto agudo do miocárdio
ver um bloqueio de forma súbita de um grande No infarto agudo do miocárdio ocorre a
ramo coronário, é provável que o infarto seja obstrução de uma artéria por um êmbolo, a re-
inevitável. Caso haja obstrução parcial de gran- gião de miocárdio irrigada pelo vaso obstruído
des ramos das duas artérias coronárias, uma cir- sofre infarto, por falta de sangue e consequen-
culação colateral extracardíaca pode ser usada temente oxigênio ao tecido, podendo levar a
para suprir as demandas do coração. Esses va- uma necrose. A causa mais comum de cardio-
sos colaterais unem as artérias coronárias aos patia isquêmica é a insuficiência coronariana
vasa vasorum (pequenas artérias) na túnica ad- causada por aterosclerose (MOORE et al.,
ventícia da aorta e das artérias pulmonares e aos 2018). Os três locais mais comuns em que isso
ramos das artérias torácica interna, bronquial e pode ocorrer nas artérias coronárias e sua per-
frênica. Estudos mostraram que anastomoses centagem são:
nem sempre podem propiciar vias colaterais ■ Ramo IV anterior (DAE) da artéria co-
com a rapidez suficiente para evitar as conse- ronária esquerda (ACE) (40 a 50%)
quências da obstrução súbita da artéria coroná- ■ Artéria coronária direita (ACD) (30 a
ria. Assim, isso pode causar um resultado signi- 40%)
ficativo somente nos casos lentamente progres- ■ Ramo circunflexo da artéria coronária
sivos (MOORE et al., 2018). esquerda (ACE) (15 a 20%).
No manejo do infarto agudo do miocárdio,
Aterosclerose coronariana a intervenção percutânea com a colocação de
O processo aterosclerótico, como já foi ex- stent farmacológico desempenha um papel cen-
plicado acima, é caracterizado por depósitos li- tral no tratamento. Ainda assim, a taxa de com-
pídicos na camada íntima das artérias, neste plicações relacionadas ao stent é maior em
caso, das artérias coronárias. Este processo co- comparação com pacientes estáveis. O mau po-
meça no início da vida adulta e provoca a lenta sicionamento do stent é uma das complicações
estenose dos lumens das artérias coronárias. À enfrentadas em pacientes com infarto do mio-
medida que a aterosclerose coronariana avança, cárdio devido à presença de vasoconstrição e
os canais colaterais que unem uma artéria trombo entre o stent e a parede arterial (YELA-
coronária à outra se expandem, no qual, MANCHILI & HAJOULI, 2021). Estão sendo
inicialmente, pode permitir perfusão adequada estudadas novas formas para ajudar nesse pro-
do coração por um tempo. Apesar desse meca- blema, como stents autoexpansíveis para se
ajustarem ao tamanho das artérias ao longo do

62
tempo. Com estes novos estudos pode haver um díaco, nela é administrado um contraste radio-
resultado significativo no tratamento de pacien- paco e são feitas imagens para ajudar a encon-
tes com infarto agudo do miocárdio. trar obstruções causadas por placas ateroscleró-
ticas nas artérias que fornecem sangue ao mús-
Cateterismo culo cardíaco. Caso seja encontrado alguma
O cateterismo cardíaco é um procedimento obstrução, o profissional realizando o procedi-
usado para tratamento e diagnóstico de algumas mento pode optar por fazer uma intervenção in-
doenças cardíacas, e tem uma importância mui- flando um pequeno balão pressionando a placa
to grande na necessidade de uma intervenção contra a parede da artéria e se necessário inserir
coronária percutânea (ICP), como a angioplas- um stent para manter o diâmetro do vaso san-
tia coronária. Ele tem sua importância medindo guíneo (MOORE et al., 2018; MASON et al.,
os níveis de pressão e oxigênio nas diferentes 2018).
câmaras do coração, na determinação da quan-
tidade de sangue que está sendo bombeado pelo Angioplastia
coração, e também pode auxiliar na detecção de A aterosclerose é uma das causas mais co-
defeitos cardíacos congênitos e coletar amos- muns para a taxa de morbidade e mortalidade
tras de sangue. Durante o cateterismo cardíaco para doenças cardiovasculares e outras doen-
o profissional responsável administra anesté- ças. A Angioplastia com ou sem stent é um pro-
sico local para anestesiar o local sobre o vaso cedimento minimamente invasivo usado para
sanguíneo onde será inserido o cateter. Uma vez abrir artérias coronárias obstruídas ou estreitas
que o local está anestesiado, o profissional usa devido à uma placa aterosclerotica subjacente.
uma agulha para ajudar a colocar um tubo plás- O procedimento envolve a introdução de um ca-
tico chamado bainha no vaso sanguíneo. Ele en- teter inflável com ponta de balão através da pele
tão insere um tubo longo, fino e radiopaco, cha- nas extremidades e inflação do balão uma vez
mado de cateter, e avança em direção ao cora- que atravessa o local arterial estenose, ou seja,
ção usando imagens de raios-X como orienta- onde se encontra a placa aterosclerotica. Pressi-
ção (KOSOVA & RICCIARDI, 2017). ona a placa intraluminal da aterosclerose contra
O cateterismo pode ser direito ou esquerdo. a parede arterial e amplia o diâmetro luminal,
No caso do cateterismo direito, o procedimento causando uma inflamação local (SMITH et al.,
é feito através de uma veia periférica, como a 2015; PORTH et al., 2016). Assim, normaliza
veia femoral. Este cateter é conduzido até o o fluxo sanguíneo para o miocárdio e atinge o
átrio direito, ventrículo direito, tronco pulmo- objetivo de angioplastia ou intervenção coroná-
nar e as artérias pulmonares sendo controlado ria percutânea (ICP) aliviando a dor torácica e
por um fluoroscópio. Já no cateterismo equer- outros sintomas. Durante o procedimento, os
do, o procedimento é feito através de uma arté- profissionais podem utilizar uma malha de me-
ria periférica, como as artérias radial ou femo- tal puro que são expandidas e permanecem após
ral, visando avaliar o átrio esquerdo, ventrículo o procedimento, mantendo a artéria aberta e res-
esquerdo e artéria aorta (MANI & taurando o fluxo sanguíneo. Este tipo de stent e
CHAUDHARI, 2021; AHMED & HAJOULI, suas propriedades de andaimes neutralizam a
2021). A angiografia coronária é frequente- propriedade do recuo vascular, evitando assim
mente realizada como parte do cateterismo car- a reestenose precoce devido ao recuo vascular.
No entanto, a longo prazo, pode induzir estresse

63
na parede, descontinuidade endotelial, levando CONCLUSÃO
a ativação da cascata de coagulação e formação
de um coágulo sanguíneo, causando uma trom- Em pacientes selecionados, os cirurgiões
bose intra-stent. A presença permanente do cor- realizam angioplastia coronária transluminal
po estranho metálico nas artérias também pode percutânea na qual vão introduzir em uma arté-
levar à inflamação com a deposição de fibrina e ria coronária obstruída um cateter com um pe-
promovendo a migração de fibroblastos que dá queno balão inflável fixado à sua extremidade.
origem à reestenose in-stent (IRS) devido a um Quando o cateter chega à obstrução arterial, o
mecanismo de hiperplasia neointimal, que re- balão é insuflado, achatando a placa ateroscle-
duz o lúmen arterial (STEVENS et al., 2021). rótica contra a parede do vaso, causando assim
Essa questão levou ao desenvolvimento de uma instabilidade no local. O vaso é distendido
stents que utilizam alguns tipos de drogas. A para aumentar o tamanho do lúmen, melho-
tecnologia DES usa um revestimento de uma rando, assim, o fluxo sanguíneo arterial coroná-
droga anti proliferativa. Acredita-se que essa rio. Conclui-se que este tratamento é eficaz para
inibição reduza a proliferação de células do um aumento na sobrevida e melhoria de vida do
músculo liso vascular em cima da estrutura me- paciente. Existem perspectivas futuras que no-
tálica de stents com o benefício de causar me- vos métodos vão surgir e evoluir através dos
nos hiperplasia neointimal e reestenose de stent métodos disponíveis atualmente. A angioplastia
em comparação com o stent metálico nu é um tratamento eficaz e acessível.
(CHHABRA et al., 2021).

64
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Angiography and Intervention in Acute Coronary

65
Capítulo 8

A INSUFICIÊNCIA CARDÍACA
E SUAS PECULIARIDADES EM
RELAÇÃO À CARDIOLOGIA

LUNA BRENDA CARVALHO ABADE MOURA BATISTA¹


FABRÍCIA SANTOS SILVA1
1
Discente – Universidade Estácio de Alagoinhas/BA

Palavras-chave:
Insuficiência Cardíaca; Sístole; Diástole; Regurgitação da Válvula

66
INTRODUÇÃO nariana, além de que, existe outras que podem
participar desse processo, sendo: etilismo; in-
A insuficiência cardíaca é uma condição em fecções virais; disfunções valvares e diabetes de
que o coração não consegue bombear o sangue mellitus. No Brasil, podemos obter que a prin-
de acordo com a demanda tecidual, ou só faz à cipal etiologia que entra em consonância é a
custa de aumento da pressão de enchimento que cardiopatia isquêmica crônica que irá coexistir
tem a ver com a pressão diastólica final e esses frequência associada a HAS (hipertensão). E
fenômenos acompanham progressivamente sin- quando tratamos da parte fisiopatológica tem a
tomas que possuem correlações que tem a ver ver com o coração por ser um órgão muscular
com a síndrome congestiva pulmonar; baixo encarregado de bombear sangue. Sua mecânica
débito por exaustão; síncope; choque cardio- é dependente do relaxamento, como também, a
gênico dentre outros. Quando obtemos ausência contratilidade dos ventrículos e em menor grau
de um tratamento adequado a insuficiência car- nos átrios. O conhecimento da evolução dos
díaca ela terá um desenvolvimento sendo de ca- portadores de IC e sua estratificação são funda-
ráter progressivo e resultando na morte do paci- mentais no momento da escolha da melhor for-
ente. Foi perceptível que, ela possui caracteres- ma de tratamento. Hoje, sabemos que é possível
ticas que causam inabilidade dos ventrículos se modificar a história natural da IC, quer pela te-
encherem e se esvaziarem de sangue adequa- rapêutica medicamentosa, quer pela cirúrgica
damente, mesmo obtendo pressões intraventri- (SMITH TW et al., 1997; THE SOLVD,1991;
culares normais. THE CONSENSUS,1987). A compreensão da
Para poder obter a formação de um conceito sua fisiopatologia permite entender o porquê
completo em relação a insuficiência cardíaca das muitas alterações observadas nos pacientes,
estão entidades extremamente comuns, como: a auxiliando sua orientação.
hipertensão arterial sistêmica e a doença coro-
Figura 8.1 Fisiopatologia da insuficiência cardíaca aguda

Legenda: ADCHF: Descompensação aguda da insuficiência cardíaca crônica. PA: pressão arterial. CFP: Pressão de
enchimento cardíaco. CO: débito cardíaco. NR: intervalo normal. NOAHF: Insuficiência cardíaca aguda de início
recente. RAAS: Renina - Sistema de Angiotensina -aldosterona. SNS: sistema nervoso simpático. RVS: resistência
vascular sistêmica Fonte: Memorias del Instituto de Investigaciones en Ciencias de la Salud, v. 17, n. 3, 2019.

67
Quando ocorre queda da função cardíaca, mentou-se que nas formas avançadas, quanto
mecanismos adaptativos são estimulados pro- maior os níveis de noradrenalina, adrenalina,
curando corrigir a disfunção ventricular (LAGE renina, arginina-vasopressina, pior a evolução e
SHG et al., 1996). Nos pequenos danos miocár- maior a mortalidade. Hoje sabemos que alguns
dicos estes conseguem melhorar a função e, medicamentos, mas não todos, podem melhorar
muitas vezes, normalizá-la. Nos comprometi- a história natural da IC. Drogas que modulem
mentos maiores estes mecanismos são insufici- esta estimulação neuro-humoral aumentada são
entes e muitas vezes a sua contínua estimulação aquelas que influenciam positivamente a evo-
pode provocar um círculo vicioso que pode le- lução da doença (THE CONSENSUS,1987;
var a futura deterioração da função cardíaca. O THE SOLVD,1991). A hipertrofia miocárdica
mecanismo de Frank-Starling é usualmente um é outro mecanismo adaptativo importante para
dos primeiros a ser estimulado e melhora a fun- a compensação do coração. Entretanto, quando
ção cardíaca. Nas lesões maiores não é sufici- imaginamos a hipertrofia, o fazemos conside-
ente e a continua dilatação cardíaca dela advin- rando que essa ocorreria por aumento de mióci-
da se torna um mecanismo desadaptativo. Vá- tos e consequente melhora do desempenho car-
rios estudos mostram que a continua dilatação díaco. Mas na IC, a hipertrofia ocorre por au-
(remodelação ventricular), é deletéria e que mento dos níveis de neuro-hormônios, estímulo
quanto maior a dilatação ventricular pior o este que além da hipertrofia de miócitos induz
prognóstico do paciente (THE CONSENSUS, 1987; proliferação do interstício, provoca um aumen-
THE SOLVD,1991; PFEFFER MA et al., 1992). to da fibrose, acarretando efeitos deletérios ao
A estimulação simpática e a neuro-humoral coração (VERDECCHIA P et al., 1996).
também podem ser adaptativas no início dos Recentemente, novas alterações estão sen-
quadros, mas a sua perpetuação ou maior in- do descritas nos portadores de IC e que podem
tensidade de estimulação é deletéria para o co- influenciar sua evolução. Volpe, observou au-
ração. Análise dos dados dos grandes estudos mento nos níveis de eritropoetina em relação ao
multicêntricos em IC permitiram compreender agravamento da CF, podendo esse achado ser
melhor a estimulação neuro-humoral e como responsável pela elevação do hematócrito nos
ocorre esta estimulação. Na fase inicial aumen- casos mais avançados de IC (VOLP M et al.,
tam principalmente os neuro-hormônios com 1994). Outra alteração referida é a elevação de
efeito vasodilatador, como o fator atrial natri- citoquinas (MATSUMORI A,1997; LEVI ER,
urético, que induz vasodilatação arterial e com- 1995), com o achado de níveis maiores do fator
sequente melhora da função cardíaca. Nos ca- de necrose tumoral, de interleucina-6 e de endo-
sos de dano cardíaco de pequena monta, esta es- telinas nas formas mais avançadas da doença.
timulação é suficiente para normalização da Estas alterações poderão resultar na caquexia,
função cardíaca. Nos danos mais extensos a apresentada nos casos mais graves de IC, no en-
maior estimulação neuro-humoral se faz com tanto, alguns medicamentos como os inibi-
predomínio dos neuro-hormônios com efeito dores da ECA, a amiodarona, o vesnarinone e o
vasoconstritor, que induzem aumento da resis- bosentan podem modular estas elevações e in-
tência e piora da função cardíaca, levando o co- terferir na evolução da síndrome (VOLTERRA-
ração para um círculo vicioso de agravamento NI M et al., 1997; MATSUMORI A et al., 1997).
progressivo (SWEDBERG K et al., 1990; Finalmente, ressaltamos a resistência à insulina
FRANCIS GS et al., 1990). De há muito docu- naqueles com formas mais avançadas de IC

68
(SWAN JW et al., 1997). Assim, a IC é uma em alguns pacientes, embora possa melhorá-
situação clínica complexa, com múltiplos fato- los, não leva ao controle total da doença.
res influenciando sua evolução. A intervenção

Imagem 8.2 Eixos fisiopatológicos da insuficiência cardíaca

Legenda: Imagem que evidencia os eixos fisiopatológicos da insuficiência cardíaca e os pontos de atuação das princi-
pais drogas utilizadas na terapêutica. Fonte: Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo, v. 28, n. 1, p. 33-41, 20180

O objetivo desse estudo é avaliar a insufi- objetivo específico e formulado os questiona-


ciência cardíaca e suas peculiaridades em rela- mentos a serem respondidos e então realizada a
ção a cardiologia, onde percebemos o papel da busca para identificar e coletar o máximo de
assistência médica e da equipe multidisciplinar pesquisas primárias relevantes dentro dos cri-
dentre esses polo importante que permuta o térios de inclusão e exclusão previamente esta-
nosso cotidiano. belecidos. Foi efetuada análise de artigos cien-
tíficos que possibilitaram a sintetização do co-
MÉTODO nhecimento acerca do tema abordado acima.
Para a busca na literatura, foi realizada uma
Trata-se de uma revisão integrativa de lite-
pesquisa nas seguintes bases de dados disponí-
ratura, método que auxilia a sintetizar os resul-
veis on-line: Medical Literature Analysis and
tados de pesquisas relevantes e mundialmente
Retrievel Sistem Online (MEDLINE), onde fo-
reconhecidos, o que proporciona uma troca e
ram encontrados artigos disponíveis também na
ampliação do conhecimento, formando ideias
Literatura Latino- -Americana Caribe em Ciên-
mais consolidadas e fundamentadas para o
cias da Saúde (LILACS) e Base de dados de En-
exercício profissional (CAVALCANTI; ILHA;
fermagem (BDENF), por meio dos Descritores
BERTONCELO, 2013). Para a elaboração da re-
visão, no primeiro momento foi determinado o

69
em Ciências da Saúde (DeCS): Assistência Mé- Na cidade de Niterói, 64,2% das IC se caracte-
dica; Insuficiência Cardíaca; Cardiologia; Diás- rizaram como IC de fração de ejeção preservada
tole; Sístole; Regurgitação da Válvula. A partir (ICFEP) em uma população com idade média
das estratégias de busca foram encontradas de 61 anos (MOUTINHO MA et al., 2008). A
2.529 publicações. Posteriormente, deu-se a lei- ICFEP foi mais prevalente em mulheres idosas.
tura dos títulos e resumos dos artigos, por meio A IC com fração de ejeção reduzida foi mais
da qual foram excluídos 2.469 artigos por não comum em homens e associada com edema, do-
atenderem aos critérios de inclusão e exclusão ença coronariana, insuficiência renal crônica,
previamente estabelecidos. Em seguida, os pes- escores de Boston mais elevados, uso de álcool,
quisadores realizaram a análise dos artigos na cigarro e hospitalizações. Em outro estudo, a
íntegra, sendo excluído um total de 40 artigos. prevalência de ICFEP foi de 31% em pacientes
Assim, 9 artigos compõem a amostra final deste internados e associada à idade > 70 anos, sexo
estudo, pois relacionavam à questão de pes- feminino, etiologia não isquêmica, fibrilação ou
quisa. fluter atrial, anemia, pressão de pulso > 45
Após a aplicação dos critérios de seleção, mmhg e ausência de alteração eletrocar-
diográfica (GOLDRAICH L et al., 2010). Em-
utilizou-se a classificação do nível de evidência
tretanto, disfunção sistólica foi encontrada em
por meio da descrição de Galvão (2006), con-
55% dos pacientes com IC descompensada em
forme descrito: I – Evidência oriunda de revisão
outro estudo e as etiologias foram isquêmica em
sistemática e/ou metanálise na qual há inclusão
29,7%; hipertensiva em 20,8%; valvular em
somente de estudos clínicos controlados e ran-
15%; chagásica em 14,7%; idiopática em 8% e
domizados com delineamento adequado; II –
outras em 11,8% (MANGINI S et al., 2008). Na
Evidência oriunda de, no mínimo, um estudo
cidade de Niterói, de 1998 a 2007, houve
clínico controlado e randomizado com deline-
aumento da mortalidade por IC e doença cere-
amento adequado; III – Evidência oriunda de
brovascular (ROSA ML et al., 2011). Em
um único estudo controlado e randomizado com
regiões endêmicas, a doença de Chagas é a
delineamento adequado; IV – Evidência oriun-
principal etiologia da IC em 41% dos pacientes
da de um estudo de caso-controle ou coorte com (NOGUEIRA PR et al., 2010). Entretanto,
delineamento adequado; V – Evidência oriunda houve redução da mortalidade devido à IC por
de revisão sistemática de estudos descritivos e doença de Chagas no Estado de São Paulo,
qualitativos com delineamento adequado; VI – entre 1985 e 2006 (SANTO AH,2009). Em
Evidência oriunda de apenas um estudo des- zonas rurais, estudos mostram que a etiologia
critivo e qualitativo com delineamento ade- mais frequente é a hipertensão arterial. A
quado e VII – Evidência oriunda de reflexões ICFEP é mais frequente no sexo feminino e a
de autoridades e/ou relatórios elaborados por IC com FE reduzida no sexo masculino,
grupos de especialistas. havendo predomínio da etiologia isquêmica
(BALIERO HM et al., 2009).
RESULTADOS E DISCUSSÃO Dados da Fundação Seade revelam que, em
2006, a IC ou etiologias associadas com IC fo-
No último censo (2010), observa-se cresci-
ram responsáveis por 6,3% dos óbitos no Es-
mento da população idosa no Brasil e, portanto,
tado de São Paulo (BOCCHI EA et al., 2009).
com potencial crescimento de pacientes em ris-
Em 42% dos casos, não foi possível determinar
co ou portadores de insuficiência cardíaca (IC).
a etiologia, sendo observada cardiomiopatia em

70
23% destes, hipertensão arterial em 14%, do- Ensaios futuros relevantes devem definir sua
ença isquêmica em 9%, doença de Chagas em real indicação e importância na prática clínica.
8%, choque cardiogênico em 1%, doença peri- Certos polimorfismos da metaloproteinases
cárdica em 0,04%, amiloidose em 0,1%, doença podem estar associados a maior incidência de
de Chagas aguda em 0,006%, e outras cardio- doença isquêmica e melhor prognóstico
patias em 3%. Houve tendência de redução de (VELHO J et al., 2011). Nas situações em que
mortalidade por IC entre 1999 a 2005, exceto há dúvida no diagnóstico da IC de FE reduzida
para pacientes acima de 80 anos, com média de e IC de FE preservada (ICFEP), a dosagem do
11±9,3% (GAUI EN et al., 2010). Dados recen- pepídeo natriurético do tipo B (BNP) pode ser
tes do estudo MESA (Multi-Ethnic Study of útil para o diagnóstico de congestão pulmonar.
Atherosclerosis) demonstram que diabetes e Em metanálise recentemente publicada, a
hipertensão são os responsáveis pela maior in- adição da dosagem de BNP ao exame clínico
cidência de IC em afro-americanos (BA- aumentou a acurácia diagnostica (KELDER JC
HRAMI H et al., 2008). Neste mesmo estudo, et al., 2011). Portanto, nas situações de dúvida,
interleucina 6, ou proteína C reativa, e macroal- o BNP pode ser utilizado, somado ao exame
buminúria foram preditores independentes do clínico. Os valores de corte para IC crônica não
desenvolvimento de IC (BAHRAMI H, BLU- foram especificamente estudados.
EMKE DA et al., 2008). Outros fatores de risco Nos casos de pacientes sem história de in-
para IC são infecção e proliferação do vírus da farto do miocárdio ou ECG normal, pode ser re-
imunodeficiência adquirida e medicações para alizado antes do ecocardiograma, segundo aná-
tratamento de neoplasias malignas (BUTT AA lises de custo-efetividade (MANT J et al.,
et al., 2011; GEIGER S et al., 2010). 2011). A dosagem de BNP no líquido pleural
Recentemente se demonstrou que escore pode ser útil para diagnóstico de derrame pleu-
eletrocardiográfico tem correlação positiva ral devido a IC (MARINHO FC et al., 2011).
com fibrose miocárdica e correlação negativa Na doença de Chagas, BNP e peptídeo
com a fração de ejeção de ventrículo esquerdo natriurético atrial (ANP) têm valor prognóstico
(FEVE) em pacientes com cardiomiopatia cha- e podem estar elevados em pacientes assinto-
gásica (STRAUSS DG et al., 2011). Também a máticos (MOREIRA MDA C et al., 2009).
variabilidade de amplitude da onda T em pa- Reavaliação ecocardiográfica periódica não
cientes chagásicos foi relacionada a pior prog- deve ser procedimento de rotina em pacientes
nóstico (RIBEIRO AL et al., 2011). Nos estáveis. Pode ter utilidade clínica em pacientes
últimos anos, a detecção de troponina e sua que apresentam piora clínica evidente, visando
magnitude têm sido motivo de investigação no readequar manejo terapêutico. Neste contexto,
cenário da IC crônica, sendo verificado valor na informações úteis são: piora de parâmetros de
avaliação de injúria miocárdica mesmo subclí- função ventricular esquerda e direita, estima-
nica, e também estratificação prognóstica tivas hemodinâmicas e surgimento de valvulo-
(KOCIOL RD et al., 2010). Limitações quanto patias funcionais.
à sensibilidade motivaram o desenvolvimento Os resultados do estudo STICH, compa-
de método mais acurado, como a troponina rando os desfechos clínicos em função da pre-
ultrassensível, que em estudos iniciais tem sença ou não de viabilidade através de SPECT
demonstrado sua importância especialmente ou ecocardiografia de estresse arrefeceram o
quando comparado à troponina sérica entusiasmo com a sua pesquisa sistemática,
convencional (TSUTAMOTO T et al., 2010). uma vez que a melhora com a revascularização,

71
nesse estudo, foi independente da presença de controle quanto ao desfecho primário (dias vi-
viabilidade, pesquisada por esses métodos vos fora do hospital), observou-se redução nas
(BONOW RO et al., 2011). Dúvidas persistem hospitalizações por IC e visitas à unidade de
se os resultados teriam sido diferentes caso o emergência no grupo de telemonitoramento
método de pesquisa de viabilidade tivesse sido (DAR O et al., 2009). Metanálises têm demons-
PET ou ressonância cardíaca. trado efeito benéfico do telemonitoramento
Uma das situações bem utilizadas e de cará- (ANKER SD et al., 2011).
ter eficaz são os métodos de telemonitoramento
(telemedicina) empregados em estudos foram CONCLUSÃO
através de telefone com transmissão de dados
Diante da revisão integrativa, esse estudo
não invasivos ou de medidas hemodinâmicas
possibilitou identificar a importância do pro-
invasivas, transmitidas para uma central, quer
fissional médico e a equipe multidisciplinar tem
seja em tempo real ou para arquivos ou híbrido.
na assistência a paciente com insuficiência car-
Três métodos de transmissão podem ser utili-
díaca, como também, as suas aplicabilidades di-
zados: via dispositivos portáteis, “smartpho-
ante da assistência prestada. Isto concerne, ao
nes”, e comunicação “wireless”. Os sistemas
médico habilidade de apresentar à população
podem ser somente de formação de arquivo ou
medidas educadoras para a redução desses pro-
resposta não imediata ou imediata. Estudos uti-
cessos de comorbidades e lutar pelos direitos de
lizando estratégias não invasivas de telemonito-
moradias com saneamento básico e estabilidade
ramento não têm demonstrado benefício quanto
de melhores condições de vida, os quais já al-
à mortalidade, tendo dois estudos incluído nú-
cançaram um posto de doença crônica em nossa
mero elevado de pacientes (Tele-HF com 1.653
sociedade, por meio de campanhas junto aos ór-
e TIM-HF com 710 pacientes) (BOWLES KH
gãos governamentais, informações, conscienti-
et al., 2009; KOEHLER F et al., 2011). A baixa
zação populacional e nas instituições de saúde,
adesão pode ter contribuído para os resultados
preparando e capacitando as equipes multipro-
neutros. A ausência de interação adequada entre
fissionais.
paciente e profissional de saúde, de educação
Em suma, a necessidade de ir atrás de pro-
repetitiva e de conteúdo podem ser empecilhos
jetos que estejam alinhados em políticas públi-
para bons resultados, especialmente quando co-
cas é um dos pilares eficazes que resulta em dar
morbidades como depressão são frequentes
atenção aos seus comportamentos; concepções
como na IC. A depressão pode estar relacionada
e vivências fazendo com que, o paciente possa
a maior ativação neuro-hormonal e pior quali-
se ressocializar e viver sem nenhuma área se-
dade de vida (AGUIAR VB et al., 2011; CRUZ
torial de vida em caráter afetado e promover o
LN et al., 2010). Entretanto, no estudo HOME-
“equilíbrio homeostático” em todos os conside-
HF, com 182 pacientes em que não se demons-
rados, obstáculos que a sociedade permeia.
trou diferença entre o grupo intervenção e o

72
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74
Capítulo 9

ENDOCARDITE INFECCIOSA:
UMA REVISÃO NARRATIVA

AMY TALITA BREZGER SANTOS¹


ANDRÉ ALEXANDRE BOTEGA¹
BEATRIZ CARVALHO ALMEIDA¹
BRUNA DE CASSIA SOUSA¹
ERÁSIO DE GRÁCIA NETO¹
GUSTAVO PAIVA AZEVEDO¹
JOÃO ELIAS GOMES DE FREITAS¹
JOÃO INÁCIO MIGLIORINI SILVA¹
JULIANA FARIA DE OLIVEIRA¹
JULIANA OLIVEIRA MOREIRA¹
MILENA BARBOSA DE ARAÚJO¹

1
Discente – Universidade do Vale do Sapucaí.

Palavras-chave:
Endocardite infecciosa; Tratamento; Diagnóstico.

75
INTRODUÇÃO procedimento odontológico prévio estão asso-
ciados com maior incidência da endocardite in-
A endocardite infecciosa (EI) é uma doença fecciosa (ROGOLEVICH et al., 2019; RA-
que acomete a superfície endocárdica, causan- JANI, 2020).
do inflamação. Ela pode apresentar-se nas for- A EI foi descrita pela primeira vez há mais
mas aguda, subaguda ou crônica, sendo que a de 350 anos (HUBERS et al., 2020). Apesar de
infecção normalmente envolve as valvas cardí- rara, com uma incidência anual estimada de 3 a
acas, naturais ou sintéticas, ou um dispositivo 10 casos por 100.000 pessoas, a incidência da
cardíaco interno (LIESMAN et al., 2017; doença aumentou ao longo dos anos, especial-
WANG, 2018; HUBERS et al., 2020). A endo- mente em razão do uso recreativo de drogas in-
cardite afeta, na maioria das vezes, as válvulas travenosas, o qual representa um fator de risco
aórtica ou mitral, enquanto a válvula tricúspide crescente que hoje é responsável por cerca de
é responsável por menos de 10% dos casos (LI- 10% de todos os casos de endocardite infecci-
ESMAN et al., 2017). osa (RAJANI, 2020).
As manifestações cardíacas da doença po- A idade média dos pacientes com endocar-
dem incluir vegetação valvar, abscesso, exten- dite infecciosa é maior que 65 anos (RAJANI,
são perianular da infecção e miopericardite, no 2020). Essa preponderância para os idosos pro-
entanto, a EI pode envolver qualquer sistema vavelmente corresponde ao aumento da preva-
(HUBERS et al., 2020). lência de fatores predisponentes, como válvulas
Na forma aguda, os sintomas ocorrem por protéticas, dispositivos cardíacos de longa per-
dias até 6 semanas e se instalam rapidamente, manência, valvopatia adquirida, hemodiálise e
apresentando-se com um início súbito de febre diabetes mellitus presentes nesse grupo demo-
alta, calafrios, sepse e complicações sistêmicas. gráfico (RAJANI, 2020). Embora anteriormen-
Na forma subaguda os sintomas ocorrem entre te um importante fator de risco, a doença reu-
6 semanas e 3 meses (WANG, 2018). Já na for- mática cardíaca agora está subjacente a menos
ma crônica eles persistem por mais de 3 meses de 5% de todos os casos na era moderna dos an-
(WANG, 2018). As formas subaguda e crônica tibióticos (RAJANI, 2020).
podem ser difíceis de diagnosticar devido à Diante da relevância do reconhecimento
inespecificidade dos sintomas (LIESMAN et precoce da endocardite infecciosa na prática clí-
al., 2017; WANG, 2018; EL-DALATI et al., nica, este capítulo tem como objetivo ressaltar
2020). as mais recentes atualizações sobre essa doença
A grande maioria dos casos de endocardite rara e de difícil diagnóstico, visando aprimorar
infecciosa resulta de infecção por estreptoco- as condutas adotadas.
cos, estafilococos e enterococos gram-positivos
(LIESMAN et al., 2017; EL-DALATI et al., MÉTODO
2020; RAJANI, 2020). Juntos, esses três grupos
são responsáveis por 80% a 90% de todos os Trata-se de uma revisão narrativa realizada
casos, com Staphylococcus aureus responsável, no período de agosto a setembro de 2021, por
especificamente, por cerca de 30% dos casos meio de pesquisas nas bases de dados PubMed,
(LIESMAN et al., 2017; RAJANI, 2020). Medline, BVS, LILACS e Scielo.
Fatores de risco como diabetes, lesão em Foram utilizados os descritores: “Endocar-
valvas cardíacas, uso de esteroides, idade avan- dite infecciosa”, "Tratamento" e "Diagnóstico".
çada, implantação de dispositivos cardíacos e Desta busca foram encontrados artigos que,

76
posteriormente, foram submetidos aos critérios O trombo, que é composto por fibrina, pla-
de seleção. quetas e outras células sanguíneas, torna-se
Os critérios de inclusão foram: artigos nos fonte de nutrientes para que os microrganismos
idiomas português, inglês e espanhol; publica- se aloquem e comecem a colonização. O trom-
dos no período de 2015 a 2021 e que abordavam bo é o meio ideal, visto que não está ligado a
as temáticas propostas para esta pesquisa, estu- vasos vasorum que permeiam os elementos da
dos do tipo revisão, artigos originais e meta- defesa tissular como os linfócitos T, monócitos
análise, disponibilizados na íntegra, além de um e macrófagos. A proliferação bacteriana ou de
artigo específico proveniente do Arquivo Bra- fungos em um meio de cultura propício, que é o
sileiro de Cardiologia datado de 2003 como ob- trombo embebido do sangue circulante, acaba
servado nas referências bibliográficas, e livros invadindo a íntima do endocárdio, também des-
presentes na Biblioteca Virtual da Universidade protegida da defesa tissular propiciada pelos va-
do Vale do Sapucaí, a partir do ano de 2008. sos vasorum (ANDRADE, 2020).
Os critérios de exclusão foram: artigos du- O coágulo não se forma sobre as células en-
plicados, disponibilizados na forma de resumo, doteliais em condições normais, seja nos vasos
que não abordavam diretamente a proposta es- sanguíneos ou nas células endocárdicas, com o
tudada e que não atendiam aos demais critérios fluxo de sangue exercendo um atrito tangencial
de inclusão; além de livros com edição anterior sobre elas, o shear stress. Nessas condições elas
ao ano de 2008 e que não estivessem presentes secretam óxido nítrico e pros-taciclina, que são
na Biblioteca Virtual da Universidade do Vale vasodilatadores e anti-agregantes plaquetários,
do Sapucaí. favorecendo a fluência do sangue no aparelho
Após os critérios de seleção restaram 15 ar- circulatório. Entretanto, alterando o fluxo san-
tigos e 2 livros que foram submetidos à leitura guíneo normal, com modificações significati-
minuciosa para a coleta de dados. Os resultados vas do shear stress para menos ou para mais, as
foram apresentados em tabelas, figuras e de células endoteliais, verdadeiras patrulhas da
forma descritiva, divididos em categorias temá- descontinuidade vascular e possível perda san-
ticas abordando: fisiopatologia, etiologia, com- guínea, interrompem a produção de óxido ní-
plicações, diagnóstico e tratamento. trico e prostaciclina passando a sintetizar endo-
telina, que é potente vasoconstritor e agrega-
dora, favorecendo a aderência das plaquetas so-
RESULTADOS E DISCUSSÃO
bre o endotélio suscetível, que, por sua vez, en-
Fisiopatologia tão libera tromboxane A2. Este é outro vaso-
constritor e agregador de plaquetas que também
Para o desenvolvimento da endocardite in-
pode desencadear a cascata da coagulação, for-
fecciosa é preciso que as células endoteliais do
mando a malha de fibrina, completando o coá-
coração estejam afetadas. A célula endotelial
gulo. Embora esses pequenos trombos sobre o
normal não permite a aderência de microrganis-
endotélio não comprometam o fluxo sanguíneo,
mos, ou seja, são incapazes de se assentar e de-
propiciam a aderência de microrganismos
senvolver colonização. Portanto, para que isso
dando início à endocardite infecciosa. Portanto,
aconteça é necessário haver um coágulo, mês- sem trombo não há endocardite infecciosa.
mo que pequeno, sobre o endotélio para poder (BADDOUR et al., 2015)
existir a endocardite infecciosa. (ANDRADE,
2020).

77
As próteses vasculares e as valvas cardí- A alteração do fluxo de sangue no coração
acas, tanto as biológicas como os anéis das me- provocado por estreitamento ou dilatação nas
cânicas, depois de alguns meses são recobertas anormalidades valvares, modificam o shear
pelo endotélio. Essas células endoteliais aloca- stress pelo efeito Venturi ou pelo maior atrito,
das sobre uma estrutura diferente do endocárdio causando distúrbio endotelial e formação de
normal não são boas produtoras de óxido nítrico trombo nas bordas das valvas. O aumento da
e prostaciclina como as células sobre a íntima velocidade do fluxo diminui a tensão na parede
nativa, sendo mais propensas a produzir endo- vascular e o oposto, a redução da velocidade au-
telina, favorecendo a formação de peque-nos menta. Por outro lado, a estenose mitral pura
coágulos sobre as próteses, que embora não pelo baixo fluxo valvar na diástole não costuma
comprometam o funcionamento valvar e o flu- predispor à endocardite infecciosa. (ANDRA-
xo sanguíneo, permitem a fixação de microrga- DE, 2020).
nismos porventura circulantes. É isso que tor- As cardiopatias congênitas também são ou-
na os portadores de próteses valvares os prin- tras causas que facilitam a endocardite infecci-
cipais candidatos a adquirir a endocardite infec- osa. A comunicação interventricular, estenoses
ciosa e, geralmente, as mais graves. (ANDRA- valvares, valva aórtica bicúspide mesmo sem
DE, 2020). estenose, coarctação da aorta, persistência do
No tratamento da endocardite infecciosa canal arterial são outras causas predisponentes.
com antibióticos adequados, em doses elevadas As cardiopatias congênitas raramente desenvol-
por tempo prolongado, as vegetações podem ser vem EI antes dos 10 anos de idade, sendo mais
esterilizadas pelo sangue que circula em volta, encontradas em adolescentes e adultos jovens,
já que na intimidade das vegetações não há mi- principalmente do sexo masculino. A comuni-
crocirculação. Portanto mesmo quando este- cação interatrial ou o forame oval patente não
reis, elas não são reabsorvidas, ficam como ci- predispõe à endocardite infecciosa porque o
catrizes protuberantes no endocárdio, podendo fluxo nas comunicações entre os átrios é de
assim hospedar novos microrganismos circu- baixa velocidade, pela pouca diferença de pres-
lantes, tornando o paciente que já teve endo- são, como na estenose mitral, não predispõe à
cardite infecciosa mais suscetível ao desenvol- endocardite equipe. A cianose quando presente
vimento de uma nova infecção, em segundo lu- nas cardiopatias congênitas, mesmo quando
gar depois dos vulneráveis portadores de pró- aparecem tardiamente como na síndrome de Ei-
teses valvares. (BADDOUR et al., 2015). senmenger, as tornam também mais predispos-
As crianças portadoras de cardiopatias con- tas à endocardite infecciosa. (ANDRADE,
gênitas cianóticas mesmo após terem corrigido 2020).
cirurgicamente o defeito, na maioria das vezes A cardiomiopatia hipertrófica na forma
de forma paliativa, como na cirurgia de Bla- obstrutiva é outra cardiopatia que pode predis-
lock-Taussig, no implante de tubos valvulados por à endocardite infecciosa, uma vez que a
ou colocação de segmentos de teflon como na contração vigorosa do septo interventricular hi-
correção completa da tetralogia de Fallot, na pertrofiado, desloca anteriormente o folheto
atresia tricúspide, transposição dos grandes va- mitral correspondente, provocando desacopla-
sos, etc, constituem o terceiro grupo de risco em mento e refluxo valvar. A malformação do apa-
importância para desenvolver endocardite in- relho valvar mitral pode estar associada a essa
fecciosa. (ANDRADE, 2020). doença congênita. (ANDRADE, 2020).

78
Os eletrodos de marcapasso e de cardiover- terium sp, Enterococcus sp, Streptococcus do
sor implantado também podem ser fonte para a grupo B de Lancifield, Listeria monocytosis,
endocardite infecciosa, embora aconteça mais Neisseria gonorrhoeae, e o grupo gram-nega-
raramente. Na maioria das vezes a infecção tivo HACEK, responsáveis por 3% dos casos
ocorre por contaminação durante o implante do (CARDOSO et al., 2019; HUBERS et al., 2020).
eletrodo. Por fim, as drogas injetáveis como a A endocardite fúngica, causada por Can-
cocaína lesam o endocárdio e geralmente vei- dida e Aspergillus, tem maior ocorrência em pa-
culam muitos microrganismos pela má assep- cientes imunossuprimidos ou em portadores de
sia. (ANDRADE, 2020). próteses valvares. É uma etiologia mais rara,
porém com uma maior mortalidade
Etiologia e complicações (CARDOSO et al., 2019).
A maioria dos casos de endocardite infec- Umas das complicações mais comuns da
ciosa acomete pacientes com fatores de risco, endocardite infecciosa é a presença de insufici-
como imunossuprimidos, portadores de prótese ência cardíaca, a qual indica cirurgia na maioria
valvar, submetidos a procedimentos intravas- dos pacientes com endocardite. A cirurgia é in-
culares invasivos, usuários de drogas injetáveis, dicada em pacientes com IC causada por regur-
sequela de febre reumática (principalmente, nos gitação aórtica ou mitral grave, fístulas intracar-
pacientes jovens), entre outros, resultado da in- díacas ou obstrução valvar causada por vegeta-
fecção do tecido cardíaco por diversos organis- ções (HABIB et al., 2015).
mos, como bactérias, vírus e fungos. As válvu- Eventos embólicos também estão relacio-
las aórtica e mitral, são mais acometidas pela nados a complicações frequentes de EI relacio-
EI, apesar de que em pacientes usuários de dro- nadas à migração de vegetações cardíacas. As
gas injetáveis a incidência é maior nas válvulas vegetações ocasionadas por S. aureus menores
tricúspides (CARDOSO et al., 2019; HUBERS que 15 mm que acometem a valva mitral são as-
et al., 2020). sociadas ao maior risco de embolização (HA-
Os agentes mais comuns causadores dessa BIB et al., 2015).
patologia, são as bactérias gram-positivas, co- Ademais, complicações neurológicas sinto-
mo estreptococos, estafilococos e enterococos, máticas ocorrem em 15-30% dos pacientes com
que correspondem de 80 a 90% dos casos de EI. EI e são geradas, principalmente, a partir de ma-
A infecção por estreptococos, em maioria do cro ou micro êmbolos, prevenidos com diag-
grupo viridans, é mais frequente em países em nóstico rápido e início precoce de antibióticos.
desenvolvimento, apesar de que a porcentagem Elas incluem acidente vascular cerebral isquê-
de casos, por estafilococos tem aumentado nas mico ou hemorrágico, ataque isquêmico transi-
últimas décadas, fato importante, visto que há tório, acidente vascular cerebral silencioso, em-
uma resistência do S. aureus aos antimicrobia- bolia, aneurisma infeccioso sintomático ou as-
nos, o que dificulta ainda mais o tratamento da sintomático, abscesso cerebral, meningite, en-
EI. Além disso, a endocardite precoce de pró- cefalopatia tóxica e convulsão, sendo associa-
tese valvar é mais frequentemente causada pe- das, sobretudo, a uma mortalidade excessiva no
los Estafilococos coagulases-negativos caso de acidente vascular encefálico
(CARDOSO et al., 2019; HUBERS et al., 2020). (ALEGRIA et al., 2021).
Diversos outros organismos também são Os infartos esplênicos são comuns, muitas
responsáveis por esta doença, dentre eles: fun- vezes assintomáticos e expressos por febre re-
gos, bacilos gram-negativos como, Coryneba- corrente, dor abdominal e bacteremia. Além

79
disso, as complicações reumáticas podem ser as Diagnóstico
primeiras manifestações da doença, atrasando
Primeiramente descrita de forma clínica em
seu diagnóstico. Elas incluem artrite periférica
1646, por Lazare Reviere, a endocardite infec-
e espondilodiscite, assim indica-se ressonância
ciosa tem um longo histórico de evolução de
magnética ou tomografia computadorizada de
seus critérios diagnósticos. William Osler, em
coluna vertebral em pacientes portadores de EI
1885, contribuiu diretamente com a elucidação
com lombalgia (HABIB et al., 2015).
das manifestações clínicas da doença. Já em
Ademais, a disfunção renal aguda ocorre,
1981, Pelletier e Peterdorf, além de Von Reyn
frequentemente, devido a causas imunes e mul-
et al. relacionaram as observações oslerianas
tifatoriais, como glomerulonefrite, infarto renal
com elementos clínicos e laboratoriais. Por fim,
devido a êmbolos sépticos, comprometimento
em 1994, Durack et al. incluíram a imagem eco-
hemodinâmico em casos de insuficiência car-
cardiográfica no diagnóstico definitivo da EI
díaca ou após a realização de cirurgia cardíaca.
(SAMPAIO et al., 2019).
Por fim, pode ser gerado, também, devido a to-
Dessa forma, atualmente o diagnóstico da
xicidade antibiótica e a agentes de contrastados
endocardite infecciosa baseia-se, fundamental-
utilizados nos exames de imagem (HABIB et
mente, na precocidade da identificação da do-
al., 2015).
ença associada ao tripé estabelecido pela união
de exame clínico, exames laboratoriais e de
imagem, agrupados nos Critérios de Duke Mo-
dificados, demonstrados na Tabela 9.1 abaixo
(CARDOSO et al., 2021).
Tabela 9.1 Critérios de Duke Modificados
Critérios Maiores

Com microrganismos típicos para EI em duas amostras colhidas separadamente


(Streptococcus viridans, Streptococcus bovis, grupo HACEK, Staphylococcus aureus ou
1. Hemocultura
enterococo) na ausência de outro foco primário ou resultados persistentemente positivos
positiva:
em hemoculturas colhidas com intervalos maiores de 12 horas ou a maioria de pelo menos
4 amostras de hemoculturas colhidas em 1 hora;

2. Evidências de Ecocardiograma positivo para EI com imagem sugestiva de vegetação sem explicação
envolvimento alternativa ou presença de abscesso ou detecção de deiscência nova em prótese ou nova
do endocárdio: regurgitação valvar (aumento ou mudança em regurgitações preexistentes não tem valor)

Critérios Menores

Condição cardíaca predisponente ou história de uso de drogas endovenosas; Febre ≥ 38


°C; Fenômenos vasculares como embolia arterial, embolia séptica pulmonar, infarto
pulmonar, aneurisma micótico, hemorragia conjuntival e lesões de Janeway; Fenômenos
imunológicos como glomerulonefrite por deposição de imunocomplexos, nódulos de
Osler, manchas de Roth e fator reumatoide positivo; Evidência microbiológica
(hemoculturas +) que não preenchem critérios maiores ou presenças de evidências
sorológicas de organismos causadores de EI; Ecocardiograma (ECO) com lesões
sugestivas de vegetações que não preencham os requisitos como critérios maiores (ECO
duvidoso).

Fonte: Adaptado de CARDOSO et al., 2021.

80
Assim, partindo dos critérios citados acima, tiva em até 6 semanas. Já a subaguda é predo-
classifica-se a endocardite infecciosa em: minantemente identificada pela constatação de
1. EI Definitiva - se clinicamente apresentar febre vespertina, sudorese noturna, fadiga e ina-
dois critérios maiores ou um critério maior e petência, podendo durar até 3 meses. Por fim, a
três ou cinco critérios menores; crônica pode perdurar por mais de 3 meses, re-
2. EI Possível - se com um critério maior e fletindo diretamente na maior gravidade da EI
um critério menor ou 3 critérios menores; se não identificada e tratada de maneira precoce
3. EI Rejeitada - se houver um esclareci- (WANG et al., 2018; RAJANI et al., 2020).
mento dos sintomas de modo a estabelecer um Dessa forma, conclui-se que a apresentação
diagnóstico alternativo evidente ou resolução clínica da patologia é definida por uma ampla
clínica após 4 ou menos dias correntes a partir variedade de sinais e sintomas, bem como pela
do início da antibioticoterapia ou ausência de sua grande capacidade de atingir diversos ór-
características sugestivas de EI durante cirurgia gãos e sistemas. Assim, realça-se as alterações
ou pós exame anatomopatológico pelo mesmo inespecíficas já citadas, além daquelas direta-
método de tratamento e período de tempo ci- mente relacionadas à própria doença e ao siste-
tado anteriormente (HUBERS et al., 2020). ma cardiovascular, como o aparecimento de ve-
Evolutivamente, como citado na introdução getação valvar, abscesso, extensão perianular
deste capítulo, a endocardite infecciosa divide- da infecção, miopericardite, aneurismas micó-
se em aguda, subaguda e crônica, sendo dire- ticos, fenômenos embólicos, hepatoespleno-
tamente impactada pelas condições de saúde do megalia, sinais de insuficiência cardíaca e, com
paciente, comorbidades presentes e microrga- menor frequência mas alta relevância, apareci-
nismo causador. A doença em sua forma aguda mento de lesões de Janeway, nódulos de Osner
caracteriza-se por uma rápida alteração do es- e manchas de Roch (Figura 9.1), já citados nos
tado geral e febre alta, com evolução significa- Critérios Modificados de Duke (RAJANI et al.,
2020).
Figura 9.1 Lesões clássicas, ainda que incomuns, da EI

Legenda: Lesões de Janeway (esq.) - pápulas sem sensibilidade localizadas na região palmar das mãos; Nódulos de
Osner (centro) - nódulos eritematosos com sensibilidade, presentes nas falanges; Manchas de Roch (dir.) - localizadas
na retina, de aspecto hemorrágico. Fonte: Adaptado de CARDOSO et al., 2021.

Para tal, é importante ressaltar que mesmo tem-se a importância no diagnóstico e tratamen-
com os avanços no diagnóstico e no tratamento, to precoces, a fim de reduzir a sua mortalidade
a endocardite ainda é uma doença associada à (SAMPAIO et al., 2019).
elevada morbimortalidade. Estudos mostram A ecocardiografia é o exame de imagem de
que mais de um terço dos pacientes falecem no escolha para a investigação inicial da doença,
primeiro ano após o diagnóstico. Sendo assim, sendo importante no diagnóstico, manejo e mo-

81
nitoramento do paciente com endocardite infec- A ressonância magnética cerebral (RM ce-
ciosa. Se persistir a suspeita clínica com o eco- rebral) possui maior sensibilidade e, por isso,
cardiograma transtorácico (ETT), procede-se o maior probabilidade de detectar consequências
estudo com ecocardiograma transesofágico cerebrais da endocardite infecciosa. Este exame
(ETE) para aumentar a acurácia do método. caracteriza melhor a lesão em pacientes com
Contudo, mesmo resultados negativos no ETE endocardite infecciosa e sintomas neurológicos,
não excluem a doença em pacientes com forte além de impactar positivamente no diagnóstico
suspeita clínica. Neste caso, o exame deve ser de pacientes com endocardite infecciosa não
repetido em até sete dias para esclarecimento definida e sem sintomas neurológicos (OLI-
diagnóstico (SAMPAIO et al., 2019). VEIRA et al., 2020).
Em casos ainda inconclusivos pode-se usar A tomografia com emissão de pósitrons
da ferramenta do ETE tridimensional em tempo (PET-CT) é um método de imagem que associa
real, o qual permite a análise tridimensional de a informação do metabolismo (funcional) à in-
volumes de estruturas cardíacas em qualquer formação anatômica. Ele permite a realização
plano possível. É uma técnica importante para de imagens de fusão e uma localização mais a-
a análise da morfologia e tamanho da vegeta- curada da lesão ou alteração investigada. O
ção, podendo superar as deficiências do ETE principal radiofármaco utilizado é a flúordeoxi-
convencional e permitir uma melhor predição glicose, que é um análogo da glicose e, por con-
do risco de embolia na endocardite infecciosa. sequência, um marcador de metabolismo, li-
Este exame é útil principalmente na avaliação gado ao flúor 18 (18F-FDG). Este exame deve
da extensão da infecção perivalvular, na deis- ser utilizado quando existe uma alta suspeita
cência da prótese valvar e na perfuração valvar. clínica sem confirmação diagnóstica com os
Contudo, por mais que ele esteja sendo cada vez métodos tradicionais em pacientes com prótese
mais realizado, sabe-se que, na maioria dos ca- valvar ou dispositivo intra-cardíaco, sendo útil
sos, ele deve ser considerado como um com- também na avaliação de embolia séptica
plemento (OLIVEIRA et al., 2020). (GROSSMAN et al., 2019).
Alguns outros exames de imagem têm se Existem algumas limitações associadas ao
mostrado promissores no auxílio de diagnóstico aumento da captação de 18F-FDG como, por
precoce em pacientes com suspeita clínica de exemplo, em pacientes que foram submetidos à
endocardite infecciosa de difícil conclusão cirurgia cardíaca recente, a presença de condi-
como a tomografia computadorizada multislice ções patológicas (trombos ativos, placas ate-
(TCMS), a ressonância magnética cerebral roscleróticas moles, vasculite, tumores cardía-
(RM cerebral) e a tomografia com emissão de cos primários, metástase cardíaca de tumor não
pósitrons (PET-CT). Essas novas técnicas para cardíaco, inflamação pós-cirúrgica e reação a
diagnóstico devem ser, provavelmente, incluí- corpo estranho) e a localização de êmbolos sép-
das em futuras diretrizes (SAMPAIO et al., ticos no cérebro. O papel promissor adicional
2020). deste exame é principalmente para os pacientes
A tomografia computadorizada multislice com diagnóstico de endocardite infecciosa esta-
(TCMS) é capaz de detectar abscessos e pseu- belecida, podendo ser usado para monitorar a
doaneurismas com maior acurácia (OLIVEIRA resposta ao tratamento antimicrobiano. Con-
et al., 2020). tudo, ele ainda não está disponível para esta fi-
nalidade (OLIVEIRA et al., 2020).

82
Portanto, sabe-se que, mesmo que existam O conhecimento da epidemiologia é crucial pa-
exames de imagem mais modernos, nem sem- ra a determinação do tratamento adequado (Ta-
pre eles são conclusivos e que para o diagnós- bela 9.2), visto que os diferentes microrganis-
tico é importante o manejo da doença a partir de mos estão relacionados a complicações varia-
uma equipe multidisciplinar composta por car- das. Dessa forma, é realizada a identificação do
diologista, infectologistas, imaginologistas, mi- agente etiológico através da hemocultura, o que
crobiologistas, entre outras especialidades influenciará diretamente na evolução do caso
(SAMPAIO et al., 2020). assim como na mortalidade e morbidade dos
pacientes (ROCHA et al., 2020).
Tratamento A patologia é, principalmente, dividida em
O tratamento preconizado para EI é a anti- dois subgrupos principais:
bioticoterapia, que tem indicação específica de - Aguda: ocorre de dias a duas semanas
acordo com o agente etiológico, entretanto não após a contaminação com o microrganismo,
havendo evolução satisfatória a intervenção ci- possui toxicidade elevada e a infecção é metas-
rúrgica se torna necessária (PINTO, 2017). tática, sendo causada principalmente pelos
agentes etiológicos Staphilococcus aureus,
Tratamento farmacológico Streptococcus pneumoniae e Streptococcus
Atualmente o cenário epidemiológico da EI pyogenes (SILVA, 2017).
encontra-se diferente, sendo o Staphylococcus e - Subaguda: ocorre de semanas a meses
Streptococcus associados causadores de 80% após a contaminação com o microrganismo,
dos casos. Enquanto, os Enterococcus represen- normalmente não sendo metastática, tendo co-
tam 10%, os bacilos gram negativos 5%, além mo causa principal o Streptococcus viridans
de fungos, que são as causas mais raras de EI. (SILVA, 2017).

Tabela 9.2 Tratamento de acordo com as diferentes etiologias da Endocardite Infecciosa


Patógeno Tratamento

Estafilococos

• Nafcilina ou oxacilina (2g IV a cada 4h por 4 a 6 semanas) + gentamicina


(opcional) (1 mg/kg IM ou IV a cada 8h por 3 a 5 dias)
-Sensíveis a meticilina,
• Cefazolina (2g IV a cada 8h por 4 a 6 semanas) + gentamicina (opcional) (1
em valvas nativas
mg/kg IM ou IV a cada 8h por 3 a 5 dias)
• Vancomicina (15 mg/kg IV a cada 12h por 4 a 6 semanas)

• Nafcilina ou oxacilina (2g IV a cada 4h por 6 a 8 semanas) + gentamicina (1


-Sensíveis a meticilina,
mg/kg IM ou IV a cada 8h por 2 semanas) + rifampicina (300 mg VO a cada 8
em valvas protéticas
horas por 6 a 8 sermanas)

-Resistentes a
meticilina, em valvas • Vancomicina (15 mg/kg IV a cada 12h por 4 a 6 semanas)
nativas

-Resistentes a • Vancomicina (15 mg/kg IV a cada 12h por 6 a 8 semanas) + gentamicina (1


meticilina, em valvas mg/kg IM ou IV a cada 8h por 2 semanas) + rifampicina (300 mg VO a cada 8
protéticas horas por 6 a 8 sermanas)

83
Estreptococos

• Penicilina G (2 a 3 MU IV a cada 4h por 4 semanas)


• Ceftriaxona (2g/dia IV em dose única por 4 semanas)
• Vancomicina (15 mg/kg IV a cada 12h por 4 semanas)
-Sensíveis a penicilina
• Penicilina G (2 a 3 MU IV a cada 4h por 4 semanas) ou Ceftriaxona (2g IV em
dose única por 2 semanas) + Gentamicina (3 mg/kg/dia IV ou IM dose única
durante 2 semanas)

• Penicilina G (4 MU IV a cada 4h por 4 semanas) ou Ceftriaxone (2g IV a cada


-Relativamente 24h por 4 semanas) + Gentamicina (3 mg/kg IV ou IM em dose única por 2
sensíveis a penicilina semanas)
• Vancomicina (15 mg/kg IV a cada 12h por 4 semanas)

• Penicilina G (4 a 5 MU IV a cada 4h por 6 semanas) ou Ceftriaxone (2g IV dose


-Moderadamente única por 6 semanas) + Gentamicina (3 mg/kg IV ou IM dose única por 6
resistentes a penicilina semanas)
• Vancomicina (15 mg/kg IV a cada 12h por 4 semanas)
• Penicilina G (4 a 5 MU IV a cada 4h) ou Ampicilina (2g IV a cada 4h) ou
Vancomicina (15 mg/kg IVa cada 12h) durante 4 a 6 semanas + Gentamicina
(3 mg/kg IV ou IM dose única por 4 a 6 semanas)
Enterococos
• Ampicilina (2g IV a cada 4h por 6 semanas) + Ceftriaxone (2g IV a cada 12h
por 6 semanas)

• Ceftriaxone (2g IV dose única por 4 semanas) ou outra cefalosporina de 3ª


Microrganismos geração
HACEK • Ampicilina/sulbactam (3g IV a cada 6h por 4 semanas)

Fonte: Modificado de KARCHMER, 2009; PINTO, 2017; ROCHA et al., 2020.

Patógenos fúngicos são mais recorrentes no lado esquerdo. Nos últimos 30 anos houve
em casos específicos, como em EI de valvas uma redução na mortalidade por EI, que antes
protéticas, de usuários de drogas intravenosas e era cerca de 30% para cerca de 20%, essa dimi-
de imunocomprometidos. Nesses casos a mor- nuição está intimamente ligada ao diagnóstico
talidade é elevada e o tratamento requer a admi- precoce e ao tratamento farmacológico ade-
nistração antifúngica, a qual pode perdurar por quado (ROCHA et al., 2020).
toda a vida, somado a substituição cirúrgica da
válvula. O tratamento consiste em: Tratamento cirúrgico
- Candida: anfotericina B lipossômica com O tratamento cirúrgico é a alternativa para
ou sem flucitosina ou equinocandina. quando a evolução do tratamento farmacoló-
- Aspergillus: voriconazol com ou sem gico não se faz de maneira satisfatória, para ca-
equino-candina ou anfotericina B. sos com complicações ou para casos específi-
Geralmente, a antibioticoterapia possui du- cos.
ração prolongada na endocardite infecciosa, em As principais indicações cirúrgicas são:
decorrência da baixa penetração dos antibióti- • Insuficiência cardíaca congestiva: mini-
cos nas vegetações cardíacas, por serem avas- mizar a estenose funcional ocasionada pelas ve-
culares. Porém, quando as vegetações bacteria- getações exacerbadas ou para restabelecer a
nas se encontram no lado direito do coração, a função de valvas lesionadas regurgitantes;
terapia possui ciclo mais curto, pois usualmente
possui densidades bacterianas mais baixas que

84
• Infecção perivalvar: quando há febre • Correção de fístulas aorta/AD/ AE
persistente, surgimento de fístula, deiscência ou (FRAGOMENI et al., 2003).
instabilidade da prótese ou infecção recidiva;
• Infecção descontrolada; CONCLUSÃO
• EI por S. aureus: principalmente quando
A maioria dos casos de endocardite infec-
ocorre em valva protética; ciosa acomete pacientes com fatores de risco,
• Prevenção de êmbolos sistêmicos: a
como imunossuprimidos, portadores de prótese
mortalidade persiste em pacientes com oclusão valvar, submetidos a procedimentos intravas-
das artérias cerebrais e coronárias (KARCH- culares invasivos, usuários de drogas injetáveis,
MER, 2009). sequela de febre reumática, entre outros, resul-
Momentos oportunos para cirurgia em paci- tado da infecção do tecido cardíaco por diversos
entes com EI: organismos, como bactérias, vírus e fungos.
• Emergência: regurgitação aórtica aguda
Apesar dos estudos tratarem dos mecanis-
com fechamento precoce da valva mitral, abs- mos fisiopatológicos de forma clara, a EI com-
cesso do seio de Val-salva roto para o átrio di- tinua sendo uma doença de alta morbimortali-
reito e ruptura para o saco pericárdico, EPA re- dade e observa-se efeitos de longo alcance na
fratário ou choque cardiogênico. qualidade de vida dos sobreviventes. Entender
• Urgente: obstrução valvar pela vegeta-
os fatores determinantes para etiologia e evolu-
ção, próteses instáveis, regurgitação aguda aór- ção da doença, baseado em dados epidemioló-
tica ou mitral com insuficiência cardíaca, per- gicos, pode contribuir de maneira significativa
furação de septo, extensão paravalvar da infec- para elaborar estratégias de prevenção e seguir
ção e inexistência de tratamento com antibió- o tratamento com o fármaco correto.
tico eficaz. A inclusão de novos métodos de identifica-
• Eletiva: regurgitação protética paraval-
ção microbiológica e de imagem, associadas a
var progressiva, disfunção valvar com infecção time multidisciplinar, envolvendo cardiologis-
persistente após mais de 7 a 10 dias de trata- tas, infectologistas, especialistas em imagem,
mento antimicrobiano e endocardite fúngica microbiologistas e outras especialidades, para
(KARCHMER, 2009; PINTO, 2017). casos específicos, como neurologistas, são fun-
Principais procedimentos cirúrgicos na en- damentais neste cenário.
docardite infecciosa Além disso, é importante ressaltar que a
• Prótese aórtica mecânica
mudança no curso do prognóstico da EI de-
• Prótese mitral mecânica
pende da rápida instituição de terapêutica diri-
• Prótese aórtica biológica
gida, que por sua vez só é possível com a pre-
• Prótese mitral biológica
cocidade no diagnóstico. Merecem especial
• Plastia mitral
atenção, subgrupos de alto risco como idosos e
• Prótese mitral mecânica + plastia tricús-
portadores de material protético implantado,
pide cujo atraso no diagnóstico tem suscitado maior
• Prótese aórtica mecânica + plastia mi-
mortalidade. Assim, futuras diretrizes devem
tral considerar a inclusão destas novas técnicas no
• Prótese aórtica + mitral biológica
diagnóstico da EI.
• Prótese aórtica e tricúspide biológica

85
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86
Capítulo 10

CARDIOMIOPATIA DE
TAKOTSUBO

VICTORIA DEPES SCARAMUSSA¹


VICTOR QUINTELLA DE ARAGÃO PORTO1
ALINE ARAUJO DOS SANTOS RABELO2

1
Discente - Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense
²Docente - Departamento de Fisiologia e Farmacologia da Universidade Federal
Fluminense

Palavras-chave:
Síndrome de Takotsubo; Cardiomiopatia por Estresse; Dor Torácica.

87
INTRODUÇÃO Figura 10.1 Ventriculografia esquerda contrastada, em
sístole, evidenciando hipocinesia apical e hipercinesia
basal na STT
A síndrome de Takotsubo (STT) é uma mi-
ocardiopatia reversível não classificada, de
forma não familiar, induzida por estresse (físico
ou emocional), que consiste em uma disfunção
ventricular esquerda transitória na ausência de
doença arterial obstrutiva coronariana (DAOC),
mas cujos sintomas são semelhantes à síndrome
coronariana aguda (SCA) (NÓBREGA & BRI-
TO, 2012). Sua história é recente, data da dé-
cada de 1990, quando foi publicado no Japão
um relato de cinco casos e, desde então, seu di-
agnóstico é crescente no mundo todo (SCAN-
TLEBURY & PRASAD, 2014). Apenas no fi- Fonte: GANGADHAR et al, 2008. Reproduzida sob li-
nal da década de 1990 foram relatados os pri- cença http://creativecommons.org/licenses/by/2.0
meiros casos no ocidente (GHADRI et al,
Classicamente, a STT apresenta-se em mu-
2018a). Em 2006, a American Heart Associ-
lheres pós-menopausa, na sexta e sétima déca-
ation reconheceu oficialmente a STT como uma
das de vida, com pico entre 62 e 76 anos de
miocardiopatia adquirida (SHARKEY & MA-
idade (SCATLEBURY, 2014; NÓBREGA &
RON, 2014), o que pode ter contribuído muito
BRITO, 2012). Esse padrão se repete também
para o aumento do número de publicações e di-
no Brasil, o que pôde ser verificado pelo RE-
agnósticos, uma vez que seu reconhecimento se
MUTA, primeiro Registro Multicêntrico de Ta-
difundiu mais pela comunidade médica. Seu
kotsubo no país (ALMEIDA JUNIOR et al,
nome se refere a uma armadilha para pescar
2020). Mulheres, quando acima de 55 anos,
polvos, do japonês “takotsubo”, que possui
possuem risco cinco vezes maior de desenvol-
corpo abaulado e pescoço estreito, asseme-
ver STT, aumentando para dez vezes o risco
lhando-se à forma que o ventrículo esquerdo as-
quando comparadas aos homens (GHADRI et
sume durante a sístole, no padrão clássico de
al, 2018a). Esse perfil é o predominante em
abaulamento apical da doença (Figura 10.1),
cerca de 90% dos casos, mas há ainda algumas
identificado através da ventriculografia es-
variações. À medida que o conhecimento da do-
querda contrastada ou ao ecocardiograma, de-
ença se populariza, mais diagnósticos são fei-
vido à hipocinesia médio-apical e à hipercinesia
tos, o que possibilita a expansão - e mesmo a
basal (NÓBREGA & BRITO, 2012). É também
mudança - da epidemiologia conhecida. Quan-
conhecida como síndrome do coração partido,
do se trata de STT desencadeada por estresse
fazendo alusão ao evento estressante que a de-
físico, por exemplo, o prognóstico é pior (AL-
sencadeia, síndrome do abaulamento apical e
MEIDA JUNIOR et al, 2020) e a prevalência é
disfunção ventricular esquerda transitória com
maior entre homens. Há também casos re-
abaulamento apical.
latados em mulheres pré-menopausa, incluindo
uma menina de 2 anos portadora de neoplasia
maligna, e um neonato prematuro (SHARKEY
& MARON, 2014). Curiosamente, no Japão, a

88
Síndrome de Takotsubo é mais prevalente em kotsubo”, “the broken heart syndrome”, “ta-
homens (TEMPLIN et al, 2015). kotsubo cardiomyopathy”, “takotsubo epide-
Estima-se que aproximadamente 2% dos miology”, “clinical features of takotsubo syn-
pacientes que dão entrada em serviços de saúde drome”, “takotsubo pathophysiology”, “ta-
com apresentação clínica de SCA, possuem, na kotsubo diagnostic criteria”, “inverted ta-
verdade, STT. Quando se trata apenas de mu- kotsubo”, “tratamento da síndrome de ta-
lheres, esse número sobe para 10% (SHARKEY kotsubo” e “síndrome de takotsubo”. Foram se-
& MARON, 2014). Por ser uma síndrome clínica lecionados artigos de 1991 a 2021, escritos ori-
essencialmente desencadeada por estresse, ginalmente em português e em inglês, disponi-
estudos evidenciaram uma prevalência maior bilizados na íntegra, encontrados nas buscas e
em pacientes com comorbidades de ordem psi- nas referências bibliográficas desses.
quiátrica, como ansiedade, depressão e trans-
torno do uso de substâncias (SCANTLEBURY FISIOPATOLOGIA
& PRASAD, 2014). Catástrofes naturais, como
Muito da fisiopatologia da STT ainda per-
terremotos e grandes enchentes, estação do ve-
manece obscura. Há diversas hipóteses para a
rão e o período da manhã, talvez por maior libe-
doença, não necessariamente excludentes. No
ração de hormônios estressores, foram associ-
entanto, uma característica central é o grande
ados em alguns estudos com maior ocorrência
aumento dos níveis de catecolaminas circulan-
de STT (SHARKEY & MARON, 2014).
tes (até 3 vezes maiores do que em pacientes
Apesar do crescente entendimento sobre a
com infarto do miocárdio ou insuficiência car-
STT, acredita-se que seus números ainda sejam
díaca pós-infarto) e da atividade simpática, de
subestimados por subdiagnóstico. Nesse cená-
modo que dois pontos relacionados à fisiologia
rio, objetiva-se dar continuidade à construção e
são importantes. O primeiro envolve o sistema
à difusão desse conhecimento dentro da comu-
nervoso central, relacionado à percepção de es-
nidade de profissionais da área da saúde, em es-
tresse e à quantidade de catecolaminas liberadas
pecial a comunidade médica, na intenção de tor-
pelo evento estressor. O segundo aborda o sis-
nar este um diagnóstico lembrado no atendi-
tema cardiovascular, estando ligado à sensibili-
mento ao paciente.
dade do miocárdio e dos vasos coronários aos
hormônios circulantes (LYON et al, 2021).
MÉTODO
A doença pode ser dividida em estágios
Este capítulo constitui-se de uma revisão temporais a partir do evento estressante desen-
narrativa acerca da Síndrome de Takotsubo, cadeador, ainda que o que se saiba dos primei-
com foco em sua fisiopatologia, apresentação ros minutos até a primeira hora (fase clínica ul-
clínica, diagnóstico e tratamento. Para tanto, tra aguda) seja derivado de estudos animais, de-
fez-se uma busca, em setembro de 2021, por ar- vido ao tempo de procura da assistência médica
tigos científicos nas bases de dados PubMed, pelos pacientes (WRIGHT et al, 2014). Nos pri-
Portal de Periódicos Capes pelo acesso da Co- meiros 10 minutos, a concentração maior de ca-
munidade Acadêmica Federada (Acesso Cafe), tecolaminas provoca um aumento da pressão ar-
SciELO e LILACS. Foram utilizados, em livre terial e bradicardia reflexa, já sendo encontra-
combinação, os seguintes descritores: “ta- das alterações eletrocardiográficas. Após esse
pequeno período, há início da normalização da

89
pressão arterial e da hipocinesia regional da pa- epinefrina circulantes. Assim, o aumento dos
rede do miocárdio, a qual progride geralmente níveis de catecolaminas decorrente do gatilho
até o 3º ou 4º dia, momento em que o quadro de estresse levaria a uma maior ativação da via
normalmente começa a se reverter (WRIGHT Gi no ápice cardíaco e, portanto, a uma queda
et al, 2014). de sua contratilidade, como observado nos qua-
Uma das hipóteses baseia-se no efeito di- dros clássicos de STT (LYON et al, 2008). En-
reto das catecolaminas sobre os cardiomiócitos. tretanto, essa hipótese não explica as variantes
A norepinefrina liberada pelas terminações não clássicas (não-apicais) da STT.
simpáticas possui maior afinidade pelos recep- Ainda em relação aos efeitos adrenérgicos
tores adrenérgicos β1 (RAβ1), acoplados à pro- diretos sobre os cardiomiócitos, já foi detectado
teína Gs e, portanto, promovem aumento da ati- em indivíduos com STT um distúrbio do trans-
vidade da PKA e, consequentemente, da contra- porte de cálcio, com diminuição da atividade da
tilidade cardíaca. Já a epinefrina, advinda prin- SERCA2a, redução da fosforilação do fosfo-
cipalmente das adrenais, embora também ative lambam (PLN) no sítio Ser-16 (ligado ao au-
os RAβ1, possui maior afinidade pelos recepto- mento da PP1) e maior expressão ventricular de
res adrenérgicos β2 (RAβ2), os quais, em con- sarcolipina (SLN) (NEF et al, 2009), alterações
centrações fisiológicas de catecolaminas, ati- ligadas a uma diminuição da função do retículo
vam as mesmas vias de sinalização dos RAβ1. sarcoplasmático no estoque e manejo de cálcio
Contudo, em concentrações mais elevadas, co- e, portanto, uma sobrecarga de cálcio citoplas-
mo as que ocorrem na STT, há uma troca de mático devido às catecolaminas, o que é relaci-
vias de sinalização dos RAβ2, os quais passam onado a uma menor viabilidade celular (MANN
a ativar a via da Gi, que desencadeia efeitos ino- et al., 1992).
trópicos negativos no miocárdio (possivelmen- Uma outra hipótese aborda o papel de uma
te através da via das MAP quinases, aumento da disfunção microvascular que poderia ocorrer na
expressão do trocador iônico sódio-cálcio, STT, visto que alguns estudos, como demons-
inibição dos canais de cálcio tipo L ou ainda trado em 2005 por Kume et al., evidenciaram
outras vias) (LYON et al, 2008). Esse processo uma redução da reserva e da velocidade de
de troca de vias é conhecido como “Stimulus fluxo sanguíneo coronariano. Como essas anor-
Trafficking” e acredita-se que dependa da fos- malidades foram detectadas nos três grandes
forilação dos RAβ2 pela PKA. Apesar de ser vasos epicárdicos, sugere-se um distúrbio da
contraintuitivo do ponto de vista evolutivo, esse microcirculação que pode ser mediado por ca-
mecanismo de troca pode estar relacionado à tecolaminas.
proteção dos cardiomiócitos de vias pró- Há ainda mais hipóteses que se baseiam em
apoptóticas relacionadas ao estímulo excessivo outros fatores, como vasoespasmos epicárdicos
das catecolaminas na via da Gs, já que a Gi e rupturas de placas seguidas de completa e rá-
também ativaria a via antiapoptótica da Akt. pida lise do trombo, por exemplo. Todavia, es-
Outro fator importante é a maior concentração sas ideias possuem algumas limitações, como o
de receptores β adrenérgicos no ápice do fato de que os padrões de acometimento mus-
coração em relação a sua base, o que prova- cular não correspondem aos territórios vascula-
velmente é um mecanismo compensatório à res. O acometimento de uma artéria descen-
maior inervação simpática da base, fazendo dente anterior que se estende à face diafragmá-
com que ele seja mais sensível aos níveis de tica cardíaca já foi citado como possibilidade

90
para o comprometimento apical (IBANEZ et al. palpitações, arritmias, sudorese e ansiedade ex-
2004), embora essa variação anatômica não seja cessiva (LYON et al, 2015). Essa apresentação
encontrada em maior número nesses pacientes se assemelha muito à SCA, o que torna o seu
(HOYT et al. 2010). diagnóstico mais difícil e em grande parte das
Como já citado anteriormente, a forma clás- vezes indiferenciável clinicamente. O paciente
sica e mais prevalente da STT consiste em um típico de STT é a mulher na pós-menopausa
comprometimento apical do miocárdio. Toda- com história de estresse emocional e/ou físico,
via, há outras três formas também comuns de mas isso não se dá em absoluto, havendo casos
acometimento muscular, os tipos medioventri- diagnosticados em outras faixas etárias e sexo,
cular, invertido (ou basal) e focal (ou locali- e na ausência de qualquer evento sugestivo de
zado). Uma análise com 1750 pacientes encon- abalo psicoemocional ou físico em até um terço
trou uma prevalência relativa desses 4 tipos de dos casos (LYON et al, 2015). Esse gatilho
81,7%; 14,6%; 2,2% e 1,5% respectivamente emocional prévio geralmente é pensado como
(GHADRI et al, 2016). A forma invertida é um evento negativo, como perda de um ente
mais relacionada a indivíduos mais jovens, com querido, perda de emprego, assalto, divórcio,
quadros de baixa gravidade e menor liberação diagnóstico de uma doença grave, entre outros.
de NT-proBNP, embora também apresente con- Porém, deve-se ter em mente que eventos posi-
centrações séricas mais elevadas de troponinas tivos, como aniversário surpresa, ganhar na lo-
e CK-MB. Uma explicação para a diferença de teria ou ter alguma notícia boa inesperada tam-
gravidade e biomarcadores é de que a lesão da bém podem provocar STT, o que é chamado de
base, uma área muscular maior, levaria a maior “síndrome do coração feliz”, e devem ser valo-
liberação de troponina e CK-MB, enquanto a rizados na anamnese (GHADRI et al, 2018a).
hipocinesia do ápice levaria a uma diferente re- A Associação de Insuficiência Cardíaca da
lação espacial dos folhetos mitrais, com possí- Sociedade Europeia de Cardiologia classificou
vel regurgitação mitral, que agravaria o quadro a STT em dois subtipos clínicos: primário e se-
de insuficiência cardíaca (BANER-JEE, 2016). cundário. A STT primária consiste naquela em
Fatores de risco para a doença já foram que os sintomas cardíacos agudos são o motivo
identificados, de tal modo que agem provavel- primeiro de busca por atendimento em saúde,
mente aumentando a resposta simpática ao es- sendo possível ou não a identificação do evento
tresse agudo ou intensificando a influência ca- estressor. Apesar de poderem coexistir outras
tecolaminérgica sobre os miócitos e a micro- doenças e fatores de risco cardíacos, não são
vasculatura. Podem-se citar: baixos níveis de eles a desencadearem a tempestade de catecola-
estrogênio, disfunção endotelial, desordens de minas que provoca a STT. Já a Síndrome de Ta-
humor e uso de antidepressivos e até polimor- kotsubo secundária, como o nome sugere, é de-
fismos genéticos (WITTSTEIN, 2012). sencadeada por uma enfermidade pré-existente,
seja como uma complicação desta ou de seu tra-
Apresentação clínica tamento. Exemplos de condições médicas que
Os pacientes com STT se apresentam clas- podem desencadear STT são descritas na Fi-
sicamente com dor torácica aguda (sintoma gura 10.2.
mais prevalente), dispneia, lipotímia, síncope,

91
Figura 10.2 Exemplos de estressores desencadeantes de Síndrome de Takotsubo secundária.

Legenda: SIADH: síndrome da secreção inapropriada de hormônio antidiurético; AVE: acidente vascular encefálico;
DPOC: doença pulmonar obstrutiva crônica; FA: fibrilação atrial. Fonte: Traduzido e adaptado de LYON et al, 2015.

Importante chamar atenção ao fato de que, primária e apenas 25% de secundária (AL-
nos casos do subtipo secundário, as manifesta- MEIDA JUNIOR et al, 2020).
ções clínicas clássicas podem não ser evidentes,
ficando sobrepujadas pelos sinais e sintomas da DIAGNÓSTICO
condição de base. Nesse sentido, pacientes com
As semelhanças entre a SST e a SCA não se
acidente vascular encefálico isquêmico ou crise
limitam ao plano clínico, mas também nos dois
epiléptica, por exemplo, apresentam de forma
exames complementares mais frequentemente
menos frequente a dor torácica, principal sin-
solicitados como protocolo de investigação de
toma de STT, o que pode se dar pelo rebaixa-
etiologia isquêmica aguda do coração: eletro-
mento do nível de consciência, complicações
cardiograma (ECG) e biomarcadores cardíacos.
neurológicas e instabilidade hemodinâmica sú-
Isso apenas reforça a dificuldade inicial de dis-
bita (GHADRI et al, 2018a). Embora menos
tinção entre essas duas síndromes e a importân-
frequentes, instabilidade hemodinâmica e cho-
cia da educação continuada, sobretudo acerca
que cardiogênico também podem ocorrer (NÓ-
da primeira. Ademais, a coexistência de DAOC
BREGA & BRITO, 2012). Nesse caso, são pa-
e STT deve ser considerada, sendo verificada
cientes que se apresentam não com os sintomas
em 15,3% dos pacientes com Takotsubo (TEM-
clássicos, mas principalmente com sintomas
PLIN et al, 2015).
advindos das complicações, como insuficiência
O eletrocardiograma de 12 derivações en-
cardíaca, edema pulmonar, acidente vascular
contra-se alterado em mais de 95% dos casos
encefálico, choque cardiogênico e parada cardí-
durante a fase aguda (até 12 h) da doença
aca (GHADRI et al, 2018a). Em verdade, no
(LYON et al, 2015). Durante a fase aguda, su-
REMUTA, verificou-se que a dor torácica se
pradesnivelamento (mais comumente) ou in-
fez presente em 75% dos casos de takotsubo
fradesnivelamento do segmento ST, inversão

92
difusa de onda T, onda Q patológica, progres- cos (BNP e NT-proBNP) encontram-se bas-
são anormal de onda R e bloqueio de ramo es- tante elevados, com valores frequentemente ul-
querdo podem estar presentes (SCANTLE- trapassando 600 pg/ml e 4000 pg/ml, respecti-
BURY & PRASAD, 2014). O padrão mais co- vamente, o que se afasta um pouco da SCA e se
mum, presente em cerca de 40% a 50% dos ca- aproxima mais dos padrões encontrados na in-
sos, é a simulação de um infarto agudo de pa- suficiência cardíaca descompensada (SHAR-
rede anterior por oclusão da artéria descendente KEY & MA-RON, 2014). Assim, a razão
anterior (interventricular anterior), com supra- BNP/troponina pode ser útil para diferenciar a
desnivelamento de segmento ST nas derivações STT da SCA, de modo que um valor acima de
precordiais (SHARKEY & MA-RON, 2014). 159 possui uma sensibilidade de 95,2% e uma
Com o decorrer do quadro, já com 24-48h de especificidade de 97,9% para diferenciar essas
início dos sintomas ou do evento gatilho, se pre- duas condições (DOYEN et al, 2014).
sente, o prolongamento do intervalo QT se faz O diagnóstico da STT costuma ser desafia-
uma alteração importante, frequentemente com dor porque não há nenhum método não invasivo
valores corrigidos para a frequência cardíaca que a distinga completamente da síndrome co-
(QTc) maiores que 500 ms, o que predispõe à ronariana aguda. Diversos critérios diagnósti-
instalação de arritmias malignas, como Torsa- cos têm sido propostos nos últimos anos por
des de Pointes e fibrilação ventricular (LYON múltiplas entidades, sendo os mais conhecidos
et al, 2015). Há, ainda, a descrição das altera- os critérios da Mayo Clinic modificados (PRA-
ções de ECG divididas em quatro tempos. O SAD et al, 2008). Contudo, um grupo interna-
primeiro deles, na fase aguda (fase 1), seria ca- cional de especialistas em STT publicou no ano
racterizado por supra de ST, seguido de inver- de 2018 um novo critério, o InterTAK Diag-
são de onda T e intervalo QTc longo do pri- nostic Criteria (GHADRI et al, 2018a), presente
meiro ao terceiro dia do início (fase 2), reversão na Figura 10.3, o qual se diferencia prin-
das ondas T entre dois e seis dias (fase 3) e on- cipalmente por alguns aspectos. Em primeiro
das T negativas “gigantes” até 60 dias do início lugar, não considera a ausência de feocromoci-
dos sintomas (fase 4) (SCHLOSSBA-UER et toma como um critério para diagnóstico de
al, 2017). STT, sendo esse tumor neuroendócrino uma
Com relação aos biomarcadores comu- causa de STT secundária. Em segundo, consi-
mente pedidos na admissão de pacientes com dera a possibilidade de mais padrões não clás-
clínica semelhante à de SCA, em casos de STT sicos da STT e o envolvimento do ventrículo di-
a troponina encontra-se elevada em mais de reito. Em terceiro, evidencia os fatos de que a
90% das vezes, mas há uma desproporção con- presença de DAOC pode ocorrer simultanea-
siderável entre a sua elevação e a extensão de mente à STT (não sendo sua ausência um crité-
parede miocárdica acometida, apresentando-se rio) e de que pode haver comprometimento
em níveis relativamente baixos para a lesão en- muscular do território de um único vaso epicár-
contrada (LYON et al, 2015). O mesmo ocorre dico (sendo a imagem de ressonância magnética
com a creatina quinase (CK), raramente exce- cardíaca uma ferramenta que pode ajudar no di-
dendo 500 U/L (SCHLOSSBAUER et al, agnóstico diferencial).
2017). Em contrapartida, peptídeos natriuréti-

93
Figura 10.3 Critérios diagnósticos internacionais para a Síndrome de Takotsubo (InterTAK Diagnostic Criteria)

Fonte: Traduzido de GHADRI et al (2018a).

Um algoritmo diagnóstico (Figura 10.4) foi Já com uma pontuação acima de 70, um
proposto pelo mesmo grupo responsável pelo ecocardiograma transtorácico (ETT) deve ser
InterTAK Diagnostic Criteria (GHADRI et al, feito para avaliar as regiões afetadas do miocár-
2018b). Os pacientes sob suspeita de STT e, dio e o fluxo distal na artéria descendente ante-
portanto, também de SCA, são estratificados ao rior. O ETT é capaz de identificar as diferentes
longo do fluxograma com base no risco de SCA variantes da STT, sendo que, nos casos com um
e da gravidade do quadro. O exame padrão-ouro WSMI (Wall motion score index) maior ou
para diferenciação da SCA e da STT é a angio- igual a 1,75 com um mínimo de 4 segmentos
grafia coronária com ventriculografia (AC). No disfuncionais, é possível identificar a STT com
entanto, como se trata de um exame invasivo, sensibilidade de 83% e especificidade de 100%
deve-se iniciar a investigação com outros méto- (CITRO et al, 2011). Na ausência de um com-
dos diagnósticos, de maneira que, a todo mo- prometimento apical, medioventricular ou basal
mento em que for evidenciado maior risco para pelo ETT, mais sugestivos de STT, o paciente
SCA ou um quadro mais grave que necessite de também é submetido à AC.
um diagnóstico rápido, é solicitada a AC. O al- Durante o ETT, se houver sugestão de STT,
goritmo começa com avaliação do ECG. Aque- é verificado se o paciente está estável. Na au-
les com elevação do segmento ST devem reali- sência de estabilidade, a partir do ETT procu-
zar uma AC pela alta probabilidade de infarto ram-se possíveis fatores causais relacionados
agudo do miocárdio com supradesnivelamento também à STT, como obstrução na via de saída
do segmento ST, enquanto os outros inicial- do ventrículo esquerdo (OVSVE), regurgitação
mente terão avaliados o seu Escore Inter-TAK mitral e envolvimento de ventrículo direito, e
(Figura 10.4), aqueles com 70 pontos ou menos também se torna indicada a AC devido à gravi-
(poucos fatores de risco STT), também reali- dade. Na presença de estabilidade, uma AC não
zam a AC de imediato. é necessária de imediato, podendo ser feita uma

94
angiotomografia computadorizada de coroná- resolver, o diagnóstico de STT é feito. Se hou-
rias (Angio-TC) de triagem, sendo a AC feita ver indícios de miocardite infecciosa ou se o
com evidência de DAOC. A Angio-TC também quadro não se solucionar, é feita ressonância
é indicada no lugar da AC em pacientes com nuclear magnética cardíaca (RNMC), que pode
comorbidades graves que a contraindiquem, apontar para a miocardite ou para a SCA. A
como sepse, neoplasia maligna terminal, san- RNMC, além de poder precisar a função dos
gramento intracraniano, idade avançada associ- ventrículos e indicar efusões pericárdicas e
ada a fragilidade e diáteses hemorrágicas. trombos ventriculares, revela na STT edema, o
Nos pacientes que não realizaram a AC e comprometimento motor da parede e ausência
naqueles que a realizaram, mas sem sinal de le- de realce tardio pelo gadolínio (ausência de le-
são coronária que justifique o quadro, são bus- são tecidual irreversível) (EITEL et al, 2011),
cados sinais de miocardite infecciosa (sinais e este presente nos casos de SCA e na maioria dos
sintomas de infecção viral, PCR e VHS eleva- casos de miocardite.
dos e efusão pericárdica). Na inexistência des-
ses, o paciente é acompanhado e, se o quadro se
Figura 10.4 Algoritmo diagnóstico para a STT. #Aplicado a pacientes que procuram a emergência médica com dor
torácica e/ou dispneia

Legenda: §O Escore Diagnóstico InterTAK não incluiu pacientes com síndrome de takotsubo induzida feocromoci-
toma, na qual padrões atípicos são mais frequentes. *Exceto na derivação aVR. Angio-TC, angiotomografia computa-
dorizada coronariana; DA, descendente anterior; DAOC, doença arterial obstrutiva coronariana; ECG, eletrocardio-
grama; ETT, ecocardiograma transtorácico; InterTAK, International Takotsubo Registry; OVSVE, obstrução da via de
saída do ventrículo esquerdo; QTc, intervalo QT corrigido para a frequência cardíaca; PCR, proteína C-reativa; RM,
regurgitação mitral; RNMC, ressonância nuclear magnética cardíaca; SCA, síndrome coronariana aguda; STT, síndrome
de takotsubo; VD, ventrículo direito; VHS, velocidade de hemossedimentação. Fonte: Traduzido de GHADRI et al,
2018b.

95
TRATAMENTO pacientes que não se enquadram nos critérios
apresentados são classificados como de baixo
Assim como outros aspectos anteriormente risco.
expostos, o tratamento na Síndrome de Ta- Uma vez feita essa estratificação, é possível
kotsubo não possui um protocolo único nem é encaminhar o paciente para um serviço com ní-
respaldado por ensaios clínicos randomizados. vel de complexidade mais adequado ao seu
A quase totalidade das medidas adotadas é ba- caso. Quadros de baixo risco podem ser acom-
seada na opinião de especialistas, em relatos de panhados com menor complexidade de monito-
casos e na prática clínica. É preciso ter em ramento, com possível alta precoce. Já os de
mente que a STT, inicialmente considerada alto risco necessitam de um acompanhamento,
uma afecção benigna, hoje já não possui mais no mínimo, em unidade intensiva ou coronari-
esse atributo, apresentando taxas de morbimor- ana, com monitorização contínua (LYON et al,
talidade semelhantes àquelas apresentadas em 2015). Em pacientes já assintomáticos, com
casos de SCA (MADIAS, 2021a). pressão arterial e frequência cardíaca normais,
Na fase aguda da doença, os tratamentos e o tratamento pode se dar por terapia anticoagu-
procedimentos preconizados objetivam ofere- lante para prevenção de trombose, associada ao
cer suporte de vida e tratar as complicações ad- uso de beta bloqueadores, embora haja contro-
vindas da discinesia do miocárdio, minimi- vérsias sobre o benefício deste último e da es-
zando-as na medida do possível, a chamada colha da seletividade do fármaco em questão
“bridge-to-recovery”. São orientados mediante (MADIAS, 2021a). Uma das possíveis compli-
a estratificação de risco do paciente. Segundo a cações é o risco de formação de trombos e a
Associação de Insuficiência Cardíaca da Socie- maioria ocorre entre 2 e 5 dias após o início dos
dade Europeia de Cardiologia (LYON et al, sintomas, havendo, porém, evidências de trom-
2015), pacientes de alto risco são aqueles que bos formados após 14 dias dos sintomas, com a
preenchem um critério maior ou dois menores. função ventricular já recuperada. Anticoagula-
Os critérios maiores são idade maior ou igual a ção de 2 semanas até 3 meses de duração parece
75 anos; pressão sistólica inferior a 110 mmHg; adequada (LYON et al, 2015), havendo autores
edema pulmonar clinicamente evidente; fibrila- que preconizam até 6 meses (MADIAS, 2021a).
ção ventricular, taquicardia ventricular ou sín- Em relação aos casos sintomáticos, o trata-
cope inexplicadas; fração de ejeção < 35%; gra- mento de alívio dos sintomas é o utilizado, com
diente na via de saída do ventrículo esquerdo o adicional de sempre estar atento, com moni-
maior ou igual a 40 mmHg; regurgitação mitral; toramento, a possíveis mudanças hemodinâ-
trombo apical; perfuração de septo interventri- micas. No caso de angina, são administradas a
cular ou ruptura contida de parede ventricular nitroglicerina sublingual ou intravenosa, tendo
esquerda. Os critérios menores são idade entre cuidado especial com a queda da resistência
70 e 75 anos; QTc maior ou igual a 500 ms; vascular periférica nos casos de OVSVE, o que
onda Q patológica; supradesnivelamento per- aumenta o gradiente de pressão e piora o
sistente do segmento ST; fração de ejeção entre quadro. Nesse contexto, betabloqueadores são
35% e 45%; presença de estressor físico; BNP de grande valia (OMEROVIC, 2016). Por outro
maior ou igual a 600 pg/ml; NT-proBNP maior lado, em pacientes hipotensos, betabloqueado-
ou igual a 2000 pg/ml; presença de obstrução res estão contraindicados e devem ser suspen-
coronariana; e envolvimento biventricular. Os sos se tiverem sido iniciados, sendo o manejo

96
da hipotensão feito com reposição volêmica e uma alternativa, sobretudo por não reduzir a
fenilefrina (MADIAS, 2021b). A reposição de contratilidade cardíaca. Pensando na redução
fluidos deve ser rigorosamente controlada, com do gradiente de pressão, agonistas α1 adrenér-
acompanhamento por ausculta pulmonar, raio- gicos, especialmente a fenilefrina, podem ser
X de tórax, ecocardiograma transtorácico, ul- administrados (JHA et al, 2019). ECMO e dis-
trassonografia de tórax e saturação de oxigênio positivos de assistência mecânica, assim como
(MADIAS, 2021b), seguindo o mesmo raciocí- na insuficiência cardíaca aguda, também são de
nio da dispneia, uma vez que edema pulmonar valia, embora deva-se ressaltar que balão intra-
é uma complicação decorrente do baixo débito aórtico é contraindicado em OVSVE (MA-
do ventrículo esquerdo e pode ser agravado DIAS, 2021a).
substancialmente pela reposição excessiva de Choque cardiogênico é outra complicação
fluidos. Para o edema pulmonar, mediante ou- relevante e potencialmente fatal na fase aguda
tras informações, como pressão arterial, fre- de STT, ocorrendo em até 20% dos casos
quência cardíaca e a presença de OVSVE, ni- (LYON et al, 2015; OMEROVIC, 2016). Na
trato, diuréticos e bloqueadores podem ser pen- suspeita de iminência de choque cardiogênico,
sados para o tratamento (MADIAS, 2021b). um ecocardiograma deve ser realizado o mais
Quando se trata de complicações da STT, a rápido possível, a fim de avaliar a função do
insuficiência cardíaca sistólica aguda é a mais ventrículo esquerdo, presença de OVSVE, re-
frequente, ocorrendo em até 45% dos casos gurgitação mitral, ruptura de parede ventricular
(LYON et al, 2015). Esses casos necessitam, e possível envolvimento do ventrículo direito,
em parte significativa das vezes, de circulação fatores que podem exacerbar o choque (LYON
mecânica, como o ECMO (oxigenação por et al, 2015; JHA et al, 2019). A terapêutica nes-
membrana extracorporal) ou dispositivos de as- sas situações é influenciada pela presença ou
sistência mecânica, como o balão intra-aórtico não desses fatores supracitados, sobretudo
(LYON et al, 2015; MADIAS, 2021a), que de- OVSVE, que, se presente, orienta o tratamento.
vem ser utilizados tão logo se perceba a neces- A reposição volêmica é preconizada de forma
sidade. Diferentemente do tratamento para in- independente, bem como a utilização de dispo-
suficiência cardíaca de outras etiologias, em sitivos de assistência mecânica e ECMO, que
STT o uso de betabloqueadores, inibidores da devem ser sempre pensados de maneira precoce
enzima conversora de angiotensina II (IECA), (JHA et al, 2019). Importante frisar que drogas
antagonistas de canais de cálcio e agentes ino- inotrópicas adrenérgicas, tão importantes no
trópicos positivos devem ser evitados (OMER- manejo de choques em outros contextos, aqui,
OVIC, 2016; MADIAS, 2021a). Outra compli- devido à fisiopatologia da STT, estão contrain-
cação importante da fase aguda é a OVSVE, so- dicadas (MADIAS, 2021a). A levosimendana,
bretudo com gradientes de pressão maiores que um inotrópico de ação não adrenérgica, é con-
40 mmHg. Regurgitação mitral, onda Q patoló- siderada um bom substituto por alguns autores.
gica, hipotensão e choque cardiogênico são Seu uso é limitado a pacientes que apresentam
mais frequentes nesses pacientes (LYON et al, disfunção ventricular sistólica, sem presença de
2015). O tratamento é feito com betabloqueador OVSVE e com pressão arterial sistólica acima
de curta duração, como esmolol, a menos que de 90 mmHg. A administração preferencial é
haja coexistência de choque cardiogênico, em feita em 24 horas com uma taxa de infusão de
que estão contraindicados. Ivabradina pode ser 0,1 mg/kg/min (SAN-TORO et al, 2021).

97
Entretanto, devido à sua possível ação A pericardite constitui outro problema asso-
adrenérgica-like em alguns estudos com ratos e ciado a STT, sendo verificado derrame pericár-
à sua ação vasodilatadora dose--dependente, dico, ainda que em pequenos volumes, em cerca
deve ser criteriosamente avaliada, e talvez seja de 43% dos pacientes. Sua evolução para tam-
melhor empregada como última alternativa, ponamento cardíaco que demanda pericardio-
após os recursos mecânicos (LYON et al, 2015; centese é rara, da ordem de menos de 0,05% dos
OMEROVIC, 2016). casos (LYON et al, 2015). Ainda não se sabe se
As arritmias, atriais ou ventriculares, são sua relação com a STT é de causa ou conse-
complicações frequentes na STT, havendo di- quência, podendo ser vista na fase aguda e após
vergência entre os autores a respeito de qual é a a ela. De qualquer modo, seu manejo é seme-
mais frequente, fibrilação atrial (JHA et al, lhante ao de uma pericardite não-Takotsubo,
2019), ocorrendo em até 15% dos casos (LYON com uso de anti-inflamatórios, pericardiocen-
et al, 2015), ou taquicardia sinusal (MADIAS, tese e janela pericárdica, se necessário (MA-
2021a). Em verdade, são as duas taquiarritmias DIAS, 2021a). Ruptura de parede ventricular ou
mais frequentes na população geral. O manejo perfuração de septo interventricular, possi-
se dá por betabloqueadores, inicialmente de velmente potencializada por altos gradientes de
curta duração, para que sua retirada seja mais pressão no trato de saída do VE, é uma compli-
fácil em casos de advento de contraindicações, cação rara (< 1%) e sua abordagem, ainda que
como choque cardiogênico e bradicardia. Iva- existam relatos de conduta conservadora, é es-
bradina em casos de taquicardia sinusal também sencialmente cirúrgica. Cogita-se o efeito pro-
tem sido recomendada. Sabendo que a fi- tetor dos betabloqueadores nesse desfecho
brilação atrial predispõe à formação de trom- (LYON et al, 2015; MADIAS, 2021a).
bos, anticoagulação, se ainda não iniciada, deve De maneira geral, a mortalidade associada
ser instituída e cardioversão elétrica cogitada. É à Síndrome de Takotsubo, na fase aguda, fica
sempre necessário estar atento a distúrbios hi- em torno de 5% e é principalmente causada por
droeletrolíticos, pois sua correção é parte fun- fibrilação ventricular e choque cardiogênico re-
damental do tratamento de arritmias (MA- fratários aos tratamentos. Sabe-se, ainda, que o
DIAS, 2021a). Drogas antiarrítmicas, bem acometimento do ventrículo direito (biventricu-
como qualquer outra medicação, como antibió- lar) está associado a piores desfechos clínicos
ticos e antidepressivos, que possam prolongar o (LYON et al, 2015). A recuperação da função
intervalo QT, estão contraindicadas (SAN- ventricular, medida pela fração de ejeção do
TORO et al, 2021). As arritmias ventriculares, VE, ocorre em cerca de 95% dos pacientes e,
mais graves que as atriais, estão presentes em embora haja controvérsias se existe um tempo
até 9% dos pacientes (LYON et al, 2015). O uso exato de recuperação (ALMEIDA JUNI-OR et
de betabloqueadores de curta duração, sulfato al, 2020), alguns autores afirmam ocorrer de 4
de magnésio e cardioversão, sobretudo em ar- a 8 semanas do início do quadro (SCHLOSS-
ritmias sustentadas, estão indicados (SAN- BAUER et al, 2017).
TORO et al, 2021). Já em bradiarritmias ou blo- Recorrência da Síndrome de Takotsubo
queios atrioventriculares, doses baixas e pro- pode se dar em até 22% dos casos, ocorrendo de
gressivas de atropina podem ser úteis, ao passo 3 semanas a 10 anos do primeiro evento, e sua
que em bloqueios totais há a necessidade de im- prevenção no seguimento ao paciente é de
plantação de marcapasso (MADIAS, 2021a). extrema importância. Em verdade, segundo a

98
Sociedade Europeia de Cardiologia, todos os reção de glicose e potássio concomitantes, tam-
pacientes devem ser acompanhados por cerca bém é pensada. Isso se fundamenta no possível
de 6 meses, com a realização de exames de ima- efeito inibitório da insulina sobre a responsivi-
gem e ECG para a confirmação da recuperação dade dos cardiomiócitos à norepinefrina e sobre
(LYON et al, 2015). Ainda não se tem um pro- a contratilidade do miocárdio, aumentando-a
tocolo para essa prevenção, mas considerando a em 28% (MADIAS, 2021b).
gênese da doença, acredita-se ser razoável o tra-
tamento de ansiedade e outros distúrbios psi- CONCLUSÃO
quiátricos, com associação de psicoterapia, bem
A educação continuada acerca da Síndrome
como visitas regulares ao médico. O tratamento
de Takotsubo é fundamental para que ela se
de comorbidades que estão relacionadas a STT,
torne cada vez mais lembrada como diagnóstico
como doença pulmonar obstrutiva crônica
diferencial de síndrome coronariana aguda, de
(DPOC), asma, distúrbios endócrinos, também
modo a beneficiar o maior número de pacientes
constitui uma forma de prevenção. O uso de be-
possível. Essa importância aumenta com a atual
tabloqueadores de maneira preventiva, embora
mudança de perspectiva sobre sua história na-
razoável teoricamente, não possui respaldo em
tural, que não apresenta sempre uma evolução
ensaios clínicos, assim como IECA, bloqueado-
benigna. A fisiopatologia continua um aspecto
res dos receptores de angiotensina II (BRA) e
a ser esclarecido, oferecendo espaço para estu-
ácido acetilsalicílico (AAS) (MADIAS,
dos futuros. O diagnóstico, da mesma forma, é
2021a). Por fim, é interessante trazer à luz algu-
baseado em diferentes propostas de algoritmos,
mas terapias que têm sido pensadas para STT.
sendo válida uma padronização mediante avan-
Na prevenção, a reposição hormonal de estro-
ços no entendimento da doença. O tratamento,
gênio, uma vez que o perfil predominante de
ainda inespecífico e direcionado às complica-
pacientes acometidos são mulheres na pós-me-
ções, pode se beneficiar muito de uma fisiopa-
nopausa, tem sido cogitada. No tratamento, o
tologia mais bem consolidada.
uso de altas doses de insulina, com a devida cor-

99
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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101
Capítulo 11

DIAGNÓSTICO DE SOPRO
CARDÍACO NA CONSULTA
PEDIÁTRICA DA ATENÇÃO
PRIMÁRIA
ANA PAULA MACHADO FRIZZO1
WELLINGTON LUIZ RODRIGUES MAGALHÃES1
LUIZA RAMOS KELLY LESSA1
LORENA DE FREITAS GOTTARDI1
JÉSSICA DE ABREU ARRUDA2
KAMILA CAMPOS CABRAL2
MARIANA DIAS PILLO2
FERNANDA QUEIROZ2
RAÍSSA DE OLIVEIRA AMORIM3
MÁRIO AUGUSTO SILVA FERREIRA 3
FERNANDA NOGUEIRA SILVA3
GABRIEL MANSUR SOUTO4
1Médico – Médica(o) do serviço de Pediatria/Neonatologia do Hospital São José do Avaí – Itaperuna/RJ.
2 Discente – Internas do curso de Medicina da Universidade Iguaçu campus V Itaperuna/RJ.
3 Residente – Residentes do serviço de Pediatria do Hospital São José do Avaí.
4 Residente – Residentes do serviço de Neonatologia do Hospital São José do Avaí.

Palavras-chave:
Cardiopatias; Sopro sistólico na criança; Atenção primária.
102
INTRODUÇÃO conhecer melhor os fatores de risco nos pacien-
tes com sopro cardíaco, podendo conduzir de
As cardiopatias, sejam congênitas ou adqui- maneira correta e com segurança o paciente por
ridas, são causas significativas de morbimorta- ele atendido.
lidade na população pediátrica, sendo impor-
tante para o pediatra reconhecer os principais MÉTODO
achados semiológicos relacionados ao diagnós-
tico das mesmas. As anormalidades no desen- Tendo em vista a necessidade de investigar
volvimento cardiovascular são responsáveis respostas para a problemática levantada, o pre-
por um amplo espectro de achados clínicos, sente estudo, de natureza qualitativa, substan-
sendo o sopro a alteração na ausculta cardíaca cia-se na revisão integrativa de literatura. Para
mais comum na infância constituindo um im- o levantamento bibliográfico, foi realizada uma
portante elemento diagnóstico nas cardiopatias pesquisa abrangente, apropriada para descre-
(KOBINGER, 2003). ver, discutir e analisar o diagnóstico de sopro
De acordo com Santos (2020) “em cerca de cardíaco na consulta pediátrica da atenção pri-
metade da população pediátrica é detectado um mária.
sopro cardíaco em algum momento da sua A busca por referencial teórico ocorreu nas
vida”, ainda sendo a causa mais frequente de plataformas digitais: LILACS, SCIELO, Bibli-
encaminhamento às consultas de cardiologia oteca Virtual da Saúde, PubMed, bem como em
e/ou pediatria (SANTOS, 2020). livros científicos recentes que abordam sopros
Santos (2020) define: “sopro cardíaco cor- cardíacos em crianças. Foram utilizados os se-
responde a um som extra, audível para além dos guintes descritores: sopro cardíaco inocente na
normais tons cardíacos, que surge em resultado criança; sopros cardíacos na atenção primária
de uma turbulência no fluxo sanguíneo, capaz pediátrica; ecocardiograma em criança após
de gerar vibrações de intensidade suficiente descoberta de sopro cardíaco e sopros sistólicos
para serem transmitidas através da parede torá- na criança.
cica.” Os critérios de inclusão foram: artigos nos
Pode ser classificado como sopro inocente idiomas inglês e português e que abordavam as
ou patológico, e apesar de na prática clínica a temáticas propostas para esta pesquisa. Os cri-
maior parte dos pacientes serem encaminhados térios de exclusão foram: artigos duplicados,
ao ambulatório de cardiologia, na maioria dos disponibilizados na forma de resumo e que não
casos é possível diferenciar sopros inocentes de abordavam diretamente a proposta estudada.
patológicos com base na anamnese e exames fí- Foi realizado uma leitura minuciosa do refe-
sicos (SANTO, 2020). rencial teórico escolhido para a coleta de dados.
O presente capítulo tem por objetivo dis- Os resultados foram apresentados de forma des-
cutir a avaliação clinica do sopro cardíaco na critiva com base na âncora teórica: sopro cardí-
consulta da atenção primária, elucidando suas aco na consulta pediátrica da atenção primária.
principais características semiológicas, assim
como exames complementares, a fim de auxi-
liar o manejo clinico do mesmo e evitando in-
ternações e encaminhamentos ao serviço de car-
diopediatria. Neste capítulo o profissional irá

103
RESULTADOS E DISCUSSÃO serem teratogênica e também provocar miocar-
dite.
Avaliação clínica do sopro cardíaco A história do parto é muito significativa,
Os sopros cardíacos em pediatria, normal- pois é através do peso e da estatura da criança
mente, são percebidos em consultas de rotina, ao nascer que será estabelecido os critérios evo-
mas podem ser observados também durante um lutivos de desenvolvimento, que podem ter re-
atendimento de urgência e/ou emergência. E lação com doença cardíaca. É interessante tam-
quando isso acontece, em uma criança assim- bém saber se fez uso ou não de oxigênio ao nas-
tomática, deve ser considerado alguns cenários, cer e se foi observado sopro no berçário, pois
como: sopro inocente; presença de alguma pa- esses parâmetros irão funcionar como alertas
tologia não cardíaca que esteja alterando à aus- para futuros sinais clínicos (HORTA & PE-
culta como febre e anemia; ou a existência de REIRA, 2017).
uma cardiopatia que ainda não foi identificada. Park et al. (2016) afirmam que o momento
Dessa forma, é indispensável a avaliação geral da descoberta do sopro cardíaco é muito rele-
da criança tanto quanto a própria análise siste- vante e sinalizador, pois se for observado logo
mática do sistema cardiovascular, pois o sopro ao nascimento aponta para uma lesão estenó-
precisa ser considerado dentro do contexto ge- tica. Mas se o sopro for tardio, pode estar asso-
ral (HORTA & PEREIRA, 2017). ciado a cardiopatias com grandes shunts E-D,
como patência do canal atrial ou comunicação
Anamnese intraventricular, que são os mais comuns na in-
fância. E se for descoberto durante um quadro
A história clínica da gestação (pré-natal),
febril, é muito provável que seja um sopro ino-
do nascimento (perinatal), do pós-natal e da fa-
cente.
mília são importantes; e a anamnese deve ser
Na história familiar de cardiopatia congê-
guiada pelo médico para discernir aquelas cri-
nita é fundamental averiguar em parentes de
anças que possuem um maior risco de apresen-
primeiro grau, pois a prevalência é de até 3% na
tar doença cardíaca (FURLAN et al., 2021;
próxima geração; assim como a história fami-
PARK et al., 2016).
liar de cardiomiopatia hipertrófica ou morte sú-
Assim, para nortear esse pensamento, é im-
bita em lactentes. Durante a fase de recém-nas-
portante levantar alguns questionamentos na
cidos e lactentes, deve ser questionado se apre-
anamnese: se a genitora fez uso de medicamen-
sentou dificuldade para mamar e/ou dificuldade
tos ou drogas (anfetaminas, fenitoína, trimeta-
de ganho ponderal, taquipneia, sudorese e irri-
diona, lítio, ácido retinóico, ácido valproico) ou
tabilidade. Já na fase de pré-escolar e escolar,
consumo de álcool e tabaco no primeiro trimes-
questiona-se se a criança manifestou cansaços
tre de gestação; se desenvolveu diabetes gesta-
aos esforços, síncope, alteração de crescimento
cional e/ou teve infecções (HORTA & PEREI-
e desenvolvimento, pois esses são fatores de
RA, 2017; PARK et al., 2016).
risco elevado para doenças cardíacas. Deve-se
De acordo com Park et al. (2016), uma in-
avaliar ainda se existe alguma história de ane-
fecção materna de rubéola durante o trimestre
mia; hipertireoidismo e outras doenças, como
gestacional sucede uma patência do canal atrial
doença de Kawasaki e febre reumática (HOR-
e estenose da artéria pulmonar na criança. Já
TA & PEREIRA, 2017; KOBINGER, 2003).
outras infecções virais têm grande potencial de

104
Exame Físico nores de 2 anos), com um descanso de aproxi-
madamente 5 minutos, a bexiga deve estar vazia
O exame físico deve ser feito em um ambi-
e o paciente não pode ter praticado atividade
ente claro, silencioso e com a criança tranquila,
física há pelo menos 60 minutos. A largura do
o que vai possibilitar o atendimento adequado
manguito consiste em 40% da circunferência do
para um bom exame cardiológico. Logo, se a
braço e o comprimento entre 80 a 100% da lar-
criança apresentar sopro suave, esse será perce-
gura do braço, a fim de envolver perfeitamente
bido, sendo ideal, o exame físico ser iniciado
o membro. É recomendado aferir a pressão 2 ou
pelo sistema cardiovascular e respiratório, en-
3 vezes durante o exame físico, com o mínimo
quanto a criança estiver serena. Este, deve ser
de 1 minuto de intervalo entre as medidas, fa-
detalhado e sistemático, procurando também
zendo a média entre as duas últimas aferições e
por sinais que revelem presença de malforma-
usar como referência (SOCIEDADE BRASI-
ções extra cardíacas (HORTA & PEREIRA,
LEIRA DE PEDIATRIA, 2019).
2017).
Na primeira medição, após colocar o man-
Na inspeção observa-se o estado geral da
guito no membro, palpa-se o pulso radial e in-
criança, principalmente se há cianose, palidez,
sufla o manguito 20 mmHg acima da última
sudorese e sinais de insuficiência cardíaca, co-
pulsação sentida, realizando após a medição
mo: taquipneia, dispneia e/ou edema; avaliar o
auscultatória. Na segunda aferição, o manguito
estado nutricional; observar se o precórdio é
deve ser insuflado 20 mmHg acima da pressão
proeminente, pois pode significar um aumento
sistólica detectada na primeira medição, reali-
cardíaco crônico. Algumas deformidades no tó-
zando após a medição auscultatória. A desinsu-
rax, como, pectus carinatum (ou peito de
flação do manguito deve ser lenta (de 2 a 3
pombo) ou pectus escavatum (ou peito esca-
mmHg por segundo). O estetoscópio é colocado
vado ou peito de sapateiro), provavelmente es-
sobre a artéria braquial. O primeiro som audível
tão associados a um sopro inocente, devido à
condiz com a pressão sistólica, e o último som,
disposição do coração no tórax (PARK et al.,
com a pressão diastólica (SOCIEDADE BRA-
2016).
SILEIRA DE PEDIATRIA, 2019).
Na palpação, pode ser encontrado um pre-
O manual de orientação do Departamento
córdio hiperdinâmico que é um aspecto comum
Científico de Nefrologia da Sociedade Brasi-
de doenças cardíacas; os pulsos podem apre-
leira de Pediatria (2019) propõe que toda crian-
sentar frequências baixas ou elevadas, e os mês-
ça a partir dos 3 anos de idade deve ter sua pres-
mos podem apresentar diferença entre membros
são arterial examinada, pelo menos uma vez ao
superiores e inferiores. Deve ser feita a aferição
ano; e aquelas maiores de 3 anos que apresen-
da pressão arterial comparando a medida dos
tam obesidade, doença renal, diabetes ou histó-
membros superiores e inferiores (PARK et al.,
ria de obstrução do arco aórtico devem ter sua
2016).
pressão arterial aferida em todas as consultas.
A aferição da pressão arterial deve ser feita,
Já as crianças com idade abaixo de 3 anos, so-
preferencialmente, no braço direito, que deve
mente devem ter a pressão arterial investigada
estar apoiado e no nível do coração, com a cri-
se houver as seguintes condições clínicas: pre-
ança na posição sentada (para maiores de 2
maturidade menor que 32 semanas, recém-nas-
anos) e na posição de decúbito dorsal (para me-
cido com muito baixo peso ao nascer, catete-
rismo umbilical, qualquer complicação durante

105
o período neonatal que necessite de internação dança de decúbito, e se o sopro é contínuo, sis-
em Unidade de Terapia Intensiva, cardiopatia tólico ou diastólico; se há arritmia, ritmo de ga-
congênita, infecção urinária de repetição, he- lope e/ou estalidos (HORTA & PEREIRA,
matúria ou proteinúria patológica, mal forma- 2017).
ção urológica, história familiar de nefropatia Alterações de perfusão, circulação colate-
congênita, história de transplante de órgãos, do- ral, baqueteamento digital em mãos e pés, hepa-
enças oncológicas ou transplante de medula ós- toesplomegalia e estase de jugular quando pre-
sea, patologias sistêmicas associadas ao au- sentes, precisam ser investigados, pois fala a fa-
mento da pressão (neurofibromatose, esclerose vor de alterações das câmaras cardíacas direi-
tuberosa, anemia falciforme e outros), pressão tas. Por fim, é importante examinar o abdome
intracraniana elevada e uso de medicação para da criança, a procura de sopros que apontem
hipertensão arterial. aneurismas ou fistulas arteriovenosas (KOBIN-
Caso a criança manifeste a pressão arterial GER, 2003).
maior que o percentil 90 para idade, sexo, com-
forme a diretriz, deve ser realizada uma nova Tipos de Sopro: Classificação no Ci-
avaliação em uma semana, para confirmação do clo Cardíaco, Localização e Intensi-
diagnóstico de pressão arterial elevada. Se con- dade
clusivo, essa criança deve ser avaliada de 6 em O sopro cardíaco é definido como um ruído
6 meses para monitorização da pressão, e se no feito pela passagem do fluxo de sangue por me-
decorrer desse tempo, o percentil da pressão ar- io das estruturas cardíacas, podendo ser classi-
terial for maior ou igual 95 é confirmado o di- ficado em: inocente (fisiológico) ou patoló-
agnóstico de hipertensão arterial infantil e essa gico.
deve ser encaminha para o cardiologista pediá- Park et. al (2016) destaca que o sopro car-
trico (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDI- díaco deve ser identificado e analisado de forma
ATRIA, 2019). sistemática, observando a sua classificação no
Durante a ausculta cardíaca, o médico pre- ciclo cardíaco, localização e intensidade.
cisa criar uma rotina sistemática de todos os Horta e Pereira (2017) classificam o sopro
componentes do ciclo cardíaco e a escolha do quanto a sua posição no ciclo cardíaco em: sis-
estetoscópio deve estar relacionada de acordo tólico, diastólico e contínuo. Sendo o sistólico
com a idade do paciente (FURLAN et al., 2021). verificado entre a 1ª e a 2ª bulhas cardíacas; já
Já as crianças maiores devem ser examina- o diastólico ocorre entre a 2ª e a 1ª bulhas; e por
das em decúbito dorsal, depois sentada ou pé, fim, o sopro contínuo que ocorre ininterrupta-
para que seja verificado qualquer mudança na mente entre essas bulhas.
característica do sopro (HORTA & PEREIRA, O sopro sistólico é também classificado, de
2017). acordo com a sua característica, em ejeção ou
Na ausculta do sopro cardíaco, é necessário em regurgitação.
estar atento a frequência e a regularidade do co- Segundo Nelson et al. (2017) “o sopro sis-
ração, como também a qualidade e intensidade tólico em ejeção começa pouco tempo depois
do som cardíaco, em particular da 2ª bulha. É de uma 1ª bulha bem auscultada, aumentam em
necessário analisar muito bem a intensidade do intensidade, chegam ao máximo e a seguir di-
sopro, a sua localização em focos e ciclo cardí- minuem de intensidade; eles usualmente termi-
aco, se existe mudança da ausculta com a um- nam antes da 2ª bulha”.
106
Já o sopro sistólico em regurgitação é nor- Nelson et al. (2017) nos ensina que o sopro
malmente holossistólico, tendo o seu início jun- contínuo tem início na sístole e permanece sem
to com a 1ª bulha e se estendendo até a 2ª bulha. interrupção através da 2ª bulha por meio de toda
O mesmo normalmente é evidenciado na insu- ou de uma parte da diástole. Normalmente as
ficiência das valvas tricúspide ou mitral e tam- bulhas cardíacas ficam encobertas pelo sopro
bém nos defeitos do septo ventricular, como por contínuo. Alguns exemplos em que identifica-
exemplo na comunicação interventricular mos esse sopro, persistência do canal arterial,
(CIV) (HORTA & PEREIRA, 2017). fístula arteriovenosa, coarctação de aorta entre
Horta & Pereira (2017) classificam o sopro outros (PARK et al., 2016).
diastólico de acordo com a sua característica: Em relação à classificação do sopro quanto
em regurgitação (ou aspiração), em ruflar e de a sua localização, uma vez identificado um so-
enchimento ventricular. pro cardíaco, é preciso que seja determinado
Sopro diastólico em regurgitação tem o seu qual a sua localização no tórax do paciente. Isso
início após a 2ª bulha e vai tendo a sua inten- é de grande valia para que seja alcançado o di-
sidade reduzida até o meio ou final da diástole. agnóstico (HORTA & PEREIRA, 2017).
Sendo comum a ocorrência desse nas regurgita- Horta & Pereira (2017) define: “Por vezes,
ções das valvas aórtica ou pulmonar (HOR-TA há relatos de sopros que estão presentes em to-
& PEREIRA, 2017). dos os focos e são chamados de ‘pancardí-
Sopro diastólico em ruflar tem como carac- acos’. Essa descrição em nada ajudará a defini-
terística ocorrer no final da diástole e possuir ção diagnóstica”.
baixa intensidade. É identificado nos quadros O primeiro passo é localizar o sopro cardí-
de estenose das valvas tricúspide ou mitral aco no tórax, depois é necessário identificar o
(PARK et al., 2016). ponto em que tem a melhor ausculta. A partir
De acordo com Horta & Pereira (2017) o dessas informações, determinar se tem irradi-
sopro diastólico de enchimento ventricular “é ação desse sopro para outra área. A irradiação é
um sopro que ocorre no início da diástole, tem de grande importância para a correta interpre-
curta duração, e acontece em situações em que tação do sopro cardíaco. (NELSON et al., 2017).
um grande volume sanguíneo passa através das E quanto a intensidade, o sopro é classifi-
valvas mitral ou tricúspide”, apresentando uma cado em graus que variam de I a VI, conforme
estenose relativa dessas valvas. será descrito na Tabela 11.1 abaixo.
Tabela 11.1 Classificação quanto a intensidade do sopro cardíaco

Grau Características

I Escassamente audível

II Suave, mas facilmente audível

III Moderadamente forte, mas não acompanhado por um frêmito

IV Mais intenso e associado a um frêmito

V Audível com o estetoscópio apenas encostado no tórax, acompanhado de frêmito

VI Audível com o estetoscópio afastado do tórax, acompanhado de frêmito


Fonte: Adaptado de Park et al. (p. 34, 2016).

107
Sopros cardíacos inocentes mitral ou falsos tendões do ventrículo esquerdo
como causa do sopro de Still (MEROPYAN E
Sopros cardíacos são comuns em crianças,
SANIL, 2016).
cerca de 50% de todas as crianças apresentam
sopro cardíaco em algum momento da infância, Sopro de Ejeção Pulmonar
e a maioria deles são sopros inocentes. Também
conhecidos como sopros funcionais ou fisioló- É um sopro sistólico no foco pulmonar, tem
gicos, os sopros inocentes referem-se ao som uma característica suave à ausculta, de baixa in-
produzido pela turbulência do sangue que flui tensidade. O diagnostico diferencial deve ser
através do coração normal ou dos vasos san- feito com sopro sistólico da comunicação in-
guíneos principais (MEROPYAN E SANIL, teratrial (CIA) ou estenose pulmonar, mas a se-
2016). gunda bulha é sempre normal (HORTA E PE-
São características dos sopros inocentes: REIRA, 2017).
são mais facilmente audíveis nos estados circu- A ausência de um clique ou estremecimento
latórios hipercinéticos como febre e anemia, sistólico ajuda a diferenciá-lo de uma estenose
são geralmente sistólicos e raramente contínu- da válvula pulmonar (MEROPYAN E SANIL,
os, tem curta duração e baixa intensidade (grau 2016).
I a III), não se associa a frêmito ou ruídos aces-
Sopro dos Ramos pulmonares
sórios (estalidos, cliques), localizam- se em
uma área pequena e bem definida sem irradi- Mais frequente no recém-nascido, é um so-
ação, as bulhas são sempre normais e associa- pro sistólico mais audível na região supraclavi-
se com radiografia de tórax e eletrocardiogra- cular esquerda, suave, sem irradiação. É cau-
mas normais (HORTA E PEREIRA, 2017). sada pela transição do sangue do tronco pul-
Os sopros inocentes mais frequentes na cri- monar para os ramos, ainda pouco desenvolvi-
ança são: vibratórios de still, de ejeção pulmo- dos (HORTA E PEREIRA, 2017).
nar, de ramos pulmonares, supraclavicular e
Sopro supraclavicular
zumbido venoso (HORTA E PEREIRA, 2017).
Muito comum em crianças, sopro do tipo
Sopro vibratório de Still mesossistólico, que pode ser audível bilateral-
Sopro inocente mais frequente detectado mente porém mais comum a direita, na região
em 75 a 85 % das crianças em idade escolar logo acima das clavículas, tem baixa intensi-
sendo raramente encontrado em lactentes. É dade e não provoca frêmito. O diagnóstico dife-
melhor detectado na borda esternal esquerda rencial é com estenose aórtica (HORTA E PE-
média ou entre a borda esternal baixa e o apên- REIRA, 2017).
dice xifoide, em posição supina. Ocorre no co- Um sopro patológico originado da via de
meço da sístole (HORTA E PEREIRA, 2017). saída do ventrículo esquerdo seria mais alto no
A etiologia exata do sopro de Still ainda não segundo espaço intercostal direito ou na borda
foi claramente definida. Foi proposto que ela se esternal esquerda (MEROPYAN E SANIL,
origina do aumento da velocidade do fluxo à 2016).
medida que o sangue é bombeado para aorta a
partir do ventrículo esquerdo. Outras teorias
implicam em vibrações das cordas da válvula

108
Zumbido venoso tomáticas pode ser o único achado que indica
doença cardíaca grave. Elementos históricos de
É um exemplo de sopro inocente comum
doença cardíaca familiar, sintomas cardiovas-
ouvido durante a infância. Esses zumbidos são
culares e um exame médico bem conduzido po-
produzidos pela turbulência do sangue no sis-
dem identificar crianças com um risco aumen-
tema venoso jugular, eles não têm significado
tado de doença cardíaca. A distinção entre um
patológico e podem ser auscultados no pescoço
sopro inocente e um sopro cardíaco patológico
ou na porção anterior da parte superior do tórax.
nem sempre é fácil para os médicos da atenção
Um zumbido venoso consiste em um som que
primária porque a maioria deles tem pouca ex-
zumbe suavemente, ouvido na sístole e na di-
periência com a ausculta em busca de malfor-
ástole, ele pode ser exagerado ou podemos fazê-
mação cardíaca congênita (FURLAN et al.,
lo desaparecer variando a posição da cabeça ou,
2021).
diminuir, comprimindo levemente o sistema ju-
O sopro patológico ou orgânico, decorre da
gular no pescoço. Essas manobras simples são
presença de anomalias estruturais e funcionais
suficientes para diferenciar um zumbido venoso
do sistema cardiovascular. A diferenciação em-
dos sopros produzidos por doença cardiovascu-
tre um sopro inocente e um sopro patológico em
lar orgânica, particularmente um canal arterial
geral é dada pelas suas características clínicas
patente (BERNSTEIN, 2013).
comuns: é considerado um sopro patológico ou
A ausência de significado de um sopro ino-
orgânico aquele que apresenta uma intensidade
cente deve ser discutida com os pais das crian-
na auscultação superior ao grau 3/6 da escala de
ças. É importante oferecer tranquilidade com-
Levine, com irradiação cervical ou ao dorso,
pleta, porque dúvidas que permaneçam sobre a
fixo, meso ou pansistólico ou aquele audível
importância de um sopro cardíaco podem ter
(também) na diástole. O sopro patológico em
efeitos profundos sobre a criação do filho, mais
idade pediátrica é causado maioritariamente por
frequentemente sob forma de superproteção
alterações valvulares ou defeitos septais; no en-
(BERNSTEIN, 2013).
tanto, outras cardiopatias podem estar presen-
Concluímos que com uma história deta-
tes, quer do foro congênito (persistência do ca-
lhada e um exame físico cuidadoso, os médicos
nal arterial ou coartação da aorta) quer adqui-
da atenção primária podem diferenciar sopros
ridas (exemplo da cardiomiopatia dilatada)
inocentes de patológicos na maioria dos casos.
(OLIVEIRA et al., 2013).
Estudos de imagem, como radiografia de tórax
A investigações clínicas dessas patologias,
ou ecocardiograma, geralmente não são neces-
têm demonstrado que o índice de concordância
sários para o diagnóstico de sopro inocente.
entre o diagnóstico clínico inicial e o diagnós-
Em caso de dúvida, sobre a natureza do so-
tico final complementado com exames subsidi-
pro cardíaco, o médico de atenção primária
ários pode atingir aproximadamente 90%, cor-
deve encaminhar o paciente a um cardiologista
respondendo a um alto grau de sensibilidade do
pediátrico (MEROPYAN E SANIL, 2016).
exame físico efetuado por cardiologistas pedi-
Sopro patológico átricos experientes. Estudos apontam que o uso
de eletrocardiograma de repouso e exame radio-
Sopros cardíacos são comuns em crianças e lógico de tórax, para complementar a avaliação
adolescentes. Embora a maioria seja inocente, do exame físico também apresentam grande
um sopro cardíaco isolado em crianças assim- sensibilidade entre pediatras não especialistas,

109
não sendo preciso realizar exames mais com- de cada caso, com atenção especial para o cus-
plexos e de maior custo (SILVA, 2020). tobenefício da conduta e o tempo necessário
Dos atendimentos realizados nos ambulató- para que o exame seja realizado (BARBOSA et
rios de cardiologia pediátrica, uma parcela sig- al., 2017).
nificativa não apresenta doença cardiológica e Uma vez que a solicitação de exames sem
poderia ser acompanhado exclusivamente nas indicação, principalmente na rede pública pode
Unidades Básicas de Saúde. Além disso, conhe- aumentar o tempo de espera dos pacientes por-
cer a realidade de um ambulatório de referência tadores de cardiopatia.
proporciona estratégias para otimizar o encami- Segundo a Sociedade Brasileira de Cardio-
nhamento dos pacientes (SILVA, 2020). logia as principais indicações e recomendações
O sopro cardíaco foi o motivo de encami- para realizar estudo ecocardiográfico em paci-
nhamento ao ambulatório de cardiologia mais entes menores de 18 anos incluem alterações
prevalente (77%), seguido de outras queixas anatômicas, funcionais e do ritmo cardíaco
cardiovasculares, dentre elas síncope, palpita- (BARBOSA et al., 2017).
ções, cansaço e dor torácica (23%). Dos pacien- O pediatra geral é geralmente o primeiro
tes encaminhados devido a sopro cardíaco, médico a detectar um sopro cardíaco e deve es-
identificou-se que 70% não eram portadores de tar apto a reconhecer o sopro inocente, assim
uma cardiopatia congênita e nos demais foram como a suspeitar precocemente de doenças car-
encontradas cardiopatias leves – CIA pequena, diovasculares, reconhecendo os fatores de si-
CIV pequena e estenose pulmonar leve (BAR- nais e sintomas de gravidade. Conduzir de ma-
BOSA et al., 2017). neira correta o paciente com sopro patológico
O sopro patológico pode ser acompanhado tem impacto direto na morbimortalidade sendo
de achados clínicos sugestivos de cardiopatia decisivo para o desfecho favorável desses pa-
como: baixo ganho ponderal, cianose, descon- cientes (KOBINGER, 2003).
forto respiratório, sinais de insuficiência cardí-
aca (BARBOSA et al., 2017). Conduta na criança com sopro
É de suma importância atentar para certos
Estudos levantados por Furlan et. al (2021)
dados na anamnese que podem indicar a pre-
demonstram que a ausculta cardíaca, embora
sença de uma cardiopatia: alterações no padrão
dependa de um médico experiente e capacitado,
de crescimento e desenvolvimento; aspecto físi-
ainda possui grande importância para o diag-
co (sinais de cromossomopatias) e estado geral
nóstico de sopro durante o exame físico do pa-
do paciente; antecedentes de vômitos e pneu-
ciente. Porém, com base nos resultados da pes-
monias de repetição, além de artrites e artralgia
quisa, a melhor forma de avaliar sopros car-
(cardiopatias adquiridas); antecedentes familia-
díacos é através do ecocardiograma, mesmo
res de morte súbita e patologias do sistema car-
que este não seja 100% preciso.
diovascular diagnosticadas precocemente. Dor
Conforme descrito no Tratado de pediatria
torácica, cianose, tontura, dispneia, síncopes e
organizado pela Sociedade Brasileira de Pedi-
palpitações estão entre os sinais e sintomas
atria (SBP), antes de encaminhar uma criança
clássicos que sugerem a presença de uma dis-
para o cardiologista pediátrico ao identificar um
função circulatória (BARBOSA et al., 2017).
sopro cardíaco, faz-se necessário observar algu-
A decisão de solicitar um ecocardiograma
mas propriedades importantes que podem indi-
deve levar em consideração as particularidades

110
car características de sopro patológico, como: a horas de vida; ou quando houver dúvidas no di-
intensidade classificada acima de três ou quatro agnóstico (HORTA & PEREIRA, 2017).
cruzes; se o sopro é holossistólico ou contínuo; O Departamento de Atenção Básica (DAB),
se ocorre isoladamente na diástole ou se possui do Ministério da Saúde (MS), elaborou materi-
frêmito; crianças com malformações extracar- ais técnicos com a intenção de nortear o proces-
díacas ou síndromes genéticas, pois esse grupo so de trabalho das equipes na Atenção Básica
apresenta um elevado risco de cardiopatia; cri- (AB), dentre eles, alguns protocolos que in-
anças com sintomatologia como déficit ponde- cluem a saúde da criança. Foi desenvolvido di-
ral, infecções pulmonares recorrentes, cansaço versos fluxogramas com a intenção de imple-
aos esforços físicos, cianose ou sinais de insu- mentar boas práticas para dia-a-dia dos profis-
ficiência cardíaca; precórdio hiperdinâmico, ar- sionais pediátricos, incluindo a Figura 11.1,
ritmia ou alteração nos pulsos; variação na pres- que mostra como deve ser o manejo diante da
são arterial, ou pressão arterial discrepante em descoberta de sopro cardíaco em uma criança
membros superiores e inferiores; recém-nasci- na atenção básica (BRASIL, 2016).
dos que persistem com sopro após as primeiras

Figura 11.1. Fluxograma - Manejo da Criança com quadro de sopro cardíaco na atenção básica

Fonte: Brasil, 2016.

111
Um fluxograma consiste na representação mento de veia, alteração de pressão arterial e/ou
gráfica de uma sequência de atividades ou pro- de palpação de precordio; iii) sinais do sistema
cessos. Sua simbologia permite identificar respiratório, como edema pulmonar, infecções
quem realiza cada tarefa e como se dá o pro- respiratórias presentes e frequentes; iv) sinais
cesso decisório para os envolvidos. Portanto, gastrointestinais, como ascite, hepato e/ou es-
antes de ler o fluxograma a seguir, é preciso es- plenomegalia; v) além de, por fim, a presença
tar ciente do que representa sua simbologia. de edemas em extremidades (BRASIL, 2016).
A elipse será sempre o primeiro e último Destaca-se ainda, conforme descrito no flu-
item de um fluxograma, uma vez representa o xograma, os pontos importantes que devem ser
ponto de início e de término do fluxo. O retân- observados na entrevista clínica, bem como
gulo, mostra as operações. Ao se deparar com pontos importantes no exame físico.
um losango, uma dúvida se impõe, e, a partir Segundo um levantamento de dados feito
desse ponto dois caminhos podem ser seguidos por Barbosa et. al. (2017), 70% dos pacientes
(sim/não; +/-, entre outros). Por fim, as linhas, encaminhados por sopro cardíaco, não compro-
representam o sentido do fluxo de informações. varam a suspeita de cardiopatia através do eco-
O início desse fluxo se dá mediante a pre- cardiograma, confirmando sopro inocente.
sença de uma criança com um quadro de sopro
cardíaco, que deve ser acolhida, entrevistada e CONCLUSÃO
em seguida abordada por uma equipe multi-
profissional. Depois de realizado a entrevista As cardiopatias podem ser congênitas ou
clínica e o exame físico por um enfermeiro ou, adquiridas e, são responsáveis por considerável
preferencialmente, um médico, questiona-se se morbimortalidade na população pediátrica.
esse sopro sistólico é de grau maior que 2/6. Se Além disso, o sopro cardíaco sistólico é um dos
aa resposta for “sim”, esse paciente deve ser re- principais achados na consulta da atenção bá-
ferenciado para um serviço médico especiali- sica pediátrica. Portanto, reconhecê-los, identi-
zado. Se “não”, deve-se observar se essa cri- ficar se são inocentes ou patológicos, bem
ança está se alimento e desenvolvimento nor- como, a partir desse ponto, determinara a me-
malmente, além de não ter nenhum achado no lhor conduta para esse paciente, consiste em ati-
aparelho cardiovascular. Se “sim”, o desenvol- tude essencial na prática clínica pediátrica.
vimento, alimentação e aparelho cardiovascular Sopros consistem num som a mais no som
estiverem normais, o acompanhamento será clí- normal das bulhas cardíacas. São resultado do
nico. Mas, se “não” estiver se desenvolvendo turbilhonamento do fluxo sanguíneo, que cau-
bem e apresentar alterações no aparelho cardio- sam vibrações de intensidade suficiente para ser
vascular ou, se a qualquer momento a criança audível através da caixa torácica na ausculta
que estava se desenvolvendo apresentar sinais cardíaca. Eles podem ser classificados, de acor-
de alerta; o caminho deverá ser o referencia- do com o exame físico e a anamnese em sopros
mento ao serviço especializado (BRASIL, fisiológicos (inocentes) ou sopros patológicos.
2016). Alguns fatores, durante a anamnese e o exame
Como sinais de alerta destacam-se: i) sinais físico, são essenciais para avaliar se o sopro está
gerais, como cianose, dispneia, edema e ane- ou não associado a cardiopatias
mia; ii) sinais cardiovasculares como alteração
em pulso periférico e/ou central, ingurgita-

112
Os sopros, em sua maioria, são inocentes. Os principais tipos de sopro inocente, com-
Mas mesmo assim, podem deixar de ser e, o pe- forme descrito no texto, consistem em: i) sopro
diatra precisa estar atendo e apto a dar sequên- vibratório de Still, ii) sopro de ejeção pulmonar;
cia na conduta, de acordo com a necessidade de iii) sopro dos ramos pulmonares; iv) sopro su-
cada paciente. praclavicular; v) zumbido venoso. Já os sopros
Na anamnese, destaca-se: i) a história fami- patológicos, vêm acompanhados de achados
liar de cardiopatia congênita de primeiro grau; clínicos sugestivos de cardiopatia, como baixo
ii) história pessoal associada a cardiopatia con- ganho de peso ponderal, cianose, desconforto
gênitas, como doenças genéticas; iii) história de respiratório e sinais de insuficiência cardíaca.
doença cardíaca decorrente de patologia adqui- O fluxograma 1 consiste no protocolo de
rida, como febre reumática; iv) antecedentes manejo da criança com sopro cardíaco na aten-
pré-natais e perinatais que poderiam predispor ção básica. De acordo com o mesmo, a criança
a cardiopatias e, por fim; v) sinais e sintomas deve ser examinada e, mediante sinais de alerta
presentes que, poderiam ser decorrentes de car- e/ou alterações no exame físico e na anamnese
diopatias, como intolerâncias a esforços. (entrevista clínica, nas palavras do autor), o pa-
Já no exame físico, é necessário identificar ciente deve, em qualquer momento, ser enca-
o estado geral da criança, a coloração da pele, o minhado ao serviço de especialidade médica.
fenótipo, dados antropométricos e também si- Todavia, enquanto não houver sinais de alerta
nais vitais – estes últimos são, inquestionável- ou a presença de algum dos pontos importantes
mente, os mais indispensáveis e consistem em: presentes no exame físico e anamnese, o segui-
frequência cardíaca (FC), frequência respirató- mento deste deve continuar no médico pediatra
ria (FR), saturação de oxigênio (SpO2 em %) e generalista.
pressão arterial (PA).

113
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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114
Capítulo 12

ATUALIZAÇÕES SOBRE O
MANEJO DO CHOQUE
CARDIOGÊNICO
ALICE RUIZ GARCIA1
CAROLINE CARDOSO DA SILVA1
FERNANDA SERAFIN DE LUCA1
LAÍS SILVESTRE DOS SANTOS1
LARA LEONEL DE ABREU1
MARIANA MASCHMANN MESQUITA1
MATEUS DE ANDRADE AZEVEDO1
MORGANA ZILLI DE MEDEIROS1

1
Discente - Universidade do Extremo Sul Catarinense.

Palavras-chave:
Choque cardiogênico; Inotrópico; Vasopressor

115
INTRODUÇÃO mas de classificar e estratificar o paciente no es-
tado de choque e as vantagens e desvantagens
O choque cardiogênico é um estado de bai- de cada método terapêutico.
xo débito cardíaco decorrente de um distúrbio
cardíaco primário, como infarto agudo do mio- MÉTODO
cárdio, disfunção valvar, insuficiência cardíaca,
miocardite, entre outros. Como o IAM é uma Trata-se de uma revisão integrativa reali-
doença muito prevalente, principalmente no zada no período de setembro a outubro de 2021,
mundo ocidental, é importante que revisões de por meio de pesquisas na base de dados Pub-
protocolos de manejo sejam atualizadas cons- med. Foram utilizados os descritores: "cardio-
tantemente para otimizar o tratamento e melho- genic shock management”, “vasopressor car-
rar as perspectivas relativas ao prognóstico dos diogenic shock” e “cardiogenic shock epide-mi-
pacientes (VAN DIEPEN et al., 2017). ology”.
O principal efeito do choque na hemodinâ- Os critérios de inclusão foram: artigos no
mica é a redução do débito cardíaco e compen- idioma inglês, publicados no período de 2016 a
sação fisiológica posterior, como redução da 2021 e que abordavam as temáticas propostas
perfusão periférica e vasoconstrição compensa- para esta pesquisa, estudos do tipo revisão e re-
tória, terminando com morte tecidual (VAN DI- visão sistemática, disponibilizados na íntegra.
EPEN et al., 2017). Assim, é importante definir Os critérios de exclusão foram: artigos dupli-
o estágio que se encontra o paciente, atualmente cados, disponibilizados na forma de resumo,
pela classificação da SCAI, com intuito de me- que não abordavam diretamente a proposta es-
lhorar o manejo. Atualmente, estão descritos os tudada e que não atendiam aos demais critérios
estágios progressivos que vão de A a E, sendo de inclusão.
“A” o paciente em risco de desenvolver choque Após os critérios de seleção restaram 15 ar-
cardiogênico e “E” aquele que deve ser mantido tigos que foram submetidos à leitura minuciosa
em cuidados paliativos, dado a gravidade do para a coleta de dados. Os resultados foram
caso (BARAN et al., 2019). apresentados em tabelas e de forma descritiva,
De uma forma geral, a primeira medida no divididos em categorias temáticas abordando:
atendimento do paciente em choque cardiogê- definição e manifestações clínicas, epidemiolo-
nico é a estabilização hemodinâmica e da etio- gia, fisiopatologia, classificação fenotípica e
logia do choque, e utilização de drogas vasoati- manejo.
vas e inotrópicas, para melhorar o débito cardí-
aco e preservar a perfusão do órgão-alvo, sem
RESULTADOS E DISCUSSÃO
consenso de qual melhor medicamento utilizar. Definição e clínica
No caso de pacientes refratários ao tratamento
O choque cardiogênico (CC) é um estado de
medicamentoso, suporte hemodinâmico mecâ-
baixo débito cardíaco (DC) cuja causa é um dis-
nico pode ser utilizado como terapia secundária
túrbio cardíaco primário. Este evento resulta em
(CHIONCEL et al., 2019; THIELE et al., 2019).
hipoperfusão e hipóxia de órgão-alvo, causando
O objetivo deste estudo foi evidenciar as ca-
manifestações clínicas e bioquímicas, sendo
racterísticas do que há de mais recente no ma-
uma situação que implica risco de vida. A apre-
nejo do choque cardiogênico, elucidando as for-
sentação clínica é tipicamente caracterizada por

116
hipotensão persistente refratária à reposição vo- gressiva. No estudo CardShock, dos 219 paci-
lêmica, sendo acompanhada por características entes que foram incluídos no estudo, 68% apre-
clínicas de hipoperfusão de órgão-alvo que re- sentaram infarto agudo do miocárdio com supra
quer intervenção com suporte farmacológico ou de ST (IAMCSST) como causa do CC, sendo
mecânico (VAN DIEPEN et al., 2017). 9% com complicações mecânicas de infarto
As evidências de hipoperfusão de órgão- agudo do miocárdio (IAM). Causas não relaci-
alvo variaram entre os ensaios, mas geralmente onadas com SCA foram encontradas em 20%
incluem débito urinário (DU) < 30 mL/h, extre- dos pacientes do mesmo estudo, estando entre
midades frias, estado mental alterado e/ou lac- elas agravamento da ICC crônica, doença car-
tato sérico > 2,0 mmol/L. O ensaio SHOCK im- díaca valvular, cardiomiopatia induzida por es-
pôs como critérios adicionais índice cardíaco tresse e miocardite, além de arritmias ventricu-
(IC) ≤ 2,2 L/min/m2 e pressão capilar pulmonar lares significativas (BELLUMKONDA; GUL;
(PCP) ≥ 15 mmHg. Uma pressão arterial sistó- MASRI, 2018).
lica (PAS) < 90 mmHg que seja refratária à res- Com base em outro estudo realizado, es-
suscitação volêmica e com evidências clínicas e tima-se que o CC complique de 5% a 12% dos
laboratoriais de disfunção de órgão-alvo, no casos de IAM. Complicações mecânicas como
contexto de suspeita de disfunção cardíaca, é ruptura da parede livre, defeito do septo ventri-
essencial para a definição de CC (VAHDA- cular e ruptura do músculo papilar também po-
TPOUR; COLLINS; GOLDBERG, 2019). Al- dem precipitar o CC por IAM. O CC também é
gumas das evidências clínicas e bioquímicas responsável por cerca de 2–5% das apresenta-
que indicam hipóxia tecidual e alteração do me- ções iniciais da ICC aguda, com uma prevalên-
tabolismo celular são creatinina elevada, aci- cia em unidades de terapia intensiva (UTI) de
dose metabólica e lactato sérico elevado. 14–16%. Entretanto, também pode ocorrer em
Quanto à hipotensão, que é característica do pacientes com ICC devido à disfunção ventri-
CC, pode não estar presente devido a mecanis- cular de longa data, quadro que geralmente se-
mos endógenos que preservam a pressão arte- gue um curso clínico indolente (CHIONCEL et
rial como, por exemplo, a vasoconstrição (CHI- al., 2020).
ONCEL et al., 2020). O CC pós-cardiotomia complica de 0,1% a
0,5% das cirurgias cardíacas, devido à disfun-
Epidemiologia ção miocárdica pré-existente ou complicações
A instabilidade hemodinâmica cardíaca intra-operatórias, incluindo proteção miocár-
aguda pode resultar de distúrbios que prejudi- dica inadequada, falha aguda do enxerto de
cam de forma isolada ou combinada a função bypass, disfunção da válvula protética, derrame
do miocárdio, das válvulas, do sistema de con- pericárdico ou dissecção aórtica (VAN DIE-
dução ou do pericárdio (CHIONCEL et al., PEN et al., 2017). Dentre outras causas, como
2020). Com base neste conceito e em estudos taquicardia ventricular incessante e doença val-
realizados, a causa mais comum de CC é a sín- var grave, houve relação com CC em 17% dos
drome coronariana aguda (SCA), seguida de casos (CHIONCEL et al., 2020).
outras causas, como complicações mecânicas Segundo dados coletados de mais de 3.000
de SCA, miocardite, insuficiência ventricular admissões realizadas em UTIs dos Estados Uni-
direita (IVD) e insuficiência cardíaca (IC) pro- dos e do Canadá pelo grupo de pesquisadores
da Critical Care Cardiology Trials Network, o

117
CC é a segunda maior causa de admissão na sendo substâncias que possuem efeito vasodila-
emergência, ocupando 21,1% das causas, es- tador e, especialmente o peroxinitrito, efeito
tando atrás apenas da insuficiência respiratória, inotrópico negativo e cardiotóxico (LEVY;
responsável por 26,7% das admissões. Medica- KLEIN; KIMMOUN, 2020; VAN DIEPEN et
mentos vasoativos intravenosos, monitoração al., 2017).
hemodinâmica invasiva e ventilação mecânica
foram necessários em 58,2% dos pacientes. A Classificação fenotípica
presença de comorbidades agudas, como lesão Diferentes apresentações de CC dependem
renal aguda ou insuficiência respiratória aguda, das etiologias de base. A não ser pelo IC baixo,
foi associada ao aumento da mortalidade hospi- comum em todas as apresentações, a pré-carga
talar e ao maior tempo de permanência na UTI ventricular (traduzida pela PCP), o volume e a
(KIM; SUNKARA; VARNADO, 2020). No RVS podem variar. O paciente com CC pode se
que diz respeito à mortalidade hospitalar, foi apresentar, classicamente, como “frio e úmi-
encontrada uma taxa entre 30% e 60%, com do”, com alto índice de RVS e elevada PCP. Já
quase metade das mortes hospitalares ocor- o fenótipo “frio e seco” do CC é um paciente
rendo nas primeiras 24 horas de apresentação euvolêmico, responsivo aos diuréticos, com
(CHIONCEL et al., 2020). ICC crônica descompensada agudamente ou
IAM e PCP significativamente menor. Um ter-
Fisiopatologia ceiro fenótipo é o “quente e úmido”, presente
A fisiopatologia do CC associado ao IAM devido às características da síndrome de res-
envolve uma profunda depressão da contratili- posta inflamatória sistêmica e vasodilatação
dade miocárdica, causando redução do DC e da que podem ocorrer após o IAM, secundárias à
pressão arterial, isquemia coronariana adicional um CC normotenso ou CC de VD (VAN
e vasoconstrição sistêmica compensatória co- DIEPEN et al., 2017).
mo resultado de lesão cardíaca aguda e volume Outra classificação recente elaborada pela
sistólico ineficaz (VAN DIEPEN et al., 2017). Society for Cardiovascular Angiography and
Entretanto, a diminuição da resistência vascular Interventions (SCAI), endossada pela American
sistêmica (RVS) desencadeada por vias pró-in- Heart Association (AHA) e American College
flamatórias a partir da lesão cardíaca aguda of Cardiology (ACC), propôs um sistema de 5
pode induzir vasodilatação patológica, depen- estágios (A-at risk, B-beginning, C-classic, D-
dente da produção de óxido nítrico (NO) e pe- deteriorating e E-extremis), mostrados na
roxinitrito pelo estado inflamatório sistêmico, Tabela 12.1 (BARAN et al., 2019).

118
Tabela 12.1 - Estágios do CC segundo a SCAI

Marcadores
Estágio Descrição Exame físico Hemodinâmica
bioquímicos

PVJ normal Normotenso (PAS ≥


Paciente assintomático, Parâmetros
Sons pulmonares 100 mmHg)
em risco de laboratoriais dentro
limpos
A - "at risk" desenvolvimento de da normalidade Se monitorizado
Quente e bem
(sob risco de CC. Inclui pacientes • Função renal hemodinamicamente:
perfundido
choque) com IAM ou com normal • IC ≥ 2,5 L/min/m2
• Pulsos distais fortes
sintomas de ICC • Ácido láctico • PVC < 10 mmHg
• Consciência
crônica. normal • SatO2 ≥ 65%
preservada

PVJ elevada PAS < 90 mmHg OU PAM


Estertores à ausculta < 60 mmHg OU queda de >
Lactato normal 30 mmHg do valor basal
Paciente com evidência pulmonar
B - "beginning" Comprometimento Pulso ≥ 100 bpm
clínica de hipotensão Quente e bem
(início do mínimo da função
relativa ou taquicardia perfundido Se monitorizado
choque) renal
sem hipoperfusão. • Pulsos distais fortes hemodinamicamente:
BNP elevado
• Consciência • IC ≥ 2,2 L/min/m2
preservada • SatO2 ≥ 65%

Pode haver:
Paciente com
Mau estado geral Pode haver: Pode haver:
manifestação de
Pânico Lactato ≥2 PAS < 90 mmHg OU PAM
hipoperfusão que
Sobrecarga de volume < 60 mmHg OU queda de >
C - "classic"
requer intervenção
Estertores extensos mmol/L 30 mmHg do valor basal E
farmacológica ou Creatinina com o
(choque Killip classe 3 ou 4 intervenção para
mecânica e dobro do valor basal
clássico) VM manutenção da PA elevada
ressuscitação volêmica, OU queda > 50% na
Pele fria e pegajosa Hemodinâmica:
geralmente TFG
Alteração aguda de • IC < 2,2 L/min/m2
apresentando BNP elevado
consciência • PCP > 15 mmHg
hipotensão relativa.
DU < 30 mL/h

D- Paciente semelhante ao Mesmos do estágio C,


Mesmos do estágio
"deteriorating" estágio C, mas sem acrescido da necessidade de
Mesmos do estágio C C, acrescido de
(choque em resposta às múltiplos vasopressores
deterioração contínua
deterioração) intervenções iniciais. OU intervenção mecânica

Paciente em PCR com “Tentando morrer”


Ausência de pulso Sem PAS se não houver
E - "extremis" RCP e/ou ECMO em pH ≤ 7,2
Colapso cardíaco ressuscitação Hipotensão
(choque andamento, sendo
VM Lactato ≥ 5 refratária à todas as
extremo) apoiado por várias
intervenções
Desfibrilação mmol/L medidas

Legenda: BNP: peptídeo natriurético cerebral; bpm: batimentos por minuto; CC: choque cardiogênico; DU: débito
urinário; ECMO: oxigenação por membrana extracorpórea; IAM: infarto agudo do miocárdio; IC: índice cardíaco; ICC:
insuficiência cardíaca; PAM: pressão arterial média; PAS: pressão arterial sistólica; PCP: pressão capilar pulmonar;
PCR: parada cardiorrespiratória; PVC: pressão venosa central; PVJ: pressão venosa jugular; RCP: ressuscitação
cardiopulmonar; SatO2: saturação arterial de oxigênio; SCAI: Society for Cardiovascular Angiography and
Interventions; TFG: taxa de filtração glomerular: VM: ventilação mecânica. Fonte: adaptado de Baran et al., 2019.

119
Em um extremo, encontramos o estágio A, (ECG) de 12 derivações, feito em até 10 minu-
em que pacientes com IAMCSST, IAM prévio, tos da entrada do paciente no DE, e a transfe-
ICC sistólica ou diastólica descompensada, en- rência imediata para uma instalação com capa-
tre outras situações, podem se enquadrar nesta cidade de intervenção coronária percutânea
classificação, que é bastante ampla. Em geral, (ICP). Embora os pacientes com pré-CC pos-
os infartos da parede anterior e de grande distri- sam prosseguir diretamente para o laboratório
buição apresentam um risco maior de CC, mas de cateterismo cardíaco, aqueles no estágio C
alguns pacientes podem manifestar choque com ou D da SCAI podem primeiro necessitar de es-
infartos menores no contexto de disfunção ven- tabilização sem atrasar a reperfusão. Em paci-
tricular esquerda pré-existente. entes E no estadiamento SCAI, as terapias
No outro extremo, encontramos o estágio E, agressivas podem ser fúteis e uma conduta de
onde o paciente está em colapso circulatório, cuidados paliativos pode ser necessária (BA-
frequentemente (mas nem sempre) em parada RAN et al., 2019).
cardíaca refratária com ressuscitação cardiopul- As modalidades terapêuticas para o paci-
monar (RCP) contínua ou está sendo apoiado ente em CC são (1) estabilização hemodinâ-
por várias intervenções agudas simultâneas, in- mica; (2) revascularização, caso necessário; e,
cluindo RCP facilitada por oxigenação por (3) suporte mecânico para a função de bomba
membrana extracorpórea (ECMO). Esses são cardíaca (CHAKRAVARTHY; TSUKASHITA;
pacientes com vários médicos ao lado do leito MURALI, 2018).
trabalhando para resolver vários problemas si- A saturação de oxigênio (SatO2) deve ser
multâneos relacionados à falta de estabilidade mantida maior que 90% e a ventilação invasiva
clínica do paciente (BARAN et al., 2019). pode ser necessária. Entretanto, as metas de
oxigênio dependem das comorbidades do paci-
Manejo ente. Uma estratégia de baixo volume corrente
Atendimento inicial
(5–7 mL/kg de peso corporal ideal) usado no
O reconhecimento e tratamento precoce do tratamento da síndrome do desconforto respira-
paciente em CC é fundamental e este processo tório agudo (SDRA) são considerados proteto-
se inicia na triagem no departamento de emer- res pulmonares, com redução de incidência de
gência (DE). Dividir os pacientes com CC em IVD e otimização do fluxo sanguíneo entre a
relacionados com IAM vs. sem IAM é clinica- vasculatura pulmonar e parenquimatosa. A di-
mente relevante porque as duas entidades são minuição da resistência no circuito pulmonar
muito diferentes em termos de características diminui o estresse no VD, em comparação com
clínicas e tratamento. Para pacientes com volumes correntes mais elevados. (VAHDAT-
IAMCSST, a revascularização precoce é o tra- POUR; COLLINS; GOLDBERG, 2019).
tamento etiológico baseado em evidências mais
importante, enquanto para pacientes não IAM Inotrópicos e vasopressores
existem muito poucas evidências para o trata- Inotrópicos e vasopressores intravenosos
mento etiológico ou para suporte circulatório permanecem fundamentais para o tratamento
mecânico (SCM) (CHIONCEL et al., 2019). agudo de CC. Esses agentes podem aumentar a
Para o primeiro grupo (pacientes com contratilidade ventricular e o DC, reduzir as
IAMCSST), são essenciais o eletrocardiograma pressões de enchimento e preservar a perfusão
do órgão-alvo. O uso de vasopressores para

120
manter uma pressão arterial média (PAM) > 65 em pacientes com IVD aguda, a vasopressina
mmHg é recomendado (VAHDATPOUR; apresenta melhores resultados sendo o fármaco
COLLINS; GOLDBERG, 2019). de escolha para esses pacientes (VAHDA-
Não há consenso de qual medicamento é a TPOUR; COLLINS; GOLDBERG, 2019). O
primeira linha no tratamento de CC. Uma revi- motivo da vasopressina ser a primeira escolha
são sistemática da Cochrane concluiu que não em casos de IVD aguda está no fato de seu me-
há dados suficientes para apoiar uma terapia canismo de ação não aumentar a pressão da ar-
inotrópica ou vasodilatadora específica para re- téria pulmonar, sendo seu uso ainda mais inte-
duzir a mortalidade (UHLIG et al., 2020). Os ressante se associada à dobutamina ou levosi-
medicamentos inotrópicos e vasopressores in- mendan. A norepinefrina aumenta a PAM sem
travenosos disponíveis estão resumidos na Ta- aumento concomitante na frequência cardíaca
bela 12.2. A norepinefrina é o agente de pri- (FC) (LEVY; KLEIN; KIMMOUN, 2020).
meira linha na maioria dos choques, entretanto,
Tabela 12.2 Vasopressores sistêmicos

Agentes Mecanismo Efeito Indicações Considerações

Várias formas de Cuidado na ICC, pois


Fenilefrina Agonista A1 Vasoconstrição
choque aumenta a pós-carga

Inotropia, cronotropia, Agente de primeira A maioria dos


Norepinefrina Agonista A < B dromotropia e linha mais comum no benefícios demonstrados
vasoconstrição choque no choque séptico

Normalmente usado As diretrizes sobre


Inotropia, cronotropia,
como agente de segunda manejo da sepse apoiam
Epinefrina Agonista A≪ B dromotropia e
linha ou primeira linha a epinefrina como
vasoconstrição
em choque anafilático agente de segunda linha

Aumento da incidência
de taquiarritmias e
Inotropia, dromotropia, mortalidade em
Agente de segunda linha
Agonismo A, B e D, cronotropia e pacientes com CC
Dopamina na maioria das formas
dependente de dose vasoconstrição (nas doses quando a dopamina foi
de choque
mais altas) usada como agente de
primeira linha (ensaio
SOAP II)

Agente de segunda linha


Pode causar
Vasopressina Agonista V1 Vasoconstrição na maioria das formas
hiponatremia
de choque

Inotropia e vasodilatação Normalmente usado em Pode contribuir para


Dobutamina Agonista B
leve CC hipotensão

Sensibilizador de
Usado na ICC crônica Efeito mínimo no
miofilamentos de
Levosimendan Ionotropia e inodilatador descompensada consumo de oxigênio do
Ca2+ e modificador
agudamente miocárdio
de canal K+

Legenda: CC: choque cardiogênico; ICC: insuficiência cardíaca; SOAP: Sepsis Occurrence in Acutely Ill Patients
(Ocorrência de sepse em pacientes com doença aguda). Fonte: Adaptado de Vahdatpour; Collins; Goldberg, 2019.

121
A fenilefrina causa vasoconstrição e seu uso terial. A prevalência do acometimento multiar-
deve ser cauteloso devido ao aumento da pós- terial é maior em pacientes diabéticos (VAN
carga. A dobutamina pode contribuir para hi- DIEPEN et al., 2017). Entretanto, um ensaio
pertensão pois causa vasodilatação leve, está multicêntrico demonstrou benefício, com redu-
associada a um risco aumentado de arritmias e ção de mortalidade em 30 dias, na intervenção
maior mortalidade. Levosimendan é um sensi- menos agressiva, com ICP apenas da artéria res-
bilizador de cálcio e é utilizado em pacientes ponsável pelo desencadeamento do quadro
com ICC crônica descompensada agudamente e (MEBAZAA et al., 2018).
tem um efeito mínimo no consumo de oxigênio Para a realização da ICP, recomenda-se o
do miocárdio (VAHDATPOUR; COLLINS; acesso radial, onde foi demonstrado por uma
GOLDBERG, 2019). Dopamina, quando com- meta-análise uma redução na mortalidade por
parada com uso de norepinefrina, obteve au- todas as causas, bem como uma redução em
mento da mortalidade (LEVY; KLEIN; eventos cardíacos e cerebrais adversos impor-
KIMMOUN, 2020). tantes no acompanhamento de 30 dias em paci-
O suporte inotrópico temporário no CC entes com CC (MEBAZAA et al., 2018). A taxa
agudo tem indicação de Classe IC. No entanto, de sucesso do procedimento de ICP aumenta
devido à sua propensão a aumentar a demanda notavelmente com o uso de stents (VAN
miocárdica de oxigênio, a carga isquêmica e as DIEPEN et al., 2017). Quanto à fibrinólise, por
arritmias malignas, esses agentes devem ser ser um procedimento com eficácia limitada, é
usados nas menores doses possíveis e pelo me- reservada para locais onde não se conta com su-
nor período de tempo (TEHRANI et al., 2020). porte para uma ICP (MEBAZAA et al., 2018).

Revascularização miocárdica Antiplaquetários e antitrombóticos


A revascularização miocárdica é uma estra- A administração de antiplaquetários e anti-
tégia de intervenção que comprovadamente re- trombóticos é uma medida fundamental para o
duz a mortalidade do paciente com CC. Está in- sucesso da ICP. No contexto do CC, a reabsor-
dicada quando a etiologia do CC for uma SCA ção enteral está prejudicada, além da presença
com obstrução do lúmen de uma ou mais arté- de ventilação mecânica, que implica em admi-
rias coronárias. A revascularização pode ser re- nistração da medicação via sonda naso-enteral.
alizada através de uma ICP ou cirurgia de re- Nessas circunstâncias, os antiplaquetários intra-
vascularização do miocárdio (CRM), sendo venosos podem desempenhar um papel impor-
esta última realizada em menos de 4% dos pa- tante no manejo do paciente com CC (THIELE
cientes na prática clínica atual, por não se mos- et al., 2019).
trar superior à ICP (MEBAZAA et al., 2018). Dentre os poucos estudos que avaliam a ad-
Um estudo demonstrou que a redução de mor- ministração destes medicamentos no CC, há al-
talidade proporcionada pela intervenção inva- gumas evidências que apoiam o seu uso. Em pa-
siva, comparando-se com o curto prazo (30 cientes com infarto estável, o ticagrelor tritu-
dias), foi mais expressiva no prazo de 6 meses, rado administrado por sonda nasogástrica me-
12 meses e 6 anos (VAN DIEPEN et al., 2017). lhorou a inibição plaquetária em comparação
Entre os pacientes com CC originado por com os comprimidos não triturados. Devido ao
uma SCA, até 85% apresentam doença multiar- início tardio e comprometido dos antiplaquetá-
rios orais, os inibidores da glicoproteína IIb/IIIa

125
ou cangrelor entram como primeira escolha no para um sistema extracorpóreo de descarboxila-
CC. Durante a ICP, a anticoagulação adjuvante, ção e oxigenação do sangue. Após realizar este
incluindo heparina não fracionada ou heparina processo, o dispositivo direciona o sangue no-
de baixo peso molecular, deve ser coadminis- vamente para o sistema circulatório intracorpó-
trada com antiplaquetários. Com a falta de es- reo, retornando como sangue arterial (MEBA-
tudos randomizados específicos em CC, as ZAA et al., 2018).
mesmas recomendações se aplicam a outros ti- Uma meta-análise incluindo apenas estudos
pos de SCA (MEBAZAA et al., 2018). de coorte prospectivos e retrospectivos, revelou
Ainda em relação ao inibidor da glicoprote- um benefício significativo de mortalidade com
ína IIb / IIIa, estudos observacionais relataram o uso de VA-ECMO. Na parada cardíaca, o uso
melhor fluxo sanguíneo coronariano pós-ICP e de VA-ECMO como medida de RCP foi asso-
menor mortalidade hospitalar, particularmente ciado a um aumento absoluto de sobrevida em
quando combinados com a colocação de stent 30 dias de 13% em comparação com o grupo
(VAN DIEPEN et al., 2017). controle. No entanto, ainda são necessários
mais estudos para um melhor direcionamento
Suporte circulatório mecânico do uso deste dispositivo (THIELE et al., 2019).
A estabilização hemodinâmica com o uso
de medidas farmacológicas vasopressoras pode Balão intra-aórtico
ser falha no manejo do CC. Nesta situação, dis- O BIA é o dispositivo mais utilizado no CC.
positivos de SCM podem reduzir a necessidade É um dispositivo constituído de uma membrana
de administração de catecolaminas e melhorar a de poliuretano montada em um cateter vascular,
hemodinâmica do paciente (THIELE et al., cuja finalidade é sua inserção na aorta torácica
2019). descendente, posteriormente à artéria subclávia
Os dispositivos de SCM podem ser classifi- esquerda. Por ser um balão inflável, é possível
cados como aqueles para uso em curto ou longo sincronizar seu ciclo de insuflação e desinsufla-
prazo, implantados por via percutânea ou cirur- ção com o ciclo cardíaco, de uma forma que
gicamente, ou com base em seus mecanismos gere como resultado uma maximização do de-
(SHAH et al., 2019). Dentre os dispositivos de sempenho da bomba cardíaca (VAN DIEPEN
SCM de uso temporário estão o balão intra-aór- et al., 2017).
tico (BIA), Impella, Tandem-Heart, iVAC 2L e Apesar do uso do BIA ter sido muito co-
o dispositivo de ECMO (CHAKRAVARTHY; mum nos últimos anos, atualmente o seu nível
TSUKASHITA; MURALI, 2018). de recomendação pelas sociedades internacio-
nais está declinando. Este declínio se deve ao
Oxigenação por membrana extracor- estudo multicêntrico prospectivo IABP-
pórea venoarterial
SHOCK II, que evidenciou uma falta de eficá-
O suporte circulatório extracorpóreo com cia no uso deste dispositivo, demonstrando que
oxigenação por membrana extracorpórea veno- seu uso não trouxe benefício na estabilização
arterial (VA-ECMO) é outro dispositivo de pri- hemodinâmica, no tempo de permanência na
meira linha no manejo do CC, uma vez que for- UTI, na necessidade de suporte inotrópico e, o
nece também suporte respiratório, além do su- mais importante, na mortalidade (SHAH et al.,
porte cardíaco. Este dispositivo desvia o fluxo 2019).
sanguíneo venoso, por meio de uma cânula,

126
Dispositivos percutâneos para assis- bomba portátil extracorpórea (CHAKRA-
tência ventricular VARTHY; TSUKASHITA; MURALI, 2018).
Os dispositivos para SCM percutâneos são Apesar de serem mais sofisticados que o
instrumentos de suporte circulatório que podem BIA, uma meta-análise publicada em 2009
ser utilizados no paciente através de um acesso comparou resultados do uso de dispositivos de
arterial. Entre estes dispositivos, os mais conhe- SCM percutâneos com o BIA, não sendo evi-
cidos são o Impella, o TandemHeart e o iVAC denciado diferença na mortalidade. Entretanto,
2L (VAN DIEPEN et al., 2017). um outro estudo demonstrou que em pacientes
Todos os dispositivos seguem o mesmo com CC tratados com dispositivos Impella an-
princípio de funcionamento, sendo utilizados tes da ICP, a colocação deste dispositivo resul-
como forma de apoio ao funcionamento da tou em melhor sobrevida até a alta hospitalar,
bomba cardíaca. Em relação ao Impella, o dis- mesmo após o ajuste para potenciais variáveis
positivo é um sistema de bomba acoplado à um de confusão (VAN DIEPEN et al., 2017).
cateter que é posicionado com sua extremidade
distal no ventrículo esquerdo, e sua extremi- CONCLUSÃO
dade proximal na aorta ascendente, permane- Os estudos apresentados nesta revisão evi-
cendo com um posicionamento transvalvar, denciam uma abordagem geral do paciente em
com o objetivo de ajudar a bombear o fluxo de estado de choque cardiogênico, uma situação de
sangue do ventrículo esquerdo para a aorta. alta mortalidade que deve ser atendida em cará-
Existem dispositivos com capacidade de bom- ter de emergência. A partir desta análise, fica
beamento de 2,5 L, 3,5 L e 5,0 L. O Food and claro que a classificação do paciente conforme
Drugs Administration (FDA) aprovou todos os o estado clínico e a etiologia do choque cardio-
dispositivos Impella para suporte circulatório gênico é crucial para um manejo terapêutico
parcial por até 6 horas (SHAH et al., 2019). Já adequado e eficaz na redução da mortalidade.
em relação ao TandemHeart, seu funciona- Também foram elucidadas as medidas que não
mento se dá através de um cateter posicionado apresentam redução na mortalidade do paci-
via veia femoral, com sua extremidade distal no ente, assim como aquelas que ainda não têm a
átrio esquerdo, através de um acesso transeptal. eficácia comprovada. Sendo assim, novos e
Este cateter direciona o sangue oxigenado do constantes estudos devem ser realizados para
átrio esquerdo para a aorta abdominal inferior, que o manejo destes pacientes seja cada vez
via acesso arterial femoral, através de uma mais aprimorado e, como consequência, reduza
a mortalidade.

127
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Acesso em: 13 set. 2021

128
Capítulo 13

MAIORES CAUSAS PARA A


NECESSIDADE DA
COLOCÇÃO DE STENT

ANA CAROLINA RIOGA DA SILVA1


CAROLINE ANDRADE FERNANDES1
BÁRBARA LUIZA SILVA GOMES1
KLEUBER ARIAS MEIRELES MARTINS1
LORENA LUISA ALVES BATISTA1
TAÍS CAMPOS GONTIJO1
VITÓRIA FREITAS NIZA1

1
Discente - Medicina do Centro Universitário de Belo Horizonte.

Palavras-chave:
Stent ; Sindrome Coronariana Crônica, Causality

129
INTRODUÇÃO pitalização duradoura e aumento de sangra-
mento (GARG et al., 2010).
Quando as artérias coronárias começaram A técnica de implante de stent coronário só
a ser examinadas com angiografia, iniciou-se a foi aceita após a publicação do estudo BENES-
compreensão da síndrome coronariana crônica, TENT (Belgian Netherlands Stent) e do
tornando a coronariografia o melhor exame STRESS (Stent Restenosis Study), em conjunto
para o diagnóstico de obstruções da árvore com evidências que mostraram que o implante
coronária. Estas obstruções usualmente são era seguro com o uso de uma terapia antipla-
causadas pela aterosclerose e, em alguns casos, quetária dupla (TAPD) e/ou implantação ade-
por outras patologias que envolvem essas arté- quada de stent (GARG et al., 2010).
rias. Sendo assim, este problema passou a ser Em 1999, o implante de stent coronário era
observado como algo que precisava ser tratado, amplamente utilizado em procedimentos de
para conseguir tratar a síndrome coronariana ICP, entretanto, além do risco de trombose sub-
crônica. A partir dessa compreensão, houve o aguda, foi apontado um problema iatrogênico,
desenvolvimento da angioplastia e dos stents uma hiperplasia neointimal intrastent. A expan-
para o tratamento de lesões obstrutivas que le- são intrastent de tecido cicatricial foi provocada
vou a um procedimento mais fácil que poderia pela migração e proliferação de células do mús-
não apenas revascularizar os pacientes com in- culo liso vascular. A partir deste problema sur-
farto agudo do miocárdio, mas também tratar a giu-se os stents farmacológicos, que reduziram
angina (CÉSAR et al., 2020). as taxas de reestenose e concederam uma maior
Os stents coronários foram desenvolvidos confiança para a ICP (GARG et al., 2010).
em 1980 e desde então, se tornaram a opção A anatomia favorável, dos pacientes que se-
preferida na intervenção coronária percutânea rão tratados percutaneamente, é a principal base
(ICP) e a maioria destes procedimentos requer para indicação da implantação dos stents, inde-
o envolvimento de um stent coronário. A partir pendentemente do grau e extensão da doença
disto, foram desenvolvidos vários tipos de sten- coronária. Dependendo da anatomia das lesões,
ts como: os stents convencionais de metal; os o paciente tem baixo risco de complicações
stents farmacológicos, esses são feitos de polí- (>2%) e alta taxa de sucesso (>95%), levando
meros biodegradáveis e são livres de polímeros; em consideração quadros clínicos de doença ar-
os stents de bifurcação; os stents autoexpansí- terial coronariana, desde infarto do miocárdio a
veis e os stents biodegradáveis (GARG et al., isquemia silenciosa (MOURA et al., 2003).
2010). Assim, é possível tratar pacientes com is-
O stent de metal puro, autoexpansível, foi quemia assintomática, angina classe I a IV ou
criado em 1986 e era capaz de evitar o fecha- instável, com quantidade significativa de área
mento abrupto do vaso e recuo constritivo tar- miocárdica viável, com lesões expressivas nos
dio. Apesar de sua eficácia, reduzindo as taxas vasos coronários, porém com anatomia ade-
de cirurgia de revascularização do miocárdio quada. E também pacientes com isquemia as-
(CRM) de emergência, ele apresentou risco de sintomática ou angina discreta que possuem
oclusão trombótica subaguda da artéria coro- uma pequena área de miocárdio em risco
nária, o que levou a um uso de anticoagulantes (MOURA et al., 2003).
complexos que foram associados com uma hos-

130
O objetivo deste estudo foi identificar e sin- nos dados anatômicos das lesões com necessi-
tetizar as maiores causas para a necessidade de dade de tratamento, em conjunto com as apre-
colocação de stent cardíaco. sentações clínicas da doença arterial coronari-
ana, pode ser desde a isquemia silenciosa até ao
MÉTODO infarto do miocárdio (MOURA et al., 2003).
O sucesso do procedimento pode ser avali-
O estudo trata-se de uma revisão sistema-
ado sempre de forma clínica e angiográfica.
tica realizada nas bases de dados Scielo (Scien-
tific Electronic Library on Line) e PubMed (Na- I - Indicações Clínicas:
tional Center for Biotechnology Information -
Classe 1 (nível de evidência A) - Pacientes
NCBI, U.S. National Library of Medicine) em
com isquemia assintomática, de angina classe I
setembro de 2021. E para elaboração deste estu-
a IV (Canadian Cardiovascular Society) ou ins-
do seguiu-se as seguintes etapas: 1) reconheci-
tável, com área do miocárdio viável expressiva,
mento da questão norteadora e posteriormente a
apresentada com uma ou mais lesões, em um ou
busca pelos descritores; 2) delimitação dos
múltiplos vasos coronarianas, com anatomia fa-
critérios de inclusão e exclusão; 3) categoriza-
vorável, alta possibilidade de sucesso e menor
ção dos estudos e organização das informações
risco considerável de morbidade e mortalidade
pertinentes; 4) avaliação dos estudos; 5) discus-
(MOURA et al., 2003).
são e interpretação dos resultados analisados; 6)
Classe II a (Nível de evidência B) – Espec-
síntese do conhecimento de cada artigo exami-
tro clínico e anatômico similar ao da Classe I,
nado de forma breve e organizado.
exceto se o paciente for portador de diabetes ou
Na presente revisão a questão norteadora
apresentar área de miocárdio em risco viável de
empregada foi: "Quais são as maiores causas
tamanho moderado (MOURA et al., 2003).
para a necessidade de colocação de stent cardí-
Classe II b (Nível de evidência B) – Paci-
aco?”. E como critério de inclusão, incluiu-se
entes com presença de isquemia assintomática
os estudos que abordam a temática das causas
ou angina discreta e área pequena de miocárdio
para a colocação de stents, publicados entre
viável em risco (MOURA et al., 2003).
1998 e 2020, independente dos idiomas de pu-
Classe III (Nível de evidência A) – Pacien-
blicação. E utilizou-se os seguintes descritores:
tes com características clínicas similares anteri-
stents e causality, atrelados pelo operador boo-
ormente descritas, porém sem presença de is-
leano “AND”.
quemia miocárdica, com uma pequena área de
Deste modo, após os critérios de inclusão e
miocárdio viável, sintomas atípicos que não
exclusão, foram eleitos cinco artigos científicos
surgiram da isquemia miocárdica, há também
para a análise desta revisão de literatura.
fatores associados com risco aumentado de
RESULTADOS E DISCUSSÃO morbi-mortalidade, estenose não significativa
ou doença de tronco da coronária esquerda
As principais causas para a colocação do (MOURA et al., 2003).
Stent são: infarto, acidente vascular cerebral Pacientes diabéticos segundo a literatura,
(AVC) e insuficiência cardíaca. são considerados como um dos subgrupos de
As indicações atuais para o implante dos difícil sucesso para o tratamento percutâneo. Os
Stents nas evidências científicas, são baseadas Stents coronarianos são indicados preferenci-
almente em relação ao balão, segundo evidên-

131
cias. Entre os diabéticos, são considerados al- Houve análise sobre dois grupos, de acordo
gumas características para melhores resultados com a evolução angiográfica com o diâmetro do
na intervenção percutânea, que são os que apre- vaso (> 3,0 mm e entre 2,5 e 3,0 mm), eviden-
sentaram vaso-alvo com diâmetro de 3,0 mm, ciou-se benefício com o Stent em ambos os gru-
com extensão da lesão alvo 25mm, ausência de pos (GUÉRIOS, et al., 1998).
microalbuminúria e lesão uniarterial (MOURA A reestenose global em seis meses de obser-
et al., 2003). vação foi de 22% no grupo do Stent e 37% no
De modo contraditório, a revascularização do balão, e o relativa aos diâmetros dos vasos
cirúrgica é preferível no caso de pacientes dia- entre 2,5 e 3,0mm, foi de 24% e 43% respecti-
béticos, com correlação às seguintes variáveis: vamente (GUÉRIOS, et al., 1998).
múltiplos vasos com associação ou não à este- De acordo com as análises geral dos dados
nose no tronco da coronária esquerda, estenose baseadas em evidências científicas, mostra-se
longas (>25 mm) com vasos de diâmetro meno- que o uso de Stents em vasos de diâmetros me-
res (<3,0 mm); vaso derradeiro com associação nores é seguro, possível e benéfico (GUÉRIOS,
a grande área de miocárdio em risco; disfunção et al., 1998).
ventricular grave; oclusão crônica e proteinúria O Implante agudo no IAM mostrou bene-
associada no paciente diabético com dependên- fícios em realizar ATC na fase aguda de IAM.
cia de insulina (MOURA et al., 2003). O estudo PAMI-2 mostrou que os grandes pre-
ditores de eventos isquêmicos após ATC pri-
II- Indicações Angiográficas: mária para IAM eram principalmente a presen-
Segundo evidências científicas, baseadas ça de dissecção e estenose residual maior que
em uma metanálise do Stress e Benestent, pro- 30%. Os implantes de Stents tem se como van-
vou-se que vasos com diâmetros entre 2,6 e 3,5 tagem teórica fundamentalmente a sua capaci-
mm são os que têm mais benefícios com o im- dade de fornecer um maior lúmen imediato e
plante de Stents. O mesmo não se mostrou rele- conter os planos de dissecção, o que reduz as
vante em diâmetros maiores, no qual não houve forças de atrito e agregação plaquetária. O que
diferença entre o Stent e o Balão, e a Angioplas- na teoria justificaria o seu uso. Um outro estudo
tia Transluminal Coronariana (ATC) teve resul- denominado de PAMI-3 realizou implantes de
tados melhores evolutivos em vasos com diâ- Stents recobertos com heparina em fase aguda
metros menores (GUÉRIOS, et al., 1998). de IAM. Os resultados preliminares, foram:
Um outro estudo do Benestent apresentou 0,8% de mortalidade, 1,7% de infarto, 3,8% de
que vasos de pequeno calibre, no qual foram isquemia recorrente e 2,1% na necessidade de
tratados com Stent tiveram como resultados, reintervenção caso fosse necessário. Apesar dos
maior risco evolutivo de TSA e infarto agudo resultados serem benéficos, pela escassez de
do Miocárdio (IAM), se comparados com o ba- dados, não se concluiu sobre o verdadeiro valor
lão (GUÉRIOS, et al., 1998). do Stent nesta situação descrita (GUÉRIOS, et
Um estudo espanhol publicou o Start (Stent al., 1998).
versus Angioplasty Restenosis Trial), que en- Em Lesões longas, há poucos relatos na li-
volveu 452 pacientes, multicêntrico e rando- teratura, no que diz a respeito sobre a implanta-
mizado do Stress e Benestent (GUÉRIOS, et ção de Stents em lesões longas. Houve se a
al., 1998). comparação não randomizado sobre reeste-

132
nose após Stents em lesões > 15mm, contra le- mente menores com o implante dos stents
sões <15mm, no qual se obteve resultados de (73,7% vs 31,6% e 26% vs 12% (p>0,02). O
32% x 11%, segundo Nobuyoshi e col (MOU- outro estudo GISSOC confirmou os dados com
RA et al., 2003). Pode se esperar maiores chan- reduções em 110 casos (68% vs 32% e 34% vs
ces de reestenose quando se trata de lesões mais 8% (p>0,001)). De acordo com os dados, se
longas com a colocação dos Stents. O American afirma que o implante de Stent é o método reco-
College of Cardiology (ACC), concluiu que mendado de escolha em oclusões crônicas, in-
mais de 2 Stents para cobrir lesões difusas ou dependente de resultados primários anteriores
longas, o ideal é não ser recomendado, pelo po- da ATC (Angioplastia Transluminal coronária)
tencial aumentado de TSA (PEPI-NE, et al., (MOURA, et al., 2003).
1996). A degeneração ateromatosa do enxerto de
As lesões calcificadas de moderado a seve- veia safena é a causa mais comum de isquemia
ro são um grande desafio. A aterectomia direci- miocárdica, após a realização da cirurgia de re-
onal é eficaz em lesões leves e moderadas na vascularização. Um estudo randomizado deno-
calcificação, lesões de maiores calcificações minado como (SAVED), incluiu 220 casos, no
impedem o aterótomo de progredir e aumentam qual obteve se maior sucesso inicial do enxerto
as chances de dissecção. O uso de laser sobre de veia de safena, em pacientes que haviam im-
calcificações severas não é recomendado pela plantado o stent (92% vs. 69%; p<0,001), com
possibilidade de perfuração de vasos. O im- uma diminuição significativa de ocorrência de
plante de stents com o adicional de altas pres- eventos maiores combinados (infarto do mio-
sões na tentativa de reverter as calcificações, cárdio, nova ATC e óbito) aos 8 meses (26% vs.
carrega chances de riscos altos de rupturas de 39%; p=0,04), mas sem reduções significativas
vasos. A abordagem recomendada com uma de reestenose angiográficas (37% vs. 46%;
margem de segurança alta, é a combinação da p=0,24) (YAMASHITA, et al., 2000).
aterectomia rotacional com o stent, zago e col Por meio dos resultados obtidos, pode-se
em seu estudo utilizaram stents em 45 lesões inferir que as principais indicações para o uso
calcificadas, e obtiveram o sucesso de 91,2%. de Stent são infarto, acidente vascular cerebral
Durante o acompanhamento tardio, observaram (AVC) e insuficiência cardíaca. Com base nos
reestenose de 28,9% (ZAGO, et al., 1997). dados anatômicos da lesão a ser tratada e nas
Apesar de dados positivos não se tem conclusão manifestações clínicas da doença arterial coro-
definitiva para a melhor ação sobre intervenção nariana, as evidências científicas mostram que
em placas calcificadas (GUÉRIOS, et al., 1998). as indicações atuais para o implante de stent po-
Em oclusões crônicas a realização de angio- dem variar de isquemia assintomática a infarto
plastia com balão, num período superior a 3 me- do miocárdio.
ses, está associada a aumento expressivo de re- Para o estudo em questão, foi empregada
estenose e de nova oclusão (50% e 70%). De uma revisão sistemática, a qual foi realizada por
acordo com análises de 3 ensaios randomizados meio das bases de dados (Scientific Electronic
(SICCO, GISSOC e TOSCA), houve a compa- Library onLine) e PubMed (National Center for
ração entre o uso de Stent com o balão, em paci- Biotechnology Information - NCBI, U.S. Nati-
entes diagnosticados com oclusões crônicas. onal Library of Medicine) em setembro de
No estudo SICCO, de 119 pacientes analisados 2021. Foram realizadas etapas para que o estu-
a reestenose e a reclusão foram expressiva- do pudesse ser elaborado, contemplando o reco-

133
nhecimento da questão norteadora - “Quais são mas que em sua síntese são benéficos para a
as maiores causas para a necessidade de colo- maioria dos pacientes nos estudos realizados.
cação de stent cardíaco?” - seguido da busca pe- Por fim, como resolução da questão norteadora
los descritores; a delimitação de critérios de in- do presente estudo, tem-se como unanimidade
clusão e exclusão; a categorização, a organiza- na revisão de literatura que, as indicações do
ção dos estudos, com ênfase nas informações uso de Stent são: em casos de Infarto, Acidentes
pertinentes; posteriormente, os resultados fo- Vascular Cerebral (AVC) e Insuficiência Cardí-
ram analisados e discutidos; por fim, foi reali- aca.
zada a síntese do conteúdo de cada material,
priorizando a objetividade e a organização. CONCLUSÃO
O estudo apresentou como ponto de limita-
Com base na revisão sistemática realizada,
ção a falta de recursos para pesquisa, usando
conclui-se que, apesar de estar sujeito a oscila-
como base somente artigos já publicados. Sobre
ções clínicas, podendo acarretar consequências
os aspectos positivos dessa pesquisa podemos
à saúde do paciente, bem como liberação de um
citar os dados bem específicos e a análise de da-
coágulo, podendo resultar em um acidente vas-
dos bem dimensionada.
cular cerebral ( AVC), sangramento, hemato-
Ao realizar a análise dos dados obtidos, é
mas, infecções pós-operatórias e, em casos mais
possível constatar que o sucesso do procedi-
raros, pode haver hemorragia. A colocação do
mento de implantação do “stent cardíaco” está
stent, equipamento médico que é posicionado
condicionado à diversas variantes clínicas, tais
dentro de uma artéria com objetivo de restaurar
como o tipo de isquemia apresentada pelo pa-
ou evitar a diminuição do fluxo sanguíneo, é um
ciente. Não suficiente, deve-se considerar, além
método terapêutico durável e eficiente no
das indicações clínicas, as análises angiográfi-
tratamento e redução dos casos de infarto,
cas, as quais enfatizam que vasos com diâme-
acidente vascular cerebral (AVC) e insu-
tros entre 2,6 e 3,5 mm são os que têm mais be-
ficiência cardíaca, uma vez que possui sucesso
nefícios com o implante de Stents e, em com-
em 90% de seus casos.
trapartida, em quadros com vasos de diâmetros
Segundo estudos, os stents podem ser de
maiores, não se mostrou relevante - não exis-
metal, polímeros ou revestidos por medicamen-
tindo assim, diferença entre eficácia de implan-
tos, que liberam a substância diretamente na ar-
tação do Stent e do Balão para os vasos de ma-
téria. O uso do stent convencional tem sido cada
ior calibre. Ademais, cabe ressaltar que a partir
vez mais, substituído pelos stents farmacológi-
da análise sistemática da literatura também fo-
cos por apresentarem menor risco de reeste-
ram constatados estudos que confrontam com
nose, obstrução do mesmo local em que foi
as informações anteriores, mostrados que vasos
feito o tratamento. Porém, é recomendado o uso
de pequeno calibre, tratados com Stent, apre-
de aspirina e clopidogrel nos pacientes que re-
sentaram maior risco de evolução para Trom-
cebem esse tipo de stent, pois há um pequeno
bose Subaguda (TSA) e Infarto Agudo do Mio-
risco de formação de coágulos no interior do
cárdio (IAM).
stent.
De acordo com os estudos e os dados ana-
Além disso, em comparação a outros mé-
lisados podemos concluir que existem resulta-
todos de tratamento, os stents coronarianos tor-
dos controversos quanto aos benefícios da im-
plantação de Stent em vasos de pequeno calibre

134
naram-se preferencialmente o método percutâ- em vasos de diâmetros menores é mais efici-
neo escolhido por médicos e seus pacientes, ente.
pois há menor taxa de reestenose. Contudo, pa- Todavia, durante o presente artigo, notou-se
cientes diabéticos são recomendados o uso do que embora exista bases científicas sobre o es-
balão, uma vez que há comprovação de dificul- tudo do stent, há uma restrição quanto a cogni-
dade de êxito referente a utilização do stent. ção da população, dado que é necessário mais
Também foram feitos estudos de acordo recursos e estudos para disseminação da com-
com a eficácia do stent e o calibre dos vasos, os preensão como um todo.
quais obtiveram resultado que o uso de Stents

135
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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de Cardiologia, v. 80, p. 1-14, 2003.

136
Capítulo 14

CARDIOVERSÃO ELÉTRICA
NO TRATAMENTO DAS
TAQUIARRITMIAS: UMA
REVISÃO INTEGRATIVA DO
PROTOCOLO MÉDICO
NATÁLIA DOS ANJOS TENÓRIO¹
INGRYD RAMOS DE ARAÚJO¹
MARCELLA DO NASCIMENTO TENÓRIO CAVALCANTE²
FRANCIELE ÁVELY DE SÁ MACIEL FERREIRA²
MARIANA DOS ANJOS TENÓRIO³
ALINE WANDERLEY LÔBO DE AZEVEDO LESSA²
VÍVIAN STHEFANE SANTOS DE LUCENA²
MARIA HELENA DA SILVA²
STEPHANNY ISABELLY PESSÔA NERI DE ARAÚJO²
CLAUDIA PATRICIA DA SILVA GOIS²
IVAN ROMERO RIVERA4

¹Discente - Medicina da Universidade Federal de Alagoas (UFAL)


²Discente - Medicina do Centro Universitário Tiradentes (UNIT/Alagoas)
³Médica pelo Centro Universitário Tiradentes (UNIT/Alagoas)
4Docente - Medicina da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), médico cardiologista

Palavras-chave:
Cardioversão elétrica; Taquiarritmia ventricular; Fibrilação atrial 137
INTRODUÇÃO rável quando usualmente um choque pode de-
sencadear uma fibrilação ventricular (FV) (ZI-
O emprego de corrente elétrica como me- PES et al., 2018).
dida de reversão de arritmias cardíacas é uma A CVE restabelece o ritmo sinusal mais
conduta consolidada na prática médica. Em efetivamente nas taquicardias associadas ao
1947, o cirurgião cardíaco americano Claude mecanismo de reentrada. Para tanto, o choque
Beck, durante uma cirurgia, utilizou seu apa- sincronizado despolariza as células cardíacas
relho de laboratório que contava com duas co- excitáveis e gera uma homogeneidade no teci-
lheres de cabo de madeira como pás e aplicou do cardíaco que possibilita a descontinuidade
corrente alternada diretamente no coração de de vias alternativas, como nos circuitos de re-
um garoto de 14 anos, restabelecendo a ativi- entrada (VELASCO, 2019). Contudo, nas ta-
dade cardíaca. Paul Zoll, também cardiolo- quicardias que provêm de desordens na forma-
gista americano, discordava de Beck por acre- ção do impulso elétrico cardíaco, como as ta-
ditar na dispensabilidade de abrir o peito do quicardias juncionais ou taquicardias atriais
paciente para aplicar o choque, suas ideias im- ectópica ou multifocal, originárias de células
pulsionaram o início do tratamento elétrico das em rápida despolarização espontânea, infeliz-
arritmias em 1956, dando-lhe a nova roupa- mente, o choque sincronizado não é capaz de
gem que suscitou a precisão e a tecnologia dos reverter a alteração cardíaca. Nessas situações,
atuais aparelhos usados na terapia elétrica. mesmo havendo sucesso após a CVE, a arrit-
Os desfibriladores/cardioversores moder- mia pode ser restaurada rapidamente e o pro-
nos possibilitam a administração de dois tipos cedimento pode até mesmo aumentar a fre-
de choque: não sincronizado e sincronizado. quência cardíaca (FC).
Os primeiros incidem aleatoriamente no ciclo O objetivo deste estudo é realizar uma
cardíaco e possuem cargas energéticas mais al- compilação das principais evidências científi-
tas, os quais constituem a terapia de desfibri- cas publicadas na literatura sobre o protocolo
lação. Os choques sincronizados, entretanto, médico da cardioversão elétrica, apresentar si-
exigem um sensor para que a energia seja diri- tuações atípicas nas quais ela pode ser utili-
gida ao ponto mais alto do complexo QRS. zada e os desafios que o operador pode se de-
Dessa forma, estando a opção SYNC (“sincro- parar, a fim de visar preparo e atualização
nização”) ativada nesses dispositivos, há um constante dos profissionais de saúde.
intervalo de tempo entre o momento em que o
operador pressiona o botão SHOCK (“cho- MÉTODO
que”) e a aplicação da corrente, devido ao
tempo de sincronização. O processo metodológico caracterizou o
A cardioversão elétrica (CVE) compreen- presente capítulo como uma revisão integra-
de justamente a liberação de um choque elétri- tiva, orientada a partir de buscas eletrônicas nas
co sincronizado com a atividade intrínseca do plataformas Pubmed e Cochrane e nas seguin-
coração. Essa sincronização evita a incidência tes bases de dados: MedLine, LILACS e Sci-
de energia elétrica durante a porção final da re- ELO. A busca dos dados ocorreu no período
polarização ventricular no ciclo cardíaco, re- compreendido entre julho de 2021 e setembro
presentada no eletrocardiograma (ECG) pela de 2021 e foram utilizados os descritores: Car-
fase ascendente da onda T, um período vulne- dioversão Elétrica, Taquiarritmia Ventricular,

138
Fibrilação atrial, Tromboembolia e seus corres- dia, trata-se de uma taquicardia instável. Além
pondentes em inglês e espanhol. disso, a CVE pode ser empregada em quadros
Inicialmente, foram selecionados 259 estu- de taquicardias hemodinamicamente estáveis
dos que passaram pela avaliação dos seguintes refratárias à terapêutica farmacológica.
critérios de inclusão: serem artigos originais A cardioversão elétrica sincronizada de ur-
disponibilizados na íntegra, publicados de 2015 gência não deve ser realizada nos pacientes
a 2021, que possuem como objetivo principal sem pulso, com ausência de complexo QRS
de pesquisa os aspectos mais relevantes relacio- identificável no monitor cardíaco, assim como
nados a cardioversão elétrica no tratamento das aqueles que se encontram em estado clínico
taquiarritmias, serem estudos do tipo revisão in- grave devido à ritmos como a TV polimórfica,
tegrativa, sistemática e relatos de caso publica- nos quais atrasos na instauração do ritmo si-
dos nos idiomas português, inglês ou espanhol. nusal resultarão, provavelmente, em parada
Foram excluídos os estudos duplicados, os que cardiorrespiratória (PCR), devendo-se optar
não referiram o protocolo médico da cardiover- pela desfibrilação nesses quadros (MARKMAN
são elétrica no tratamento das taquiarritmias e & NAZARIAN, 2019). Nos casos em que a
que não atendiam aos demais critérios de inclu- cardioversão elétrica prévia deflagra uma FV,
são. é contraindicado o prosseguimento da aplica-
Após os critérios de seleção restaram 12 ar- ção de choques sincronizados.
tigos que foram submetidos à leitura minuciosa A CVE eletiva possui as seguintes contra-
para a coleta de dados. Os resultados foram indicações absolutas:
apresentados de forma descritiva, divididos em • Intoxicação digitálica
categorias temáticas abordando: indicações, • Distúrbios eletrolíticos graves
contraindicações, descrição do aparato instru- • Presença de trombo atrial esquerdo
mental e da técnica, considerações pediátricas, • Taquicardia atrial que não responde à
complicações e abordagem nas taquiarritmias cardioversão elétrica, como a taquicardia atrial
instáveis e estáveis. multifocal ou sinusal
• Pacientes que precisam de um marca-
RESULTADOS E DISCUSSÃO passo para manter ritmo sinusal após a CVE,
como os com síndrome do nó sinusal ou blo-
Recomenda-se CVE eletiva nos pacientes
queio sinusal
com fibrilação atrial (FA) ou flutter atrial he-
As contraindicações relativas para pacien-
modinamicamente estáveis, sendo conside-
tes com fibrilação atrial são:
rado o tratamento emergencial de escolha para
• Pacientes com diâmetro atrial esquerdo
as taquicardias supraventriculares (TSV) de
> 4,5 cm
reentrada e taquicardia ventricular (TV) mo-
• Pacientes com FA e baixa probabili-
nomórfica com pulso, hemodinamicamente
dade de manter o ritmo sinusal após a CVE
instáveis (SCALABRINI, 2016). A condição
• Anticoagulação prévia inadequada nos
instável é determinada pela presença de hipo-
casos de FA ou flutter atrial com duração de
tensão, dor torácica isquêmica, sinais de cho-
mais de 48h, a menos que o Ecocardiograma
que circulatório ou rebaixamento agudo do ní-
Transesofágico não evidencie trombo (VAN
vel de consciência. Portanto, na persistência de
& BROUWER, 2018).
sequer um desses sinais associados à taquicar-

139
Os choques são administrados por desfi- Figura 14.1 Desfibrilador/cardioversor manual
briladores/cardioversores funcionando no mo-
do SYNC (“sincronizado”) e esses dispositi-
vos podem ser diferenciados em externos e in-
ternos. Os externos são posicionados na super-
fície do tórax por meio de pás manuais ou ade-
sivas, as manuais demandam aplicação de um
gel condutor, a fim de diminuir a resistência
transtorácica e proporcionar melhor condução
elétrica pelo tecido subcutâneo, e de uma pres-
são de aproximadamente 13 kg sobre as pás,
as adesivas, por sua vez, apresentam eficácia
Fonte: Scalabrini Neto et al., 2016
semelhante sem a necessidade dos dois proce-
dimentos supracitados. Nos desfibrilado- Atualmente, a região mais adequada para
res/cardioversores internos, o choque é apli- posicionamento das pás, manuais ou adesivas,
cado por eletrodos usualmente inseridos atra- é a posição anterolateral (Figura 14.2), tal dis-
vés do sistema venoso. posição estabelece que uma das pás deva ser
Os desfibriladores/cardioversores podem colocada na região infraclavicular direita e a
ser manuais (Figura 14.1), os quais dependem outra na região precordial, na projeção do
do operador tanto para o reconhecimento do ápice cardíaco. Outras possibilidades, como
ritmo cardíaco quanto para designar o mo- anteroposterior e laterolateral, são preferíveis
mento de aplicação do choque. Já os semi-au- em determinadas situações, na presença de
tomáticos, como o Desfibrilador Externo Au- marca-passo ou desfibrilador implantados, por
tomático (DEA), reconhecem a FV e a TV sem exemplo, é recomendado que as pás sejam po-
pulso, ritmos chocáveis mais frequentes no sicionadas pelo menos 8 cm de distância do
início da PCR, e informam automaticamente gerador, visando evitar danos ou interferências
se há indicação de choque entretanto, o parecer (LUKER J et al., 2018).
para o disparo do choque é dependente do ope- Figura 14.2 Desfibrilador/cardioversor manual
rador. Pela facilidade, o DEA é amplamente
empregado no cenário pré-hospitalar, a fim
propiciar desfibrilações o mais precocemente
possível. De maneira idêntica, os desfibrilado-
res/cardioversores manuais podem também
possuir a opção de funcionarem como DEA.
Os aparelhos de terapia elétrica em ques-
tão também podem ser categorizados ao consi-
derar o formato de onda das correntes elétricas
por eles geradas. Monofásicos são aqueles cu- Fonte: Mayeaux, 2012
ja corrente elétrica possui um único sentido Após informar com clareza ao paciente so-
vetorial, já nos bifásicos, parte da corrente é bre a CVE a ser realizada, deve-se colocá-lo
aplicada em um sentido e o restante das cargas
segue o sentido inverso (AIRAKSINEN, 2020).

140
em posição supina, avaliar os sinais vitais e re- nível de depressão respiratória ou queda de sa-
mover adornos corporais metálicos, com o turação de oxigênio por oximetria de pulso,
propósito de evitar condução indevida de ele- pois é provável ocorrer algum grau de bradip-
tricidade ou queimaduras. Na cardioversão neia, sendo conveniente o uso de ventilação
elétrica eletiva, é preciso verificar se a terapia por pressão positiva utilizando um dispositivo
anticoagulante se encontra em níveis terápêu- bolsa-válvula-máscara (BVM). Por isso, na
ticos adequados quando esta for indicada e é CVE eletiva, é recomendado jejum por pelo
essencial avaliar os níveis de eletrólitos e di- menos 6 horas, pois, apesar de não haver ne-
goxina séricos, pois algumas arritmias estão cessidade de Intubação Orotraqueal (IOT) pre-
associadas à intoxicação digitálica e distúrbios ventiva, há o risco, embora mínimo, de neces-
do potássio (contraindicações à CVE) sidade de via aérea avançada, caso a ventilação
(SANTOS et al., 2019). com BVM não seja suficiente. Após esses pro-
É preciso garantir um acesso venoso peri- cedimentos, a CVE propriamente dita deve
férico e efetuar sedação, buscando analgesia e cursar da seguinte maneira:
amnésia, para minimizar o desconforto e a dor
gerados pelo procedimento, essa etapa deve 1. Ligar o desfibrilador/cardioversor;
ser realizada em todos os pacientes conscien- 2. Fixar os eletrodos do monitor no paci-
tes, com exceção daqueles com grave deteri- ente e selecionar a derivação desejada;
oração clínica. Os principais fármacos utiliza- 3. Visualizar exibição apropriada do ritmo
dos estão listados na Tabela 14.1, a escolha do paciente no monitor;
fica a cargo da experiência do operador, mas 4. Selecionar a opção SYNC (“sincroni-
agentes de curta duração são soberanos, pois zação”);
permitem reversão da sedação após o controle 5. Verificar a presença de marcadores de
da taquiarritmia. Midazolam e etomidato são sincronização em cada onda R exibida
preferíveis em relação ao propofol nos paci- no monitor.
entes previamente hipotensos ou com instabi- 6. Selecionar o nível de energia apropri-
lidade cardiovascular, visto que este último ado;
causa redução da pressão arterial por vasodi- 7. Se as pás forem manuais, aplicar gel e
latação e depressão miocárdica direta (WAFAE posicionar na região anterolateral (ou em po-
et al., 2019). O etomidato, por outro lado, não
sição alternativa dependendo da situação) no
induz amnésia como os benzodiazepínicos e o tórax aplicando uma pressão correspondente a
midazolam possui o maior tempo de duração 13 kg, se pás adesivas, apenas retirar o plástico
entre as três drogas (cerca de 15-30 minutos) protetor;
(LEWIS et al., 2015). 8. Anunciar e verificar o afastamento dos
membros da equipe para evitar condução da
Tabela 14.1 Analgesia e sedação na terapia elétrica
corrente elétrica e confirmar a ausência de oxi-
Analgésico Fentanil: 2 a 3 mcg/kg
gênio em alto fluxo próximo ao aparelho, de-
Midazolam: 0,1 a 0,3 mg/kg vido ao risco de formação de faíscas
Sedativos Etomidato: 0,3 mg/kg (BERNOCHE, 2019);
Propofol: 1 a 2 mg/kg
9. Selecionar a opção CHARGE (“carga”)
Após sedar o paciente, é essencial moni- para carregar o aparelho;
torar o padrão respiratório, verificar qualquer

141
10. Selecionar o botão SHOCK (“choque”). ração do padrão respiratório e das funções car-
Durante a CVE, pode haver um pequeno atraso díacas, assim como averiguar as condições da
entre esse passo e a administração do choque, pele do paciente em virtude do risco de quei-
devido ao tempo para sincronização; madura no local em que as pás foram posicio-
11. Após o choque, as pás devem conti- nadas e, por fim, solicitar um eletrocardio-
nuar posicionadas no tórax do paciente para grama de 12 derivações para documentação da
observar o monitor, visto que três situações reversão do ritmo sinusal.
são possíveis: Na abordagem eletiva da FA, a dose de
• O ritmo sinusal foi restabelecido e a energia inicial monofásica recomendada é de
CVE foi, portanto, um sucesso; 200 J, já a bifásica é de 120 a 200 J (UM et al.,
• A CVE não resultou em reversão do 2019). A CVE no flutter atrial e em outras
ritmo anormal. Nesse caso, é recomendado re- TSV geralmente requer menos energia, uma
alizar novamente a CVE, mas com uma carga carga inicial de 50 J a 100 J nos dispositivos
energética maior. É preciso ativar o modo monofásicos ou bifásicos é aceitável
SYNC após cada choque sincronizado, dado (SANTOS et al., 2021). A TV polimórfica
que usualmente muitos desfibriladores/moni- instável, com ou sem pulso, é tratada com
tores retornam ao modo não sincronizado; choques não sincronizados de alta energia
• Uma FV foi desencadeada, devendo (terapia de desfibrilação). Já a TV
ser administrado um choque não sincronizado monomórfica instável com pulso responde
imediatamente. bem aos choques de cardioversão monofásicos
ou bifásicos com energias iniciais de 100 J.
Após a terapia elétrica, é sugerido reava-
Para as situações do adulto, em TSV ou TV, a
liar o nível de consciência do paciente, pois a
carga energética deve ser aumentada
embolia cerebral é uma das complicações as-
gradativamente se não houver sucesso com o
sociadas à cardioversão, continuar a monito-
primeiro choque (BER-NOCHE, 2019).

Tabela 14.2 Carga energética inicial para Cardioversão Elétrica

Monofásico Bifásico

Fibrilação Atrial 200 J 120 - 200 J

Flutter Atrial e outras TSV 50 - 100 J 50 - 100 J

TV monomórfica 100 J 100 J

Para cardioversão elétrica das taquicardias episódios tromboembólicos. Caso a sincroni-


supraventriculares ou ventriculares em crian- zação seja feita de maneira ineficaz, o choque
ças, uma dose inicial de 0,5 a 1 J/kg é proposta, pode incidir, usualmente, no segmento ST ou
na ausência de sucesso, uma dose subsequente na onda T e causar fibrilação ventricular, que
de 2 J/kg é usualmente suficiente. exige desfibrilação imediata. Por outro lado,
Os riscos da CVE estão essencialmente re- pacientes com FA crônica ou flutter atrial po-
lacionados à formação de novas arritmias e dem apresentar trombos, principalmente, no

142
apêndice atrial esquerdo e a retomada do ritmo lidade hemodinâmica como hipotensão, altera-
sinusal pela CVE poderá ocasionar desloca- ção aguda do estado mental, desconforto torá-
mento de parte desses trombos desencadeando cico isquêmico ou sinais de choque.
eventos tromboembólicos, o que justifica a te- Além disso, é indispensável averiguar ra-
rapia anticoagulante prévia proposta nesses pidamente se, de fato, a taquicardia do paci-
casos. ente está ocasionando instabilidade hemodi-
Além disso, na prática, o operador pode se nâmica ou se está ocorrendo o inverso, outro
deparar com algumas situações que vão além acometimento gerador de sinais e sintomas de
da recomendação primordial de acionar o gravidade suscitou a taquicardia. Para isso, é
modo SYNC nos desfibriladores/cardioverso- aceitável considerar que uma taquicardia com
res. Pacientes com marca-passo ou desfibrila- FC < 150 bpm não seja capaz de causar dire-
dor/cardioversor implantável podem ter seus tamente quadro de instabilidade, nessas situ-
aparelhos alterados ou danificados e perderem ações, a atenção deve ser direcionada para ou-
suas funcionalidades ou, se não houver dis- tro distúrbio.
tância adequada das pás em relação a esses dis- Em pacientes com taquicardia sem pulso,
positivos, a CVE pode suscitar lesão endocár- o atendimento deve seguir o protocolo para
dica (LUKER J et al., 2018). Além disso, caso PCR. Nesses casos, a terapia elétrica é condu-
o operador não tenha familiaridade com o apa- zida de forma que seja aplicado um choque
relho, a CVE pode ser feita em um tempo não sincronizado de alta energia com uso de
muito maior, provocar queimaduras no local desfibrilador, com carga inicial de 360 J se
de posicionamento das pás ou choque aciden- monofásico ou 200 J se bifásico para o adulto.
tal de algum membro da equipe. (SCALABRINI, 2016). Entretanto, na presen-
ça de pulso, quando os sinais e sintomas per-
Cardioversão no tratamento das sistem e forem decorrentes do evento taqui-
taquicardias instáveis cardíaco, há indicação de cardioversão elétrica
Diante das taquicardias instáveis, as deci- imediata, sendo dispensáveis os achados ele-
sões de usar a CVE e do valor energético ini- trocardiográficos, visto que o tempo dedicado
cial a ser aplicado podem ser orientadas pelas à busca por um diagnóstico exato pode ser ad-
seguintes indagações: verso em um paciente instável (VELASCO,
1. O pulso está presente? 2019). Como referido, é importante estabele-
cer um acesso venoso periférico antes da car-
2. Existem sinais/sintomas de instabili-
dioversão e administrar sedação, mas sem que
dade hemodinâmica causados pela arritmia?
esta etapa retarde a CVE nos pacientes grave-
3. O complexo QRS é estreito ou largo?
mente instáveis (LEWIS et al., 2015).
4. O ritmo é regular ou irregular?
Para escolha da carga a ser aplicada na
A taquicardia, ritmo de FC maior do que
CVE, será preciso identificar o ritmo (regular
100 bpm, possui muitas causas e pode ser sin-
ou irregular) e a largura do complexo QRS (es-
tomática ou assintomática, o primordial para
treito quando inferior a 120 milissegundos ou
tratar um paciente com qualquer taquicardia é
largo quando igual ou superior a 120 milisse-
determinar se há pulso e, posteriormente, se o
gundos). No contexto emergencial, as taqui-
paciente está instável, ou seja, se a rápida FC
cardias de complexo largo são tidas como de
provocou sinais e sintomas graves de instabi-
origem ventricular. Logo, paciente instável

143
que apresente taquicardia com QRS largo, pre- uma segunda dose de 12 mg, quando não hou-
sume-se que tenha TV (BERNOCHE, 2019). ver reversão de ritmo após 1-2 min da primeira
Se complexo QRS largo com ritmo regular dose. Essa ação é justificada, pois uma TSV
e sinais de instabilidade hemodinâmica forem com ritmo regular tem grande probabilidade
identificados, especula-se uma TV monomór- de ser uma TPSV, sendo essa arritmia, assim
fica instável e trata-se com cardioversão elé- como a TV monomórfica, muito responsiva ao
trica sincronizada imediata, com choque ini- uso da adenosina, dado que é um fármaco que
cial de 100 J. Já a arritmia instável com com- diminui a condução pelo nó atrioventricular
plexo QRS largo e ritmo irregular é conside- (ALMEIDA,2019). Nesses padrões, o paci-
rada uma TV polimórfica instável e o trata- ente deve ser informado que a administração
mento será com desfibrilação, ou seja, choque de adenosina poderá causar opressão torácica
não sincronizado de alta energia. Nos casos de significativa, porém transitória.
incerteza da regularidade do ritmo, ou seja, se Os critérios para diferenciação entre TV e
a TV é polimórfica ou monomórfica, é mais TSV, no contexto emergencial, não são reco-
adequado não retardar o tratamento e admi- mendados pelas diretrizes do Suporte Avan-
nistrar choques não sincronizados, dado que çado de Vida Cardiovascular (ACLS). Como
uma TV polimórfica pode gerar implicações mencionado, a taquiarritmia de origem supra-
clínicas mais graves e um atraso na conversão ventricular manifesta-se, geralmente, com
do ritmo pode resultar em PCR (BERNOCHE, QRS estreito. Contudo, quando há um blo-
2019). queio de ramo pré-existente ou induzido pela
As arritmias de complexos QRS estreitos alta FC, o estímulo chega aos ventrículos de
associadas à instabilidade hemodinâmica, in- forma atípica e o complexo QRS se alarga,
dependente do ritmo, respondem bem à cardi- quadro em que há uma taquicardia supraven-
oversão e, comumente, sugerem uma taqui- tricular com aberrância de condução (MARK-
cardia supraventricular. Complexo QRS es- MAN & NAZARIAN, 2019). Ou seja, taqui-
treito e ritmo regular pode indicar uma taqui- cardias de QRS largo podem significar uma
cardia paroxística supraventricular (TPSV) TV ou TSV com aberrância, sendo essa última
por reentrada ou um flutter atrial e, nestes ca- bem menos frequente. Portanto, na emergên-
sos, aconselha-se choque com carga inicial de cia, visando reduzir o tempo de início do tra-
50 a 100 J (bifásico) e 100 J (monofásico). Já tamento, uma taquicardia de QRS largo será
os casos de QRS estreito e ritmo irregular, são tida como TV, sendo tratada como tal. Entre-
sugestivos de FA, quadro que normalmente tanto, na investigação diagnóstica mais apro-
requer um pouco mais de energia, devendo-se, fundada, a diferenciação das taquicardias ven-
então, aplicar um choque inicial de 120 a 200 triculares e supraventriculares com aberrância
J (bifásico) ou 200J (monofásico). deve ser feita. Para tanto, pode-se utilizar, por
Na ausência de hipotensão e presença de exemplo, os critérios de Brugada, Vereckei,
uma TSV de ritmo regular ou taquicardia de PAVA ou o proposto em 2015 pelo brasileiro
complexo largo monomórfico é viável admi- Dr. Francisco Santos, os quais, no entanto, não
nistrar adenosina enquanto o preparo da CVE serão tratados neste capítulo.
está sendo feito, sendo a primeira dose com-
stituída de um bolus intravenoso de 6 mg se-
guido de flush ou bolus de solução salina e

144
resultado, o eletrocardiograma exibirá a onda
Cardioversão no tratamento das ta- Delta, intervalo PR encurtado e onda T assi-
quicardias estáveis métrica e com polaridade contrária a onda Del-
Fora do Departamento de Emergência, a ta, evidenciando Síndrome de Wolf-Parkinson-
CVE é utilizada no tratamento de fibrilação White, cuja CVE também é a primeira escolha
atrial ou flutter atrial estáveis hemodinamica- de tratamento. Por fim, nos casos de FA ou
mente e em taquicardias que não são revertidas flutter atrial com duração maior que 48h, a
pelo tratamento farmacológico (UM et al., CVE é considerada de alto risco tromboem-
2019). A FA e o flutter atrial estão associados bólico e só deve ser efetuada após quatro se-
a um maior risco de episódios tromboembóli- manas de anticoagulação plena ou após não
cos, tendo suas terapêuticas baseadas em: hora haver evidência de trombos intracavitários no
de início da arritmia, presença de excitação Ecocardiograma Transesofágico (AIRAKSINEN,
ventricular prévia, indicação de anticoagula- 2020).
ção prévia e avaliação da segurança de restau-
ração de ritmo sinusal duradouro pela terapia CONCLUSÃO
elétrica (BERNOCHE, 2019). A cardioversão elétrica é uma terapia im-
FA e flutter atrial com tempo de início me- prescindível quando se deseja um suporte in-
nor que 48 horas possuem a CVE como terapia tegralizado de vida. É um instrumento versá-
de primeira linha para restaurar o ritmo sinu- til com aplicação no contexto emergencial e
sal, devido ao baixo risco tromboembólico de- eletivo, neste último como tratamento de pri-
corrente do início muito recente da taquiarrit- meira linha ou como suporte em casos refra-
mia (MEAD et al., 2017). A terapia farmaco- tários, principalmente na conjuntura de rever-
lógica, apesar de não ser a primeira escolha, são de taquicardias. Por conseguinte, seu
pode ser indicada para os pacientes contraindi- aprendizado deve ser foco de políticas públi-
cados à cardioversão elétrica. Nos pacientes cas que objetivem capacitação de profissio-
com FA ou flutter atrial que serão submetidos nais da saúde, a fim de que estejam sempre
a CVE, é preciso anticoagulação por um perí- atentos e familiarizados com os equipamen-
odo mínimo de quatro semanas, havendo reco- tos das terapias elétricas, a fim de assegurar a
mendação de anticoagulação crônica depen- elaboração adequada de todas as etapas do
dendo dos critérios de risco tromboembólico procedimento, a aplicação de cargas de ener-
(VAN & BROUWER, 2018). gia suficientes para interrupção da alteração
Pacientes com uma via acessória de con- cardíaca e a segurança de toda a equipe, sem-
dução atrioventricular podem começar a despo- pre em consonância com a literatura cientí-
larizar miócitos ventriculares antes da progres- fica mais atualizada.
são pelo sistema de condução normal, como

145
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146
Capítulo 15

ANÁLISE EPIDEMIOLÓGICA
DO RISCO DE MORTE
SÚBITA EM ATLETAS

MATHIAS LUCA MELO ALVES¹


ALANA DARLY SANTOS ANDRADE¹
GABRIEL PEDRO GONÇALVES LOPES¹
LARISSA DE ARAÚJO CORREIA TEIXEIRA¹
MATEUS ARAÚJO DOS SANTOS¹
MATEUS LENIER REZENDE¹
NATÁLIA PALAZONI VIEGAS MENDONÇA¹
PEDRO HENRIQUE SANTOS DE JESUS¹
YAN ALVES ROCHA¹
HALLEY FERRARO OLIVEIRA 2
1
Discente - Medicina da Universidade Tiradentes.
2
Professor Adjunto - Universidade Tiradentes e Universidade Federal de Sergipe.

Palavras-chave:
Morte súbita; Atletas; Atividade Física.

147
INTRODUÇÃO aórtica e prolapso da válvula mitral. Com o
avançar da idade, a doença arterial coronariana
A prática de exercícios físicos está associ- (DAC) torna-se uma causa cada vez mais pre-
ada a melhora dos índices glicêmicos, redução valente, devido a formação de placas de atero-
da pressão arterial, controle de peso, além de mas, sendo a principal causa em atletas com
outros benefícios à saúde. Numerosos estudos mais de 35 anos (CORRADO & ZORZI, 2017;
epidemiológicos têm demonstrado de forma SCHMEHIL et al., 2017; FLANNERY & LA
consistente a associação entre exercícios aeró- GERCHE, 2019; VANCINI et al., 2019). Estu-
bicos e a diminuição do risco de doenças cardi- dos post mortem revelaram que em 45% dos ca-
ovasculares e, consequentemente, de morte, re- sos o coração não apresenta anomalias estrutu-
duzido, em comparação com um estilo de vida rais e, nestes casos, está frequentemente associ-
sedentário, significativamente o risco mesmo ado a canalopatias cardíacas, incluindo sín-
em pequenas quantidades. No entanto, a ativi- drome do QT longo, síndrome de Brugada e ta-
dade física intensa, principalmente em nível quicardia ventricular polimórfica catecolami-
competitivo, pode ocasionar a morte súbita nérgica (ASIF & HARMON, 2017;
(MS) ao desencadear alguma doença preexis- CORRADO & ZORZI, 2017).
tente, por exemplo, fibrilação ventricular idio- Estima-se que haja até 5 milhões de casos
pática (ASIF & HARMON, 2017; EMERY & de morte súbita cardíaca (MSC) por ano em to-
KOVACS, 2018). do o mundo, com uma incidência anual de 50 a
O termo MS é definido como morte ines- 100 por 100.000 nos países ocidentais, sendo
perada e não traumática, ocorrendo dentro de responsável por 40 a 50% dos anos de vida po-
uma hora do início, ou piora dos sintomas, em tencial perdidos por doenças cardíacas e com
pessoas sem doença conhecida ou, caso não tes- uma carga de morte prematura que excede a de
temunhado, dentro de 24 horas após a última outras causas de morte, exceto todos os cânce-
vez quando foi visto com vida (ASIF & HAR- res combinados e acidentes em homens (IS-
MON, 2017; ISBISTER & SEMSARIAN, BISTER & SEMSARIAN, 2019; JAZAYERI
2019). Quando relacionada à prática de exercí- & EMERT, 2019; MARKWERTH et al.,
cio físico, pode ocorrer durante ou imediata- 2021). Em relação a atletas, a incidência anual
mente, dentro de 1 a 3 horas, após o término, de MSC em jovens atletas é baixa, entre 0,5 e
causado principalmente por doenças cardíacas, 2,3 em 100.000, com risco 6,5 vezes maior em
responsáveis por 88% dos casos (VANCINI et homens do que em mulheres (CORRADO &
al., 2019). ZORZI, 2017; SCHMEHIL et al., 2017).
A incidência das causas de MS relacionadas No geral, a porcentagem de MSC que ocor-
ao esporte varia de acordo com a faixa etária. rem durante ou imediatamente após o exercício
Em adolescentes e jovens adultos é mais co- é de aproximadamente 5%, sendo maior entre
mum cardiomiopatia genéticas, como cardiomi- pessoas de alto risco, com síncopes aos esfor-
opatia hipertrófica, cardiomiopatia arritmogê- ços, convulsões não explicadas e história fami-
nica ventricular direita e cardiomiopatia dila- liar de MS (ASIF & HARMON, 2017; VAN-
tada, seguido por anomalias congênitas das ar- CINI et al., 2019). No mais, a atividade espor-
térias coronárias, miocardite, ruptura aórtica na tiva aumenta em 2,4 a 4,5 vezes o risco relativo
síndrome de Marfan, defeitos de condução e do- de MSC, embora o número absoluto de casos
enças valvares, incluindo estenose da válvula ainda seja maior na população sedentária, e

148
80% dos pacientes têm alguma doença cardíaca as temáticas propostas para esta pesquisa, estu-
preexistente (ASIF & HARMON, 2017; EME- dos do tipo revisão sistemática, disponibiliza-
RY & KOVACS, 2018; JAZAYERI & EMERT, dos na íntegra. Os critérios de exclusão foram:
2019). artigos duplicados, monografias, trabalhos de
Sobre o rastreio, a Sociedade Brasileira de conclusão de curso e capítulos de livro.
Cardiologia e a Sociedade Brasileira de Medici- Após os critérios de seleção restaram 25 ar-
na do Exercício e do Esporte recomendam em tigos que foram submetidos à leitura minuciosa
conjunto o mesmo esquema de rastreamento da para a coleta de dados. Os resultados foram
Sociedade Europeia de Cardiologia (ESC), isto apresentados de forma descritiva, divididos
é, anamnese, exame físico e eletrocardiograma com base na Organização Mundial da Saúde,
de repouso (ECG) de 12 derivações, indepen- protocolo clínico e diretrizes terapêuticas da
dentemente da presença ou ausência de fatores MS em atletas.
de risco. O esquema proposto pela ESC é for-
temente influenciado por evidências observa- RESULTADOS E DISCUSSÃO
cionais coletadas na Itália, que demonstrou re-
dução em aproximadamente 90 % da taxa de in- Análise epidemiológica e etiopatogê-
nica de MS em atletas
cidência ao acrescentar ECG de 12 derivações
no exame de rotina (CORRADO & ZORZI, A morte súbita (MS) relacionada ao exer-
2017; HELAL et al., 2018). cício físico e esporte pode ser definida como
Assim sendo, o objetivo do trabalho visa uma morte inesperada que ocorre durante ou
demonstrar a importância da identificação pre- imediatamente após o exercício físico (1–3 h)
coce de indivíduos em risco, visando preservar devido a qualquer causa, excluindo violência, e
o direito à vida e garantir segurança na prática pode ser de etiologia cardíaca (cardiomiopatia
esportiva. hipertrófica, coronária anômala, doença arte-
rial, arritmias, doenças valvulares, miocardite e
doença aterosclerótica coronariana) e não cardí-
MÉTODO
aca (uso de drogas ilícitas, embolia pulmonar,
Trata-se de um estudo descritivo e explora- doenças cerebrais, como acidente vascular ce-
tório realizado no período de agosto e setem- rebral e encefalopatia hiponatrêmica, hiperter-
bro por meio de pesquisas nas bases de dados: mia e rabdomiólise) (LIPPI, et al., 2018).
Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e PubMed Nesses casos, para indivíduos com essas
Central (PMC), Literatura Latino-Americana e condições desconhecidas, o exercício físico in-
do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) e tenso pode ser o "gatilho" para arritmias cardí-
Scientific Electronic Library Online (Sci- acas letais que levam à MS (SWEETING &
ELO.org), UpToDate e Google Acadêmico. Fo- SEMSARIAN, 2018). Embora a atividade físi-
ram utilizados os descritores: “Morte Súbita”; ca regular aumente a capacidade de exercício e
“Atletas” e “Atividade Física”. Dessa busca fo- desempenhe um papel na prevenção primária e
ram encontrados 40 artigos, posteriormente secundária de uma variedade de doenças crôni-
submetidos aos critérios de seleção. cas, o exercício físico competitivo e intenso está
Os critérios de inclusão foram: artigos nos associado a um aumento significativo do risco
idiomas inglês, espanhol e português; publica- de MS em atletas competitivos, principalmente
dos no período de 2015 a 2021 e que abordavam adolescentes e adultos jovens (PEDERSEN &

149
SALTIN, 2015). Vários mecanismos patogêni- maior propriedade (HELAL et al., 2018). Es-
cos foram especulados, incluindo condições tudos de incidência realizados na América do
cardiovasculares silenciosas, principalmente Norte apresentaram resultados semelhantes em
cardiomiopatia, doença arterial coronariana relação à idade, ao sexo, ao período e ao tipo de
(DAC) prematura e anomalias coronárias com- esporte mais prevalente em casos de MSC.
gênitas. Eventos inesperados sem a presença de Quanto à idade, dos 45 jovens analisados, 73%
substratos patológicos, como commotio cordis, tinham entre 12 e 14 anos (MARON et al.,
ou seja, concussão cardíaca, abuso de dopagem 2016; SAAREL et al., 2018).
injusta e perigosa, além de drogas para melho- No tocante ao sexo, a prevalência maior foi
rar o desempenho, também são causas poten- entre os homens (ENDRES et al., 2019; PE-
ciais (PALMIERI et al., 2018). No entanto, está TERSON et al., 2020). Dessa forma, atletas
bem estabelecido que o exercício físico regular masculinos têm o risco de MS entre cinco e seis
reduz significativamente o risco de morte por vezes maior que do sexo feminino (KURTZ et
todas as causas, incluindo cardíaca, bem como al., 2017).
MS em comparação com um estilo de vida se- O período em que os óbitos foram mais re-
dentário. correntes foi o ensino médio. Já em relação aos
Mesmo em indivíduos normais, o desporto esportes mais comuns de ocorrência da MS fo-
exaustivo, num substrato genético desfavorável ram o basquete, futebol e, menos frequente-
e sob influência do meio ambiente, pode com- mente, outras competições como beisebol e na-
duzir a remodelação cardíaca negativa que pré- tação (ENDRES et al., 2019; MARON et al.,
dispõe a arritmias. Dados sugerem uma relação 2016; PETERSON et al., 2020; SAAREL et al.,
em “U” entre a intensidade do exercício e a sa- 2018).
úde cardiovascular, com aumento progressivo
do risco de fibrose miocárdica, calcificação das Avaliação clínica e presuntiva que po-
de anteceder MS em atletas
coronárias e fibrilação auricular. Assim, em ní-
veis elevados, o exercício de resistência crô- As variações das formas clínicas de sinais e
nica poderá ser prejudicial (LAMMLEIN et al., sintomas que acometem atletas, os quais, prati-
2018). camente, não diferem das apresentações semio-
Deve-se observar que, para atletas com ma- lógicas do restante da população de modo geral.
is de 35 anos, a DAC aparece como a principal A presença de um cenário de algia torácica, um
causa de MS. No entanto, a cardiomiopatia hi- estado pré síncope, dispneia, vertigem e até
pertrófica é documentada como a principal cau- uma parada cardiorrespiratória (PCR), podem
sa de morte em jovens atletas competitivos (ou acometer indivíduos que praticam profissional-
seja, com idade igual ou inferior a 35 anos) e é mente ou não modalidades esportivas, podendo
responsável por mais de um terço das mortes ocorrer de modo eventual, frequente ou mesmo
(MOSTERD, 2018). Entretanto as etiologias não se manifestar. Categoricamente, várias das
cardíacas na MS em atletas são diversas, sendo manifestações descritas possam não ser tão evi-
influenciadas por fatores, dentre outros, gene- dentes quanto a sua materialidade ou haver dú-
ticos e regionais, fato que demonstra a impor- vidas quanto à sua ocorrência, o que pode não
tância da realização de estudos de incidência no apenas se restringir a avaliação clínica, mas
país, para que, assim, medidas de rastreio e pre- também ser pouco ou imperceptível à outras
venção possam ser criadas e utilizadas com

150
modalidades de fins diagnósticos à exemplo do mentação de estratégias de prevenção e trata-
ECG de 12 derivações. mento da PCR súbita e morte, incluindo estra-
Em tese, as causas dessas sintomatologias tégias de equipe e individuais para o manejo de
podem ter eventos desencadeadores, destarte atletas, associadas a campanhas de saúde pú-
torna-se relevante discutir algumas delas, pode- blica, como o treinamento universal (profissi-
se nesse aspecto destacar a síncope ou pré-sín- onais de saúde e leigos) em ressuscitação car-
cope. Uma causa comum de síncope e pré-sín- diopulmonar, e a disponibilização de desfibri-
cope em jovens atletas é a síncope neuro-medi- ladores externos automatizados (AEDs) em am-
ada (vasovagal), que geralmente não está asso- bientes públicos (SWEETING & SEMSARI-
ciada à doença cardíaca e transmite um resul- AN, 2018). Apesar de sua importância no trata-
tado clínico benigno (MATEOS, 2018). Logo, mento da parada cardíaca, o número de AEDs
observou-se em um estudo que havia um risco em instalações esportivas ainda é insuficiente
de síncope em aproximadamente 5 anos após a para cobrir as necessidades do aumento do nú-
prática de exercícios rigorosos em pessoas com mero de atletas (KARAM et al., 2017). Nesse
predisposição genética a esse fenômeno. contexto, “A Cadeia de Sobrevivência” preco-
Ademais, a interpretação de morte súbita nizada pelas técnicas de AHA e BLS pode con-
cardíaca (MSC), como uma morte inesperada e tribuir para diminuir a mortalidade por doenças
não traumática dentro de 1 hora do início dos cardíacas e PCR súbita que podem precipitar
sintomas em um paciente conhecido por ter um eventos de MS podendo ser desencadeados pela
condição cardíaca potencialmente fatal, ou atividade física e pelo esporte.
quando a autópsia encontra uma anomalia car-
díaca ou vascular como causa provável, ou ne- Resultados
nhuma causa extracardíaca é encontrada no Evidenciou-se na literatura várias pesquisas
exame post mortem e, portanto, um evento ar- sobre a relação do fenômeno da morte súbita em
rítmico é a causa provável de morte (PRIORI, atletas durante a prática esportiva. Percebeu-se
2015). A atividade cardíaca em um atleta com que o grande responsável por esses eventos não
alguma condição patológica prévia pode pré- é a atividade física em si, mas as comorbidades
dispor dentre alguns fatores para a MS de atle- genéticas que influenciam no risco de arritmias
tas uma remodelagem da estrutura cardíaca, as- altamente letais ao organismo humano. Dessa
sim podendo levar ao surgimento de eventos fa- forma, dentre essas condições, foi constatado
tais. Partindo dessa premissa, o estudo baseado que a cardiomiopatia hipertrófica esteve res-
no seguimento médio de 6,2 anos, a incidência ponsável por 36% dos óbitos, seguida das anor-
de mortalidade por todas as causas em pacientes malidades coronarianas com 19%; miocardite
com cardiomegalia hipertrófica foi de 12,4%. (7%), cardiopatia arritmogênica do ventrículo
Em comparação com a população em geral, o direito (5%), doença da artéria coronária e pro-
excesso de mortalidade foi reduzido após o ano lapso da valva mitral (4% cada), ruptura da ar-
de 2000, provavelmente relacionado ao im- téria aorta (3%), estenose aórtica e miocárdio-
plante do desfibrilador cardíaco implantável patia dilatada (2% cada), dentre outras causas
difundido (LORENZINI et al., 2020). com menor relevância individual (18%).
Diante da possibilidade episódios fatídicos A respeito dos esportes, notou-se que o fu-
relacionados à MS em atletas, convém a imple- tebol, basquete, atletismo estavam entres as ati-

151
vidades mais extenuantes, além dos treinos de CONCLUSÃO
de resistência e falta de monitoração de exer-
cícios de alta intensidade em períodos crônicos Esse estudo indica que a MSC associada à
com pouco tempo de recuperação, comparados atividade atlética é rara e extremamente devas-
a práticas monitoradas, educativas e reguladas tadora, geralmente ocorre em jovens aparente-
por um programa de treino consciente que com- mente saudáveis e, embora muitas dessas mor-
sidere os limites físicos individuais dos atletas. tes sejam inexplicáveis, um número substancial
Desse modo, um dos exames que mais se tem abriga doenças cardiovasculares subjacentes
utilizado na prática para detectar alterações foi não diagnosticadas. Por isso, muitas literaturas
o eletrocardiograma, visto que é de fácil uso e relatam a necessidade de uma triagem pré-par-
obtêm resultados de forma rápida e com menos ticipação para jovens atletas. Hodiernamente,
custo. Dentre os achados anormais, verificou-se pode ser feita a avaliação do atleta hígido com
que a síndrome do QT longo, bloqueio de ramos ECG, mesmo sendo comum achar anormalida-
e duração do complexo QRS maior que 140 mi- des nesse exame; e do atleta colapsado que con-
lissegundos foram os achados mais prevalentes siste em história focada, medições de sinais vi-
em 16% dos atletas de resistência. tais, um exame físico focado com ênfase no es-
Conclui-se, que atletas de alto nível que são tado cognitivo e testes diagnósticos direciona-
submetidos a atividades rigorosas devem ser in- dos, o qual demonstrou reduzir os eventos em
vestigados rigorosamente com o intuito de de- alguns estudos específicos.
tectar possíveis anormalidades cardíacas que Diante do exposto, a partir dos estudos que
podem ser letais ao desenvolvimento saudável foram abordados na presente análise, acerca da
de sua performance atlética oferecendo novas MS em atletas, conclui-se que as causas cardí-
oportunidades de treino e preservando a vida acas devem ser investigadas em intervalos peri-
humana. Ademais, equipamentos de rastreio e ódicos, levando em consideração a idade e o
emergência cardiovasculares são úteis e auxi- risco percebido de cada atleta, uma vez que
liam no socorro imediato diante de crises opor- constituem a principal motivação de MS neste
tunistas não detectadas. grupo, visto que há uma grande variedade de fa-
tores que influenciam essa ocorrência, é de ex-
trema importância que sejam realizados mais
estudos indicando a incidência específica na po-
pulação de cada região, a fim de instituir medi-
das de rastreio e prevenção que englobam as
particularidades dos atletas.

152
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153
Capítulo 16

MANEJO PÓS PARADA


CARDÍACA E PREVENÇÃO DE
DESFECHOS NEGATIVOS: O
QUE FALAM OS ESTUDOS
MAIS RECENTES
ANA VIRGÍNIA OLIVEIRA BRITO E OLIVEIRA¹
DANIELLA GOMES CRUZ¹
JÉSSICA SHELLER PEREIRA VIANA¹
LARISSA JÚLIA COSTA FURTADO¹
LUANA MENEZES AZEVEDO¹
LUCAS DE ARAUJO LOPES¹
MARIA BEATRIZ NEVES GONÇALVES¹
MARIA CLARA NONATO SOARES GOMES¹
MATHEUS GOMES VIEIRA¹
NAIARA OLIVEIRA FIGUEIREDO¹
1
Discente – Medicina da faculdade Ciências Médicas de Minas Gerais – FCM MG

Palavras-chave:
Parada Cardíaca; Síndrome Pós-Parada Cardíaca; Parada Cardíaca Extra-Hospitalar.

154
INTRODUÇÃO culação espontânea (ROSC). Danos adicionais,
como hipotensão, hipoxemia, pirexia, disglice-
As doenças cardiovasculares (DCVs) são a mia e convulsões, podem ser extremamente
principal causa de morte em todo o mundo. Es- prejudiciais. A síndrome pós-parada cardíaca é
tima-se que 17,9 milhões de pessoas morreram mais notavelmente caracterizada por lesão de
de doenças cardiovasculares em 2019, repre- isquemia-reperfusão profunda. Como a parada
sentando 32% de todas as mortes globais. Des- cardíaca é o extremo dos estados de choque, o
sas mortes, 85% foram causadas por parada car- fornecimento de oxigênio é drasticamente redu-
díaca e acidente vascular cerebral (AVC). Mais zido durante o evento de parada, levando a hi-
de três quartos das mortes por DCV ocorrem em póxia tecidual profunda. A isquemia prolon-
países de baixa e média renda. Dos 17 milhões gada também leva ao acúmulo de espécies rea-
de mortes prematuras, menores de 70 anos, tivas de oxigênio nos tecidos que são ampla-
devido a doenças não transmissíveis em 2019, mente distribuídas na reperfusão. A hipóxia te-
38% foram causadas por DCV. (WORLD cidual causa inflamação e trombose micro-
HEALTH ORGANIZATION, 2021). No Bra- vascular, que contribuem para a disfunção de
sil, as mortes por doenças cardiovasculares, até múltiplos órgãos. Se a patologia subjacente que
o mês de setembro do ano de 2021, ultrapassam causou a parada cardíaca inicial não for tratada,
270 mil (SOCIEDADE BRASILEIRA DE é provável que ocorra lesão cerebral e de outros
CARDIOLOGIA, 2021). órgãos durante o período pós-parada vulnera-
A parada cardiorrespiratória (PCR) é defi- vel. O diagnóstico de condições precipitantes
nida como a cessação das atividades respirató- subjacentes, como a síndrome coronariana agu-
ria e circulatória efetivas. A reanimação car- da, pode ser desafiador, dado o complexo es-
diorrespiratória (RCR) constitui um conjunto tado fisiopatológico do PCAS (WALKER;
de intervenções que objetiva restabelecer a cir- JOHNSON, 2018).
culação efetiva e a oxigenação tissular. (NASI, Nesse contexto, juntamente com o cérebro,
Luiz A. et al., 2008). O algoritmo de tratamento outro órgão que sofre a injúria isquêmica é o
irá depender se o ritmo cardíaco é chocável ou coração. Disfunção miocárdica é comum causa
não, para seguir com choque elétrico é preciso de mortalidade precoce após parada cardíaca e
que o ritmo seja chocável, ou epinefrina caso disfunção global transitória, que se torna apa-
não seja (DESTAQUES DAS DIRETRIZES, E rente aproximadamente 7 horas após ROSC e
DE RCP, 2020). recuperação dentro de 48–72 horas. Isquemia e
A síndrome pós-parada cardíaca (PCAS) reperfusão causa ativação generalizada das vias
inclui 4 componentes: (1) lesão cerebral, (2) imunológicas e de coagulação, o que aumenta o
disfunção miocárdica, (3) isquemia sistêmica e risco de falência e infecção de múltiplos órgãos.
lesão de reperfusão e (4) patologia precipitante As manifestações clínicas de lesão de reper-
persistente. A lesão cerebral após a parada car- fusão isquêmica incluem a depleção de volume
díaca é complexa, com fisiopatologia subja- intravascular, vasorregulação prejudicada, dis-
cente que envolve excitotoxicidade, homeos- tribuição de oxigênio prejudicada e aumento da
tase anormal do cálcio, formação de radicais li- infecção (KANG, 2019).
vres, cascatas de proteases patológicas e ativa- Consequentemente, o presente estudo tem
ção de vias apoptóticas. Muitas dessas vias são como objetivo realizar uma revisão de lite-
ativadas de horas a dias após o retorno da cir- ratura, avaliando os novos estudos e diretrizes,

155
trazendo o que há de mais recente no manejo do selecionados foram submetidos à análise e dis-
tratamento da pós-parada cardíaca a fim de mi- cussão de seus resultados.
tigar esses danos.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
MÉTODO
O atendimento após uma parada cardíaca é
Trata-se de uma revisão sistemática da lite- um componente crítico da cadeia de sobrevi-
ratura sobre as atualizações do tratamento e ma- vência, pois o impacto sistêmico da lesão de is-
nejo dos pacientes que sofreram parada cardí- quemia e de reperfusão, causada pela parada
aca e o que as novas evidências apontam para o cardíaca, e subsequente reanimação, requer cui-
melhor desfecho dos pacientes. A pesquisa foi dados para suportar, simultaneamente, os múlti-
realizada entre os dias 20 de agosto a 26 de se- plos sistemas de órgãos afetados. Após a esta-
tembro de 2021 e a base de dados consultada foi bilização inicial, o atendimento de pacientes
a MEDLINE® (Medical Literature Analysis criticamente enfermos pós-parada depende de
and Retrieval System Online), e as palavras- suporte hemodinâmico, ventilação mecânica,
chave utilizadas foram: “post cardiac arrest”, controle de temperatura, diagnóstico e trata-
“cardiac arrest”, “post cardiac arrest syndro- mento das causas subjacentes, diagnóstico e tra-
me” e “ROSC”. tamento de convulsões, vigilância e tratamento
Os filtros utilizados para delimitar os resul- de infecções e gestão do estado crítico do paci-
tados, foram artigos em português e inglês, pu- ente. Muitos pacientes com parada cardíaca que
blicados nos 5 últimos anos e que possuíam re- sobrevivem ao evento inicial acabam morren-
sumo disponível. Ademais, o guidelines da do devido à suspensão do tratamento de suporte
American Heart Association para ressuscitação à vida em um cenário de lesão neurológica.
cardiopulmonar e cuidado na emergência car- Assim, muitos dos cuidados pós-parada se con-
diovascular do ano de 2020 foi consultado. centram em mitigar a lesão cerebral (AHA,
Adotaram-se os seguintes critérios de ex- 2020).
clusão: artigos de revisão de literatura, meta- Nessa casuística, em uma coorte retrospec-
análise e estudos que não se encaixavam ao te- tiva com 408 pacientes em um único hospital,
ma proposto. Em concomitância, como critérios descobriu-se que o principal motivo da morte
de inclusão: foram selecionados artigos que tra- em pacientes admitidos em uma UTI, após uma
tavam do manejo pós parada cardíaca intra e ex- parada cardíaca intra ou extra hospitalar, foram
tra-hospitalar, estudos originais e que encon- sequelas neurológicas irreversíveis, com base
traram resultados compatíveis em relação à atu- em exames de imagens, testes neurológicos e
alização da última diretriz. opiniões de neurologistas. Apoiando os resul-
Este artigo dispensou aprovação no Comitê tados de estudos anteriores e validando a lesão
de Ética em Pesquisa (CEP), já que se trata de neurológica como um alvo primário do cuidado
um artigo de revisão de literatura (Resolução nº pós-parada (WITTEN et al., 2019).
510 de abril de 2016 do Comitê Local). Em vista disso, os estudos mais recentes e
Assim, foram selecionados 10 artigos que as atualizações das diretrizes evidenciam a im-
foram lidos na íntegra e pareados ao Guidelines portância de mitigar as lesões neurológicas, uti-
da American Heart Association. Os 10 estudos lizando, principalmente, três intervenções: o
gerenciamento da temperatura alvo (TTM), a

156
cateterização de coronárias e a oxigenação por dos encontrados nesta revisão estão descritos na
membrana extracorpórea. Destarte, os resulta- Figura 16.1.

Figura 16.1 Fluxograma dos principais resultados encontrados no que tange aos avanços terapêuticos do manejo pós-
parada cardíaca

Consequentemente, um estudo de coorte mais alta (35-36°C). O TTM entre 33-34°C ob-
comparou os resultados de 1.319 pacientes que teve melhores desfechos neurológicos no grupo
estavam em coma após uma parada cardíaca em de intensidade moderada, mas não nos grupos
um único centro em Pittsburgh, Pensilvânia, de de intensidade leve e alta (NISHIKIMI, Mit-
janeiro de 2010 a dezembro de 2018. Neste es- suaki et al., 2021).
tudo, o TTM a 33°C foi associado a melhor so- Em contrapartida, uma coorte prospectiva
brevida do que o TTM a 36°C entre os pacientes multicêntrica de adultos com parada cardíaca
com a doença pós-parada cardíaca mais grave, não traumática fora do ambiente hospitalar,
mas sem edema cerebral grave ou EEG analisou 2.878 (34,6%) dos pacientes que rece-
maligno. (CALLAWAY, Clifton W. et al., beram TTM em 186 hospitais nos Estados Uni-
2020). Associado a isso, 1.111 pacientes com dos e no Canadá. Concluindo-se que por mais
síndrome pós-parada cardíaca de diferentes gra- que as atuais evidências apoiem o uso dessa te-
vidades (baixa, moderada e alta) foram tratados rapêutica, a taxa de uso de TTM em paradas
com controle de temperatura alvo em dois gru- cardíacas diminuiu ao longo do tempo, além de
pos: aqueles que receberam controle de tempe- a implementação real desse recurso parecer ser
ratura alvo em uma temperatura alvo mais baixa inconsistente e variada entre os hospitais. As-
(33-34°C) e aqueles que receberam controle de sim, com atrasos longos e frequentes no início
temperatura alvo em uma temperatura alvo da terapia, término precoce do tratamento antes

157
de 24 horas e resfriamento a baixas temperatu- Nesse âmbito, a angiografia coronária e as
ras, potencialmente deletérias, principalmente intervenções coronarianas percutâneas (ICP),
em hospitais que recebem poucas paradas car- aumentaram a sobrevida, desde o evento até a
díacas anualmente (KHERA, Rohan et al., hospitalização, em 407.974 pacientes que so-
2018). freram parada cardíaca fora do hospital, asso-
Destarte, recomenda-se selecionar e manter ciada à fibrilação e taquicardia ventricular. No
uma temperatura entre 32°C e 36°C durante a entanto, uma proporção significativa desses pa-
TTM, sendo mantida, por no mínimo, 24 horas cientes, especialmente aqueles sem supra ST,
depois de atingir a temperatura alvo, não sendo não são submetidos a angiografia coronária e
recomendado o uso rotineiro de infusão rápida revascularização. Por conseguinte, estudos
de fluidos intravenosos frios para resfriamento prospectivos são necessários para determinar se
pré-hospitalar de pacientes após ROSC. essa limitação tem um efeito de sobrevivência
Concomitantemente, a doença arterial coro- (PATEL, Nish et al., 2016).
nariana (DAC) é prevalente no cenário de para- Em adição, onze hospitais com capacidade
da cardíaca. Pacientes com parada cardíaca de- de intervenção coronária percutânea 24 horas
vido a ritmos passíveis de choque demonstra- por dia, 7 dias por semana, concordaram em
ram taxas particularmente altas de DAC grave: fornecer acesso precoce (dentro de 6 horas da
até 96% dos pacientes com infarto do miocárdio chegada ao Departamento de Emergência) ao
com elevação do segmento ST em seu ECG laboratório de cateterização cardíaca com a in-
pós-ressuscitação, a 42% para pacientes sem tenção de realizar revascularização coronária
supradesnivelamento do segmento ST e 85% para pacientes ambulatoriais que foram reani-
dos pacientes com parada refratária fora do hos- mados com sucesso de uma parada com fibri-
pital, associada à fibrilação ou taquicardia ven- lação/taquicardia ventricular. O cateterismo
tricular, possuem DAC grave (AHA, 2020). precoce após a parada cardíaca devido a um rit-
A angiografia coronariana convencional mo passível de choque em um grupo selecio-
(ACC) permanece atualmente como o exame nado de pacientes é viável e está associado a
padrão-ouro para avaliação de doença arterial uma taxa de sobrevida de 65% até a alta hos-
coronária (DAC), pois permite determinar a ex- pitalar com um bom resultado neurológico
tensão, localização e gravidade das lesões obs- (GARCIA, Santiago et al., 2016).
trutivas coronarianas (YU, Pai Ching; Desse modo, em relação à intervenção pre-
CARAMELLI, Bruno; CALDERARO, coce ou adiada, em um estudo multicêntrico, fo-
Daniela., 2019). Em adição, a intervenção ram distribuídos aleatoriamente 552 pacientes
coronariana percutânea é um método estabele- que tiveram parada cardíaca sem sinais de IAM
cido e utilizado, com frequência, na revascula- com supra ST para serem submetidos a angio-
rização do miocárdio em portadores da doença grafia coronária imediata ou angiografia coro-
arterial coronariana. Os stents coronarianos nária que foi adiada até após a recuperação neu-
tornaram-se o método percutâneo de escolha rológica. Todos os pacientes foram submetidos
preferencial, tanto pela maior segurança do a ICP, se indicado. Porquanto, entre os pacien-
procedimento, quanto pela diminuição das tes que foram reanimados com sucesso, após
taxas de reestenose em relação aos demais parada cardíaca fora do hospital e sem sinais de
dispositivos anteriormente testados (MOURA, IAM com supra ST, uma estratégia de angi-
Álvaro Vieira et al., 2003). ografia imediata não foi considerada melhor do

158
que uma estratégia de angiografia retardada corpórea (ECMO) é usado para apoiar pacien-
com relação à sobrevida global em 90 dias tes criticamente enfermos com disfunção car-
(LEMKES, Jorrit S. et al., 2019). diorrespiratória quando os tratamentos con-
Portanto, a angiografia de coronárias deve vencionais falharam. Assim, um uso importante
ser realizada em todos os pacientes pós-parada do ECLS é apoiar o retorno espontâneo da cir-
cardíaca com suspeita de causa cardíaca e com culação durante a reanimação cardiopulmonar
supra ST no ECG, enquanto o procedimento de (RCP). Em 2015, aproximadamente 17% de to-
emergência deve ser realizado em pacientes ele- dos os pacientes pediátricos e 14% de todos os
tricamente e hemodinamicamente instáveis pacientes adultos com ECLS relatados ao re-
com comatose após parada cardíaca fora do am- gistro, receberam reanimação cardiopulmonar
biente hospitalar, suspeitando-se de causa car- extracorpórea (eCPR). A sobrevivência sem le-
díaca, mas sem elevação do segmento ST são neurológica está relacionada à qualidade da
(AHA, 2020). RCP fornecida antes do ECLS (THIAGA-RA-
Outrossim, o suporte de vida extracorpóreo JAN, Ravi R. et al., 2017). Exemplifica-se o
(ECLS) ou oxigenação por membrana extra- funcionamento da eCPR na Figura 16.2.
Figura 16.2 Representação esquemática dos componentes do circuito do oxigenador de membrana extracorpórea con-
forme usado para eCPR

Legenda: Os componentes incluem cânulosa venosa, bomba, oxigenador e cânula arterial. Fonte: Adaptada de
(PANCHAL, Ashish R. et al., 2020).

Logo, em um estudo de centro único com Somado a isso, foi realizado um estudo ob-
um total de 353 pacientes com parada cardíaca servacional usando dados de um registro pros-
dentro do hospital (272 RCP e 52 eCPR) foram pectivo de adultos (≥18 anos) com parada car-
incluídos neste estudo retrospectivo, ajustado díaca extra-hospitalar, não traumática, em um
pelo escore de propensão (1:1 combinado). hospital terciário, entre janeiro de 2011 e de-
Nessa coorte de pacientes cardiovasculares, a zembro de 2015. De 568 casos de parada cardí-
eCPR foi associada a uma melhor sobrevida em aca extra-hospitalar, 60 casos (10,6%) preen-
curto e longo prazo em relação à RCP, com um cheram os critérios para eCPR. A eCPR foi re-
bom resultado neurológico na maioria dos pa- alizada em 10 dos 60 pacientes elegíveis à
cientes com parada cardíaca refratária intra- ECPR (16,7%). Três dos 10 pacientes com
hospitalar (CHANG, Chia-Hsuin et al., 2016).

159
eCPR (30,0%), mas apenas 2 dos outros 50 pa- sobrevivência de um paciente em sete pacientes
cientes sem eCPR (4,0%) tiveram um bom re- tratados parece razoável. Ensaios clínicos ran-
sultado neurológico em 1 mês (CHOI, Dae-Hee domizados avaliando o limite de idade como
et al., 2016). critérios de seleção são urgentemente necessá-
No entanto, 148 pacientes com parada car- rios para confirmar esses achados (SCHOBER,
díaca isquêmica internados em um hospital de A. et al., 2017).
2011-2015 foram analisados, sendo compara- Sabe-se, assim, que a eCPR é uma inter-
das as características clínicas, características da venção complexa que requer uma equipe alta-
parada cardíaca, dados neurológicos e ecocar- mente treinada, equipamentos especializados e
diográficos obtidos após o retorno da circulação suporte multidisciplinar dentro de um sistema
espontânea (em 24 horas, 15 dias e seis meses). de saúde. A atualização focada em 2019 nas di-
Pacientes com ressuscitação cardiopulmonar retrizes do ACLS 1 abordou o uso de eCPR para
extracorpórea são mais jovens e têm menos co- parada cardíaca e observou que não há evidên-
morbidades que a ressuscitação cardiopulmo- cias suficientes para recomendar o uso roti-
nar convencional, mas apresentam pior sobre- neiro de eCPR em parada cardíaca. No entanto,
vida e menor fração de ejeção ventricular es- a eCPR pode ser considerada se houver uma
querda precoce. Os sobreviventes após a reani- causa potencialmente reversível de uma parada
mação cardiopulmonar extracorpórea têm um que se beneficiaria de suporte cardiorrespirató-
resultado neurológico e recuperação da função rio temporário. Uma consideração importante é
cardíaca comparável a indivíduos com retorno a seleção de pacientes para eCPR e mais pes-
da circulação espontânea. O tempo total de pa- quisas são necessárias para definir os pacientes
rada cardíaca é o único preditor de sobrevivên- que mais se beneficiariam com a intervenção.
cia após a ressuscitação cardiopulmonar em Além disso, a intensidade de recursos necessá-
ambos os grupos (CESANA, Francesca et al., ria para iniciar e manter um programa eCPR
2017). deve ser considerada no contexto do fortaleci-
Além disso, dados anônimos de pacientes mento de outros elos da cadeia de sobrevivên-
adultos que sofreram parada cardíaca refratária, cia. Investigações adicionais são necessárias
transportados com RCP em curso para um cen- para avaliar o custo-benefício, a alocação de re-
tro de atendimento terciário entre 2002 e 2012 cursos e a ética em torno do uso rotineiro de
foram analisados. No geral, 239 pacientes pre- eCPR na reanimação (AHA, 2020).
encheram os critérios de inclusão. eCPR foi ini-
ciado em sete pacientes. A sobrevivência à alta CONCLUSÃO
em boas condições neurológicas foi alcançada
O manejo após parada cardíaca é funda-
em 14 (6%) de todos os pacientes. Um paciente
mental para evitar sequelas de reperfusão, prin-
do grupo eCPR sobreviveu em excelentes com-
cipalmente no âmbito neurológico. Por isso, as
dições neurológicas. O suporte de vida extra-
horas que decorrem posteriormente à reanima-
corpóreo de emergência foi usado para um
ção cardiopulmonar são fundamentais para mi-
grupo altamente selecionado de pacientes em
nimizar os danos e lesões associados ao retorno
parada cardíaca refratária. Vários parâmetros
da circulação, corroborando práticas clínicas
foram associados à decisão, mas apenas a idade
para mitigar essa problemática. Destarte, o ma-
foi independentemente associada à seleção para
nejo da temperatura alvo, a cateterização das
eCPR. A seleção de pacientes que resultou na

160
coronárias e a oxigenação por membrana extra- faz-se ainda necessário um maior número de es-
corpórea são assuntos muito estudados nos últi- tudos com amostras significativas em relação a
mos anos, fazendo com que surjam como pos- essas práticas, com objetivo de reforçar a real
síveis opções terapêuticas para melhorarem o eficácia e possíveis benefícios a curto e longo
prognóstico dos pacientes. Por conseguinte, prazo.

161
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NISHIKIMI, M. et al. Outcome Related to Level of
Targeted Temperature Management in Postcardiac

162
Capítulo 17

FEBRE REUMÁTICA:
UMA REVISÃO NARRATIVA

ANA CLARA BERALDO MUNIZ¹


ANA HELENA DE MENESES JUNQUEIRA COSTA¹
ELISA COUTINHO MOURA ¹
GABRIEL MACHADO BAPTISTELLA¹
GABRIELA VITÓRIA REZENDE¹
GUILHERME ÁVILA REIS ¹
GUSTAVO PAIVA SILVA PINTO¹
JOHNNY TEIXEIRA NEVES¹
JULIANA DOS SANTOS MOREIRA¹
LAURA COSTANTI BOTAN¹
MATHEUS REZENDE RIBEIRO¹
THIAGO MARQUES PRADO CAMPOS¹
1
Discente – Universidade do Vale do Sapucaí.

Palavras-chave:
Reumátiica; Diagnóstico; Profilaxia.

163
INTRODUÇÃO MÉTODO
A Doença Reumática Cardíaca (DCR) é um Este capítulo trata-se de uma revisão narra-
grande problema de saúde pública global, prin- tiva de literatura que visa uma análise mais am-
cipalmente em países subdesenvolvidos, sendo pla do tema em questão, viabilizando, assim,
a principal causa de morte cardiovascular em um auxílio para discussões e reflexões acerca
crianças e jovens (Gomes et al, 2021). Tem da epidemiologia, manifestações clínicas e tra-
maior incidência na África Subsaariana, nações tamento. Esta foi realizada no período entre o
do pacífico e continente indiano, locais pelos mês de agosto e outubro, por meio de pesquisas
quais não contam com programas coordenados nas bases de dados científicas: PubMed e Sci-
de controle da doença. Estima- se que entre 15 elo, LILACS e Google Schollar. Para tal, foram
e 19 milhões de indivíduos vivem atualmente utilizados os descritores “febre”, “reumática”,
com DCR, ocorrendo 250 mil mortes, aproxi- "diagnóstico" e “profilaxia”. Desta busca,
madamente, a cada ano. O pico de incidência de foram encontrados mais de 40 artigos, que, pos-
cardiopatia reumática se dá entre os 24 e 40 teriormente, foram submetidos aos critérios de
anos, afetando mais o sexo feminino (FAUCI et seleção.
al, 2014). Os critérios de seleção foram: artigos nos
A Doença Reumática Cardíaca (DRC) é idiomas português e inglês, publicados no perí-
uma sequela da febre reumática aguda devido a odo de 2005 a 2021 e que abordavam os conte-
uma resposta imune anormal a uma faringite es- údos propostos para esta pesquisa.
treptocócica que desencadeia dano valvar. O te- Os critérios de restrição foram: artigos du-
cido valvar é mais sensível que o miocárdio e plicados, disponibilizados na forma de resumo,
pericárdio, sendo assim frequentemente sofre que não tratam adequadamente o tema estu-
dano permanente após a cardite inicial ativa. dado e que não se encontravam nos critérios ne-
Em estágios mais avançados da DCR, a infla- cessários de inclusão. Após os critérios de sele-
mação crônica contínua permanece causando a ção restaram 14 artigos que foram submetidos à
remodelação patológica da valva que perpetua leitura minuciosa e seletiva para a coleta de
o dano valvar (Gomes et al, 2021) devido ao es- dados pertinentes ao objetivo desta revisão.
pessamento dos folhetos, fibrose, calcificação e Com isso, os resultados foram apresenta-
estenose valvar (FAUCI et al, 2014). dos de forma didática e coerente, sendo a es-
A valva mitral é majoritariamente a mais crita embasada nos dados obtidos dos artigos e
afetada, algumas vezes juntamente com a val- livros no que se refere a Febre Reumática.
va aórtica; raramente há comprometimento iso-
lado da valva aórtica (FAUCI et al, 2014). RESULTADOS E DISCUSSÃO
O presente estudo tem como objetivo fazer
uma revisão de literatura sobre manifestações Fisiopatologia e etiologia
cardíacas da febre reumática e correlaciona-las A fisiopatologia da Febre Reumática é de-
com os principais tratamentos e sintomas clíni- corrente da interação entre o processo infec-
cos da doença. cioso pelo Estreptococo β-hemolítico do Grupo
A (S. pyogenes) e um hospedeiro suscetível ge-
neticamente à doença, sendo essa uma compli-
cação inflamatória aguda não supurativa,

164
secundária a uma Faringite tratada de forma provável que essa suscetibilidade genética não
ineficiente (SATO et al ,2010). siga um padrão clássico de herança mendeliana
Com base em evidências atualmente dispo- e sim poligênica. Vários alelos do sistema HLA
níveis, pode-se afirmar que apenas infecção do classe II em diferentes populações demonstram
trato respiratório superior causada pelo EGA associação com FR/DCR. Outros polimorfis-
(estreptococos beta-hemolítico do grupo A) mos em genes que codificam proteínas rela-
apresenta forte potencial de causar a Febre Reu- cionadas ao sistema imune também demons-
mática. No entanto, evidências atuais estabele- traram associação com a doença. Também têm
cem que infecção de pele pelo EGA pode de- sido descritas associações a altos níveis cir-
sempenhar papel na patogênese da Febre Reu- culantes da lectina ligadora na manose, bem
mática. A composição celular do EGA é for- como a polimorfismos do gene do fator trans-
mada pela cápsula, composta por ácido hialu- formador de crescimento e dos genes de imu-
rônico e possui propriedade antifagocítica. A noglobulina B, D8 17 (FAUCI et al, 2014;
parede celular encontra-se abaixo da cápsula e SHINJO et al, 2020).
é composta por três camadas: A camada ex- A sintomática da FR é proveniente, por-
terna, composta principalmente pela proteína tanto, de uma resposta imune em indivíduos
M, principal antígeno relacionado com a pato- suscetíveis ao desenvolvimento da doença con-
genia da doença. A camada média, formada tra o EGA, uma relação cruzada chamada de
pelo carboidrato N-acetil beta D-glicosamina, mimetismo molecular. Estruturas presentes no
responsável pela classificação das diferentes es- estreptococico grupo A (carboidrato N-acetil-
pécies de estreptococo, e a camada interna é glicosamina e Proteína M), por apresentar se-
composta por peptidioglicano, que confere ri- quências antigênicas semelhantes com o orga-
gidez à bactéria. O EGA secreta produtos extra- nismo do hospedeiro geram uma resposta au-
celulares, como estreptolisinas O e S, DNases toimune nos tecidos dele, em especial no cardí-
A, B, C e D, hialuronidase e estreptoquinase. A aco, no articular ou do SNC (RIBEI-RO et al,
proteína M é o principal fator de virulência do 2020).
EGA, além de possuir ação antifagocítica. Na sintomática cardíaca da doença a rea-
Apresenta estrutura fibrilar em alfa hélice du- ção dos anticorpos contra as moléculas huma-
pla, que se projeta da membrana citoplasmática nas na miosina e laminina no endotélio da valva
até o meio extracelular. Atualmente, a classifi- cardíaca acarreta uma infiltração de linfócitos
cação do EGA é realizada por meio da genoti- T, em sua maioria do tipo CD4. Promove, por-
pagem do gene da proteína M (emm). Existem tanto, uma resposta inflamatória e consequente
mais de 200 emm genótipos. Atualmente, o pa- lesão valvar por produção de TNF e interleuci-
pel potencial da infecção cutânea e dos estrep- nas (FAUCI et al, 2014).
tococos dos grupos C e G estão sendo investi- A ligação de anticorpos aos gânglios de
gados. (FAUCI et al, 2014; SHINJO et al, base resulta em outra parte fundamental da sin-
2020) tomática. A coréia, caracterizada pela produção
exacerbada de dopamina. Ocorre pela resposta
Entre 3 a 6% de uma determinada popula- linfocitária ao carboidrato N-acetil beta D-
ção apresenta suscetibilidade para Febre Reu- glicosamina, que reage contra os receptores de
mática. Uma metanálise com gêmeos portado- lisogangliosideos e dopaminérgicos gerando
res de FR, encontrou uma taxa de concordância manifestações clínicas características.
maior em gêmeos monozigóticos (44%) do que
em gêmeos dizigóticos (12%). Conclui-se que é
165
Manifestações clínicas As manifestações clínicas são, principal-
Cardite: mente, reflexos do envolvimento valvar, e po-
É a manifestação mais importante e de ma- dem ser encontrados os seguintes sintomas:
ior risco da febre reumática, pois pode ocasio- abafamento de primeira bulha, atrito pericár-
nar lesão valvar permanente. A valvite, que dico e/ou dor precordial, taquicardia despro-
atinge o endocárdio, é a camada cardíaca mais porcional ao quadro febril, IC, aparecimento de
afetada, contudo a cardite também pode se ma- sopro ou modificação do mesmo, devido à dis-
nifestar em pancardite. A morbidade, a morta- função valvar mitral ou mitroaórtica.
lidade e o prognóstico desta patologia depen- Na fase aguda, há aparecimento das valvites
dem da intensidade e da extensão do acometi- que ocasionam regurgitação mitral, consequen-
mento cardíaco. Em contrapartida, a pericardite temente, levando a cicatrização das lesões em
e miocardite, raramente, ocorre de forma isola- estenose valvar, já na fase crônica da doença. A
da, e em ambas as apresentações não deixam se- valva mais acometida é a mitral, e devido a sua
quela ou atuam como fator de gravidade. O lesão, também há comprometimento da valva
processo inflamatório do miocárdio não é o pre- aórtica. As valvas menos acometidas são a
cursor da insuficiência cardíaca, mas sim da valva tricúspide e a valva pulmonar. Há mani-
gravidade das lesões valvares. festação de 3 sopros na fase aguda, são eles:
A cardite é classificada de acordo com o sopros relacionados a regurgitação das valvas
grau das alterações dos exames complementa- mitral e aórtica e o sopro de Carey Coombs. A
res e a intensidade das manifestações clínicas. existência desses sopros não significa, obriga-
Na fase aguda, tradicionalmente, o diagnóstico toriamente, lesão valvar definitiva. O sopro de
clínico foi de extrema importância, baseado na Carey Coombs é transitório e relaciona-se à
ausculta de sopros na insuficiência aórtica e/ou inflamação do aparelho valvar mitral. Isso
mitral. Em meados da década de 1980, mesmo ocorre quando há regurgitação mitral signifi-
sem sinais clínicos de envolvimento cardíaco e cativa e é causado pelo fluxo diastólico au-
com exames eletrocardiológicos e radiológicos mentado e da alta velocidade através da valva
do tórax normais, os pacientes foram identifi- mitral (Castro el al., 2021).
cados com apresentação de mono ou poliar-
trite, poliartralgia e/ou coréia de Sydenham. Envolvimento articular:
Apesar disso, o Doppler ecocardiográfico re- Define-se artrite como a presença de ede-
gistrava regurgitação valvar aórtica e/ou mitral ma na articulação, com sinais inflamatórios ou
com características patológicas próximas às en- sem sinais inflamatórios, podendo ou não estar
contradas na cardite leve. Esses resultados pro- relacionada a dor articular que limita os movi-
duziram um novo conceito de lesão valvar: na mentos. Já a poliartrite, usualmente, acomete
fase aguda, a cardite subclínica e na fase crô- grandes articulações, é assimétrica, possui pa-
nica, a cardiopatia reumática crônica subclí- drão migratório e a movimentação ativa e/ou
nica. Nesse caso, a diferenciação entre regur- passiva e a dificuldade de deambulação cau-
gitação patológica da regurgitação fisiológica sam dor intensa. O quadro, característicamen-
deve ser minuciosamente observada, de acordo te, responde bem ao uso de anti-inflamatórios
com os critérios ecocardiográficos (Remenyi et no período entre 24/48horas. Nos casos que não
al, 2012), devido a elevada incidência que ela possuem tratamento, cada articulação é afetada
apresenta na população. entre um período de 1 a 5 dias, com melhora do
quadro em 2-4 semanas. Em 20% dos pacientes,
ocorrem apresentações atípicas, como a artrite
166
aditiva, a monoartrite e a duração da inflamação tornam-se incapazes de desempenhar ativida-
por mais de 6 semanas. des cotidianas e correm risco de se ferir. A co-
Na nova revisão dos Critérios de Jones reia regride por completo, geralmente em 6 se-
(American Heart Association - AHA), as mani- manas (FAUCI et al, 2014).
festações seguintes, poliartralgia migratória e
monoartrite, foram mais significantes em paí- Manifestações cutâneas:
ses com média ou alta prevalência de febre reu- Ocorrem em menos de 10% dos pacientes
mática, mas somente após diagnóstico diferen- com FR, raramente de forma isolada (SHINJO
cial com causas diferentes de artralgia, como et al, 2020). Iniciam como máculas róseas que
por exemplo nas doenças autoimunes ou outras clareiam no centro, deixando uma borda serpi-
artropatias reativas. Contudo, nos países com ginosa que se espalha e evolui para um eritema
baixa prevalência da doença, a poliartralgia, na marginado. As erupções são evanescentes, sem
ausência de artrite, segue classificada como ma- prurido, mais frequentes no tronco, eventual-
nifestação menor (Castro et al., 2021). mente nos membros e raras em face (FAUCI et
al, 2014).
Coreia de Sydenham: Nódulos subcutâneos são firmes, móveis,
Manifestação neuropsiquiátrica da FR que de 0,5 a 2 centímetros, indolores, sob a pele, em
acomete 15% dos pacientes com FR e apre- superfícies extensoras de articulações (SHINJO
senta predomínio em sexo feminino. Apesar de et al, 2020) e sobrejacente a proeminências ós-
ocorrer comumente isolada de outras manifes- seas, em especial mãos, pés, cotovelos, occipí-
tações, apresenta forte associação com cardite cio e ocasionalmente em vértebras. Os nódulos
clínica ou subclínica (SHINJO et al, 2020). são encontrados tardiamente, a cerca de 2 a 3
Possui período longo de latência (2 a 4 meses) semanas após início da doença. Podem durar
após infecção por streptococcus do grupo A. por poucos dias ou até por 3 semanas. Comu-
Acomete principalmente a cabeça, com movi- mente associados à cardite (FAUCI et al, 2014).
mentos característicos de protrusão rápida da
língua, e movimentos involuntários, arrítmicos Outras manifestações:
e breves de face e membros superiores, poden- Febre é comum nos casos de febre reumá-
do ser restrito a um lado do corpo (hemicoreia, tica, mas rara nos casos de coreia pura. Altas
20% dos casos ou acometer ambos (FAUCI et temperaturas (≥ 39°C) é o padrão, mas há casos
al, 2014). São exacerbados em momentos de es- de febre baixa (FAUCI et al, 2014).
tresse e desaparecem ao sono. São observados
Diagnóstico
também alteração da escrita, comprometimen-
to da marcha, disartria, disfagia, tiques, imper- Abordagem diagnóstica:
sistência motora da língua e hipotonia muscular A abordagem diagnóstica possui como pilar
(coreia mole). Há alterações comportamentais critérios clínicos e de exames complementares,
algumas semanas antes dos movimentos, como sendo a atualização mais recente os critérios de
irritabilidade, labilidade emocional, regressão Jones revistos e publicados em 2015 pela AHA
comportamental, ansiedade, sintomas obsessi- (American Heart Association) com modifica-
vo-compulsivos e transtorno de déficit de aten- ções importantes (PEREIRA et al, 2017; GE-
ção e hiperatividade (SHIN-JO et al, 2020). WITZ et al, 2015).
Sua gravidade é variável, com casos leves, A princípio, para o diagnóstico parte-se de
que só são identificados ao exame cuidadoso, e um quadro clínico e história compatíveis, colo-
com casos em graves os indivíduos acometidos cando a Febre Reumática como hipótese diag-
167
nóstica. Após a suspeita, deve-se evidenciar in- necessários 2 critérios maiores ou 1 maior com
fecção prévia pelo o Streptococcus B-hemolí- 2 menores. Já para uma recidiva utiliza-se 2 cri-
tico do grupo-A, seja pela positividade de testes térios maiores; ou 1 maior com 2 menores; ou 3
rápidos, pela cultura positiva da orofaringe menores. A estratificação de risco baseia-se em
quanto por títulos elevados de anticorpos anti características epidemiológicas, sendo o grupo
estreptocócicos. A elevação da antiestreptoli- de baixo risco aqueles inclusos em regiões com
sina O (ASLO) detecta infecção pregressa re- a incidência de febre reumática menor que
cente, tendo seus títulos elevados por volta do 2:100.00 escolares de 5 a 14 anos ao ano ou a
7° ao 10° dia posterior à infecção, com pico en- prevalência de cardite reumática crônica menor
tre 4 a 6 semanas devendo este exame soroló- ou igual a 1:1.000 ao ano. Níveis maiores do
gico ser realizado 2 vezes com o intervalo de 15 que os citados, incluem o paciente no grupo de
dias para confirmar o caráter recente da infec- moderado a alto risco. A tabela abaixo resume
ção (PEREIRA et al, 2017; MARTINS et al, 2016; os critérios de acordo com os subgrupos de
SATO & SCHOR, 2010). risco citados (Tabela 17.1). Vale ressaltar que
Duas subdivisões iniciais são importantes nos casos de coreia sem etiologia definida apa-
para aplicar os critérios: surto inicial e reci- rente e isolada, o diagnóstico é feito na mesmo
diva; população de baixo risco e população de sem outras manifestações (PEREIRA et al,
moderado/alto risco. Para um surto inicial são 2017; GEWITZ et al, 2015).
Tabela 17.1 Critérios de Jones Revistos pela American Heart Association em 2015

População Critérios Maiores Critérios Menores

- Cardite (clínica ou subclínica);


- Cardite (clínica ou subclínica);
- Artrite (poliartrite, poliartralgia e/ou
- Artrite (apenas poliartrite);
monoartrite);
Risco baixo - Coreia;
- Coreia;
- Eritema marginado;
- Eritema marginado;
- Nódulo subcutâneo.
- Nódulo subcutâneo.

- Poliartralgia; - Monoartralgia;
- Febre (≥ 38,5 ◦C); - Febre (≥ 38 ◦C);
Risco - Elevação de VHS (≥ 60mm na 1 a hora) - Elevação de VHS (≥ 60mm na 1 a hora) e/ou
moderado/alto e/ou PCR ≥ 3 mg/dL (ou > VR indicado); PCR ≥ 3 mg/dL (ou > VR indicado);
- Intervalo PR prolongado, corrigido para a - Intervalo PR prolongado, corrigido para a
idade (só quando não houver cardite). idade (só quando não houver cardite).

Legenda: VR: valor de referência; PCR: proteína C reativa; VHS: velocidade de hemossedimentação. Fonte: Adaptado
de PEREIRA et al, 2017 e GEWITZ et al, 2015.

Diagnósticos Diferenciais venil, miocardite, prolapso de valva mitral,


Existem diversos diagnósticos diferenciais endocardite infecciosa, encefalites, reação a
para a Febre Reumática. Os seguintes diagnós- drogas, etc (GOLDENZON, et al 2016; GE-
ticos diferenciais podem ser considerados co- WITZ et al, 2015).
mo exemplos: artrite séptica, artrites reativas,
leucemia ou linfoma, anemia falciforme, lúpus Exames Complementares:
eritematoso sistêmico, vasculites, síndrome do A Febre Reumática se apresenta com ele-
anticorpo antifosfolípide, artrite idiopática ju- vação dos marcadores inflamatórios, velocida-

168
de de hemossedimentação (VHS) e proteína C- Profilaxia Secundária:
reativa (PCR), associados com níveis séricos de A profilaxia secundária é obrigatória e está
leucócitos possivelmente elevados e uma ane- relacionada com o uso prolongado de antibió-
mia leve. De forma a detectar uma infecção pré- ticos, que vão manter uma concentração inibi-
via pelo Streptococcus B-hemolítico do grupo- tória mínima para o EBHGA, impedindo reci-
A é utilizada a elevação da Antiestreptolisina- divas de febre reumática (PEREIRA et al, 2017).
O (ASLO). A confirmação pode ser obtida tam- A recorrência desses eventos pode agravar car-
bém com a cultura de orofaringe evidenciando diopatias prévias ou ocasionar o surgimento de-
colonização pela bactéria e testes rápidos de de- las. Nesse sentido, a melhor droga para a reali-
tecção de antígenos estreptocócicos. o anti- zação da profilaxia secundária é a Penicilina G
corpo Antidexirribonuclease B que mantém ní- Benzatina 1.200.000 U a cada 4 semanas, IM,
veis séricos elevados por um período maior, mas também podemos optar por: Penicilina V
sendo importante nas apresentações com Co- 250 mg, 2x/dia, VO ou Sulfadiazina 500 mg,
reia, visto que há um período maior para essa 1x/dia, para pacientes com menos de 27kg ou
apresentação clínica. Além disso, quando dis- 1g, 1x/dia para pacientes com mais de 27kg,
ponível é indispensável um exame de imagem VO. Para os pacientes alérgicos à penicilina e
com alta acurácia para rastreio de lesões cardí- sulfadiazina, podemos lançar mão da Eritromi-
acas valvulares, inclusive nas que ainda não se cina 250 mg, 2x/dias, VO, mas vale lembrar que
consegue auscultar, o Ecodopplercardiograma as reações anafiláticas graves devido ao uso da
(PEREIRA et al, 2017; GEWITZ et al, 2015; Penicilina Benzatina são muito raras (0,5 a
BORGES et al, 2005). 1/100.000 habitantes) (SILVA et al, 2018).
O tempo que vai durar a profilaxia secun-
Tratamento dária é variável, pois depende se o paciente pos-
Profilaxia Primária: sui ou não cardite. Segundo a Associação Ame-
A profilaxia primária requer a erradicação ricana de Cardiologia, em pacientes com lesão
das infecções de vias aéreas superiores (ex: fa- valvar residual moderada a grave, a profilaxia
ringoamigdalites) causadas pelo estreptococo será mantida até a quarta década de vida ou por
Beta-Hemolítico do Grupo A (EBHGA). Para toda a vida, e aqueles que não tiveram cardite
tal, recomenda-se: Penicilina G Benzatina (somente artrite ou coreia) deverão manter a
600.000 U para pacientes com menos de 27 kg profilaxia até os 21 anos de idade ou por pelo
e 1.200.000 U para pacientes com mais de 27 menos 5 anos após o último surto. Se o paciente
kg (IM, dose única); Penicilina V 250 mg, 2 a tiver regurgitação mitral leve ou cardite curada
3x/dia, VO, 10 dias (para crianças), 500 mg, 2 e baixo risco de contato com o EBHGA podem
a 3x/dia, VO, 10 dias (para adolescentes). suspender a profilaxia com 25 anos de idade ou
Agora, para os pacientes que são alérgicos 10 anos após o último surto (SILVA et al,
à penicilina, pode-se optar por uma das seguin- 2018).
tes opções: Estolato de Eritromicina 20 a 40 Tratamento Sintomático:
mg/kg/dia, 2 a 4x/dia, VO, 10 dias ou Etil-suc- Artrite:
cinato de Eritromicina 40 mg/kg/dia, 2 a 4 Os anti-inflamatórios não esteroidais, du-
x/dia, VO, 10 dias (máximo 1 g/dia) (SILVA et rante 7 a 10 dias, auxiliam na poliartrite, com
al, 2018). desaparecimento dos sintomas em 24 a 48 ho-
ras.

169
• Naproxeno, 10 a 15 mg/kg/dia O tratamento deve ser mantido por 8 a 12
• Indometacina 2 a 3 mg/kg/dia semanas (PEREIRA et al, 2017).
• Ibuprofeno 30 a 50 mg/kg/dia (PEREI- Outras opções são a Carbamazepina e Fe-
RA et al, 2017). nobarbital, e a Prednisona 1 mg/kg/dia (máxi-
Cardite: mo 60 mg/dia), por 2 semanas, sendo suspensa
Cardite moderada a grave costuma ser in- em 2 semanas.
dicação de corticosteroide. Estes são superio- Importante que os pacientes com coreia per-
res aos anti-inflamatórios não esteroidais para maneçam em ambientes com poucos estímulos
as manifestação agudas. externos, pois estes podem agravar os sintomas
• Prednisona 1 a 2 mg/kg/dia (máximo (SILVA et al, 2018).
60 mg/dia) em duas a três tomadas diárias, por
2 semanas. Reduzir dose gradualmente até a CONCLUSÃO
retirada, cerca de 20-25% semanalmente, com
o tempo total de tratamento de 2 a 3 meses. O presente capítulo dedica-se à apresenta-
• Na cardite grave pode ser utilizada ção dos principais pontos a respeito das mani-
Metilprednisolona 30 mg/kg/dia (máximo 1 g), festações da febre reumática e sua relação com
em 3 dias, inicialmente. os tratamentos propostos e seu prognóstico.
Se artrite e cardite concomitantes, não é ne- A febre reumática é uma doença que ocasio-
cessário o uso de anti-inflamatórios não este- na importantes alterações orgânicas, notada-
roidais (PEREIRA et al, 2017). mente as cardíacas, estando intimamente asso-
Limitação das atividades físicas é sempre ciada a condições sociais e econômicas de pau-
recomendado. périe. A doença inicia-se como uma manifes-
Considerar tratamento cirúrgico nos casos tação imunológica secundária e tardia a uma
em que o tratamento clínico não for suficiente faringoamigdalite por Streptococcus B hemolí-
para controlar a insuficiência cardíaca, porém a tico do grupo A e afeta especialmente crianças
maioria dos casos responde ao cortiçosteróide e adultos jovens. Seu tratamento é fundamen-
(SILVA et al, 2018). tado pela análise de uma combinação do quadro
Coreia: clínico apresentado pelo paciente e os fatores da
O tratamento visa a redução dos movimen- história da doença, concretizado, portanto,
tos involuntários, sem melhora dos sintomas através de critérios clínicos e exames
comportamentais. complementares. Posto isto, o prognóstico da
• Haloperidol 0,5 a 1 mg/dia, máximo 5 doença, assim como índices de morbidade e
mg/dia, em duas tomadas diárias – existe o risco mortalidade, depende da extensão das compli-
de síndrome extra-piramidal. cações inflamatórias agudas subsequentes,
• Ácido valpróico 30 mg/kg/dia, juntamente com a susceptibilidade genética
inicialmente 10 mg/kg/dia, aumentando 10 expressada pelo indivíduo e da adesão à profi-
mg/kg semanalmente. laxia antibiótica proposta.

170
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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GOMES, N. et al Caracterização Histológica das Lesões


da Valva Mitral de pacientes com Cardiopatia
Reumática. Arquivos Brasileiros de Cardiologia , 2021.

171
Capítulo 18

ABORDAGEM CLÍNICO-
EPIDEMIOLÓGICA DA
HIPERTENSÃO ARTERIAL
SISTÊMICA
DENIS PONTES MARINHO¹
SARAH DUTRA ROCHA2
ANTÔNIO ALBERTO BASTOS MOTA FILHO¹
JOÃO PEDRO NOBRE TOMAZ¹
IAGO ARAÚJO FÉRRER¹
GABRYEL CASTRO MAIA1
GABRIEL AUGUSTO ALVES GURGEL¹
ALEX ANDRADE MACIEL¹
EMMANOEL MARTINS FIGUEIREDO¹
PAULA BURLAMAQUI CASTELLO BRANCO MELO¹
BRAYON FREIRE BLANQUETT VIDAL¹
GABRIEL OLIVEIRA CAVALCANTE¹
1
Discente – Medicina do Centro Universitário Unichristus.
2
Discente – Medicina da Universidade de Fortaleza.

Palavras-chave:
Hipertensão arterial sistêmica; Risco cardiovascular; Tratamento.

172
INTRODUÇÃO de inclusão foram artigos que abordavam a hi-
pertensão arterial sistêmica como tópico princi-
A hipertensão arterial sistêmica (HAS) é pal, independentemente do idioma e da data de
uma condição clínica definida pela elevação publicação. Porém, vale ressaltar, que em rela-
persistente dos níveis pressóricos ≥ 140 e/ou 90 ção aos tópicos relacionados com a epidemio-
mmHg e causada por múltiplos fatores (MA- logia, critérios diagnósticos e o tratamento, fo-
LACHIAS et al., 2016). O nível pressórico que ram utilizados materiais mais recentes. Os cri-
define a cada estágio da HAS pode variar de térios de exclusão foram artigos que apenas ci-
acordo com o guideline, como por exemplo o tavam a hipertensão arterial sistêmica de forma
da Internacional Society of Hypertension superficial, artigos que não estavam disponíveis
(ISH), que classifica como estágio II níveis de na íntegra ou que não abordavam a proposta do
≥160 mmHg de pressão arterial sistólica (PAS) estudo com detalhes.
e/ou ≥100 mmHg de pressão arterial diastólica Após os critérios de seleção, restaram 30
(PAD), além de não possuir estágio III (UN- materiais que foram submetidos à leitura minu-
GER et al., 2020). A PA é caracterizada como ciosa para a coleta de dados. Os resultados fo-
a razão da PA sistólica (isto é, a pressão exer- ram apresentados de forma descritiva e dividi-
cida pelo sangue nas paredes arteriais no mo- dos em: Epidemiologia e fatores de risco, fisio-
mento em que o coração se contrai) e a PA di- patologia, quadro clínico e complicações, diag-
astólica (a pressão exercida pelo sangue nas pa- nóstico e classificação, tratamento e crises hi-
redes arteriais no momento em que o coração pertensivas.
relaxa) (OPARIL et al., 2018). A HAS é uma
doença de elevada prevalência e no Brasil RESULTADOS E DISCUSSÃO
atinge 32, 5% dos indivíduos adultos e mais de
60% dos idosos. Além disso, frequentemente se Epidemiologia
associa a distúrbios metabólicos e lesões de ór- A hipertensão arterial sistêmica (HAS) é
gãos-alvo (MALACHIAS et al., 2016). uma doença crônica com uma prevalência glo-
O objetivo do estudo foi realizar uma revi- bal bastante elevada, representando o principal
são de literatura sobre os principais aspectos da fator de risco evitável para doenças cardiovas-
hipertensão arterial sistêmica: epidemiologia e culares (MILLS, Katherine T; STEFANESCU,
fatores de risco, fisiopatologia, quadro clínico e Andrei; HE, Jiang, 2020). De acordo com es-
complicações, diagnóstico e classificação, tra- tudos, a prevalência global da HAS na popula-
tamento e crises hipertensivas. ção adulta era de 31, 1% (MILLS, Katherine T;
STEFANESCU, Andrei; HE, Jiang, 2020), re-
MÉTODO presentando uma faixa de 1,39 bilhão de pes-
Trata-se de uma revisão narrativa realizada soas.
no período de agosto até setembro de 2021 por Em uma revisão sistemática que abrangeu
meio de pesquisas nas bases de dados PubMed, 844 estudos, foi observado que a pressão sis-
Scielo, livros-textos, guidelines internacionais tólica média global foi de 122, 3 mmHg nas
e alguns protocolos disponibilizados pelo Mi- mulheres, enquanto que nos homens foi de 127
nistério da Saúde. Para a seleção dos trabalhos mmHg. Já em relação a pressão arterial dias-
nas bases de dados foram utilizados descritores tólica, a média foi de 76, 7 mmHg nas mulheres
com base no tópico a ser estudado. Os critérios e 78, 7 mmHg nos homens (ZHOU et al. 2017).
Isso mostra que a população masculina tem, em
173
média, uma pressão arterial mais alta do que a Fisiopatogenia
população feminina. Nesse mesmo estudo,
A hipertensão arterial é uma síndrome que
identificou-se que pressões arteriais mais altas
compreende aspectos genéticos, ambientais,
eram encontradas mais comumente em algumas
vasculares, hormonais, renais e neurais. Dentre
regiões, como no Sul Asiático, Europa Central
os aspectos genéticos, existe um pequeno grupo
e Oriental, além da África Subsaariana, en-
de pacientes hipertensos, cujas alterações en-
quanto que pressões mais baixas foram iden-
volvidas na gênese da hipertensão permitem
tificadas em algumas regiões da Ásia. (ZHOU
classificá-los com o diagnóstico de hipertensão
et al. 2017).
arterial hereditária monogênica, forma mende-
Tem-se a divisão da HAS em primária,
liana rara que corresponde a menos de 1% de
também denominada essencial, e secundária. A
todos os casos de hipertensão (SALMOND et
HAS primária é aquela na qual não há um me-
al., 1989; RAFIQ et al., 2010).
canismo secundário associado, ou seja, é algo
Logo, a hipertensão essencial possui uma
determinado geneticamente. Já a HAS secun-
origem fisiopatológica multifatorial, fruto da
dária é aquela na qual há um mecanismo por
interação entre poligenes e o ambiente, que a-
trás do desenvolvimento da pressão elevada,
feta mais de 20% da população adulta em países
como estenose da artéria renal, feocromocito-
industrializados. (ROSSKOPF et al., 2007;
ma, entre outros. (OPARIL et al. 2018). A ma-
RAFIQ et al., 2010).
ioria dos pacientes portadores de HAS apre-
Sendo um poligene um gene que influencia
sentam a forma primária, representando 90-
a descrição fenotípica de um indivíduo de ma-
95% dos indivíduos hipertensos (OPARIL et al.
neira individual e também conjunta com outros
2018).
genes de forma estritamente quantitativa, é sa-
Como já se sabe, a prevalência da HAS
bido que na hipertensão essencial os até então
aumenta com a idade, representando 27% dos
genes avaliados codificam elementos dos B-
pacientes com idade inferior a 60 anos e al-
adrenoreceptores, das aducinas, do sistema
cançando 74% dos pacientes com idade supe-
renina-angiotensina-aldosterona(SRAA), das
rior a 60 anos (LLOYD-JONES, Donald M, ;
subunidades de proteínas G, das proteínas que
EVANS, Jane C; LEVY, Daniel, 2005). No
regulam a sinalização das proteínas G, das
entanto, a faixa pediátrica não está isenta de ser
quinases Rho e dos receptores do tipo quinase
acometida. Estima-se que houve um cresci-
acolplados a proteína G, todavia não há ainda
mento de 1% para 11% na prevalência da HAS
um acordo sobre a função exata de cada um
nessa faixa etária (OLIVEIRA et al. 2021).
desses na origem da hipertensão essencial
Outro fator que também está bastante relacio-
(ROSSKOPF et al., 2007).
nado com a HAS é a obesidade. Estima-se que
De maneira inquestionável, o ambiente
60% dos indivíduos hipertensos apresentam,
corrobora para o aumento da pressão arterial.
pelo menos, 20% de excesso de peso (OLI-
Na dieta, o sódio em níveis elevados e a sen-
VEIRA et al. 2021).
sibilidade de cada indivíduo apresenta papel de
No Brasil, a HAS é um problema de saúde
grande importância no desenvolvimento da hi-
pública altamente relevante, uma vez que em
pertensão arterial, por meio da retenção de água
2017 a HAS foi responsável por 55.891 casos
intravascular. Além disso , são muito conheci-
de internações hospitalares e, em 2013, teve
dos os exemplos clínicos de pacientes perten-
relação direta com 24.230 óbitos (Ministério da
centes a grupos populacionais não hipertensos
Saúde, 2017).
174
que, ao mudarem para localidades de grande tensina tipo 2 e na desrregulação direta dos ba-
prevalência da doença, posteriormente se tor- rorreceptores, alterando sua função (CARVA-
nam hipertensos (SALMOND et al., 1989). LHO et al., 2001 FÖRSTERMANN; SESSA,
Outro fator bastante presente na gênese da 2012).
doença em muitos pacientes é o estresse psi- Por intermédio de um mecanismo endócri-
cossocial, que possui relação linear com o nível no clássico, porém não único de produção, os
da pressão arterial (TIMIO et al., 1988). rins produzem uma enzima que é liberada pelas
Seu mecanismo envolve vasoconstricções células justaglomerulares, quando estimuladas
repetidas, levando a um aumento da resistência pela redução do fluxo sanguíneo na arteríola
vascular periférica, por desbalanço do controle aferente renal e pela redução da concentração
do sistema nervoso autonômico com maior ati- de sódio na mácula densa, por exemplo. Essa
vação do sistema nervoso simpático, que resulta enzima denominada de renina, ao ser liberada
na produção de substâncias de mesma finali- na corrente sanguínea, interage com seu subs-
dade, como adrenalina, noradrenalina, corticoi- trato plasmático, o angiotensinogênio, o qual é
des endógenos e vasopressina, repercutindo ne- produzido no fígado, e se converte em um pep-
gativamente no equilíbrio coloidosmótico intra- tídeo denominado angiotensina 1, o qual é
vascular e adicionalmente na dessensibilização transformado na circulação pulmonar, por in-
do barorreflexo sistêmico, o que pode implicar termédio da enzima conversora de angiotensina
na manutenção dos níveis pressóricos elevados (ECA), em outro peptídeo com ação sistêmica
(MANCIA et al., 1989). vasoconstrictora, a angiotensina 2 (SEALEY et
Já o leito vascular sadio exerce funções fun- al. 1995). A angiotensina 2 atua no sistema car-
damentais para o controle do tônus da mus- diovascular e endócrino promovendo lesão vas-
culatura lisa dos vasos, todavia o paciente hi- cular, induzida por vasoconstricção, prolife-
pertenso apresenta mecanismos diversos e mul- ração endotelial e hipertrofia de células mus-
tifatoriais intravasculares que implicam na dis- culares lisas, degradação da matriz extracelular,
função endotelial e consequentemente na des- aumento da produção e circulação de espécies
regulação do tônus da musculatura desses va- reativas de oxigênio e citocinas pro-inflamató-
sos, sendo os principais instrumentos: redução rias, causando desenvolvimento e manutenção
na liberação dos fatores de relaxamento deri- da hipertensão arterial, todavia por feedback
vados do endotélio, como NO, EDHF e/ou esse peptídeo estimula as glândulas suprar-
prostaciclinas; redução da biodisponibilidade renais a secretarem aldosterona, a fim de redu-
desses fatores, principalmente NO; diminuição zir a excreção de água e sódio na urina, estabi-
da biodisponibilidade de L-arginina; alterações lizar a pressão sanguínea por retenção e reduzir
nas vias de transdução dos sinais dos fatores a produção renal de renina (Santos et al., 2012;
envolvidos no vasorrelaxamento; diminuição Thieme et al., 2017).
da sensibilidade do músculo liso vascular aos
fatores envolvidos no vasorrelaxamento; au- Quadro clínico
mento da produção dos fatores contractu-rantes
A avaliação clínica para descoberta do pa-
derivados do endotélio, como endoteli-na-1,
ciente hipertenso deve ser direcionada, o que
PGH2, tromboxano; aumento do estresse oxi-
confere importância à história clínica, ao exame
dativo, com consequente aumento na degrada-
ção do NO pela sua reação com o O2 e regu- físico e à avaliação laboratorial. (Consenso Bra-
lação negativa da enzima conversora de angio- sileiro de Hipertensão Arterial).

175
Dito isso, o sintoma mais comum e espe- sopro sistólico mais audível no foco aórtico po-
cífico no paciente hipertenso é a cefaleia suboc- de ser comum, demonstrando espessamento
cipital, com caráter pulsátil, a qual ocorre nas e/ou calcificação da válvula aórtica, além de
primeiras horas da manhã e vai melhorando uma segunda bulha A2 intensa e clangorosa
com o passar do dia, entretanto qualquer tipo de (OIGMAN, 2014).
cefaleia pode se apresentar no indivíduo hiper- É possível que a HVE acabe por ser tão
tenso (OIGMAN, 2014). desproporcional que pode se manifestar com
Além disso, a hipertensão arterial de evolu- episódios isquêmicos. Sendo a aterosclerose
ção acelerada (hipertensão maligna) está asso- coronariana é comum em hipertensos de longa
ciada diretamente a sintomas como sonolência, duração, pode-se concluir que os sintomas co-
confusão mental, distúrbio visual, náusea e vô- muns á aterosclerose coronária são frequentes
nos hipertensos, nada diferindo dos corona-
mito, os quais se devem por vasoconstrição ar-
rianos não hipertensos (OIGMAN, 2014).
teriolar e edema cerebral, caracterizando a en-
Cérebro: a circulação cerebral está comu-
cefalopatia hipertensiva (OIGMAN, 2014).
mente comprometida pela hipertensão arterial.
Podemos citar outros sintomas, como epis-
A nível fisiológico, os grandes vasos arteriais e
taxe e escotomas cintilantes, zumbidos e fadiga,
arteriolares cerebrais se contraem à medida que
sendo estes inespecíficos, ou seja, não são pato-
a PA aumenta, protegendo o tecido supraja-
gnomônicos para o diagnóstico da Hipertensão
cente. Portanto, a elevação súbita da PA pode
Arterial, todavia podem estar presentes (OIG- se manifestar por tontura, cefaleia, zumbido e
MAN, 2014). escotoma cintilante (OIGMAN, 2014).
Apneia Obstrutiva do Sono (AOS): ainda Também deve-se estar atento aos sintomas
existem muitas dúvidas acerca da AOS ser devido a encefalopatia hipertensiva como inten-
causa secundária da hipertensão arterial, entre- sificação da cefaleia, borramento visual e perda
tanto a presença caracteriza a dificuldade em de equilíbrio os quais, podem evoluir para con-
controlar a PA, sendo assim considerada uma fusão mental, crise convulsiva e estado de coma
causa de hipertensão arterial resistente. O pa- (OIGMAN, 2014).
ciente hipertenso com AOS apresenta sono- Rins: a sintomatologia originados da dis-
lência durante o dia e em geral também pode função renal estão relacionados à perda da mas-
apresentar ao exame físico obesidade abdomi- sa renal. Consequentemente, têm-se a diminu-
nal, apesar de muitos indivíduos com peso nor- ição de eritropoetina, levando ao sinal clínico e
mal possam apresentar essa mesma sintoma- laboratorial de anemia. Além disso, a lesão glo-
tologia (OIGMAN, 2014). merular ocasionando perda protéica, determina
uma urina espumosa, noctúria e uma baixa den-
Sinais e sintomas decorrentes do com- sidade urinária (OIGMAN, 2014).
prometimento de órgãos-alvo Retina: devido à hipertensão arterial, os va-
Coração: a hipertrofia ventricular esquerda sos da retina estão de maneira frequente com-
(HVE) pode provocar um quadro de disfunção prometidos. Esses vasos são facilmente ava-
diastólica. Como sinal clínico há o apareci- liados, portanto é possível perceber a gravidade
mento de um galope pré-sistólico (quarta bu- da lesão vascular arteriolar decorrente da hiper-
lha), podendo ser palpável, e presença de ictus tensão arterial. As lesões vão desde espasmos
não desviado para a esquerda. Além disso, um arteriolares até a expressiva rarefação de vãos,
o que caracteriza uma grande vasoconstricção
176
sistêmica, comum na hipertensão maligna comum a existência de estresse psicológico
(OIGMAN, 2014). agudo aliado a níveis pressóricos elevados, po-
rém estes não caracterizam a crise hipertensiva.
Complicações
Nesse caso, é recomendado que seja feito o tra-
Sabe-se que o aumento significativo no ris- tamento agudo do estresse psicológico.
co de desenvolver doenças cardiovasculares e
Diagnóstico e classificação
de se obter resultados renais adversos estão
associados intimamente com a presença de hi- Para avaliação inicial da HAS, é papel do
pertensão. Exemplificando algumas das com- médico realizar a confirmação do diagnóstico,
plicações que fazem parte desta relação temos a suspeita e identificação de causa secundária,
hipertrofia ventricular esquerda, acidente vas- além da avaliação do risco cardiovascular (CV).
cular cerebral isquêmico, hemorragia intracere- Além disso, é importante investigar lesão de
bral, doenças coronarianas isquêmicas e doen- órgão-alvo (LOA) e doenças subjacentes, a
ças renais (BASILE et al., 2021). partir de uma busca mais direcionada com exa-
Em valores quantitativos, a hipertensão aca- me físico, investigação clínica e laboratorial.
ba por ser o mais prevalente fator de risco modi- Inicialmente, a PA deve ser medida em am-
ficável para doença cardiovascular precoce, bos os braços, idealmente, por medição simul-
sendo ainda mais comum do que comporta- tânea. As medidas subsequentes devem ser afe-
mento tabagista, dislipidemia ou diabetes, os ridas no braço com maior PA. Há aumento do
quais ainda são considerados os principais risco cardiovascular caso diferença PAS en-tre
fatores de risco (Am J Hypertens. 1994;7). os braços > 15mmHg. Em certas populações,
Ademais, o sobrepeso/obesidade, uma ali- como idosos, diabéticos, uso de anti-hiperten-
mentação não saudável e a ausência de exer- sivos e disautonômicos, a PA deve ser medida
cício físico são fatores de risco que coexistem após 1 minuto e 3 minutos ficar em pé. Caso
com a hipertensão, portanto a presença de múl- PAS ≥ 20 mmHg ou PAD ≥ 10 mmHg dentro
tiplos ou mais de um fator de risco aumentam do 3º minuto em pé é definido como hipotensão
significativamente o risco de eventos cardio- ortostática. Essa situação está relacionada a um
lógicos adversos (BASILE et al., 2021). risco aumentado de mortalidade e eventos car-
Além desses, podemos observar através da diovasculares.
literatura que a crise hipertensiva é uma com- De acordo com a Diretriz Brasileira de Hi-
plicação grave da hipertensão arterial, cons- pertensão Arterial de 2020, define hipertensão
tituindo uma situação clínica na qual ocorre arterial quando a pressão arterial sistêmica
uma elevação de forma brusca dos níveis pres- (PAS) ≥ 140 mmHg ou pressão arterial dias-
sóricos, acompanhando sinais e sintomas (cefa- tólica (PAD) ≥ 90 mmHg em duas ou mais
léia, alterações visuais recentes e vasoespasmo consultas ou se o paciente já está em uso de
ao exame de fundo de olho). Por isso, é im- anti-hipertensivo. Em relação às diretrizes an-
portante ser feita uma adequada avaliação clí- tigas, a PA normal foi dividida em PA ótima e
nica, na qual inclui um exame físico detalhado pré-hipertenso.
e fundoscopia (Consenso Brasileiro de Hiper-
tensão Arterial).
Porém, ainda de acordo com a literatura
(Consenso Brasileiro de Hipertensão Arterial) é

177
Tabela 18.1 Classificação da hipertensão arterial sistêmica
Classificação PAS (mmHg) PAD (mmHg)
Ótima < 120 < 80
Normal 120-129 80-84
Pré-hipertensão 130-139 85-89
Hipertensão Grau 1 140-149 90-99
Hipertensão Grau 2 160-179 100-109
Hipertensão Grau 3 ≥ 180 ≥ 110

Em contexto de consultório, o diagnóstico sono, doença renal crônica, HA endócrina, além


deve ser realizado por medições repetidas, em da PA pós-prandial e hipotensão postural em
condições ideais, em duas ou mais visitas no pacientes não tratados.
intervalo de dias ou semanas. Em cada con-
Tabela 18.2 Definição de hipertensão arterial de acordo
sulta, idealmente, a PA deve ser aferida pelo com a pressão arterial no consultório, MAPA e MRPA
menos 3 vezes com intervalos de 1 a 2 mi-nutos.
Categoria PAS (mmHg) PAD (mmHg)
Em contexto fora do consultório, o diagnóstico
PA no consultório ≥ 140 ≥ 90
é realizado por meio da monitorização ambu-
MAPA 24 horas ≥ 130 ≥ 80
latorial de PA (MAPA) ou monitorização resi-
a. Vigília ≥ 135 ≥ 85
dencial de PA (MRPA), exceto em pacientes
com LOA ou doença CV, desde que essas b. Sono ≥ 120 ≥ 70

medidas sejam viáveis logisticamente e econo- MRPA ≥ 130 ≥ 80


micamente.
Em indivíduos com PAS ≥ 140 mmHg e
A solicitação da PA fora do consultório
PAD < 90 mmHg são definidos como por-
(MAPA ou MRPA) é recomendada em situa-
tadores de HA sistólica isolada, enquanto indi-
ções clínicas como hipertensão do avental bran-
víduos com PAS < 140 mmHg e PAD ≥ 90
co (HAB), hipertensão mascarada (HM), quan-
mmHg são portadores de HA diastólica iso-
tificação do efeito do tratamento, indivíduos
lada. Ambas possuem maior prevalência em
com resposta exacerbada da PA ao exercício,
uma situação clínica chamada de HA do aven-
grande variabilidade da PA no consultório e
tal branco (HAB), quando o paciente possui PA
identificação de possíveis causas de efeitos co-
elevada no consultório enquanto fora dele pos-
laterais dos anti-hipertensivos. Uma vantagem
sui PA normal. A hipertensão mascarada con-
do MAPA em relação à MRPA consiste na
siste na situação inversa. No consultório pos-sui
monitorização noturna e em condições do coti-
PA normal enquanto no MAPA ou MRPA
diano, então existe a indicação especialmente
possui PA elevada.
para esse método para avaliar a PA durante o
sono-vigília na pesquisa de apneia obstrutiva do

178
Tabela 18.3 Definição de normotensão, hipertensão arterial, hipertensão do avental branco e hipertensão mascarada
Consultório MAPA (vigília) ou MRPA
Normotenso < 140/90mmHg < 135/85 mmHg
Hipertenso ≥ 140/90mmHg ≥ 135/85 mmHg
Hipertensão do avental branco (HAB) ≥ 140/90mmHg < 135/85 mmHg
Hipertensão mascarada < 140/90mmHg ≥ 135/85 mmHg

Quanto ao seguimento clínicos, indivíduos pecíficos(BARROSO et al. 2020). De maneira


sau-dáveis com PA ótima ou PA normal devem geral, deve-se reduzir a pressão arterial buscan-
ter a PA devida anualmente em consultório. Pa- do alcançar valores menores que 140/90 mmHg
cientes pré-hipertenso devem ter a PA medida e não inferiores de 120/70 mmHg (UNGER et
anualmente, ou preferencialmente antes, devido al. 2020). Nos indivíduos mais jovens e sem
às altas taxas para progressão de hipertensão fator de risco, podem-se alcançar metas mais
arterial. Ademais, não esquecer de solicitar baixas com valores inferiores a 130/80 mmHg.
MAPA ou MRPA nos casos suspeitos de HM. O tratamento da HAS é composto por duas
O diagnóstico de HA não deve ser estabelecido frentes, farmacológica e não farmacológica, e a
exclusivamente em apenas uma medida, a me- decisão da terapia deve considerar também a
nos que esteja elevada em estágio 3 ou diag- presença de fator de risco, lesão órgão-alvo
nóstico de LOA ou de doença CV. Dessa forma, (LOA) e/ou doença cardiovascular(DCV) esta-
pacientes em não se enquadram nessa situação belecida, não vendo apenas a PA (BARROSO
de-vem ter medidas repetidas de PA em visitas et al. 2020). Para saber como e que gradação
sub-sequentes para confirmação da persistência tera-pêutica começar no tratamento do paciente
da PA, bem como estabelecer o estágio da HA. com hipertensão, deve-se primeiramente ter
Em crianças, a medida da PA é recomen- uma es-timativa do risco cardiovascular. Estes
dada em toda avaliação clínica após os 3 anos riscos são classificados em risco baixo,
de idade, pelo menos anualmente, devendo ser moderado, alto e até mesmo sem risco adicional
levado em conta a idade, sexo e altura. A HAS (BARROSO et al. 2020). Há um outro tipo de
é definida como pressão igual ou maior do que estra-tificação de risco cardiovascular que é a
o percentil 95 em pelo menos 3 ocasiões dis- global, em que determina o risco global de um
tintas. indi-víduo entre 30 e 74 anos desenvolver DCV
em geral nos próximos 10 anos, não sendo
Tratamento neces-sário paciente ser hipertensivo (FALUDI
Um dos objetivos específicos do tratamento et al., 2017). Feita a estratificação do paciente,
do paciente hipertenso é obter o controle pres- defini-se a meta pressórica de acordo com suas
sórico alcançando a meta de pressão arterial con-dições e, com isso, escolhe a medida anti-
(PA) previamente estabelecida. Esta meta deve hiper-tensiva adequada.
ser definida individualmente, sempre conside- Hipertensão de baixo risco ou moderado:
rando idade, presença de doença cardiovascular Estes pacientes devem ser avaliados tanto nos
ou seus fatores de risco, pois sabe-se que um níveis pressóricos significativamente elevados
dos principais desafios no tratamento da hiper- sem outros fatores de risco(hipertensão estágio
tensão é a realização do diagnóstico precoce 2) quanto nas elevações menores de PA (hiper-
devido à inexistência de sintomas precoces es- tensão estágio 1). Apesar de haver benefícios

179
para começar o tratamento anti-hipertensivo em eventos CV maiores, o que pode estabelecer
pacientes com hipertensão estágio 2, ainda não que o tratamento medicamentoso pode ser ini-
há estudos que tenham comprovação científica ciado em combinação com o tratamento não
sobre o tratamento do paciente hipertenso está- medicamentoso da hipertensão estágio 1 de bai-
gio 1 com baixo risco cardiovas-cular(CV). Po- xo risco cardiovascular(MALACHIAS et al.
rém, um estudo de ensaio clínico randomizado 2016). Em relação a meta pressórica, viu-se que
feita pela Heart Outcomes Prevention Evalu- o ideal seria atingir uma meta abaixo de 140/90
ation (HOPE-3), viu que tratamento anti-hiper- mmHg e, se for possível para o paciente, tentar
tensivo feito em pacientes com redução média atingir um valor próximo a 120/80 mmHg.
de 6 mmHg na PAS, teve redução em 27% dos

Tabela 18.4- Classificação dos estágios de hipertensão arterial de acordo com o nível de PA, comorbidades, LOA e
FRCV

PAS 130-139 e/ou PAS 140-159 PAS 160-179 PAS > 180
PAD 85-89 PAD 90-99 PAD 100-109 PAD > 110
(PRÉ-HIPERTENSÃO) (ESTÁGIO 1) (ESTÁGIO 2) (ESTÁGIO 3)
Sem outro Sem risco RISCO
RISCO BAIXO RISCO ALTO
FRCV adicional MODERADO
RISCO
1-2 FRCV RISCO BAIXO RISCO ALTO RISCO ALTO
MODERADO

≥ 3 FRCV RISCO MODERADO RISCO ALTO RISCO ALTO RISCO ALTO

PRESENÇA DE LOA,
RISCO ALTO RISCO ALTO RISCO ALTO RISCO ALTO
DCV, DRC OU DM

Tratamento não farmacológico: o trata- gida(BARROSO et al. 2020). Diante disso, in-
mento não farmacológico consiste na redução tervenções publicadas tanto na diretriz brasi-
dos fatores de risco no acompanhamento multi- leira de hipertensão arterial(2020) quanto na
profissional do paciente, o profissional médico diretriz internacional de hipertensão arte-
é um dos integrantes desta equipe, que irá ser rial(2020) mostraram mudanças a serem feitas
composta por nutricionistas, educadores físi- de acordo com os ensaios clínicos estudados
cos, enfermeiros e médicos de outras especi- como a alteração do padrão alimentar com
alidades (Malachias MVB, 2016). Sabe-se que acompanhamento de um nutricionista, práticas
para qualquer estágio da hipertensão, deve sem- de pelo menos 150 minutos de atividades físicas
pre tratar o paciente com MEV(mudanças do semanais, cessar tabagismo, diminuição da in-
estilo de vida), associando ou não com medi- gestão de sódio, ingestão moderada de bebidas
camentos anti-hipertensivos. Além disso, sabe- alcoólicas e perda de peso (Malachias MVB,
se que tabagismo, dieta não saudável e rica em 2016). Além de todas essas medidas é neces-
sódio, atividades físicas insuficientes consti- sário um acompanhamento com um médico
tuem o fatores de risco cardiovasculares estabe- cardiologista, visando otimizar as medidas não
lecidos e alvos de intervenções para o controle farmacológicas conciliando-as com o tratamen-
da pressão arterial, pois sabemos que só trata- to farmacológico.
mento medicamentoso, muitas vezes, não é su- Tratamento farmacológico: o tratamento
ficiente para que a meta pressórica seja atin- com medicamentos pode ser iniciado com mo-

180
noterapia ou com combinação de fármacos, po- (UNGER et al. 2020). Se BCC-DHP não tiver
rém, a fim de melhores resultados, se faz uso da disponível, pode usar um BCC não dihidropi-
combinação de hipertensivos. Em caso de mo- ridínico. Deve tomar cuidado com a espirono-
noterapia, a estratégia é usá-la em pacientes lactona ou outro diurético poupador de potássio
com HA estágio 1 com risco CV baixo ou com nos pacientes com TFG <45 ml/min/1.73 m² ou
PA 130-139/85-89 mmHg de risco CV alto ou com K+>4,5 mmol/L (UNGER et al. 2020).
para indivíduos idosos e/ou frágeis, a fim de Nunca associar IECA+BRA pelo risco de mor-
evitar efeitos adversos e reduções exorbitantes bimortalidade causado pela insuficiência renal
na pressão (BARROSO et al., 2020). Em rela- aguda(IRA) e hipercalemia aguda sem ter redu-
ção ao uso, há algumas diferenças no trata- ção dos desfechos cardiovasculares(Mann et al.
mento anti-hipertensivo dependendo do guide- 2008) Estudos recomendam que não deve pres-
line estudado, sendo detalhado a seguir na crever IECA ou BRA em mulheres grávidas ou
Figura 18.1. Quando se fala de baixa dose, sig- que estão planejando uma gravidez, justamente
nifica que é a metade da dose máxima reco- pelo risco de malformação fetal que pode levar
mendada(UNGER et al. 2020). Considera-se a insuficiência renal intrauterina, assim como
usar IECA ou BRA + DIU tiazídico em paci- os antagonistas dos receptores de mineralo-
entes muito idosos, insuficiência cardíaca, pós- corticoides, pelo bloqueio hormonal, e o ateno-
AVC e que são intolerantes ao BCC-DHP lol, pelo alto risco de restrição de crescimento
(UNGER et al. 2020). Considera-se usar IECA fetal relacionado com seu uso(AMERICAN
ou BRA + BCC-DHP ou então BCC-DHP + COLLEGE OF OBSTETRICIANS AND GY-
DIU tiazídico em pacientes da raça negra NECOLOGISTS et al. 2019).
Figura 18.1 Fluxograma do tratamento geral da HAS

Crises hipertensivas Para discernir entre a urgência e a emer-


gência hipertensiva deve-se verificar a presença
A crise hipertensiva é um termo guarda
ou não de lesão de órgão-alvo junto ao quadro
chuva para 3 conjuntos de distúrbios clínicos:
de aumento da pressão arterial. Está avaliação é
(1) Emergências hipertensivas; (2) Urgências
feita pelo exame físico, pesquisando a presença
hipertensivas e (3) Pseudo-crise hipertensiva.
de edema corporal, sangramentos, papiledema
O diagnóstico da crise é realizado pela
ao fundo de olho e alterações na ausculta car-
aferição da pressão arterial e constatado se:
dio-pulmonar.(VARON et al. 2021)
PAS>=180 mmHg e/ou PAD>= 120 mmHg.

181
As lesões de órgãos-alvo podem ser cardí- tervenção e monitoramento rígido (TAYLOR,
acas: (1) infarto agudo do miocárdio; (2) insu- 2015). Medicações de ação rápida, meia vida
ficiência cardíaca; (3) angina instável. Pulmo- curta e fácil manuseio são as preferidas (ARBE
nares: (4) Edema agudo de pulmão; (5) derrame et al. 2017). A recomendação, de uma maneira
pleural. Cerebrais: (6) Acidente vascular ence- geral, é a redução da pressão arterial em 25%
fálico; (7) rebaixamento do nível de consci- nas primeiras 2 horas, visto que reduções mais
ência. Renais: (8) lesão renal aguda. E por fim, bruscas podem levar a isquemia tecidual sub-
vasculares: (9) rompimento de aneurisma; (10) sequente (ARBE et al. 2017). A escolha indi-
dissecção de Aorta; (11) eclampsia. vidual do medicamento é recomendada, a de-
Por fim, a pseudo-crise hipertensiva é ca- pender do tipo de lesão orgânica presente, e
racterizada pelo aumento da pressão arterial de exemplos de drogas que podem ser utilizadas
modo a não causar lesões em órgãos alvo e são: nicardipina, nitroprussiato de sódio, nitro-
comumente relacionado a episódios de vigo- glicerina, metroprolol e hidralazina (ARBE et
roso envolvimento emocional (SOBRINHO et al. 2017).
al. 2007). Pseudo-crises hipertensivas podem se bene-
A abordagem da urgência hipertensiva ficiar de ansiolíticos, como benzodiazepínicos,
(UH) envolve observação por algumas horas assim como em crises hiperadrenérgicas, com-
com a terapêutica apropriada, monitorando pos- binados com antihipertensivos (ARBE et al.
síveis lesões de órgão alvo e alterações do nível 2017).
de consciência (TAYLOR, 2015). A adoção da
posição supina, em determinados estudos, foi CONCLUSÃO
demonstrada como um eficaz redutor da pres-
A hipertensão arterial sistêmica é uma do-
são arterial em alguns pacientes (ARBE et al.
ença com relevante prevalência mundial e alta
2017). Na escolha do tratamento, são reco-
morbidade. Além disso, frequentemente são ex-
mendados anti-hipertensivos de curta ação, pre-
postas novidades sobre essa patologia, como
ferencialmente por via oral em vez de sublin-
novos protocolos de diagnóstico e também de
gual, devido à sua ação mais lenta, e sua escolha
tratamento, sendo muito importante o profissi-
deve ser individualizada (ARBE et al. 2017).
onal de saúde procurar manter-se sempre atu-
Via de regra, a pressão arterial deve ser redu-
alizado. A partir de todos os aspectos expostos
zida entre 20-25% nas primeiras horas ou dias,
no presente estudo, é fundamental ressaltar a
considerando-se sistólica <= 160 mmHg e/ou
importância de conhecimento acerca de sua pre-
diastólica <= 100 mmHg valores seguros para
venção, diagnóstico e tratamento com o fito de
seguir o manejo ambulatorial, e algumas drogas
diminuir a sua prevalência e em caso de aco-
que podem ser utilizadas são labetalol, capto-
metimento, minimizar as suas consequências
pril, enalapril, carvedilol e amlodipina (ARBE
que podem ser catastróficas para o paciente. A
et al. 2017). Anti-hipertensivos parenterais
hipertensão arterial sistêmica continua exigindo
agressivos e altas doses de medicamentos orais
bastante atenção para a formulação de novos es-
devem ser evitados por risco de isquemia (RO-
tudos e também de programas de conscientiza-
DRIGUEZ et al. 2010).
ção da população em geral para uma melhor
A terapêutica da emergência hipertensiva
prevenção em todas as instâncias do setor de sa-
envolve medicamentos parenterais, rápida in-
úde.

182
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million participants.

184
Capítulo 19
INFARTO AGUDO DO
MIOCÁRDIO NA GESTAÇÃO:
PREVENÇÃO, DIAGNÓSTICO
E MANEJO ADEQUADO

ANA VIRGÍNIA OLIVEIRA BRITO E OLIVEIRA¹


DANIELLA GOMES CRUZ¹
JÉSSICA SHELLER PEREIRA VIANA¹
LARISSA JÚLIA COSTA FURTADO¹
LUANA MENEZES AZEVEDO¹
LUCAS DE ARAUJO LOPES¹
MARIA BEATRIZ NEVES GONÇALVES¹
MARIA CLARA NONATO SOARES GOMES¹
MATHEUS GOMES VIEIRA¹
NAIARA OLIVEIRA FIGUEIREDO¹

1
Discente – Medicina da faculdade Ciências Médicas de Minas Gerais – FCM MG

Palavras-chave:
Fator de risco na gestação; IAM na gestação; Hipercoagulação na gravidez; Revascularização.

185
INTRODUÇÃO ticado com a frequência necessária, uma vez
que a suspeição é baixa e seus sinais e sintomas
O Infarto Agudo do Miocárdio (IAM) du- podem ser confundidos com manifestações nor-
rante a gravidez é uma complicação rara, mas mais da gravidez, além disso, o diagnóstico e
que vem aumentando significativamente nos úl- tratamento não estão isentos de proporcionar
timos anos, além de possuir um grande poten- riscos para o feto. Dessa forma, opta-se por mé-
cial de risco para a vida materna e fetal. Dessa todos não invasivos que apresentem um baixo
forma, tem-se que essa patologia relacionada perigo de complicações para o feto, quando
com a gestação possui uma incidência de apro- possível (KEALEY, 2010).
ximadamente de 3 a 10 casos por 10.000 partos Portanto, tendo em vista a relevância dessa
e está associada à 5 a 7% de casos fatais mater- temática, o presente estudo tem por objetivo
nos com graves riscos para o feto em desenvol- ressaltar a importância da detecção precoce em
vimento (SMILOWITZ et al., 2018). O IAM conjunto com um tratamento adequado, para
gestacional pode ocorrer em todos os estágios que assim seja possível uma redução significa-
da gravidez, no entanto, é mais comum no ter- tiva das complicações geradas pelo IAM na gra-
ceiro trimestre, uma vez que há um aumento das videz e seus riscos associados.
alterações hormonais e hemodinâmicas do
sistema cardiovascular e do estado de hiperco- MÉTODO
agulabilidade que corroboram para o surgi-
mento do IAM (DAI et al., 2021; SMILO- O presente estudo foi elaborado a partir de
WITZ et al., 2018). uma revisão sistemática realizada no período de
Além disso, tem-se que o infarto agudo do Agosto até Setembro de 2021, por meio das ba-
miocárdio na gestação possui razões multifato- ses de dados Medline e UpToDate. Foram uti-
riais como diabetes mellitus, hipertensão, obe- lizados os descritores: “Infarto Agudo do Mio-
sidade, hiperlipidemia e abuso de tabaco em cárdio na Gravidez”, “Gravidez” e “Complica-
pessoas que possuem potencial para engravidar. ções cardíacas na gravidez”, nos idiomas in-
Outrossim, observa-se que a maternidade tardia glês e português. Desta busca, encontraram-se
também está se tornando um fator de risco para 13 artigos que posteriormente foram submeti-
o surgimento de IAM na gravidez, uma vez que dos aos critérios de seleção.
há um aumento dos riscos tradicionais para o Os critérios de inclusão para este estudo fo-
advento da aterosclerose, além de maiores alte- ram: artigos nos idiomas inglês e português; pu-
rações hemodinâmicas que a idade elevada po- blicados no período de 2010 à 2021 e que abor-
de proporcionar (BALGOBIN et al., 2020). Ou- davam as temáticas proposta para esta pes-
tros fatores fisiopatológicos como dissecção da quisa, estudos do tipo revisão e metanálise dis-
artéria coronária espontânea associada à gravi- ponibilizados na íntegra. Os critérios de exclu-
dez, espasmos coronários e trombos coronários são foram: artigos que abordavam gravidez ge-
também podem aumentar a incidência de IAM melar, relato de caso em que a paciente já pos-
na gravidez, ratificando então as razões para o suía alguma doença cardíaca antes da gravidez,
aumento desta patologia durante a gestação estudos disponibilizados na forma de resumo,
(BARIS et al., 2020). que não abordavam diretamente a proposta es-
Ademais, tem-se que o diagnóstico de IAM tudada, por exemplo, artigos que discutiam ou-
durante a gravidez é desafiador e não diagnos- tras doenças coronarianas que não fosse o IAM

186
e que não atendiam aos demais critérios de in- pré-natal (BALGOBIN et al., 2020). Em decor-
clusão. rência dessas condições sociais, biológicas e
Este artigo dispensou aprovação no Comitê ambientais as principais causas de IAM na gra-
de Ética em Pesquisa (CEP), já que se trata de videz são devidas à aterosclerose tradicional,
um artigo de revisão de literatura (Resolução nº dissecção coronária, trombose, vasoespasmo
510 de abril de 2016 do Comitê Local). coronário e eventos embólicos (BALGOBIN et
Após os critérios de seleção restaram 5 arti- al., 2020).
gos que foram submetidos à leitura minuciosa Os episódios de IAM materno são mais co-
para a coleta dos dados. Os resultados foram muns no pré-parto, seguido entre os períodos
apresentados de forma descritiva, abordando periparto e pós-parto. Entretanto, a causa dos
principais etiologias, diagnóstico em conjunto infartos nos intervalos peri e pós-parto está
com os exames utilizados, manejo e tratamento mais atrelada à gestação, devido a alterações
das pacientes grávidas com suspeita ou confir- fisiológicas ocorridas nesse período que
mação de IAM durante a gestação. propiciam a isquemia miocárdica. As mudanças
hemodinâmicas na gravidez aumentam os hor-
RESULTADOS E DISCUSSÃO mônios sexuais que elevam o débito cardíaco,
causam aumento do estado hipercoagulável,
O surgimento de novos episódios de IAM
pois aumenta a concentração de fibrinogênio e
na gravidez está associado com alterações do
fatores de coagulação e, por conseguinte,
perfil da população mundial atual, como o au-
podem levar ao enfraquecimento progressivo
mento da idade da mulher para iniciar uma ges-
do tecido conjuntivo, aumento de fluxo com
tação, o aumento do número da população obe-
cisalhamento vascular e dissecção espontânea
sa e o elevado índice da síndrome metabólica.
da artéria coronária (GIBSON et al., 2017).
Ademais, soma-se a esses fatores os riscos que
Já os eventos de morte de gestantes em de-
predispõem ao IAM em qualquer fase da vida,
corrência do IAM são mais comuns no período
tais como obesidade, hipertensão, diabetes mel-
pós-parto. Sendo que é menos provável que
litus e dislipidemia (GIBSON et al., 2017). Por-
ocorra no trabalho de parto, uma vez que, é um
tanto, múltiplas comorbidades, a presença de
curto período de tempo tendo em vista o tempo
fatores modificáveis como o abuso de substân-
total de gestação. Consoante a isso, a explica-
cias e tabaco e quadro positivo de pré-
ção fisiológica para a ocorrência mais fre-
eclâmpsia derivado de uma hipertensão são
quente no pós parto é em decurso do aumento
causas que contribuem para a mortalidade na
significativo e rápido da pré carga do retorno de
população de gestantes com IAM (BALGOBIN
sangue para o sistema cardiovascular da mãe
et al., 2020).
que antes nutria o feto por meio da placenta.
As determinantes sociais também exercem
Portanto, acontece uma sobrecarga que pode
influência sobre o acometimento de IAM em
culminar em IAM e arritmias (BALGOBIN et
mulheres grávidas, uma vez que gestantes com
al., 2020). O momento do óbito ocorre no ins-
status socioeconômico mais baixo podem ser
tante do infarto ou em até duas semanas após o
submetidas a atendimento médico tardio e não
ocorrido (WAKSMONSKI, LASALA 2019).
serem assistidas de forma adequada, bem como
A maior parte dos casos de IAM ocorrem
não ter sido oferecido a elas uma atenção pri-
no terceiro trimestre gestacional ou no período
mária de qualidade e um bom acompanhamento

187
pós-parto, sendo que o acometimento da parede trocardiograma, biomarcadores cardíacos, eco-
anterior corresponde a mais de 50% dos casos. cardiograma e da angiografia coronária. No ele-
Além disso, tal acometimento é independente trocardiograma feito em gestantes são normal-
da etiologia do IAM, seja ele de origem ateros- mente encontradas depressões do segmento ST,
clerótica ou devido à Síndrome Coronariana inversões de onda T e desvio do eixo esquerdo.
Aguda. Ademais, a fração de ejeção do ventrí- As depressões do segmento ST geralmente são
culo esquerdo foi de 40% em 54% dos casos, oriundas da administração de anestesia, ansie-
30% em 24% dos casos e 20% em 9% dos ca- dade, hiperventilação, alterações no tônus auto-
sos. A causa mais comum de IAM no primeiro nômico durante o parto e também da adminis-
trimestre da gestação é a aterosclerose associ- tração de ocitocina. Já as elevações de ST não
ada a fatores de risco vascular. No segundo tri- são comuns na gravidez normal e exigem ime-
mestre, as causas mais frequentes são a ateros- diata investigação (ISMAIL et al., 2016).
clerose e a trombose. Já no terceiro trimestre, A elevação da troponina, biomarcador car-
têm-se a síndrome coronariana aguda como a díaco, sugere dano no miocárdio subjacente.
principal do IAM e uma pequena parcela ocorre Em quadros de pré-eclâmpsia e hipertensão
devido a espasmos coronários gestacional, a troponina pode apresentar-se le-
(EDUPUGANTI, GANGA, 2019). vemente elevada. Porém, se houver ausência
A apresentação clínica das gestantes pode dessas condições associadas e elevação da tro-
variar, podendo ter os sinais clássicos e presen- ponina I, sugere-se fortemente doença corona-
tes na população geral, como desconforto no riana primária. Além disso, nas primeiras 24
peito na parte anterior do tórax ou na área epi- horas do pós-parto ocorre um aumento da cre-
gástrica e radiação da dor para os ombros, bra- atina quinase (CK MB) seguida por um declí-
ços, mandíbulas ou costas, além disso falta de nio. A CK MB pode elevar-se em até quatro ve-
ar e náuseas também são comuns. É possível zes de seu limite superior normal, fato que a
conter variação dos sintomas em se tratando de torna menos específica para o diagnóstico de
mulheres e gestantes, visto que pode haver ca- IAM gestacional (ISMAIL et al., 2016).
racterísticas atípicas tais como dispneia ou náu- Sabe-se que as alterações fisiológicas na
sea, ausência de desconforto no peito, palpita- gravidez podem ser refletidas no Ecocardio-
ções, síncope ou parada cardíaca. Todavia, o di- grama da gestante, uma vez que ocorre um au-
agnóstico deve ser feito de maneira rápida, a mento do débito cardíaco, devido ao aumento
fim de se obter um bom prognóstico. Porém, as da pré-carga associada à diminuição da resis-
manifestações atípicas podem dificultar a sus- tência periférica. Com isso, o ventrículo esquer-
peição por IAM e direcionar a clínica e conduta do torna-se mais hipertrofiado. Outrossim, ges-
tendo como diagnóstico sinais e sintomas fisio- tantes com pré-eclâmpsia e multíparas também
lógicos da gestação. Outrossim, a apresentação apresentam um aumento adicional da massa do
clínica pode se assemelhar ao refluxo gastro- ventrículo esquerdo. Já anormalidades régio-
esofágico que é muito comum na gestação nais de movimento do ventrículo não são obser-
(WAKSMONSKI, LASALA 2019). vadas em gestações normais, portanto, consti-
Quanto ao diagnóstico da Síndrome Coro- tuem-se como um achado que indica lesão mi-
nariana Aguda na gravidez, é importante res- ocárdica e isquemia, além de auxiliarem no
saltar que pode ser investigado por meio do ele- prognóstico para outros eventos cardíacos. Por

188
fim, a angiografia coronariana é o padrão ouro são muito empregados em casos de emergên-
no diagnóstico da doença arterial coronariana. cias cardíacas durante a gravidez. São conside-
Entretanto, há maior incidência de dissecção ia- rados seguros na gestação e necessitam de terá-
trogênica da coronária em gestantes. Sendo as- pia antiplaquetária dupla de curta duração.
sim, medidas como evitar a intubação pro- Dessa maneira, são os mais apropriados a serem
funda por cateter, menor número de injeções de utilizados no terceiro trimestre gestacional,
contraste de baixa pressão e limitação da utili- posto que o seu uso permite que a terapia anti-
zação de fios-guia, dispositivos de sucção e ba- plaquetária seja interrompida no momento do
lões, devem ser realizadas, a fim de evitar a parto, fato que reduz as potenciais complica-
ocorrência de dissecção. O ultrassom intravas- ções relacionadas a hemorragias no período
cular ou a tomografia de coerência óptica po- próximo ao parto (ISMAIL et al., 2016).
dem ser utilizados para evitar tal evento (IS- Na interrupção da terapia antiplaquetária
MAIL et al., 2016). dupla no momento do parto é importante que o
Quanto ao manejo do IAM na gestação, a segmento ST seja atentamente observado, posto
heparina é considerada o anticoagulante mais que existe risco de elevação e de eventos isquê-
seguro, uma vez que se liga facilmente às pro- micos nesse quadro protrombótico. O uso de as-
teínas, atravessando a placenta de forma míni- pirina em baixa dose no momento perioperató-
ma, o que reduz o risco de sangramento fetal. rio está associado ao menor risco de sangra-
Ademais, é utilizada de forma não fracionada mento excessivo. Não é aconselhado a realiza-
intravenosa. Já a aspirina e o clopidogrel são os ção de terapia trombolítica como terapêutica no
antiplaquetários mais usados, sendo que os es- IAM gestacional, uma vez que foram relatadas
tudos apresentaram maiores benefícios em de- complicações como: hemorragia, parto
trimento dos malefícios em relação ao uso da prematuro, perda fetal, aborto espontâneo, des-
aspirina. Alguns relatos de caso demonstram colamento placentário, sangramento uterino e
uma associação do clopidogrel e a ocorrência hemorragia no pós-parto. Ademais, a terapia
da trombocitopenia materna e hemorragia ma- trombolítica pode ser bastante prejudicial, cau-
terna e fetal, porém, sua classe medicamentosa sando aumento do risco de sangramento, além
ainda é amplamente utilizada. Os estudos apon- de progredir a dissecção coronariana. Por esse
tam que o acesso radial é preferencialmente uti- motivo, é raramente feita (ISMAIL et al., 2016).
lizado, uma vez que possibilita maior conforto Não obstante, algumas grávidas em traba-
às pacientes devido ao útero gravídico e à maior lho de parto necessitam de intervenção de indu-
dificuldade de posicionamento, aliviando assim ção de parto a partir de infusão de ocitocina. Po-
a compressão uterina da veia cava inferior rém, a administração deve ser feita de forma
(EDUPUGANTI, GANGA, 2019). monitorada e segura, com o fito de não acon-
A escolha do stent na gestação deve ser feita tecer depressão do segmento ST, isquemia mio-
levando-se em consideração a proximidade en- cárdica, arritmias e a possível morte materna.
tre a realização do procedimento e o momento Diante disso, o parto sem indução, seguindo seu
do parto. Os stents eluídos são preferencial- curso natural, é mais interessante. Isso porque
mente utilizados quando o parto ainda ocorrerá outros medicamentos indutores, como análogos
depois de 3 a 6 meses (EDUPUGANTI, GAN- sintéticos da prostaglandina também podem
GA, 2019). Além disso, os stents de metal puro

189
oferecer risco de vasoespasmo coronário e ar- uso de heparina. Isso posto, a paciente deve ter
ritmias à mãe. Outrossim, a via de parto tam- um acompanhamento multidisciplinar para
bém infere no prognóstico, pois o parto natural averiguar qual melhor conduta e terapêutica, vi-
além de oferecer benefícios imunológicos ao sando a evitar hemorragia pós-parto e neuroa-
recém-nascido, acarreta menos riscos de xial, em detrimento da trombose coronária (IS-
complicações no peri e pós-parto quanto a MAIL et al., 2016).
hemorragias, eventos tromboembólicos e
infecciosos (ISMAIL et al., 2016). CONCLUSÃO
Outra consideração a ser feita é a respeito
O IAM na gestação possui complicações
da anestesia para o parto que é recomendado
que podem ser prejudiciais tanto para mãe
que seja analgesia neuroaxial (raquianestesia,
quanto para o feto, dessa forma, é imprescindí-
epidural, raquianestesia combinada) para traba-
vel a identificação dos fatores de risco pelo mé-
lho e para cesariana. Caso houver necessidade
dico assistente da gestante, para que assim seja
de se realizar uma cesariana em momento de
possível realizar a prevenção de forma ade-
emergência a analgesia peridural pode ser com-
quada. Além disso, outro quesito importante é a
vertida em anestesia peridural, e dessa forma, é
dificuldade no diagnóstico dessa patologia,
possível evitar anestesia geral. Isso é interes-
uma vez que na gestante o IAM pode ter apre-
sante de deve ser considerado, porque a anes-
sentação clínica diferente dos demais indiví-
tesia neuroaxial para cesarianas causa menos al-
duos, o que pode retardar o tratamento e com
terações hemodinâmicas se comparada à anes-
isso levar a complicações irreversíveis para a
tesia geral, além de sua recuperação ser mais rá-
gestante e para o feto. Portanto, faz-se neces-
pida. Porém, o malefício é o risco de formação
sário a realização de um maior número de es-
de hematoma espinhal-epidural e comprometi-
tudos com amostras significativas em relação,
mento neurológico em pacientes recebendo te-
principalmente, ao diagnóstico e tratamento do
rapia antiplaquetária dupla. Sendo assim, para
IAM na gravidez, tendo em vista que atual-
evitar essa complicação, o clopidogrel deve ser
mente, essa patologia está deixando de ser um
evitado de 5 a 7 dias antes de se realizar a anal-
evento raro e tornando-se cada vez mais co-
gesia e não há necessidade de se descontinuar o
mum.

190
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191
Capítulo 20

O IMPACTO DA PANDEMIA NA
OFERTA DE SERVIÇOS EM SAÚDE
VOLTADOS A HIPERTENSÃO
ARTERIAL SISTÊMICA

BEATRIZ DE ALMEIDA NEGRAES¹


ANA BEATRIZ FLEURY CURADO PERES¹
ANNA KARLLA GOMES MOREIRA FARINHA¹
CAMILA MOREIRA CAETANO VAZ¹
GIOVANNA GARCIA DE OLIVEIRA¹
GIOVANNA PASQUALOTTO DE ANDRADE²
GUILHERME DE OLIVEIRA ARANTES3
JOÃO MARCOS BREY REZENDE MACHADO¹
OTAVIANO OTTONI DA SILVA NETTO4

1
Discente- Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Goiânia-GO, Brasil.
2
Discente- Universidade de Rio Verde - Campus Aparecida de Goiânia, Goiânia-GO, Brasil.
3
Médico- Universidade de Rio Verde - Campus Aparecida de Goiânia, Goiânia-GO, Brasil.
4
Docente- Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Goiânia-GO, Brasil.

Palavras-chave:
Hipertensão; Pandemia; Pressão arterial.

192
INTRODUÇÃO e sem estar em uso de medicação anti-hi-
pertensiva. A confirmação é aconselhável e
A pandemia de COVID-19, decretada pela pode ser feita pela Monitorização Ambulatorial
Organização Mundial de Saúde em março de da Pressão Arterial (MAPA), pela Monitoriza-
2020 gerou consequências no atendimento a ção Residencial da Pressão Arterial (MRPA) ou
pessoas com doenças crônicas, esses pacientes, pela Auto medida da Pressão Arterial (AMPA)
que necessitam de um cuidado continuado e (TORRES, 2020). Considera-se a HA uma
programado, passaram a ter dificuldade no condição multifatorial, com a associação de
acesso a serviços de saúde. Essa dificuldade se fatores genéticos e ambientais para sua
deu tanto em virtude da diminuição da oferta de determinação (OMENA, 2020).
alguns serviços em diversos momentos da pan- O grande desafio enfrentado com essa
demia, nos quais era necessário priorizar a as- doença é justamente o fato de estar relacionada
sistência aos pacientes com COVID-19 em es- com alterações importantes, fatais ou não, nos
tado grave, quanto pelos critérios de isolamento chamados órgãos-alvo (coração, rins, vasos e
social decretados e orientados pelo Ministério cérebro), provocadas pelo nível pressórico
da Saúde, que geraram receio e medo na elevado (GARCIA, 2020). Sabendo que a HA é
população em buscar o sistema de saúde e se um fator de risco modificável e que há altos
expor a possibilidade de contaminação pelo ví- custos de manejo dessas complicações, justi-
rus Sars-Cov-2 (LANA, 2020). fica-se, portanto, a importância do acompa-
Ademais, há estudos que evidenciam a nhamento contínuo desses pacientes afetados e
mudança do estilo de vida da população durante a necessidade de implantação de medidas
a pandemia como a redução da atividade física profiláticas (PEREIRA, 2020). Essas complica-
e aumento do tempo sedentário, redução do ções são representadas por doença arterial coro-
consumo de hortaliças e aumento de alimentos nariana, insuficiência cardíaca, fibrilação atrial,
utraprocessados, como congelados e salgadi- morte súbita, acidentes vasculares encefálicos
nhos. Tais mudanças poderão repercutir na qua- isquêmicos e hemorrágicos, demência, doença
lidade de vida e saúde da população, resultando renal crônica e doença arterial obstrutiva peri-
em uma epidemia de mortes evitáveis entre férica. As lesões de órgão-alvo, associadas ao
portadores de Doenças Crônicas Não Trans- nível pressórico médio do paciente, permitem a
missíveis (DCNT) (MALTA, 2021). estratificação em baixo, moderado e alto risco,
Dentre as DCNT de grande importância o que norteia as metas terapêuticas (DIAS,
destaca-se a Hipertensão Arterial Sistêmica 2021).
(HAS), uma das doenças crônicas mais comuns, O tratamento da HA consiste, primeira-
que afeta mais de 1 bilhão de pessoas em todo mente, em estratégias de mudança de estilo de
o Mundo, o que resulta em diversas com- vida, como o controle de peso (IMC), uma dieta
plicações com consequências significativas saudável (baixa quantidade de gordura e de
para a saúde pública (BARROS, 2020). sódio em até 2 g/dia, ingestão/suplementação
A HAS é caracterizada por níveis pressóri- de potássio), prática de 150 minutos por semana
cos persistentemente elevados, sendo a pressão de atividade física moderada, limitação da
arterial sistólica maior ou igual a 140 mmHg ingestão alcoólica e combate ao tabagismo,
e/ou a diastólica maior ou igual a 90 mmHg, além do manejo de fatores psicossociais, como
aferida em pelo menos duas ocasiões diferentes o estresse. Finalmente, o tratamento medica-

193
mentoso atua como auxiliar na redução da PA e (ECG)” e “Medida Ambulatorial da Pressão
dos desfechos cardiovasculares e será, na Arterial (MAPA)”.
maioria das vezes, recomendado (COSTA, Os resultados foram apresentados de forma
2021). descritiva e na forma de tabela (Tabela 20.1)
É primordial que indivíduos portadores de com base na âncora teórica da Diretriz Brasi-
HAS façam o uso contínuo e regular de leira de Hipertensão Arterial de 2020 e
medicações específicas e mantenham um estilo correlacionados com outros dados da literatura.
de vida saudável, sob risco de descontrole A busca por referencial teórico ocorreu nas
clínico da doença (BORGES, 2020). Sendo plataformas digitais Scielo, LILACS e
assim, este trabalho tem como objetivo expor o PubMed, bem como em livros científicos
impacto da pandemia no acesso à saúde desses recentes da área relativa ao tema. Foram
pacientes, desde o rastreio e diagnóstico ao utilizados os descritores: Hipertensão Arterial
acompanhamento dos portadores desta comor- Sistêmica”; “Pandemia”; “COVID-19”;
bidade. “Acesso a saúde”. Desta busca foram
encontrados 93 artigos.
MÉTODO Os critérios de inclusão foram: artigos nos
idiomas português, inglês e espanhol; publi-
Trata-se de um estudo epidemiológico
cados no período de 2019 a 2021 e que
observacional transversal no qual os dados
abordavam as temáticas propostas para esta
foram obtidos do Departamento de Informática
pesquisa, estudos do tipo revisão e meta-
do Sistema Único de Saúde (DATASUS) e
análise, disponibilizados na íntegra. Os critérios
selecionados do Sistema de Informações
de exclusão foram: artigos duplicados,
Ambulatoriais do SUS (SIA/SUS).
disponibilizados na forma de resumo, que não
O acesso ao SIA/SUS foi realizado no mês
abordavam diretamente a proposta estudada e
de setembro de 2021, desse sistema foram
que não atendiam aos demais critérios de
selecionadas informações sobre a produção
inclusão.
ambulatorial no Brasil por Região, Unidade da
Após os critérios de seleção restaram 15 ar-
Federação e Município a partir de 2008.
tigos que foram submetidos à leitura minuciosa
Nesta pesquisa, foram utilizados dados dos
para a coleta de dados. Os resultados foram
períodos de 2019, 2020 e 2021 (janeiro a ju-
utilizados como embasamento teórico para a
lho), as informações presentes neste trabalho
pesquisa realizada no SIA/SUS.
são referentes a quantidade de procedimentos
aprovados. A pesquisa se baseou nos seguintes
RESULTADOS E DISCUSSÃO
procedimentos: “Atividades educativas e
orientações em grupo na Atenção primária”; Em todo o mundo, a pandemia de COVID-
“Consultas médicas na Atenção Primária”; 19 resultou em mortalidade excessiva substan-
“Aferição da Pressão Arterial em caráter ambu- cial decorrente diretamente de insuficiência res-
latorial”; “Dosagem de Potássio”; “Dosagem de piratória. Ela exigiu grandes reorganizações das
Creatinina”; “Dosagem de Ácido úrico”; instalações de atendimento de emergência para
“Dosagem de triglicérides”; “Dosagem de He- acomodar a carga de trabalho adicional prevista
moglobina glicada”; “Eletrocardiograma com um rápido aumento em pacientes grave-
mente enfermos com COVID-19.

194
Assim, cardiologistas relataram quedas sos necessários para o tratamento da Covid-19,
substanciais no número de pacientes que o que acabou limitando o diagnóstico e trata-
apresentam síndromes coronárias agudas e no mento de outras doenças. Antes da pandemia,
número de procedimentos coronários de emer- era registrado em todas as regiões do mundo um
gência na Europa e nos EUA. As análises da declínio na mortalidade por doenças cardio-
Public Health England mostram uma redução vasculares devido aos avanços e maior acesso
de cerca de 30% nas chamadas de ambulância ao diagnóstico e tratamentos precoces
de emergência para dor no peito na Inglaterra e (EINSTEIN, 2021).
uma redução de mais de 52% nos atendimentos A Hipertensão Arterial tem alta prevalên-
do departamento de emergência para isquemia cia no Brasil e no Mundo, e representa um dos
miocárdica na Inglaterra em março de 2020, principais fatores de risco para Doenças Car-
com um aumento subsequente. diovasculares e renais, apesar de ser de fácil
Além disso, pesquisas de cardiologistas no diagnóstico e tratamento, seu controle no
Reino Unido e em outros lugares sugeriram Mundo é pífio (BARROSO, 2021), pois é uma
uma redução substancial na demanda por pro- doença frequentemente assintomática, o que di-
cedimentos coronários. Em 20 de março de ficulta a adesão dos pacientes aos cuidados ne-
2020, a British Cardiovascular Intervention So- cessários, dessa forma, a prevenção é a melhor
ciety emitiu orientações sobre medidas para opção em termos de custo-benefício.
abordar o efeito potencial do COVID-19 nos A abordagem adequada dos fatores de ris-
serviços de cardiologia (MAFHAM, 2020). co para prevenção da HAS, que também é um
Como a COVID-19 se espalhou por todos pilar do tratamento não medicamentoso da do-
os Estados Unidos nos primeiros meses de ença, é um dos focos da Atenção Primária em
2020, a prestação de cuidados agudos mudou Saúde. Como as Mudanças no Estilo de Vida
para acomodar um influxo de pacientes com (MEV) são de difícil implementação na soci-
uma infecção altamente contagiosa sobre a qual edade, os programas contínuos de educação em
pouco se sabia. Mensagens iniciais de saúde pú- saúde são uma estratégia fundamental para
blica aconselhavam a evitar o uso desnecessário conscientização e orientação da população (FI-
de cuidados de saúde para reduzir a transmissão GUEIREDO, 2018).
do vírus e garantir a capacidade de acomodar Além disso, as orientações em grupo na
surtos em casos COVID-19. Um relatório Atenção Primária são uma importante ferra-
inicial sugeriu que o uso de serviços de saúde menta do Programa de Hipertensão Arterial e
para condições eletivas e de emergência dimi- Diabetes (HiperDia), lançado pelo Ministério
nuiu durante este período. da Saúde por meio do Plano de Reorganização
As reduções no uso dos Departamento de da Atenção à Hipertensão Arterial e ao Diabetes
Emergência podem refletir falha de pacientes em 2001. Os grupos de Hiperdia nas Unidades
com condições graves ou potencialmente fatais Básicas de Saúde proporcionam, por meio do
em procurar atendimento, incluindo condições incentivo ao convívio social e do acesso ao
não relacionadas ao COVID-19, afetando ser- conhecimento quanto aos cuidados com a sa-
viços de saúde (JEFFERY, 2020). úde, a melhoria dos hábitos de vida dos pacien-
Os serviços de saúde enfrentaram uma tes hipertensos atuando também na forma com
situação sem precedentes por causa da pande- que se relacionam com suas demandas clínicas
mia, precisando disponibilizar todos os recur- (OLIVEIRA, 2020).

195
De acordo com dados do SIA/SUS, em aferida fora do consultório pois assim um maior
2020 foram realizadas apenas 7.254.642 número de medidas é obtido, é possível avaliar
atividades educativas e orientações em grupo na a PA durante atividades usuais dos pacientes,
Atenção Primária, quantidade inferior a 2019, pode-se identificar HA do avental branco e HA
quando foram realizadas 11.322.637 atividades, mascarada e pode-se gerar um maior engaja-
dessa forma estima-se que uma parcela mento dos pacientes com o diagnóstico e o se-
considerável da população deixou de receber guimento do tratamento (BARROSO, 2021).
orientações quanto à importância de controle do Como muitos pacientes não conseguem
peso, alimentação saudável, redução do con- aferir a PA em casa, seja por baixo nível
sumo de sal, prática de atividade física e cessa- socioeconômico ou por baixa escolaridade, a
ção do tabagismo e alcoolismo. aferição de PA deve ser um procedimento
A identificação, o manejo e o acompanha- amplamente acessível na Atenção Primária. As
mento do paciente com Hipertensão Arterial informações no SIA/SUS mostram que em
Sistêmica são serviços preconizados na Carteira 2020 foram realizadas 116.405.909 aferições
de Serviços da Atenção Primária a Saúde em caráter ambulatorial no SUS, em 2019,
(CaSAPS), dessa forma, no âmbito do SUS, os quando a oferta de serviços ainda não havia sido
pacientes com HAS são geralmente atendidos afetada pela pandemia, a quantidade de aferi-
na Atenção Primária, cuja oferta de serviços foi ções havia sido equivalente a 154.661.875.
afetada durante a pandemia por COVID-19. Em Além da avaliação clínica, a avaliação labo-
2020, de acordo com informações do SIA/SUS, ratorial rotineira é fundamental para pacientes
foram realizadas 54.188.197 consultas médicas hipertensos e deve incluir: dosagem sérica de
na Atenção Primária, no ano anterior, 2019, a potássio, ácido úrico, creatinina, glicemia de je-
quantidade de consultas havia sido de jum, triglicerídeos (TG), LDL-c e HDL-c; além
78.009.390, dessa forma, estima-se que muitos de um exame sumário de urina e um eletrocar-
pacientes com doenças crônicas que fazem diograma (ECG) - para detecção de hipertrofia
acompanhamento contínuo nas Unidades Bási- de ventrículo esquerdo. A partir do resultado
cas de Saúde deixaram de receber não apenas desses exames, juntamente com outros parâme-
orientações, mas também assistência médica tros clínicos e complementares, detecta-se pos-
nesse período. síveis lesões de órgão alvo (LOA) e estratifica-
A aferição da Pressão Arterial (PA) é uma se o paciente quanto ao risco cardiovascular
avaliação fundamental no controle do paciente (CV). Além disso, é de suma importância ava-
hipertenso e no rastreio dessa comorbidade em liar a função renal a partir do cálculo da taxa de
pacientes que ainda não possuem esse diagnós- filtração glomerular (TFG) estimada pela fór-
tico. Em todo atendimento médico e em progra- mula do Modification of Diet in Renal Diseases
mas estruturados de triagem populacional, a PA (MDRD) ou, preferencialmente, pela do Chro-
deve ser avaliada. Pesquisas apontam que mais nic Kidney Diseases Epidemiology Collabora-
de 50% dos portadores de HA que passaram por tion (CKD-EPI).
programas de triagem não sabiam que tinham a No contexto atual da pandemia de CO-VID-
doença (BARROSO, 2021). 19, a investigação laboratorial de pacientes com
A Diretriz Brasileira de Hipertensão Arte- HA pode ter sido prejudicada, uma vez que o
rial recomenda que além de ser avaliada nas foco do serviço de saúde foi praticamente
consultas médicas, é importante que a PA seja

196
voltado para o manejo de pacientes com CO- internações de pacientes graves infectados pelo
VID-19. Após pesquisa no DataSUS a respeito Sars-Cov-2 e, mesmo que feitos em pacientes
desses exames, nota-se uma diminuição signi- também hipertensos, tiveram, na maioria das
ficativa da realização de exames solicitados na vezes, a finalidade de controle da COVID-19.
avaliação de pacientes hipertensos do ano de Quando se compara a realização destes no
2019 para 2020, com redução aproximada de: primeiro semestre de 2020 e 2021, pode-se ve-
11% da dosagem de potássio, 17% da de creati- rificar um aumento destes números em 33% da
nina, 24% de ácido úrico, 29% de triglicerídeos dosagem de potássio, 31% da de creatinina,
e 28% da realização de ECG, como represen- 25% de ácido úrico, 31% de triglicerídeos e 5%
tado na Tabela 20.1. da realização de ECG. Analisados em números
Assim, é plausível inferir que com a sobre- absolutos, esses números igualam-se ou até su-
carga dos serviços de saúde no ano de 2020, peram os observados no primeiro semestre de
quando se iniciou a pandemia por COVID-19, 2019. Nesse sentido, este acréscimo pode já ser
em um contexto pré-vacinação no Brasil e no reflexo da vacinação no contexto do serviço de
Mundo, muitas doenças crônicas, como a HA, saúde, com a volta da assistência adequada e
foram negligenciadas quanto ao seu acompa- preconizada a toda população (BARROSO,
nhamento rotineiro. Dessa forma, muitos desses 2021).
exames realizados, presumivelmente, foram em
Tabela 20.1 Quantidade de exames aprovados em cada período
Dosagem de Dosagem de Dosagem de Ácido Dosagem de
Exame/ Período ECG
Potássio Creatinina úrico triglicérides
JAN-JUL 2021 12.907.581 23.066.572 6.056.007 12.817.874 5.162.797
JAN-JUL 2020 9.686.986 17.536.732 4.820.312 9.720.663 4.903.062

TOTAL 2020 18.319.824 32.625.260 9.300.672 18.840.282 8.981.067


JAN-JUL 2019 10.089.024 19.259.986 5.982.702 12.936.727 5.969.398

TOTAL 2019 20.395.777 39.296.450 12.151.227 26.258.870 12.304.105

Fonte: SIA/SUS

Outro exame muito importante para diag- a PA aferida em casa e no consultório, sendo
nóstico da HAS e muitas vezes para acompa- avaliado uma variabilidade da PA e é usado
nhamento do paciente hipertenso é a Medida também para uma avaliação do descenso du-
Ambulatorial da Pressão Arterial (MAPA). É rante o sono, ou seja, uma ausência de queda da
um exame que possui 24 horas de duração. O PA no sono. Além de fazer o diagnóstico de
equipamento utilizado é programado para aferir pressão alta, a MAPA avalia a suspeita da hi-
a pressão a cada cerca de 20min, permitindo pertensão do avental branco e seu efeito em
que seja avaliada as alterações de PA tanto du- quem já trata da pressão arterial (BARROSO,
rante a fase de vigília quanto na fase de sono, 2021).
sendo considerado padrão-ouro para diagnós- A realização desse exame foi muito afetada
tico da PA. pela pandemia, em 2019, de acordo com dados
As indicações para a realização da MAPA
ocorrem quando há uma grande diferença entre

197
do SAI/SUS foram realizadas 1.683.197 MA- consultas médicas na Atenção Primária, a aferi-
PAs, já em 2020, foram realizadas apenas ção da PA em caráter ambulatorial, os exames
756.641. laboratoriais, ECG e MAPA são fundamentais,
portanto, no rastreio e controle da doença.
CONCLUSÃO É necessário que com a desaceleração da
Este estudo observou que os serviços em pandemia no Brasil, haja o retorno da assistên-
saúde para rastreio, diagnóstico e manejo da cia adequada e preconizada a toda população
HAS tiveram sua oferta diminuída no contexto para tentar reverter os possíveis efeitos que a
da pandemia por COVID-19. A HAS é o prin- pandemia pode ter causado no atual panorama
cipal fator de risco modificável para Doenças do contexto da Hipertensão Arterial. Objeti-
cardiovasculares, Doença Renal Crônica e vando assim, o declínio na mortalidade por
morte prematura, dessa forma, otimizar o con- doenças cardiovasculares que vinha sendo
trole da HAS diminui os custo de morbidade e observado mundialmente em um contexto pré-
mortalidade ao Sistema de Saúde. Os serviços pandemia.
em saúde voltados para HAS, como as ativida-
des educativas, as orientações em grupo, as

198
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199
Capítulo 21

O IMPACTO DA PANDEMIA
CAUSADA POR SARS-COV-2
NOS TRANSPLANTES
CARDÍACOS
GISELI COSTELLA¹
VIRGÍNIA LEONARDI DAMBROS1
GLAZIELE RODRIGUES GARCIA¹
NÍCKOLAS LEONARDI DE SOUZA¹
GABRIELA PIENIZ DEBONI¹
PAULA DARONCO BERLEZI¹
MARIA LUIZA DALTOÉ RAUPP¹
LAURA HACKENHAAR HECK¹
VITÓRIA DE AZEVEDO¹
JOÃO MATAS KERN¹
ANA VICENZA RAYMUNDI DE OLIVEIRA¹
CARLOS EDUARDO GASPARETTO¹
1
Discente – Curso de Medicina da Universidade Luterana do Brasil

Palavras-chave:
Tranplante Cardíaco; COVID-19.

200
a rejeições por conta do desconhecimento de
INTRODUÇÃO medicamentos importantes que fizessem com
O transplante cardíaco entende-se por ser que o órgão implantado se tornasse funcio-
uma modalidade terapêutica que permite a re- nante, permitindo sobrevida (BARRO-SO,
versão de uma patologia crítica de um paciente 2002). Então, outro marco importante na histó-
com doença cardíaca, aplicada quando não há ria dos transplantes cardíacos se deu pela des-
mais tratamento possível. Os primeiros traba- coberta da droga imunossupressora Ciclospo-
lhos experimentais relacionados a essa prática rina, isolada de um fungo, que passou a ser uti-
iniciaram em 1905, pelo francês Aléxis Carrel, lizada uma década após o primeiro transplante,
entretanto somente 62 anos depois foi realizado sendo utilizada até hoje. Essa evolução resultou
o primeiro transplante cardíaco no mundo (RO- em um aumento de 75-80% da sobrevida dos
DRIGUES, 2008). Em 1967, na Cidade do Ca- transplantados (BARROSO, 2002).
bo na África do Sul, o cirurgião Christiaan Ne- Infelizmente, na época a demanda por cora-
ethling Barnard realizou o procedimento pela ções era maior que o número de doadores. Se-
primeira vez na história, em um paciente com gundo a Associação Brasileira de Transplantes
falência ventricular esquerda, que veio a óbito de Órgãos (ABTO) entre 1995 e 2000 foram re-
18 dias após a operação por conta de uma in- alizados 450 transplantes no Brasil (SAN-TOS,
fecção (SANTOS, et al., 2017). et al., 2017). O número cresceu de maneira
Seis meses após a tentativa na África do gradativa na primeira década dos anos 2000,
Sul, foi realizado o primeiro transplante cardí- tendo pouco mais de 100 transplantes por ano.
aco no Brasil, sendo o primeiro a ser realizado Já na segunda década, houve uma ascensão dos
na América Latina. Ele aconteceu no Hospital transplantes cardíacos, ultrapassando 300 trans-
das Clínicas da Faculdade de Medicina de São plantes anuais (SANTOS, et al., 2017). Hoje
Paulo, realizado por Euryclides Zerbini e Luiz são realizados 4000 transplantes cardíacos por
Venere Décourt (RODRIGUES, 2008). O mi- ano no mundo (RODRIGUES, 2008).
neiro de 50 anos, apelidado de João Boiadeiro, O número de transplantes cardíacos reali-
apresentava doença degenerativa e faleceu após zados no Brasil evoluiu gradativamente entre os
28 dias de cirurgia, por rejeição do órgão anos 2013-2019, tendo algumas oscilações. No
(AGÊNCIA BRASIL, 2018). ano de 2020, em que o mundo enfrentou a pan-
Em 1968, Bernard realizou seu segundo demia da Sars-CoV-2, o número de transplantes
transplante, dessa vez obtendo sucesso e crian- cardíacos teve uma queda (ABTO, 2021). O
do a técnica que é usada até hoje. Três dias de- objetivo deste estudo é avaliar o impacto do
pois dessa conquista, foi realizado o primeiro surgimento da pandemia de COVID-19 sobre
transplante em um recém-nascido, em Nova os transplantes cardíacos.
Iorque. O cirurgião, Kantrowitz, imaginou que O objetivo deste capítulo foi avaliar o im-
o sistema imunológico pouco desenvolvido do pacto do surgimento da pandemia de COVID-
bebê traria menos chance de rejeição. No em- 19 sobre os transplantes cardíacos.
tanto, o recém-nascido veio a óbito 6 horas após
MÉTODO
o transplante (RODRIGUES, 2008).
Em fase inicial, os óbitos que ocorreram po- Trata-se de uma revisão integrativa, reali-
dem ser atribuídos tanto a complicações quanto zada no período de mês de setembro a outubro

201
do ano de 2021, por meio de pesquisas nas ba- Por outro lado, as contraindicações de
ses de dados: Biblioteca do Ministério da Sa- transplante cardíaco buscam identificar condi-
úde, SciELO, PubMed, Elsevier, Google Aca- ções clínicas e comorbidades associadas a risco
dêmico, Boletins da Associação Brasileira de cirúrgico alto e/ou baixa sobrevida pós trans-
Transplantes (ABTO), entre outras bases de da- plante, incluem principalmente pacientes que
dos online. Foram utilizados os descritores: possuem idade maior de 70 anos, comorbidades
‘transplantes de órgãos’ AND ‘transplantes car- com baixa expectativa de vida, infecção sis-
díacos’, ‘pandemia’ AND ‘COVID-19’. Desta têmica, índice de massa corporal >35 kg/m2,
busca foram encontrados artigos, resumos e bo- doença cerebrovascular grave sintomática, do-
letins epidemiológicos, na qual após a leitura ença vascular periférica grave sem possibili-
dos respectivos títulos, posteriormente foram dade de revascularização e/ou reabilitação, do-
submetidos aos critérios de seleção. ença hepática ou pulmonar avançadas, doença
Os critérios de inclusão foram: artigos nos psiquiátrica grave, dependência química, dia-
idiomas português e inglês; sem delimitação de betes mellitus com lesões graves em órgão alvo
tempo, que abordavam as temáticas propostas e/ou controle glicêmico inadequado, embolia
para esta pesquisa. Os critérios de exclusão fo- pulmonar em menos de 3 semanas, tabagismo
ram: artigos que não abordavam diretamente a ativo, hipertensão pulmonar fixa, entre outros.
proposta estudada. No entanto, tem se discutido a idade limite
para a realização do procedimento, pois estudos
RESULTADOS E DISCUSSÃO mostram que maiores de 60 anos apresentam
menores taxas de rejeição após transplante car-
Ao indicar um transplante cardíaco deve-se
díaco e menor incidência de Doença Vascular
contemplar a relação do risco-benefício e ana-
do Enxerto, permitindo que haja controvérsia
lisar as implicações éticas, pois pelo fato de o
na literatura. A seleção dos candidatos ao trans-
coração ser um recurso escasso ele é ofertado
plante deve ser criteriosa, com identificação dos
preferencialmente àqueles com maior probabi-
fatores de risco e de enfermidades coexistentes.
lidade de sobrevida no longo prazo. O trans-
A avaliação do candidato ao transplante cardí-
plante cardíaco é recomendado principalmente
aco envolve acompanhamento periódico clíni-
para pacientes com insuficiência cardíaca (IC)
co, laboratorial, imunológico, hemodinâmico,
avançada na dependência de drogas inotrópicas
psicológico e social. Na avaliação clínica se
e/ou suporte circulatório mecânico, IC avan-
busca analisar a condição do paciente para o
çada classe funcional III persistente e IV com
procedimento cirúrgico, a presença de comor-
tratamento otimizado na presença de outros fa-
bidades contraindicadas, buscando deixar o
tores de mau prognóstico, IC avançada e VO2
paciente com melhores condições para o pro-
de pico ≤ 12 mL/kg/minuto em pacientes em
cesso. A avaliação imunológica é realizada por
uso de betabloqueadores, IC avançada e VO2
meio da identificação de imunocompatibilidade
de pico ≤ 14 mL/kg/minuto em pacientes into-
(ABO, PRA, tipagem HLA tecidual). Embora a
lerantes a betabloqueadores e arritmias ventri-
seleção dos doadores não se baseie nos
culares sintomáticas e refratárias ao manejo
antígenos leucocitários humanos (HLA), o
com fármacos, dispositivos elétricos e proce-
exame deve ser feito para análise retrospectiva.
dimentos de ablação, entre outros (BACAL, F.,
A reatividade contra painel (PRA) é feita para
et. al., 2018).
rastrear anticorpos pré-formados anti-HLA e

202
avaliar necessidade de prova cruzada prospec- espera para o transplante, pois apresentam
tiva e possibilidade de rejeição humoral após o maior probabilidade de morte. No entanto, con-
transplante. dições de cardiomiopatias restritivas, uso de
A gravidade da Insuficiência Cardíaca é fei- dispositivo de longa permanência e arritmias
ta por meio de teste cardiopulmonar, ecodop- incessantes apesar de estarem associadas a
plercardiograma, avaliação hemodinâmica pul- maior mortalidade e morbidade em fila, ainda
monar e eletrocardiograma de repouso. A ava- não são consideradas como prioridade.
liação funcional de múltiplos órgãos também é O fato de um paciente ser selecionado, ins-
realizada através de bioquímica de sangue, crito e ativado na lista de transplante cardíaco
PFH, PFR, PFT, lipidograma, urinálise, TFG, não significa que o transplante será realizado. A
proteinúria de 24 horas, PFP e gasometria, radi- seleção de um candidato é dinâmica e requer re-
ografia de tórax (PA e perfil), ultrassom abdo- avaliação contínua. Melhora clínica bem como
minal total, doppler carotídeo (se indicado ou aparecimento de comorbidades importantes po-
em > 50 anos), exame odontológico e exame of- dem adiar ou contraindicar o procedimento.
talmológico (se diabético). Também são ne- Os critérios de inclusão para seleção de do-
cessárias as sorologias para infecções, como a ador é o paciente com morte encefálica e con-
HBsAg, Anti-HBs, Anti-HBc, Anti-HCV, sentimento da família, idade inferior a 50 anos,
Anti-HIV, Anti-HTLV, VDRL, Chagas, IgM e compatibilidade ABO entre doador e receptor,
IgG para toxoplasmose, CMV e EBV. ausência de doença cardíaca prévia, peso com-
É realizado o rastreamento de neoplasia: patível e ausência de neoplasia maligna exceto
pesquisa de sangue oculto nas fezes (três amos- tumor cerebral primário. Os critérios de exclu-
tras), colonoscopia (se indicada e acima de 50 são são malformação cardíaca significativa ao
anos), mamografia (se indicada ou idade > 40 ecocardiograma, disfunção ventricular grave ao
anos), citologia cérvico-vaginal (se indicado, ecocardiograma, doença coronária significa-
idade ≥18 anos, sexualmente ativa), PSA (se in- tiva, septicemia ou SIRS (infecção localizada
dicado e homens > 45 anos). Além disso, são não é uma contraindicação), uso de catecolami-
realizadas consultas especializadas, quando ne- nas em altas doses (dopamina > 10 mcg/kg/min
cessário liberação de equipe para inclusão em ou noradrenalina > 2 mcg/kg/min) por tempo
fila (por exemplo: pneumologia, urologia e gi- prolongado (após correção da hipovolemia), in-
necologia, entre outros) (BACAL, F., et. al., fecção detectada à sorologia: HIV, hepatite B,
2018). hepatite C, HTLV I e II, alcoolismo acentuado
Pacientes listados ambulatorialmente de- ou uso de drogas endovenosas, paradas cardí-
vem ser periodicamente reavaliados, com avali- acas sem causas circunstanciais e incompatibi-
ação clínica e com marcadores prognósticos lidade imunológica (BACAL, F., et. al., 2018).
(teste cardiopulmonar, escores de sobrevida e O Brasil, em comparação aos outros países
biomarcadores). Quando houver melhora signi- da América Latina, é reconhecido pelo elevado
ficativa e sustentada do quadro clínico e da es- número de transplantes cardíacos realizados
timativa de sobrevida, a retirada do paciente da anualmente. Contudo, apesar da sua grande im-
lista de transplante deve ser considerada. portância, existem poucos estudos sobre sobre-
Os pacientes que necessitam de assistência vida, imunossupressão e complicações do TC
circulatória mecânica, suporte inotrópico ou no Brasil. Pode-se afirmar que a sobrevida me-
ventilação mecânica têm prioridade na lista de lhorou substancialmente desde o primeiro

203
transplante há 50 anos, principalmente após a (ABTO) em 2010, a probabilidade de sobrevida
introdução de inibidores de calcineurina e me- após o transplante era aproximadamente 75%.
lhor manejo das complicações relacionadas à Cinco anos depois notou-se uma redução de
imunossupressão (AVILA & BELFORT, 2021). 8%, regredindo para a casa dos 68%. Atual-
A curva de sobrevida após a realização de mente a curva apresenta 59% de chance de so-
transplantes cardíacos se apresenta em queda brevida, notando-se uma redução de 16% desde
nos últimos 10 anos. Segundo dados da Asso- o início da coleta de dados, no dia pri-meiro de
ciação Brasileira de Transplantes de Órgãos janeiro de 2020, como mostra o Gráfico 21.1

Gráfico 21.1 Sobrevida de pacientes pós transplante cardíaco entre os anos de 2010 a 2020

Fonte: Dados do Registro Brasileiro de Transplantes (RBT), veículo oficial da Associação Brasileira de Transplante de
Órgãos (ABTO).

Ao analisar a situação dos Transplantes car- mas cardíacos avançados (FIORELLI A I, et


díacos durante a pandemia do COVID-19, no al., 2019).
estudo “COVID-19 no Período Pós-operatório Nas fases avançadas da doença cardíaca o
Inicial de Transplante Cardíaco – Experiência transplante é a única forma de tratamento capaz
Inicial” é observado que, após a análise, durante de restaurar as funções hemodinâmicas, me-
o início do período pós operatório a doença se lhorar a qualidade de vida e a sobrevida. Toda-
manifesta de forma semelhante em pacientes via, ao lado das vantagens oferecidas pelo trans-
não receptores de TV previamente relatados plante existem limitações importantes que im-
com aqueles que contraíram a COVID-19 após pedem a sua extensão universal, dentre elas res-
realização de TC (GUERREIRO, et al., 2021). salta-se a carência de doadores viáveis, a imu-
Após o primeiro transplante cardíaco em nossupressão inespecífica, contraindicações
humanos em 1967, as pesquisas experimentais, médicas e psicossociais (FIORELLI A I, et al.,
desenvolvimento da circulação extracorpórea e 2019).
o desenvolvimento de imunossupressores na Contudo, o resultado satisfatório dos trans-
década de 70, possibilitaram que fosse possível plantes cardíacos depende da qualidade dos co-
salvar a vida de muitos pacientes com proble-
204
rações dos doadores. A avaliação desses cora- A esse respeito, vê-se que os transplantes
ções visa assegurar que seja capaz de manter cardíacos são bastante complexos e dependem
condições hemodinâmicas adequadas no recep- de muitos fatores para que sejam de fato com-
tor para garantir a sua sobrevivência e estar cretizados. Todavia, o conhecimento que é le-
isento de transmitir doenças infecciosas ou tu- vado para a população sobre a importância de
morais. Além disso, a histocompatibilidade en- se tornar um doador de órgãos para poder salvar
tre o doador e o receptor é avaliada pela com- outras vidas, fez o número total de transplantes
patibilidade obrigatória entre os grupos sangüí- cardíacos aumentar no período que precedeu a
neos ABO e a obtenção do resultado negativo pandemia de COVID-19, como é demonstrado
da prova cruzada de linfócitos do doador com o no Gráfico 21.2, nela pode-se ver que de 2009
soro do receptor (cross-match). Ademais, o a 2019 os transplantes cardíacos por milhões de
tempo de isquemia do coração não deve ultra- habitantes vinham de consecutivos aumentos
passar o limite de 4 a 6 horas para que o trans- (ABTO, 2019). De forma que, em 2017 e 2019
plante seja realizado com segurança (FIORE- houve o recorde de transplantes cardíacos no
LLI A I, et al., 2019). Brasil.

Gráfico 21.2 Demonstração anual de transplantes cardíacos pmp de 2009 até 2019 no Brasil.

Legenda: O gráfico 21.2 apresenta a taxa de transplantes cardíacos em partes por milhões de habitantes no Brasil entre
2009 e 2019. Fonte: Adaptado de Boletins Epidemiológicos da ABTO, 2019.

vos aumentos de 56,57% e 66,66% em compa-


Assim, em 2012 foram 228 transplantes
ração ao primeiro ano analisado. Em 2018
cardíacos no Brasil, sendo que 55,26% foram
houve uma leve queda de 6,05% quando com-
na região sudeste. Em 2013 foram 272 proce-
parado com 2017, com novo aumento de
dimentos, o que representa 19,29 % a mais que
66,66% em 2019, como mostra a Tabela 21.1.
no ano anterior. Em 2014 houve novo aumento
A região com o maior número de realização
de 14,33% em relação ao ano anterior. Em 2015
desse procedimento em todo o período foi a re-
houve um aumento de 54,82% quando compa-
gião sudeste do Brasil, seguida da região sul,
rado com 2012. Em 2016 e 2017 houveram no-
como mostra o Gráfico 21.3 (ABTO, 2019).

205
Tabela 21.1 Número anual absoluto de transplantes cardíacos de 2012 até 2019 no Brasil
Ano 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019
Número absoluto 228 272 311 353 357 380 357 380

Legenda: A Tabela 21.1 apresenta o número de transplantes cardíacos em partes por milhões de habitantes no Brasil
entre 2012 e 2019. Fonte: Adaptado de Boletins Epidemiológicos da ABTO, 2019.

Gráfico 21.3 Transplantes cardíacos pmp por região do Brasil

Legenda: 0 gráfico 21.3 apresenta o número de transplantes cardíacos em partes por milhão de habitantes por regiões
no Brasil entre 2012 e 2019. Fonte: Adaptado de Boletins Epidemiológicos da ABTO, 2019.

Os resultados encontrados demonstram a ros de transplantes cardíacos aumentem como


importância de sensibilizar a população a res- ocorreu nos anos anteriores à pandemia.
peito da doação de órgãos. A transmissão de A disseminação da COVID-19 restringiu
conhecimento sobre como funciona esse pro- significativamente os programas de transplan-
cedimento é a única forma de acabar com mi- te no mundo. No Brasil, no primeiro semestre
tos e estigmas que impedem tantas vidas de de 2020, houve diminuição dos transplantes de
serem salvas, já que, no Brasil, a família do fígado (6,9%), rim (18,4%), coração (27,1%),
candidato a doador precisa permitir essa ação. pulmão (27,1%), pâncreas (29,1%) e
Segundo o Ministério da Saúde, a taxa de principalmente córneas (44,3%), pela suspen-
autorização dos familiares para a doação de são de grande parte dos serviços. De acordo
órgãos está aumentando por conta dos esforços com o relatório anual da ABTO, o número de
para a divulgação de informações, tendo doadores diminuiu de 2019 para 2020, mas em
chegado a uma média de 60% em 2019. Esse uma taxa menor que a esperada: foi de 18,1 por
crescimento é animador e indica que as ações milhão de habitantes para 15,8; representando
do governo e de profissionais da saúde devem uma queda de 12,7%. Esse é o mesmo patamar
continuar sendo realizadas para que os núme- obtido em julho de 2017.
206
Quando observamos outros países perce- realizados no país. Foram realizados 307
bemos que também seguiram o padrão brasi- procedimentos, uma redução de 16,7%. Ao to-
leiro de queda. Na França, no período de mar- tal, a lista de espera era composta 414 pessoas
ço a julho de 2020 houve o total de 1530 trans- durante o ano, tendo uma mortalidade de 23,4%
plantes (sendo 167 cardíacos), apresentando (ABTO, 2020).
queda em relação ao ano de 2019 (TURCO, et Com a análise dos dados publicados com-
al., 2020). Ademais, o volume de transplante de templando o primeiro semestre de 2021, os
doador falecido nos EUA também apresentou números decaem em 15%, sendo realizados 131
importante declínio nos meses de março e abril Transplantes. No ano anterior, considerando o
de 2020, em todas as regiões, sendo que o mesmo período, já haviam sido feitos 148
transplante cardíaco teve queda de 43%. No procedimentos. (ABTO, 2021).
entanto, houve rebote nos meses subsequentes
e aumento do número de transplantes, devido às CONCLUSÃO
ações eficientes e seguras da Organ
Por conseguinte, é notável que a pandemia
Procurement and Transplantation Network
tem afetado consideravelmente diversos ser-
(OPTN) (GOFF R, et al., 2021).
viços de saúde à população, dentre esses ser-
Comparando o período de janeiro a setem-
viços, podemos destacar as cirurgias de trans-
bro de 2019 e 2020 no Brasil, o número de pa-
plantes. Segundo a Associação Brasileira de
cientes na lista de espera para transplante car-
Transplantes de Órgãos, no ano de 2020, hou-
díaco aumentou discretamente (ABTO, 2020).
ve queda de 23% nas cirurgias cardíacas quan-
Os números absolutos foram 260 e 277, res-
do comparadas a 2019. Dessarte, isso é extre-
pectivamente. Ao contrário do que se analisa
mamente prejudicial não apenas para quem
nos EUA, em que houve queda de 34,2% na
aguarda na fila de espera, mas também para a
lista de espera para transplante cardíaco, mas
família do paciente a ser transplantado. Com-
aumento do número de mortes na lista de es-
tudo, é condição “sine qua non” – imprescin-
pera, 35,8%16 (CHOLANKE-RIL G, et al.,
dível que com o avanço da vacinação, a reto-
2020).
mada dos setores de saúde e a transmissão de
Quando analisando os dados de 2020, ano
informação sobre esse assunto, essa porcen-
em que a pandemia atingiu o Brasil, é visto uma
tagem volte a crescer.
queda discreta no número de Transplantes

207
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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completa 50 anos. Agência Brasil - Brasília. 2018. solid organ transplantation in the United States.
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05/primeiro-transplante-do-brasil-comemora-50-anos > FIORELLI, A. I. et al. Insuficiência cardíaca e
transplante cardíaco. Revista De Medicina, v. 87. p. 105-
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ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE TRANSPLANTES Inicial. 2021. Revista Brasileira de Cardiologia, v. 116,
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um banco de dados nacional?. Sociedade Brasileira de
Cardiologia, v.116(4), p. 754-755, 2021. SANTOS, R. E. V. et al. Transplante Cardíaco: Evolução
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BACAL, F., et. al. 3ª Diretriz Brasileira de Transplante Congresso Internacional de Enfermagem, v. 1, 2017.
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Quando?. Revista da SOCERJ, v. 15, p.135-41,2002. 101560, 2020.

208
Capítulo 22

PREVALÊNCIA DE
CARDIOPATIAS CONGÊNITAS
NAS SÍNDROMES GENÉTICAS
LAÍSA FERREIRA DE SOUZA¹
LAISY ARAUJO SANTOS¹
LAIS ARAUJO SANTOS¹
LARA PEREIRA DE SÁ¹
JULIA BINO AGUIAR DA SILVA²
MARTHA BORGES NEVES MANHÃES³
ANA MARIA ESTEVES CASCABULHO³
REBECA DOS SANTOS VEIGA DO CARMO³
ANA PAULA MACHADO FRIZZO 4
WELLINGTON LUIZ RODRIGUES MAGALHÃES4
LUIZA RAMOS KELLY LESSA4
LORENA DE FREITAS GOTTARDI4

1. Discente- Internas do Curso de Medicina da Universidade Iguaçú Campos V Itaperuna/ RJ


2. Médico- Médica
3. Residente – Residentes Do Serviço De Pediatria Do Hospital São José Do Avaí.
4. Médico – Médica(O) Do Serviço De Pediatria/Neonatologia Do Hospital São José Do Avaí –
Itaperuna/Rj.

Palavras-chave:
Cardiopatias Congênitas; Síndromes Genéticas; Citogenética; Intervenção Terapêutica.

209
INTRODUÇÃO lias congênitas e suas síndromes (FIGUEIRE-
DO, 2016).
As Cardiopatias Congênitas (CC) são um O objetivo deste capítulo é: i.) Estratificar
conjunto de afecções que podem compreender as cardiopatias congênitas presentes nas sín-
alterações estruturais e funcionais do coração dromes genéticas de maior prevalência na po-
ou dos grandes vasos, comprometendo pleno ou pulação pediátrica: i.i) Síndrome de Down; i.ii)
parcial funcionamento do sistema cardiovas- Cri-du-cha; i.iii) Olho de Gato; i.iv) Williams
cular. Essas podem ser intracardíacas, relaci- Beuren; v) DiGeorge; i.vi) Jacobsen; i.vii) Pa-
onados às grandes câmaras do coração (atriais e tau; i.viii) Turner; i.ix)Edwards; ii.) Mencionar
ventriculares), às suas septações ou às suas sua citogenética; iii.) Expor a malformação ana-
valvas (semilunar e atrioventricular); ou, ainda, tômica que ocorre no sistema cardiovascular de
extracardíacas, quando englobam estruturas cada cardiopatia; iv.) Apresentar os sinais e
embriologicamente relacionadas ao coração, sintomas das demais manifestações fenotípicas
como no caso de defeitos conotruncais (BRA- que ocorrem nas síndromes; e V.) Propor, por
UNWALD, 2016; GOMES, 2018). meio de pesquisas bibliográficas, intervenções
A incidência de CC pode variar de cinco a terapêuticas direcionadas a cada anomalia car-
12:1.000 nascidos vivos no Brasil, e é conside- díaca presente (FIGUEIREDO, 2016).
rada uma das malformações congênitas mais
frequentes, visto que é responsável por cerca de MÉTODO
40% de todos os defeitos congênitos, além de,
do mesmo modo, nesse grupo de doenças, ser a Trata-se de uma revisão narrativa realizada
causa de morte mais comum nas unidades pedi- no período de setembro a outubro de 2021 por
átricas de tratamento intensivo, com prevalên- meio de pesquisas nas bases de dados: Biblio-
cia de oito para 1000 nascimentos. É muito co- teca Virtual da Saúde, LILACS, PubMed e SCI-
mum que essas cardiopatias congênitas estejam ELO. Foram utilizados os descritores: Cardio-
associadas às síndromes genéticas e depen- patias congênitas e Síndromes genéticas. Sín-
dendo da alteração monogênica, cromossômica drome de Down, Edwards, Williams Beuren,
ou multifatorial que ocorra, há uma incidência Patau, DiGeorge, Jacobsen, Olho de Gato, Tur-
de ocorrência de cada cardiopatia (GUI- ner e Criducha. Desta busca foram encontrados
MARÃES et al, 2017; AMORIM et al, 2008; 30 artigos, posteriormente submetidos aos
FIGUEIREDO, 2016). critérios de seleção.
Do mesmo modo, as síndromes genéticas Os critérios de inclusão foram: artigos em
consistem em alterações na sequência de nucle- português ou inglês; publicados no período de
otídeos em uma parte do DNA que modificam 2016 a 2021 e que abordavam as temáticas pro-
a natureza de uma proteína e gera conseguintes postas para esta pesquisa, artigos de revisão e
anomalias estruturais e fisiológicas em diversos meta-análise disponibilizados na íntegra. Os
sistemas. Apresentam um caráter multiorgânico critérios de exclusão foram: artigos duplica-
e são manifestadas fenotipicamente na forma de dos, disponibilizados na forma de resumo, que
sinais e sintomas, dependendo do sistema aco- não abordavam diretamente a proposta estu-
metido. Para a triagem exigem um manejo mul- dada e que não atendiam aos demais critérios de
tidisciplinar e nos últimos anos a citogenética inclusão.
vem se apresentando uma importante ferra- Após os critérios de seleção restaram 30 ar-
menta para diagnosticar e sedimentar as anoma- tigos que foram submetidos à leitura minuciosa

210
para a coleta de dados. Os resultados foram do essas características variáveis entre os por-
apresentados, de forma descritiva, divididos em tadores (VILLACHAN e MATTOS, 2014).
categorias temáticas abordando: as cardiopatias São características clínicas encontradas na
congênitas presentes nas síndromes genéticas SD durante o período neonatal: retardo no de-
de maior prevalência na população pediátrica, senvolvimento, reflexo de moro precário, bra-
as malformações anatômicas que ocorrem no quicefalias com occipito achatado, face acha-
sistema cardiovascular de cada cardiopatia, os tada, fissuras palpebrais, pregas epicânticas, iris
sinais e sintomas das demais manifestações mosqueadas (manchas de Brushfield), três fon-
fenotípicas que ocorrem nas síndromes e o tanelas, retardo do fechamento das fontanelas,
tratamento indicado para cada uma delas. hipoplasia do seio frontal e da porção média da
face, discreta microcefalia, palato duro e curto,
RESULTADOS E DISCUSSÃO nariz pequeno, ponte nasal achatada, protusão
da língua, boca aberta, orelhas displásicas e pe-
Síndrome de Down
quenas. Observa-se ainda, hiperflexibilidade
A Síndrome de Down (SD) é uma aneu- articular, pescoço curto, pele redundante na
ploidia ocasionada pela trissomia do cromos- nuca, metacarpos e falanges curtos, quinto dedo
somo 21, e constitui a causa genética mais co- da mão curto e com clinodactilia, prega palpar
mum de deficiência intelectual moderada. A SD transversa única, espaço amplo entre o primeiro
é uma cromossomopatia que pode ser explicada e segundo dedos dos pés, displasia pélvica,
por um desequilíbrio na constituição dos esterno curto, dois centros de ossificação do
cromossomos. A sua etiologia está ligada a um manúbrio esternal. Além de, atresia duodenal,
excesso do material genético, proveniente de pâncreas anular, fístula traqueoesofágica, doen-
um cromossomo extra, o 21, devido ao processo ça de hiperschsprung, ânus imperfurado, coles-
de não disjunção cromossômica, e que pode tase neonatal e cutis marmorata (KLIEGMAN,
ocorrer através de três formas: trissomia livre, 2017).
translocação cromossômica e mosaicismo O diagnóstico da SD se baseia na presença
(KLIEGMAN, 2017, p.611; FIGUEIREDO, do fenótipo associado ao cariótipo. Auxiliam
2012). também a USG obstétrica, a coleta de vilosida-
De acordo com KLIEGMAN et al (2017), a des coriônicas, a amniocentese, a cordoncen-
incidência desta síndrome em nascidos vivos é tese, técnicas de DNA recombinante e marca-
de um a cada 733. A SD ocorre durante a for- dores no sangue materno (FIGUEIREDO,
mação do feto por conta de um acidente gené- 2016).
tico. A idade da materna é um fator importante Dentre as alterações apresentadas na SD,
relacionado ao seu aparecimento, pois uma mu- destacamos neste capítulo as alterações cardí-
lher com idade superior a 35 anos possui maior acas congênitas, uma vez que cerca de 50 % dos
probabilidade de gerar uma criança com SD indivíduos portadores de trissomia do 21 as
(“Teoria do Ovócito Velho”). A não disjunção apresentam, sendo as mais frequentes os defei-
cromossômica pode ser decorrente da destrui- tos septais atrioventriculares (DSAV), defeitos
ção de fibras cromossômicas ou pela deteriora- septais ventriculares (DSV) ou atriais isolados
ção do centrômero (FIGUEI-REDO, 2012). (DSAI) e tetralogia de Fallot (TF) que serão de-
O fenótipo da SD inclui hipotonia muscu- talhados abaixo (KLIEGMAN, 2017; DIAS,
lar, baixa estatura, dismorfismos faciais, mal 2016).
formações cardíacas e déficits cognitivos, sen-
211
Os defeitos do septo atrioventriculares es- e transmissão da pressão para nível pulmonar, a
tão localizados na parte central do coração, cirurgia deverá ser realizada em período mais
comprometendo a porção inferior do septo inte- breve, de três a seis meses de idade (FIGUEI-
ratrial e superior do interventricular, ambas re- REDO, 2016).
lacionadas ao plano das valvas atrioventricula- A comunicação interaterial (CIA) é um
res. Estas valvas estão fixadas a um anel atrio- exemplo de DSAVI e pode ocorrer em qual-
ventricular único e não duplo, como ocorre quer parte do septo interatrial, derivada da es-
normalmente, dando a esta malformação as- trutura embrionária que não se desenvolveu
pecto tridimensional. A presença dos defeitos normalmente. O grau de shunt esquerda-direita
do septos atrial e ventricular causam shunt da depende do tamanho do defeito, da complacên-
esquerda para direita e associados a insuficiên- cia dos ventrículos direito e esquerdo, e da re-
cia das valvas atrioventriculares podem levar a sistência vascular relativa nas circulações pul-
um quadro de insuficiência cardíaca por hiper- monar e sistêmica. A criança com CIA é fre-
fluxo pulmonar, manifestando-se através de quentemente assintomática. Em uma avaliação
cansaço para mamar, dificuldade para ganhar cuidadosa, em crianças mais jovens, uma defi-
peso, dispnéia, infecção respiratória de repeti- ciência sutil de crescimento pode estar presente,
ção, além de cardiomegalia. Com a evolução do e em crianças mais velhas, a intolerância ao
quadro ou em casos associados a estenose pul- exercício físico pode ser observada. A plati-
monar, principalmente em portadores de SD, a pneia, dispnéia em pé, que melhora ao deitar, e
progressiva e severa doença vascular pulmonar a ortodeoxia, dessaturação em pé que melhora
se desenvolve, a ponto de tornar as pressões em decúbito, podem ocorrer em um shunt da di-
ventriculares e de tronco pulmonar iguais à reita para esquerda (FI-GUEIREDO, 2016).
pressão sistêmica. Nesta fase a cardiomegalia O diagnóstico é confirmado através do eco-
regride e o hiperfluxo é substituído por um cardiograma, que evidencia a localização e o ta-
quadro oposto com hilos aumentado e periferia manho do defeito, bem como sinais de sobre-
pobre. Nesse momento, dependendo da gravi- carga de volume do ventrículo direito, caso eles
dade da mistura do sangue em nível atrial ou existam (SANTANA, 2006).
ventricular, pode haver cianose labial e de ex- O tratamento cirurgico ou percutaneo atra-
tremidades (FI-GUEIREDO, 2016). ves de dispositivo é indicado a todos os paci-
O diagnóstico da cardiopatia é feito, prin- entes sintomáticos e aos assintomáticos que te-
cipalmente pelo ecocardiograma que permite o nham uma razão entre o fluxo sanguíneo e pul-
reconhecimento das características anatômicas monar de 2:1 ou naqueles com dilatação do ven-
do DSAV, identificando sua posição, tamanho, trículo direito. A idade ideal é após 1 ano e an-
a presença de obstrução na via de saída do ven- tes da entrada na escola (SANTANA, 2006).
triculo direito ou esquerdo, grau de desenvol- A comunicação interventricular (CIV),
vimento ventricular, arco aórtico e suas associ- exemplo de DSV, é a mal formação cardíaca
ações com persistência do canal arterial (PCA) mais comum, correspondendo a 25 % das car-
(FIGUEIREDO, 2016). diopatias congênitas. O defeito pode ocorrer em
A indicação cirúrgica ocorre de acordo com qualquer parte do septo, e com maior gravidade
a gravidade dos sintomas. Nos defeitos parciais quando perimembranoso. Já pequenos defeitos
e de sintomatologia pequena, a idade para cirur- do septo interventricular (30-50%) podem
gia é preferencialmente até um ano. Nas formas fechar espontaneamente nos primeiros 2 anos
totais, com grande mistura em nível ventricular, de vida (KLIEGMAN, 2017).
212
Os sintomas variam de acordo com tama- nascem com obstrução severa pode ocorrer a ci-
nho do defeito, com o fluxo e com a pressão anose imediatamente. Nessas crianças, o fluxo
sanguínea pulmonar. Pode variar de um paci- pulmonar pode ser parcial ou quase totalmente
ente assintomático, até aqueles que apresentam dependente do canal arterial. Quando o canal
dispneia, dificuldade de alimentação, déficit de arterial começa se fechar, pode haver cianose
crescimento, transpiração abundante, infecções grave e colapso circulatório (MARANGONI,
pulmonares de repetição e até mesmo insufici- 2019).
ência cardíaca no início da infância. No exame Em pacientes mais velhos, com TF não re-
físico, observa-se sopro holos-sistólico alto, parada, ocorre dispneia aos esforços físicos.
rude, mais audível na borda esternal esquerda Eles podem assumir posição de cócoras para
baixa, e pode estar ou não acompanhado de frê- alívio da dispneia causada pelo esforço, e geral-
mito (KLIEGMAN, 2017). mente, depois de alguns minutos nessa posição,
O diagnóstico é comprovado pelo ecocar- são capazes de retornar às atividade. As crises
diograma, que evidencia o tamanho e localiza- cianóticas paroxísticas (episódios de hipóxia)
ção do defeito, além de estimar o tamanho do ocorrem particularmente nos dois primeiros
shunt através da análise do grau de sobrecarga anos de vida. A criança torna-se taquipneica e
de volume do átrio e ventrículo esquerdos inquieta, a cianose aumenta, ocorrem respira-
(KLIEGMAN, 2017). ções gaspeadas e posteriormente síncope. Essas
O tratamento cirúrgico está reservado para crises ocorrem geralmente pela manhã ou após
pacientes de qualquer idade que os sintomas episódio de choro vigoroso (MARANGONI,
não são controlados por medicações, para lac- 2019).
tentes de seis a 12 meses com grandes defeitos Ao exame físico, pode ser observado sopro
associados a hipertensão, mesmo que os sinto- sístólico devido a OVSVD cuja intensidade e
mas sejam controlado por medicamentos e pa- duração é inversamente proporcional ao grau de
ra aqueles com mais de 24 meses com razão en- estenose infundíbulo-valvar (MARANGONI,
tre o fluxo sanguíneo e pulmonar superior de 2019).
dois para um (KLIEGMAN, 2017). O ecocardiograma estabelece o diagnós-
A TF pertence a família de lesões cardíacas tico, e fornece informações a respeito da exten-
conotruncais em que um defeito primário é um são do cavalgamento aórtico do septo, a loca-
desvio anterior do septo infundibular. Como lização, e grau de OVSVD, o tamanho do anel
consequência desse desvio, ocorre as quatro al- da valva pulmonar e do tronco e ramos da arté-
terações: Obstrução da via de saída do ventrí- ria pulmonar e do lado do arco aórtico. Assim
culo direito (OVSVD), CIV, dextroposição da como, também verifica se uma PCA está forne-
aorta (DxA) e hipertrofia ventricular direita cendo parte do fluxo sanguíneo pulmonar
(HVD) (MARANGONI, 2019). (MARANGONI, 2019).
Os recém-nascidos com OVSVD mínima O tratamento depende do grau de obstrução
podem apresentar inicialmente sinais de insu- da via de saída do ventrículo direito. Atual-
ficiência cardíaca causadas pelo shunt da es- mente, a cirurgia definitiva tem sido realizada
querda para direita. Muitas das vezes, a cia- entre seis e 12 meses. A terapia corretiva con-
nose não está presente ao nascimento, mas com siste em alívio da obstrução do fluxo de saída
o aumento do infundíbulo do ventrículo direito, do ventrículo direito através das ressecções dos
à medida que o paciente cresce, ela pode ocor- feixes musculares obstrutivos e pelo fecha-
rer tardiamente. Em algumas crianças que já mento corretivo da CIV. Se o paciente tiver
213
uma valva pulmonar estenótica, um valvulo- p – (menos) (SALDARRIAGA, COLAZOS e
plastia também poderá ser realizada (MARAN- RAMIRÉZ, 2017).
GONI, 2019). As cardiopatia congênitas mais prevalentes
são PCA, DSV, DSA, TF e regurgitação tricús-
Síndrome Cri-Du-Chat pide. Os neonatos podem apresentar cianose e
A síndrome de Cri-Du-Chat consiste em dispneia durante a amamentação, assim como
uma anomalia cromossômica resultante da de- hiperpneia paroxística, sopro cardíaco, prostra-
leção parcial do braço curto do cromossomo ção e até mesmo crises convulsivas (SALDAR-
cinco. Estima-se que acometa um a cada 50.000 RIAGA et al., 2017).
crianças nascidas no mundo e que, cerca de um O tratamento é baseado na reabilitação pre-
% delas, possui retardo mental. A origem de seu coce do paciente, através de fisioterapia, terapia
nome decorre do fato que seus portadores pos- de fala e terapia ocupacional, bem como na
suírem um choro que se assemelha ao miado prevenção das complicações e na correção ci-
agudo de um gato (SALDAR-RIAGA et al., rúrgica das malformações. A ligadura eletiva é
2017). uma opção de tratamento após o primeiro ano
O choro agudo é decorrente de malforma- de vida de pacientes que apresentem ducto ar-
ção na laringe. Ademais, em se tratando de as- terioso persistente. Quanto ao defeito septo
pectos pré-natais, há alterações neuro-ósseas ventricular, pode-se esperar que se feche espon-
como holoprosencefalia com espinha bífida e taneamente ou, em casos em que isso não
meningomielocele. Tem-se, ainda, dismorfia ocorre, faz-se correção cirúrgica. O DSA pode
craniofacial, caracterizada pela microcefalia, ser fechado via transcateter ou mediante corre-
anomalias dentárias, palato ogival, hipertelo- ção cirúrgica. Quanto à TF, orienta-se fecha-
rismo ocular e estrabismo, que, na maioria das mento com retalho do defeito do septo ventri-
vezes, é divergente. No entanto, há raros casos cular, ampliação da via de saída do ventrículo
de estrabismo convergente, que se associa a ou- direito com ressecção muscular, valvoplastia
tras graves doenças oculares, tais quais miopia pulmonar e, quando justificado, aumento do re-
grave, coloboma da íris e atrofia do nervo óp- talho da artéria pulmonar principal. A regurgi-
tico (SALDARRIAGA et al., 2017). tação tricúspide é manejada através do trata-
Os pacientes apresentam-se com baixo mento de sua causa base, anuloplastia ou re-
peso, hipotonia, fissuras palpebrais com incli- paro, bem como troca valvar. (SALDARRI-
nação para baixo, face arredondada com hiper- AGA, COLAZOS e RAMIRÉZ, 2017).
telorismo, ponte nasal alargada, micrognatia,
Síndrome do Olho de Gato
baixa implantação das orelhas, sindactilia e re-
tardo mental (SANDOVAL et al, 2016). A síndrome de Schmid-Fraccaro ou sín-
Através de técnicas citogenéticas, como ca- drome do olho de gato consiste numa rara do-
riótipo, e de microscopia de luz com banda G ença cromossômica, incidindo sobre um para
de alta resolução, confirma-se a patologia, que 50.000-150.000 nascidos vivos. Decorre de
se caracteriza pela depleção parcial do braço parcial tetrassomia do cromossomo 22 a partir
curto do cromossomo 5. Desse modo, o carió- de um cromossomo marcador supra numerárico
tipo fica 46, XX 5p- e 46, XY, 5p-. Por essa ra- dicêntrico com satélites em suas extremidades.
zão, a síndrome também é chamada síndrome 5 Desse modo, ocorre duplicação de todo o braço
curto do cromossomo, bem como de parte de

214
seu braço longo até a banda onze (SHARMA et correção se dá via procedimento minimamente
al., 2014). invasivo guiado por imagem. A PCA pode ser
Em se tratando de anomalias anatômicas, a tratada clinicamente com adminastração, prin-
tríplice clássica consiste em colobomas de íris, cipalmente, de indometacina associada a diuré-
malformações anorretais e anomalias de ouvi- ticos e a restrição de fluidos (ALAMER et al.,
do, tais quais apêndices e/ou fossetas pré-au- 2019).
riculares. De modo geral, os pacientes são as-
sintomáticos e só descobrem as cardiopatias em Síndrome de Williams-Beuren
exames de rotina. Quando os sinais e sintomas A Síndrome de Williams (SW) ou de Wil-
aparecem, podem-se ver desconforto respirató- liams-Beuren (SWB) é uma alteração subcro-
rio, cianose e edema pulmonar (BREMOND- mossômica, caracterizada por uma microdele-
GIGNAC et al., 2014). ção hemizigótica, isto é, a perda de uma das có-
O fenótipo é variável, indo desde malfor- pias dos genes, localizados na região 7q11.23.
mações praticamente normais até fatais. O co- Aproximadamente 20 genes podem estar dele-
loboma, que consiste na falha em fechar uma tados nesta região cromossômica, dentre os
fissura na parte inferior do olho, dá uma aparên- quais se inclui o gene da elastina (SUGA-
cia de buraco de fechadura. Além disso, há pre- YAMA, 2003).
sença de uma marca cutânea pré-auricular. Es- A incidência relatada da SWB está entre um
trabismo, aniridia, microftalmia, bem como im- para 7.500 e um para 20.000 nascidos vi-vos,
plantação de orelha baixa e microtia também sem preferências étnicas ou sexuais e com igual
podem caracterizar o paciente (ALAMER et al., proporção entre herança materna e paterna. A
2019). ocorrência é geralmente esporádica na maioria
Devido à variabilidade fenotípica, o diag- das famílias, com raros relatos de aparente he-
nóstico deve ser citogenético. Diante de qual- rança autossômica dominante (SUGA-YAMA,
quer coloboma, deve-se solicitar cariótipo 2003).
(ROSA et al., 2010). A SWB tem como características, baixa es-
As principais cardiopatias congênitas que, tatura, hipotonia, caracteres faciais distintos, re-
mais comumente, acometem pacientes com esta tardo mental, comportamento amigável e hiper-
síndrome são drenagem venosa pulmonar anô- social, doença cardíaca congênita, hipercalce-
mala total (DVPAT), CIA e PCA. Além dessas, mia infantil e hipertensão arterial. Podem apre-
de modo menos comum, têm-se anormalidades sentar manifestações clínicas variáveis em al-
aórticas (AA), estenose pulmonar (EP), atresia guns órgãos como rins e olhos, e sistemas gas-
tricúspide (AT), síndrome do coração esquerdo trointestinal e osteoarticular. Sendo que todos
hipoplásico (SCEH), hipoplasia da valva mitral os pacientes com SWB têm deficiências intelec-
(HVM), do átrio (HA) ou do ventrículo (HV), tuais, com grau variáveis de leve a moderado.
como também ventrículo único (VU) (BRE- Pode ser considerada uma doença poliendó-
MOND-GIGNAC et al., 2014). crina associada com anomalias de cálcio e ti-
No que tange o tratamento, deve ser ado- reóide (SUGAYAMA, 2003).
tada uma conduta de suporte e correção das O diagnóstico dessa síndrome é clínico.
eventuais anomalias cardíacas. Na DVPAT é Aproximadamente 90 a 95% dos afetados apre-
necessária correção do retorno venoso pulmo- sentam uma deleção submicroscópica no lócus
nar para o átrio esquerdo, sendo imprescindí- do gene da elastina, localizada no braço curto
vel a intervenção cirúrgica. Quanto à CIA, a
215
do cromossomo 7 (7q11.23), sendo detectado nhuma anomalia cardíaca for detectada na ava-
pelo teste da hibridização in situ por fluorescên- liação inicial, um seguimento anual deve ser
cia (FISH), usado para confirmação diagnóstica realizado para detectar e prevenir complicações
(SUGAYAMA, 2003). futuras (SUGAYAMA, 2003).
Na SWB podem ocorrer estenoses locali- Em pacientes sintomáticos, sejam eles neo-
zadas e difusas da aorta torácica e abdominal, natos ou lactentes, está indicada intervenção te-
das artérias coronárias e cerebrais, além de car- rapêutica; seja ela cirúrgica ou através de cate-
diopatias como: estenose pulmonar periférica terismo intervencionista (SUGAYAMA, 2003).
(EPP), EAP, HA, coartação da aorta (CA), pro- A segunda doença cardiovascular mais co-
lapso de válvula mitral (PVM), defeitos septais mum da SWB é a EPP que consiste em um es-
(DS), assim como estenose aórtica supravalvar treitamento do plano distal das artérias pulmo-
(EASV) que é o defeito cardíaco mais freqüente nares e redução do fluxo sanguíneo do ventrí-
presente em 64% desses pacientes (SUGA- culo direito para o leito pulmonar, resultando
YAMA, 2003). num gradiente de pressão maior do que dez
A história natural da EASV é variável nos mmHg ao longo da sístole. Dependendo do grau
afetados, podendo ser uma lesão progressiva, da EPP a câmara intracavitária direita pode hi-
caracterizada por aumento no gradiente de pres- pertrofiar e caso haja presença de forame oval
são do ventrículo esquerdo devido à hipoplasia patente ou eventuais defeitos septais no paci-
da aorta ascendente. Geralmente diagnosticada ente ocorrer formação de shunt direito-es-
nos dois primeiros anos de vida; podendo po- querdo (STOUT, 2018).
rém, não ser detectada durante anos, pois a A sintomatologia desses pacientes é pre-
grande parte desses pacientes são assintomáti- coce na infância: dispneia aos esforços e ci-
cos, até ocorrer aumento no gradiente de pres- anose nos casos mais graves. No exame físico
são sistólico. Deve-se suspeitar da sua pre- pode-se auscultar um sopro sistólico de ejeção
sença quando se observa sopro em foco aórtico patológica com ou sem clique sistólico
acompanhado ou não de clique protossistólico (STOUT, 2018).
(SUGAYAMA, 2003). O diagnóstico é por meio do ecocardio-
Em neonatos ou lactentes jovens podem grama com avaliação por Doppler e o trata-
cursar com sintomas como por exemplo, des- mento por valvuloplastia com balão (STOUT,
conforto respiratório, irritabilidade, recusa ali- 2018).
mentar, sudorese fria, ausência de pulsos peri-
féricos ou filiformes, perfusão periférica ruim, Síndrome de DiGeorge
hipotensão arterial, taquicardia, ritmo em ga- A Síndrome de DiGeorge (SDG), também
lope e hepatomegalia; o que fala a favor de es- chamada de síndrome velocardiofacial, é con-
tenose aórtica crítica. Insuficiência cardíaca siderada uma das microdeleções genéticas mais
grave ou colapso circulatório são marcadores de frequentes em seres humanos. A deleção no
pior prognóstico da doença (SUGAYAMA, braço longo do cromossomo 22 (del 22q11.2)
2003). na região 1, na sub-banda 2, tem sido apontada
Uma avaliação cardiovascular detalhada como a principal causa da SDG e estima-se pre-
deve ser realizada na ocasião do diagnóstico em sente em aproximadamente um para cada 3000
todos os pacientes com SWB, incluindo eletro- nascidos vivos. Desses, em média 90% apre-
cardiograma e ecodopplercardiograma. Se ne-

216
sentam uma nova mutação espontânea e idiopá- rastreio da síndrome, como uma hipocalcemia
tica; cerca de 8% apresentam um padrão de he- severa nas primeiras 48 horas de vida do RN,
rança familiar; e outros fatores teratogênicos que, clinicamente, pode se manifestar na forma
correlacionados à história familiar materna, de convulsões de difícil controle devido a um
como o alcoolismo e o diabetes gestacional hipoparatireoidismo; uma imunodeficiência no
(ROSA, 2009; SILVA, 2019). período neonatal, devido às alterações linfopro-
A SDG se caracteriza por um espectro fe- liferativas; e defeito cardíaco congênito maior
notípico bastante amplo, com efeitos pleiotró- (SILVA, 2019).
picos que resultam no acometimento de todos Sabe-se que aproximadamente 75 a 80%
os órgãos e/ou sistemas, não existindo mani- dos pacientes com deleção 22q11.2 têm algum
festações patognomônicas ou obrigatórias para tipo de doença cardíaca ao nascimento, em de-
a síndrome, o que dificulta a suspeição clínica corrência da presença de defeitos na migração e
desta condição, atrasando o diagnóstico e o interação das células da crista neural durante a
manejo adequado. O fenótipo craniofacial é, formação embrionária da árvore aórtico-pulmo-
usualmente, descrito como “característico”; no nar. Respectivamente são mais relatados os de-
entanto, este pode ser extremamente variável e feitos do arco aórtico e a Tetralogia de Fallot
observador-dependente. A presença de fenda com incidência de 41% e 29% (SILVA, 2019).
palatina e a sequência de Pierre-Robin são car- As alterações do arco incluem: arco aórtico
dinais e deveriam levar a um alto índice de sus- cervical duplicado, dextroposto ou com origem
peita (ACOSTA-ARAGÓN, 2020). na artéria subclávia, identificados e diagnosti-
Pode se manifestar, mais raramente, como cados através de ressonância magnética (SIL-
total ou completa (presente em menos de um % VA, 2019).
dos casos) e parcial. Na DiGeorge total o paci- Já a TF, que consiste na comunicação inter
ente apresenta uma diminuição significativa das ventricular das câmaras cardíacas por desvio
células T e por conta disso cursa com infecções anterior do septo infundibular, depende do grau
generalizadas por germes oportunistas, pior de obstrução da via de saída do ventrículo di-
prognostico e alto índice de mortalidade. Na reito para influenciar diretamente na apresen-
parcial, a contagem de células T é normal e a tação clínica dos cardiopatas (MARANGO-NI,
proliferação linfocítica variável (SILVA, 2019).
2019). Os sinais de insuficiência cardíaca (IC) cau-
Embora frequente, a síndrome velocardio- sados pelo shunt da esquerda para direita po-
facial, muitas das vezes não é suspeita diagnós- dem ou não estar presentes nos RN portadores
tica devido aos variáveis fenótipos clínicos e di- de TF, dependendo do grau de obstrução da via
ferentes anormalidades causadas pela deleção de saída do VD e do aumento do seu infundí-
22q11.2. A técnica de hibridação in situ com bulo à medida que o paciente cresce. Já os ne-
fluorescência (FISH) com sonda de DNA espe- onatos que nascem com obstrução severa da via
cífica para a região de deleção têm sido utili- de saída do VD podem, precocemente apresen-
zada rotineiramente e é considerada o “padrão- tar sinais de IC. Nessas crianças, o fluxo pul-
ouro” para o diagnóstico desta microdeleção monar pode ser parcial ou quase totalmente de-
cromossômica. Todavia, há, também, frequen- pendente do canal arterial, que se significativa-
temente, achados clínicos e complementares, mente fechado, pode levar cianose grave e co-
não patognomônicos, que podem auxiliar no lapso circulatório (MA-RANGONI, 2019).

217
Ao exame físico pode ser observado sopro 22.1), trombocitopenia e pancitopenia. Além de
sístólico devido a OVSVD cuja intensidade e malformações cardíacas (56%) que podem
duração é inversalmente proporcional ao grau ocorrer defeitos renais (oito a 13%), gastroin-
de estenose infundíbulo-valvar. E o exame testinais (18%), genitais (36-60%) e cerebrais
complementar ecocardiograma fornece infor- (51-65%), bem como displasia esquelética
mações essenciais para fechar o diagnóstico da (14%). Problemas oculares, auditivos, imuno-
cardiopatia congênita (MARANGONI, 2019). lógicos, psiquiátricos, comportamentais e hor-
Atualmente o tratamento da obstrução da monais também podem estar presentes. No en-
via de saída do ventrículo direito causada pela tanto, essas características existem de forma va-
TF é a cirurgia definitiva que tem sido realizada riável entre os pacientes. Isso sugere que os fe-
entre seis e 12 meses de idade, através de nótipos causados por diferentes deleções 11q
ressecções dos feixes musculares obstrutivos e são inconsistentes (CHÁVEZ, 2015; JURCÃ, 2017).
pelo fechamento corretivo da CIV (MARAN-
Figura 22.1 Dismofismo facial em pacientes com sín-
GONI, 2019). drome de Jacobsen
Já o prognóstico e o tratamento da SDG de-
pendem da extensão das anormalidades pre-
sentes e a possibilidade e necessidade de cirur-
gias para correção das malformações congêni-
tas (MARANGONI, 2019).

Síndrome de Jacobsen

A síndrome de Jacobsen (SJ) é uma doença Fonte: Mattina et al, 2009


genética causada pela deleção parcial do braço
longo do cromossoma 11. É uma síndrome in- Durante o pré-natal o diagnóstico pode ser
comum, tendo como relatos na literatura cerca feito por meio da realização da amniocentese ou
de 200 casos em todo o mundo. Tem como pre- biópsia de vilo corial e análise citogenética. O
valência um em 100.000 nascimentos, com uma teste pode ser realizado quando são encontradas
proporção feminino/masculino dois para um alterações na ultrassonografia como malfor-
(MATTINA, 2009; CHEN, 2020). mações cardíacas, artéria umbilical única, oli-
As manifestações clínicas mais encontra- godramnia, dilatação dos ventrículos cerebrais,
das na SJ incluem retardo de crescimento fí- espessamento da nuca, síndrome do coração
sico pré e pós-natal, retardo psicomotor, dis- esquerdo hipoplásico e fêmur curto que são
morfismo craniofacial característico (Imagem sugestivas dessa síndrome (Figura 22.2)
(CHEN, et al., 2020).

218
Figura 22.2 Ultrassonografia pré-natal
com 22 semanas de gestação mostrando:
A: Defeito do septo interventricular; B:
Presença de fluxo sanguíneo septal; C:
Alargamento da pelve renal esquerda; D:
Artéria umbilical única. Fonte: Chen et
al, 2020

Geralmente essa síndrome é diagnosticada sanguíneas, plaquetas, coagulograma, avalia-


na primeira infância com base no exame clí- ção imunológica e endócrina. Pode ocorrer di-
nico e nos achados hematológicos. Clinica- ficuldade durante a amamentação, que acarreta,
mente pode ser difícil rastrear pacientes com em alguns casos, a necessidade de administra-
aspectos fenotípicos menos característicos, ção de dieta enteral por sonda. O risco de san-
sendo sugestivo pela presença de trombocito- gramento é maior durante a infância, o que deve
penia ou pancitopenia. O diagnóstico deve ser ser monitorado rigorosamente através de
confirmado por análise citogenética (JURCÃ et exames laboratoriais. Devido a isso, é impor-
al,. 2017). tante lembrar da utilização de plaquetas profi-
As malformações cardíacas mais frequen- láticas ou transfusão de sangue total, antes ou
tes são defeitos do septo ventricular ou malfor- após algum procedimento cirúrgico. A cranio-
mações obstrutivas do coração esquerdo: anor- tomia pode ser realizada em crianças com cra-
malidades das válvulas aórticas ou mitrais, co- niossinostose. O tratamento baseia-se em mi-
artação da aorta ou síndrome do coração es- nimizar os problemas ocasionados pela sín-
querdo hipoplásico. A síndrome do coração es- drome (MATTINA et al., 2009).
querdo hipoplásico, uma condição rara e grave Cerca de 20% das crianças morrem durante
que ocorre em cerca de um para 5000 crianças, o início da primeira infância, mais comumente
é observada em cinco % das crianças com JS. A por complicações relacionadas à doença cardí-
outra parte dos pacientes com cardiopatias apre- aca e sangramento. Para pacientes que sobrevi-
senta um amplo espectro da maioria dos cardi- vem um período maior, a expectativa de vida é
opatias comuns que ocorrem na população ge- desconhecida na literatura (MATTINA et al.,
ral de pacientes com cardiopatia congênita 2009).
(MATTINA et al., 2009).
A conduta inicialmente de uma criança com Síndrome de Patau
suspeita de SJ inclui uma avaliação completa A trissomia do 13, também conhecida co-
por um pediatra especializado. Deve-se solici- mo síndrome de Patau (SP), é uma anomalia ca-
tar ECG e ecocardiograma, USG abdominal, racterizada por dar origem a um embrião com
exames de sangue com contagens de células três cromátides, ao invés de duas, no cromos-
somo 13. Segundo ROSA et al., cerca de 67%
219
dos fetos com essa anomalia abortam ou mor- Entre os achados cardiovasculares são encon-
rem ainda intraútero; daqueles que nascem, trados defeitos do septo ventricular e/ou atrial,
metade não sobrevive à primeira semana de tetralogia de Fallot e saída dupla do ventrículo
vida e após os três anos de idade a sobrevida é direito. Além do coração, pulmões, tratos geni-
significativamente rara. Presente em um a cada turinários e digestivo, fígado e pâncreas aco-
20.000 a 29.000 nascidos vivos, ocupa a ter- metidos por anormalidades anatômicas. Em
ceira posição das trissomias autossômicas mais 50% dos pacientes, percebem-se criptoquirdia,
comuns entre os RN (AMARAL et al., 2019). hipospádia, hipoplasia de pequenos lábios e
Um fator de risco para tal erro é a idade ma- útero bicorno. Numa frequência menor do que
terna, haja vista o aumento da frequência de não 50%, podem-se ver onfalocele, rotação incom-
disjunção na meiose. Com isso, o cromossomo pleta do cólon, divertículo de Meckel, rim po-
13 interrompe o desenvolvimento embrionário licístico, hidronefrose e rim em ferradura (WIL-
normal e provoca diversas alterações. A avalia- LIAMS e BRADY, 2021).
ção citogenética lança mão de amostras das vi- A conduta de tratamento da síndrome re-
losidades coriônicas, da amniocentese, da aná- quer abordagem de equipe multiprofissional,
lise de DNA livre fetal ou microarranjo teci- que abarque especialistas em medicina mater-
dual, diferenciando a trissomia de outras anor- no-fetal, neonatologistas, enfermeiras de tera-
malidades genéticas como por exemplo sín- pia intensiva neonatal, terapeutas respiratórios,
drome de Edwards e de Down, fechando seu di- otorrinolaringologistas, cardiologistas, neuro-
agnóstico (WILLIAMS e BRADY, 2021). logistas e urologistas. É necessário também sa-
O paciente portador de SP apresenta restri- lientar a importância do psicólogo no que tange
ção de crescimento ainda intraútero, microce- ao apoio e suporte à família que recebe o bebê.
falia, malformações do sistema nervoso cen- Durante o parto, com o diagnóstico de síndrome
tral, gastrointestinal, geniturinário, cardiovas- de Patau, podem ser necessárias oxigenação e
cular e anomalias físicas variadas bem defini- ventilação pós-parto ao bebê. Pode, ainda, exi-
das como fenda palatina, fendas palpebrais es- gir intubação ou traqueostomia devido aos de-
treitas obliquas, orelhas de implantação baixa e feitos faciais (WILLIAMS e BRA-DY, 2021).
dismórficas, polidactilia, pescoço curto, apla- Em se tratando de pacientes com malfor-
sia cutânea do couro cabeludo e cebocefalia mações cardíacas, cirurgia reparadora pode ser
(RODRIGUES et al., 2019) (Figura 22.5). parte da conduta inicial. Ademais, podem-se in-
dicar outras cirurgias como herniorrafia, corre-
Figura 22.5 Paciente atendido na UTI do HSJA, foto
cedida pela mãe do paciente. ção da fenda labial, inserção de tubo de ali-
mentação ou também cirurgias ortopédicas cor-
retivas (CARVAJAL et al, 2020).
Para o tratamento da saída dupla do ventrí-
culo direito, recomenda-se redução da tensão
física, bem como da entrada de fluidos e pres-
crição de diuréticos. O defeito do septo ventri-
cular é corrigido espontaneamente ou mediante
intervenção cirúrgica; do septo atrial, via trans-
cateter ou cirúrgica. Quanto à tetralogia de
Fallot, faz-se retalho, além de ampliação da via

220
de saída do ventrículo direito, ressecção mus- clínica costuma não ser aparente. A coarctação
cular, valvoplastia e retalho da artéria pulmonar da aorta (CoA) afeta quase dez % das pacientes
(WILLIAMS e BRADY, 2021). com Turner, e na maioria das vezes é diagnos-
ticada devido à presença de manifestações clí-
Síndrome de Turner nicas de insuficiência cardíaca congestiva. Po-
A síndrome de Turner (ST) ocorre devido a dem ser encontradas também diversas outras
uma alteração genética causada pela ausência alterações cardíacas, como prolapso de valva
total ou parcial de um cromossomo X, sendo a mitral, distúrbios de condução, estenose e in-
única monossomia compatível com a vida. Tem suficiência aórtica, hipoplasia do coração es-
prevalência de um para 2.000 nasci-mentos e é querdo, ducto arterioso patente, comunicações
encontrada apenas no sexo femi-nino (DO- interatriais e interventriculares, estenose da ar-
NATO & FERREIRA, 2018; DULAC, 2008). téria pulmonar ou ainda uma combinação das
O seu diagnóstico pode ser sugerido du- alterações mencionadas (DONATO & FER-
rante a abordagem ao pré-natal através da rea- REIRA, 2018; DULAC, 2008).
lização da ultrassonografia. Os achados suges- A dilatação da aorta pode ocorrer na sua
tivos nesse exame são higroma cístico, hidrop- raiz ou em sua porção ascendente e pode se es-
sia fetal, edema subcutâneo, fêmur curto, au- tender para vasos mais distais, como as artérias
mento da translucência nucal, anormalidades carótida e braquial. A dissecção aórtica é uma
cardíacas e renais. Após o nascimento, o diag- condição rara, porém fatal e pode ser acompa-
nóstico requer a presença de características clí- nhada de dor abdominal, azia, dor no ombro ou
nicas específicas, incluindo baixa estatura e in- uma mudança de voz devido à tração do nervo
suficiência ovariana, associada a um cariótipo laríngeo recorrente. E possui como fator de
anormal (DONATO & FERREIRA, 2018; risco a HAS e a CoA (DO-NATO & FER-
GUEDES & VERRESCH, 2006). REIRA, 2018; DULAC et al,. 2008).
As características clínicas são baixa esta- Alterações do retorno venoso pulmonar e
tura, implantação baixa, orelhas rodadas, pala- sistêmico pela veia cava superior persistente
to em ogiva, pescoço curto e/ou alado, tórax es- podem estar presentes em treze % dos casos,
cavado, hipertelorismo mamário, escoliose e ci- podendo gerar repercussões hemodinâmicas,
fose, quarto metacarpo curto, linfedema em sendo necessária a realização de cirurgia (DO-
mãos e pés, displasias ungueais e nevus pig- NATO & FERREIRA, 2018; DULAC, 2008).
mentares, alterações cardiovasculares, renais e A Hipertensão arterial sistêmica está pre-
falência ovariana com infertilidade. (GUEDES sente em mais da metade dos casos, podendo
& VERRESCH, 2006) ocorrer em qualquer idade e não tendo uma
As principais anormalidades cardíacas con- causa específica. É uma condição que deve ser
gênitas observadas na ST são obstruções do co- acompanhada e tratada de forma rigorosa (DO-
ração esquerdo, dentre as mais comuns a vál- NATO & FERREIRA, 2018; DULAC, 2008).
vula aórtica bicúspide (dezesseis %) e coarcta- Na abordagem das doenças cardiovascula-
ção da aorta (onze %), sendo encontradas si- res na ST, é recomendado a realização de um
multaneamente em determinados casos. A vál- exame físico cardiológico, com aferição da
vula aórtica bicúspide (VAB) é encontrada em pressão arterial e pulsos em todas as consultas.
menos da metade das pacientes com Turner e Deve-se realizar um eletrocardiograma, para
geralmente seu diagnóstico é difícil, pois sua avaliar distúrbios de condução, e ecocardio-
grama. A ressonância magnética é recomenda-
221
da em crianças a partir de 12 anos, mesmo que dio dos movimentos fetais; sucção fraca; difi-
nenhuma anomalia cardíaca seja detectada na culdade no desenvolvimento; hipotonia inicial
ecocardiografia. É recomendada a avaliação seguida de hipertonia; occipital proeminente;
com ecocardiograma a cada três e cinco anos de pavilhão auricular displásico e de implantação
idade, independentemente da presença de alte- baixa; micrognatia; palato alto e estreito; lábio
rações cardiovasculares detectadas (DO-NATO leporino e/ou palato fendido; pescoço curto; es-
& FERREIRA, 2018; GUEDES & VER- terno curto; distância intermamilar aumentada;
RESCH, 2006). anormalidades renais e hidronefrose; anormali-
O tratamento da ST é direcionado às mani- dades genitais; malformações do trato gastroin-
festações clínicas da doença que inclui terapia testinal; hérnias inguinais e/ou umbilical; unhas
de reposição de estrogênio, suplementação de hipoplásticas; calcanhar proeminente; segundo
somatropina e aconselhamento genético. A te- e quinto dígitos superpostos ao terceiro; cardio-
rapia de reposição de estrogênio possui bene- patias congênitas (ROSA, 2013; SANTANA,
fícios na questão cardiovascular como redução 2006).
da rigidez arterial central, melhora da função As malformações cardíacas ocorrem em
endotelial e diminuição da espessura média da aproximadamente 85% dos pacientes com tris-
camada íntima da carótida. A hipertensão arte- somia do cromossomo 18, sendo que a maioria
rial deve ser controlada com o uso de antihiper- dos indivíduos apresentam lesões cardíacas
tensivos. Em relação às cardiopatias congêni- múltiplas como: comprometimentos valvares,
tas, o tratamento é realizado através de cirurgias doença polivalvular, DSAV, DSV, DSAI, PCA,
específicas para cada alteração, não sendo CIA, CIV e demais cardiopatias complexas (
abordado na literatura qual melhor é o momento SANTANA, 2006).
da intervenção cirúrgica (GUEDES & VER- A doença polivalvular é descrita por alguns
RESCH, 2006). autores como um achado característico da SE,
pois os portadores dessa síndrome geralmente
Síndrome de Edwards apresentam comprometimento anatômico si-
A Síndrome de Edwards (SE) ou trissomia multâneo de duas ou mais válvulas cardíacas
autossômica do cromossomo 18 é uma aneu- como a mitral, tricuspide, aórtica e pulmonar.
ploidia caracterizada por um cromossomo 18 Diferentemente da dextroposição da aorta é
extra. É a segunda síndrome genética mais ob- uma anomalia raramente observada (ROSA,
servada ao nascimento, superada apenas pela 2013;SANTANA, 2006).
Síndrome de Down. Sua incidência está direta- O quadro clínico depende da combinação
mente relacionada com a idade materna avan- de válvulas acometidas e da gravidade relativa
çada, ocorrendo em cerca de um para 3.000 nas- dos danos de cada uma. Podendo apresentar ao
cidos vivos, na proporção de três para um aco- exame físico: sopro sistólico que simula CIV e
metidos entre o sexo feminino e masculino é melhor identificado entre a primeira e sexta
(PORTO, 2020; SANTANA, 2006). semana de vida, dispneia, cianose e sinais de in-
A SE caracteriza-se por um quadro clínico suficiência cardíaca congestiva (ROSA, 2013;
amplo, com acometimento de múltiplos siste- SANTANA, 2006).
mas e órgãos com anomalias fenotípicas clás- Assim como as demais cardiopatias congê-
sicas, como: baixo peso ao nascimento, geral- nitas situadas neste capítulo o diagnóstico é
mente associado à pós-maturidade; inicio tar- feito por ecocolordoppler cardíaco e o trata-

222
mento cirúrgico é a principal medida terapêu- O tratamento e a intervenção médica de-
tica (PORTO, 2020; SANTANA, 2006). pendem da presença e do tipo de anormalidades
Alguns escritores consideram, 75% a 100% graves ou com risco de vida no paciente
dos casos, a CIV perimembranosa o tipo mais (SANTANA, 2006).
frequente de anomalia cardíaca congênita en- O prognóstico para bebês com SE é reser-
contrada. Em que sua apresentação clínica varia vado, sendo a sobrevida para a maioria dos pa-
desde o curso benigno da doença, geralmente cientes de 2 a 3 meses para o sexo masculino e
assintomático, até apresentações mais sintomá- de 10 meses para o sexo feminino, raramente
ticas como taquipnéia, cansaço progressivo ultrapassando o segundo ano de vida. Segundo
durante as mamadas, interrompendo-as com relatos na literatura há casos de pacientes com
frequência e interferindo no ganho de peso, su- 13, 15 e 18 anos . A sobrevida está relacionada
dorese excessiva; até o estágio mais grave em com a gravidade das malformações congênitas
que apresenta intensa dispnéia. Além de infec- (SANTANA, 2006).
ções pulmonares e broncoespasmo que podem
ser diagnosticados como asma ou bronquiolite CONCLUSÃO
(SANTANA, 2006).
Observou-se, na literatura aqui pautada, que
Apenas dez a 15 % dos pacientes com CIV
as cardiopatias congênitas são malformações
desenvolvem IC congestiva com necessidade
anatômicas de prevalente incidência nas síndro-
de tratamento medicamentoso (SANTANA,
mes genéticas. Representam a segunda maior
2006).
causa de mortalidade nos infantes menores de
A confirmação do diagnóstico clínico de-
um ano de idade e a principal etiologia de óbito
pende do estudo cromossômico pelo exame de
nas unidades pediátricas de tratamento inten-
cariótipo. Aproximadamente 80% dos casos da
sivo.
SE são devidos à trissomia completa do cro-
mossomo 18; 10% devidos a uma aneuploidia O diagnóstico precoce, por meio da citoge-
dupla ou têm uma translocação envolvendo o nética, das síndromes genéticas; e o rastreio
cromossomo 18 que resulta numa trissomia par- adequado de suas possíveis cardiopatias con-
cial do mesmo, e os 10% restantes dos pacientes gênitas, através de exames complementares
apresentam mosaicos de linhagens celulares apropriados; possibilita a indicação da conduta
normais e trissomia do 18. Atualmente, novas terapêutica corretiva, promovendo um melhor
técnicas, como a de hibridização in situ fluo- prognóstico desses pacientes e a quebra do
rescente (FISH) e a de hibridização genômica paradigma da mortalidade infantil por cardiopa-
comparativa (CGH), vêm sendo utilizadas no tias congênitas na população pediátrica.
diagnóstico, especialmente no diagnóstico rá-
pido em recém-nascidos e na detecção da sín-
drome no pré-natal (SANTANA, 2006).

223
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225
Capítulo 23

HIPERTENSÃO ARTERIAL
RESISTENTE: UMA REVISÃO
DE LITERATURA

MATHEUS SILVA ALCÂNTARA¹


ROBERTO DE ANDRADE GARCIA FILHO¹
THAIS DE CASTRO PEREIRA¹
VANESSA DE JESUS TELLES¹
JULIANA MAYUMI UMEKAWA¹
ALINE GONZALEZ SCANDELAI2
1
Acadêmicos do Curso de Medicina da Universidade Federal de Rondonópolis –
UFR, Rondonópolis – MT.
2
Graduada em Medicina pela Faculdade de Medicina de Petrópolis – FMP,
Petrópolis – RJ.

Palavras-chave:
Hipertensão resistente; Hipertensão refratária; Doenças cardiovasculares.

226
INTRODUÇÃO “Complicações” e “Doenças Cardiovasculares”
bem como suas variantes na língua inglesa.
A Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) Foram incluídos neste estudo os artigos ci-
continua sendo um grande problema de saúde entíficos nos idiomas inglês, espanhol e portu-
pública. Ela, segue sendo a principal causa de guês de 2016 a 2020, que incluíram o texto
mortalidade em todo o mundo, com uma pre- completo e abordavam sobre hipertensão resis-
valência projetada entre os adultos de 29% até tente ou hipertensão refratária. Foram exclu-
2025. (LI et al., 2016) Dentre estes pacientes, ídos os artigos que não apresentavam informa-
portadores de hipertensão, estima-se que 11 a ções sobre o objetivo proposto.
33% correspondam a hipertensos resistentes Após a seleção dos artigos nas bases de da-
constituindo uma proporção não desprezível da dos, foram excluídos os que estavam repetidos
população (MACEDO et al., 2020). em diferentes bancos de dados, e os restantes
A Hipertensão Resistente (HR) é um pro- foram utilizados nesta revisão.
blema clínico comum e enfrentando com fre-
quência por especialistas e clínicos de atenção RESULTADOS E DISCUSSÃO
primária. Ela, foi definida, em 2018, pela De-
claração Científica da American Heart Associ- Ainda se discute muito se HR e Hipertensão
ation, como uma Pressão Arterial (PA) ≥130 / Refratária (HRf) são fenótipos ou gradações di-
80 mmHg, apesar do uso concomitante de 3 ferentes de uma mesma doença (PÓVOA, 2020).
agentes anti-hipertensivos ou uma PA contro- Em comparação à definição da HR, conforme
lada exigindo 4 ou mais agentes anti-hiperten- exposto neste capítulo, a HRf é definida como
sivos; sendo necessária a exclusão da não ade- falha no controle de altos níveis pressóricos
são ao medicamento para a realização do diag- apesar do uso de cinco ou mais drogas anti-
nóstico (TSUJIMOTO & KAJIO, 2019). hipertensivas, incluindo, tiazídicos e antago-
Contudo, apesar de ser o fenótipo mais ex- nistas de mineralocorticoides. Tendo sua pre-
tensamente estudado de pacientes com hiper- valência variando entre 5 a 10% dos pacientes
tensão de difícil controle a HR ainda possui com HR (CARDOSO; SALLES, 2020).
evidências limitadas sobre as estratégias de Ao se comparar os pacientes portadores de
tratamento e uma possível PA alvo (CAR- HR e HRf tem-se algumas peculiaridades e se-
DOSO & SALLES, 2020). Nesse sentido, o melhanças entre eles. Pacientes portadores de
objetivo desse trabalho foi reunir as publicações HR tentem a ser obesos, mais velhos em idade,
cientificas mais recentes sobre o tema e suas negros não hispânicos e diabéticos (LI et al.,
possíveis estratégias terapêuticas. 2016). Enquanto os pacientes com HRf pare-
cem ser mais jovens e com maior prevalência
MÉTODO de lesões de órgãos-alvo e doença renal crônica.
Ademais, estudos comprovam a relação seme-
Esta revisão de literatura foi realizada em lhante entre ascendência africana e presença de
setembro de 2021, utilizando, como bases de HR ou HRf e alto risco cardiovascular. Além de
dados, a Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), a demonstrarem a associação já conhecida entre
PubMed e a SciELO para pesquisa de publica- HR, sexo feminino, idade avançada e obesi-
ções científicas. Esta foi conduzida utilizando dade. Contudo, pacientes com HRf apresentam
os seguintes descritores: “Hipertensão Refratá- piores desfechos cardiovasculares e mortalida-
ria”, “Hipertensão Resistente”, “Hipertensão”,

227
de que os pacientes que possuem HR (CARDO- sitivos, mais promissor. Além disso, a terapia
SO; SALLES, 2020). de ativação de barorreceptores está entre as
As formas mais frequentes de HR conhe- mais avaliadas. Contudo, estudos randomiza-
cidas são o hiperaldosteronismo primário, a ap- dos, cegos e bem controlados não conseguiram
neia obstrutiva do sono e a doença renal crônica provar a eficácia destes métodos, sendo neces-
(LI et al., 2016). Sendo o aumento da atividade sárias mais pesquisas sobre estes a fim de ve-
do Sistema Nervoso Simpático (SNS) um dos rificar a segurança de sua utilização como tra-
principais mecanismos responsáveis para a pa- tamento (LI et al., 2016).
togênese da HR (LI et al., 2016). Outrossim, os estudos SPRINT (Systolic
Atualmente, existem fortes evidências que Blood Pressure Intervention Trial) e ACCORD
a HR continua sendo um grande desafio no BP (Action to Control Cardiovascular Risk in
manejo da HAS em todo mundo (LI et al., Diabetes Blood Pressure) ao pesquisarem sobre
2016). Ela, acaba por aumentar o risco de vários o tratamento intensivo com manutenção de uma
eventos cardiovasculares, como doença corona- meta de PA relataram, respectivamente, que o
riana, acidente vascular cerebral e insuficiência tratamento intensivo com uma PA sistólica alvo
cardíaca. Fato que a torna um importante fator de 120 mmHg foi associado a redução da in-
de risco prognostico para morbidade e mor- cidência de eventos cardiovasculares e morte
talidade (TSUJIMOTO & KAJIO, 2019). em pacientes de alto risco, sem DM ou história
Ademais, os riscos de eventos cardiovas- anterior de acidente vascular cerebral, e que a
culares como ataque cardíaco, acidente vascu- meta de PA sistólica intensiva de <120 mmHg
lar cerebral, doença renal em estágio terminal e em pacientes de alto risco com DM, tipo 2, não
morte, pode ser duas vezes maior em indivíduos reduziu o desfecho composto de eventos car-
com HR do que em hipertensos não resistentes diovasculares maiores fatais e não fatais. Logo,
(VILDOSO et al., 2020). tem-se a DM como importante fator de risco
Diante disso, estudos tem propostos novos prognóstico para morbidade e mortalidade
esquemas terapêuticos (com a inclusão defini- (TSUJIMOTO & KAJIO, 2019).
tiva da espironolactona como quarta droga), a- Neste mesmo estudo, nos pacientes com
lém de terapias intervencionistas em busca de HR, a PA sistólica média durante o acompa-
um controle pressórico mais adequado da PA nhamento intensivo foi de 122,9 mmHg com-
(CARDOSO et al., 2020). parado à 137,6 mmHg dos que não obtiveram
Dentre as estratégias terapêuticas estudadas acompanhamento intensivo. O tratamento in-
um recente ensaio clínico demonstrou que o uso tensivo da PA resultou em uma diminuição da
de espironolactona pode ser um redutor de PA incidência de eventos cardiovasculares e morte
altamente eficaz no tratamento adjuvante para em pacientes com hipertensão resistente quan-
pacientes com HR (TSUJIMOTO & KAJIO, do comparados aos pacientes com HR que não
2019). Além de outras estratégias que vem sido receberam acompanhamento intensivo. Nesse
pesquisadas nos últimos anos que serão deba- sentido, o estudo sugere que a estratégia de
tidas abaixo. tratamento intensivo de PA pode ser benéfica
O avanço da tecnologia tornou possível a mesmo quando o objetivo terapêutico da PA
terapia baseada em dispositivos minimamente sistólica <120mmHg não é alcançado. Contudo,
invasivos para HR. Sendo a denervação sim- ainda há evidencias limitadas sobre HR e as
pática renal o tratamento, baseado em dispo- estratégias de tratamento, incluindo a PA alvo,

228
que para estes pacientes, permanece obscura. CONCLUSÃO
Sendo necessários mais estudos sobre a eficácia
e segurança do tratamento intensivo da PA em Mediante o presente estudo, conclui-se que
pacientes com HR (TSUJIMOTO & KAJIO, apesar de ser um problema clínico muito co-
2019). mum e enfrentado com frequência por profis-
Por conseguinte, atingir a PA alvo mais sionais de saúde. A Hipertensão Resistente
baixa requer uma combinação de tratamento (HR) ainda apresenta evidências limitadas so-
com medicamentos anti-hipertensivos e ajustes bre suas estratégias de tratamento. Percebe-se
no estilo de vida, como restrição de sal na dieta, que a redução da Pressão Arterial (PA) apre-
exercícios e perda de peso (TSUJIMOTO & senta significativa redução do risco de desen-
KAJIO, 2019). Tomando-se como base que os volver eventos cardiovasculares, porém falta
pacientes com HR, além de possuírem relação evidências de como alcançar a redução desta.
com obesidade e DM, refletem a um perfil ali- Estudos promissores têm sido realizados sobre
mentar pobre em relação a alguns micronu- estratégias de tratamento como: intervenções
trientes antioxidantes (vitamina A, vitamina C, com dispositivos minimamente invasivos e
vitamina E, selênio e zinco), fato que indica a controle intensivo da PA o que nos norteiam
necessidade de planejamento alimentar adequa- para uma perspectiva futura de melhora na as-
do para estes pacientes como parte comple- sistência prestada a estes pacientes. Contudo,
mentar ao tratamento (VILDOSO et al., 2020). são necessários mais estudos cegos, randomi-
Diante do exposto, tendo como base que a zados e bem controlados a fim de estabelecer as
redução da PA resulta em significativa redução estratégias mais eficazes para o tratamento e
do risco de desenvolver tais eventos cardio- controle da HR e HRf.
vasculares vê-se a necessidade de mais pesqui-
sas sobre estratégias de tratamento para HR e
HRf (TSUJIMOTO & KAJIO, 2019).

229
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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População de Hipertensos Afrodescendentes. A B C
Cardiol: Arquivos Brasileiros de Cardiologia v. 115, n 1,
p 31, 2020.

230
Capítulo 24

SÍNDROME DE TAKOTSUBO:
UMA RESPOSTA DO
SISTEMA NERVOSO
SIMPÁTICO AO ESTRESSE
BEATRIZ GOMES LERIA¹
ANDRESSA GABRIELA CORRÊA MORAES¹
ANNE KAROLLYNE ALVARES SANTOS¹
CAROLINA SCHMIDT BARBOZA¹
CAROLINE MUSSI FERREIRA¹
GABRIELA SANDES FERREIRA¹
LAURA BEATRIZ ALMEIDA ANDRADE¹
LARISSA ISABELI DA SILVA ARARUNA¹
GUILHERME COTOMACCI²
¹Discente - Medicina da Universidade Nove de Julho - UNINOVE
²Docente - Medicina da Universidade Nove de Julho - UNINOVE

Palavras-chave:
Catecolaminas; Estresse; Síndrome de Takotsubo

231
INTRODUÇÃO coração visa explicar as anormalidades do mo-
vimento ventricular e as peculiaridades intrín-
A Síndrome de Takotsubo (STT), também secas dessa patologia.
referida na literatura como a Cardiomiopatia do Nessa perspectiva, é importante ressaltar a
Estresse e na linguagem popular como a Sín- contribuição científica desta pesquisa, uma vez
drome do Coração Partido, é uma condição clí- que a prevalência da Síndrome de Takot-subo
nica aguda caracterizada pela disfunção ventri- se torna cada vez mais considerável e é cons-
cular esquerda transitória dissociada de doença tantemente confundida com outras complica-
arterial coronariana (DAC), que em casos críti- ções. Evidencia-se, portanto, a necessidade dos
cos, pode apresentar complicações como insu- profissionais da saúde estarem atentos e capa-
ficiência cardíaca, arritmias ventriculares e citados quanto às atualizações da Cardiomio-
choque cardiogênico. A apresentação clínica patia, a fim de aplicarem um diagnóstico
mais comum inclui sintomas como a dor torá- preciso e uma estratégia terapêutica eficaz.
cica e dispneia, o que dificulta a distinção do Tendo em vista as questões supracitadas, o
infarto agudo do miocárdio. Além disso, os objetivo do presente estudo é revisar os princi-
achados eletrocardiográficos, incluindo a eleva- pais aspectos relacionados à Síndrome de Ta-
ção do segmento ST na presença ou ausência de kotsubo, sendo eles, Epidemiologia, Fisiopato-
alteração dos níveis de troponina ou creatina logia, Diagnóstico e Tratamento, com ênfase
quinase-MB (CK-MB), também podem, inici- nos mecanismos fisiopatológicos do sistema
almente, mascarar o diagnóstico (PRASAD et nervoso simpático como desencadeadores das
al., 2008). alterações cardiovasculares. Ademais, também
Historicamente, o termo “Takotsubo” foi foi alvo deste estudo, a exploração da influência
reproduzido pela primeira vez no Japão em dos fatores ambientais e emocionais na patogê-
1990 por Sato et al. (1990). Subsequente- nese, adotando o estresse como o conceito-
mente, Dote et al. (1991), relataram a condição chave investigado.
cardíaca em 5 pacientes na qual, por meio de
ventriculografia esquerda, observou-se o balo- MÉTODO
nismo apical como uma característica morfoló-
gica do ventrículo esquerdo (VE) que remetia à O estudo consistiu em uma revisão literária
forma de um pote de pesca – takot-subo - usado realizada por meio de levantamento bibli-
no Japão para capturar polvos, firmando, assim, ográfico, análise de conteúdo e discussão entre
a nomenclatura atribuída à Síndrome (SATO et os autores, durante o segundo semestre de 2021.
al. 1990). A principal base de dados utilizada foi o
A fisiopatologia da síndrome e suas reper- PubMed, em conjunto com o Google Scholar e
cussões têm sido alvos constantes de pesquisa, plataformas de instituições de referência, como
uma vez que, no conceito atual, eventos estres- a Sociedade Europeia de Cardiologia e a
santes fisiológicos e psicológicos são os respon- Sociedade Americana de Cardiologia.
sáveis por disparar a ativação do sistema ner- Os descritores estabelecidos foram “Car-di-
voso simpático, levando à liberação excessiva omiopatia”, “Síndrome de Takotsubo”, “Es-
de catecolaminas (PELLICCIA et al., 2017). tresse”, “Sistema Nervoso” e “Catecolaminas”,
Desta forma, a exploração da conexão cérebro- aplicando como filtro os últimos 15 anos (2006-
2021), com ressalva dos artigos pioneiros que

232
descreveram aspectos pertinentes e reconheci- Quanto à incidência, as evidências apon-
dos até hoje em relação à Síndrome de Ta- tam que de 1% a 2,5% das admissões de paci-
kotsubo. Dentre os artigos selecionados, foram entes submetidos à angiografia coronariana
excluídos aqueles que não envolviam a temática com suspeita de Síndrome Coronariana Aguda
proposta e que se repetiam nas bases de dados. (SCA) o diagnóstico correto seja STT (LOOI et
Inicialmente, foram analisadas cer-ca de 50 re- al., 2012). Contudo, quando essa amostra
ferências, sendo que foram repro-duzidas, neste abrange somente pacientes do sexo feminino, as
trabalho, as mais relevantes e que mais aten- quais manifestam mais essa patologia, essa in-
diam as demandas propostas. cidência atinge cerca de 6% (SCHNEIDER et
al., 2013). Além disso, a literatura relata que a
RESULTADOS E DISCUSSÃO STT nas mulheres possui uma incidência de
12% em relação à apresentação de infarto
Epidemiologia
agudo do miocárdio (IAM) com supradesnive-
Estudos recentes indicam que o início da lamento do segmento ST (LOOI et al., 2012).
Síndrome de Takotsubo é anteposto por es- Enquanto isso, a taxa de recorrência da Sín-
tresse físico ou emocional em cerca de 70% a drome, de acordo com estudos publicados pelo
80% dos pacientes (SCHNEIDER et al., 2013). European Heart Journal, apresenta uma esti-
Nesse sentido, os estressores físicos como cri- mativa de 1,8% por paciente-ano (GHADRI et
se asmática, trabalho exaustivo e sepse repre- al., 2018).
sentam de 30 a 32% desses estímulos, ao
mesmo tempo que os estressores emocionais, Fisiopatologia
por exemplo, violência doméstica, morte re- A característica etiológica comum da sín-
pentina de algum ente querido e notícia de di- drome é o estresse repentino, que é definido
agnóstico médico errado equivalem a 36%. como uma resposta do organismo a qualquer
Ademais, constatou-se também que ambos os evento que perturbe sua homeostase. Em res-
estressores estão presentes em 9% dos pacien- posta aos eventos estressores, durante a fase de
tes diagnosticados com STT. Além disso, de “luta ou fuga”, ocorre intensa ativação dos neu-
acordo com um estudo sistemático envolvendo rônios pré e pós-ganglionares do sistema ner-
1.109 pacientes feito pelo The American Jour- voso simpático, culminando no aumento da sín-
nal of Medicine, ao se tratar de estressores emo- tese e liberação de catecolaminas, que intera-
cionais, os distúrbios psicológicos constituem gem com diferentes órgãos efetores. Resumida-
24% das comorbidades com maior prevalência mente, a hiperativação das vias de sinalização
atreladas à Síndrome (PELLICCIA et al., simpáticas levam às alterações características
2015). Dessa forma, é possível correlacionar a da fase de luta ou fuga, como por exemplo, au-
STT aos fatores psicológicos e aos gatilhos es- mento do cronotropismo e inotropismo cardí-
tressores atrelados. aco, midríase, broncodilatação, aumento da dis-
Acredita-se que aproximadamente 90% dos ponibilidade de glicose, inibição da salivação e
pacientes diagnosticados são mulheres entre 62 da atividade do trato gastrointestinal
e 76 anos devido à menopausa e seus fatores (GIBBONS, 2019).
hormonais, apesar de indivíduos de diversas
idades e ambos os sexos poderem manifestar a
síndrome (SCHNEIDER et al., 2013).

233
Conexão Cérebro-Coração Quanto à inervação simpática cardíaca, ela
O processo de interpretação de um estí- parte principalmente dos gânglios estrelados
mulo como ameaçador, depende de complexas direito e esquerdo, sendo que tais fibras alcan-
interações do sistema nervoso central (SNC) e çam o miocárdio e os vasos coronários com
do sistema nervoso simpático (SNS), a nível ne- suas terminações nervosas, que uma vez despo-
ocortical e límbico, que desencadeiam uma larizadas, permitem a exocitose de vesículas
resposta de ativação dos neurônios noradrenér- contendo norepinefrina diretamente na fenda
gicos do tronco cerebral (principalmente do lo- sináptica (GIBBONS, 2019; PELLICCIA et al.,
cus ceruleus) e de circuitos adrenomedulares 2017).
simpáticos, o que culmina no aumento da secre-
A cardiotoxicidade das catecolami-
ção de catecolaminas (PELLICCIA et al., nas e o balonismo apical
2017).
A partir do estímulo inicial, um disparo pro-
Localizado na região dorsolateral superior
move a ativação do sistema nervoso simpático
da ponte, o locus ceruleus é um centro de con-
(SNS) com subsequente liberação de catecola-
trole essencial, uma vez que é o principal pro-
minas, as quais se encontram em níveis subs-
dutor de noradrenalina no cérebro. Além disso,
tancialmente superiores aos de pacientes com
recebe aferência do hipotálamo, giro cingulado
infarto agudo do miocárdio de pior prognóstico
e amígdala, o que permite a sua ativação por di-
(Killip classe III - classificação referente àque-
ferentes estímulos estressores, levando ao au-
les que apresentam edema agudo de pulmão
mento da concentração de norepinefrina e a es-
com chance de sobrevida de 38% em 30 dias)
timulação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal
(WITTSTEIN, 2016).
(SCHWARZ et al., 2015).
Embora existam resultados controversos,
A medula da glândula adrenal é formada
ainda sim é sabido que a injeção intravenosa de
por células cromafins (neurônios pós gangli-
catecolaminas, epinefrina ou agonistas de re-
onares modificados), que quando estimulados
ceptor beta incita características típicas da Sín-
pelas fibras simpáticas, liberam quantidade sig-
drome de Takotsubo (KIDO & GUGLIN,
nificativa de epinefrina e norepinefrina na cir-
2017). Assim como também, consta na litera-
culação, gerando uma resposta neuroendócrina
tura que doenças relacionadas à liberação ex-
mais prolongada ao estresse. Além disso, a ati-
cessiva de catecolaminas, como a feocromoci-
vação do córtex da adrenal pelo eixo hipotá-
toma (tumor na suprarrenal), são capazes de
lamo-hipófise-adrenal leva à liberação de cor-
promover apresentações clínicas alusivas à STT
tisol, principal hormônio do estresse, que em
(WITTSTEIN, 2016).
conjunto com os nervos simpáticos mantém
Sabe-se que as catecolaminas causam um
ativa a produção e secreção de catecolaminas
efeito inotrópico positivo (aumento da força de
pela medula adrenal (MAZEH et al., 2012).
contração) modulado pela quantidade de cálcio.
Vale ressaltar também que os impulsos ner-
E se tratando do coração, essa resposta se dá
vosos ativam, além do locus ceruleus, vias neu-
através da atuação da norepinefrina, predomi-
rais simpáticas a partir do hipotálamo posterior.
nantemente, via receptores beta adrenérgicos
Os neurônios pré-ganglionares estão localiza-
do tipo 1 (β1AR). A enzima Ca2+-ATPase de
dos na coluna lateral de T1 à L2-L3 e fazem
retículo sarcoplasmático subunidade 2a
sinapse com os neurônios pós ganglionares.
(SERCA2a) é a responsável por determinar esse

234
influxo de cálcio nos cardiomiócitos com de resposta fibrótica, na qual o curto episódio
decorrente resposta contrátil aumentada, na de dano muscular cardíaco e o aumento da
qual sua regulação acontece por meio de duas síntese proteica, um efeito compensatório,
proteínas inibitórias, a fosfo-lambam (PLB) e a contribuem para a rápida reversibilidade. Os
sarcolipina (SNL). A primeira, em condições fi- mecanismos de estopim dessa rápida recupera-
siológicas, é mais expressa nos ventrículos, en- ção ainda permanecem desconhecidos (NEF et
quanto que a segunda, nos átrios (SAHOO et al., 2007).
al., 2013). Embora haja um consenso de que a Sín-
Diante disso, um aumento excessivo de ca- drome de Takotsubo é caracterizada por níveis
tecolaminas pode constituir um resultado preju- elevados de catecolaminas, como isso se tra-
dicial sobre o VE, percebido na STT. Os recep- duz na característica típica de balonismo apical
tores beta adrenérgicos estimulados regulam é o que ainda instiga diversas pesquisas e hipó-
negativamente a SERCA2a e positivamente a teses para melhor compreensão da doença. A
PLB e a SNL (NEF et al., 2010). Rolf et al. mais plausível associa essa característica com a
(2009) demonstraram uma expressão aumen- irregularidade na densidade de receptores
tada da SNL nos ventrículos na fase aguda da adrenérgicos no VE, sendo baixa no segmento
síndrome e no momento de recuperação funci- basal e alta no segmento apical (Figura 24.1)
onal do miocárdio, sendo considerada como um (NÓBREGA et al., 2012).
possível biomarcador desta patologia. Já Hamm
Figura 24.1 Representação esquemática da distribuição
et al. (2009), verificaram que a razão da PLB dos receptores beta adrenérgicos e das diferentes regiões
desfosforilada com a enzima SERCA2a carac- do miocárdio em resposta ao alto nível de catecolaminas
teriza a então disfunção contrátil, posto que a
afinidade para o Ca2+ nesse panorama, se torna
reduzida.
Nesse sentido, a hipótese de uma toxicidade
cardíaca direta estimulada por catecolaminas na
Síndrome de Takotsubo continua sendo forte-
mente debatida entre autores contemporâneos.
Essas catecolaminas liberadas de forma direta
no tecido muscular do coração, por meio de
nervos simpáticos, possuem um efeito “tóxico”
relevante quando comparado com àquelas que
atingem o coração através da corrente sanguí-
nea. (PELLICCIA et al., 2017). Fonte: Adaptado de Lyon et al., 2008.
De forma mais específica, essa liberação de Em experimentos realizados com ratos
norepinefrina nos terminais nervosos do mio- transgênicos que possuíam superexpressão do
cárdio possui potencial de reduzir a efetividade receptor beta adrenérgico tipo 2 (β2AR), foi ob-
do cardiomiócito, uma vez que, por meio de servado que em concentrações suprafisiológi-
AMPc, ela provoca a sobrecarga de cálcio. A cas de catecolaminas, um efeito inotrópico ne-
partir disso, obtém-se, em fase aguda, resulta- gativo nos cardiomiócitos pode ser gerado es-
dos histológicos como inflamação mononuclear pecificamente pela epinefrina, posto que notou-
focal, bandas de contração característica e áreas

235
se uma troca no acoplamento dos β2AR da si- nado de “tráfego de estímulo” ou “tráfego dire-
nalização da proteína Gs (estimulatória) para a cionado por ligante” (como observado na Fi-
sinalização da proteína Gi (inibitória), não per- gura 24.2) explica o padrão de acinesia apical
mitindo a ativação da via AMPc/PKA. Esse com contratilidade basal preservada que aco-
processo de mudança de acoplamento denomi- mete os pacientes com STT (HEUBACH et al.,
2004; PAUR et al., 2012).

Figura 24.2 Representação da troca de acoplamento dos β2AR

Acredita-se que, apesar de o segmento basal contrair adequadamente e leve a uma disfun-
do coração ter uma maior densidade de termi- ção ventricular (PAUR et al., 2012).
nações simpáticas, o ápice possui uma maior Quando os níveis de catecolaminas na cir-
responsividade às catecolaminas circulantes, culação voltam ao normal, foi demonstrado que
predominantemente epinefrina das glândulas os receptores adrenérgicos β2 acoplados à pro-
suprarrenais, como uma mecanismo compen- teína Gi retornam ao acoplamento à proteína
satório para a esparsa inervação simpática api- Gs, ou ainda, são internalizados e degradados,
cal (NÓBREGA et al., 2012). permitindo que os cardiomiócitos recuperem
Nesse contexto, o deficiente movimento do sua função inotrópica. Assim, acredita-se que
músculo cardíaco no ápice do coração, devido esses eventos expliquem também o aspecto re-
a mudança de sinalização de β2AR em condi- versível da disfunção ventricular da STT
ções suprafisiológicas de epinefrina durante pe- (LYON et al., 2008).
ríodos de estresse, implica que este deixe de se

236
Efeito cardioprotetor do estrogênio Predisposição genética
A STT afeta, principalmente, mulheres pós- A presença de predisposição genética na
menopausa. Tendo em vista essa intrínseca re- STT ainda é controversa (WITTSTEIN, 2016).
lação, estudos teorizam que a deficiência de es- Todavia, ao comparar com um grupo controle,
trogênios, presente nesta fase, pode ser respon- foi descoberto uma maior prevalência do poli-
sável pela maior incidência dessa síndrome em morfismo L41Q do GRK5, um tipo de receptor
mulheres mais velhas (SCHNEIDER et al., quinase acoplado à proteína G, em pacientes
2013). afetados pela síndrome. Essa variação fenotí-
Os estrogênios são os principais hormônios pica é causada pela substituição da glutamina
sexuais femininos, sendo que no plasma san- por leucina na posição 41, o que prejudica a res-
guíneo, são encontrados, em concentrações re- posta dos receptores beta-adrenérgicos. Esse
levantes, três tipos: β-estradiol, estrona e estri- polimorfismo atenua o efeito inotrópico das ca-
ol. Esses hormônios, produzidos nos ovários, tecolaminas no tecido cardíaco, predispondo,
estão envolvidos com inúmeras funções no de- assim, um risco maior para essa síndrome do
senvolvimento e reprodução sexual, além de es- balonismo apical do ventrículo esquerdo (SPI-
tarem relacionados com um grande número de NELLI et al., 2009).
processos fisiológicos (UEYAMA et al., 2007).
Em condições normais, esses hormônios inter- Diagnóstico
ferem na circulação sistêmica e coronariana, Inicialmente, faz-se necessário o correto di-
por vias dependentes e independentes do endo- agnóstico da Síndrome de Takotsubo para ofe-
télio, promovendo, assim, um equilíbrio vaso- recer o tratamento adequado. Por se caracterizar
motor (PELLICCIA et al., 2017). Ademais, sintomaticamente semelhante a outras cardio-
Lou et al. (1996) comprovaram em seu estudo miopatias (síndrome coronariana, IAM, mio-
que o estradiol inibiu, em coelhos com aloen- cardite), a STT é frequentemente subdiagnosti-
xertos cardíacos, a expressão do complexo prin- cada, exigindo, para sua correta identificação,
cipal de histocompatibilidade (MHC) do tipo II, atenção com o perfil do paciente, com seu his-
nas artérias coronárias, e diminuiu a infiltração tórico psicológico e com as alterações nos
e proliferação de células imunológicas nas ca- exames laboratoriais e de imagem uma vez que
madas vasculares. esses exames possuem peculiaridades que con-
Todavia, em decorrência do envelhecimen- trastam com as demais síndromes cardíacas e
to natural dos seres humanos, as mulheres, por proporcionam a confirmação da patologia (KU-
volta dos 68 ± 13 anos, passam por uma inter- RISU et al., 2002).
rupção fisiológica da secreção dos estrogênios O ecocardiograma é um grande aliado para
e, consequentemente, dos ciclos menstruais, de- o diagnóstico pelo baixo custo, disponibilidade,
nominada menopausa. (SHARKEY et al., segurança e facilidade de realização em situ-
2010). A perda dos efeitos cardioprotetores des- ações emergenciais. Por meio dele, obtém-se
sa biomolécula, associada à resposta de curto informações sobre as funções sistólica e dias-
prazo pelo SNS ao estresse, exacerba as res- tólica e sobre a morfologia do VE. A caracte-
postas dos cardiomiócitos à hipersecreção de rização da forma mais comum de STT dá-se
catecolaminas, podendo evoluir para STT pela acinesia do VE nos segmentos médio e api-
(PELLICCIA et al., 2017).

237
cal, podendo haver hipercinesia basal compen- menor magnitude, quando comparado ao IAM,
satória; em formas menos comuns, pode apre- e incompatíveis com a extensão da anormali-
sentar preservação funcional do ápice – variante dade de movimentação da parede do VE. Em
poupadora apical. contrapartida, os níveis plasmáticos de peptídeo
De resultados mais amplos, heterogêneos e natriurético do tipo B (BNP) e/ou do precursor
não patognomônicos, os achados no eletrocar- do proBNP N-terminal, durante as primeiras 24
diograma apontam que há uma maior probabi- horas, são demasiado elevados em comparação
lidade da elevação do segmento ST, nas deri- com pacientes com outras SCA e cursam com
vações V3-V6, uma inversão difusa e profunda evolução incompleta meses após o reestabele-
da onda T, que se faz presente a longo prazo, cimento do movimento fisiológico das paredes.
podendo perdurar de dias a meses, somado a um Ainda nesse comparativo, encontram-se níveis
intervalo QT prolongado, que pode ocorrer den- mais elevados de catecolaminas plasmáticas
tro de um ou dois dias após o início agudo. Ade- aparentes entre o primeiro e segundo dia sinto-
mais, é possível a apresentação de arritmia mático e perduram até o quinto e sétimo dia
atrial, disfunção sinusal ou nodal atrioventri- (NGUYEN et al., 2011).
cular e bloqueio de ramo esquerdo (SYED et Recentemente, a Sociedade Europeia de
al., 2011). No entanto, é necessário a realização Cardiologia divulgou um consenso em relação
de uma angiografia para confirmação da STT. ao uso do InterTAK Diagnostic Score como
Considerada padrão-ouro, a angiografia co- uma importante ferramenta capaz de auxiliar no
ronariana associada à ventriculografia esquerda diagnóstico diferencial da Síndrome de Takot-
permite evidenciar a ausência de lesões estenó- subo. O placar utilizado, nesse método, leva em
ticas relevantes nas coronárias, acinesia ou dis- consideração variáveis predominantes em indi-
cinesia apical do VE em conjunto à hipercinesia víduos com a doença. Nessa perspectiva, cada
basal da cavidade. O balonamento apical vem- variável é representada por um número de pon-
tricular é resultante dessa disfunção de contra- tos que, a partir da soma, ajuda a concluir se o
tilidade do miocárdio e cursa uma evolução po- paciente tem baixa ou alta probabilidade de ser
sitiva, com recuperação total da sua função glo- diagnosticado com a síndrome. Dividida em
bal (WITTSTEIN et al., 2005). sete variáveis, clínicas e eletrocardiográficas,
No caso de uma precisa avaliação e visu- essa pontuação permite que os pacientes sejam
alização de anormalidades na parede ventricu- divididos em dois grupos, aqueles com alta pro-
lar, a ressonância magnética (RM) é o exame de babilidade, apresentando uma quantidade de
maior sensibilidade se comparado à angiografia pontos maior que 70, e aqueles com baixa pro-
e à ventriculografia. A presença de trombos babilidade, que aparecem com uma quantidade
intraventriculares é um importante fator de aná- de pontos menor que 70, como demonstrado na
lise para distinção entre as diferentes cardiopa- Tabela 24.1 (OLIVEIRA et al., 2018).
tias (NAKAMORI et al., 2012).
Por fim, e não menos importante, a avali-
ação dos biomarcadores cardíacos e exames
laboratoriais podem, em conjunto dos demais
exames supracitados, fechar o diagnóstico de
STT. Encontra-se elevação de creatina quinase,
creatina quinase-MB e troponina, porém em

238
Tabela 24.1 Pontuação de Diagnóstico para Síndrome modinamicamente estáveis, são administrados
de Takotsubo (InterTAK Diagnostic Criteria) medicamentos diuréticos; nos que manifestam
edema pulmonar, inibidores da enzima conver-
Variáveis Pontos
sora de angiotensina (ECA) ou bloqueadores do
Sexo Feminino 25 receptor da angiotensina (II) a fim de facilitar a
recuperação do ventrículo esquerdo (GHADRI
Estresse emocional 24 et al., 2018). Além disso, naqueles que apre-
sentam grave obstrução no VE associado ao
Estresse Físico 13 comprometimento hemodinâmico é recomen-
Ausência de infradesnivelamento do dado o tratamento com β-bloqueador ou ago-
12
segmento ST nista de receptor α-adrenérgico, além de blo-
Doença psiquiátrica pregressa, aguda queadores de canais de cálcio, para reduzir o
11
ou crônica
gradiente de pressão no ventrículo patológico.
Doença neurológica pregressa, aguda
ou crônica
9 O hipocinecismo do ápice pode promover a
formação de coágulos, sendo assim, para redu-
Prolongamento do intervalo QT (mu-
6 zir o risco de desenvolver tromboembolismo,
lheres > 460ms; homens>440ms)
deve ser feita a terapia anticoagulante até o VE
Fonte: Adaptado de Oliveira et al., 2018.
retomar a contratilidade (KOMAMURA et al.,
Tratamento 2014).
Em pacientes com distúrbio hemodinâmico
Não existe tratamento específico para a Sín-
que resulta em choque cardiogênico, deve ser
drome de Takotsubo, visto que, a fisiopatologia
avaliada a presença de obstrução da via de saída
para a sua ocorrência não está completamente
do ventrículo esquerdo, principalmente, em pa-
esclarecida. Contudo, algumas medidas tera-
cientes com balonismo apical. Após essa ava-
pêuticas são utilizadas.
liação o tratamento sugerido é o sensibilizador
Nesse sentido, o tratamento para a STT vi-
de cálcio levosimendan que possui efeito ino-
sando a recuperação espontânea é frequente-
trópico e devido a sua ação vasodilatadora au-
mente de suporte. Além disso, como o diagnós-
menta a demanda miocárdica de oxigênio
tico que diferencia a SCA da STT geralmente
(GHADRI et al., 2018).
antes da angiografia coronariana não pode ser
Vale ressaltar ainda a importância de um
estabelecido, no cenário de emergência, deve-
tratamento diferenciado para os pacientes com
se implementar o tratamento padrão da SCA
transtornos psiquiátricos associados à STT,
com a utilização de heparina, fármacos fibrino-
uma vez que, a utilização das drogas terapêuti-
líticos e/ou clopidogrel, aspirina e se necessário
cas deve estar atrelada à reabilitação psicocar-
oxigênio e morfina. Nos pacientes em choque
diológica.
cardiogênico ou pós-parada cardíaca alguns
Entretanto, nenhum estudo comprova o be-
cuidados especiais devem ser realizados.
nefício do uso dessas drogas no manejo a longo
Quanto à utilização da aspirina, após a confir-
prazo dessa síndrome. Portanto, após a melhora
mação da STT é imprescindível que seja des-
do quadro, os medicamentos devem ser sus-
continuada (BOSSONE et al., 2013).
pensos (KOMAMURA et al., 2014).
Os principais tratamentos da fase aguda são
baseados na sintomatologia. Nos pacientes he-

239
CONCLUSÃO terizada pela ação inotrópica negativa, princi-
palmente da epinefrina nos β2AR. Além disso,
A Síndrome de Takotsubo, condição clínica a existência de predisposição genética é uma
aguda caracterizada pela disfunção ventricular questão que ainda demanda estudos, assim
esquerda transitória, tem o estresse repentino como a maior incidência dessa síndrome em
como principal fator desencadeador, que atua mulheres mais velhas, possivelmente, pela per-
na ativação do Sistema Nervoso Simpático, le- da dos efeitos cardioprotetores do estrogênio
vando à síntese e liberação de catecolaminas. A durante a menopausa. Portanto, a fim de promo-
relação desses hormônios com o tecido muscu- ver diagnósticos assertivos e a adoção de trata-
lar cardíaco não está completamente definida, mentos eficazes, novas pesquisas, principal-
mas sabe-se que a disfunção ventricular é carac- mente com enfoque na fisiopatologia da STT,
devem ser realizadas.

240
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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242
Capítulo 25

INTERAÇÕES
MEDICAMENTOSAS E NÃO
MEDICAMENTOSAS NO USO
DE ANTICOAGULANTES
ANTAGONISTAS DE VITAMINA K

BRUNA DUTRA DE OLIVEIRA1


SAMUEL GONÇALVES BARBOSA1
VICTOR TELES MENEZES CORREA1
VINICIUS TEIXEIRA NOVAIS1
1
Discente – Medicina Na Faculdade Ciências Médicas De Minas Gerais

Palavras-chave:
Interações medicamentosas; Anticoagulantes; Interações não medicamentosas.

243
INTRODUÇÃO Os critérios de inclusão foram: artigos nos
idiomas inglês e português; publicados no pe-
O tromboembolismo venoso (TEV) é a ter-
ríodo de 2016 a 2019 e que abordavam as te-
ceira doença cardiovascular mais comum, após
máticas propostas para esta pesquisa, estudos
isquemias miocardicas agudas e acidentes vas-
do tipo revisão, meta-análise e experimentais,
culares cerebrais (DALEN, 1975). A interven-
disponibilizados na íntegra. Os critérios de ex-
ção farmacológica na prevenção e tratamento
clusão foram: artigos duplicados, disponibiliza-
da doença está bem definida e é eficaz, mas
dos na forma de resumo, que não abordavam di-
apresenta alguns inconvenientes, sendo passí-
retamente a proposta estudada e que não aten-
vel de ser melhorada (REIS, 2012).
diam aos demais critérios de inclusão.
Nos anos 1940, com o advento dos avanços
Após os critérios de seleção restaram 10 ar-
médicos e tecnológicos, houve o surgimento de
tigos que foram submetidos à leitura minuciosa
diversos fármacos. Os anticoagulantes antago-
para a coleta de dados. Os resultados foram
nistas da vitamina K (AVKs) são exemplos re-
apresentados em tabelas e, também, de forma
levantes disso, tendo como destaque a varfari-
descritiva, contendo as informações mais im-
na, que mudou a abordagem feita no tratamento
portantes (tanto desses artigos quanto de outros
de tromboses e embolias, sendo um medica-
lidos), divididos em categorias temáticas abor-
mento muito utilizado até os dias atuais.
dando, de forma mais detalhada e complexa, os
Entretanto, mesmo sendo fármacos muito
principais fármacos inibidores da metaboliza-
eficientes e bastante acessíveis, sua aplicabili-
ção dos anticoagulantes AVK, focalizando nas
dade é comprometida em alguns casos devido à
interações AVK-nutrientes e AVK-fármacos, e
estreita janela terapêutica, a necessidade de mo-
em como determinados componentes da ali-
nitoramento constante e, principalmente, em
mentação, certas terapias medicamentosas tanto
virtude da alta susceptibilidade de interação dos
quanto interações não medicamentosas, afetam
antagonistas da vitamina K com alimentos e
a farmacocinética e fármacodinâmica desses
múltiplos medicamentos.
anticoagulantes.
O objetivo deste estudo é fazer uma revisão
sobre as interações AVK-nutrientes e AVK-fár- RESULTADOS E DISCUSSÃO
macos, identificando como determinados com-
ponentes da nossa alimentação, e como certas Principais fármacos inibidores da metaboli-
zação dos anticoagulantes AVK
terapias farmacológicas afetam a farmacociné-
tica e farmacodinâmica desses anticoagulantes. Atualmente, diversos estudos comprovam a
capacidade que alguns fármacos possuem de
MÉTODO causar a inibição do complexo enzimático he-
Trata-se de uma revisão integrativa reali- pático citocromo P-450, sendo esse o respon-
zada no período de setembro e outubro, por sável pela metabolização dos AVK. Muitos
meio de pesquisas nas bases de dados: PubMed, desses medicamentos, pertencentes a variadas
SciELO e Medline. Foram utilizados os descri- classes, são extensamente utilizados, como
tores: AVKs, antagonistas da vitamina K, trom- amiodarona (antiarrítmico), ciprofloxacino e
boembolismo venoso. Desta busca foram en- eritromicina (antibióticos), fluconazol (antifún-
contrados 1590 artigos, posteriormente subme- gico), fenilbutazona (anti-inflamatório não es-
tidos aos critérios de seleção. teroidal) e omeprazol (Inibidor da bomba de

244
prótons), sendo todos capazes de causar reper- tantemente a anticoagulantes. Além disso, estu-
cussões clínicas prejudiciais ao paciente, po- dos sugerem que alguns antidepressivos atuais
dendo ocorrer uma atividade anticoagulante au- amplamente utilizados, como a fluoxetina e a
mentada e, dessa maneira, extrapolar a janela fluvoxamina, são inibidores da enzima
terapêutica, gerando toxicidade ao paciente e CYP2C9, impactando diretamente na metaboli-
gerando consequente aumento do risco de he- zação dos anticoagulantes. Como consequência
morragia. Ademais, exemplos das principais dessa interação, as concentrações plasmáticas
classes de medicamentos capazes de causar esse dos anticoagulantes AVK podem aumentar sig-
tipo de interação com os anticoagulantes AVK nificativamente e, como a janela terapêutica
são os antidepressivos e as estatinas, detalhadas dessas drogas é conhecidamente estreita, reper-
abaixo, assim como outros tipos de interações cussões clínicas graves têm maior risco de ocor-
clinicamente relevantes (REIFFEL, 2019). rer (KO-NIECZNY, et al. 2019) (SPINA, et al.
2019).
Antidepressivos Farmacodinamicamente, antidepressivos
Os fármacos antidepressivos são classifica- que inibem a recaptação de serotonina podem
dos em típicos e atípicos. Os típicos podem ser prejudicar o mecanismo de agregação plaque-
exemplificados pelos medicamentos mais anti- tária, podendo induzir eventos hemorrágicos,
gos, como os inibidores da monoaminoxidase e prolongando o tempo de sangramento. A asso-
os antidepressivos tricíclicos. Devido aos diver- ciação entre o uso de antidepressivos com ma-
sos efeitos colaterais dessas drogas, atualmente ior grau de inibição de recaptação de serotonina
predomina o uso dos antidepressivos atípicos, (como fluoxetina, paroxetina e sertralina) e o
que apresentam maior tolerabilidade e seguran- risco de sangramento é relatado em alguns es-
ça no tratamento. Os maiores exemplos dessa tudos observacionais, sendo baixo quando ad-
classe são os inibidores seletivos da recaptação ministrados sozinhos. Contudo, quando admi-
de serotonina, os inibidores seletivos da recap- nistrados juntamente com drogas que aumen-
tação da serotonina e da noradrenalina, sendo tam o potencial hemorrágico, o risco eleva-se
amplamente utilizados para variadas desordens substancialmente; os estudos analisados de-
psicológicas. Entretanto, mesmo apresentando monstram que o uso desses fármacos pode ser
menos efeitos colaterais, os antidepressivos uti- associado a um risco cerca de duas vezes maior
lizados atualmente apresentam grande poten- de hemorragia (SPINA, et al. 2019).
cial para causar interações medicamentosas cli-
Estatinas
nicamente relevantes (HARMER, 2017).
O mecanismo farmacocinético mais rele- As estatinas são os fármacos mais utilizados
vante de interação entre ambas as classes de para o tratamento de dislipidemias. Elas agem
medicamentos está relacionado com o citocro- através da inibição da enzima H MG-CoA redu-
mo P-450. A metabolização dos anticoagulan- tase, que é fundamental para a biossíntese do
tes AVK é feita majoritariamente pela enzima colesterol; sua inibição resulta, portanto, na di-
CYP2C9, com algumas outras contribuições minuição do colesterol tecidual. Quando admi-
enzimáticas. Já os antidepressivos atuais tam- nistradas concomitantemente aos anticoagulan-
bém são extensivamente metabolizados por en- tes AVK, podem causar eventos tromboembó-
zimas do citocromo P-450, podendo causar so- licos ou, principalmente, eventos hemorrágicos.
brecarga hepática se administrados concomi- Estudos de caso demonstram que a combinação

245
de atorvastatina, fluvastatina, rosuvastatina ou indução da atividade de algumas enzimas es-
sinvastatina com a varfarina resultam em um pecíficas do citocromo P-450. Comparativa-
considerável aumento da atividade anticoagu- mente, sabe-se consideravelmente menos sobre
lante, que volta ao normal após o ajuste da dose a interação medicamentosa entre as drogas in-
ou a descontinuação da estatina (TOTH, et al. dutoras da atividade das enzimas do citocromo
2019). P-450, que resultam em metabolização exacer-
Tanto a varfarina quanto a maioria das esta- bada do anticoagulante AVK, com consequente
tinas possuem grande afinidade por proteínas redução de seu efeito e podendo causar reper-
plasmáticas. Por esse motivo, a administração cussões clínicas secundárias à eventos trombo-
de estatinas é capaz de afetar a ligação do anti- embólicos (CLARK, et al. 2018).
coagulante, aumentando sua concentração plas- Os estudos sobre esse tipo de interação são
mática. Aproximadamente 99% da varfarina limitados a estudos de coorte e relatos de caso,
administrada encontra-se ligada a essas proteí- podendo ainda serem mascarados por ajustes na
nas, entretanto, a fração livre no plasma é res- dose em resposta à necessidade de aumento da
ponsável pela ação farmacológica; um pequeno atividade anticoagulante. Contudo, fármacos
aumento plasmático desse fármaco é capaz de anticonvulsivantes como carbamazepina, ox-
causar repercussões clínicas importantes para o carbazepina, fenobarbital e fenitoína, antibióti-
paciente anticoagulado (SHAIK, et al. 2016). cos como rifampicina e dicloxacilina e a coles-
Outro risco do uso combinado de anticoa- tiramina, um sequestrador de ácidos biliares,
gulantes AVK e estatinas é a sobrecarga da ati- são medicações com reconhecido potencial de
vidade hepática. Mesmo não estando coadmi- indução enzimática. Esse tipo de interação faz
nistradas com outros medicamentos, as estati- com que a dose necessária de anticoagulante
nas geram um aumento de proteínas hepáticas. seja elevada, como é o caso da administração
Tanto anticoagulantes AVK quanto estatinas conjunta de carbamazepina e varfarina, que
são metabolizadas pelo citocromo P-450 (prin- eleva a dose média do AVK em cerca de 49%
cipalmente pela enzima CYP2C9), portanto, (CLARK, et al. 2018).
seu uso concomitante deve ser acompanhado de
monitorização da função hepática. Em contra- Interações não medicamentosas
partida, alguns estudos demonstram que estati- As interações entre os AVK’s e nutrientes,
nas como a lovastatina e a sinvastatina são ini- resultam em alterações da resposta fármacoló-
bidoras de enzimas metabolizadoras da varfari- gica ou clínica do medicamento devido à sua
na, aumentando sua biodisponibilidade e ativi- administração prévia ou simultânea ao alimen-
dade anticoagulante (SHAIK, et al. 2016). to, afetando os processos farmacocinéticos ou
farmacodinâmicos. Uma das interações não far-
Fármacos indutores do metabolismo
hepático macológicas mais importante dos anticoagu-
lantes AVK são os próprios alimentos ricos em
A maioria dos mecanismos de interação vitamina K, como as folhas verdes escuras, por
com os anticoagulantes AVK ocorre por meio exemplo, que, naturalmente, aumentam a ativi-
da inibição enzimática a nível hepático, cau- dade coagulante. Todavia, recomendações die-
sando aumento da atividade anticoagulante. En- téticas com diminuição no consumo de vita-
tretanto, alguns fármacos são capazes de causar mina K são consideradas obsoletas (DI MI-
NNO, et al. 2017).
246
Além disso, diversos estudos in vitro de- hepática desses componentes não atinge valores
monstraram que componentes de algumas ervas consideráveis, sendo incapazes de causar alte-
e suplementos naturais são capazes de inibir a rações clínicas no paciente (DI MINNO, et al.
enzima CYP2C9, entretanto, a concentração 2017).

Tipo de
Autor/Ano Título Resultados
Estudo

É necessário diversos cuidados alimentares quando se


trata de pacientes em uso de anticoagulantes antagonistas
Intervenção nutricional em
de vitamina K. Justificado pela possível interação de
MARTINS, A. doentes sob terapêutica Revisão
alguns alimentos com os medicamentos em questão.
(2017) anticoagulante oral com sistemática
Então, deve-se elaborar um reajuste personalizado na
antagonistas da vitamina K
dieta do paciente, satisfazendo assim cada
individualidade..

A principal forma de monitoramento de um paciente em


uso de anticoagulante cumarínico é feita através de exame
Anticoagulantes
laboratorial (TP e RNI). Esse exame visa diminuir a a
MOLINA, F. et cumarínicos: ações, riscos e Revisão
chance de reincidência de eventos tromboembólicos.
al. (2014) monitoramento da bibliográfica
Além disso, deve-se manter atento a interações
terapêutica
alimentares que podem vir a interferir na eficácia do
medicamento e na terapia como um todo.

As interações medicamentosas e não medicamentosas dos


Old and new oral
AVK são um grande alvo de estudos, que revelam
DI MINNO, A anticoagulants: Food, Revisão
interações severas e até mesmo fatais. Muitas interações
(2017) herbal medicines and bibliográfica
com ervas e alimentos são capazes de afetar a eficácia do
drug interactions
tratamento com anticoagulantes.

Pacientes com necessidade de anticoagulação necessitam


Clinically Important Drug–
de acompanhamento cuidadoso devido ao risco de
Drug Interactions Revisão
KONIECZNY, complicações. A introdução dos anticoagulantes orais
Between Antiarrhythmic bibliográfica
K (2019) diretos simplificou o tratamento concomitante de
Drugs and
arritmias, entretanto, ainda existem interações
Anticoagulants
medicamentosas importantes.

Os novos anticoagulantes
FERNANDES Revisão O estudo mostra o funcionamento e a eficácia de diversos
no tratamento do
(2016) bibliográfica anticoagulantes comparados com a varfarina.
tromboembolismo venoso

A absorção errática dos AVK e a interação com inúmeras


Prevenção e tratamento do outras drogas são uma limitação à eficácia e segurança
tromboembolismo venoso: Revisão destes. Acrescente-se a incomodidade e custos da
REIS (2012)
o lugar dos novos bibliográfica monitorização obrigatória; torna-se, por isso, evidente a
anticoagulantes orais necessidade de encontrar alternativas com a mesma
eficácia e segurança, mais cômodas e menos custosa.

247
CONCLUSÃO não medicamentosas dos AVKs devido a im-
portância e relevância do tema e a fim de garan-
É possível concluir então, que um bom tir que cada vez menos prejuízos sejam trazidos
prognóstico se faz quase fundamentalmente ao paciente por essas interações. Dessa forma,
pelo uso de anticoagulantes, devido a eficácia é viável inferir sobre quão significativa é a in-
já comprovada destes na terapêutica a longo fluência da alimentação nos processos farmaco-
prazo de acometimentos embólicos. Sendo as- cinéticos ou farmacodinâmicos do organismo,
sim, além das evidências científicas, se fazem sendo por diversas vezes necessária a mudança
altamente necessários mais estudos relaciona- na dieta do paciente para evitar que o trata-
dos a temática das interações medicamentosas e mento seja lesado ou em vão.

248
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249
Capítulo 26

IMPACTO DA PANDEMIA DE
COVID-19 NO TRANSPLANTE
CARDÍACO NO BRASIL E EM
MINAS GERAIS

BRENDA FLAVIANO DE SOUZA CAMPOS¹


GABRIELA ZAMUNARO LOPES RUIZ2
ROBSON DE SOUZA ALMEIDA JUNIOR2
CLÁUDIO LEO GELAPE³

1
Discente – Graduanda em Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais
2
Residente de Cirurgia Cardiovascular do Hospital das Clínicas da Universidade
Federal de Minas Gerais
3
Professor Adjunto – Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da
Universidade Federal de Minas Gerais, chefe do Serviço de Cardiologia e Cirurgia
Cardiovascular do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais

Palavras-chave:
Transplante cardíaco; Pandemia de COVID-19

250
INTRODUÇÃO para o ano de 2021 também são de queda. Du-
No dia 26 de maio de 1968, foi realizado no rante o primeiro semestre do ano, a taxa de
Hospital das Clínicas de São Paulo (FMUSP), o transplante foi de apenas 1,2 pmp. No mês de
primeiro transplante de coração da América La- junho de 2020, o estado de Minas Gerais pos-
tina. Desde então, inúmeras mudanças ocorre- suía 24 pacientes ativos na lista de espera, e
ram neste ramo cirúrgico. Técnicas foram aper- após um ano, esse número subiu para 30 paci-
feiçoadas, aprimoraram-se os protocolos clíni- entes ativos (RBT, XXVII N°2).
cos, criaram-se regulamentações de doação de O presente artigo objetiva avaliar a reper-
órgãos (BRASIL, 2001), além da sistematiza- cussão da pandemia de COVID-19 na diminui-
ção de um cadastro único de transplantes (MI- ção de transplantes cardíacos no Brasil, com ên-
NISTÉRIO DA SAÚDE). Entretanto, a ascen- fase no estado de Minas Gerais. Este estudo,
são que se observava nos índices de transplan- busca problematizar as consequências da pan-
tes cardíacos no Brasil, se modificou durante a demia no número de transplantes de coração,
pandemia de COVID-19. fluxo de pacientes na lista de espera e os encar-
Transplante cardíaco, é um procedimento gos desse cenário para o SUS.
cirúrgico no qual o coração de um doador post
mortem é transferido para um receptor vivo. É MÉTODO
o tratamento de última escolha para pacientes Trata-se de uma análise observacional so-
portadores de insuficiência cardíaca classe fun- bre os transplantes cardíacos no Brasil, com ên-
cional III ou IV, da New York Heart Associa- fase no estado de Minas Gerais. As informações
tion (NYHA), que estejam com sintomas inca- foram coletadas do Registro Brasileiro de
pacitantes ou com alto risco de mortalidade em Transplantes, presentes no site da Associação
um ano. Brasileira de Transplante de Órgãos (RBT-
Atualmente, o Brasil detém poucos centros ABTO).
referenciados e capacitados para realizar esse A amostra utilizada para o presente traba-
tipo de intervenção cirúrgica. No estado de Mi- lho, é compreendida entre o ano de 2011 a ju-
nas Gerais, existem apenas 4 unidades habilita- nho de 2021. Os critérios de inclusão foram to-
das para o transplante cardíaco, sendo que 3 de- dos os dados referidos aos transplantes cardía-
las estão localizadas no município de Belo Ho- cos, seja eles o número absoluto de transplantes
rizonte (ABTO). no Brasil e em Minas Gerais, número de trans-
Com o aparecimento do vírus SARS-CoV- plante cardíacos por milhão de população, nú-
2, foi decretada no dia 11 de março de 2020 pela mero de equipes para o procedimento e o nú-
OMS (OPAS) a pandemia de COVID-19. A mero de pacientes ativos e que ingressaram na
partir de então, ocorreram mudanças drásticas lista de espera entre os anos de 2019, 2020 e
nos sistemas de saúde do mundo. Dentre essas 2021.
modificações, destaca-se a alteração do padrão Os resultados foram apresentados no for-
de transplantes cardíacos. mato tabela e gráficos, e os dados foram obser-
A taxa de transplantes de coração no Brasil vados e inferidos de acordo com as particulari-
no ano de 2020, teve redução de 16,7%, vol- dades desse procedimento, durante o período de
tando aos patamares do primeiro semestre de pandemia.
2014, com o valor de 1,5 por milhão de popula-
ção (pmp) (RBT, XXVI N° 4). As projeções
251
De acordo com as resoluções do MS/CNS fundamental para manutenção da vida do paci-
nº 466, de dezembro de 2012 e n° 510 de abril ente.
de 2016, por se tratar de uma avaliação de in- No Gráfico 26.1, podemos observar a evo-
formações públicas, torna se dispensável a aca- lução anual do número de transplantes cardí-
reação por um Comitê de Ética em Pesquisa acos ocorridos no Brasil. Nele, são demons-
(CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE, 2012, trados os valores anuais de transplantes de co-
2016). ração que aconteceram no país, entre os anos
2011 até o mês de junho de 2021. Vale salientar
RESULTADOS E DISCUSSÃO que a partir do ano de 2011 houve uma pro-
gressão crescente no número de transplanta-
O coração é um órgão que possui suma
dos, com um pico nos anos de 2017 e 2019.
importância para a manutenção das funções fi-
Entretanto, é possível observar uma queda con-
siológicas. Quando sua atividade não é ade-
siderável no ano de 2020, início da pandemia de
quada, ou não se torna responsiva aos trata-
COVID-19. A projeção para o final do ano de
mentos terapêuticos disponíveis, sejam eles clí-
2021 é que ocorram apenas 262 transplantes
nicos ou cirúrgicos, faz-se necessária a reali-
cardíacos no país.
zação de um transplante. Procedimento este

Gráfico 26.1 Número absoluto de transplante cardíaco no Brasil, entre janeiro de 2011 a junho de 2021

400 380 380


353 357 358
350
311 307
300 272
**
250 228

200 160
150

100 131
50

0
2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021

Série 1

** estimativa anual para o ano de 2021. Fonte: Adaptado da RBT, janeiro - junho 2021.

No Gráfico 26.2, observamos o padrão do anos assolados pela pandemia de COVID-19.


coeficiente do número de transplantes cardíacos Esse padrão também é reafirmado quando se
por um milhão de população (pmp) no Brasil. É analisa os dados da Tabela 26.1, que compre-
possível inferir a acentuada descendência da re- ende o número de transplantes ocorridos no pri-
ta, passando de 1,8 em 2019, 1,5 em 2020 e com meiro semestre dos anos de 2020 e 2021 por
projeção de apenas 1,2 para o ano de 2021. Vale unidade federativa.
ressaltar que os dois últimos, estão inclusos nos

252
Gráfico 26.2 Número de transplantes de coração por milhão de população (pmp) no Brasil

2
1,8
1,6
1,4
1,2
1
0,8
0,6
0,4
0,2
0
2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021***

Série 1

*** estimativa anual para o ano de 2021.


Fonte: Adaptado da RBT, janeiro – junho 2021.

Tabela 26.1 Número de transplantes de coração por estado ocorridos no primeiro semestre dos anos de 2020 e 2021

Estado 2020 2021

São Paulo 62 58

Minas Gerais 26 19

Rio de Janeiro 10 13

Rio Grande do Sul 10 5

Paraná 9 3

Pernambuco 8 16

Distrito Federal 8 12

Ceará 7 1

Espirito Santo 4 2

Mato Grosso do Sul 3 1

Santa Catarina 1 0

Paraíba 0 1

BRASIL 148 131

Fonte: Adaptado da RBT, janeiro – junho 2021.


Quando limitamos o espectro analítico para parâmetro do país. No Gráfico 26.3, é possível
o estado de Minas Gerais, observa-se o mesmo verificar o número absoluto de transplantes em

253
Minas, os valores de pmp e de equipes de trans- também caiu, passando de 2,8 em 2019, para
plante cardíaco. Entre o ano de 2019 e 2020, 2,4 em 2020. Apesar desses declínios, o número
ocorreu a diminuição desse tipo de procedi- de equipes capacitadas para realizar o trans-
mento, passando de 59 para 50. E embora dos plante cardíaco em Minas Gerais, se manteve o
valores para o ano de 2021 não estejam dispo- mesmo. No ano de 2011 eram duas equipes, três
níveis, a tendência é de queda. Já a taxa de em 2017 e a partir de 2019, quatro equipes pas-
transplantes cardíacos por milhão no estado saram a realizar o transplante no estado.

Gráfico 26.3 Transplante cardíaco em Minas Gerais


70 3
60 2,5
50
2
40
1,5
30
1
20
10 0,5

0 0
2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020
Número absoluto de transplantes Número de equipes
Número de transplantes pmp

Fonte: Adaptado da RBT, janeiro – junho 2021.

No Gráfico 26.4, é possível observar a ten- no estado de Minas Gerais durante o mês de ju-
dência de estagnação na fila de espera para o nho, passando de dezenove em 2019, para vinte
transplante cardíaco. Houve um aumento consi- e quatro em 2020, e trinta pacientes em 2021.
derável de pacientes no aguardo de um coração

Gráfico 26.4 Pacientes ativos na lista de espera para o transplante cardíaco no mês de junho

278 266 274

300
250 146 130 142
200
150
100 24 30
19
50
0
2019 2020 2021
Minas Gerais São Paulo Brasil

Fonte: Adaptado da RBT, janeiro – junho 2021


Todas essas informações são resultantes da os reflexos da pandemia para o sistema de trans-
convergência de uma problemática em comum: plantes no Brasil. Para que chegasse a esse
ponto, inúmeros fatores causais se confluíram.

254
O primeiro, é a queda no número de aciden- remanejadas, dentre elas, a interrupção de cirur-
tes automobilísticos durante a COVID-19. Este gias eletivas (DOE/ MG, 2020). Claro que em
panorama foi potencializado pela diminuição momentos de exceção, medidas restritivas são
de circulação de automóveis, seja por causa da protocoladas, porém, é necessário ressaltar, que
interrupção das aulas presenciais ou mesmo esse contexto ajudou a criar uma estagnação na
pela modalidade de trabalho remoto. Sabe-se prática de cirurgias. Também é importante des-
que os acidentes automobilísticos possuem alto tacar que a alta taxa de ocupação de leitos de
potencial de produzir traumatismo cranioence- CTI, o alto risco de contaminação por COVID-
fálico, podendo causar consequentemente, mor- 19 e complicações pós-operatórias, tornaram-se
te encefálica (ME) (FREITAS et al, 2018). empecilhos para a realização de transplante.
Muitos desses pacientes se tornam elegíveis Todos esses fatores impactaram no dinâ-
para o transplante de órgãos, resultando assim mica de transplantes cardíacos. Menos órgãos
em potenciais doadores (MINISTÉRIO DA disponíveis levam a diminuição de cirurgias. E
SAÚDE). Em números exemplificados, o total a baixa rotatividade e disponibilidade de vagas
de óbitos por acidentes de transporte em Minas de CTI, impossibilitaram a transferência de ór-
Gerais passou de 3.193 no ano de 2019 para gãos. Assim, esse cenário fomentou uma cadeia
2.712 em 2020, ou seja, uma diminuição de de consequências, que potencializou a cíclica
15,06% (DATASUS, 2019, 2020). Evidente- da sobrecarga na fila de transplantes, e os en-
mente, nem todas as vítimas são elegíveis para cargos sobre o Sistema único de Saúde brasi-
a doação de órgãos, mas a queda desses valores leiro.
reflete na diminuição do número absoluto de A saúde é um direito de todos e dever do
transplantes. Se ocorrem menos acidentes, a Estado (CONSTITUIÇÃO, 1988). Máxima es-
disponibilidade de órgãos também decresce. ta que reafirma o papel do país em prover a sa-
Outro fator que contribuiu para a diminui- úde de sua população. Quando correlacionamos
ção de transplantes cardíacos no Brasil foram as aos transplantes cardíacos, vale salientar que
mudanças de protocolos de elegibilidade do do- tanto aqueles que aguardam esse tipo de proce-
ador. Com a ascensão da COVID-19, houve a dimento, quanto os que foram transplantados,
necessidade de criar medidas para proteger necessitam de uma linha de cuidado especial.
tanto os profissionais de saúde, quanto os doa- Consultas, exames e medicamentos são todos
dores e os receptores da contaminação pelo co- custeados pelos Sistema Único de Saúde (MI-
ronavírus (SAES/MS). Foram consideradas NISTÉRIO DA SAÚDE, 2009; RENAME
contraindicações absolutas para a doação de 2020; BACAL et al, 2018) e isso inevitavel-
órgãos aqueles indivíduos que faleceram em de- mente reflete em custos.
corrência do SARS-CoV-2, ou que apresenta- Em 2008, o valor para a realização da cirur-
vam síndrome respiratória aguda grave sem eti- gia de transplante de coração, era de 22.242,42
ologia definida (ANVISA, 2020). Consequen- reais, e a partir de 2011 o custo passou para
temente, esse cenário contribuiu negativamente 37.052,69 reais (SIGTAP, 2008, 2011). Em 10
para a disponibilidade de órgão efetivos. anos, não houve nenhum reajuste de valor para
Vale salientar que, durante o período de o procedimento de transplante de coração, se-
pandemia, ocorreu a reestruturação de leitos gundo a tabela de procedimentos e medicamen-
hospitalares. Em um verdadeiro esforço de
guerra, prioridades clínicas foram totalmente

255
tos e OPM do SUS (SIGTAP 2021). Este cená- volve uma complexa rede de sustentação. Ha-
rio além de exacerbar a nítida falta de investi- vendo qualquer variação nos componentes des-
mento neste setor, se torna uma evidência preo- se sistema, os resultados refletem no destinatá-
cupante para a manutenção futura da cirurgia de rio final: o receptor de órgãos. E infelizmente,
transplante. Ademais, vale pontuar que devido essa foi a perspectiva que se sucedeu com a
a promulgação da Emenda Constitucional do pandemia de COVID-19.
Teto de Gastos Públicos (PEC n° 55), investi- O cenário pandêmico exacerbou dificulda-
mentos adicionais na área da saúde ficam limi- des já encontradas no dia a dia do SUS, que vão
tados por vinte anos. desde questões estruturais a encargos financei-
ros. Tudo isso, associando com o aparecimento
Também é importante lembrar que os valo-
de um vírus com alta capacidade de contamina-
res mencionados acima, não estão inclusas ou-
ção, os números de transplantes cardíacos no
tras despesas, como por exemplo da retirada do
Brasil e no estado de Minas Gerais caíram.
órgão, de exames pré-transplante e transporte.
Apesar dessa conjuntura, espera-se que com
Desse modo, quando levamos em consideração
o avanço da imunização da população, que esse
que com a diminuição de disponibilidade de ór-
contexto seja brevemente revertido, e que o nú-
gão, as chances de complicação do receptor au-
mero de transplantes volte aos patamares pré-
mentam, e além do fato do transplantado se tor- pandemia. Entretanto, vale salientar a suma im-
nar um paciente crônico, elevam-se os gastos ao portância da utilização consciente de recursos
SUS. públicos, minimizando os custos e promovendo
Esse panorama, induz ao ônus do Sistema a utilização responsável do SUS. Ademais, é
Único de Saúde brasileiro, e se torna ainda mais imensurável pontuar, que saúde não é gasto, é
complexo na atual circunstância de pandemia investimento.
de COVID-19. E por fim, é importante ressaltar sobre a
maior necessidade de engajamento por parte da
CONCLUSÃO população sobre a doação de órgãos. A perda de
Portanto, o transplante cardíaco é a última um ente querido é um momento difícil, mas que
alternativa para pacientes com insuficiência pode ser a oportunidade que mudará a vida de
cardíaca grave e esse tipo de procedimento en- outra pessoa. Por isso a grande necessidade de
explicitar o seu desejo em ser um doador.

256
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258
Capítulo 27

SMARTWATCHES E SAÚDE
CARDIOVASCULAR:
VANTAGENS E DESAFIOS

GUSTAVO BELTRAME¹
LARA GOMES RONCONI¹
ISABELA RAUPP COELHO¹
PEDRO GARCIA LEMES PROENÇA¹
IGHOR RAMON PALLU DORO PEREIRA2
WILTON FRANCISCO GOMES3

1
Discente - Medicina da Universidade do Extremo Sul Catarinense.
2
Discente – Medicina das Faculdades Pequeno Príncipe.
3
Docente – Departamento de Cardiologia das Faculdades Pequeno Príncipe.

Palavras-chave:
Eletrocardiograma; Smartwatch

259
INTRODUÇÃO tificação da frequência cardíaca e a diferenci-
ação de sua variabilidade fisiológica com aque-
O desenvolvimento de tecnologias voltadas la compatível com arritmias, como a fibrilação
para a saúde e o bem-estar, ao longo dos últimos atrial (FA) (Han et al., 2020; Samol et al., 2019).
anos, possibilitou avanços que permitissem que Já a eletrocardiografia de derivação única
cada pessoa obtivesse uma visão integrada entre (iECG) atua com a interpretação de sinais elé-
a vida saudável e a praticidade de tecnologias tricos, através de um eletrodo bipolar, na maior
portáteis de uso cotidiano, fatores que contri- parte das vezes, a partir de um circuito entre o
buíram para o desenvolvimento de dispositivos dorso do relógio e sua coroa. Em condições
vestíveis, como os smartwatches. usuais, esse componente bipolar simula a deri-
O objetivo deste estudo é, portanto, desmis- vação I do eletrocardiograma, conforme as de-
tificar o uso dos smartwatches em prol da saúde rivações do plano frontal padrão de Einthoven.
cardiovascular e explorar suas aplicabilidades A informação captada é disponibilizada para o
atuais e potenciais. Além disso, buscamos dis- usuário em cerca de 30 segundos e permite que
cutir, de maneira crítica, as principais limita- o ritmo seja classificado, na maioria dos mode-
ções e eventuais riscos no uso deste tipo de los, em ritmo sinusal (RS), ritmo inconclusivo
tecnologia. ou fibrilação atrial (FA) ( Samol et al., 2019;
Tajrishi et al., 2019).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Assim, os registros do iECG e as análise da
Smartwatches e avaliação cardiovas- PPG são processados por um algoritmo único e
cular privado, particular de cada fabricante, que pode
ser enviado diretamente ao médico ou impresso
Os relógios inteligentes de pulso atuais são
pelo paciente (Samol et al., 2019).
dotados de uma grande capacidade sensorial,
O rastreamento da fibrilação atrial (FA) é
que proporcionam a geração de inúmeros dados
uma das principais potencialidades dos smart-
aplicáveis à saúde cardiovascular. Dentre as
watches, uma vez que o seu rastreamento pode
principais aplicabilidades, destacam-se a ava-
trazer impacto no que se refere à prevenção de
liação da frequência e ritmo cardíacos, inclu-
desfechos cardíacos desfavoráveis. Tal patolo-
sive com a possibilidade de rastreamento de
gia acomete mais de 33.5 milhões de pessoas no
algumas arritmias. Esta análise é realizada por
mundo e representa uma causa importante de
meio de dois mecanismos importantes: foto-
morbidade cardiovascular, sobretudo a ocorrên-
pletismografia (PPG) e a avaliação eletrocar-
cia do acidente vascular encefálico. O risco de
diográfica de derivação única (iECG) (Isakadze
ocorrência da fibrilação atrial, e, sobretudo, de
& Martin, 2020; Samol et al., 2019; Behzadi et
eventos secundários à esta arritmia, aumenta
al., 2020).
conforme a idade (Behzadi et al., 2020; Wod-
A fotopletismografia (PPG) é realizada por
chis et al., 2012). Essa associação etária, jun-
meio de luzes de LED e fotodiodos que se
tamente com a tendência de envelhecimento da
localizam, geralmente, na parte de trás do re-
população em geral, pode resultar em impor-
lógio. Essa tecnologia permite a captação das
tantes gastos nos sistemas de saúde em geral (
mudanças volumétricas detectadas através da
Tajrishi et al., 2019).
perfusão arterial de sangue e, a partir de
Os dados coletados por esses aparelhos não
algoritmos computacionais, permitem a iden-
se limitam apenas à análise da frequência e do

260
ritmo cardíaco. Eles também permitem estimar “Galaxy Watch Activite 2”, o “Galaxy 3” e o
o consumo energético, a saturação de oxigênio “Galaxy 4”. (ANVISA, 2020)
arterial e até mesmo alterações do eletrocardi-
ograma sugestíveis de isquemia miocárdica, co- Implicações clínicas favoráveis
mo aquelas que ocorrem no ECG convencional Recentemente, a diretriz de 2020 da Socie-
durante o infarto agudo do miocárdio (IAM). dade Europeia de Cardiologia (ESC) para o ma-
Apesar de ainda não existirem aplicações ofi- nejo de fibrilação atrial, sugerem que o ECG
ciais desenvolvidas para este fim, há diversos baseado em smartwatches aprovados pela FDA
relatos de caso em que a tecnologia permitiu o e pela CE é suficiente para diagnosticar
diagnóstico do infarto agudo do miocárdio e da fibrilação atrial, isto é, nenhuma outra con-
angina de Prinzmetal. Ainda, alterações do pa- firmação seria necessária para diagnóstico deste
drão do eletrocardiograma poderiam ser utiliza- evento. (Hindricks et al., 2020; Haver-kamp et
das para o diagnóstico de doenças com poten- al., 2021) Apesar disso, antes de qualquer to-
cial risco de morte súbita, como as canalopatias, mada de decisão, o médico deve estar ciente de
conforme relatos nos quais foi possível o diag- que todos os smartwatches disponíveis no mer-
nóstico da síndrome de Brugada com o auxílio cado, autorizados pela FDA e/ou CE, utilizam
destas tecnologias. Estes usos potenciais ainda algoritmos particulares, o que pode explicar
carecem de aperfeiçoamentos, mas representam variabilidades no diganóstico entre os dispo-
uma fronteira de potencial impacto a ser explo- sitivos e discordâncias com métodos conside-
rada (Tajrishi et al., 2019; Samol et al., 2019; rados padrão-ouro, resultando em falso-positi-
Isakadze & Martin., 2020; Delinière et al., vos ou falso-negativos. Portanto, idealmente os
2020;Spaccarotella et al., 2021). diagnósticos sugeridos pelos smartwaches de-
Vale ressaltar que o uso clínico destes apa- vem ser confirmados por métodos com acurá-
relhos deve passar por análises técnicas e proto- cia bem determinada na literatura (Haverkamp
colos de estudos clínico e posterior por órgãos et al., 2021).
reguladores de saúde de cada país, como a Food Atualmente, a principal utilidade clínica
and Drug Admnistration (FDA), o Conformité dos relógios inteligentes é a possibilidade do
Européenne (CE) e a Agência Nacional de diagnóstico precoce da fibrilação atrial, prin-
Vigilância Sanitária (ANVISA). Atualmente, cipalmente aquelas que possuem duração maior
os relógios aprovados pelo FDA e a CE são: ou igual a uma hora, em assintomáticos, so-
“Apple Watch” das séries “4”,”5” e “6”; “Fitbit bretudo em populações de maior risco. O be-
senso”; “Samsung” dos modelos “Galaxy nefício dessa triagem é de extrema relevância
Watch”, “Active 2” e “Galaxy Watch 3”. Os por se tratar de uma forma não invasiva, rela-
dispositivos da “Withings”, como o “Mover tivamente barata e com boa precisão, permi-
ECG” e o “Scanwatch” foram aprovados ape- tindo a profilaxia primária de eventos trombo-
nas pela CE, e ainda estão em processo de anda- embólicos através da terapia anticoagulante.
mento pela FDA. ( Haverkamp et al., 2021). Já Esta estratégia possui relevância particular em
a Agência Nacional de Vigilância Sanitária pacientes com comor-bidades e idade avan-
(ANVISA), até o momento, aprovou apenas os çada, uma vez que representam a população
relógios da linha “Apple Watch”, das séries com maior incidência de eventos clínicos na
“4”, “5” e “6” e os aparelhos da Samsung, presença da fibrilação atrial, como o acidente

261
vascular cerebral (Wasserlauf et al., 2019; aumentando potencialmente a viabilidade mio-
Haverkamp et al., 2021). cárdica nestes pacientes (Samol et al., 2019).
Os smartwatches, segundo estudos publi-
cados pelo Journal of the American Heart Asso- Limitações
ciation, possuem a capacidade de fornecer in- Todos os smartwatches presentes no mer-
formações de suma importância que podem cado apresentam limitações. Estudos demons-
contribuir, também, com a detecção de bradi- traram que, apesar da tecnologia PPG ser capaz
arritmias e taquiarritmias. Além disso, confir- de identificar a FA, outras irregularidades de
mou-se uma alta especificidade, porém baixa pulso, como extra-sístoles supraventriculares e
sensibilidade, para detecção de doenças isquê- ventriculares, podem interferir na detecção ade-
micas do coração. No entanto, a precisão do quada do ritmo e sua interpretação. Além disso,
diagnóstico pode ainda ser melhorada se o re- a sensibilidade para o diagnóstico da FA, em
lógio for utilizado, também, em regiões corpó- comparação ao ECG padrão, pode estar con-
reas não convencionais, como o tornozelo, na dicionada à qualidade do sinal (Samol et al.,
ocasião de sintomas suspeitos (Caillol et al., 2019).
2021). Uma vez que a maioria dos dispositivos se-
Pesquisas sugerem que é possível que um rem baseados em uma derivação única (iECG),
dispositivo de ECG de canal único, como o dos eles possuem capacidade qualitativa e quan-
smartwatches, possa capturar informações não titativa reduzida de detectar anormalidades das
apenas da derivação I, mas também outras de- mais diversas regiões do coração, o que limita a
rivações do plano frontal e horizontal. Um dos avaliação de outras alterações além do ritmo
estudos utilizou o aparelho Apple Watch serie cardíaco, como alterações da despolarização e
4 através de consecutivas mensurações, posi- repolarização ventricular, associadas à isquê-
cionado em variadas regiões ao longo da super- mica miocárdica, por exemplo (Isakadze &
fície corpórea, simulando as derivações II e III Martin., 2020; Caillol et al., 2021; Samol et al.,
de Einthoven (plano frontal) e derivações 2019). Além disso, uma vez que o iECG se li-
pseudo-unipolares modificadas corresponden- mitar à uma única derivação, não é possível
tes às derivações V1, V4 e V6 do plano hori- discriminar ondas P de origem sinusal daquelas
zontal. De modo geral, a análise do iECG apre- originadas em outras regiões dos átrios, o que
sentou boa qualidade, sobretudo na percepção pode ser insuficiente para o diagnóstico correto
dos sinais da onda P, complexo QRS, onda T e do ritmo sinusal ( Samol et al., 2019).
linhas isoelétricas, quando comparáveis ao Outra limitação conhecida é o diagnóstico
ECG clássico de 12 derivações. (Samol et al., da FA em frequências abaixo de 50 batimentos
2019) No mesmo estudo, há a descrição de um por minuto (bpm), que usualmente não são de-
relato de caso em que o Apple Watch permitiu tectadas por nenhum dos smartwatches libera-
o diagnóstico do infarto agudo do miocárdio dos tanto pela FDA quanto pela CE. O mesmo
com elevação do segmento ST em dois paci- ocorre para frequências cardíacas elevadas, co-
entes. Neste estudo, concluiu-se ainda que o mo aquelas acima de 120 bpm (Haverkamp et
relógio inteligente pode perceber alterações al., 2021).
precoces na repolarização miocárdica, o que O número de falsos-positivos, quando apli-
potencialmente poderia contribuir para a oferta cado em um contexto de triagem de populações
de um diagnóstico e terapia em fases iniciais, mais jovens e/ou de baixa prevalência, é ele-

262
vado. Além disso, o potencial benefício nesta nuseio por profissionais altamente treinados e
população, apesar de incerto, é provavelmente com especializações para que haja aprovei-
baixo, sobretudo porque a própria relevância tamento dessa ferramenta. Nesse contexto,
clínica da FA episódica em pacientes jovens e sabe-se que os diagnósticos pelos relógios inte-
sem comorbidades parece ser pequena, apesar ligentes são menos sensíveis, porém, não há
de não precisamente conhecida (Cho., 2020; necessidade de quaisquer treinamentos elabo-
Haverkamp et al., 2021). Outrossim, por se rados para seu funcionamento. Diante disso, é
tratar de uma nova tecnologia, a detecção de percebido o crescimento da população idosa em
ritmos como bloqueios atrioventriculares, bige- diversos países do mundo, e o uso dos smart-
minismo e ectopias ainda estão em desenvol- watches pode se apresentar de forma útil, como
vimento, existindo ainda limitações nos algorit- meio de ampliar, ao menos, o mínimo de be-
mos atuais ( Isakadze & Martin,2020). nefício a um maior número de pessoas (Behzadi
et al., 2020).
Aplicações promissoras
Trabalhos recentes realizados por meio do Viabilidade e confiança
estudo HEARTLINE e do estudo iTransmit, Em um estudo multicêntrico patrocinado
apontam para a possibilidade de aprimoramento pela empresa Apple, foi analisado a sensibi-
da inteligência artificial dos smartwatches. lidade e a especificidade do equipamento por
Acredita-se que, em um futuro não distante, o meio de uma coorte de 602 indivíduos, os quais
iECG possa detectar outras alterações do ritmo, foram analisados FA e RS. Como conclusão,
como o flutter atrial, alterações no intervalo percebeu-se que o Apple Watch ECGi poderia
QTc e, ainda, estimar a função sistólica analisar os pacientes com alto grau de desem-
ventricular esquerda. Além do mais, novas penho, podendo perceber anomalias, como a
tecnologias estão sendo desenvolvidas visando FA, com sensibilidade de 95,5% e especi-
a mensuração eletrolítica sérica, sobretudo do ficidade de 97,1% (Isakadze & Martin,2020).
potássio, íon que possui íntima relação com o Dessa forma, o dispositivo se mostrou promis-
funcionamento das células miocárdicas. No en- sor, à medida que permite a triagem constante,
tanto, as pesquisas ainda estão em desenvol- de forma relativamente barata, o que se torna
vimento, mas se mostraram bastantes favorá- particularmente útil naqueles pacientes com
veis (Cho., 2020; Isakadze & Martin, 2020). alto risco de desenvolvimento de eventos trom-
Atualmente, vários pesquisadores vêm bus- boembólicos (CHADS-VASCc ≥2) (Isakadze
cando métodos para captar as derivações pre- & Martin,2020).
cordiais, que possam ser facilmente reprodu- Conforme mencionado anteriormente, a uti-
zíeis e de fácil uso pelo usuário. Esta funcio- lização dos smartwatches, de forma tradicional
nalidade poderá permitir que o dispositivo pos- no pulso, com a análise de uma única derivação,
sa avançar na detecção da localização de infar- apresenta satisfatória acurácia para a detecção
tos do miocárdio e anormalidades de repola- da fibrilação atrial, contudo, a capacidade diag-
rização (Samol et al., 2019). nóstica ainda é inferior à do ECG convencional,
É inegável que a utilização do eletrocar- o que não permite ainda a utilização da nova
diograma padrão de 12 derivações é muito mais tecnologia como substituta aos métodos con-
específica que a triagem realizada pelos smart- vencionais (Samol et al., 2019; Behzadi et al.,
watches. Todavia, é imprescindível o seu ma- 2020).

263
Outra limitação técnica dos dispositivos ba- amente, com o surgimento de novos algoritmos,
seados na fotopletismografia é que o método é baseados em inteligência artificial. A integra-
particularmente preciso em repouso, todavia ção de informações cada vez mais detalhadas
sua acurácia é afetada por diversas atividades com o quadro clínico de cada usuário pode
cotidianas, como movimentos exagerados do permitir, sobretudo aos profissionais de saúde,
corpo durante exercícios físicos e ocasiões de uma tomada de decisão mais personalizada
mau contato com o sensor. (Haverkamp et al., (Haverkamp et al., 2021).
2021) Embora alguns relógios, como os pro-
duzidos pela ”Apple”, adotem técnicas de rea- Disponibilidade e acesso
lizar 5-6 medições consecutivas do paciente em Assim como o ECG Holter, no ano de 1963,
repouso para, só então, alertá-lo da necessidade permitiu que os pacientes ambulatoriais tives-
de procurar atenção médica, este fator interfere sem a coleta de dados eletrocardiográficos de
na acurácia do aparelho, dado as variações rít- modo remoto, os smartwatches, no século XXI,
micas fisiológicas que todos os indivíduos pos- estão iniciando uma nova era de avanços, prin-
suem ao longo do dia. Resultados falso-positi- cipalmente no que concerne a coleta e a inter-
vos podem causar grande ansiedade nos usuá- pretação de dados de forma simplificada e mais
rios, além de investigações desnecessárias que, democrática (Cho., 2020).
em última instância, resultarão em custos e ris- Apesar de a popularização dos smartwat-
co de iatrogenia (Haverkamp et al., 2021 ). ches ainda estar condicionada ao seu custo, a
Apesar de a confiabilidade dos smartwat- permanência dessa tecnologia no mercado ins-
ches serem inferiores aos de métodos clínicos tiga a produção de relógios inteligentes cada
validade, como o ECG convencional, a sua po- vez mais acessíveis (Cho., 2020).
tencial disponibilidade e praticidade pode ser
uma vantagem, sobretudo se o usuário não tiver CONCLUSÃO
acesso imediato a técnicas de diagnóstico mais
O uso dos smartwatches aplicados à saúde
eficientes (Behzadi et al., 2020).
representa uma realidade. Embora estes dispo-
Desafios e direções futuras sitivos ainda apresentem aplicações específicas
e limitação, há uma clara tendência de expansão
No primeiro trimestre de 2020, a Apple Inc.
do seu uso. Os dispositivos vestíveis podem
teve um aumento, no que se refere a venda de
ajudar na promoção de saúde, tanto ao auxiliar
smartwatches, superior a 20% comparado ao
ao usuário a compreender variáveis de saúde
ano anterior. Com isso, o aumento da dispo-
quanto ao permitir um uso clínico, quando seus
nibilidade desses dispositivos torna essencial ao
dados são interpretados por profissionais de
médico encontrar formas de adaptação, dadas
saúde. Embora essa tecnologia ainda esteja em
as possíveis solicitações de interpretação de
processo de desenvolvimento, sua aplicabili-
seus pacientes. Nesse sentido, é imprescindível
dade se relaciona a uma série de oportuni-
que esses profissionais se mantenham atuali-
dades, que podem contribuir para a melhoria da
zados a respeito do tema, uma vez que estes
qualidade de vida dos usuários e de sua pers-
dispositivos se tornam cada vez mais presentes
pectiva de vida. Além disso, fatores como a
no cotidiano (Caillol et al., 2021).
democratização da saúde e a possibilidade de
A precisão no diagnóstico de patologias por
menor sobrecarrega aos sistemas de saúde de-
meio dos Smartwatches deve melhorar continu-

264
vem ser levados em consideração, sobretudo parecido (Cho., 2020; Isakadze & Martin,
considerando o avanço da idade da população 2020).
(Tajrishi et al., 2019). Não obstante, outro problema, ainda mais
Entretanto, existem desvantagens que preocupante, consiste numa possível queda da
acompanham esses dispositivos. Primeiramen- adesão aos meios clínicos convencionais. A dis-
te, a elevada taxa de falsos-positivos, fator que ponibilidade de uma ferramenta de triagem e de
corrobora não apenas com as investigações des- diagnóstico rápido poderia tornar a consulta clí-
necessárias, tendo um potencial impacto na saú- nica menos importante aos olhos dos pacientes,
de mental dos pacientes, mas também como fa- a permitir que se tenha diagnósticos rasos e que
tor iatrogênico, assim como supracitado ( Taj- patologias secundárias fujam do alcance dos al-
rishi et al., 2019). Acrescido a isso, a segurança goritmos dos smartwaches, o que pode resultar
quanto ao armazenamento de dados também ge- em uma fatalidade (Tajrishi et al., 2019).
ra algum desconforto aos usuários e aos órgãos É notável que os smartwatches apontam pa-
de saúde nacionais e internacionais, ao passo ra uma nova era de diagnóstico, apresentando-
que esse tema ainda não foi plenamente trans- se como um promissor método de triagem não-
invasiva de diversas doenças cardiovasculares.

265
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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853, 2021.

266
Capítulo 28

ADESÃO TERAPÊUTICA DE
PACIENTES HIPERTENSOS:
LIMITES E POSSIBILIDADES DE
ATUAÇÃO DO ENFERMEIRO
LUIZ CARLOS DOS SANTOS ROCHA¹
FÁTIMA HELENA DO ESPIRITO SANTO2
LUIZ DOS SANTOS2
RODRIGO LEITE HIPÓLITO2
LARISSA PEREIRA MARTINS DA SILVA3
DALMO VALERIO MACHADO DE LIMA4
CRISTINA LAVOYER ESCUDEIRO4
MONIQUE ALVES MENDES5
PAMELA OLIVEIRA FRANÇA5
1Discente – Enfermagem da Universidade Federal Fluminense (EEAAC/UFF).
2Docente – Departamento de Enfermagem Médico Cirúrgica (EEAAC/UFF).
3Residente de Enfermagem – Enfermagem Clínica e Cirúrgica com Enfoque Cardiológico (INC/UNIRIO).
4Docente – Departamento de Enfermagem Médico Cirúrgica (EEAAC/UFF).
5Discente – Enfermagem da Universidade Federal Fluminense (EEAAC/UFF).

Palavras-chave:
Hipertensão; Enfermagem; Adesão a medicação.
267
INTRODUÇÃO recentes trazem que 24,5% da população brasi-
leira vivia com o diagnóstico médico de HA,
Segundo dados obtidos nos anos 2000 até sendo mais prevalente em mulheres e tendo seu
2019 pela Organização Mundial da Saúde aumento de casos proporcionais à idade, e in-
(OMS, 2020), as Doenças Crônicas Não Trans- versamente proporcional quanto a escolaridade
missíveis (DCNT) ocupam o sétimo lugar das (VIGITEL, 2019).
dez principais causas de morte no mundo. Dentre os indivíduos citados anteriormente
Ainda sobre esses dados, as doenças cardíacas com HA, 83,1% relataram necessitar de trata-
representavam a principal causa de óbitos no mento medicamentoso para controle dos níveis
mundo. Estima-se que houve um aumento da pressóricos (VIGITEL, 2019). A não adesão
longevidade da população global, todavia essa deste tratamento medicamentoso, assim como o
longevidade não necessariamente foi vivenci- não medicamentoso, impacta diretamente no
ada com uma qualidade de vida positiva. controle pressórico arterial e, consequente-
No Brasil, entre os anos de 2000 e 2017, mente, nas complicações a curto, médio e a
houve uma redução da taxa de mortalidade da longo prazo da doença no sistema cardiovascu-
população em decorrência de Doenças Cardio- lar e nos demais órgãos alvos (rins e encéfalo)
vasculares (DCV), o que não eximiu as DCV de (GOMES et al., 2019; GEWEHR et al., 2018;
serem as principais causas de óbito na popula- LIMA et al, 2016).
ção brasileira analisada neste período (MAL- O enfermeiro é um profissional com forma-
TA, 2020). Em 2019, as doenças do aparelho ção de nível superior o qual desempenha diver-
circulatório representaram, aproximadamente, sos papéis dentro do âmbito da saúde. Como ex-
27% das causas de óbitos comparadas a outras plica no parágrafo único da Resolução
causas segundo capítulo CID-10 (DATASUS, CNE/CES Nº 3, de 7 de novembro de 2001
2019).
A Hipertensão Arterial (HA) é uma DCV, “A formação do Enfermeiro deve atender as
inserida entre as DCNT. É uma doença multifa- necessidades sociais da saúde, com ênfase
no Sistema Único de Saúde (SUS) e
torial e tem como definição a elevação pressó- assegurar a integralidade da atenção e a
rica a níveis onde o tratamento medicamentoso qualidade e humanização do atendimento.”
(BRASIL, 2001, p. 131).
e/ou não medicamentoso se faz necessário. É
classificada pela medição correta, em pelo me- Uma das competências do enfermeiro é a
nos dois momentos distintos, da pressão arterial realização de consultas de enfermagem, onde
onde a pressão arterial sistólica está maior ou deve, além de outras aptidões, ser capaz de
igual a 140 mmHg e/ou pressão arterial diastó- estabelecer vínculo com o paciente, assegurar a
lica está maior ou igual a 90 mmHg (BRASIL, promoção da saúde dos indivíduos e prevenir
2020). suas doenças e seus respectivos agravos. Estas
Por meio da Vigilância de Fatores de Risco características profissionais, junto com a atua-
e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito ção da equipe multidisciplinar, são um dos im-
Telefônico (VIGITEL BRASIL) que, desde portantes fatores no processo de monitoramento
2016, vem obtendo dados importantes junto ao e acompanhamento dos indivíduos portadores
Ministério da Saúde, o acompanhamento e mo- de HA, além da importante atuação frente a não
nitoramento dos principais determinantes rela- adesão dos pacientes a terapêutica adequada
cionados as DCNTs se fizeram possível. Dados (SAMPAIO et al., 2021). As mulheres são a
maioria da população brasileira (50,77%) e as
268
principais usuárias do Sistema Único de Saúde no processo de embasamento científico das prá-
(SUS). Freqüentam os serviços de saúde para o ticas no campo da saúde, principalmente no que
seu próprio atendimento mas, sobretudo, acom- se refere a enfermagem e a Prática Baseada em
panhando crianças e outros familiares, pessoas Evidências (SOUZA et al., 2010).
idosas, com deficiência, vizinhos, amigos. São O estudo foi realizado entre os meses de
também cuidadoras, não só das crianças ou abril e agosto de 2021. A elaboração da questão
outros membros da família, mas também de norteadora é a parte mais importante do estudo,
pessoas da vizinhança e da comunidade (BRA- pois através dela é possível delimitar e guiar a
SIL, 2008). A situação de saúde envolve diver- pesquisa, de modo que sejam atribuídos asserti-
sos aspectos da vida, como a relação com o vamente os critérios de inclusão e exclusão, as-
meio ambiente, o lazer, a alimentação e as con- sim como a elegibilidade dos estudos lidos.
dições de trabalho, moradia e renda. No caso Para tal, foi estabelecida a seguinte questão:
das mulheres, os problemas são agravados pela Quais são os limites e possibilidades da atuação
discriminação nas relações de trabalho e a so- do enfermeiro relacionados a adesão terapêu-
brecarga com as responsabilidades com o tra- tica de pacientes hipertensos?
balho doméstico. Outras variáveis como raça, Em seguida, para a realização da busca na
etnia e situação de pobreza realçam ainda mais literatura, foram selecionadas as seguintes fon-
as desigualdades (SOUSA, 2019; SILVA et al., tes: Medical Literature Analysis and Retrieval
2020; FERREIRA & ALCANTARA, 2018). System on-line (MEDLINE via PubMed), Cu-
O objetivo geral deste estudo foi analisar os mulative index to Nursing and Allied Health Li-
limites e possibilidades da atuação do enfer- terature (CINAHL) e a Biblioteca Virtual de
meiro relacionados a adesão terapêutica de pa- Saúde (BVS).
cientes hipertensos. E como objetivos especifi- Para a seleção dos artigos foram considera-
cos, este estudo vislumbrou caracterizar a pro- dos os seguintes critérios de inclusão: Artigos
dução científica sobre adesão terapêutica no tra- publicados de 2016 até abril de 2021; artigos
tamento de pacientes hipertensos e identificar com textos completos disponíveis e; nos idio-
as ações do enfermeiro voltadas para a adesão mas: inglês, português e/ou espanhol. Como ex-
terapêutica de pacientes hipertensos, tendo co- clusão, foram aplicados os seguintes critérios:
mo questão norteadora quais são os limites e artigos de revisão, editoriais e relatos de expe-
possibilidades da atuação do enfermeiro relaci- riência e; artigos duplicados.
onados a adesão terapêutica de pacientes hiper- Quanto a estratégia de busca, foram seleci-
tensos? onados descritores segundo consulta aos Des-
critores em Ciências da Saúde (DeCS) e Medi-
MÉTODO cal Subject Headings (MeSH): “Hypertension”,
Este estudo trata-se de uma Revisão Inte- “Nursing care” e “Treatment adherence and
grativa da Literatura (RIL), elaborado respei- compliance”, com a combinação dos três ter-
tando seis fases, a saber: 1ª fase - elaboração da mos através do operador booleano “AND”.
questão norteadora; 2ª fase – busca na litera- Para melhor alcance de resultados, foi combi-
tura; 3ª fase – coleta de dados; 4ª fase – análise nado ao descritor “nursing care” o termo “nur-
crítica dos estudos incluídos; 5ª fase – discussão sing” utilizando operador booleano “OR”, re-
dos resultados e; 6ª fase – apresentação da revi- sultando na estratégia de busca descrita no
são integrativa. A RIL é uma ferramenta ímpar Quadro 28.1.

269
Quadro 28.1 Estratégias de busca utilizadas nas bases de dados selecionadas para a revisão bibliográfica e seus respec-
tivos resultados obtidos. Niterói, 2021

Quantidade de
Base de dados Estratégia de busca
estudos
“Hypertension”AND (“Nursing care OR nursing”)
MEDLINE/PubMed 69
AND “Treatment adherence and compliance”

BVS (LILACS, BDENF, “Hypertension”AND (“Nursing care OR nursing”)


330
MEDLINE e IBECS) AND “Treatment adherence and compliance”

CINAHL with Full Text “Hypertension”AND (“Nursing care OR nursing”)


10
(EBSCO) AND “Treatment adherence and compliance”

Fonte: Rocha, 2021

Foram identificados 409 artigos nas bases íntegra e excluindo aqueles que não atenderam
de dados consultadas através das diferentes es- aos critérios de inclusão, obteve-se como resul-
tratégias de busca aplicadas. Desse quantita- tado um total de 14 artigos selecionados, como
tivo, 19 artigos eram duplicatas e foram excluí- demonstrado na Figura 28.1.
dos e o restante foi avaliado nas etapas seguin- O Fluxograma Prisma trás de forma visual
tes. Após a leitura de títulos e resumos, apli- a contagem dos estudos identificados após a
cando os critérios de inclusão e exclusão, 371 busca dos descritores nas respectivas bases, os
artigos foram descartados e restaram, então, o selecionados, excluídos por não atender a me-
total de 19 artigos para serem lidos na íntegra. todologia e excluídos por duplicidade.
Realizada a leitura dos artigos selecionados na
Figura 28.1 Fluxograma PRISMA. Niterói, 2021.

Artigos selecionados para estudo(n=14)

Fonte: Rocha, 2021

270
RESULTADOS E DISCUSSÃO na íntegra. Para fins de melhor organização e
caracterização dos estudos, foram dispostos no
Caracterização dos estudos quadro abaixo, em ordem decrescente do ano de
Foram selecionados 14 estudos mediante a publicação:
leitura de títulos e resumos, e posterior análise

Quadro 28.2 Artigos selecionados de acordo com ano, periódico, títulos dos artigos, autores e objetivos. Niterói, 2021

Ano Periódico Título do artigo Autores Objetivo

Percepção de pessoas com Descrever a percepção de pessoas


Revista de En-
hipertensão arterial sobre as- com hipertensão arterial sobre as-
2021 fermagem MIRANDA et al.
pectos que influenciam a pectos que facilitam e dificultam
UFSM
adesão ao tratamento a adesão ao tratamento.

Avaliar a adesão medicamentosa


Adesão à medicação anti- anti-hipertensiva, os níveis pres-
Texto & Con-
hipertensiva, controle pres- NASCIMENTO; sóricos e os fatores associados
2020 texto
sórico e fatores associados BEZERRA nos indivíduos hipertensos acom-
Enfermagem
na atenção primária à saúde panhados pela atenção primária à
saúde

Analisar a eficácia do gerencia-


Nursing case management
Research in mento de casos de enfermagem
for people with hypertension
2020 Nursing and SILVA et al no controle da pressão arterial em
in primary health care: A
Heath adultos brasileiros com hiperten-
randomized controlled trial
são no sistema público de saúde.

Analisar as crenças comporta-


Crenças de indivíduos com
mentais, normativas e de controle
hipertensão arterial sistê-
2019 Revista Rene ALMEIDA et al relacionadas ao tratamento medi-
mica relacionadas ao trata-
camentoso para hipertensão arte-
mento medicamentoso
rial.

Identificar os recursos utilizados


O enfermeiro e a questão da pelo enfermeiro da estratégia sa-
Revista de En-
adesão do paciente ao trata- úde da família (ESF) para estimu-
2019 fermagem SALLES et al.
mento da hipertensão arterial lar a adesão do paciente ao trata-
UERJ
sistêmica mento da Hipertensão Arterial
Sistêmica.

O estudo procurou avaliar o


efeito de uma intervenção base-
Improved adherence in older
International ada na comunidade influenciando
patients with hypertension:
Journal of TANKUMPUAN o estado de adesão no início do
2019 An observational study of a
Older People et al. estudo, 1, 3 e 6 meses, e avaliar o
community-based interven-
Nursing impacto que uma intervenção ba-
tion
seada na comunidade e fatores
socioeconômicos têm na adesão.

271
Analisar a associação entre as ca-
Associação entre acompa- racterísticas do acompanhamento
Revista Brasi-
nhamento em serviços de sa- ALBUQUERQUE em serviços de saúde e a adesão
2018 leira de Enfer-
úde e adesão terapêutica et al ao tratamento anti-hipertensivo
magem
anti-hipertensiva em pacientes com doença cardio-
vascular

verificar a associação entre nível


Associação entre adesão ao
de adesão dos clientes ao trata-
Revista Enfer- tratamento anti-hipertensivo
2018 SOUSA et al. mento anti-hipertensivo e a inte-
magem UERJ e integralidade no atendi-
gralidade no atendimento de en-
mento de enfermeiros.
fermeiros

Identificar fatores clínicos, socio-


Clinical Inter- Factors influencing adher- econômicos e demográficos que
UCHMANOWICZ
2018 ventions in ence to treatment in older afetam a aderência ao tratamento
et al.
Aging adults with hypertension. de paciente com hipertensão arte-
rial.

Dificuldades de adesão ao O estudo teve por objetivo identi-


BECHO; OLI-
tratamento por hipertensos ficar as dificuldades para a ade-
2017 Revista de APS VEIRA; AL-
de uma unidade de atenção são do usuário ao tratamento
MEIDA
primária à saúde. prescrito.

Revista de En- Perfil clínico-epidemioló- Descrever o perfil clínico-epide-


2017 fermagem gico e adesão ao tratamento MACHADO et al. miológico e a adesão ao trata-
UFPE On-line de idosos com hipertensão mento de idosos hipertensos.

O objetivo deste estudo foi deter-


minar o efeito do manejo de ca-
Revista da Es- OSPANCAR; sos no manejo da hipertensão e
Manejo da hipertensão qual
2017 cola de Enfer- PAKYUZ; TO- na adesão à medicação anti-hiper-
é o papel do manejo de caso
magem da USP PCU tensiva e no tratamento de doen-
ças crônicas de pacientes com hi-
pertensão.

Descrever a adesão ao regime te-


Adesão ao Regime Terapêu-
Revista de En- FERREIRA; rapêutico das pessoas com hiper-
tico de Pessoas com Hiper-
2016 fermagem Re- GRAÇA; CALVI- tensão arterial, com vigilância de
tensão Arterial em Cuidados
ferência NHO saúde em cuidados de saúde pri-
de Saúde Primários
mários.

Enfermería
Identificar fatores determinantes
Global - Re- Fatores da não adesão ao tra-
da não adesão ao tratamento dos
2016 vista eletrônica tamento da hipertensão arte- MOURA el al
hipertensos em município brasi-
trimestral de rial
leiro.
Enfermeria

Fonte: ROCHA (2021)

272
A presente revisão contou com artigos pu- cia brasileira (n=10) e 1 (um) estudo para cada
blicados de 2016 a 2021, como é representado um dos demais países. Os estudos evidenciaram
na Figura 28.2. A origem dos artigos foram: um número superior de participantes do sexo
Brasil, Portugal, Tailândia, Polonia e Turquia. feminino em acompanhamento de saúde.
Os estudos selecionados tiveram predominân-

Figura 28.2 Distribuição do ano de publicação dos artigos. Niterói, 2021

4 3 3 3
3 2 2
2 1
1
0
2016 2017 2018 2019 2020 2021

Distribuição dos estudos com base no ano de publicação


Polinomial (Distribuição dos estudos com base no ano de publicação)

Fonte: Rocha, 2021

Os achados de cada artigo analisado apon- e a Enfermagem quanto à Hipertensão arterial.


tam certas semelhanças de conteúdo entre si, No Quadro 28.3 estão destacadas as três
permitindo assim a separação deles em três principais categorias e seus respectivos autores.
principais categorias, a saber: Fatores que influ-
enciam na adesão terapêutica; percepção do in-
divíduo acerca do controle e tratamento doença;
Quadro 28.3 Resultados categorizados dos 14 estudos analisados

Categoria Autores

UCHMANOWICZ et al., 2018; FERREIRA; GRAÇA;


CALVINHO, 2016; MOURA et al., 2016; MACHADO
Fatores que influenciam na adesão terapêutica
et al., 2017;
NASCIMENTO & BEZERRA, 2020

Percepção do indivíduo sobre o controle e ALMEIDA et al., 2019; BECHO; OLIVEIRA; AL-
tratamento da Hipertensão Arterial MEIDA, 2017; MIRANDA et al., 2021

ALBUQUERQUE et al., 2018; OZPANCAR; PAKYUZ;


A enfermagem quanto à hipertensão arterial TOPCU, 2017; SALLES et al. 2019; SILVA et al., 2020;
TANKUMPUAN et al., 2019; SOUSA et al., 2018

Fonte: Rocha, 2021

273
CATEGORIAS EMERGENTES DA para a prevenção da HA, mas ressaltam a carên-
ANÁLISE DE DADOS cia de estudos robustos que possam corro-borar
Fatores que influenciam na adesão te- com esta questão.
rapêutica Becho, Oliveira & Almeida (2017) observa-
Estudos apontam um alto quantitativo de in- ram nas falas dos pacientes hipertensos a ausên-
divíduos que apresentam baixa adesão a terapia cia de conhecimento acerca da doença, assim
medicamentosa para a Hipertensão Arterial. como a compreensão errônea sobre a fisiopato-
Tais dados trazem ainda uma alta taxa de indi- logia, tratamento e controle. Em outros estudos,
víduos que não compreendem e/ou não adotam nacionais e internacionais, a grande parcela dos
as medidas não farmacológicas no controle e indivíduos analisados com hipertensão arterial
tratamento da HA (NASCIMENTO e apresentava baixo grau de instrução educacio-
BEZERRA, 2020; UCHMANOWICS et al., nal, havendo correlação estatística com o baixo
2018; MACHADO et al. 2017; ALMEIDA et nível de adesão terapêutica (NASCIMENTO;
al., 2016). Os fatores que podem influenciar na BEZERRA, 2020; UCHMANOWICS et al.,
adesão terapêutica, segundo as Diretrizes 2018; MACHADO et al. ALMEIDA et al.,
Brasileiras de Hipertensão Arterial (BRASIL, 2016).
2020) são: idade, renda, escolaridade, Ainda, o estudo de Ferreira, Graça e Calvi-
etnia/raça e nível socioeconômico. nho (2016) realizado com 332 pessoas, apontou
Em pesquisas realizadas em 2016 e 2020, os que 97,3% dos indivíduos entrevistados faziam
autores sugerem que um dos fatores que influ- uso da medicação anti-hipertensiva. Porém, a
enciam na baixa adesão terapêutica dos hiper- falta de conhecimento adequado acerca do con-
tensos é o nível de estresse relatado pelos paci- trole e tratamento da HA mostrou que, mesmo
entes (NASCIMENTO; BEZERRA, 2020; AL- com alta taxa de adesão medicamentosa, os va-
MEIDA et al. 2016). A relação entre estresse, a lores pressóricos não eram baixos. Esta incons-
alimentação e a pressão arterial foram relatadas tância se deu pela não adoção da terapia não
por Dalmazo et al. (2019), tendo como resul- medicamentosa, evidenciada pelo elevado nú-
tado a ausência de correlação entre o estresse e mero de participantes com IMC e com períme-
a pressão arterial em si. Entretanto, houve sig- tros abdominais altos.
nificância estatística na comparação do estresse O uso de mais de 2 medicamentos pelos hi-
com a alimentação rica em lipídios, sugerindo, pertensos foi negativamente observado quanto
assim, um ponto importante de investigação a adesão terapêutica e a constância da pressão
quanto ao nível de estresse vivido pela popula- arterial elevada. Quantitativamente, o número é
ção hipertensa visto que, segundo Moura et al. inversamente proporcional ao comparar o uso
(2019), os valores lipídicos influenciam no de- maior ou igual a dois de medicações com esse
senvolvimento da HA, além de já ser compre- fenômeno estudado. Quanto maior o número de
endido o impacto negativo da não adoção de fármacos, menor é a probabilidade de haver
uma dieta adequada como medida não farmaco- uma taxa adequada de adesão ao tratamento
lógica para o hipertenso. (NASCIMENTO; BEZERRA, 2020; MOURA;
Para as Diretrizes Brasileiras de Hiperten- LOPES, 2020).
são Arterial (BRASIL, 2020) o controle do es- Com grande influência, os efeitos adversos
tresse emocional constitui uma das propostas das medicações trazem circunstâncias que pro-

274
piciam o afastamento da terapêutica e, conse- não estabelecer nenhuma importância em pri-
quentemente, impacta no controle dos níveis meira instancia, mas ao contrastar tais dados
pressóricos arteriais. Na pesquisa feita por Al- com a realidade de saúde do homem e sua in-
meida et al. (2020) com 421 portadores de HA, serção e acompanhamento nos serviços de as-
a baixa adesão terapêutica foi constatada em sistência à saúde pode-se suscitar o sexo mas-
48,5% indivíduos, tendo como uma das suas culino como público que menos recorre aos ser-
principais características a ausência de efeitos viços de saúde e, por esta razão, mais vulnerá-
adversos. vel a acometimentos severos de doenças crôni-
Um outro fator relacionado a adesão, apon- cas. A baixa procura está relacionada a precon-
tado em pesquisa realizada por Cardoso et al. ceitos estabelecidos na população de que o ho-
(2021), foram as condições financeiras para ob- mem é mais resistente, forte e invulnerável, di-
tenção dos fármacos anti-hipertensivos. Os ido- ficultando sua entrada e estabelecimento nos
sos, público com maior prevalência da doença, serviços de saúde. Logo, a adesão terapêutica se
relatam que o custo das medicações dificulta a mostra ineficiente e deve-se haver mais pesqui-
continuidade do tratamento. Todavia, existe no sas que possam demonstrar o real quantitativo
Brasil um programa que oferece medicamentos de indivíduos com HA que podem estar omis-
gratuitamente ou com descontos em farmácias sos (CARNEIRO; ADJUTO; ALVES, 2019).
chamado de Farmácia Popular (BRASIL,
2017). Essa contradição quanto a descontinui- Percepção dos indivíduos sobre o con-
dade do tratamento frente aos custos dos medi- trole e tratamento da Hipertensão Ar-
camentos pode ser relacionada ao baixo grau de terial
instrução e de informação sobre o Sistema Compreender o entendimento do processo
Único de Saúde brasileiro, e pode servir como de saúde-doença do indivíduo portador da HA
questionamento sobre possíveis fragilidades na deve ser uma das estratégias adotadas pela
assistência em saúde direta e indireta de prover equipe de saúde que o acompanha, visto que di-
conhecimento adequado a toda população. versas abordagens podem ser elencadas para a
Nenhum dos estudos selecionados para esta melhoria da adesão terapêutica se a assistência
revisão abordaram a questão de a Hipertensão em saúde respeitar a integralidade e individua-
Arterial ser uma doença insidiosa assintomá- lidade de cada pessoa, além de evidenciar quais
tica, devido aos seus estudos terem um delinea- são os fatores que podem contribuir para uma
mento metodológico que requeriam um diag- baixa adesão (COELHO, 2018).
nóstico prévio para a análise. Todavia, é impor- De acordo com estudo realizado por Al-
tante salientar que uma das principais causas da meida et al. (2019), os indivíduos apresentam
não adesão é justamente o desconhecimento da positivamente certas crenças quanto ao uso de
existência do diagnóstico da doença por parte terapia medicamentosa. Para eles, os pacientes,
dos portadores, carreando para o doente a sen- a medicação é um meio para se prevenir a morte
sação de baixo risco ou inexistência de agravos e sintomas decorrentes da HA, além de relata-
futuros (BRASIL, 2020). rem grande influência que a família pode gerar
Dentre os participantes das pesquisas abor- por incentivar o uso regular e adequado das me-
dadas nessa revisão, majoritariamente tratava- dicações. Convergente ao estudo supracitado
se de mulheres. Este dado isoladamente pode Becho, Almeida, Oliveira (2017) apontam rela-

275
tos dos indivíduos que compreendem a medica- programa e trata-se de uma das ferramentas po-
ção como aliada no tratamento e controle da sitivas no controle da hipertensão arterial na po-
pressão arterial, todavia destacam que tanto os pulação brasileira. Sobre o programa, os paci-
pacientes, quanto os familiares, suscitaram so- entes relatam a gratuidade das medicações
mente a medicação como medida de controle e como influenciadora da adesão ao tratamento,
tratamento, não sendo mencionado nenhum tra- visto que proporciona acesso a terapia sem
tamento não medicamentoso atrelado. Segundo acarretar prejuízos financeiros em suas residên-
as Diretrizes Brasileira de Hipertensão Arterial cias (ALMEIDA et al., 2019). Em revisão rea-
(BRASIL, 2020), o tratamento da HA constitui lizada com pacientes idosos portadores de hi-
na junção adequada de tratamento medicamen- pertensão arterial, foi observado o alto custo das
toso e não medicamentoso para obtenção de ní- medicações como um dos fatores que propiciam
veis pressóricos adequados e seu controle con- a má adesão terapêutica, ressaltando assim a
tínuo. importância do programa Farmácia Popular na
Como contraponto, o estudo de Miranda et adesão (CARDOSO et al., 2021).
al. (2021) apresenta uma outra perspectiva Por fim, os estudos afirmam que a percep-
acerca da adoção da terapia não medicamentosa ção dos pacientes acerca da doença contraria a
por parte dos pacientes, afirmando terem co- real dimensão da hipertensão arterial e seus
nhecimento sobre as vantagens da prática regu- agravos. Na conclusão dos estudos, os autores
lar de atividades físicas e a reeducação nos há- enfatizam a existência de um déficit importante
bitos alimentares, sendo estas vantagens condi- sobre o conhecimento relatado pelos pacientes
cionadas a participação da família e profissio- relacionado a fisiopatologia, tratamento e agra-
nais da saúde como potenciadores. vos da HA, fomentando dificuldades graves na
A presença de efeitos colaterais é um dos adoção de medidas de proteção da saúde e au-
problemas relatados pelos indivíduos como de- tocuidado (MIRANDA et al, 2021; ALMEIDA
terminantes para a não adesão terapêutica ade- et al., 2019, BECHO; ALMEIDA; OLIVEIRA,
quada, visto que a terapia medicamentosa pode 2017).
acarretar sintomas como: cefaleia, hipotensão,
náuseas, tosse seca, impotência sexual, entre A Enfermagem quanto a hipertensão
outros (BECHO; ALMEIDA; OLIVEIRA, arterial
2017; SANTOS et al., 2021). Tais relatos apon- A equipe de saúde, principalmente a que
tam para uma percepção negativa inicial dos pa- atua na atenção básica, necessita fomentar sua
cientes e a descontinuidade do tratamento, assistência constantemente com atualizações e
sendo associado a uma baixa compreensão da estudos para aprimorar a prática e, consequen-
doença e seus reais agravos (BECHO; AL- temente, resultar em melhores índices de con-
MEIDA; OLIVEI-RA, 2017). trole e tratamento da hipertensão dos indivíduos
As medicações para as DCNTs são oferta- com este diagnóstico. Para tal, se faz importante
das, no âmbito do Sistema Único de Saúde, gra- a análise pautada em evidência de manejos de
tuitamente ou com oferecimento de descontos casos exitosos e daqueles onde não houve êxito.
no pagamento através do Programa Farmácia O tratamento, controle, monitoramento e
Popular (BRASIL, 2017). A hipertensão é uma mitigação de agravos em saúde é competência
das doenças crônicas salvaguardada por este de todos os profissionais relacionados a assis-
tência em saúde a pacientes hipertensos. Quan-
276
to a prevenção e promoção da saúde, destaca-se saúde dos pacientes hipertensos, e ressalta que
o profissional enfermeiro como educador em novas estratégias de promoção de saúde devem
saúde preparado e competente para colher his- ser instauradas e praticadas frente a hiperten-
tórico, diagnosticar, instituir resultados futuros são, para maior e melhor alcance dos objetivos
e implementar ações com vista a melhoria indi- do enfermeiro e equipe de saúde.
vidual e coletiva (BRASIL, 2020; MENDES; A integralidade no atendimento de enfer-
SILVA; PEREIRA, 2018). magem ao paciente hipertenso é imprescindível
O conhecimento do enfermeiro acerca da e acarreta resultados promissores. Silva (2019)
assistência ao paciente com hipertensão arterial e Silva et al. (2019) ressaltam a importância da
na atenção básica foi abordado no estudo de atuação contínua do enfermeiro junto a pessoas
Salles et al. (2019). Através da análise dos dis- com hipertensão através de ações de educação
cursos de 10 enfermeiros, foi constatado que to- em saúde, prevenção de agravos e constante
dos compreendiam as ferramentas existentes na monitoramento. Essas condutas resultam em
Estratégia de Saúde da Família para monitora- respostas positivas quanto a adesão terapêutica,
mento, controle e tratamento da hipertensão. Os controle de níveis pressóricos, circunferência
enfermeiros apontaram o programa Hiperdia abdominal e índice de massa corporal. Segundo
como a estratégia na qual fazem o acompanha- Ozpancar, Pakyuz e Topcu (2017), o manejo de
mento da população hipertensa e diabética. Em casos de pacientes hipertensos não apresenta re-
um estudo realizado por Albuquerque et al. sultados relevantes de imediato, o que pode
(2018), a utilização exclusiva do programa Hi- frustrar, em primeiro momento, o profissional
perdia como estratégia de mitigação da baixa enfermeiro quanto suas ações e respectivos re-
adesão terapêutica não resultou em resultados sultados. Entretanto, o estudo relata que em seis
relevantes, tendo sido mostrado nenhuma rela- meses utilizando ações ativas (consultas de en-
ção estatística entre a adesão ao tratamento e o fermagem via WhatsApp e telefone, visitas do-
programa. miciliares e atividades educativas em grupo e
Estudo realizado em 2017 na Turquia apon- individuais) o número de pacientes apresen-
tou que pacientes atendidos usualmente quando tando alto controle pressórico e alta taxa de ade-
comparados a pacientes que obtiveram uma as- são terapêutica foram bastante relevantes com-
sistência em saúde por enfermeiros estritamente parado ao grupo controle, o que ressalta impor-
direcionada e sistematizada, demonstrou uma tância de manter a consistência nas ações para
grande discrepância nos desfechos entre os dois obtenção dos resultados almejados.
grupos, tendo o último grupo apresentado me- Um interessante estudo realizado na Tailân-
lhoras significativas no controle pressórico e na dia em 2019 promoveu a realização, a longo
melhor adesão terapêutica. A estratégia utili- prazo, de práticas de cuidado entre indivíduos
zada no grupo de pacientes que sofreram esta portadores de HA, utilizando os próprios paci-
intervenção foi a educação em saúde abran- entes como promotores de saúde e ferramentas
gente e, também, específica no que tange a HA. de monitorização e suporte. A pesquisa consis-
Ao grupo controle, nenhuma intervenção espe- tiu na análise desta abordagem na adesão tera-
cifica foi dada (OZPANCAR; PAKYUZ; TO- pêutica desses pacientes com acompanhamento
PCU, 2017). O estudo produzido por Vascon- a finco de enfermeiros. O grupo como gestor
celos et al. (2017) corrobora com a proposta de dos comportamentos individuais de cada mem-
ações educativas para a melhoria do contexto de bro resultou em aumento da adesão terapêutica

277
e diminuição de comportamentos prejudiciais à medicações e condições financeiras. Ademais,
saúde (TANKUMPUAN et al., 2019). houve a caracterização da HA pelos portadores
Embora a Resolução COFEN 358/2009 da doença, onde expressaram desconhecer ade-
normatize a utilização do processo de enfer- quadamente a fisiopatologia, tratamento e agra-
magem em todos os serviços de saúde por parte vos, além de realçarem o tratamento medica-
do enfermeiro, há uma grande distância da teo- mentoso como única estratégia de controle e
ria e da prática. A sistematização da assistência tratamento. Acreditam, porém, no apoio fami-
de enfermagem fornece subsídios para uma prá- liar e dos profissionais de saúde como influen-
tica baseada em evidencias e fundamenta as ciadores das boas práticas de saúde e controle
ações de acordo com as reais necessidades do da pressão arterial.
indivíduo ou da comunidade. Essa não obser- No que tange a atuação do enfermeiro junto
vância da teoria na prática de enfermagem é a pessoa com hipertensão arterial, pode-se afir-
apontada por Sousa et al. (2018) e Salles et al. mar que a grande estratégia do enfermeiro con-
(2019), e confirmada por Mota, Lanza e Cortez siste na educação em saúde constante. O enfer-
(2020). Esses autores ressaltam esta fragilidade meiro é primordial na promoção da saúde e pre-
como ponto primordial a ser abordado nos lo- venção de agravos, devendo se empoderar do
cais de formação de enfermeiros e nas pós- processo de enfermagem na assistência e con-
graduações, vislumbrando melhores associa- duzir, individualmente e coletivamente, ações
ções teórico-prático com o processo de enfer- educadoras em saúde que visem orientar sobre
magem. a HA, seus principais agravos e tratamentos me-
dicamentosos e não medicamentosos. Os resul-
CONCLUSÃO tados não são imediatos, por esta razão se faz
necessário a constância e persistência do profis-
A Hipertensão Arterial trata-se de uma do-
sional enfermeiro.
ença crônica não transmissível de alta prevalên-
Hoje, ferramentas on-line devem ser intro-
cia na população global sendo o principal fator
duzidas no cuidado e utilizadas em prol da sa-
de risco para doenças cardiovasculares. Sua
úde do paciente. Tele consultas, chamadas de
causa está relacionada a fatores genéticos/epi-
voz e vídeo utilizando aplicativos de celular são
genéticos, ambientais e sociais. Muito embora
excelentes ferramentas de monitorização e edu-
exista uma gama de medicamentos e tratamen-
cação em saúde. Todavia, é importante ressaltar
tos não farmacológicos, é notório a baixa ade-
que não somente a transmissão do conheci-
são terapêutica dos portadores de HA, resul-
mento é suficiente para obtenção de bons resul-
tando no alto número de pacientes vivenciando
tados na adesão terapêutica. É preciso ouvir os
complicações severas e, por vezes, fatais que
pacientes e suas particularidades, estabelecendo
poderiam ser retardadas ou completamente evi-
vínculos e direcionando um cuidado integral a
tadas.
cada hipertenso. Atrelado a isto, o resgate da sa-
Neste estudo, foram observadas evidências
bedoria popular quanto a Hipertensão Arterial e
que estão associadas a baixa adesão terapêutica
a desmistificação de certos conceitos são fun-
dos pacientes, como: estresse, ausência de co-
damentais para impedir a propagação de “fake
nhecimento da doença e/ou má compreensão,
News” que são prejudiciais a saúde da popula-
baixo grau de instrução, uso de 2 ou mais fár-
ção. Como possibilidade, o enfermeiro pode se
macos concomitantemente, efeitos adversos das

278
apropriar do uso da comunidade como estraté- Ressalta-se que identificar os fatores asso-
gia de ação, estabelecendo condutas e orien- ciados à hipertensão como antecedentes a ocor-
tando os pacientes a estabelecerem um cuidado rência da doença ou como, de alguma forma,
coletivo em vista de melhores resultados. consequentes a ela, pode impactar na própria
Logo, a educação em saúde constante e sis- sistematização da assistência de enfermagem.
tematizada fazendo uso, inclusive, da própria Por fim, os limites que perpassam a assis-
comunidade na qual o indivíduo está inserido tência de enfermagem ao paciente hipertenso
como facilitador e influenciador do processo de consistem na baixa adesão dos profissionais à
autocuidado, são campos de atuação do enfer- sistematização da assistência de enfermagem,
meiro em detrimento da adesão terapêutica dos de modo que a prática se desvincula da teoria e
pacientes hipertensos. Utilizar-se de grupos de dificulta o estabelecimento de condutas asserti-
apoio, consultas de enfermagem individualiza- vas e condizentes com as reais necessidades dos
das, entre outras estratégias já bem documenta- indivíduos e da população. Essas limitações re-
das na literatura como ações exitosas, são im- alçam a necessidade de maior investimento em
portantes para a atuação do enfermeiro, mas de- cursos de graduação e pós-graduação na apro-
vem ser aplicadas considerando todos os aspec- ximação teórico-prática dos alunos, de modo a
tos socioeconômico e sociais para garantir os incentivar e promover o uso de taxonomias para
princípios básicos do Sistema Único de Saúde, estabelecimento de diagnósticos de enferma-
a saber: universalidade, equidade e integrali- gem e resultados prováveis, e implementação
dade. de intervenções adequadas.

279
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283
Capítulo 29

IMPLANTE TRANSCATETER
DE VALVA AÓRTICA (TAVI)
COMO TRATAMENTO PARA
ESTENOSE AÓRTICA

FERNANDA SOPHYA LEITE CAMBRAIA1


GABRIELA CARVALHO LOPES1
GISELLE STEPHANIE DE SOUSA SANTOS1
RAQUEL LOPES DE BRITO LACERDA1

1
Discente - Graduação na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de
Minas Gerais

Palavras-chave:
TAVI; Estenose aórtica; Tratamento.

284
INTRODUÇÃO A evolução da EAo e a progressiva perda da
área valvar acarreta hipertrofia ventricular es-
A estenose aórtica (EAo) é a valvopatia querda, fato que, a um primeiro momento, não
mais prevalente em países desenvolvidos. (TA- interfere na função sistólica. Entretanto, na pre-
HOCES et al., 2017; HUNTLEY et al., 2019; sença de uma obstrução leve ao fluxo, a pro-
AYMOND et al., 2021). Esta doença pode ser gressão hemodinâmica ocorre em todos os pa-
associada ao envelhecimento da população, cientes (OTTO & BONOW, 2018). Com o pro-
uma vez que, de acordo com um estudo reali- gresso da doença, origina-se um desequilíbrio
zado por meio de imagens e ecocardiografia, entre os setores musculares, vasculares e inters-
cerca de 3% da população acima de 75 anos de ticiais, desequilíbrio este que resulta em isque-
idade possui EAo considerada grave (LIN- mia e problemas ao miocárdico. Percebe-se
DROOS et al., 1993). Haja vista que, segundo também alteração progressiva da função ventri-
projeções do Instituto Brasileiro de Geografia e cular, primeiramente diastólica e, em estágios
Estatística (IBGE), no ano de 2050, brasileiros avançados, disfunção ventricular sistólica (KA-
com idade superior aos 75 anos de idade repre- TZ et al., 2010).
sentarão mais de 10% de toda a população bra- A obstrução crítica do fluxo de ejeção do
sileira, nota-se a relevância deste assunto para o ventrículo esquerdo em geral é caracterizada
campo da saúde pública (IBGE, 2008). por velocidade do fluxo aórtico maior ou igual
A válvula aórtica normal é composta por a 4 m/s, gradiente médio de pressão sistólica su-
três finos folhetos presos ao anel aórtico e à pa- perior a 40 mmHg na presença de um débito
rede com uma abertura normal da válvula aór- cardíaco normal ou área do orifício aórtico não
tica de 3 a 5 cm com separação desimpedida do
2
maior do que cerca de 1,0 cm em adultos nor-
2

folheto ao longo das comissuras durante a sís- mais (OTTO & BONOW, 2018). Esses parâ-
tole (THANDEN et al., 2014). A EAo pode ser metros auxiliam na classificação do grau de es-
definida como o estreitamento da valva, le- tenose, não sendo, contudo, possível estabele-
vando à obstrução do fluxo sanguíneo do ven- cer uma correlação direta entre o grau de este-
trículo esquerdo para a artéria aorta. Esta con- nose e a sintomatologia.
dição clínica apresenta três causas principais: A EAo possui alguns sintomas característi-
valva bicúspide congênita com calcificação so- cos, tais como dispneia, síncope e angina. En-
breposta, calcificação da valva tricúspide nor- tretanto, existem casos de pacientes com EAo
mal e doença reumática (OTTO & BONOW, grave assintomáticos, situações estas que de-
2018). Dentre estas causas, a estenose valvular mandam atenção especial por parte da equipe
aórtica calcificada, causada por um processo de saúde (KATZ et al., 2010). Ainda que paci-
ativo de aterosclerose, calcificação e ossifica- entes assintomáticos apresentem melhor prog-
ção, é a causa mais comum de EAo nos países nóstico, em um intervalo de 5 anos haverá pro-
industrializados (THANDEN et al., 2014) com gressão da maior parte dos casos e cerca de 75%
a prevalência de 9 milhões de pessoas ao redor dos pacientes terão ido a óbito ou passado por
do mundo (COFFEY et al., 2021) e está intima- substituição da valva aórtica (THANDEN et al.,
mente relacionada a faixa etária, sendo predo- 2014).
minante entre idosos (COFFEY et al., 2016). A O diagnóstico da EAo é baseado na anam-
apresentação de EAo é relativamente incomum nese, exame físico e propedêutica por meio da
em pessoas com menos de 65 anos na ausência ecocardiografia com Doppler. Este exame é ca-
de uma anormalidade congênita (COFFEY et paz de confirmar a hipótese diagnóstica, além
al., 2016).
285
de subdividir o grau da EAo em leve, moderado O objetivo deste trabalho é analisar a apli-
e grave. Segundo a American Heart Associa- cação da técnica da TAVI no tratamento de pa-
tion, no caso de EAo grave, a área valvar é me- cientes com EAo em uma revisão narrativa da
nor que 1,0 cm² e o gradiente médio transvalvar literatura realizada a partir da base de dados Pu-
aórtico corresponde a um valor maior ou igual bmed e Scielo - utilizando os descritores "trans-
a 40 mmHg, por exemplo (KATZ et al., 2010). catheter aortic valve implantation" - e das dire-
A ecocardiografia de estresse pode fornecer in- trizes de valvopatias do American College of
formações prognósticas em pacientes assinto- Cardiology, da European Society of Cardiology
máticos com EA grave, avaliando o aumento do e da Sociedade Brasileira de Cardiologia.
gradiente pressórico médio e a mudança na fun-
ção do VE durante o exercício (TAHOCES et al., MÉTODO
2017).
Trata-se de uma revisão narrativa realizada
A substituição da valva aórtica pode ser fei-
no período entre setembro e outubro de 2021
ta tanto da forma cirúrgica tradicional quanto
por meio de pesquisas nas bases de dados Pub-
por métodos muito menos invasivos como o im-
med e Scielo. Foram utilizados os descritores:
plante de valva aórtica transcateter (TAVI), que
"transcatheter aortic valve implantation".
rapidamente se tornou uma estratégia viável e
Desta busca foram encontrados 14.453 artigos,
frequentemente preferível (AYMOND et al.,
posteriormente submetidos aos critérios de
2021). A TAVI é uma opção de tratamento per-
seleção.
cutâneo efetivo que revolucionou o manejo da
Os critérios de inclusão foram: artigos nos
estenose aórtica severa e se tornou o tratamento
idiomas português, inglês e espanhol; publica-
de primeira linha em casos de pacientes com
dos no período de 1993 a 2021 e que abordavam
risco cirúrgico alto e intermediário (AYMOND
as temáticas propostas para este estudo do tipo
et al., 2021). Entretanto, dois estudos multicên-
revisão. Os critérios de exclusão foram: artigos
tricos e randomizados recentes indicam que es-
duplicados, que não abordavam diretamente a
se método é ao menos equivalente se não supe-
proposta estudada e que não atendiam aos de-
rior à substituição cirúrgica de valva aórtica
mais critérios de inclusão.
(SAVR) (MECK et al., 2019; POPMA et al., 2019).
Após os critérios de seleção restaram 19 ar-
Apesar do efeito clínico benéfico, os sobre-
tigos que foram submetidos à leitura minuciosa
viventes permanecem sob risco de deterioração
para a coleta de dados. Os resultados foram
estrutural da válvula, trombose valvar e endo-
apresentados de forma descritiva, divididos em
cardite protética da válvula e frequentemente
categorias temáticas abordando: descrever os
requerem anticoagulação sistêmica ou terapia
subtítulos ou pontos que foram mencionados na
antitrombótica, com risco associado de sangra-
discussão.
mento (COFFEY et al., 2021). Outras compli-
cações bastante frequentes relacionadas ao pro-
RESULTADOS E DISCUSSÃO
cedimento TAVI estão as vasculares (dissecção
da artéria ileofemoral, pseudoaneurisma ou va- TAVI
zamento no local da punção), insuficiência aór-
TAVI é um procedimento minimamente in-
tica periprotética, infarto cerebral e distúrbios
vasivo de substituição da valva aórtica natural
de condução (TAHOCES et al., 2017).
por uma artificial, constituída por uma estrutura
metálica envolta em tecido animal, acoplada a
um cateter e implantada sobre a valva aórtica

286
estenosada. O procedimento ocorre acompa- risco cirúrgico (STS < 4%, EuroSCORE II <
nhado de sedação ou de anestesia geral, e o 4% ou EuroSCORE logístico < 10%). No que
acesso é comumente realizado por meio da ar- diz respeito às contraindicações, de acordo com
téria femoral, ou, em outras situações, vasos do este departamento, este procedimento não é in-
pescoço ou do peitoral. Primeiramente, um fio dicado para pacientes com baixo risco, idade
metálico é inserido na artéria de acesso e con- menor do que 70 anos e sem outras indicações
duzido até o ventrículo esquerdo, atravessando particularizadas para tal intervenção (TARA-
a valva aórtica. Então, um cateter de balão é in- SOUTCHI et al., 2020).
serido e conduzido por esse fio até a valva, onde
é inflado, abrindo-a. Posteriormente, outro ca- Procedimento
teter de balão, já com a valva artificial acoplada, TAVI é um procedimento minimamente in-
é inserido e conduzido até a região correta. vasivo de substituição da valva aórtica natural
Após posicionado, infla-se o cateter, abrindo a por uma artificial, constituída por uma estrutura
valva nova e implantando-a diretamente sobre a metálica (stent) envolta em tecido animal. Para
estenosada. Finalmente, retiram-se o cateter e o que ocorra o implante, a valva é acoplada a um
fio metálico, e o procedimento é finalizado. cateter e é inserida sobre a valva aórtica esteno-
De acordo com a Sociedade Europeia de sada. O procedimento ocorre acompanhado de
Cardiologia (ESC) e a Associação Europeia de sedação ou de anestesia geral, e o acesso é co-
Cirurgia Cardio-Torácica (EACTS), o implante mumente realizado por meio da artéria femoral
transcateter de válvula aórtica (TAVI) é indi- (Stortecky, S. et al. 2012). Entretanto, em ou-
cado (após avaliação clínica médica) para paci- tras situações, podem ser utilizados os acessos
entes com ou mais de 75 anos e pacientes com subclávio, transapical ou aórtico direto. Para
alto risco para realização de substituição cirúr- avaliar qual acesso será utilizado pelo paciente,
gica da válvula aórtica - SAVR (STS-PROM - leva-se em conta a condição clínica do paciente,
Society of Thoracic Surgeons/ EuroSCORE II > especialmente de sua circulação periférica, as
8% - Sistema Europeu de Avaliação de Risco variações anatômicas dos principais vasos de
em Cirurgia Cardíaca) (OTTO et al., 2021). É acesso, bem como a presença de calcificações
importante ressaltar que o Sistema Europeu de ou de tortuosidades nesses sítios.
Avaliação de Risco Operativo Cardíaco (Eu- Nesse procedimento, primeiramente, um fio
roSCORE) é um instrumento avaliativo de risco metálico é inserido na artéria de acesso e con-
utilizado em casos de pacientes com estenose duzido até o ventrículo esquerdo, atravessando
aórtica grave a fim de se elencar a melhor estra- a valva aórtica. Então, um cateter de balão é in-
tégia terapêutica para os respectivos casos clí- serido e conduzido por esse fio até a valva, onde
nicos, como a utilização do próprio TAVI é inflado, abrindo-a. Posteriormente, outro ca-
(VAHANIAN et al., 2021). teter de balão, já com a valva artificial acoplada,
O Departamento de Cardiologia Clínica da é inserido e conduzido até a região correta.
Sociedade Brasileira de Cardiologia, por sua Após posicionado, infla-se o cateter, abrindo a
vez, elenca que o referido procedimento é indi- valva nova e implantando-a diretamente sobre a
cado para pacientes que, após avaliação médica, estenosada. A bioprótese, no entanto, pode ser
apresentem risco cirúrgico de proibição e con- autoexpansível, descartando a necessidade do
traindicações à cirurgia convencional, além de cateter de balão (STORTECKY, S. et al. 2012).
possuírem fragilidade ou risco intermediário. O Durante a implantação, é imprescindível
TAVI ainda é indicado para pacientes de baixo que seja inserido um marca-passo temporário

287
no ventrículo direito em estimulação rápida . removidas e as suturas percutâneas são estreita-
Esse marca-passo pode ser inserido pela veia das.
jugular (AKODAD, M. et al., 2018). Final- O tipo de valva mais utilizada para esse
mente, retiram-se o cateter e o fio metálico, e o acesso é a Edwards Sapien XT, que funciona
procedimento é finalizado. com um sistema de balão auto expansível e é
Como relatado, um procedimento comum composta por uma valva cardíaca de pericárdio
no TAVI é a dilatação prévia da valva aórtica bovino e um stent feito por uma combinação de
estenosada, por um cateter balão. Esse passo é cobalto e crômio. Os transcateteres Edwards
chamado de valvuloplastia aórtica por cateter Sapien XT estão comercialmente disponíveis
balão (BAV) e para realizá-lo o balão é condu- em três tamanhos, variando entre 18 a 29mm
zido pelo fio rígido até ser posicionado entre a (STORTECKY, S. et al. 2012).
valva aórtica estenosada e é inflado lentamente.
Apesar de a BAV ser um processo padronizado, Acesso transapical
também é possível realizar o TAVI sem a dila- O TAVI pode ser também realizado via
tação prévia (STORTECKY, S. et al. 2012). transapical em casos de pacientes com grave
doença arterial periférica (DAP), uma vez que
Acesso transfemoral esse procedimento evita a circulação periférica,
O acesso transfemoral é feito de forma con- a partir de uma abordagem anterógrada da valva
trária ao fluxo de sangue local, e, portanto, é aórtica, pela parede cardíaca ântero lateral. Esse
chamado de acesso transfemoral retrógrado. tipo de acesso é menos utilizado, pois envolve
Esse tipo de acesso é, comparadamente, o aces- a intubação orotraqueal e a toracotomia. Sendo
so menos invasivo e por isso é utilizado em assim, ele é considerado mais invasivo que o
mais de 80% dos casos (STORTECKY, S. et al. acesso transfemoral, e, por isso, é menos utili-
2012). zado.
O primeiro passo para a realização desse Para a realização desse tipo de acesso, loca-
procedimento é identificar o sítio de punção, liza-se o ápice ventricular, a partir de um eco-
com auxílio de fluoroscopia ou de ultrassom. cardiograma transtorácico, e, em seguida, uma
Esse sítio deve estar localizado acima da bifur- mini toracotomia anterolateral é realizada no
cação femoral e poderá ser identificado pela quinto ou sexto espaço intercostal. Posterior-
aplicação de um agente contrastante no sítio de mente, uma pericardiotomia e uma adesiólise
acesso contralateral. Para realizar a punção, é são realizadas, seguidas da punção da parede
realizada uma incisão e uma dissecção romba cardíaca ântero lateral. O restante do procedi-
do tecido subcutâneo, utilizando pinças cirúrgi- mento ocorre de maneira similar à maneira já
cas. Em seguida, utiliza-se um cateter para pré- descrita. Por fim, o sítio utilizado para o acesso
dilatar a artéria femoral e acomodar o disposi- utilizado para o acesso apical é fechado por um
tivo específico de fechamento arterial mediado fechamento cirúrgico padrão.
por sutura. Então, um fio-guia deve ser inserido Nesse caso, as valvas utilizadas podem ser
na artéria femoral e é posteriormente substitu- do tipo Edwards Sapien XT ou pela Symetis
ído através de um cateter por um fio rígido, que Acurate TA. A valva Symetis dispõe da tecno-
atinge a aorta descendente, a valva aórtica e, por logia autoexpansível e seu tamanho pode variar
fim, o ventrículo esquerdo. Após o sucesso do entre 21 a 27 mm. Ela é feita de uma moldura
implante da valva, o transcateter é retirado, e
em seguida o fio rígido e a bainha de acesso são

288
de Nitinol, uma mistura de níquel e titânio, fre- Acesso aórtico direto
quentemente utilizada em aparatos médicos O acesso aórtico direto representa também
(STORTECKY, S. et al. 2012). uma rota de acesso em casos de pacientes com
um diâmetro reduzido dos vasos arteriais peri-
Acesso subclávio
féricos. Para a realização desse processo, efe-
Assim como o acesso transapical, o acesso tua-se uma pequena incisão na região hemicla-
subclávio é usado como uma alternativa para os vicular ou na região paraesternal direita, de ma-
pacientes com DAP severa. Usualmente, a arté- neira a expor a aorta ascendente. Em diante,
ria subclávia ou a artéria axilar esquerda é pre- uma área sem calcificação é identificada via
ferida em relação aos mesmos vasos do lado di- palpação manual ou ultrassom e, assim, o anda-
reito, por razões anatômicas, já que o lado es- mento do procedimento ocorre de maneira se-
querdo permite um ângulo de implantação do melhante aos previamente citados.
transcateter mais adequado durante o implante Em função da literatura escassa, ainda é
da bioprótese. prematuro recomendar esse tipo de acesso aos
O procedimento é realizado pela exposição pacientes. Em comparação com o acesso tran-
cirúrgica da artéria subclávia, seguida de uma sapical, o acesso aórtico direto tem a vantagem
punção direta ou da inserção de uma endopró- de evitar a ventriculectomia e feridas miocárdi-
tese. Uma das vantagens do acesso subclávio é cas. A bioprótese mais utilizada nesses casos
o maior controle do processo de implantação do também é a Medtronic CoreValve (STOR-
dispositivo, uma vez que a distância entre o TECKY, S. et al. 2012).
acesso vascular e o sítio de implantação é rela-
tivamente curta. Após a implantação retrógrada Pós-operatório
bem-sucedida e a remoção do cateter, ocorre o Após a realização de TAVI, é primordial
fechamento do acesso subclávio, por sutura ou monitorar as condições hemodinâmicas e o rit-
por ligadura da endoprótese. mo cardíaco dos pacientes. Geralmente, a mo-
Apesar de não haver comparações randomi- nitorização é feita em leito de UTI nas primeiras
zadas entre o acesso trans-subclávio e o acesso 12 a 24h, com posterior transferência para uma
transfemoral, relatos clínicos indicam resulta- unidade convencional após reavaliação. O tem-
dos similares entre as duas estratégias. po total de hospitalização depende das etapas e
A bioprótese mais utilizada para esse acesso métodos adotados, além dos riscos individuais
é a Medtronic CoreValve, que utiliza a tecnolo- do paciente, mas, em geral, é considerado se-
gia autoexpansível e ancora a bioprótese na po- guro inferior a 48h.
sição supra anular. Ela é formada por um stent
feito de Nitinol e por uma valva de pericárdio Possíveis complicações
suíno. De maneira semelhante às demais bio-
Assim como todo procedimento, o TAVI
próteses, o seu tamanho varia entre 23 a 31 mm.
também está associado a possíveis complica-
Além disso, a JenaValve também pode ser uti-
ções, tanto durante como após o procedimento.
lizada. Ela consiste em um stent de Nitinol e
Algumas destas são comuns entre a TAVI e a
uma valva de tecido suíno e, atualmente, os ta-
cirurgia de substituição de valva aórtica
manhos variam entre 23 a 27mm (STOR-
(SAVR), como acidente vascular cerebral
TECKY, S. et al. 2012).
(AVE), mas outras são exclusivamente associ-
adas a TAVI.

289
A minimização do risco de complicações da Fibrilação atrial (FA)
TAVI depende de um estudo cuidadoso e deta- Essa complicação importante, como já des-
lhado de exames de imagem pré e peri procedi- crito, na questão de AVE, deve ser considerada
mento, da expertise dos operadores, da escolha separadamente, mesmo sendo significativa-
da valva prostética e também de características mente menos comum e menos duradoura na
e comorbidades do paciente. TAVI do que na SAVR, pois possui algumas
A seguir, uma breve descrição e análise das particularidades. Há um maior risco de FA,
principais complicações possíveis: tanto em 1 mês como após 1 ano do procedi-
mento, em pacientes operados pela via transa-
Acidente vascular encefálico (AVE)
pical ou que apresentem átrio esquerdo aumen-
A ocorrência de AVE durante TAVI, apesar tado.
de rara, é um risco amplamente reconhecido. A
causa predominante é o trauma mecânico pro- Distúrbios de condução e necessidade
vocado tanto na valva nativa estenosada, com de implante de marcapasso perma-
nente (IMP)
fragmentação e embolização de porções calcifi-
cadas, como nas outras estruturas vasculares e Os distúrbios de condução são uma compli-
cardíacas que entram em contato com os dispo- cação bastante comum, ocorrendo em cerca de
sitivos, onde pode haver formação de trombos 80% dos pacientes (CLAYTON B, MORGAN-
e posterior embolização. Além disso, após a HUGHES G, ROOBOTTOM C, et al, 2013),
TAVI, a presença da valva prostética em si está com durações variáveis e, em alguns casos, po-
associada à inflamação e à deposição de trom- dem exigir a implantação de marcapasso per-
bina, também formando trombos, o que justifica manente. Estão associados à pressão aplicada
em parte a adoção de terapia antiagregante após aos tecidos condutores durante o procedimento
o procedimento. Estudos recentes identificaram e também ao mau posicionamento da valva
como preditores agudos de AVE a pós- prostética. A frequência de IMP varia muito
dilatação de balão e o deslocamento de valva, conforme o tipo de valva utilizada, mas possui
como preditor subagudo, a fibrilação atrial de- alguns preditores bem definidos, como história
sencadeada na cirurgia (new-onset), e como de bloqueio de ramo direito, história de blo-
preditores tardios, a fibrilação atrial crônica, o queio de fascículo esquerdo anterior, duração
ataque isquêmico transitório, doença perivascu- do QRS, grau e localização de calcificação, di-
lar, e doença coronariana. O risco de ocorrência mensão do ventrículo esquerdo, profundidade
de AVE na TAVI é superior ao da SAVR, e é do implante, uso de valva Medtronic CoreVa-
maior nas primeiras 24h após o procedimento, lve. O IMP não está associado a aumento de
mas permanece alto por até 2 meses. Essa com- mortalidade. No entanto, aumenta o tempo de
plicação é considerada grave, pois guarda ín- hospitalização e a taxa de readmissão. Além
tima relação com a mortalidade, a piora de qua- disso, há possíveis complicações, como endo-
lidade de vida e o desenvolvimento de sequelas. cardite, pneumotórax, infecções, e efeitos a
Além da terapia antiagregante, outras ferramen- longo prazo no funcionamento do ventrículo es-
tas podem ser utilizadas para evitar sua ocorrên- querdo. Ademais, é necessário realizar a troca
cia, como filtros e defletores para proteger o do marcapasso a cada 10 anos, o que implica
arco aórtico. subsequentes cirurgias, fator que deve ser espe-
cialmente levado em conta para pacientes mais
jovens.

290
menor do que adequado. Além disso, parece ha-
Mau posicionamento de valva e utili- ver mais mal posicionamento e regurgitação
zação de tamanho incorreto de valva
paravalvar com uso de valvas autoexpansíveis.
Estão associados a regurgitação, insuficiên- Há também estratégias para mitigar essa com-
cia mitral, injúria aórtica (isso mais do mau po- plicação, como o monitoramento por ecocardi-
sicionamento), e sobretudo, ao vazamento para- ografia imediatamente após a implantação, a re-
valvar. Para valvas de expansão própria, é pos- dilatação do balão, o implante de um novo ba-
sível corrigir o posicionamento ou até mesmo lão maior, a implantação de segunda valva.
remover, mas quando a valva é de implantação Ademais, devido a alta associação com morta-
com um balão independente, métodos mais ra- lidade, atualmente as valvas utilizadas podem
dicais são necessários para corrigir o mau posi- possuir bainhas seladoras, evitando a RP.
cionamento. O supra posicionamento pode re-
sultar em ejeção da prótese para a artéria aorta, Obstrução coronariana
constituindo risco para injúria, regurgitação ou É uma das complicações exclusivas ao
embolização, mas, em geral, a prótese pode al- TAVI, mas o risco é baixo. Pode ocorrer devido
cançar e se alojar sem representar grandes ris- ao mau posicionamento da válvula prostética, à
cos. Já o infra posicionamento aumenta o risco oclusão pela válvula nativa calcificada após a
de disfunção mitral e bloqueia cardíaco, e pode expansão do balão, ou pelo próprio balão. De-
causar embolização no ventrículo esquerdo, e pende muito da anatomia da valva nativa, da al-
usualmente há necessidade de remoção cirúr- tura do óstio coronariano e das dimensões do
gica da prótese. Outras correções possíveis são seio de Valsalva do paciente. Para evitá-la, é ne-
feitas com maior dilatação do balão e implante cessário estudo cauteloso da ecocardiografia,
de uma segunda prótese dentro da primeira. da aortografia e da tomografia computadori-
zada do paciente. Quando ocorre, em alguns ca-
Vazamento/Regurgitação paravalvar
sos, pode ser remediada por angioplastia percu-
(RP)
tânea imediata ou ponte de safena durante a ci-
Essa complicação é muito esperada após rurgia.
TAVI, ocorrendo em 85% dos pacientes, e deve
ser detalhada separadamente. A forma leve cos- Injúria de valva mitral
tuma não ter implicações clínicas, mas as for- É uma complicação rara, mais comum no
mas moderada e grave, presentes em 15 a 20% acesso transapical. Está associada ao dano pelo
dos casos, mais associadas ao implante de valva contato com dispositivos inseridos, com possí-
maior do que o adequado, são importantes, pois vel distorção ou deslocamento completo, le-
tem implicações importantes, como maior nú- vando à regurgitação mitral aguda. Além disso,
mero de readmissões, de falha cardíaca conges- um posicionamento infra de prótese pode cau-
tiva e maior mortalidade em 1 ano. Há vários sar dano ao ventrículo esquerdo e consequente
fatores preditivos, como as irregularidades e de- interferência no funcionamento da valva mitral.
bris decorrentes da calcificação do anel aórtico
influenciando o contato entre valva nativa e Ruptura de anel aórtico, perfuração
prótese, o mau posicionamento da prótese, o de aorta, dissecção aórtica, perfura-
implante de prótese menor do que o tamanho ção miocárdica
adequado e expansão insuficiente de prótese. São complicações catastróficas raras e evi-
Dentre estes, o mais comum é o uso de valva táveis com um bom estudo de imagem prévio,

291
no qual pode-se perceber a necessidade de um belecido, pois o uso concomitante de antiagre-
acesso diferente do femoral. Pode haver injúria gante parece aumentar o risco de eventos he-
pelos balões, cateteres ou fios-guia, sobretudo morrágicos, sem diferenças claras entre os re-
quando são utilizados dispositivos excessiva- sultados com anticoagulantes orais ou antago-
mente grandes. Pode haver deformação do nistas de vitamina K.
septo, hemopericárdio e tamponamento pericár-
dico. As perfurações miocárdicas são mais co- Durabilidade da válvula prostética
muns no acesso transapical, podendo haver dis- O emprego da TAVI em pacientes de risco
secção e formação de aneurismas apicais. alto ou moderado para a SAVR está bem esta-
belecido, e, em alguns países, já se tornou pre-
Baixa taxa de ejeção cardíaca, choque dominante. Para os pacientes de baixo risco, no
cardiogênico e parada cardíaca
entanto, ainda não há dados suficientes que jus-
São complicações associadas às comorbida- tifiquem a preferência de um método frente ao
des cardiovasculares geralmente encontradas outro. Um estudo comparativo recente (DHA-
em pacientes com estenose aórtica grave, à VAL KOLTE, GUS J. VLAHAKES, IGOR. F
oclusão da circulação cardíaca e a distúrbios he- PALACIOS, et al, 2019) de TAVI e SAVR em
modinâmicos. pacientes de baixo risco apresentou os seguin-
tes resultados: a TAVI representava menor
Terapia antiagregante
risco de morte em 1 ano, de FA new-onset, de
Uma vez que a TAVI apresenta risco para sangramento grave, e de lesão renal; não houve
eventos trombóticos e hemorragias, como já diferença significativa para complicações vas-
discutido acima, esse procedimento deve ser culares maiores, endocardite, reintervenção na
acompanhado de terapia antiagregante adju- valva aórtica e AVE; e a TAVI representava
vante. As considerações acerca dessa terapia maior IMP e RP moderado/severo. Entretanto,
são complexas, devido ao fato de que muitos a maioria dos estudos a longo prazo já realiza-
dos pacientes submetidos à TAVI possuem co- dos foram feitos em pacientes de idade avan-
morbidades, incluindo condições que determi- çada e com comorbidades, que apresentam ma-
nam uso a longo prazo de medicação anticoa- ior risco de morte, além de terem sido feitos
gulante oral, como a FA, e medição antiagre- com valvas que não são as mesmas das implan-
gante, como doença coronariana, e que a com- tadas atualmente, prejudicando a análise fide-
binação inadequada de medicações nestes paci- digna da durabilidade, aspecto primordial no
entes pode provocar eventos hemodinâmicos caso de pacientes de menor risco e com expec-
catastróficos. tativa de vida superior a 10 anos.
De modo geral, um estudo recente (DAVID A deterioração de valvas bioprostéticas
CAPODANNO, JEAN-PHILIPPE COLLET, possui um componente estrutural e um não es-
GEORGE DANGAS, et al, 2021) apresentou as trutural, que podem ocorrer de modo concomi-
seguintes conclusões: em pacientes sem indica- tante. O primeiro se refere a mudanças funcio-
ção prévia para anticoagulação, o emprego de nais devido a anormalidades intrínsecas da val-
um único antiagregante, como aspirina, tem se va, como fissuras, calcificações, fraturas. Já o
provado a melhor escolha; em pacientes com segundo diz respeito a componentes secundá-
indicação prévia para anticoagulação, o trata- rios, como endocardite infecciosa, incompatibi-
mento mais adequado ainda não está bem esta- lidade paciente-protése, mau posicionamento
de prótese, deposição de tecido fibroso, RP, e

292
trombose, sendo a relação desta última ainda tem se mostrado particularmente importante é a
pouco bem estabelicida. Tais preditores podem regurgitação paravalvar, complicação comum
sofrer influência de outros fatores, incluindo na TAVI, mas que com o avanço das tecnolo-
idade menos avançada, hipertensão arterial sis- gias tem sido melhor mitigada. Há também fa-
têmica, dislipidemia, síndromes metabólicas, e tores em que os estudos ainda se mostraram
disfunção renal. Em específico para TAVI, é pouco conclusivos, como a incompatibilidade
necessário considerar a preparação da valva, paciente-valva e o uso de marcapasso.
seu tamanho e a interação com a anatomia na-
tiva, que podem levar a instabilidades hemodi- CONCLUSÃO
nâmicas e ao estresse mecânico, além de com-
Conclui-se que a implantação transcateter
plicações como distúrbios de condução e IMP.
de valva aórtica é uma alternativa extrema-
Dessa forma, é necessário ressaltar que há as-
mente valiosa à cirurgia de substituição de val-
pectos particulares da TAVI que podem influ-
va aórtica, apresentando especificidades que fa-
enciar a durabilidade da valva prostética, e que
vorecem o seu uso em alguns casos, como em
devem ser avaliados nos próximos para a obten-
pacientes de alto risco, e também que indicam
ção de dados confiáveis acerca deste tema, es-
um maior sucesso, como a menor mortalidade
pecialmente para pacientes de risco baixo.
em 1 ano, especialmente conforme a técnica e a
Preditores de sobrevida tecnologia dos dispositivos empregados evo-
luem.
Assim como a durabilidade, delimitação da No entanto, devido ao caráter relativamente
sobrevida em pacientes pós TAVI possui limi- recente de seu emprego, particularmente em pa-
tações, uma vez que a maioria dos dados foram cientes mais jovens ou de menor risco para ci-
retirados de casos de pacientes em idade muito rurgia, ainda há muito que se investigar e esta-
avançada e com diversas comorbidades e riscos belecer acerca das complicações e resultados do
individuais. Em estudos atuais, menos 50% dos procedimento, sobretudo no que diz respeito à
pacientes sobreviveu após 5 anos (FAISAL durabilidade da valva e à sobrevida. Além
RAHMAN, JON R. RESAR, 2021). Assim, disso, é necessária também uma compreensão
para pacientes mais jovens, ainda é necessária mais clara das possibilidades de terapia antia-
mais investigação dos fatores afetam a sobrevi- gregante para pacientes com diferentes comor-
vência. bidades, e a determinação dos regimes mais
Os preditores de mortalidade em 30 dias es- adequados. Logo, há perspectiva de que nos
tão associados a diversos fatores, incluindo co- próximos anos a TAVI permaneça sendo em-
morbidades, variáveis clínicas que influenciam pregada e sejam coletados mais dados referen-
na complexidade do peri e pós procedimento, tes às questões supracitadas, elucidando as dú-
doença arterial periférica, maior índice de mas- vidas e tornando o procedimento ainda mais efi-
sa corporal e disfunção renal. A longo prazo, a ciente e seguro.
sobrevida também se deve a uma combinação
de fatores, como idade do paciente, comorbida-
des e resultados do procedimento. Um fator que

293
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294
Capítulo 30

A VARIABILIDADE DA
FREQUÊNCIA CARDÍACA E SUA
RELAÇÃO COM O RISCO DE
DOENÇAS CARDIOVASCULARES
JÉSSICA DE OLIVEIRA CAMPOS¹
TAFNES LAÍS PEREIRA SANTOS DE ALMEIDA OLIVEIRA¹
JÉSSICA GONZAGA PEREIRA²
AMANDA FELIX DE SOUSA³
DÉBORA KATHULY DA SILVA OLIVEIRA³
TAYSLA ALBUQUERQUE DE ARAÚJO4
MÁRCIA JOSÉ DO ESPÍRITO SANTO SILVA5
DENISE MIRELLI LEÃO COSTA6
VIVIANE DE OLIVEIRA NOGUEIRA SOUZA7
MONIQUE ASSIS DE VASCONCELOS BARROS8
JOÃO HENRIQUE DA COSTA SILVA7
¹Discente - Doutorado em Nutrição da Universidade Federal de Pernambuco
2
Discente - Mestrado em Nutrição, Atividade Física e Plasticidade Fenotípica do Centro Acadêmico de Vitória-
Universidade Federal de Pernambuco
3
Discente - Programa de Residência Multiprofissional em Interiorização de Atenção à Saúde - Centro Acadêmico
de Vitória - Universidade Federal de Pernambuco
4
Discente - Educação Física do Centro Acadêmico de Vitória - Universidade Federal de Pernambuco
5
Discente - Nutrição do Centro Acadêmico de Vitória -Universidade Federal de Pernambuco
6
Discente - Enfermagem do Centro Acadêmico de Vitória -Universidade Federal de Pernambuco
7
Docente- Programa de Pós-graduação em Nutrição, Atividade Física e Plasticidade Fenotípica e Multicêntrico
em Fisiologia do Centro Acadêmico de Vitória - Universidade Federal de Pernambuco
8
Discente – Pós-doutorado em Nutrição da Universidade Federal de Pernambuco

Palavras-chave:
Diagnóstico precoce; Fatores de risco cardiovascular; Sistema nervoso autônomo. 295
INTRODUÇÃO associado à maior atividade simpática sobre o
coração e vasos sanguíneos (CAMM et al.,
As doenças cardiovasculares (DCV) são as 1996; VANDERLEI et al., 2009; FANG et al.,
principais causas de morbimortalidade no 2020). A identificação precoce da disfunção
mundo. Estima-se que em 2016, ocorreram 17,9 autonômica cardíaca pode auxiliar na preven-
milhões de óbitos por complicações cardiovas- ção, diagnóstico e manejo clínico da DCV
culares, o que representa 31% da mortalidade (SHAH et al., 2019; FANG et al., 2020).
mundial (OPAS, 2021). No Brasil, 27,3% dos A variabilidade da frequência cardíaca
óbitos em 2017 foram ocasionados por DCV, (VFC) é um método não invasivo e de baixo
especialmente por doenças isquêmicas do
custo que pode ser utilizado, em diferentes fai-
coração e acidente vascular encefálico (OLI- xas etárias, para avaliar a modulação autonô-
VEIRA et al., 2020). Além da elevada mor- mica cardíaca (VANDERLEI et al., 2009;
talidade, esse grupo de patologias acarreta um FANG et al., 2020). A literatura aponta que a
alto custo para o sistema de saúde, uma vez que elevação da VFC indica uma resposta adequada
é necessária a utilização de medicamentos, a
aos mecanismos de controle autonômico, en-
realização de internações e/ou procedimentos quanto a redução da VFC caracteriza uma adap-
cirúrgicos para prevenir e tratar possíveis com- tação anormal e insuficiente ao SNA, impli-
plicações (OLIVEIRA et al., 2020). cando em um desequilíbrio fisiológico (CAMM
A etiologia da DCV é multifatorial e resulta et al., 1996; VANDERLEI et al., 2009).
da interação entre fatores não modificáveis
A disfunção autonômica cardíaca pode es-
como, idade, gênero e genética, e fatores modi- tar presente em indivíduos com e/ou sem co-
ficáveis, relacionados ao estilo de vida, entre os morbidades e manifestações clínicas (SHAH et
quais se destacam: tabagismo, consumo abu- al., 2019). Um estudo realizado com crianças e
sivo de álcool, sedentarismo, hábitos alimenta- adolescentes com obesidade observou um dese-
res inadequados, obesidade, dislipidemias, dia- quilíbrio autonômico cardíaco, caracterizado
betes mellitus e hipertensão arterial (THOMAS por uma hiperatividade simpática e por uma re-
et al., 2018). Ademais, desajustes na modulação dução da atividade parassimpática na ausência
autonômica cardíaca também são apontados de outras comorbidades (FREITAS et al.,
como fatores de risco para a DCV (JIMENEZ 2014). Sendo assim, a VFC é considerada um
et al., 2017).
indicador sensível do comprometimento cardi-
É importante destacar que o sistema nervo- ovascular (CAMM et al., 1996; FANG et al.,
so autonômico (SNA) desempenha uma função 2020). Nesse cenário, o objetivo deste estudo
fundamental no controle e na adaptação cardio- foi realizar uma revisão narrativa da literatura
vascular (JÁMALI et al., 2017). A interação sobre a VFC e a sua utilização na identificação
constante entre o sistema nervoso simpático e do risco de doenças e agravos cardiovasculares.
parassimpático é responsável pela regulação
imediata das funções cardíacas (JIMENEZ et MÉTODO
al., 2017). Problemas nesse mecanismo de con-
trole são denominados como disfunção autonô- Trata-se de uma revisão do tipo narrativa
mica cardíaca e podem resultar no comprome- realizada no período de julho a setembro de
timento da função cardiovascular, geralmente 2021, por meio de pesquisas na base de dados
PubMed. Foram utilizados os descritores: “He-

296
art rate variability”, “cardiac autonomic dys- RESULTADOS E DISCUSSÃO
function”, “cardiovascular disease” e “risk fac-
Modulação autonômica cardíaca
tor”. A combinação entre os descritores foi rea-
lizada por meio do operador booleano AND. O sistema nervoso autonômico (SNA) é a
Desta busca foram encontrados 251 artigos, fração do sistema nervoso central que controla
posteriormente submetidos aos critérios de se- a maioria das funções viscerais do organismo
leção. (ROCHA et al., 2021). Esse sistema é subdivi-
Foram incluídos no estudo: artigos em in- dido em sistema nervoso simpático (SNS) e sis-
glês; publicados no período de 2011 a 2021, tema nervoso parassimpático (SNPS) (JIME-
disponibilizados na íntegra para a leitura e que NEZ et al., 2017). O SNA é formado por regi-
abordavam a relação entre a variabilidade da ões anatômicas no sistema nervoso central e por
frequência cardíaca e a identificação de risco nervos periféricos que compõe as vias de sina-
e/ou complicações cardiovasculares. Foram ex- lização eferentes e aferentes (ROCHA et al.,
cluídos os artigos de revisão da literatura ou du- 2021). As vias eferentes são constituídas por
dois neurônios sequenciais, sendo um denomi-
plicados, disponibilizados apenas na forma de
nado pré-glanglionar e o outro pós-ganglionar
resumo, que não abordavam diretamente a pro-
(JIMENES et al., 2017). Os neurônios pré-gan-
posta estudada e que não atendiam aos demais
glionares são originados em centros autonômi-
critérios de inclusão.
cos na região cerebral ou da medula espinhal,
A seleção dos artigos foi subdividida em
enquanto os neurônios pós-ganglionares são
três etapas: leitura dos títulos, leitura dos resu- localizados nos gânglios periféricos, nos quais
mos e leitura dos artigos na íntegra. Após a re- ocorre a inervação para o órgão-alvo (JI-
alização da primeira etapa foram excluídos 201 MENES et al., 2017; ROCHA et al., 2021).
artigos, por não atenderem aos critérios de in- Em relação à neuroquímica, as fibras do
clusão. Assim, 49 artigos foram submetidos à SNS e do SNP secretam duas substâncias na
leitura dos resumos, destes 28 foram excluídos transmissão sináptica: acetilcolina e norepine-
por não atenderem ao objetivo do estudo. As- frina (ROCHA et al., 2021). As fibras que se-
sim, 21 artigos foram selecionados para a lei- cretam acetilcolina são denominadas colinér-
tura na íntegra. Após todas as etapas de seleção, gicas, em contrapartida, as fibras que secretam
15 artigos foram incluídos no estudo. norepinefrina, são nomeadas adrenérgicas
Os resultados foram apresentados no for- (BASSI et al., 2018). Os neurônios pré-gangli-
mato descritivo, nas seguintes categorias temá- onares, simpáticos e parassimpáticos, são coli-
ticas: Modulação autonômica cardíaca; Varia- nérgicos, assim como os neurônios pós-gangli-
bilidade da frequência cardíaca: Conceitos e onares do SNPS. Já, o neurônio pós-sináptico
fundamentos; fatores que influenciam a varia- do SNS é em sua maioria adrenérgico, exceto
bilidade da frequência cardíaca e Variabilidade para os músculos piloeretores dos pelos, glân-
da frequência cardíaca na identificação do risco dulas sudoríparas e para alguns vasos sanguí-
neos (TARVAINEN et al., 2014). Outros tipos
cardiovascular.
de sinalização provém das células da medula
adrenal, as quais são consideradas homólogas
aos neurônios pós-ganglionares simpáticos e
secretam principalmente adrenalina e, em me-
nor proporção, noradrenalina diretamente na

297
corrente sanguínea, em resposta à estimulação O comprometimento da regulação exercida
simpática (ROCHA et al., 2021). pelo SNA sobre o coração corresponde a um
No músculo cardíaco o SNA desempenha quadro de disfunção autonômica cardíaca
um tipo de inervação denominada extrínseca (CAMM, et al., 1996). Esse quadro geralmente
(JIMENES et al., 2017). A modulação autonô- é caracterizado pela hiperatividade simpática
mica cardíaca ocorre por meio do centro cardi- que pode ou não estar associada à redução da
ovascular localizado no tronco encefálico, na atividade parassimpática (CAMM et al., 1996;
região bulbar (JAMALI et al., 2016). O estí- VANDERLEI et al., 2009; FANG et al., 2020).
mulo parassimpático é transmitido para o cora- Quanto à etiologia, essa alteração pode ser con-
ção via nervo vago e resulta da ação da acetil- siderada de origem idiopática, quando decor-
colina em receptores muscarínicos (M2). O es- rente da falência e/ou atrofia autonômica, ou se-
tímulo parassimpático ocorre inicialmente no cundária, quando resultante de doenças pré-
nó sinoatrial, sendo em seguida propagado para existentes, como doenças cardíacas, diabetes
toda a musculatura atrial (JAMALI et al., 2016; mellitus, insuficiência renal crônica e doenças
JIMENES et al., 2017). Por outro lado, os im- neurodegenerativas como mal de Parkinson e
pulsos nervosos simpáticos se estendem da re- síndromes demências (ROCHA et al., 2021).
gião bulbar à medula espinhal e chegam ao nó Nesse cenário, a disfunção autonômica car-
sinoatrial através de nervos torácicos. O SNS díaca tem sido relatada em diferentes patolo-
inerva tanto o nó sinoatrial quanto o nó atrio- gias, como hipertensão arterial, diabetes melli-
ventricular e o músculo ventricular. A ação sim- tus, dislipidemias, obesidade e síndrome meta-
pática no coração resulta da interação entre a bólica (FREITAS et al., 2014; MA et al., 2017;
noradrenalina e os receptores beta adrenérgi- SHAH et al., 2019; COOPMANS et al., 2020;
cos: beta 1 e beta 2 (ROCHA et al., 2021). BIENA et al., 2020). As Manifestações clínicas
As respostas no órgão alvo decorrentes da podem ser assintomáticas ou sintomáticas,
estimulação do SNS e do SNPS geralmente são sendo a redução da VFC uma das primeiras
antagônicas (ROCHA et al., 2021). No coração consequências subclínicas do desequilíbrio au-
a estimulação simpática resulta no aumento do tonômico (COOPMANS et al., 2020). Em ca-
débito cardíaco, e consequentemente da pressão sos sintomáticos podem ser observadas intole-
arterial, sendo, portanto, predominante em si- rância ao exercício, taquicardia sinusal, hipo-
tuações de estresse ou exercícios físicos. Em tensão ortostática e isquemia miocárdica
contrapartida, a estimulação parassimpática (SHAH et al., 2019). Assim, reforça-se a neces-
sobre o coração exerce uma resposta antagô- sidade de identificação precoce dessa alteração,
nica, ou seja, resulta na redução do débito car- a fim de detectar precocemente o aumento do
díaco e da pressão arterial, dessa forma a ativi- risco de morbimortalidade cardiovascular (MA
dade parassimpática ocorre predominantemente et al., 2017).
em situações de repouso (JIMENEZ et al.,
2017; ROCHA et al., 2021). Nos vasos san- Variabilidade da frequência cardíaca:
Conceitos e fundamentos
guíneos sistêmicos ocorre uma predominância
do SNS, que acarreta uma maior vasoconstri- A variabilidade da frequência cardíaca
ção, especialmente nos vasos das vísceras ab- (VFC) é um dos métodos mais utilizados na
dominais, que influenciam a pressão arterial. avaliação da modulação autonômica cardíaca,
Por outro lado, a redução do tônus simpático re- por ser considerado rápido, seguro e financeira-
sulta em vasodilatação (ROCHA et al., 2021).

298
mente acessível (FANG et al., 2020). Esse mé- sensíveis, de fácil aplicabilidade e reprodutibi-
todo descreve as oscilações dos intervalos entre lidade. Esse método é subdivido nos domínios
os batimentos cardíacos consecutivos (interva- do tempo e da frequência (CAMM et al., 1996;
los RR), que representam a interação constante VANDERLEI et al., 2009). A análise do domí-
entre o SNS e o SNPS sobre o nódulo sinusal, nio do tempo mede a respectiva duração de cada
podendo ser assim um indicador não-invasivo intervalo RR, durante determinado intervalo de
do controle neural cardíaco (VANDERLEI et tempo. Essa análise pode ser realizada por
al., 2009). Os índices da VFC são obtidos por métodos estatísticos e/ou geométricos (VAN-
meio de modelos matemáticos realizados atra- DERLEI et al., 2009). Os métodos estatísticos
vés da análise dos batimentos cardíacos (inter- são baseados em comparações de dois inter-
valos RR). A captação do sinal eletrocardiográ- valos de tempo entre ciclos adjacentes, sendo os
fico pode ser obtida por instrumentos como o mais utilizados o desvio padrão da média dos
eletrocardiograma (ECG), conversores analógi- intervalos RR (SDNN), a raiz quadrada da
cos, digitais, cardiofrequencímetros, monitores média das diferenças entre os intervalos RR
cardíacos e entre outros (VANDERLEI et al., (RMSSD) e a porcentagem da diferença maior
2009). que 50 milissegundos entre os intervalos RR
Diferentes análises podem ser realizadas (pNN50). O índice SDNN representa a ativi-
para avaliar a VFC, entre elas destacam-se os dade simpática e parassimpática, enquanto os
métodos lineares e os métodos não lineares índices RMSSD e PNN50 representam o tônus
(CAMM et al., 1996). Os métodos lineares, parassimpático (CYGAN-KIEWICZ & ZA-
também conhecidos como clássicos, são ampla- REBA, 2013), como descrito no Quadro 30.1.
mente utilizados, uma vez que são instrumentos

Quadro 30.1 Descrição dos índices de variabilidade da frequência cardíaca (VFC) utilizados para análise linear nos
domínios do tempo e da frequência

Domínio do Atividade que pode


Índice Descrição
tempo estar relacionada
Simpática e
SDNN Desvio padrão da média dos intervalos RR
Parassimpática
Métodos Raiz quadrada da média das diferenças entre
RMSSD Parassimpática
estatísticos os intervalos RR
Porcentagem da diferença maior que 50
PNN50 Parassimpática
milissegundos entre os intervalos RR
O registro do desvio padrão instantâneo da
SD1 Parassimpática
variabilidade da frequência dos intervalos RR
Métodos O registro do desvio padrão contínuo em longo Simpática e
geométricos SD2
prazo parassimpática
O registro dois intervalos RR entre variações Simpática e
SD2/SD1
curtas e longas parassimpática
LF Componente de baixa frequência Simpática
Domínio da
HF Componente de baixa frequência Parassimpática
Frequência
LF/HF Índice simpato-vagal Simpática e
parassimpática

Fonte: Adaptado de CAMM et al., 1996.

299
Os métodos geométricos correspondem à A energia total da variabilidade do intervalo
outra possibilidade de analisar dois intervalos RR é a variância total, constituída de quatro
RR, e englobam o índice triangular (RRtri), a componentes: baixa frequência (LF), alta fre-
interpolação triangular de histograma de inter- quência (HF), muito baixa frequência (VLF) e
valos RR (TIRR) e plotagem de Poincaré. Para ultrabaixa frequência (ULF) (CAMM et al.,
as análises desses métodos, os intervalos RR se 1996). Em humanos, a HF possui variação de
convertem em propriedades geométricas ou 0,15 a 0,4 Hz e está relacionada a mudanças no
gráficas. O cálculo do índice triangular (RRtri e intervalo RR de acordo com as fases da ventila-
TIRR), é construído por meio de um histograma ção, que se encontram sob comando de neurô-
de densidade de dois intervalos RR, onde cada nios respiratórios localizados e que influenciam
ponto é representado, no eixo horizontal X (ab- neurônios do sistema parassimpático; a LF
cissa), pelo RR normal precedente e, no eixo apresenta variação de 0,04 a 0,15 Hz e funciona
vertical Y (ordenada). Na junção dos pontos das como um indicador da atuação do nervo vago
colunas do histograma, forma-se uma figura se- sobre o coração; A VLF apresenta variação de
melhante a um triângulo onde é captado esse ín- 0,003 a 0,04 Hz e está associada com mecanis-
dice (VANDERLEI et al., 2009). Já o plot de mos de termorregulação e sudorese (mais rela-
Poincaré pode ser analisado de forma qualita- cionada ao controle hormonal e com baixa in-
tiva por meio da observação da figura formada fluência do SNS); Já a ULF apresenta índices
pelos intervalos RR e/ou de forma quantitativa <0,003, parece estar associada ao sistema re-
por meio do ajuste de curvas que derivam três nina-angiotensina, no entanto, apresenta meca-
índices: SD1 que representa o registro do des- nismos fisiológicos pouco estabelecidos, sendo
vio padrão instantâneo da variabilidade da fre- desta maneira, menos utilizado (CAMM et al.,
quência dos intervalos RR; SD2 representa o re- 1996; ROLIM et al., 2013).
gistro do desvio padrão contínuo em longo As análises espectrais podem ser aplicadas
prazo; SD1/SD2 mostra dois intervalos RR en- em curtos ou longos períodos de tempo, quando
tre variações curtas e longas (CYGANKIEWICZ feita em longo período, recomenda-se que seja
& ZAREBA, 2013). realizada em 24 horas, segmentando este tempo
No domínio da frequência são empregadas a cada 5 minutos. Contudo, para longos perío-
análises espectrais para estudar a variação de dos, métodos de análise estatística como domí-
frequências cardíacas subdividindo o sinal de nio do tempo são preferíveis. Usualmente o mé-
frequência cardíaca (FC) em seus constituintes, todo mais utilizado é o registro de curto período
denominados de frequências e quantificando a de tempo, cerca de 5 minutos, em ambiente con-
intensidade relativa dos mesmos. Para obtenção trolado, pois se presume que 1 e 2 minutos se-
dos índices espectrais utiliza-se um algoritmo jam necessários para acessar os componentes
matemático, transformada rápida de Fourier HF e LF, respectivamente (CYGANKIEWICZ
(FFT) ou modelos auto-regressivos (AR) que & ZAREBA, 2013).
transformam a VFC em seus componentes, os Os métodos não lineares são ferramentas
apresentando de acordo com a frequência que potenciais para avaliação da VFC, pois repre-
estes alteram no intervalo RR, o resultado é sentam o comportamento complexo dos siste-
apresentado num tacograma (XHYHERI et al., mas humanos. Entre os métodos não lineares
2012; ROLIM et al., 2013). para a avaliação da VFC, destacam-se: a análise
de flutuações depuradas de tendências, função

300
de correlação, expoente de Hurst, dimensão maior tônus parassimpático indicado pelo au-
fractal e o expoente de Lyapunov mento do índice HF, quando comparado ao gê-
(VANDERLEI et al., 2009). Contudo, para nero masculino (CYGANKIEWICZ &
obter a melhor avaliação da VFC os métodos ZAREBA, 2013). Acredita-se que as diferenças
não lineares devem ser padronizados, sendo entre os gêneros estejam correlacionadas com a
possível encontrar estudos na literatura realiza- idade. Sendo, as diferenças entre as idades mais
dos por longo prazo (24 horas), médio prazo jovens relacionadas a fatores hormonais que re-
(1h), curto prazo (de 5 a 10 minutos) e de sultam em uma maior atividade simpática e
ultracurto prazo (5 min), permitindo assim uma uma menor atividade parassimpática em ho-
análise mais fidedigna por meio dos métodos mens (VOSS et al., 2014). Todavia, as diferen-
não lineares (RIVAROLLA & SANAVACCA, ças existentes entre os gêneros parecem reduzir
2018). com o envelhecimento. Essa redução provavel-
mente está associada à reestruturação hormonal
Fatores que interferem na variabilidade decorrente da menopausa nas mulheres, possi-
da frequência cardíaca bilitando uma maior semelhança entre os gêne-
A VFC é influenciada por fatores fisiológi- ros em idades superiores a 55 anos
cos e patológicos, sendo o gênero e a idade os (CYGANKIEWICZ & ZAREBA, 2013; VOSS
principais determinantes da VFC (CY-GANKI- et al., 2014).
EWICZ & ZAREBA, 2013). A literatura aponta O estilo de vida também influencia a VFC.
que ocorre um declínio de todos os parâmetros A literatura aponta uma relação inversa entre o
da VFC ao longo da vida, sendo as idades mais ganho de peso, a obesidade e a VFC. Dessa
avançadas associadas à redução do tônus forma, indivíduos com obesidade apresentam
parassimpático (XHYHERI et al., 2012; prejuízos na modulação autonômica cardíaca
CYGANKIEWICZ & ZAREBA, 2013). A re- (BIENA et al., 2020). Em contrapartida, a perda
lação entre a idade e a VFC pode ser explicada de peso parece estar associada à melhora do
por modificações cardiovasculares, estruturais balanço simpatovagal, especialmente quando
como, por exemplo, a perda das células do nó- combinada a prática de exercício físico, uma
dulo sinoatrial ou da elasticidade arterial e/ou vez que a prática regular e constante do exercí-
funcionais como a diminuição dos componen- cio físico proporciona uma maior predominân-
tes regulatórios (VOSS et al., 2014). Sendo as- cia parassimpática em longo prazo (VANDER-
sim, a cada 10 anos de vida ocorre, aproxima- LEI et al., 2009; OLIVEIRA et al., 2020;
damente, um declínio de 15% nos índices LF e STRUVEN et al., 2021). Os hábitos alimenta-
HF em indivíduos saudáveis, indicando uma re- res também exercem influência sobre a modu-
dução da VFC resultante do processo de enve- lação autonômica cardíaca. A ingestão exces-
lhecimento (CYGANKIEWI-CZ & ZAREBA, siva de carboidratos simples e sódio está asso-
2013). ciada à maior predominância simpática, bem
O gênero também exerce uma influência so- como a deficiência de vitamina B12. Em com-
bre os diferentes índices da VFC (CAMM et al., pensação, a suplementação de ômega 3 e a in-
1996). O gênero feminino apresenta uma menor gestão alimentar balanceada parecem estar as-
predominância simpática, indicada pela redu- sociados ao aumento da atividade parassimpá-
ção dos índices SDNN e LF, bem como um tica em mulheres (STRUVEN et al., 2021).

301
Diversos estudos têm demonstrado que tica resulte em uma maior capacidade de adap-
condições patológicas, como hipertensão arte- tação cardíaca ao meio externo sugerindo um
rial, diabetes mellitus, doenças cardíacas, obe- controle autonômico adequado, já a redução da
sidade e dislipidemias também interferem na VFC indica uma resposta anormal ou insufici-
VFC (TARVANEIN et al., 2014; BODAPATI ente do SNA (VANDERLEI et al., 2009; CO-
et al., 2017; SHAH et al., 2019; ZIEGLER et OPMANS et al., 2020).
al., 2021). Dessa forma, a avaliação da VFC Alterações na VFC parecem estar associa-
pode auxiliar no diagnóstico precoce e/ou na das a prejuízos cardiometabólicos. A obesidade
prevenção de agravos cardiovasculares (BASSI tem sido associada à redução da atividade pa-
et al., 2018; ALBARADO-IBANEZ et al., rassimpática e a hiperatividade simpática, po-
2019). Contudo, ressalta-se que ainda não dendo esse quadro ser percebido pela análise da
existe na literatura parâmetros de referências VFC (FREITAS et al., 2014; BIENAS et al.,
para os índices da VFC, sendo, portanto, de 2020). Sabe-se que o aumento da atividade sim-
suma importância para a prática clínica a deter- pática contribui para a rigidez arterial e para a
minação de valores de referência dos índices da hipertrofia do ventrículo esquerdo favorecendo
VFC, de acordo com o gênero e a idade, para a o desenvolvimento da hipertensão arterial
população saudável com base em estudos repre- (FYFE-JOHNSON et al., 2016). A relação en-
sentativos (VOSS et al., 2014). tre a hiperglicemia e prejuízos na VFC também
é descrita em diversos estudos, que sugerem a
Variabilidade da frequência cardíaca e
disfunção autonômica cardíaca como um pre-
identificação de risco cardiovascular.
cedente do diagnóstico clínico do diabetes mel-
Nos últimos anos, estudos têm destacado a litus tipo 2 e de doenças cardiovasculares, como
VFC como um instrumento para a identificação arritmias, infarto agudo do miocárdio e morte
de fatores de risco e de agravos cardiovascula- súbita (SHAH et al., 2019; ALBARADO-
res (PEREIRA et al., 2017; BASSI et al., 2018; IBANEZ et al., 2019; COOP-MANS et al.,
ALBARADO-IBANEZ et al., 2019). A VFC 2020). Sendo assim, avaliações da VFC no do-
parece refletir a atividade do SNA sobre a fre- mínio do tempo ou da frequência podem ser de
quência cardíaca (FC) por meio dos ramos sim- grande importância na determinação de fator de
páticos e parassimpáticos (TARVANEIN et al., risco para essas doenças cardiometabólicas.
2014). A atividade simpática está associada ao A utilização da VFC como um indicador
aumento da FC e, consequentemente, a um me- precoce do risco de doenças e agravos cardíacos
nor intervalo de tempo entre os batimentos car- e cerebrovasculares já é descrita na literatura.
díacos e diminuição da VFC. Enquanto a ati- Um estudo de coorte realizado com idosos su-
vidade parassimpática está associada à dimi- gere que a VFC pode ser utilizada na estratifi-
nuição da FC, o que resulta em um maior inter- cação de risco para acidente vascular encefálico
valo de tempo entre os batimentos cardíacos e, (AVE), uma vez que a utilização desse parâme-
consequentemente, no aumento da VFC (TAR- tro foi capaz de prever o risco de AVE em ido-
VANEIN et al., 2014; ZIEGLER et al., 2021). sos acompanhados por um período de oito anos
Sendo assim, acredita-se que o aumento da (BODAPATI et al., 2017). Resultados seme-
VFC, ou seja, uma predominância parassimpá- lhantes foram encontrados por Fyfe-Johnson e

302
colaboradores (2016) que observaram uma as- SHAH et al., 2019, DAHLQVIST et al., 2019).
sociação entre a redução de índices da VFC e o O estudo realizado por Pereira e colaboradores
aumento do risco de AVE em adultos acompa- (2017) observou que a redução da VFC foi as-
nhados durante 22 anos. Outro estudo de coorte sociada à aterosclerose carotídea subclínica em
observou que o desequilíbrio da atividade sim- adultos sem histórico de doenças ou complica-
pática e parassimpática, indicado pela redução ções cardíacas, porém que apresentavam pelo
da VFC, foi associado à maior propensão ao de- menos um fator de risco cardiovascular. Outro
senvolvimento de fibrilação atrial, sendo este estudo realizado com indivíduos que apresen-
um fator de risco para a insuficiência cardíaca e tavam disfunção no nódulo sinusal observou
para o AVE (AGARWAL et al., 2017). que a VFC pode auxiliar na identificação da ne-
Em indivíduos que já apresentam fatores de cessidade de implantação do marcapasso, pois
risco cardiovascular ou doenças cardíacas diag- os indivíduos que necessitavam dessa implanta-
nosticadas, a VFC é considerada um indicador ção apresentavam uma redução da VFC
independente do prognóstico da saúde cardio- (DAHLQVIST et al., 2019). A Figura 30.1
vascular, sendo a redução desse parâmetro as- mostra o resumo gráfico com os principais re-
sociada ao maior risco de morbimortalidade sultados encontrados neste estudo.
(TADIC et al., 2017; PEREIRA et al., 2017,

Figura 30.1 Resumo gráfico com os principais resultados encontrados no estudo

Fonte: Campos et al. (2021).

Assim, a ampla possibilidade de uso, o tem sido firmada como um instrumento promis-
custo-benefício e a facilidade para a aquisição sor na identificação do risco e/ou prognóstico
de dados, tornam a VFC uma opção interessante cardiovascular, seja na presença ou na ausência
para a avaliação e identificação do comprome- de comorbidades, permitindo assim que sejam
timento da saúde cardiovascular (PEREIRA et
al., 2017). Dessa forma, ressaltamos que a VFC

303
adotados protocolos e/ou intervenções para mi- e de fácil reprodução para investigar precoce-
nimizar e/ou conter os agravos no estado clínico mente o risco de eventos cardiovasculares tanto
de saúde do indivíduo. em indivíduos saudáveis, quanto naqueles com
patologias pré-existentes, além de auxiliar no
CONCLUSÃO diagnóstico e prognóstico cardiovascular. Con-
tudo, vale ressaltar que fatores como gênero e
A variabilidade da frequência cardíaca pa- idade devem ser levados em consideração na in-
rece ser um instrumento promissor na avaliação terpretação da variabilidade da frequência car-
da atividade do sistema nervoso autonômico so- díaca. Ademais, reforça-se a importância da re-
bre o coração. Sua aplicabilidade é ampla, e tem alização de estudos para construção de valores
sido considerada como uma ferramenta sensível de referência para os índices desta medida.

304
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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306
Capítulo 31

A PREVALÊNCIA DO
ANEURISMA DE AORTA
ASSOCIADO AO PROCESSO DE
ENVELHECIMENTO DA
POPULAÇÃO BRASILEIRA

VITÓRIA FREITAS NIZA1


ISMAR ANDRADE DA SILVEIRA NETO1
MARTIELLY SIMÕES CHAVES ASSIS1
ILMA ÉRIKA GONÇALOS GUIMARÃES1
MARIANA LISBOA DE JESUS 1
1
Graduando em Medicina pelo Centro Universitário de Belo Horizonte.

Palavras-chave:
Aortic Aneurysm, Brazil, Cross-Sectional Studies.

307
INTRODUÇÃO pessoa busque auxílio médico rapidamente.
Quadros assintomáticos com poucas manifes-
Estudos mostram que a dissecação aguda da tações clínicas também podem acontecer, prin-
aorta na população geral tem uma incidência de cipalmente em pacientes idosos.
2,6 a 3,5 casos para cada 100.000 pessoas/ano O diagnóstico é feito através da avaliação
com predominância significativa em pessoas do clínica e de exames de imagem e o tratamento
sexo masculino com média de idade de 63 anos. vai depender da localização e extensão do aneu-
Os aneurismas de aorta abdominal (AAA) risma, mas na maioria das vezes é cirúrgico.
possuem etiologia multifatorial podendo ser Esse trabalho objetivou realizar um estudo
causado por um processo inflamatório crônico de revisão de literatura a partir de estudos reali-
na maioria das vezes pelo acúmulo de gordura zado em pesquisas de artigos científicos com o
ocasionando a degeneração da parede do vaso, intuito de identificar e sintetizar como o enve-
ou, também pode estar relacionado a insulto lhecimento fisiológico pode influenciar a pre-
traumático. Alguns fatores de risco podem con- valência do aneurisma de aorta no Brasil.
tribuir para o surgimento da AAA como por
exemplo a senilidade, o tabagismo, a hiperten-
são arterial, a gravidez, o histórico familiar ,
MÉTODO
neoplasias, dentre outros. Para este trabalho, foi realizada uma revisão
A incidência de AAA em idosos começa a sistemática da literatura por meio da busca de
subir a partir do 60 anos, atingido pico nos indi- artigos científicos publicados entre os anos de
víduos entre 75 e 80 anos de idade. Cerca de 2000 a 2021. Como estratégia para nortear o es-
10% da população acima dos 60 anos possui um tudo utilizou-se a seguinte pergunta norteadora:
aneurisma da aorta abdominal. Tal fator se deve “Qual é a prevalência do aneurisma de aorta as-
a uma série de alterações que ocorre no sistema sociado ao processo de envelhecimento da po-
cardiovascular com o processo de envelheci- pulação brasileira?’’.
mento, como por exemplo a arteriosclerose, di- Para a seleção dos descritores foi realizada
minuição da distensibilidade da aorta e das uma consulta no Medical Subject Headings
grandes artérias, o que acaba comprometendo a (MESH) e nos Descritores em Ciência da Saúde
condução cardíaca. Com o envelhecimento, o (DECS) , sendo obtido os seguintes descritores:
indivíduo vai apresentar uma fragmentação das Aortic Aneurysm, Brazil e Cross-Sectional Stu-
fibras elásticas e diminuição das células muscu- dies. Já para a combinação dos termos, foi uti-
lares lisas cardíacas. O colágeno também se lizado o operador booleano “AND”.
torna mais proeminente e desorganizado, resul- Para a pesquisa, as bases de dados utilizadas
tando na diminuição das propriedades elásticas foram American Journal Of Neuroradiology,
da aorta, enfraquecimento da sua parede e sub- BMC Cardiovascular Disorders, Journal Of
sequente dilatação. Por esse motivo, explica-se Vascular Surgery, European Heart Journal,
o aumento da incidência dos aneurismas de Turkish Journal Of Trauma And Emergency
aorta a partir da 6ª e 7ª década de vida. Surgery e Journal Of Vascular & Endovascular
Os sinais e sintomas da dissecção aguda da Surgery.
aorta vão depender da extensão e das estruturas As buscas dos artigos foram realizadas por
envolvidas. Geralmente, a pessoa que apresenta seis revisores de forma independente do dia 27
AAA sente dor lombar, abdominal, claudica- de agosto até o dia 9 de setembro. Os critérios
ção, de intensidade severa fazendo com que a

308
de inclusão abrangeram artigos em inglês e por- tamento cirúrgico e o último terço, quando sub-
tuguês, publicados nos últimos 11 anos, que metido a tratamento cirúrgico, tem uma taxa de
abordavam a temática da Prevalência de Aneu- mortalidade associada entre 40% e 60%. Du-
risma da Aorta, como consequência do pro- rante as duas últimas décadas a melhora dos do-
cesso de envelhecimento fisiológico da popula- entes submetidos a cirurgia aberta tem sido in-
ção brasileira. constante, mas foi notada uma melhora global
As buscas resultaram em um total de 9 arti- sobretudo em anestesia e cuidados intensivos.
gos que referiam sobre a prevalência do aneu- Estudos populacionais demonstraram que o
risma da aorta em vários países do mundo, pois rastreio precoce em homens com mais de 65
há uma grande escassez de pesquisas científicas anos é custo-efetivo, com redução da mortali-
referentes a esta patologia associada ao pro- dade em 44% por AAA. Os mesmos estudos de-
cesso de envelhecimento dos brasileiros. Entre- monstraram que existe custo-benefício no trata-
tanto, ainda assim foi possível estimar que 2 a mento cirúrgico, quando atingem o limiar de 55
4% da população apresenta aneurisma da aorta, mm de maior diâmetro transversal.
e que existe um aumento da prevalência con-
forme a idade, sendo de 3% acima de 50 anos,
CONCLUSÃO
6% por volta dos 65 anos e 10% após os 80
anos. Portanto, existe um aumento na prevalência
do aneurisma de aorta associado ao processo de
envelhecimento da população brasileira. Isso
RESULTADOS E DISCUSSÃO
ocorre devido ao aumento do tamanho da aorta
Atualmente é estimado que 2 a 4% da po- ser contínuo durante a vida, sendo a taxa de ex-
pulação apresentam esta doença. Existe um au- pansão normal de 1–2 mm/ano, assim, como
mento da prevalência conforme a idade, sendo consequência há perda de complacência e au-
de 3% acima de 50 anos, 6% por volta dos 65 mento da rigidez da parede, causados por alte-
anos e 10% após os 80 anos. rações estruturais, incluindo aumento no conte-
Existe uma influência nos gêneros para a údo de colágeno, formação de aterosclerose in-
prevalência da doença. As mulheres apresen- timal com depósitos de cálcio, ativação de mús-
tam uma prevalência cerca de 5 a 6 vezes menor culo liso, degradação da matriz, necrose cística
do que os homens, em contrapartida, mulheres da média, hiperatividade de vias proteolíticas e
idosas apresentam maiores riscos ateroscleróti- estresse oxidativo.
cos, crescimento de aneurismas mais rápido e 3 A relação entre o tamanho crescente da
a 4 vezes maior risco de ruptura em relação aos aorta, o risco de ruptura espontânea ou dissec-
homens; desconsiderando a baixa incidência da ção e o envelhecimento foram os pontos chaves
doença comparada com os homens, as mulheres dessa revisão, foi concluído que o envelheci-
têm números de mortes similares aos homens. mento da aorta abdominal é parcialmente (50%)
A doença é a décima maior causa de morte guiado por efeitos genéticos, sendo a outra me-
em homens acima de 55 anos. Em contexto de tade da variância influenciada pelo estilo de
ruptura, o tratamento tem uma taxa de mortali- vida.
dade avaliada em 80%. Cerca de um terço dos Portanto, há ainda uma grande necessidade
doentes não chega nem a receber o atendimento de estudos sobre esse tema, visto que pode aco-
hospitalar e um terço morre sem receber o tra- meter grande parte da população.

309
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310
Capítulo 32

FEBRE REUMÁTICA

ADRIANA RUPHAEL DE FREITAS¹


AMANDA BEATRIZ OLIVEIRA CANUTO¹
BEATRIZ LÉLIS SANTOS¹
BIANCA DE PAIVA PINTO¹
IGOR SAMUEL DE LIMA CASTRO¹
JOÃO VITOR RIOS SALES¹
LAURA RIBEIRO MOL¹
MARIA EDUARDA GUILHERME DE OLIVEIRA ALMEIDA¹
MARINA MENDONÇA ALVIM DE OLIVEIRA¹
MILLENA GROSSI SIERVO SANTIAGO¹
VIVIANE ARAÚJO MOREIRA DE MELO¹
CAETANO MOREIRA DE FREITAS2

1
Discente – Estudantes de Medicina da Faculdade de Medicina de Barbacena
2
Cardiologista – Hospital Vera Cruz em Belo Horizonte

Palavras-chave:
Febre reumática; Streptococcus pyogenes;Valvulopatia

311
INTRODUÇÃO incapacitantes nos doentes, prejudicando assim,
a qualidade de vida desses indivíduos. Além
A Febre Reumática é uma doença autoi- disso, o acúmulo de sangue no átrio esquerdo
mune aguda de caráter sistêmico decorrente de pode ser foco para a ocorrência de fibrilação
uma infecção prévia pelo agente infeccioso atrial e congestão pulmonar com sintomas de
Streptococcus β-hemolítico do grupo A. Esse dispneia, principalmente em pacientes acometi-
micro-organismo é capaz de infectar as vias aé- dos pela doença que não obtiveram o trata-
reas superiores e é causador, principalmente, da mento no momento adequado. Os Critérios de
faringoamigdalite, uma doença bastante relaci- Jones servem de base para diagnósticos de car-
onada a países em desenvolvimento, com ele- diomiopatias reumáticas. Eles foram estabeleci-
vados índices de pobreza, desnutrição e más dos pela American Heart Association (AHA)
condições de vida. Essa patologia atinge majo- em 1992 (PEREIRA et al., 2017).
ritariamente as crianças e os adolescentes entre Os sintomas na febre reumática começam a
5 e 15 anos, mas também pode acometer qual- aparecer cerca de 19 dias após a faringoamig-
quer faixa etária, especialmente indivíduos ge- dalite, sendo manifestações gerais como febre e
neticamente predispostos (PEREIRA et al., mal-estar. Além disso, em caso de cardites, há
2017). o aparecimento de sopros diastólicos nos acha-
A febre reumática é estabelecida pela res- dos semiológicos, e podem também ocorrer ca-
posta imune tardia do organismo contra o Strep- sos de pacientes com pericardite e insuficiência
tococcus β-hemolítico, após um quadro de in- cardíaca. Pode também haver o aparecimento
flamação, podendo gerar danos às articulações, de nódulos subcutâneos, eritema marginado
coração, sistema nervoso e pele. Essa reação próximo às articulações começando no tronco e
imune, juntamente com a ocorrência de uma re- podendo atingir outros locais, além disso, a do-
ação cruzada, acontece devido ao mimetismo ença pode manifestar-se por poliartrite assimé-
celular, que é a semelhança entre os componen- tica de caráter migratório no cotovelo, joelho,
tes do antígeno da bactéria e os tecidos do indi- punhos e tornozelo, e alguns sinais neurológi-
víduo. Geralmente, a região acometida de cos como Coreia de Sydenham, a qual é carac-
forma mais significativa é o coração, com o es- terizada por movimentos involuntários (SCI-
tabelecimento de uma valvulite que começa de ELO, 2009).
forma subclínica, mas piora progressivamente. Dessa forma, o objetivo do estudo é avaliar
Os anticorpos passam a agir contra a proteína a evolução de pacientes com febre reumática
M do antígeno e induzem uma reação nos car- que progrediram para uma doença cardíaca do
diomiócitos, o que leva à uma formação de cé- tipo valvulopatia e o tratamento executado nes-
lulas da resposta imune, como os Linfócitos T e ses casos.
B, além da liberação de citocinas, iniciando, as-
sim, a produção de lesões de caráter inflamató- MÉTODO
rio nas válvulas, sendo a mitral a mais atingida
(SCIELO, 2009). O capítulo consiste em uma revisão de
O primeiro local a ser acometido é o endo- literatura com relato de caso realizada entre os
cárdio, onde as valvas estão presentes, especi- dias 2 de agosto e 30 de setembro de 2021, nas
almente as valvas aórtica e mitral, podendo evo- línguas inglesa e portuguesa, por meio das
luir de maneira crônica e desencadear sequelas bases de dados Google Acadêmico, PubMed e

312
SciELO. A partir da busca dos descritores ração fugaz, nódulos subcutâneos, além de as-
“Febre Reumática” e “Valvulopatia”, foram tenia e taquicardia, sintomas os quais tiveram
encontrados artigos que, posteriormente, foram início cerca de 15 dias após um dos quadros de
submetidos a critérios de seleção. amigdalite, sendo que havia sido feito o uso de
Os critérios de inclusão foram artigos atu- anti-inflamatórios não hormonais para trata-
ais, escritos na língua portuguesa ou inglesa e mento dessa inflamação. A acompanhante tam-
condizentes com a temática abordada. Já os cri- bém refere que na época houve suspeita de Fe-
térios de exclusão foram artigos duplicados, bre Reumática e que, com isso, foi feito o uso
com metodologia contraditória, que não abor- de medicamento corticoide por alguns dias.
davam diretamente a temática proposta e que Nesse sentido, aos 15 anos de idade foi re-
não se encaixavam nos critérios de inclusão. latado o primeiro atendimento devido a episó-
Após a seleção, restaram 5 artigos que foram dios de taquicardia e dispneia aos médios esfor-
submetidos a leitura minuciosa e utilizados para ços. Desse modo, foi iniciada propedêutica com
coleta de dados. Os resultados foram demons- realização de Eletrocardiograma (ECG), o qual
trados de forma descritiva e em imagem, com a evidenciava taquicardia sinusal e sinais de so-
intenção de tornar nítido a necessidade de aten- brecarga atrial esquerda. Também foi realizada
ção à febre reumática na saúde pública. uma radiografia de tórax, a qual demonstrou
Além disso, a fim de fundamentar o conhe- área cardíaca no limite superior da normali-
cimento teórico, esta pesquisa coletou informa- dade. Já por meio do exame de Ecocardiograma
ções, através do prontuário e de entrevista com foi possível observar uma função ventricular
um paciente acometido pela valvulopatia reu- normal, com ventrículo esquerdo levemente hi-
mática, no estado de Minas Gerais. É impor- pertrofiado e com aumento moderado de átrio
tante mencionar, no entanto, que não há envol- esquerdo. Também foi possível reconhecer diâ-
vimento do nome do paciente nem da institui- metros diastólico e sistólico levemente aumen-
ção e, portanto, o estudo é baseado nos precei- tados do ventrículo esquerdo. Com base nos re-
tos morais de respeito e beneficência. sultados de tal exame foi comprovada estenose
da valva mitral moderada a grave e insuficiên-
Casos Clínicos: cia da valva aórtica moderada.
Caso Clínico 1 A partir de tais achados clínicos foi iniciada
L.C.S.D, sexo masculino, 40 anos de idade, profilaxia secundária para febre reumática com
profissão professor, nascido no dia 10 de julho o antibiótico Benzetacil 1.200.000 ui de 21 em
de 1981. Por meio da História Patológica Pre- 21 dias e propranolol 40 mg diário. Contudo,
gressa do paciente foram relatados episódios de não continuou o acompanhamento com o mé-
amigdalite de repetição durante a infância, sem dico.
o tratamento adequado. Também, segundo a O Quadro evoluiu com piora progressiva
mãe, o paciente, aos 8 anos de idade, apresentou sendo que, desse modo, teve que ser submetido
quadro de artrite migratória com acometimento à troca valvar mitro aórtica metálicas aos 25
de tornozelo, na articulação tíbiotársica, joelho anos. Tal cirurgia foi realizada sem intercorrên-
(articulação femorotibial) e cotovelo. Além cias. Atualmente, o paciente encontra-se em uso
disso, também relata eritema em tronco de du- regular de Marevan 5 mg (Varfarina Sódica),

313
Benzetacil 1.200.000 ui de 21 em 21 dias, Car- gia voltaram. O ECG revelou sobrecarga de câ-
vedilol 12.5 mg de 12 em 12 horas, além de Fe- maras esquerdas e a radiografia, cardiomegalia.
nobarbital 100 mg à noite. Nesse período a medicação era 0,25 mg de di-
No paradigma atual, o paciente apresenta goxina, 40 mg de furosemida diários e penici-
valvas cardíacas normoimplantadas e normo- lina benzatina de 15 em 15 dias.
funcionantes e ventrículo esquerdo com função O paciente, em 1986, queixou de dor pre-
ventricular normal. Atualmente permanece em cordial, dispneia progressiva e artralgia genera-
acompanhamento com médico cardiologista, lizada. Foi realizado cateterismo em agosto do
CRM 26-256. mesmo ano, onde identificou-se hipertensão do
ventrículo direito, de artéria pulmonar e diastó-
Caso Clínico 2 lica final de ventrículo esquerdo. O ventrículo
Homem de 44 anos de idade, com história esquerdo apresentava hipocinesia difusa mode-
de surtos reumáticos na infância e adolescência rada e havia refluxo acentuado de prótese aór-
e múltiplas operações de troca de valva aórtica tica. No dia 20 de agosto o paciente foi subme-
foi internado com insuficiência cardíaca des- tido à uma nova troca valvar por prótese de pe-
compensada. ricárdio bovino.
A doença iniciou com surtos reumáticos Em 1991, o paciente foi internado por febre
que foram caracterizados por febre e artrite de e petéquias conjuntivais, foi feito o diagnóstico
joelho direito, entre os 7 e os 11 anos. Aos 15 de endocardite infecciosa, tratado com antibio-
anos, houve aparecimento de palpitações paro- ticoterapia com penicilina cristalina, oxacilina e
xísticas e aos 16 anos foi feito o diagnóstico de gentamicina. Paciente evoluiu oligossintomá-
dupla lesão aórtica e doença reumática em ati- tico até 1993, onde voltou a queixar de dispneia
vidade. aos mínimos esforços e foi novamente subme-
Aos 17 anos paciente queixou palpitações tido à troca de valva aórtica, agora com prótese
mais frequentes e surgimento de dispneia aos mecânica, devido achados mostrados em sua
pequenos esforços. O exame físico no primeiro avaliação, tais como insuficiência aórtica acen-
atendimento em maio de 1977 revelou ausculta tuada, ventrículo esquerdo dilatado e hipocine-
cardíaca com sopro sistólico em área aórtica, sia difusa moderada.
sopro diastólico aspirativo em borda esternal Cerca de oito anos após, em 2001, o paci-
esquerda e presença de terceira bulha. Fazia uso ente apresentava dispneia em esforços modera-
de digoxina (0,25 mg diários) e como profilaxia dos, seus exames clínicos e ecocardiográficos
de febre reumática, penicilina benzatina revelaram insuficiência mitral acentuada.
1.200.000 unidades intramuscular a cada duas Houve progressão da dispneia até mínimos es-
semanas. Foi indicado o tratamento cirúrgico da forços e repouso, ficando internado com quadro
valva aórtica. de fibrilação atrial, que foi cardiovertida sem
Em 1979, aos 19 anos, após várias tentati- melhora hemodinâmica. Após duas semanas
vas de internação frustradas por febre e artralgia houve uma reinternação devido à uma insufici-
de joelhos, foi submetido à troca de valva aór- ência cardíaca descompensada.
tica por bioprótese de dura-máter. Anos de- Exame físico e ECG realizados em setem-
pois, em 1984, os sintomas anteriores à cirur- bro de 2004 mostraram sopro sistólico em área

314
aórtica e mitral e também um flutter atrial. Exa- ventrículo e de átrio esquerdos, com aumento
mes laboratoriais revelaram leucócitos aumen- das atividades diastólica e sistólica do ventrí-
tados. culo esquerdo (VE). Com isso, fez-se o
Em outubro de 2004, após um mês de trata- diagnóstico de estenose da valva mitral mo-
mento clínico, o paciente apresentou episódio derada a grave e de insuficiência moderada da
de síncope devido à uma taquicardia ventricu- valva aórtica.
lar, corrigida após cardioversão elétrica e intro- Para desfecho do caso, o paciente iniciou
dução de amiodarona. Dois dias após, novo tratamento clínico com o uso de Benzetacil
episódio de taquicardia ventricular com insta- (1.200.000 ui) de 21/21 dias e uso oral de
bilidade hemodinâmica, não responsiva a medi- Propanolol de 40 mg por dia. Infelizmente, o
das. Houve necessidade de intubação orotra- paciente abandonou o tratamento, evoluindo
queal, seguida de piora do quadro respiratório, com uma piora do quadro, retornando ao pron-
com presença de infiltrado intersticial e alveo- to atendimento aos 25 anos de idade para fazer
lar difuso nos pulmões. Apesar da introdução de troca das valvas mitral e aórtica. Atualmente, o
antibióticos cefepima e vancomicina, houve ne- paciente faz acompanhamento clínico com o
cessidade de doses crescentes de noradrenalina, uso medicamentoso e encontra-se estável.
causando insuficiência renal aguda. O paciente Já no segundo caso, faz-se necessário en-
evoluiu com bradicardia seguida de assistolia, a tender que o paciente não procurou auxílio
qual não respondeu às manobras de ressuscita- médico adequado quando obteve o diagnóstico
ção e veio a óbito. de febre reumática, com uma pior evolução do
quadro em relação ao primeiro caso. Entre 7 e
RESULTADOS E DISCUSSÃO 11 anos de idade, o paciente apresentou surtos
reumáticos caracterizados por febre e artrite no
Nos casos discutidos acima, houve dife-
joelho direito. Já aos 15 anos, ele manifestou
rença na forma em que se foi desenvolvida a
palpitações paroxísticas, que consistem em
doença. No primeiro caso, o paciente apre-
palpitações espaçadas em intervalos de 2 a 3
sentou-se com amigdalite de repetição na in-
dias, com pausa, podendo retornar a qualquer
fância, não tratada adequadamente. Em segui-
hora, isto é, uma palpitação crônica.
da, desenvolveu artrite migratória, eritema no
Após 1 ano, o enfermo apresentou episó-
tronco, nódulos subcutâneos, astenia e taqui-
dios de dupla lesão aórtica e patologia reumá-
cardia. Com isso, iniciou com o uso de anti-
tica. Aos 17 anos, as palpitações se tornaram
inflamatórios não hormonais, tendo tido sus-
mais frequentes, juntamente com episódios de
peita de diagnóstico de febre reumática, fa-
dispneia aos pequenos esforços. Na ausculta,
zendo o uso de imunossupressores.
encontrou-se sopro sistólico em área aórtica,
Aos 15 anos de idade, procurou o pronto
sopro diastólico aspirativo em borda esternal
atendimento em decorrência de episódios de
esquerda e presença de B3. Seu tratamento
taquicardia e dispneia aos médios esforços. Sua
clínico baseou-se no uso de Penicilina Ben-
eletrocardiograma (ECG) acusou taqui-cardia
zatina (1.200.000ui) a cada duas semanas, e de
sinusal e sobrecarga de átrio esquerdo; na
Digoxina 0,25 mg/dia, havendo, também, indi-
radiografia encontrou-se área cardíaca no limite
cação de troca de valva aórtica, procedimento
superior da anormalidade, e através do eco-
esse, tendo sido feito dois anos depois.
cardiograma (ECO) revelou-se hipertrofia de

315
Aos 24 anos, os sintomas pioraram. O ECG Sabe-se que a cardiopatia reumática carac-
revelou sobrecarga de câmaras esquerdas e sua teriza um grupo de doenças cardíacas que ocor-
radiografia evidenciou cardiomegalia. Dois rem em decorrência da febre reumática, que é
anos após o paciente apresentou-se ao pronto uma doença inflamatória, de início precordial
atendimento com queixas de dor pre-cordial, com faringoamigdalite, causada por Strepto-
dispneia progressiva e artralgia generalizada. coccus pyogenes beta-hemolítico, sendo uma
Com isso, fez um cateterismo que in-dicou de suas principais complicações, o dano à valva
hipertensão do ventrículo direito (VD) e da mitral do coração (SCIELO, 2009). Para que a
artéria pulmonar. O VE apontou hipoci-nesia febre reumática seja consequência de uma
difusa a moderada, além de um refluxo faringoamigdalite, o indivíduo precisa ter uma
acentuado de prótese aórtica, apresentando a predisposição herdada dos pais, gerando uma
necessidade de troca valvar. característica particular no organismo, que
Aos 31 anos, o paciente retornou ao pronto permita a evolução para uma reação imunoló-
atendimento e foi encaminhado para interna- gica anômala, fazendo com que a doença atinja
ção com quadro de febre e petéquias conjun- outros órgãos, como cérebro e coração
tivais. Em seguida, foi diagnosticado com en- (PEREIRA et al., 2017).
docardite infecciosa e tratado com antibioti- No conceito atual, valva caracteriza-se por
coterapia. Passados dois anos, continuava com uma estrutura anatômica disposta entre as câ-
episódios de dispneia, sendo realizada uma maras cardíacas, permitindo o escoamento do
troca de valva aórtica. sangue, impedindo seu refluxo, entretanto, vá-
Aos 41 anos, houve evolução do quadro rias patologias podem afetar o funcionamento
clínico de dispneia, de insuficiência mitral das quatro valvas do coração (mitral, aórtica,
acentuada e de insuficiência cardíaca descom- tricúspide e pulmonar). Sabe-se que existem
pensada. Três anos após o paciente teve uma dois tipos principais de distúrbio valvar: este-
piora progressiva, denotando um estado crítico nose e insuficiência. Na estenose, a saída da
de sopro sistólico, apresentado no ECG, em valva é muito estreita, restringindo o fluxo san-
área aórtica e mitral, havendo um episódio de guíneo, podendo ser congênita ou devido a uma
síncope como consequência da taquicardia infecção, como a febre reumática, além de ter,
ventricular, que foi revertido com uma cardio- como fator de risco, o envelhecimento. Na in-
versão e introdução de Amiodarona. Posterior- suficiência não há fechamento total da valva, o
mente, foi intubado por via orotraqueal, após que permitirá regurgitação sanguínea, podendo
mais um episódio de taquicardia, tendo, em se- ocorrer como resultado de um ataque cardíaco
guida, uma piora expressiva do quadro, mesmo ou de uma infecção valvar.
com o uso de antibióticos, houve a necessidade
de um uso crescente de norepinefrina, levando
a uma insuficiência renal aguda, seguida de
bradicardia, assistolia e, por fim, evoluindo a
óbito.

Acometimento da Valva

316
Figura 32.1 Imagem de alterações valvares clínico 1. Este paciente desenvolveu sintomas
mais graves e apresentou um acometimento
mais sério do coração.
Após a análise dos dois casos clínicos con-
cluímos que a Febre Reumática é uma doença
de caráter sistêmico que demanda um diagnós-
tico precoce e um tratamento árduo e intenso,
visto que quando o diagnóstico é feito preco-
cemente e o tratamento é realizado com su-
cesso o prognóstico do paciente é favorável.
Além disso, vale ressaltar que o tratamento
com o antibiótico Benzetacil, que deve ser ad-
ministrado por via intramuscular de 21 em 21
dias, é cansativo e pode ser bastante dolorido.
Assim, concluímos também, que o fato deste
medicamento ser administrado por via intra-
Legenda: imagens obtidas do livro The Human Body
muscular, com período curto de espaçamento
Book. Fonte: The Human Body Book, 2012. entre as doses e durante um período de tempo
prolongado, pode ser um fator desencadeante
CONCLUSÃO para a não adesão ao tratamento, especial-
mente como foi demonstrado com o paciente do
Ao final do presente estudo, percebemos
caso clínico 1.
que no primeiro caso clínico relatado o paciente
A partir desse estudo, faz-se necessário no-
realizou inicialmente o tratamento correto,
vas pesquisas sobre a febre reumática, do seu
porém em um atendimento posterior, no qual o
importante diagnóstico precoce, dos acometi-
tratamento era com Benzetacil (1.200.000 ui)
mentos da doença, do tratamento incisivo e da
de 21/21 dias e Propranolol de 40 mg por dia, o
busca por aprimoramentos no prognóstico.
paciente não aderiu eficientemente à terapêu-
Com isso, cada vez mais, progredimos para um
tica e o seu quadro piorou significativamente.
entendimento maior acerca dessa doença,
Já no segundo caso, o paciente não procurou
visando melhorar a qualidade de vida dos
atendimento médico quando foi diagnosticado
pacientes que enfrentam essa enfermidade.
e o seu quadro foi pior em relação ao caso

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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com insuficiência mitral reumática. Brazilian Journal of valvopatia reumática com múltiplas cirurgias de trocas
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FIGUEIRA C. B, et al. Perfil epidemiológico e óbitos em <https://www.scielo.br/j/abc/a/xGxhpCvRhBk3c9m5DCB5
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2020Remenyi B, El Guindy A, Smith SC Jr, Yacoub M, SCIELO. Diretrizes brasileiras para o diagnóstico,
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criteria according to the American Heart Association
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ÍNDICE REMISSIVO
Acidente vascular encefálico 29 Hipertensão arterial sistêmica 175
Acute Coronary Syndrome 59 Hipertensão Arterial 1
Adesão a medicação 271 Hipertensão refratária 229
Afro-americanos 7 Hipertensão resistente 229
Angioplasty 59 Hipertensão 7, 17, 34, 115, 271
Anticoagulantes 246 IAM na gestação 188
Aortic Aneurysm 312 Inotrópico 118
Atenção primária 105 Insuficiência cardíaca 1, 52, 67
Atividade Física 148 Interações medicamentosas 246
Atletas 148 Interações não medicamentosas 246
Brazil 312 Intervenção Terapêutica 212
Cafeína 52 Morte súbita 148
Cardiac Catheterization 59 Pandemia de COVID-19 253
Cardiomiopatia por Estresse 90 Pandemia 115
Cardiomiopatia 1, 29 Parada Cardíaca Extra-Hospitalar 156
Cardiopatias Congênitas 212 Parada Cardíaca 156
Cardiopatias 105 Pressão Arterial 34, 115
Cardioversão elétrica 138 Prevalência 7
Catecolaminas 234 Profilaxia 166
Causality 130 Regurgitação da Válvula 67
Choque cardiogênico 118 Reumátiica 166
Citogenética 212 Revascularização 188
Coronary angioplasty 59 Risco cardiovascular 175
COVID-19 203 Sindrome Coronariana Crônica 130
Cross-Sectional Studies 312 Síndrome de Takotsubo 90, 234
Diagnóstico precoce 300 Síndrome Pós-Parada Cardíaca 156
Diagnóstico 76, 166 Síndromes Genéticas 212
Diástole 67 Sistema nervoso autônomo 300
Doenças cardiovasculares 229 Sístole 67
Dor Torácica 29, 90 Smartwatch 262
Eletrocardiograma 262 Sopro sistólico na criança 105
Endocardite infecciosa 76 Stents 130
Endotélio 17 Streptococcus pyogenes 316
Enfermagem 271 Taquiarritmia ventricular 138
Estenose aórtica 288 Taurina 52
Estresse 234 TAVI 288
Fator de risco na gestação 188 Transplante Cardíaco 203, 253
Fatores de risco cardiovascular 300 Tratamento Farmacológico 34
Fatores de Risco de Doenças Cardíacas 34 Tratamento 76, 175, 288
Febre reumática 316 Tratamentos 17
Fibrilação atrial 138 Vasoconstritores 17
Hipercoagulação na gravidez 188 Vasopressor 118

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