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54 PHTLS I Atendimento Pré-hospitalar ao Traumatizado, Nona Edição

O corpo humano
é formado por
60% de água

Pressão do
líquido intersticial

ar,
45%

1
+ +
Líquido ' Pressão coloidosmótica do líquido intersticial
Líquido intersticial, 10,5%
extracelular,
Líquido intravascular, 4,5% 15% Figura 3-6 Forças que controlam o fluxo de líquidos através dos
Figura 3-5 A água do corpo representa 60% do peso corporal. capilares.
Essa água está dividida entre líquido intracelular e líquido extra- 10 Nalional Association of Emergency Medical Technidans (NAEMT).

celular. O líquido extracelular é dividido em líquido intersticial e


líquido intravascular. to entre o plasma e o líquido intersticial (através dos capi-
O Natlonal Association of Emergency MNlicalTtchniclans (NAEMT). lares) e (2) movimento entre os compartimentos líquidos
intracelular e intersticial (através das membranas celulares) .
( 3) plaquetas e fatores da coagulação fundamentais para a A movimentação de líquidos através das paredes capi-
coagulação do sangue em casos de lesão vascular, proteínas lares é determinada ( 1) pela diferença entre a pressão hi-
para a reconstrução celular, nutrientes como glicose e outras drostática dentro dos capilares (que tende a empurrar o
substâncias necessárias para o metabolismo e sobrevivên- líquido para fora) e a pressão hidrostática fora dos capila-
cia. As várias proteínas e minerais fornecem uma pressão res (que tende a empurrar o líquido para dentro), (2) pela
oncótica elevada para ajudar a evitar que a água saia pela diferença entre a pressão oncótica dada pela concentração
parede dos vasos. O volume de líquido dentro do sistema proteica dentro dos capilares (que mantém o líquido do lado
vascular deve ser igual à capacidade dos vasos sanguíneos de dentro) e a pressão oncótica fora dos capilares (que em-
para preencher adequadamente o reservatório e manter a purra o líquido para fora) e (3) pela permeabilidade capilar
perfusão. Qualquer variação no volume do reservatório do (Figura 3-6 ). A pressão hidrostática, a pressão oncótica e a
sistema vascular em comparação com o volume de sangue permeabilidade ~apilar são afetadas pelo estado de choque,
nesse reservatório afetará o fluxo de sangue de maneira po- b:m como pelo tipo e pelo volume das soluções de reanima-
sitiva ou negativa. çao, levan~~ a ~Iterações no volume sanguíneo circulante,
O corpo humano é formado por 60% de água, a qual é na hemod1~am1ca e no edema tecidual ou pulmonar.
a base de todos os fluidos corporais. Uma pessoa que pesa 70 . A m?:1mentação de líquido entre o espaço intracelular
quilogramas (kg) contém cerca de 40 litros de água. A água e mterst1c1al
· d ocorre
. .através de membranas celulare s, sen d o
corporal está presente em dois componentes: líquido intrace- d, etermma a pnmanamente por efeitos osmóticos. osmose
lular e líquido extracelular. Conforme observado anterior- e o process? pelo ~ual os solutos separados por uma mem-
mente, cada tipo de líquido tem propriedades importantes brana
. sem1permeavel
, (permeável à ágtia , re Ia t'1vamente
específicas (Figura 3-5 ). O líquido intracelular, o fluido que 1mpermeavel
, a solutos) controlam a movi· me n t açao
- d e agua
,
está dentro das células, é responsável por cerca de 45% do atraves dessa
, membrana com base na co t - d
ncen raçao o so-
peso corporal. O líquido extracelular, o fluido que está fora luto. A agu~ se movimenta do compartimento com menor
das células, pode ainda ser classificado como dois subtipos: concentraçao
. de soluto para aquele com a concentraçao -
líquido intersticial e líquido intravascular. O líquido inters- mais alta
, de solutos de forma a manter e 'Jíb .
O qm I no osmouco , .
ticial , que circunda as células dos tecidos e também inclui a traves da membrana semipermeável (Figura 3 _7 ).
o líquido cerebrospinal (encontrado no encéfalo e no canal
espinal) e o líquido sinovial (encontrado nas articulações), é Resposta Endócrina
responsável por cerca de 10,5% do peso corporal. O líquido
intravascular é encontrado nos vasos e transporta os compo- Sistema Nervoso
nentes do sangue além de oxigénio e outros nutrientes vitais, O sistema nervoso autônomo co d
- • - . man a e controla as fun-
sendo responsável por cerca de 4,5% do peso corporal. çoes mvo 1untanas do organismo . -
- f - ' como a resp1raçao a di-
Uma revisão de alguns conceitos importantes é útil nes- gestao e a unçao cardiovascular El d' 'd ,
· · · · e se 1v1 e em dois sub
sa discussão de como os líquidos se movem pelo corpo. Além sistemas - o sistema nervoso sim - r . -
da movimentação dos líquidos pelo sistema vascular, há dois parassimpático. Esses sistemas se pa ~co e O sistema nervoso
importantes tipos de movimentos de líquidos: ( 1) movimen- ter os sistemas vitais do co opo~m ~ntre si para man-
rpo em equ1líbno.
CAPÍTULO 3 Choque: Fisiopatologia de Vida e Morte 55

sódio e água pelos rins. Esse processo ajuda a expandir o


volume intravascular; porém, são necessárias muitas horas
para que esse mecanismo faça diferença clinicamente.

Classificação do
Choque Traumático
Os determinantes primários da perfusão celular são o cora-
ção (agindo como bomba ou motor do sistema), o volume de
líquido (agindo como fluido hidráulico), os vasos sanguíneos
(servindo como condutos ou encanamento) e, por fim, as
células do corpo. Com base nesses componentes do sistema
Figura 3-7 Um tubo em U, no qual as duas metades são sepa-
de perfusão, o choque pode ser classificado nas seguintes ca-
radas por uma membrana semipermeável, contém quantidades
tegorias (Quadro 3-1):
iguais de água e partículas sólidas. Se for acrescentado um soluto
que não consegue se difundir através da membrana semiperme- 1. O choque hipovolêmico é primariamente hemorrá-
ável a apenas um dos lados, o líquido fluirá através da membrana gico no paciente com trauma, estando relacionado
para diluir as partículas acrescentadas. A diferença de pressão à perda de células sanguíneas circulantes com capa-
da altura do líquido no tubo em U é chamada pressão osmótica. cidade de transportar oxigênio e de volume líquido.
0 National As5o<iation offm,ig,ncy Mtdical Technióans (NAEMT). Esta é a causa mais comum de choque no paciente
com trauma.
O sistema nervoso simpático produz a resposta de 2. O choque distributivo (ou vasogênico) está rela-
"luta ou fuga". Essa resposta faz o coração bater mais rápi- cionado com anormalidades no tônus vascular que
do e mais forte de maneira simultânea e causa constrição surgem de várias causas.
dos vasos sanguíneos para órgãos não essenciais (pele e trato 3. O choque cardiogênico está relacionado à interfe-
gastrintestinal) ao mesmo tempo que dilata os vasos e au- rência na ação de bomba do coração.
menta o fluxo sanguíneo para os músculos. O objetivo dessa
resposta é manter quantidades suficientes de sangue oxige-
nado para tecidos essenciais de modo que o indivíduo possa Tipos de Choque Traumático
responder a uma situação de emergência enquanto desvia o
sangue das áreas não essenciais. Em contrapartida, o siste- Choque Hipovolêmico
ma nervoso parassimpático diminui a frequência cardíaca A perda aguda de volume sanguíneo por hemorragia (perda
e ventilatória e aumenta a atividade gastrintestinal. de plasma e hemácias) causa desequilíbrio na relação entre
Em pacientes com hemorragia após uma lesão traumática, volume de líquido e tamanho do reservatório. O reservató-
o corpo tenta compensar a perda sanguínea e manter a produ- rio mantém seu tamanho normal, mas o volume de líquido
ção de energia. O sistema circulatório é regulado pelo centro diminui. O choque hipovolêmico é a causa mais comum de
vasomotor no bulbo. Em resposta a uma diminuição transitó- choque no ambiente pré-hospitalar, e a perda de sangue é,
ria na pressão arterial, estímulos são transmitidos até o cérebro de longe, a causa mais comum de choque em pacientes com
pelos nervos cranianos IX e X por barorreceptores no seio ca- trauma e a mais perigosa para o paciente.
rotídeo e no arco aórtico. Esses estímulos levam a um aumen-
to da atividade do sistema nervoso simpático, com aumento
da resistência vascular periférica resultante de vasoconstrição Quadro 3-1 Tipos de Choque Traumático
arteriolar e aumento do débito cardíaco por aumento na fre-
Os tipos comuns de choque vistos após trauma no
quência e na força de contração cardíaca. O aumento do tônus
ambiente pré-hospitalar incluem:
venoso eleva o volume de sangue circulante. O sangue é des-
viado das extremidades, dos intestinos e dos rins para áreas • Choque hipovolêmico
mais vitais - coração e cérebro - nas quais os vasos se con- • Volume vascular menor que o tamanho vascular
traem muito pouco sob estimulação simpática intensa. Essas normal
respostas resultam em extremidades frias e cianóticas, redução • Resulta da perda de sangue e líquidos
- Choque hemorrágico
do débito cardíaco e diminuição da perfusão intestinal.
• Choque distributivo
Redução na pressão de enchimento do átrio esqu erdo, • Espaço vascular maior que o normal
queda na pressão arterial e alterações na osmolalidade plas- - "Choque" neurogênico (hipotensão)
mática (a concentração total de todas as substâncias quími - • Choque cardiogênico
cas no sangue) causam liberação de hormônio antidiurético • O coração não bombeia adequadamente
(ADH, de antidiuretic hormone) pela hipófise e aldosterona • Resulta de lesão cardíaca
pelas glândulas suprarrenais, o que aumenta a retenção de
76 PHTLS I Atendimento Pré-hospitalar ao Traumatizado, Nona Edição

Via lntraóssea
Uma alternativa para o acesso vascular e m adultos é a via
2 27
intraóssea. •· A via intraóssea para a administração de lí-
quidos não é nova : ela foi descrita pelo Dr. Walter E. Lee em
l 94 l. Esse método de acesso vascular pode ser obtido de vá-
rias maneiras. Ele é mais comumente estabelecido em locais
como o fêmur distal, a cabeça do úmero ou a tíbia proximal
ou distal. Os estudos mostram me lhores taxas de fluxo atra-
vés da cabeça do úmero e do fêmur distal. O acesso também
pode ser estabelecido por meio da técnica esternal, usan-
do dispositivos apropriadamente projetados (Figura 3 -18 e
2 29
Figura3-19). "· Essas técnicas são comumente utilizadas no
ambiente pré-hospitalar, mas o foco deve ser o transporte
rápido em vez da reposição volêmica IV. No caso de trans-
porte demorado ou prolongado até os cuidados definitivos,
o acesso vascular intraósseo pode ser relevante em pacientes
adultos com trauma. A administração de líquidos por via in-
traóssea em um paciente acordado pode ser bastante dolo-
rosa. Deve ser administrada a analgesia adequada conforme
os protocolos locais.

e
J
/

F~gura 3 -19 A. Local de inser~ão esternal no m ~ ~a~-::a


Figura 3-18 A. Agulhas intraósseas e pistola intraóssea para a furcula esternal. Note que o dispositivo EZ-10 - d
inserção manual (vários tamanhos mostrados). B. Dispositivo de nao po e ser usado
no local do esterno. B. Local de inserção na tºb• dº .
. 1 1a 1stal acima do
punção intraóssea esternal. tornozelo. C. Local de inserção na tíbia proxim I b • .
o Jonts &S.nl,tt Ltaming. Fotografias por Darr?n Stahlman. ONationalAssociationofEmrrg,ncyMedicalTechnlcians(NAEMT). a a aixo do Joelho.

J
CAPÍTUL03 Choque: Fisiopatologia de Vida e Morte 77

Reposição Volêmica Soluções Cristaloides lsotônicas


Há duas categorias gerais de produtos para reposição volêmi- Os cristaloides isotônicos são soluções salinas balanceadas
ca que têm sido usados nos últimos 50 anos para o manejo compostas por eletrólitos (substâncias que se dividem em
de pacientes com trauma - sangue e soluções IV. Esses pro- íons carregados ao serem dissolvidas em soluções). Eles agem
dutos podem, ainda, ser subdivididos da seguinte maneira: como efetivos expansores de volume por um curto período,
• Sangue mas não têm capacidade de transportar oxigênio. Imedia-
• Concentrado de hemácias (CH) tamente após a infusão, os cristaloides preenchem o espa-
• Sangue total ço vascular depletado pela perda sanguínea, melhorando a
• Sangue total reconstituído como hemoderivados pré-carga e o débito cardíaco. A solução de Ringer Lactato
• Plasma permanece sendo a solução cristaloide isotônica de escolha
• Outras terapias com hemoderivados para o manejo do choque devido ao fato de sua composição
• Soluções IV ser mais parecida com a composição eletrolítica do plasma
• Soluções cristaloides sanguíneo. Ela contém quantidades específicas de íons sódio,
• Líquido hipertônico potássio, cálcio, cloreto e lacta to. O soro fisiológico (solução
• Solução salina a 7% de cloreto de sódio (NaCI] a O, 9%) ainda é uma alternativa
• Solução salina a 3% aceitável, embora a hipercloremia (aumento acentuado no
• Soluções coloides nível sanguíneo de cloreto) possa ocorrer com a reanimação
• Estratégias líquidas hipotensivas ou restritas massiva com a administração de soro fisiológico. Normosol e
• Substitutos do sangue Plasma-Lyte são outras opções de soluções acidobásicas mais
"balanceadas" que o soro fisiológico. As soluções de dextrose
Cada wn desses produtos tem vantagens e desvantagens. em água (p. ex., soro glicosado a 5% (SG5%)) não são ele-
tivas como expansores de volume e não têm lugar na reani-
Sangue mação de pacientes com trauma. A administração de fluidos
Devido à sua capacidade de transportar oxigênio, o sangue contendo glicose serve apenas para aumentar os níveis glicê-
ou os vários hemoderivados continuam sendo o líquido micos do paciente, o que tem eleito diurético e, na verdade,
de escolha para a reanimação de um paciente com choque aumenta a perda de líquidos pelos rins.
hemorrágico grave. A experiência obtida pelos militares Infelizmente, dentro de 30 a 60 minutos da administra-
dos Estados Unidos como resultado das guerras no Iraque ção de uma solução cristaloide, apenas cerca de um quarto
e no Afeganistão demonstrou a importância da adminis- a um terço do volume administrado permanece no sistema
tração de sangue total, CH e plasma para a sobrevivência circulatório. O restante é desviado para o espaço intersticial,
dos soldados feridos. Esse sangue ·reconstituído" substitui já que a água e os eletrólitos na solução podem atravessar as
a capacidade perdida de transporte de oxigênio, fatores de membranas capilares livremente. O líquido perdido se torna
coagulação e proteínas necessárias para a manutenção da edema nos tecidos moles e nos órgãos do corpo. Esse fluido
pressão oncótica para evitar a perda de líquido pelo sistema extra causa dificuldades na carga e na descarga de oxigênio
vascular. Infelizmente, o sangue é, na maior parte das ve- nas hemácias.
zes, algo impraticável para uso no ambiente pré-hospitalar Se possível, os líquidos IV devem ser aquecidos até cerca
civil principalmente porque o sangue e seus subcomponen- de 39 ºCantes da infusão. A infusão de grandes quantidades
tes são perecíveis se não forem refrigerados ou congelados de líquidos IV frios ou em temperatura ambiente contribui
até o momento do uso. para a hipotermia e o aumento da hemorragia.
Atualmente, o plasma liofilizado está sendo usado na Soluções Cristaloides Hipertônicas
cena em vários países. O plasma liofilizado é o plasma hu-
mano que foi seco e congelado. Ele tem uma possibilidade As soluções cristaloides hipertônicas têm concentrações ex-
de armazenamento de cerca de 2 anos, não necessita de re- tremamente elevadas de eletrólitos em comparação com o
frigeração e deve ser reconstituído antes do uso. O plasma plasma. O modelo experimental mais comumente utiliza-
líquido está sendo transportado por alguns sistemas de SE do é a solução salina hipertõnica, uma solução de NaCI a
e de SEH (SE por helicóptero) nos Estados Unidos, e estão 7,5%, a qual tem mais de oito vezes a concentração de NaCl
sendo feitas pesquisas para avaliar o uso do plasma no am- em relação ao soro fisiológico. Ela é um expansor plasmático
biente pré-hospitalar civil para a reanimação dos pacientes efetivo, especialmente pelo fato de que pequenas inlusões de
com trauma. Investigações adicionais com o uso de transfu- 250 mL costumam produzir os mesmos efeitos de uma infu-
sões de sangue total também estão em fase inicial. são de 2 a 3 litros de solução cristaloide isotônica.'"·ll Porém,
uma análise de vários estudos com solução salina hipertôni-
ca não conseguiu demonstrar melhores taxas de sobrevida
Soluções Intravenosas em relação ao uso de cristaloides isotônicos. n Essa solução
As soluções alternativas para a reposição volêmica são clas- não é aprovada pela FDA para o cuidado dos pacientes nos
sificadas em quatro categorias: ( 1) cristaloides isotônicos, (2) Estados Unidos. Concentrações menores, como 3,0%, estão
cristaloides hipertônicos, (3) coloides sintéticos (artificiais) e aprovadas para o cuidado de pacientes e são frequentemente
(4) substitutos do sangue. usadas em UT!s.
102 PHTLS I Atendimento Pré-hospitalar ao Traumatizado, Nona Edição

, ocupante sentado no banco dianteiro


Um exemp
,
1o e O
que não está usando qualquer d'1sposnivo·
de um ve1cu 1o e ,
ndo veículo atinge uma arvore e para, 0
de segurança. Qua, sem Odispositivo de segurança contmua .
em
ocupante que cs 1a , . .
movimento_ à mesma velocidade - ate que atI~Jª o :ºlante, 0
pame· 1
ou o par a -brisa . o impacto com esses obJetos mterrom-
· ento do tronco ou da cabeça para a frente, mas os
~om~m .
órgãos internos do ocupante continuam ~m movimento até
que atinjam a parte interna da parede to.:aoca, parede abdo-
minal ou crânio, cessando a movimentaçao par~ a frente.
Conforme descrito pela lei da conservaçao de energia
e pela segunda lei de Ne~~o~ sobre o ~ovi_mento, ou
princípio fundamental da dmam1ca, a energia nao pode ser
criada e nem destruída, mas pode mudar de forma. O mo-
vimento do veículo é uma forma de energia. Para mover o
veículo, a energia do motor é transferida até as rodas por um
Figura 4-1 A avaliação da cena de um incidente é fundamen- conjunto de mecanismos que seguram as rodas enquanto
tal. Informações como a direção do impacto, a intrusão veicular
elas giram e movimentam o veículo. Para parar o veículo,
no compartimento dos passageiros e a quantidade de energia
a energia de seu movimento deve ser mudada para outra
trocada sugerem as lesões possíveis e prováveis dos ocupantes.
C> JackDagl,yPhotography/Shuttemock
forma, como exemplos, o aquecimento dos freios ou pela
colisão contra um objeto e a deformidade do chassi. Quando
um motorista aciona os freios, a energia do movimento é
convertida no calor da fricção (energia térmica) pelas pasti-
lhas de freio no tambor/disco de freio e pelos pneus sobre a
estrada. Assim, o veículo desacelera .
A terceira lei de Newton sobre o movimento, ou prin-
cípio da ação e reação, é talvez a mais conhecida das três leis
de Newton. Ela afirma que para cada ação ou força existe
uma reação igual e oposta. À medida que caminhamos sobre
o chão, a Terra está exercendo contra nós uma força igual
à que aplicamos sobre ela. Aqueles que já dispararam uma
espingarda já sentiram a terceira lei como o impacto da arma
contra seu ombro.
Da mesma forma como a energia mecânica de um veí-
culo que bate contra uma parede é dissipada ao retorcer a
e st rutur_a ou outras partes do veículo (Figura 4 -3 ), a energia
Figura 4-2 O esquiador estava parado até que a energia da gra- do movimento dos órgãos e das estruturas internas do cor-
vidade o moveu para baixo na rampa. Após entrar em movimen- po. deve ser dissipada qua n d o esses orgaos
, - cessam seu mo-
to, embora ele se afaste do chão, o impulso o manterá em movi- vimento para a frente • Os mesmos conceitos . se aplicam ao
mento até que atinja algo ou retorne ao chão, e a transferência
de energia (atrito ou colisão) o faça parar.
10 technotr/lS1ock/Getty lmagts Plus/Getty lmagts.

xo na rampa. Após começar o movimento, embora saia do


chão, ele permanecerá em movimento até que atinja algo ou
retorne para o chão e pare.
Conforme mencionado anteriormente, em qualquer co-
lisão, quando o corpo do potencial paciente está em movi-
mento, há três colisões:
1. O veículo da colisão atingindo um objeto em movi-
mento ou parado
2. O potencial paciente colidindo com a parte inter-
na do veículo, batendo em algum objeto ou sendo
atingido pela energia de uma explosão
3. Os órgãos internos se chocando com as paredes de Figura 4-3 A energia é dis . ,
um compartimento do corpo ou sendo arrancados do veiculo. sipada pela deformação da estrutura
de suas estruturas de fixação e """ St)rffmMmagt/age fotostock.
CAPÍTUL04 A Física do Trauma 103

corpo humano quando ele está parado e entra em contato, no iníci o do evento é igual à força transferida ou dissipada
interagindo com um objeto em movimento, como uma faca , ao fim do evento.
um projétil ou um bastão de beisebol.
A energia cinética é uma função da massa e da velo-
Massa x Aceleração =Força =Massa x Desaceleração
cidade de um objeto. Ainda que não sejam tecnicamente a A força (energia) é necessária para colocar uma estrutura
mesma coisa, o peso de uma vítima pode ser usado para re- em movimento. Essa força (energia) é necessária para criar
presentar a sua massa . Da mesma maneira, a aceleração é a aceleração específica . A aceleração colocada depende do
utilizada para representar a velocidade (que, na verdade, é peso (massa) da estrutura . Quando essa energia é aplicada
aceleração e direção). A relação entre peso e aceleração afe- à estrutura e colocada em movimento, a estrutura perma-
tando a energia cinética é: necerá em movimento até que a energia cesse (primeira lei
do movimento de Newton - inércia) . Essa perda de energia
Energia cinética = Metade da massa vezes a
colocará outros elementos em movimento (partículas teci-
velocidade ao quadrado
duais) ou ela será perdida como calor (dissipada nos discos
EC = 1/2 (mv2 ) de freio das rodas). Um exemplo desse processo é o trauma
Assim, a energia cinética envolvida quando uma pessoa de relacionado às armas de fogo . Na câmara de uma arma está
150 libras (lb) (68 quilogramas [kg]) viaja a 30 milhas por um cartucho que contém pólvora. Quando a pólvora se in-
hora (mph) (48 quilômetros por hora [km/h]) é calculada cendeia, queima rapidamente, explodindo e criando energia
da seguinte forma: que empurra o projétil para fora do cano em grande veloci-
dade. Essa velocidade equivale ao peso do projétil e à quan-
EC = 150/2 x 30 = 67.500 unidades
2
tidade de energia produzida pela queima da pólvora ou pela
Para o propósito dessa discussão, nenhuma unidade fí- força. Para frear (segunda lei de Newton), o projétil deve
sica espeáfica de medida (p. ex., pés-libras, joules) é usada. passar a sua energia para a estrutura atingida. Essa transfe-
As unidades são utilizadas meramente para ilustrar a ma- rência de energia produzirá uma explosão no tecido que é
neira como essa fórmula afeta a alteração na quantidade de igual à explosão que ocorreu na câmara da arma quando a
energia. Conforme mostrado, uma pessoa de 150 lb (68 kg) aceleração inicial foi aplicada no projétil. O mesmo fenôme-
viajando a 30 mph (48 km/h) teria 67.500 unidades de no ocorre no automóvel em movimento, no paciente que
energia que devem ser convertidas em outra forma quando cai de um prédio ou na explosão de um dispositivo explosivo
ela parar. Essa mudança toma a forma de dano ao veículo e improvisado (DEI).
lesão na pessoa, a menos que a dissipação de energia possa Outro fator importante em uma colisão é a distância
tomar uma forma menos prejudicial, como em um cinto de de parada . Quanto mais curta for a distância de parada e
segurança ou airbag. mais rápida for a velocidade dessa parada, mais energia é
Porém, qual fator da fórmula tem o maior efeito sobre transferida para o ocupante e mais dano ou lesão ocorre no
a quantidade de energia cinética produzida: massa ou ve- paciente. Considere um veículo que para contra um muro
locidade? Considere acrescentar I O lb (4, 5 kg) à pessoa de de tijolo versus um que para quando se aplica o freio. Ambos
150 lb (68 kg) viajando a 30 mph (48 km/h) do exemplo dissipam a mesma quantidade de energia, apenas de manei-
anterior, tomando a massa igual a 160 lb (73 kg) : ra diferente. A taxa de transferência de energia (no corpo do
EC = 160/2 x 30 =72.000 unidades
2
veículo ou nos discos de freio) é diferente e ocorre ao lon-
Esse aumento de 10 lb resultou em aumento de 4.500 uni- go de distância e tempo diferentes. Na primeira situação, a
dades na energia cinética. Usando o exemplo inicial de uma energia é absorvida em uma distância e quantidade de tem -
pessoa de 150 lb (68 kg) mais uma vez, vejamos como um po muito curtas, alterando a estrutura do veículo. No último
aumento de 10 mph (16 km/h) na velocidade afeta a energia caso, a energia é absorvida ao longo de uma distância e tem-
cinética: po maiores pelo calor nos freios. O movimento do ocupante
do veículo (energia) para a frente é absorvido, no primeiro
EC = 150/2 x 402 = 120.000 unidades caso, pelo dano aos tecidos moles e aos ossos do ocupante.
Esse aumento de velocidade resultou em aumento de 52.500 No segundo caso, a energia é dissipada, junto com a energia
unidades na energia cinética. do veículo, pelos freios.
Esses cálculos demonstram que o aumento da velocida- Essa relação inversa entre a distância de parada e a lesão
de (aceleração) aumenta a energia cinética muito mais que também se aplica às quedas. Uma pessoa tem mais chances
um aumento da massa. Ocorrerá muito mais troca de ener- de sobreviver a uma queda se cair sobre uma superfície com-
gia (e, assim, produzirá mais lesão ao ocupante, ao veículo pressível. como uma grande quantidade de neve. Uma que-
ou a ambos) em um acidente em alta velocidade, comparado da da mesma altura terminando sobre uma superfície dura,
a outro em velocidade menor. A velocidade é exponencial e como o concreto, pode produzir lesões mais graves. O mate-
a massa é linear; portanto, a velocidade é o fator mais crítico rial compressível (i.e., neve) aumenta a distância de parada
mesmo quand o há grande disparidade de massa entre dois e absorve pelo menos parte da energia em vez de permitir
objetos. que toda a energia seja absorvida pelo corpo. O resultado
Para prever as lesões ocorridas durante um incidente em é menos lesão e dano ao corpo. Esse princípio também se
alta velocidade, pode ser útil lembrar que a força envolvida aplica a outros tipos de colisão. Um motorista sem cinto de
544 PHTLS I Atendimento Pré-hospitalar ao Traumatizado, Nona Edição

mais de 5 mil pessoas buscaram atenção médica. Destas, mui-


- INTRODUÇÃO tas eram assintomáticas, mas estavam preocupadas com uma
O preparo para o manejo de um incidente que potencial- possível exposição. O Tokyo Fire Department enviou 1.364
mente envolve uma arma de destruição em massa (ADM) é bombeiros para os 16 locais de metrô afetados, e 135 socorris-
um desafio para os sistemas de serviço de emergência (SE). tas ( 10%) foram afetados pela exposição direta ou indireta ao
Embora vários mnemônicos diferentes sejam utilizados para agente nervoso. Múltiplos ataques químicos alegados durante
lembrar-se dos vários tipos de ADMs, talvez o mais fácil de a guerra civil da Síria foram investigados pela Organização
recordar seja o QBRNE, que significa química, biológica, ra- das Nações Unidas, incluindo o uso de armas químicas poten-
diológica, nuclear e explosiva . tes com sarin (2015), clorino (2014) e gás mostarda (2015),
A história recente demonstrou que esses incidentes po- resultando em muitas vítimas entre civis e socorristas.
dem ocorrer sem aviso e em qualquer lugar. Embora nenhum ataque bioterrorista com grande nú-
mero de vítimas tenha ocorrido nos Estados Unidos, os siste-
As bombas de 1995 no Murrah Federal Building em mas de SE foram desafiados a se preparar para tais ameaças.
Oklahoma City, nos Estados Unidos, resultaram em 168 Durante 1998 e 1999, quase 6 mil pessoas nos Estados Uni-
mortes e 700 vítimas. Cerca de 80% das mortes resulta- dos foram afetadas por uma série de falsos ataques relacio-
ram do desabamento do prédio em vez dos efeitos diretos nados ao antraz em mais de 200 incidentes. No outono de
do explosivo. Um terço dos pacientes levados ao hospital 2001, cartas enviadas contendo antraz resultaram em ape-
de Oklahoma City foram transportados pelo SE. Dentre nas 22 casos de antraz clínico, porém, geraram incontáveis
estes, 64% necessitaram de internação hospitalar, en- ligações para as agências de segurança pública para averi-
quanto apenas 6% dos pacientes autorreferenciados para guação de pacotes e pós suspeitos.
o setor de emergência necessitaram de internação. Embora não seja um evento terrorista, a síndrome res-
• Os ataques de 11 de setembro de 2001 ao World Trade piratória aguda grave (SRAG), um surto de doença infeccio-
Center, nos quais os terroristas usaram aviões de passa- sa de ocorrência natural, ameaçou gravemente o sistema de
geiros como bombas voadoras, resultaram em mais de SE de Toronto, no Canadá, em 2003. Durante a epidemia,
1.100 sobreviventes com lesões, com quase um terço des- 526 paramédicos tiveram que ficar em quarentena, princi-
sas vítimas sendo transportadas para o hospital por so- palmente por exposição potencial desprotegida ao vírus. Essa
corristas de APH. Os socorristas representaram 29% das perda de recursos importantes sobrecarregou gravemente a
vítimas. capacidade de Toronto para mitigar a crise. Mais recentemen-
• Em 2004, as múltiplas bombas em trens de Madri, na te, os surtos naturais de doença pelo vírus Ebola, uma febre
Espanha, causaram 190 mortes e 2.051 pessoas trauma- hemorrágica virai, na África Ocidental, resultou em mais de
tizadas. 11 mil mortes entre 2013 e 2016, muitas das quais de profis-
• O ataque aos meios de transporte de massa em Londres, sionais de saúde que cuidavam de pacientes infectados.
na Inglaterra, em 2005, nos quais bombas explodiram A ameaça de que os SEs precisem algum dia responder
em três metrôs e em um ônibus de dois andares, causou a um evento de ADM por agente radioativo cresce, com es-
52 mortes e mais de 779 pessoas feridas. peculação crescente de que os terroristas possam detonar
• As bombas da Maratona de Boston, nos Estados Uni- algum dispositivo com dispersão radioativa ("bomba suja"),
dos, em 2013, resultaram em 3 mortos e cerca de 264 que geraria lesões e pânico relacionado à contaminação.
feridos. As ADMs, embora tradicionalmente imaginadas como
• Os ataques de 2015 em Paris, na França, perpetrados por as classes previamente citadas de QBRNE, podem assumir
homens armados e suicidas com bombas, mataram 130 diferentes formas e configurações. Uma ameaça que surgiu
pessoas e causaram lesões em outras centenas . recentemente é a "agressão veicular intencional", na qual os
• Em 2016 em Nice, na França, um terrorista deliberada- terroristas intencionalmente dirigem um veículo com rodas
mente dirigiu um grande caminhão de carga, avançando sobre uma multidão de pedestres. Infelizmente, esses ataques
sobre uma multidão de pessoas que celebravam o Dia da se t?rn~ram_ mais comuns nos últimos anos, provavelmente
Bastilha, resultando em 86 mortos e 458 feridos. d~v1do a factlt~ade de obter a arma (veículo) e o alvo (multi-
• Em 2017, bombas na Manchester Arena, em Manchester, dao) em relaçao aos ataques tradicionais com armas QBRNE.
na Inglaterra, resultaram em 22 mortes e cerca de 250 pes-
soas feridas. Muitas vítimas nesse incidente eram crianças.
• Um ataque em 2017 em Nova York, no qual um terroris-
ta deliberadamente dirigiu um caminhão alugado sobre
Considerações Gerais
uma ciclovia, resultou na morte de 8 pessoas e em 12 Avaliação da Cena
pessoas feridas .
A capacidade dos socorristas de APH de avaliar a cena de
Embora os explosivos comuns sejam a forma mais co- maneira adequada é fundamental para garantir a seguran-
mumente usada e mais provável em um evento de ADM, no ça pessoal e a segurança de outros socorristas. Os eventos
mundo todo, os sistemas de SE também têm sido desafiados com ADMs impõem uma ameaça significativa aos serviços
por eventos químicos e biológicos. O ataque com gás sarin de resposta a emergências. No caso de uma detonação de
em 1995 no metrô de Tóquio, no Japão, matou 12 pessoas, e explosivos de alto poder de destruição, pode haver incêndio,

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