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11/01/2022 00:04 CARTA A JULIANO GOMES (OU POR UM CINEMA NEGRO QUE SE LANCE AO ABISMO) – Verberenas

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(https://www.verberenas.com/)

CARTA A JULIANO GOMES (OU POR UM


CINEMA NEGRO QUE SE LANCE AO
ABISMO)
Vol. 7, nº 07, 2021 (https://www.verberenas.com/issue/07)

Oi, Juliano!

Espero que tu esteja bem e com saúde.

Depois de tanto tempo lendo e relendo esses textos publicados


por você, Heitor e Bruno, chego aqui para esticar o papo desses
posicionamentos que se tornaram uma importante conversa

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11/01/2022 00:04 CARTA A JULIANO GOMES (OU POR UM CINEMA NEGRO QUE SE LANCE AO ABISMO) – Verberenas

pública acerca do cinema negro brasileiro. Endereço essa carta a


você, a partir da revista Verberenas, para dar circularidade a esse
debate, algo que parece ser — e ter sido — fundamental para o
desenvolvimento dessa discussão. 

Entendi quando você disse, lá no seu primeiro texto, que se sentiu


convocado pelo Heitor a escrever, mesmo sem que ele tenha te
endereçado algo. Ele fez perguntas espinhosas para aquele 2018.
Quais filmes serão percebidos como “mais negros” que outros?
Quais ‘mise en scène’ serão interpretadas como “mais próximas”
de uma autoria negra do que outras?
(https://ursodelata.com/2018/01/29/o-que-pode-ser-o-cinema-e-o-
cinema-negro-brasileiro-em-2018/)

Acho que elaboramos algumas respostas. Ou, talvez, nem


tantas…

Mas gostaria de compartilhar que, quando olho para os seus


(http://revistacinetica.com.br/nova/carta-bruno-juliano-2020/)
últimos textos (http://revistacinetica.com.br/nova/ps-cinemapreto-
juliano-2020/), sinto algo parecido: eles me convocam.

Queria te dizer também sobre as minhas motivações em fazer


essa carta na Verberenas.

Sendo este um periódico construído por e dedicado aos cinemas


produzidos por mulheres cis, trans, travestis e pessoas não-
binárias, pareceu-me oportuno publicar esse texto por aqui. Não
me inclino a essencializar meus sentidos por ser uma mulher cis
negra etc.; mas o fato dessa discussão pública sobre cinema
negro se pavimentar entre boys aparece como um sintoma dos
mecanismos que circunscrevem e operam (n)a crítica
cinematográfica. Não falo isso para apontar o dedo para você,
Heitor ou Bruno — isso não é sobre individualidades! —, mas ao
campo. E pelo reconhecimento de que ainda, nós, mulheres,
sobretudo negras, encontramos dificuldades reincidentes para
nos posicionarmos nesse meio.

Bom, essa não é uma carta sobre who can speak, confesso. O
que me alimenta aqui é a possibilidade de elaborar caminhos
alternativos, de dialogar com produções e pensamentos,
sobretudo, de mulheres e negras acerca do cinema, na aposta de
encontrar evidências e materiais que talvez não tenham sido
levantados ou ganhado tanto destaque dentro das publicações
que vocês fizeram anteriormente. Vislumbro mobilizar outras
vozes para essa conversa, ansiando que ela encontre diferentes
espaços e impulsione a elaboração de novos textos.

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Ah, decidi criar uma nova numeração, visse? 

Para todas as pessoas que estiverem lendo essa carta:


recomendo enfaticamente o retorno aos outros textos. Vale muito
a pena.

0. 

No início de 2021, durante o programa AMPLI_AR – Oficina de


Crítica Cinematográfica, que ministrei com Bruno Galindo na
Mostra Negritude Infinita (CE), tentei mapear algumas
perspectivas e tendências contemporâneas que estão tomando
corpo no campo cinematográfico negro. Desenhei possíveis redes
de circulação de ideias, buscando encontrar reverberações
desses pensamentos em propostas curatoriais, nos festivais e na
crítica. Nos últimos anos, foram publicados artigos e ensaios que
fazem vibrar sentidos que nos aproximam das matérias que
envolvem e estão em disputa no cinema negro brasileiro. 

Olhando mais de perto, esses discursos e perspectivas apontam


para uma comunidade amplamente marcada por
dessemelhanças: em suas formas de olhar para o passado, em
suas constelações fílmicas, em seus pontos de partida para a
leitura do contexto contemporâneo e em suas sensibilidades
sobre o que é (ou pode vir a ser) o cinema negro.

Essas ideias evidentemente instáveis em torno do cinema negro


criam uma atmosfera trêmula que rompe com desejos de
uniformidade, com o gosto palatável e admirável de ser black
cinema numa foto ou numa live. As contradições estão postas e
elas abrigam o potencial de desfazer certos signos que circundam
as palavras “cinema” e “negro”. Te digo: acredito que buscar
zonas de contato entre essas dissonâncias poderia mesmo nos
direcionar a um campo co-criado entre vários agentes. Não como
uma forma de coletivização forçada e simbolicamente construída
por uma categorização (cinema negro), mas como uma maneira
de  nos lançarmos no risco e na radicalidade de viver o coletivo,
em sua dinâmica viva e contraditória.

Discordâncias podem construir um campo.

E esse conjunto de cartas é uma evidência disso.

-1.

O aumento do número de festivais, mostras e outros espaços de


cinema voltados para as produções fílmicas negras, suas
estéticas e temáticas produziu a consolidação do que

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convencionalmente chamamos hoje de “cinema negro brasileiro”.


A retórica do “abrir o debate” e do “cenário de escassez” já não
faz mais tanto sentido. Heitor apontou isso lá em 2018, inclusive.
Sendo esse cinema um corpo “vigoroso” e “heterogêneo”,
compreender a formação de coletividades negras comprometidas
com a cocriação de cenários dialógicos implica o reconhecimento
não apenas de suas infinitas possibilidades estéticas, temáticas e
políticas, mas também de seus modos de fazer, ocupar e construir
projetos dentro do campo cinematográfico.

-2.

Ser preto e ser antirracista é a trend. Consumidas e apropriadas,


esse é o lema. Pretos no topo [da Prada]! Se há navegação no
sistema (ocupar cargos, festivais, grandes instituições, produzir
filmes dentro de certos moldes por sobrevivência), também há
risco de captura (ser ‘autêntico’, responder à expectativa do que é
ser negro nas telas, vender as pautas políticas, comprar o
discurso de empoderamento capitalista). Mas a real é que, na
corrida para construirmos um chão todo nosso, temáticas,
estéticas e discursos variados sobre ser negro na tela e na autoria
fortalecem e enclausuram aquelas que escolhem viver com e/ou
contra às instituições e expectativas que são projetadas em
relação ao cinema negro. 

-3.

Desobedecermos à transparência neoliberal e sermos


descompromissadas com a “visibilidade messiânica” pode ser um
caminho para hackear e recusar as demandas e
performatividades esperadas em imagens convencionalmente e
capitalisticamente compreendidas como negras. 

O cinema negro é infinito, certo? 

Blackness = Time ÷ Media = ∞ (Márcio Cruz, 2021)

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-3.1

Se esse infinito negro não está ligado apenas à performatividade


na e através da imagem, mas a um método e um modo de sentir
e perceber o cinema negro, por que ainda legitimamos o gesto
inaugural desse campo como aquele que se fundamentou em
“avanços” estéticos e discursivos atrelados às perspectivas
antirracistas — em uma evidente contraposição aos gêneros e
personagens que habitavam as obras dos predecessores de
Zózimo Bulbul? É infinito só no contemporâneo? E, se infinito, o
assunto do filme não precisa ser evidentemente racial para a
legitimação de uma linhagem, certo? Produzindo essa quebra,
para onde esse infinito poderia apontar?

-4.

Nos últimos dois anos, dediquei-me a pesquisar as ações do


Teatro Experimental do Negro (1945-1968). Revirando
documentos e leituras bibliográficas, constatei que boa parte dos
modos de narrar essa vasta e complexa experiência aderem-se
aos olhares, escritos e memórias arquivados pelo seu “maior
agitador”, Abdias Nascimento. Para grande parte de teóricas e
pesquisadoras, a criação do TEN seria a ação fundadora dos
teatros negros no Brasil: pela luta antirracista empreendida nos
palcos brasileiros; por sua oposição aos modos de representação
estereotipados acerca da negrura e por ter formado um corpo
significativo de atores e atrizes negros na primeira metade do
século XX. 

Historiografar as ações do grupo unicamente a partir da


perspectiva de Abdias, além de mascarar as contradições que
atravessavam as experiências do grupo, produz apagamentos em
relação a outras pessoas que participaram ativamente de sua
construção, como Ruth de Souza, Haroldo Costa, Léa Garcia,
Maria Nascimento, Aguinaldo Camargo, entre outras. A quem
possa interessar, alguns veículos de imprensa da época
retratavam o TEN como uma iniciativa coletiva, acredita?

Veja, estou mencionando aqui uma invisibilização que vem de


dentro, pela aderência historiográfica às narrativas construídas
durante décadas pelo porta-voz do TEN, que, sem dúvidas, é um
dos intelectuais brasileiros mais importantes que temos. Só que
eu aposto que é super possível admirarmos suas ações e ideias,
sem necessariamente fazermos vista grossa às complexidades,
às disputas e às contradições que habitaram um projeto tão
multifacetado como o do Teatro Experimental do Negro.

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Ruth de Souza em O Filho Pródigo (1947)

A tese (https://www.historia.uff.br/stricto/teses/Tese-
2011_Julio_Claudio_Silva.pdf) de doutorado do Júlio Cláudio da
Silva mexe bem nessas feridas: ao investigar o Arquivo Ruth de
Souza (LABHOI-UFF), em conjunção com a biografia e as
entrevistas concedidas pela atriz ao longo de sua carreira, o
pesquisador faz uma série de operações historiográficas que
contradizem e incidem nas narrativas convencionais acerca do
TEN, o que possibilita o deslocamento do tom personalista e
paternal projetado sobre a história e memória do grupo. 

Outros dois pontos revisitados por ele e que, ainda hoje, são
pouco investigados: a aderência do TEN ao discurso ideológico
da democracia racial (o jornal Quilombo, por exemplo, dedicava
uma coluna ao tema e recebia diversos intelectuais, entre eles,
Gilberto Freyre, que assinou um texto já na primeira edição do
veículo de imprensa (https://ipeafro.org.br/acervo-
digital/leituras/ten-publicacoes/jornal-quilombo-no-01/)) e a
construção de discursos que produziram uma oposição frontal aos
teatros de revista negros; que contribuiu para promover, até hoje,
a secundarização de experiências comerciais e populares negras
e de seus agentes, como João Cândido (De Chocolat),
Pixinguinha, Grande Otelo e Ascendina dos Santos (Rosa Negra).

Bom, por que estou falando disso tudo?

Você usou um termo: “zózimocentrismo obsessivo


(http://revistacinetica.com.br/nova/carta-bruno-juliano-2020/)”. 

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À primeira vista, parece distante a minha aproximação entre


Abdias e Zózimo, uma vez que essa narrativa, no caso do
cinema, não foi criada pelo próprio Bulbul, diferentemente do que
ocorrera com Abdias… No entanto, posso elencar algumas coisas
que são comuns entre as noções em torno do teatro e do cinema
negros:

#1: Há uma figura paternalista e suas ações influenciam na


construção dos entendimentos sobre a linguagem em
perspectivas pretas (ex.: as dimensões política e antirracista são
interpretadas como ações inéditas de seus “fundadores”, e
marcam as definições contemporâneas acerca do campo
cinematográfico e teatral negros);

#2: Nega-se um passado indigesto, que deve ser colocado em


oposição à iniciativa proposta por essas figuras e/ou grupos,
produzindo uma evidente hierarquia dentro do campo por meio da
deslegitimação do que veio antes (no cinema, as chanchadas; no
teatro, os teatros de revista negros — e nesse caso, os dois estão
relacionados ao circuito comercial e popular); 

#3: Os legados desses “fundadores” são sempre retomados no


presente como meio de legitimação de suas realizações
pioneiras, o que inviabiliza um olhar para ações anteriores ou
circundantes aos seus atos inaugurais (Alma no Olho, no caso do
cinema; fundação do TEN, no teatro).

Seria possível ir além desse binarismo determinante? Como fugir


do desejo de sempre construir um inimigo em comum? Que tal
abandonarmos a excepcionalidade e nos deslocarmos até Pista
de grama (Haroldo Costa, 1958), Um é pouco, dois é bom (Odilon
Lopez, 1971), As aventuras amorosas de um padeiro (Waldir
Onofre, 1976) ou Na boca do mundo (Antonio Pitanga, 1978)? Se
alguns deles foram perdidos, como olhar para seus rastros em
meio às documentações? E por que não, criá-los? Fabulá-los?

Poderíamos deixar de pensar somente no agora e no desejo de


“refutar o passado” — com o intuito de reelaboramos os
procedimentos de investigação e os modos de narrar e fazer ver
os cinemas brasileiros e negros, a partir de perspectivas críticas
não brancas e não eurocêntricas? Documentar e elaborar o
presente só são uma parte do trabalho. Em meio às noções de
tempo que se baseiam na ideia de progresso para impor
destruição naquilo que está por todos os lados, virar as costas a
esses vestígios me soa terrivelmente branco. 

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Cinema de preto (Danddara, 2004)

-4.1

O curta Cinema de preto (Danddara, 2004) conecta o cinema


negro ao Abdias e ao TEN… O intelectual negro é apresentado
no filme como porta-voz da luta antirracista brasileira, que elabora
uma crítica ao passado colonial do país e aponta para uma
necessidade de oposição ao silenciamento e à imagem
estereotipada que rondam os signos da negrura nos campos
artístico e das lutas políticas. Coincidentemente ou não, temas
caros ao cinema negro, né? 

A escolha de inserir fotografias das montagens do TEN no curta


não deve ter sido aleatória. Elas aparecem em conjunção ao texto
enunciado por Abdias, mas ainda como fricção entre imagem
projetada pelo filme e a materialidade de um passado artístico
que ainda pulsa e jorra adubo fortuito para pensar o cinema
negro. Nem deve ter sido ao acaso a escolha de entrar no acervo
de Abdias e deixar a tela ser contaminada pelas cores vibrantes e
os traços escuros das obras de Nascimento, conectadas ao
cotidiano das ruas, dos terreiros e, sobretudo, ao trabalho
protagonizado e ocupado por profissionais negros no cinema.

Como tu diz: pista quente!

-4.2

Vou retomar uma coisa: quando você fala em obsessivo,


reconheço o termo numa ideia de apego, certo? Menos do que
um delírio ou coisa parecida, acredito que há um movimento
contínuo de aproximação historiográfica com o legado produzido
por Zózimo Bulbul, seja em sua produção fílmica, como em seu
projeto cinematográfico. Mas fico pensando: estamos debatendo
seus projetos? Há um risco imanente da cristalização de sua
figura. No entanto, não deveríamos cristalizar nenhum ou

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nenhuma intelectual negra que abriu e se mantém em nossos


caminhos. Uma vez ouvi que desrespeitar essas figuras, no
sentido de tirá-las de um pedestal e chamá-las para a conversa,
seria o melhor que poderíamos fazer para honrar aqueles e
aquelas que vieram antes de nós. E, mais uma vez, isso não é
sobre individualidades. Não é a pessoa Zózimo que estamos
“colocando em xeque”. Confrontá-lo e fazer perguntas a seus
programas e iniciativas pode ser um caminho para construirmos
diálogos e não fecharmos essas proposições em si mesmas.

-5.

“O momento é de transição, de disputa no moldar na mudança.”

Concordo. 

E os seus escritos me fazem pensar em uma coisa: parece que


essas disputas são sempre externas à comunidade, já percebeu?
Só que, na real, nós também disputamos projetos, né? E isso
pode ser bom. Aquilo que comumente chamamos de hegemônico,
que tem cor, raça, gênero, sexualidade e produz a norma, pode
acabar virando um ótimo aparato discursivo para fingirmos que
estamos longe do risco de criarmos nossos próprios embates e
assimetrias, em que as dinâmicas de poder também vibram.

Tenho minhas dúvidas.

-6.

Bom, de fato, somos diferentes. A modernidade produziu essa


diferença e tá aí cumprindo sua função. Mas se estamos falando
de cultura e processos socioculturais, nada do que fazemos é
excepcional, porque pode ser apreendido. Quem disse isso não
fui eu, foi a Leda Maria Martins. E ela continuou: “aquilo que nos
habita como pensamento pode habitar qualquer pessoa”. Ter
intimidade em relação aos nossos saberes não nos confere
nenhum tipo de superpoder. Aposto que as percepções do que é
“nosso” são bem diferentes. Mas como encontrar zonas de
contato entre elas sem nos anularmos, sem omitirmos nossas
infinitas discordâncias? Para senti-las, é preciso botar os
posicionamentos para jogo, desejando que em algum lugar eles
se toquem e se transformem a partir desse encontro.

-6.1

Esse negócio de ser especial é uma merda para quem é negra e


escreve críticas. 

-6.2

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Sobre ser crítica e negra: 

#1: não precisamos ativar a todo momento a primeira voz do


singular nos nossos textos para estarmos implicadas no que
estamos escrevendo. o que era uma questão de posicionalidade,
tornou-se exigência (para nós, negras). e isso não é bom.

#2: não damos conta de tudo e nem temos todas as ferramentas


para ler e discutir sobre filmes (negros). e tá tudo bem. não saber
é o que também possibilita continuar trabalhando.

#3: falar que críticas são “negativas” ou “positivas” é uma redução


terrível, se quisermos ir ao encontro com as obras, habitar a
contradição delas. logo, escrever criticamente sobre filmes de
realizadoras negras não deveria ser um problema e nem deveria
nos tornar brancas (pasmem, já ouvi isso!), quando levantamos o
desejo de não ativar uma sensibilidade contemplativa ou de pura
aderência em relação às obras.

#4: pensar não é coisa de branco, certo? certo.

Amor Maldito (Adélia Sampaio, 1984)

-7.

Se temos um Pater, por que não procurarmos nossa Mater, né?


Adélia Sampaio tá aí, mas o desejo pelo pioneirismo sob qualquer
circunstância (primeira de tal ano, segunda de não sei o que) só
serve para reproduzir competitividade e produzir silêncios
historiográficos. Não que eu tenha apego à flecha do tempo como
categoria para elaborar narrativas, mas a repetição dessa disputa,
com certeza, dispara uma série de problemas em todas as
temporalidades.

O modo capitalista-neoliberal de estar no mundo, além de adorar


um token, ama ver preto “brigando entre si” em busca de
favorecimento individual. Esse tipo de conflito só endossa o não

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reconhecimento da existência de outros movimentos, parcerias,


discursos, projetos, pessoas, questões materiais e entraves que
possibilitaram e cocriaram (des)especificidades para a chegada
de realizadoras e realizadores negros no campo. Ser o primeiro
ou primeira, no final das contas, pouco tem função quando a
gente se propõe a olhar para as coisas de maneira mais
complexa e conjuntural. Que tenhamos conflitos. Mas pela
construção de um terreno onde as oposições nos mobilizem e nos
desloquem de um ponto, ideia ou certeza — que até então
compartilhamos — em direção a um outro lugar.

-7.1

Imagina se a gente descobre que teve um filme realizado por uma


cineasta negra antes da Adélia? Os saberes, tecnologias e
memórias pretos são queimados desde sempre, né? Nada, afinal,
é uma certeza. Mas sempre há um indício que vibra e permanece.
Se isso acontecer, vamos destronar a pioneira da vez? Quando
nos dermos conta de que a linha histórica pós-Adélia que está
sendo elaborada hoje ainda-já está cheia de lacunas… Com
certeza voltaremos a esses escritos e nos perguntaremos, no
mínimo, sobre os danos provocados pelo desejo de escolhermos
narrar essas realizações pela via da excepcionalidade.

-8.

Na edição especial da Filme & Cultura (1983), Grande Otelo faz


um comentário sobre Alma no Olho (Zózimo Bulbul, 1979): “[ele]
fez um [filme] que era a exaltação dele mesmo. De certo modo,
pode até ser um libelo da raça através das imagens, mas como o
Zózimo tem, ou teve, uma imagem de ser um negro bonito, isso
bateu em mim de outro jeito”. 

Parece picuinha, né? E pode ser. Mas olha só: temos aqui a
leitura de um ator negro sobre um curta-metragem de uma
pessoa que, posteriormente, seria considerada como fundamental
para a construção da ideia do cinema negro no Brasil. Não é
qualquer ator. Não é qualquer comentário. O que podemos
investigar a partir dessa imagem projetada por Grande Otelo em
relação ao Zózimo? Como a questão da aparência possibilitava
ou interditava Zózimo dentro do campo cinematográfico? Isso
influiu na realização de seu primeiro filme? De onde parte, por sua
vez, essa “desconfiança” de Grande Otelo, mesmo considerando
o Zózimo, e consequentemente seu filme, como um “libelo da
raça através da imagem”? Quais leituras podemos traçar a partir
daí?

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Zózimo, na mesma revista, comenta sobre o cinema brasileiro e a


representação negra nas telas: “ninguém, a não ser no período do
Cinema Novo, dignou-se a escrever um papel sério para o negro.
(…) O próprio Grande Otelo, um dos nossos melhores atores, é
sempre visto nos piores papéis”.

Como o ator e diretor construiu em sua trajetória essa legitimação


do Cinema Novo? Só por sua participação nos filmes? O que
estava em jogo? E essa afirmação em relação ao Otelo: o que
pode ser entendido como “piores papéis”? É a partir daí que se
estrutura a hierarquia entre as possibilidades representacionais?
Como isso se edificou na época? Como isso impacta nossas
percepções, recepções e leituras sobre os filmes do passado?

Também somos irmãos (José Carlos Burle, 1949)

-8.1

“As designações de ʽrepresentação positivaʽ versus


ʽrepresentação negativaʽ em relação às representações da
pretitude e de pessoas negras podem ser frustrantes. Tomadas
como simples descritores, são categorias limitantes que não nos
permitem acessar a gama completa e complexa de imagens que
circulam nos meios de comunicação, nem permitem a
possibilidade de envolvimento matizado com essas imagens por
parte das pessoas que as consomem. Os usos convencionais de
políticas ʽpositivasʽ e ʽnegativasʽ apoiam políticas de
respeitabilidade e de fechamento de possibilidades de
concepções e desempenhos de identidades multifacetadas. No
pior dos casos, invocar estas categorias sem críticas reforça as
ideologias racistas que utilizam discursos de excepcionalismo
negro para marginalizar ainda mais os comportamentos pretos e

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as pessoas que se desviam das normas brancas, de classe média


e heterossexuais.” [tradução livre] (Racquel Gates, em Double
Negative)

-8.2

O discurso do Zózimo em relação aos papéis de Otelo, além de


ser reducionista, parece fazer parte da rejeição acentuada
cultivada pelos cinemanovistas em relação às chanchadas.

Vamos desconsiderar que, por exemplo, Moleque Tião (José


Carlos Burle, 1943) foi inspirado na biografia de Grande Otelo e
foi protagonizado por ele? E o personagem dele em Também
somos todos irmãos (José Carlos Burle, 1949)? E em Ladrões de
Cinema (Fernando Coni Campos, 1977)?

Num pólo oposto, a gente ignora Compasso de Espera (Antunes


Filho, 1973), ou esse podemos salvar porque o roteiro foi
coescrito com o Zózimo? 

Inclusive, uma pequena observação: curioso o Zózimo ter


escolhido esse filme do Antunes Filho para ser digitalizado em
seu projeto Obras raras do Cinema Negro da década de 70, não?
Estamos fazendo perguntas em relação a isso?

-8.3. 

Quando perguntei, lá em cima, sobre o Grande Otelo, foi


vislumbrando encontrar seu lugar de inventividade no processo
coletivo que é fazer um filme. Se não podemos, simplesmente,
ignorar a autoria daqueles diretores e diretoras que assinam as
obras, por que não podemos provocar um deslocamento no modo
de olhar para esses filmes do passado através da produção
crítica? Descentralizar a figura da autoria dos diretores é escolher
ir em busca de campos de força onde as criações e invenções de
atores, atrizes e outros trabalhadores negros do cinema pulsem e
revelem  sua força criativa e autônoma, nos proporcionando
percorrer pelas coisas que parecem escapar das próprias obras.
É reposicionar nossa sensibilidade para a produção de um gesto
crítico e historiográfico que vai atrás da agência coletiva e autoral
de artistas negros e negras que correm o risco de passarem
desapercebidos, quando decidimos revirar estritamente os olhos
para os cinemas que são lidos como hegemônicos.

-9.

Você citou alguns filmes, como Madame Satã (Karim Ainouz,


2002) e Branco sai, preto fica (Adirley Queirós, 2014), que
evidentemente traçam discussões sobre e elaboram

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performatividades que permeiam o campo cinematográfico negro.


Fico me perguntando, no entanto, que tipo de relação (ou régua,
não sei se é esse o melhor termo) pode ser ativada com esses
filmes dirigidos por diretores brancos que, diante de leituras mais
íntimas, irradiam a luz negra. 

Até porque, desse modo, já entramos em outra pira, né? O quanto


há de “negro” no que é “branco”? Quais filmes “brancos” entram
nessa pretitude? Será considerado negro com quais parâmetros,
entendendo que o substantivo e o adjetivo utilizados aqui têm
conotações de afirmação política e de construção de um lugar
protagonizado por pessoas negras? Será que isso reelaboraria a
deslegitimação e o apagamento de produções negras, já que
outros filmes “dão conta” de certas questões dentro dessa lógica?

[E, aliás, um outro ponto: qual seria o lugar de Vazante (Daniela


Thomas, 2017) nessa discussão?]

-10.

Sabrina Rosa fazer co-direção com Cavi Borges é um problema?


Glenda Nicácio fazer co-direção com Ary Rosa é um problema?
Grace Passô fazer co-direção com Ricardo Alves Jr. é um
problema? Eu, particularmente, acredito que não. 

Acho que, na real, fazer disso um problema constrói coisas que


são bem ruins, pois fica parecendo que: diretoras negras em
codireção com uma pessoa branca não teriam autonomia ou não
participariam com voz ativa nos processos criativos, a ponto de
serem capturadas por essa figura; que dividir o posto de direção
com uma pessoa branca deslegitima a posição de trabalho e a
conquista profissional de uma realizadora negra; que assinar uma
obra com uma pessoa branca retiraria o purismo e a essência
necessários ao filme que será lido como negro.

-11.

Esse binômio (autoria negra x cultura negra) circunda territórios


bastaaaante complexos. No entanto, me parece difícil ignorar os
ruídos negros que ficam em boa parte dos filmes que você
mencionou em sua carta. Ouvir esses sons quase inaudíveis nos
permite construir outros abismos, estremecer certezas. Nada aqui
é sobre preencher lacunas, mas recriar nos territórios quase
vazios e escuros.

Racquel Gates e Michael Gillespie (2017) disseram assim: “a


autoria, por exemplo, embora uma lente óbvia de análise, é uma
linha de investigação muito achatada quando a produção de filme

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11/01/2022 00:04 CARTA A JULIANO GOMES (OU POR UM CINEMA NEGRO QUE SE LANCE AO ABISMO) – Verberenas

e mídia é um processo inerentemente colaborativo. A circulação,


a recepção e as vidas posteriores do filme negro e da mídia são
tudo menos diretas.” [tradução livre]. 

Tudo que é apertado rasga (Fabio Rodrigues Filho, 2019) aparece


como uma pista, né? Ao fazer um remix de cenas de personagens
protagonizados por atores e atrizes negras como Ruth de Souza,
Zezé Motta, Luiza Maranhão, Antônio Pitanga, Zózimo Bulbul,
Grande Otelo, o filme-ensaio escava a filmografia brasileira e nos
convoca ao encontro desses artistas que produziram campos de
forças criativos e irrefreáveis a partir de seus trabalhos na
atuação.

Barravento (Glauber Rocha, 1962)

“O filme é como uma locomotiva… Precisa seguir o seu destino…


Mas… Mas… Mas… Mas… Algo atravessa.”

Se, num primeiro momento, podemos excluir Barravento (Glauber


Rocha, 1962), Sinhá Moça (Tom Payne, 1953), A rainha diaba
(Antonio Carlos da Fontoura, 1974) ou Madame Satã (Karim
Ainouz, 2002) de dentro das discussões sobre o cinema negro
brasileiro pois, de algum modo, esses filmes já têm seu destino, o
jogo da montagem construído por Rodrigues nos leva a repensar
essa falta de desejo em encarar e lidar com essa vasta
filmografia. Quando finalmente tomamos um assento nesses
filmes-locomotivas, o que Fabio Rodrigues Filho faz é deslocar o
lugar da autoria para as performatividades daquelas artistas-
personagens que — por vezes indesejadas, por vezes
construídas para reforçar certos estereótipos e projetos
ideológicos racistas — atravessam os filmes com seu olhar, seu
corpo, sua presença. Não à toa, Fabio escolhe para o filme  uma

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11/01/2022 00:04 CARTA A JULIANO GOMES (OU POR UM CINEMA NEGRO QUE SE LANCE AO ABISMO) – Verberenas

das cenas mais emblemáticas de Sinhá Moça, de quando Ruth de


Souza se movimenta em direção à câmera, encarando e
devolvendo o olhar para quem está em frente à tela. Rasga-se o
quadro, nos conectamos com a inventividade preta e a autonomia
criativa de seu corpo. Aquilo que era acidente, contrariando o que
deveria ser destino, incontornavelmente vibra. E é negro.

-12. 

Não ser vista é também não ser vigiada. (Glenda Nicácio)

-13.

Genialidade tem a ver com excepcionalidade, né? Get out.

-14.

Por quê não reviver os traumas da diáspora? Por quê artistas


negros e negras não podem “reviver”, melhor seria criar, a partir
dos traumas da afro-diáspora? Ou seja, expor as simbologias que
imediatamente associamos a esses traumas, via mise-en-scène’s,
no caso das artes cênicas ou do cinema? Proibição, ou até
melhor, desvinculamento, é muito arte contemporânea branca;
“não pode isso, não pode aquilo, e etc.”.

Artista negro vive para transformar. Ele não vive nem para voltar,
nem para cortar laços. Vive para transformar, dá movimento
histórico, crítico e estético. A gente não rompe laços, por mais
traumáticos que eles sejam. É demais pedir para uma artista
negra ou negro esquecer o que foi, na mesma medida, é demais
instaurar um impedimento estético na diversa produção negra —
por mais que o mercado ou o campo não queiram vê-la como
diversa; mas aí o debate é muito mais complexo, muito mais. 

Artistas negros tendem a reformular o trauma. Talvez, a gente


transmute o trauma e, para isso, as amnésias são
contraproducentes, pois se perde a prática ampla da crítica e do
movimento. Ademais, talvez, essa transmutação do trauma esteja
para além do filme que o retrata (considerando o cinema), mas
para como a pessoa vai se relacionar com aquela obra, o que ela
produzirá em relação com aquela poética e, com efeito, com o
que transborda, involuntariamente, da poética, da artista negra ou
negro. (Diego Araúja)

-15.

A mão sabe!

-16. 

https://www.verberenas.com/article/carta-a-juliano-gomes-ou-por-um-cinema-negro-que-se-lance-ao-abismo/ 16/18
11/01/2022 00:04 CARTA A JULIANO GOMES (OU POR UM CINEMA NEGRO QUE SE LANCE AO ABISMO) – Verberenas

Em um texto (https://negritudeinfinita.com/livroocinemaenegro/)
recém publicado, a cineasta Danddara apontou: “o fato de que, no
Brasil, as poucas reações (nenhuma até hoje escrita) ao meu
primeiro filme [Gurufim da Mangueira] foram desqualificações a
aspectos formais da obra, ou à minha performance como criadora
pioneira de um cinema autorreferenciado autoral, em nada
diminuiu a relevância da realização. Mas eu estava ansiosa para
discutir autoimagem e a autorrepresentação da mulher negra no
cinema brasileiro… e tudo que ouvi, além desses muxoxos de
alguns incomodados, foi silêncio”.

Me preocupo com os silêncios que continuam a ecoar. Não


reivindico aqui uma crítica afrocentrada, que demande uma
gramática específica (ancestralidade, lugar de fala,
empoderamento, etc) para o encontro com a produção
audiovisual negra. Não precisamos reelaborar cativeiros
linguísticos, afinal a língua por si só já tem um pouco disso.
Conversar, escutar, argumentar e construir pensamentos em torno
dos filmes deveria ser mais um ganho do que um fardo. 

De um lado, temos um conjunto de obras que é ignorado ou


preterido e, do outro, uma série de produções que foi legitimada
pela audiência, mas seguem com poucas análises ou mediações
críticas que abram mão de enquadrá-los na celebração da
visibilidade e da representatividade. Que tal nos reaproximarmos
de Kbela (Yasmin Thayná, 2015), Negrum3 (Diego Paulino, 2018),
Pattaki (Everlane Moraes, 2018) e Perifericu (Rosa Caldeira, Vita
Pereira, Nay Mendl e Stheffany Fernanda, 2020), por exemplo?
Quais são as estratégias desses filmes? Quais são suas
matérias? Para onde eles apontam? Quais são as elaborações
formais que produzem seus discursos? 

Convocar essas possibilidades de leitura não é abrir mão de sua


recepção e do seu impacto no mundo, mas um gesto possível de
ampliar as formas de ver e pensar o cinema negro.

Bom, acho que essa carta ficou bem longa, hein? Mas, espero
que minhas palavras tenham te chegado bem.

Beijo,

Lorenna.

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restos-conversa-com-anita-leandro-sobre-retratos-de-identificacao/)
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olhar-notas-sobre-o-cinema-do-cotidiano-e-educacao/)

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