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2. Agosto de 2020. Lanço meu terceiro longa, intitulado ‘Passou’, no Festival Ecrã, a
convite do curador Pedro Tavares. Como é frequente na minha obra até aqui. O filme
é uma meditação muito pausada e delicada sobre o amor, e o fim deste, e
acompanha um trio de personagens masculinos se enredando num triângulo
amoroso noite adentro, e anos afora, num apartamento no centro do Recife. Quando
do lançamento, o colega cineasta e pesquisador André Antônio fez um comentário
que pareceu me esclarecer muitos dos incômodos que eu tinha com a recepção da
minha obra. Entre outras coisas ele dizia: “O cinema de Felipe André Silva é um
caso particular no Brasil. Assim como em "Santa Monica", os personagens para os
quais o realizador volta sua câmera aqui são jovens artistas de classe média, ou que
querem ser artistas, ou que se interessam por literatura, teatro e cinema - ou que
poderiam ser descritos pejorativamente com o termo "hipsters". Há um
estranhamento na recepção desses filmes dentro de um circuito onde é a classe
média branca hipster que, num fetiche frequente sobre "filmar o outro", só volta sua
câmera para sujeitos em situação de fragilidade social e para os temas "urgentes e
necessários". Apenas por ter invertido esse eixo exatamente em 180º, os filmes de
Felipe André criam um nó digno de interesse na teia de obviedades do cinema
brasileiro contemporâneo.”
3. Fevereiro de 2019. Chega até mim o link de um curta chamado Mamata, datado de
2017 e dirigido pelo realizador pelo baiano Marcus Curvelo, que eu não havia
assistido ainda, apesar de termos compartilhado uma sessão num festival. O filme,
assim como boa parte da obra de Marcus, é uma sátira política que remete tanto à
comicidade física de Tati ou Étaix, quanto à urgência de Petri, ou Godard em seu
período mais obviamente ativista. Na trama, o fracassado Joder (interpretado pelo
cineasta e seu alter ego constante), se vê embrenhado no pântano da produção
audiovisual para campanhas políticas ao precisar de dinheiro urgente para sair do
país. Talvez o mais significativo exemplar da bela carreira de Curvelo, Mamata é
também um corpo estranho no que diz respeito à produção do dito ‘cinema político’
brasileiro, um dos poucos que abraçam o mote que diz “se não posso debochar, não
é minha revolução.” Me encanto em especial por uma imagem do protagonista
caindo e rolando uma escadaria em Brasília. É engraçado. Por vezes é o que resta e
isso basta.