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Olá a todos.

Utilizarei esta ferramenta para compartilhar ideias que não serão


possíveis de serem desenvolvidas durante as aulas. Seguem, abaixo, dois trechos do
livro A sociedade contra o Estado(CosacNaify), de Pierre Clastres, que têm relação
direta com algumas ideias de D&G expostas na aula 1. No primeiro trecho, Clastres
fala sobre a hipótese de um germe do Estado por meio do discurso dos profetas (a
dominação dos profetas pela palavra como comando, como Clastres diz, talvez pode
nos levar a uma melhor compreensão do que D&G dizem com relação à
sobrecodificação despótica que ocorre por meio da semiótica significante, ou seja, por
meio de uma "vontade do déspota ou de Deus" que se exprime pela escrita e que é
tornada conhecida pela interpretação sacerdotal). Já no segundo trecho que
selecionei, Clastres fala sobre os rituais de crueldade. Por fim, recomendo este ótimo
vídeo do Jean Rouch sobre um ritual de crueldade na África: https://goo.gl/1awlun
Amauri

De um lado os chefes; do outro, e contra eles os profetas: tal é, traçado segundo suas
linhas essenciais, o quadro da sociedade tupi-guarani no final do século XV. E a
"máquina" profética funcionava perfeitamente bem, uma vez que os karai eram
capazes de se fazer seguir por massas surpreendentes de índios fanatizados,
diríamos hoje, pela palavra desses homens, a ponto de acompanhá-los até na morte.
O que quer isso dizer? Os profetas, armados apenas de seus logos, podiam
determinar uma "mobilização" dos índios, podiam realizar esta coisa impossível na
sociedade primitiva: unificar na migração religiosa a diversidade múltipla das tribos.
Eles conseguiram realizar, de um só golpe, o "programa" dos chefes! Armadilha da
história? Fatalidade que apesar de tudo consagra a própria sociedade primitiva à
dependência? Não se sabe. Mas, em todo o mais poder do que os segundos
detinham. Então talvez seja preciso retificar a idéia da palavra como oposto da
violência. Se o chefe selvagem é obrigado a um dever de palavra inocente, a
sociedade primitiva pode também, evidentemente em condições determinadas, se
voltar para a escuta de uma outra palavra, esquecendo que essa palavra é dita como
um comando: é a palavra profética. No discurso dos profetas jaz talvez em germe o
discurso do poder, e sob os traços exaltados do condutor de homens que diz o desejo
dos homens se dissimula talvez a figura silenciosa do Déspota. Palavra profética,
poder dessa palavra: teríamos nela o lugar originário do poder, o começo do Estado
no Verbo? Profetas conquistadores das almas antes de serem senhores dos homens?
Talvez. Mas, mesmo na experiência extrema do profetismo (porque sem dúvida a
sociedade tupi-guarani tinha atingido, por razões demográficas ou outras, os limites
extremos que determinam uma sociedade como sociedade primitiva), o que os
selvagens nos mostram é o esforço permanente para impedir os chefes de serem
chefes e a recusa da unificação; é o trabalho de conjuração do Um, do Estado. A
história dos povos que têm um história é, diz-se, a história da luta de classes. A
história dos povos sem história é, dir-se-á como ao menos tanta verdade, a história da
sua luta contra o Estado. (p. 233 e 234)

De uma tribo a outra, de uma a outra região, diferem as técnicas, os meios, os objetivos
explicitamente afirmados da crueldade; mas a meta é sempre a mesma: provocar o sofrimento.
Entretanto, depois da iniciação, já esquecido todo o sofrimento, ainda subsiste algo, um saldo
irrevogável, os sulcos deixados no corpo pela operação executada pela faca ou a pedra, as
cicatrizes das feridas recebidas. Um homem iniciado é um homem marcado. O objetivo da iniciação,
em seu momento de tortura é marcar o corpo: no ritual iniciático, a sociedade imprime a sua marca
no corpo dos jovens. Ora, uma cicatriz, um sulco, uma marca são sempre indeléveis... A marca é um
obstáculo ao esquecimento, o próprio corpo traz impressos em si os sulcos da lembrança – o corpo
é uma memória. Pois o problema é não perder a memória do segredo confiado pela tribo, a memória
desse saber de que doravante são depositários os jovens iniciados. Que sabem agora o jovem
caçador guayaki, o jovem guerreiro mandan? A marca proclama com segurança o seu
pertencimento ao grupo: ‘És um dos nossos e não te esquecerás disso’. (p. 199 e 201).
Ainda sobre a relação entre as ideias de Pierre Clastres e de D&G: destaquei abaixo
um trecho do Mil Platôs, onde D&G vão além da hipótese de um "nascimento do
Estado" (hipótese, de certo modo, aceita por eles mesmos no livro O Anti-Édipo),
sublinhando a diferença entre a teoria deles e a de Clastres:

Clastres é fascinado pelo problema de uma "servidão voluntária", à maneira de La


Boétie: como foi que pessoas quiseram ou desejaram uma servidão, que certamente
não lhes vinha de um desfecho de guerra involuntário e infeliz? Contudo, eles
dispunham de mecanismos contra o Estado: então, por que e como o Estado? Por que
o Estado triunfou? Pierre Clastres, à força de aprofundar esse problema, parecia
privar-se dos meios para resolvê-lo. Tendia a fazer das sociedades primitivas uma
hipóstase, uma entidade auto-suficiente (insistia muito nesse ponto). Convertia a
exterioridade formal em independência real. Dessa forma, continuava sendo
evolucionista, e pressupunha um estado de natureza. […] Existe um velho esquema:
"dos clãs aos impérios", ou "dos bandos aos reinos"... Porém, nada garante que haja
uma evolução nesse sentido, visto que os bandos e os clãs não são menos
organizados que os reinos-impérios. Ora, não se romperá com essa hipótese de
evolução aprofundando o corte entre ambos os termos, isto é, dando uma
autosuficiência aos bandos e um surgimento tanto mais milagroso ou monstruoso ao
Estado. É preciso dizer que o Estado sempre existiu, e muito perfeito, muito formado.
Quanto mais os arqueólogos fazem descobertas, mais descobrem impérios. […] Mal
conseguimos imaginar sociedades primitivas que não tenham tido contato com
Estados imperiais, na periferia ou em zonas mal controladas. Porém, o mais
importante é a hipótese inversa: que o Estado ele mesmo sempre esteve em relação
com um fora, e não é pensável independentemente dessa relação. A lei do Estado não
é a do Tudo ou Nada (sociedades com Estado ou sociedades contra o Estado), mas a
do interior e do exterior. O Estado é a soberania. No entanto, a soberania só reina
sobre aquilo que ela é capaz de interiorizar, de apropriar-se localmente. (Mil Platôs,
vol. 5, p. 22 e 23)

- Agenciamentos:
"Projeto de pesquisa audiovisual de Angela Melitopoulos e Maurizio Lazzarato,
"Agenciamentos" faz um passeio esquizofrênico pelas novas formulações propostas por Félix
Guattari para se pensar os sujeitos, as sociedades e as subjetividades. Dividido em quatro
partes, o projeto traz imagens raras de Félix Guattari na famosa clínica de La Borde (local de
experimento polifônico da prática da esquizoanálise), além de trechos de filmes, entrevistas e
imagens de diversos tipos de sujeitos: árvores, rios, pedras, um mendigo no centro da cidade
etc, - nada escapa ao olhar sensível e articulador de agenciamentos de Melitopoulos e
Lazzarato. "Agenciamentos" é um convite à filosofia subversiva e transformadora nas costuras
erráticas das linhas de fuga criadoras."

Para uma melhor compreensão das ideias expostas na aula 1, recomendo muito a
leitura, logo abaixo, do trecho inicial de uma importante aula de Deleuze sobre a
axiomatização capitalista. Portanto, serve como um bom resumo da nossa primeira
aula. 

Para quem quiser pesquisar mais sobre o conteúdo dos dois tomos do Capitalismo e
esquizofrenia (O anti-Édipo e Mil Platôs), seguem, em anexo, várias aulas transcritas
de Deleuze que foram traduzidas para o espanhol.
Amauri

O que acontece com o corpo de uma sociedade? São sempre fluxos, e uma pessoa é
sempre um corte de fluxo. Uma pessoa é sempre um ponto de partida para uma
produção de fluxo, um ponto de chegada para uma recepção de um fluxo, um fluxo de
qualquer tipo; ou, melhor ainda, uma intercepção de vários fluxos.

Se uma pessoa tem cabelo, esse cabelo pode atravessar diversas etapas: o penteado
de uma garota não é o mesmo que o de uma mulher casada, não é o mesmo que o de
uma viúva: há todo um código do penteado. Uma pessoa, na medida em que faz seu
penteado, apresenta-se tipicamente como uma interceptora em relação a fluxos de
cabelo que ultrapassam o seu caso e esses fluxos de cabelo são, eles mesmos
códigos segundo códigos muito diferentes: o código da viúva, código da garota, código
da mulher casada, etc. Este é finalmente o problema essencial da codificação e da
territorialização, que é o de sempre codificar fluxos assim, como um meio fundamental:
marcar as pessoas (porque as pessoas estão sempre na intercepção e no corte de
fluxos, elas existem nos pontos de corte dos fluxos).

Mas então, mais do que marcar as pessoas – marcar as pessoas é o meio aparente -,
sua função mais profunda, a saber: uma sociedade só tem medo de uma coisa: o
dilúvio; ela não tem medo do vazio, ela não tem medo da penúria ou escassez. Sobre
ela, sobre seu corpo social, algo vaza e nós não sabemos o que é, algo flue que não é
codificado, algo que, em relação a essa sociedade aparece como incodificável. Algo
que fluiria e que arrastaria essa sociedade a uma espécie de desterritorialização que
faria a terra sobre a qual ela se instala dissolver-se: pois bem, esta é a tragédia.
Encontramos algo que se esfacela e não sabemos o que é, não responde a código
algum, rompe o campo sob esses códigos; e isto vale, a esse respeito, até mesmo
para o capitalismo que sempre acreditou ter assegurado seus simili-códigos; é isto que
designamos como o famoso poder de recuperação dentro do capitalismo – quando
dizemos recupera queremos dizer: a cada vez que lhe parece escapar, parece passar
por baixo desses simili-códigos; ele retampona tudo, e acrescenta um axioma a mais e
a máquina inicia-se novamente. Pense no capitalismo no século XIX: ele vê brotar um
pólo de fluxo que é, literalmente, o fluxo, o fluxo dos trabalhadores, o fluxo do
proletariado. Bem, o que é que brota, que brota maldosamente e que arrasta a nossa
terra, para onde vai? Os pensadores do século XIX têm uma reação muito estranha,
notavelmente os da escola histórica francesa: é a primeira a ter pensado, no século
XIX, em termos de classes, foram eles que inventaram a noção teórica de classes e
inventam-na justamente como uma peça essencial do código capitalista, a saber: a
legitimidade do capitalismo vem disso: a vitória da classe burguesa como classe
oposta à aristocracia.

O sistema que aparece em Saint-Simon, A.Thierry, E. Quinet é a tomada de


consciência radical da burguesia como classe e toda a história, eles a interpretam
como a luta de classes. Não é Marx quem inventa a compreensão da história como
luta de classes, é a escola histórica burguesa do século XIX: 1789, sim, é a luta de
classes, eles se encontram tomados de cegueira à medida em que vêem fluir na
superfície atual do corpo social este fluxo esquisito que eles não conhecem: o fluxo
proletário.

A idéia de que isto seja uma classe não é possível, não se trata de uma neste
momento: o dia em que o capitalismo não pôde mais negar o proletariado como
classe, coincide com o movimento onde, na sua cabeça, ele encontrou um momento
para codificar tudo isso. Isto que nós chamamos de potência de recuperação do
capitalismo, que é isso?
É que ele dispõe de uma espécie de axiomática e, à medida em que ele dispõe de
algo de novo que ele não conhece, é como para toda axiomática, é uma axiomática
que, no limite, não é saturada: ele está sempre pronto para adicionar um axioma a
mais para restaurar sua marcha. Quando o capitalismo não pôde mais negar que o
proletariado era uma classe, de modo que ele reconhece uma espécie de bipolaridade
de classe, sob a influência das lutas operárias do século XIX, e sob a influência da
revolução, este momento é extraordinariamente ambíguo já que é um momento
importante na luta revolucionária mas é um momento essencial da recuperação
capitalista. Eu te faço mais um axioma, te faço axiomas para a classe operária e para
a potência sindical que a representa, e a maquina capitalista chia e reinicia-se, ela
selou a brecha. Em outros termos, para todos os corpos de uma sociedade, o
essencial é impedir que escorram sobre ela, sobre suas costas, sobre seu corpo,
fluxos que ela poderá codificar e aos quais ela não poderá assinalar uma
territorialidade.

A falta, a penúria, a fome, uma sociedade, ela pode codificá-los. O que ela não pode
codificar é quando essa coisa aparece, aonde ela se diz: quem são esses caras aí?
Então, em um primeiro momento, o aparelho repressivo se põe em movimento, se não
os pode codificar, tenta-se aniquilá-los. Em um segundo tempo, tenta-se encontrar
novos axiomas que permitam recodificá-los por bem ou por mal.

Um corpo social se define bem assim: perpetuamente coisas, fluxos que correm por
cima dele, fluxos correm de um pólo a outro e isto é perpetuamente codificado e há
fluxos que escapam aos códigos, então há o esforço social para recuperar tudo aí,
para axiomatizar tudo isso, para remanejar um pouco o código, afim de dar lugar aos
fluxos que são tão perigosos: de repente, há jovens que não respondem mais ao
código: eles se metem a ter um fluxo de cabelo que não estava previsto, que vamos
fazer? Tentaremos recodificar isto, acrescentaremos um axioma, tentaremos
recuperar, ou será que há alguma coisa aí que continua a não se deixar codificar, e
aí?

Em outras palavras, é o ato fundamental da sociedade: codificar os fluxos e tratar


como um inimigo esse que, com relação a ela, apresenta-se como um fluxo
incodificável porque, mais uma vez, questiona todo o chão, todo o corpo desta
sociedade.

Diria isto de todas as sociedades, salvo, talvez, da nossa, isto é, do capitalismo: ainda
que tenha acabado de falar do capitalismo como se, como todas as outras sociedades,
ele codificasse os fluxos e não tivesse outros problemas, mas talvez tenha ido muito
rápido.

Há um paradoxo fundamental do capitalismo como formação social: se é verdade que


o terror de todas as outras formações sociais tenha sido os fluxos decodificados, o
capitalismo, ele se constituiu historicamente sobre algo incrível, a saber, o que era o
terror para as outras sociedades: a existência e a realidade de fluxos decodificados, e
fez deles assunto seu.

Se fosse verdade, isso explicaria que o capitalismo é o universal de toda sociedade,


num sentido muito preciso: em um sentido negativo, seria o que todas as sociedades
temeram acima de tudo, e temos a impressão que, historicamente, o capitalismo... de
uma certa maneira, é o que toda formação social não cessou de tentar conjurar, não
cessou de tentar evitar, por quê? Porque era a ruína de todas as outras formas
sociais. E o paradoxo do capitalismo é que uma formação social se constituiu sobre a
base do que era o negativo de todas as outras. Isso quer dizer que o capitalismo só
pôde se constituir sobre uma conjunção, um encontro entre fluxos decodificados de
qualquer natureza. O que era o mais temido de todas as formações sociais, foi a base
de uma formação social que devia engolir todas as outras: o que era o negativo de
todas as formações tornou-se a positividade mesma de nossa formação, e isso é
estremecedor.

E, em que sentido o capitalismo se constituiu sobre a conjunção de fluxos


descodificados? Ele precisou de extraordinários encontros ao fim de processos de
toda natureza, que se formaram no declínio do feudalismo. Essas decodificações de
toda natureza consistiram na decodificação de fluxos característicos, sob a forma da
constituição de grandes propriedades privadas; decodificação de fluxos monetários,
sob a forma do desenvolvimento da fortuna mercantil; decodificação de um fluxo de
trabalhadores sob a forma da expropriação, da desterritorialização de servos e de
pequenos camponeses. E isso não basta pois, se tomarmos o exemplo de Roma, a
decodificação na Roma decadente, ela aparece plenamente: decodificação de fluxos
de propriedades sob a forma de grandes propriedades privadas; decodificação de
fluxos monetários, sob a forma de grandes fortunas privadas; decodificação dos
trabalhadores com a formação de um subproletariado urbano: está tudo aí, quase
tudo. Os elementos do capitalismo encontram-se reunidos, simplesmente, não há
encontro.

O que faltou para que se realizasse o encontro entre os fluxos decodificados do capital
ou do dinheiro e os fluxos decodificados dos trabalhadores para que se realizasse o
encontro entre o fluxo de capital nascente e o fluxo de mão-de-obra desterritorializada,
literalmente, o fluxo de dinheiro decodificado e o fluxo de trabalhadores
desterritorializados? Com efeito, a maneira como o dinheiro se decodifica para tornar-
se capital-dinheiro e a maneira como o trabalhador é arrancado da terra para tornar-se
proprietário de sua mera força de trabalho; estes são dois processos totalmente
independentes um do outro, é necessário que haja um encontro entre os dois.

Com efeito, o processo de decodificação do dinheiro para formar um capital se faz


através das formas embrionárias do capital comercial e do capital bancário; o fluxo do
trabalho, livre possuidor de sua mera força de trabalho, se faz através de toda uma
outra linha que é a desterritorialização do trabalhador ao final do feudalismo e esses
poderiam muito bem não terem se encontrado. Uma conjunção de fluxos
decodificados e desterritorializados, é isso que está na base do capitalismo. O
capitalismo se constitui sobre a falência de todos os códigos e territorialidades sociais
pré-existentes.

Se o admitimos, o que é que isso representa? A máquina capitalista é propriamente


demente. Uma máquina social que funciona a base de fluxos decodificados,
desterritorializados. Mais uma vez, não é que as sociedades não tenham tido a idéia:
eles tiveram a idéia sob a forma de pânico, e se tratava de impedi-lo – era a inversão
de todos os códigos sociais conhecidos até o momento – então, uma sociedade se
constituiu sobre o negativo de todas as sociedades pré-existentes, como ela pode
funcionar? Uma sociedade à qual lhe é próprio decodificar e desterritorializar todos os
fluxos: fluxo de produção, fluxo de consumo, como isso pode funcionar, sob que
forma? Talvez o capitalismo tenha outros procedimentos diferentes que não a
codificação para funcionar, talvez seja completamente diferente. O que eu tenho
procurado até agora foi refundar, em certo nível, o problema da relação
CAPITALISMO-ESQUIZOFRENIA e a fundação de sua relação se encontra em algo
comum entre o capitalismo e a esquizofrenia: o que eles têm completamente em
comum – e talvez seja uma comunhão que nunca se realiza, que não toma uma figura
concreta – é a comunhão de um princípio todavia abstrato, a saber: tanto um como o
outro não cessam de fazer passar, de emitir, de interceptar, de concentrar os fluxos
decodificados e desterritorializados.
Essa é sua profunda identidade, e não é no nível do modo de vida que o capitalismo
nos torna esquizos, é no nível do processo econômico: tudo isso só funciona por um
sistema de conjunção, então digamos a palavra, sob a condição de aceitar que essa
palavra implica numa verdadeira diferença de natureza com os códigos. É o
capitalismo que funciona como uma axiomática, uma axiomática dos fluxos
decodificados. Todas as outras formações sociais funcionaram sobre a base de uma
codificação e de uma territorialização de fluxos e entre a máquina capitalista – que faz
uma axiomática de fluxos decodificados enquanto tais, ou desterritorializados
enquanto tais - e as outras formações sociais, há realmente uma diferença de
natureza que faz com que o capitalismo seja o negativo de todas as sociedades. Ora,
o esquizo, à sua maneira, com seu caminhar tropeçante, faz a mesma coisa. Em um
sentido, é mais capitalista que o capitalista, mais proleta que o proleta [N.T.: prolo, no
original em francês], decodifica, desterritorializa os fluxos, e aí se amarra a espécie de
identidade de natureza do capitalismo e do esquizo.

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