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Revista

Bayynat
A revista da Religião Islâmica
Ramadã / Shawal / Zul Qa’ada 1428 (A.H.) - Outubro / Novembro 2007 (A.D.) - Número 0 / Ano 1

A moderação da
personalidade
islâmica
E mais...
Conceitos Culturais
A história do Islã
O significado de DIN
As leis islâmicas
Objetivos do Jejum
Curiosidades
Entrevista inédita:
“O Islã me deu uma
nova vida”

Exegese do Alcorão
Sagrado - Parte I Revista Evidências - 1
Revista Evidências - 2
Caro Leitor
Em Nome de Allah, o Clemente, o Misericordioso

É
com muita alegria que apresentamos ao público a Revista Evidências. Pretendemos, com este
primeiro número, iniciar uma jornada que siga rumo ao conhecimento. Sabemos que o Islamis-
mo é um assunto que desperta grande – e cada vez maior – interesse entre as pessoas. Afinal de
contas, diariamente, inúmeras informações envolvendo a Religião Islâmica e os muçulmanos chegam
até nós por meio da televisão, jornais, revistas e rádios. Infelizmente, muitas delas são distorcidas,
consciente ou inconscientemente, o que acaba por criar uma imagem, em geral, falsa. No limite, este
mau uso da informação termina por suscitar uma visão preconceituosa a respeito do Islamismo e seus
seguidores, um comportamento condenável denominado “Islamofobia”.
Com “Evidências”, procuramos trazer ao público leitor informações preciosas sobre a história,
os preceitos e as práticas islâmicas, informações estas que geralmente são sonegadas ou ignoradas
pela mídia. Nosso objetivo é mostrar uma imagem mais diversificada e plural do Islamismo, fugindo do
lugar comum do noticiário cotidiano, em que ele é, invariavelmente, ligado à intolerância e violência.
Pois o Islamismo é exatamente o contrário disso tudo: uma religião que prega o entendimento, a paz e
o direito dos indivíduos e dos povos.
Para nós, que vivemos num país de colonização ibérica, o Islamismo tem um atrativo especial:
nossa cultura brasileira, herdeira da tradição portuguesa – que junto da cultura negra e indígena for-
mou este povo rico, criativo, talentoso e inteligente – traz aos dias atuais elementos árabes e islâmicos.
Esta herança deita suas raízes 13 séculos atrás, quando árabes muçulmanos – os “mouros” – entraram
na Península Ibérica, onde permaneceram por oito séculos. Ali, estabeleceram convivência com as
populações autóctones, o que resultou numa constante e enriquecedora troca cultural. Os topônimos
de Portugal e Espanha e nosso idioma português, em que pontuam milhares de vocábulos de origem
árabe, são exemplos vivos disso.
Neste número inaugural de “Evidências”, o leitor encontrará uma interessante entrevista com
uma muçulmana brasileira, Francielli Morez, que comprova que o Islamismo é uma religião aberta a
todos. Bacharel em Direito, catarinense, de ascendência italiana, ela encontrou no Islamismo a verdade
que há muito tempo procurava. Nesta edição trazemos, ainda, informações sobre o tratamento huma-
nista dado pelo Islamismo às mulheres, além de conceitos sobre pilares da Religião Islâmica como o
Jejum, exegese de versículos do Alcorão Sagrado, dados sobre personalidades islâmicas, notícias e
curiosidades, entre outros assuntos.
Por fim, gostaríamos de dizer aos nossos leitores que “Evidências” é um canal aberto de comuni-
cação, uma via de duas mãos. Esperamos que o público se sinta livre para entrar em contato conosco
para criticar, sugerir e, por que não, elogiar. O espaço é seu, também.

E que a paz esteja convosco!

O Editor
Expediente
EVIDÊNCIAS
“Bayynat”

“Em Nome de Allah, o Clemente, o Misericordioso”

“Enviamos os Nossos mensageiros com as evidências e enviamos, com eles, o Livro e a balança, para que
os humanos observem a justiça.” Alcorão Sagrado (57:25)

Revista Islâmica
Publicação Bimestral
Ramadã / Shawal / Zul Qa’ada / 1428 (A.H.) – Outubro / Novembro 2007 (A.D.)
Número 1; Ano 1

Direção Geral: Tradução:


Al-Sayyed Sharif Sayyed Samir El Hayek – Matemático e Físico pela
Teólogo e Pesquisador em Pensamento Islâmico UNISA

Reportagem, Redação e Edição:


Profº Omar Nasser Filho, jornalista, eco- Profº Jamil Ibrahim Iskandar, Filósofo, Pós-
nomista, Mestre em História pela Univer- doutor em Filosofia pela Universidade Com-
sidade Federal do Paraná. plutense de Madri.

Jornalista responsável: Diagramação: Designer Gráfico:


Omar Nasser Filho Editora Flamboyant Ltda. Regina Castilho
MTB - 26164 Tel.: (11) 3095-4000

Os artigos publicados em “Evidências” não refletem, necessariamente, a opinião da revista. Esta publicação pode ser
adquirida nas livrarias, revistarias ou na internet, pelo e-mail: evidencias_islamica@hotmail.com Contato: E-mail: evi-
dencias_islamica@hotmail.com; o-nasser@ig.com.br. Fones: (11) 3329-9200, 8660-4440, 7725-8880, (41) 8444-8284
ou 9995-9634.

NOTA EXPLICATIVA: Ao longo dos textos de “Evidências”, o leitor encontrará algumas siglas e sinais particulares, os
quais explicamos a seguir: Após a menção ao nome do Profeta Muhammad, segue-se uma letra “S” entre parêntesis. Esta
é a abreviatura da expressão arábe: “Salla allahu aleihi wa álihi wa sallam”, ou, traduzindo: “Deus o abençoe e lhe dê
paz, bem como à sua Família”. Quando é citado o nome de um outro Profeta ou de um Ma’asum (isto é, pessoa imacula-
da), segue-se a sigla (A.S.), que significa: “aleihi salam” (A paz esteja com ele); “aleiha salam” (A paz esteja com ela);
ou “aleihem salam” (A paz esteja com eles). Outra sigla utilizada é (R.A.), que significa “radi’allah an-hu (an-ha)”, ou
“Deus esteja satisfeito com ele (ela)”.
Sumário

28
A História do Islã - Parte I

04 Editorial

06 Exegese do Alcorão Sagrado - Parte I

14 Conceitos Culturais - Parte I

22 O que é o Islã?

36 O que significa “DIN”?

42 No âmbito das Leis Islâmicas

68 44
46
Exemplo sobre a equidade do Islã para com
a mulher
Por que pesquisamos e refletimos sobre o
criador do universo?

Entrevista 48 Os objetivos do Jejum no Islã

inédita: “O Islã
me deu uma 52 Artigo: O Islã além das manchetes

nova vida”
54 A moderação da personalidade islâmica

58 Líder mulçumano elogia iniciativa do clero


francês

60
73
Boa Guia: Imam Ali, o Príncipe dos
Crentes (a.s.)

74 Curiosidades e exemplos

Exaltação e 76 Umma Islamiya

felicitação do
irmão Ahmad
77 Perguntas e respostas

80
Publicação
Árif Abdel Latif
Editorial
No Início... a Palavra transubstancia no coração palpitante e o co-
ração que, por sua vez, se transubstancia na

U
ma letra… letras que se encontram mente que pensa, faz desaparecer os limites en-
para formar palavras. Palavras, fra- tre o pensamento e o sentimento, para adiante,
ses… palavras… pensamento. Doutri- mesclarem-se, transformando o projeto do ho-
nas que se encontram, separam-se, emendam- mem em homem completo, libertando-o de sua
se, antagonizam-se, conciliam-se, dialogam, ignorância com a ciência e a aprendizagem, da
para tornar-se vida em todas as suas cores e injustiça com a inteligência e purificação.
formas. Unem-se, complementam-se, unificam- Assim, a marcha da formação do homem
se, diluem-se no dever da existência, fazendo segue e manifestam-se, nela, os significados da
desaparecer o limitado no Ilimitado, diluindo o complementação do relativo para a perfeição
relativo no Absoluto. do obrigatório absoluto.
O possível nada no oceano do obrigatoria- Para que tenha vida e não seja estática, a
mente Eterno, mas não é uma diluição nem um palavra deve ser livre, uma vez que liberdade é
fim que transforma a existência em nada; é o vida e servidão é morte, a menos que a servi-
fim em que se verifica a realidade da existência, dão seja a Deus, Uno e Único, sem parceiros e
porque é a diluição do débil na sua debilida- associados, Que deve ser servido, por ser res-
de, do causado pelo Causador, do existente no ponsável por todos. A palavra construtiva e boa
Criador, pois a origem da existência não é a não é apenas livre, mas é livre e responsável.
matéria ou a energia, mas a palavra, a palavra: Mesmo que sejam diferentes os leitores,
“Sê!” (1) com responsabilidade e liberdade cada um se
Dessa forma, a existência combina-se e inspira em suas palavras. O importante é a in-
complementa-se com a letra, com a palavra, tegridade do ser livre, sem que tenha obrigação
com a frase, com o pensamento, com o espí- e necessidade do acerto inexorável.
rito que o Criador insuflou (2) no pó, depois Certamente, a retidão é da responsabilida-
de plasmá-lo como ser humano e torna-lo le- de do temor. “Óh, crentes, temei a Allah e di-
gatário na terra (3), para obedecer Quem o zei palavras apropriadas” (Alcorão Sagrado,
designou no céu. 33:70). O temor nada mais é do que a humani-
No dia em que o plasmou e o alentou com zação, ou a confirmação do homem quanto ao
Seu Espírito, ensinou ao homem o que este não seu próprio humanismo.
sabia (4); instruiu-o como apreciar a beleza e Com liberdade e responsabilidade a pa-
criar algo semelhante, reunindo a beleza da lavra torna-se boa, amigável, confortante:
forma que alegra o coração à beleza do implí- “Uma boa palavra é como uma árvore no-
cito, que humaniza a mente. A mente, que se bre, cuja raiz está profundamente firme, e

1 - “O exemplo de Jesus, ante Allah, é idêntico ao de Adão, que Ele criou do pó; então lhe disse: Seja! e foi.” (Alcorão Sagrado, 3:59)
2 - “Quando o tiver plasmado e alentado com o Meu Espírito, prostrai-vos ante ele.” (Alcorão Sagrado, 38:72).
3 - “(Recorda-te, ó Profeta) de quando teu Senhor disse aos anjos: Vou instituir um legatário na terra! Perguntaram-Lhe: Estabelecerás nela quem ali fará cor-
rupção, derramando sangue, enquanto nós celebramos Teus louvores, glorificando-Te? Disse (o Senhor): Eu sei o que vós ignorais.” (Alcorão Sagrado, 2:30)
4 - “Ele ensinou a Adão os nomes (de todas as coisas) e depois apresentou-os aos anjos e lhes falou: Nomeai-os para Mim se estiverdes certos.” (Alcorão
Sagrado, 2:30).

6 - Revista Evidências
cujos ramos se elevam até ao céu” (Alcorão Daí porque a palavra “Bayynat” (em ára-
Sagrado, 14:24). be: evidências, provas, argumentos, esclareci-
O Alcorão Sagrado determina o valor da mentos, explanações, declarações) foi utiliza-
palavra e mostra os seus objetivos, traçando o da para dar nome a esta revista que tendes em
caminho com clareza à nossa frente para que mãos. Foi escolhida das palavras do Alcorão
a palavra não se transforme em instrumento Sagrado, que foi revelado por Deus Altíssimo,
de demolição e ferramenta de destruição. Com para mostrar às pessoas o caminho da orien-
essa orientação e clareza, deseja transformar tação e da reforma.
a palavra numa ferramenta de construção, que O Livro é um declaração. (5) Seus versícu-
colabora na prática do bem e na disseminação los são esclarecedores (6)… e nele há explana-
da amizade e do amor entre as pessoas. ção de tudo (7). A palavra “bayynat” aparece
O Alcorão deseja transformar a palavra no Alcorão Sagrado, literalmente, 53 vezes e
numa fonte do bem, da solidariedade, da re- outras 201 vezes com outras derivações.
forma em todo o mundo humano, fixando-se Finalmente, temos uma palavra. Você,
nas profundezas da vida para fazer as pessoas prezado leitor, sabe qual é o significado da pa-
sentirem o seu gosto, as almas sossegarem ao lavra? A chave do paraíso é uma palavra; o
ouvi-la e a vida ser erigida com a inspiração ingresso no Inferno é uma palavra; a Determi-
de sua orientação. nação de Deus é uma palavra (8); Jesus foi uma
A boa palavra, que cai no íntimo do ex- palavra (9); “Lê” (10) foi a primeira palavra.
traviado e o orienta, do triste e o alegra, do A palavra é a distinção entre o profeta e o
amedrontado e o tranquiliza, do corrupto e o iníquo. A palavra é luz, enquanto algumas pa-
reforma, do ignorante e o instrui, do irado e o lavras são sepulturas. As pessoas amam siste-
acalma, do inimigo distante e o aproxima. mas, alguns amam motivados por uma olhada
O Islã deseja que o homem tenha uma fala passageira, outros amam por causa de uma in-
útil, um discurso educado, sem abominação, fu- clinação, outros, ainda, amam por causa de um
tilidades nem diversão. Preconiza a seriedade sorriso e outros mais amam por causa de uma
frutífera, cujos objetivos divinos plantam nas palavra. No início foi a palavra.
almas das pessoas o bem a felicidade. No fim fica a palavra, ou seja: “Dize-lhes:
Ele deseja que cada um de nós tenha a pa- Se o oceano se transformasse em tinta, com
lavra limpa, porque carrega o significado, e o que se escrevessem as palavras de meu Se-
significado, na ótica do Islã, deve ser limpo, e nhor, teria se esgotado antes de se esgotarem
se o significado for limpo, deve incidir sobre um as Suas palavras, ainda que para isso se em-
recipiente limpo, e o seu recipiente é a palavra, pregasse outro tanto de tinta.” (Alcorão Sa-
que deve ser limpa. grado, 18:109).

5 - “Este (Alcorão) é uma declaração aos humanos, orientação e exortação para os tementes.” (Alcorão Sagrado, 3:138)
6 - “Assim o (o Alcorão) revelamos em versículos esclarecedores, e Allah ilumina a quem Lhe apraz.” (Alcorão Sagrado, 22:16).
7 - “Temos-te revelado, pois, o Livro, que é uma explanação de tudo, é orientação, misericórdia e boas-novas para os muçulmanos.” ( Alcorão Sagrado, 16:89)
8 - “É inadmissível que Allah tenha tido um filho. Glorificado seja! Quando decide uma coisa, basta-lhe dizer: Seja!, e é” (Alcorão Sagrado, 19:35).
9 - “E quando os anjos disseram: Ó Maria, Allah te anuncia o Seu Verbo, cujo nome será o Messias, Jesus, filho de Maria, nobre neste mundo e no outro,
e que se contará entre os próximos de Allah.” (Alcorão Sagrado, 3:45)ß
10 - “Lê, em nome do teu Senhor Que criou…” (Alcorão Sagrado, 96:1). Trata-se do primeiro versículo do primeiro capítulo do Alcorão Sagrado, revelado
ao Profeta Muhammad (S.) no início de sua missão.

Revista Evidências - 7
Exegese do Alcorão

SAGRADO
PARTE I

Surat 1 Al-Fátiha
1- Em nome de Deus, o Clemente, o Misericordioso.
2- Louvado seja Deus, Senhor do Universo.
3 – O Clemente, o Misericordioso.
4 - Soberano do Dia do Juízo.
5 - Só a Ti adoramos e só de Ti imploramos ajuda.
6- Guia-nos à senda reta.
7 - À senda dos que agraciastes, não à dos abominados, nem à dos extraviados.

1 - Surat (ou sura): palavra árabe que indica cada um dos 114 capítulos (suratas) do Alcorão Sagrado. ( N.E.).

8 - Revista Evidências
N
a realidade, cada um dos sete versí- que mereceram Sua ira.
culos desta sura indica uma verdade Podemos dividir esta sura, por outro
relevante. Vejamos: lado, em duas partes: uma relativa à lou-
1) Em nome de Deus, o Clemente, o Misericor- vação de Deus e outra que abrange as ne-
dioso: é o que um muçulmano deve pronunciar cessidades do servo.
no início de qualquer ato. Ensina-nos a socor- O Hadice (dito) Sagrado do Mensageiro
rer-nos em Deus, e invocar-Lhe ajuda. de Deus (S) expressa: “Deus, exaltado seja,
2) Louvado seja Deus, Senhor do Universo: disse: Dividi a Abertura do Livro (Al-Fátiha)
significa que toda graça e toda proteção têm entre Mim e Meu servo: uma metade perten-
como fonte Deus Altíssimo; e chama a aten- ce a Mim, a outra pertence ao Meu servo, e
ção de que a origem de todas essas dádivas concederei a ele o que pedir.”
provém da essência de Deus Altíssimo.
3) O Clemente, o Misericordioso: isto Local da revelação desta sura
quer esclarecer que a criação de Deus,
Sua proteção e Seu julgamento baseiam- Alguns afirmam que esta sura foi reve-
se no princípio da clemência e da mi- lada em Meca, outros afirmam que foi em
sericórdia. Este princípio representa Medina. Porém, o mais correto, segundo
o sustentáculo principal da ordem e da as fontes mais seguras de informação, é
proteção do mundo. a primeira afirmação. Dois fatos apontam
4) Soberano do Dia do Juízo: é prepara- para isto.
ção para o retorno 2 e para o dia do Juí- Primeira questão: a sura Al-Fátiha é
zo Final, bem como para o julgamento de designada como “Os sete versículos reitera-
Deus o Poderoso Juíz. tivos”. Foi mencionado em outro versículo
5) Só a Ti adoramos e só de Ti implora- corânico, na sura chamada Al-Hijr, que “Os
mos ajuda: quer mostrar a unicidade na sete versículos reiterativos” são uma sura
devoção e a unicidade no pedido de aju- que já tinha sido revelada anteriormente.
da, pois em relação a Deus Altíssimo não Disse o Altíssimo: “Em verdade, temos-te
se admite associados. agraciado com os sete versículos reiterati-
6) Guia-nos à senda reta: esclarece a vos, assim como com o Magnífico Alcorão.
necessidade de os humanos e seus fortes (Al-Hijir, versículo 87). Tendo em vista que
desejos serem guiados, confirmando a ve- a sura Al-Hijr foi revelada em Meca, daí
racidade de que todos os modos de guiar concluímos que, certamente, a sura Al-Fá-
partem apenas de Deus Altíssimo. tiha foi revelada na mesma cidade.
7) À senda dos que agraciastes; não à dos Segunda questão: as orações foram ins-
abominados nem à dos extraviados: o úl- tituídas aos muçulmanos em Meca e a con-
timo versículo desta sura aponta a pecu- duta na oração é necessária para todos os
liaridade da senda reta, distingue entre a mulçumanos. Ora, não há como praticar a
senda dos que foram agraciados por Deus oração sem a sura “Abertura do Livro”. O
e a senda dos extraviados, isto é, aqueles Profeta (S) declarou: “Não há oração sem a

2 - Retorno: é uma referência à ressurreição.

Revista Evidências - 9
sura Al-Fátiha”. Outros disseram que a sura sim, então, os versículos mequenses foram
foi revelada duas vezes; uma em Meca e ou- revelados em Meca, mesmo que isso tenha
tra em Medina, devido à sua importância. ocorrido após a Hégira; e os versículos me-
Isto também é provável, mesmo sem uma re- dinenses correspondem ao que foi revelado
ferência específica. em Medina, porém, não fora de seus limites
Talvez seja por isto que esta sura é cha- geográficos.
mada “Os versículos reiterativos”; é também Portanto, o local é parte da história, no
provável que esta denominação ocorra em que diz respeito a esta questão. A segunda
função da obrigatoriedade de ela ser recita- opinião - e a mais célebre - leva em conside-
da duas vezes em cada ato de oração: uma na ração o tempo em função da ocorrência da
primeira inclinação e outra na segunda incli- Hégira. O tempo é, também, parte da histó-
nação. ria, mesmo não sendo propriamente a histó-
Algumas suwar (plural de sura) e versí- ria.
culos do Alcorão Sagrado foram denomina- A terceira opinião leva em considera-
dos mequenses (relativo à cidade de Meca) e ção as pessoas. O discurso para o povo de
outros medinenses (relativo à cidade de Me- Meca é mequense; o discurso para o povo de
dina), porque a Mensagem do Profeta ocor- Medina, é medinense. Note-se que as pesso-
reu em duas etapas. Uma anterior à Hégi- as são elementos da história e sua matéria
ra 3, denominada mequense, e uma posterior principal. Porém, a opinião comumente re-
à Hégira, denominada medinense. conhecida e aceita entre os sábios e os exe-
Em função disso, é necessário dividir o getas é a segunda.
Alcorão Sagrado em duas épocas para se- Eles consideram a Hégira como o even-
guir os períodos da Mensagem Profética de to divisório na história da Mensagem Islâ-
Mohammad (S). É uma divisão elucidativa, mica. Então, mequense é o que foi revelado
porque leva em consideração o tempo e o antes da Hégira, mesmo que neste período
local da revelação. tenha sido um discurso dirigido ao povo
Os pesquisadores têm três opiniões a de Medina e mesmo que tenha sido revela-
respeito disso: do nas proximidades de Medina como, por
a) que as suwar mequenses foram mesmo re- exemplo, nas localidades de Mina ou Arafat,
veladas em Meca; ou distante dela, como o que foi revelado em
b) que o que é mequense foi revelado antes Ta’if ou Jerusalém, e mesmo que o governo
da Hégira; tenha sido medinense.
c) que o que é mequense foi um discurso Medinense é o que foi revelado após a
para o povo de Meca e o que é medinense foi Hégira, mesmo que tenha sido um discurso
um discurso para o povo de Medina. dirigido ao povo de Meca, ou em suas proxi-
Para cada uma dessas opiniões há uma midades, como o que foi revelado em Badr,
justificativa histórica. A primeira opinião em Uhud e em Sale ou, ainda, distante dela,
considera o local da revelação sem, porém, como o que foi revelado em Hudaibiya ou
levar em conta a ocorrência da Hégira. As- em Meca, na Peregrinação do Adeus, mesmo

3 - Hégira: é a migração do Profeta Mohammad (S) de Meca para Medina, ocorrida em 622 da Era Cristã. (N.E.)

10 - Revista Evidências
que o governo tenha sido mequense. 1- Toda sura que contém “Óh, crentes” é
Na verdade, nossos sábios antigos medinense. Há controvérsia quanto à sura
dedicaram-se a isto de maneira brilhante “Al-Hajj”;
e compatível com a grandeza do Alcorão. 2- Toda sura que contém detalhamento das
Perceberam que levar em consideração o obrigações, ou leis islâmicas (sunna), ou que
tempo e o local para o conhecimento da impõe limites, julgamento e leis, é medinense;
revelação do Alcorão é um dos mais dig- 3- Toda sura que expõe sobre os hipócritas
nos procedimentos para o conhecimento é medinense, exceto a sura “Al-‘Ankabut”;
da Escritura. Chegaram a considerar ilíci- 4- Toda sura que contém permissão para
to, do ponto de vista religioso, alguém fa- “jihad” ou menção a este, ou, ainda, expli-
lar sobre o Livro de Deus se não soubesse cação sobre suas determinações, é medinen-
distinguir o lugar, a localidade ou a época se;
onde houve a revelação. 5- Toda sura que contém debate com os
Tanto os sábios como os historiadores Adeptos do Livro 4 ou polêmica com eles, é
do Alcorão Sagrado preocuparam-se em medinense. Na verdade, estas regras podem
identificar particularidades que distinguem ser consideradas como investigativas sobre
todas as suwar, tanto mequenses como me- o que foi considerado pelos sábios a respei-
dinenses. Suas opiniões a respeito acaba- to do Livro de Deus (o Alcorão).
ram formando um corpo de regras que, em
sua maioria, não são absolutas, mas passí-
veis de concordância, nem sempre excluindo
umas às outras. Sobre o conhecimento das
suwar mequenses disseram o que segue:
1- Toda sura que tem a palavra “não” (kalla)
é mequense;
2- Toda sura que tem “Óh, humanos” é me- “Em nome de Deus, o Clemente,
quense. Aqui, porém, a regra não é geral; o Misericordioso”
há várias suwar medinenses que contêm
“Óh, humanos”; A frase acima é denominada “Bis-
3- Toda sura que menciona a palavra “pros- millah”, que significa, literalmente “Em
tração” é mequense; nome de Deus”. O que o Bismillah represen-
4- Toda sura que contém narrativas de pro- ta no programa educacional islâmico? Se-
fetas e de povos do passado é mequense, ex- ria meramente uma expressão corânica para
ceto a sura “Al-Bakara”; que os fiéis a repitam em suas recitações e
5- Toda sura que contém a história de Adão mencionem o nome de Deus? É somente
(a.s.) e de Iblis (Satã) é mequense, exceto a isso? Ou será que há algo mais profundo?
sura “Al-Bakara”. Talvez necessitemos do próprio Alco-
Quanto às suwar medinenses, nos lega- rão para explorar alguns versículos que se
ram o que segue: reportem a Deus ao longo do tempo. Veja-

4 - Adeptos do Livro:é uma referência aos judeus e cristãos. Os muçulmanos os consideram como povos que têm um Livro Sagrado. (N.E.).

Revista Evidências - 11
mos: “E menciona o nome do teu Senhor, nam Deus são diversificados tanto quanto à
de manhã e à tarde” (“Al-Insán”, 25), menção de Deus quanto ao grau de espiri-
para que a pessoa inicie e termine suas ati- tualidade. Este grau é proporcional ao grau
vidades em nome de Deus; sendo isto vivifi- de fé do muçulmano e o respectivo grau de
cação de profundo sentimento de respeito e elevação que este consegue em direção a
amor ao Criador, no momento em que o ser Deus, Louvado e Altíssimo.
humano se dirige a Deus. É uma abertura Uma exegese atribuída ao Imam Al-Has-
do ser humano para a responsabilidade em san Al-‘Askari (A.S.) afirma: “’Em nome de
sua vida, a partir de si mesmo. Deus, o Clemente, o Misericordioso’, signi-
É, também, para despertar o sentimento fica: auxilio-me em Deus em todas minhas
espiritual, vivenciado pelo homem quanto à questões, Que é o Único merecedor de ado-
presença de Deus nele e não negligenciá-Lo. ração, Que auxilia quando é solicitado, que
“E recorda-te do teu Senhor intimamente, atende a súplica quando é feita’”.
com humildade e temor, sem alterar a voz, Um certo homem perguntou ao Imam
ao amanhecer e ao entardecer, e não sejas Al-Sádiq (A.S.): “Ó filho do Mensageiro de
um dos tantos negligentes” (“Al-A‘ráf”, Deus! Diga-me o que Deus é, pois muitos ex-
205). “Porém, recorda-te do teu Senhor plicaram e me deixaram em dúvida”. Disse
e consagra-te integralmente a Ele”. (“Al- o Imam (A.S): “Já estiveste numa embarca-
Muzamil”, 8). Assim, Deus quis que nos ção sozinho?” O homem respondeu: “Sim”.
lembremos d’Ele ao suplicarmos o Seu nome Disse-lhe: “Essa embarcação quebrou e não
na prática da caridade e da oração: “Glo- havia outra para socorrer-te e nadar não
rifica o nome de teu Senhor, O Altíssimo” salvaria?” Respondeu: “Sim”.
(“Al-A‘la,1”); e “Bem-aventurado aque- Perguntou-lhe novamente: “Nesta si-
le que se purificar” (“Al-A‘la”, 14); “E tuação, teu coração se voltou para algo
mencionar o nome do seu Senhor e orar!” que tem o poder de te salvar desta dificul-
(idem, 15). E, ainda, Deus quis que O lem- dade?” O homem respondeu: “Sim”. Dis-
bremos ao iniciarmos a recitação (do Al- se, então, o Imam al-Sádiq (A.S.): “Este é
corão) para que esta seja em Seu nome . Deus, Que tem o poder de salvar onde não
“Lê, em nome de teu Senhor, que criou” há outro salvador, e de assistir onde não há
(“Al- ‘Alaq”, 1). outra assistência”.
Foi determinado, também, que a carne A conclusão é que esta expressão sagra-
do animal abatido para o consumo não se da, o “Bismillah”, é um símbolo específico
torna lícita a não ser que seja mencionado dos mulçumanos, com o qual iniciam suas
sobre o animal o nome de Deus na hora de falas e demais atividades. O significado des-
seu abate 5 . Vejamos: “Não comais aquilo te versículo é que o muçulmano inicia suas
(concernente a carnes) sobre o qual não atividades apoiando-se em Deus, cuja mise-
tenha sido invocado o nome de Allah, por- ricórdia abrange todas as coisas, sabendo,
que isso é uma profanação.” (“Al-An‘ám”, o crente, que tudo o que faz é em Seu nome e
121). Como se vê, os versículos que mencio- no nome de nenhum outro além d’Ele.

5 - Para que a carne de um animal torne-se lícita para um muçulmano, este deve ser abatido segundo normais ritualísticas próprias. (N.E.).

12 - Revista Evidências
Assim sendo, o primeiro versículo reve- Deus; o nosso iniciar em nome de Deus é um
lado por Deus a Seu nobre Profeta Moham- informe acrescido. O nome de Deus deriva
mad (S) foi uma ordem para o Mensageiro, de “Alteza, Elevação”, significando grande-
isto é, que iniciasse, sempre, qualquer tarefa za, excelência, e a partir desses nomes foi
em nome de Deus: “Lê, em nome de Teu dado também o nome às plantas que crescem
Senhor” (“Al-‘Alaq”, 1). e se elevam. E desse mesmo nome derivou o
Quando Noé (A.S.) entrou na embarcação nome do céu, em função de sua elevação e
naquele assombroso dilúvio, enfrentando ondas altura. Foi dito que esse nome também deri-
revoltas e todo tipo de perigo para concretizar va de “sublime”, que é um signo. E realmen-
seu objetivo, pediu a seus seguidores que repe- te é um signo para quem foi atribuído.
tissem o “Bismillah”. Nesta oportunidade, Depois destas explicações, passemos à
Deus disse: “Embarcai nela (na arca); palavra Deus (“Allah”, em árabe). Esta é
que seu rumo e sua ancoragem sejam em a palavra mais abrangente para indicar “O
nome de Deus”. (“Húd”, 41). Aquela via- Senhor do Universo”. Cada nome atribuí-
gem, repleta de perigos, terminou em paz do a Deus no Alcorão Sagrado e em outras
e com benção, como lembra o Alcorão Sa- fontes da cultura islâmica indica um aspecto
grado: “Óh, Noé, desembarca, com a Nos- específico dos atributos de Deus, que são 99,
sa saudação e a Nossa bênção sobre ti e ao todo (O Excelso, O Magnânimo, O Muni-
sobre os seres que (advirão dos que) estão ficente, O Clemente, O Misericordioso, etc).
contigo” (“Húd”, 48). O único nome que abrange todas as quali-
Ao escrever uma carta à rainha de Sabá, dades, palavras divinas e reúne todos Seus
Salomão iniciou com o “Bismillah”: “É de atributos de excelência e beleza é “Allah”.
Salomão (e diz assim): Em nome de Deus, Por isso, os outros nomes foram consi-
o Clemente, o Misericordioso.” (“An-Na- derados atributos da palavra Deus, como,
ml”, 30). A partir desta invocação, iniciam- por exemplo: O Indulgente, o Misericordio-
se todas as suwar do Alcorão, isto é, com o so, o Oniouvinte, o Onisciente, o Onividen-
“Bismillah”, a fim de concretizar o objetivo te, o Sustentador, o Criador, o Onifeitor, o
fundamental da Escritura, qual seja, o de Formador. A palavra “Allah”, e somente
guiar a humanidade para a felicidade, com ela, reúne o sentido de todas as outras.
êxito, desde o começo até o fim de sua cami- Em função disso, essa única palavra
nhada. foi utilizada num versículo do Alcorão para
Apenas a sura “At-Tauba” não começa expressar vários atributos, ou seja: “Ele é
com o “Bismillah”. Ela inicia com decla- Deus; não há mais divindade além d’Ele,
ração de guerra aos incrédulos de Meca e o Soberano, o Augusto, o Salvador, o Pací-
renegadores da fé. A declaração de guerra fico, o Zeloso, o Poderoso, o Compulsor, o
não é compatível com a descrição de Deus Supremo! Glorificado seja Deus por tudo
como o Clemente e o Misericordioso e, por quanto (Lhe) associam!” (“Al-Hachr”, 23).
este motivo, o “Bismillah” não está, aí, pre- Uma das provas da abrangência deste
sente. nome é que a demonstração de fé e a mani-
Quando dizemos “Em nome de Deus”, festação da Unicidade de Deus só se reali-
isto significa que iniciamos em nome de zam mediante a pronúncia da frase “não há

Revista Evidências - 13
outra divindade além de Deus” (Em árabe: (“Al-Isrá’”, 110).
“Lá Illaha illa Allah”). Assim sendo, pode-se considerar a pa-
Outras frases como “não há divindade a lavra “o Clemente” como atributo de Deus
não ser o Onipotente”, ou “não há divinda- quanto à origem, ou como substituição
de além do Criador”, ou “não há divindade quanto à transposição. Tem-se, ainda, que
além do Sustentador”, não preenchem, para “O Misericordioso” é um atributo derivado
este caso, o propósito da demonstração de fé da misericórdia de Deus pelo crente em par-
e da Unicidade de Deus. ticular, e “O Clemente” é um atributo deri-
É por este motivo que as outras religi- vado da ampla misericórdia de Deus tanto
ões afirmam que a adoração dos muçulma- para com o crente como para com o incré-
nos é “Em nome de Deus”. dulo.
Na realidade, esta denominação abran- De acordo com algumas fontes, esse sen-
gente é específica dos muçulmanos. tido era aceito pelo Imam Al-Sádeq (A.S.),
Há quem diga que a expressão “Não há que dizia: “O Clemente é um atributo no
outra divindade além de Deus” é expressão sentido geral e o Misericordioso é um
da Unicidade de modo geral e a expressão atributo no sentido particular”. Porém,
“não há outra divindade além d’Ele” é ex- não há fundamentos nesta atribuição ao
pressão de Unicidade específica de “não há Imam (A.S.), pois contraria o Livro Sa-
Ele senão Ele”; é, ainda, uma expressão de grado (o Alcorão).
maior especificidade. Neste, utiliza-se a palavra o Miseri-
É isto que o Alcorão determinou: Ele, cordioso sem, porém, dirigir-se especifica-
o Altíssimo, afirma: “E não invoques, à se- mente aos crentes ou ao Juízo Final. No li-
melhança de Allah, outra divindade, por- vro Sagrado há: “…porque é, para com os
que não há mais divindade além d’Ele! humanos, Compassivo, Misericordioso”.
Tudo perecerá, exceto o Seu Rosto”. Isso (“Al-Haj”, 65). O Altíssimo disse: “…e
quer dizer que apenas Ele não perecerá. castiga os hipócritas como Lhe apraz; ou
Foi mencionada a expressão “não há outra então os absolve, porque Deus é Indulgen-
divindade além d’Ele” e a expressão “não te, Misericordioso”. (“Al-Ahzáb”, 24). Há
há divindade senão Ele”. outros versículos, súplicas e relatos como,
Isto mostra que o foco da unicidade é por exemplo: “O Clemente nesta vida e na
esta palavra. Em sua origem, a palavra “o outra”; “Misericordioso das duas vidas”.
Clemente” é um atributo derivado de mise- Há um outro aspecto citado por antigas fon-
ricórdia, cujo significado relativamente a tes islâmicas e, talvez, seja o mais próximo
Ele é a beneficência e relativamente a outro, da noção desejada: este afirma que os dois
significa a sensibilidade do coração. A uti- atributos se distinguem ao máximo.
lização da palavra “Clemente” passou a ser Vejamos: “O Clemente” é um atributo
utilizada para a Essência Sagrada até que se da essência e é o princípio da misericór-
tornou um dos sublimes atributos de Deus. dia e benevolência. “O Misericordioso” é
Disse o Altíssimo: “Dize-lhes: Quer invo- um atributo de ação, que indica a chegada
queis a Deus, quer invoqueis o Clemente, da misericórdia e benevolência a quem foi
não importa o nome que o invoqueis, sabei concedida a graça. O que corrobora isto é
que d’Ele são os mais sublimes atributos!” que “O Clemente” é mencionado no Alcorão

14 - Revista Evidências
somente quando é acompanhado de atribu- cedida a graça, como por exemplo: “... porque
tos; como é o caso dos nomes da essência. é Compassivo e Misericordioso para com a
Vejamos: “Quer invoqueis a Deus, quer humanidade”. (“Al-Bakara”, 143); “...Ele
invoqueis o Clemente”. (“Al-Isrá’”,110); é Misericordioso para com os crentes”. (
“...aqueles que negam o Clemente” (“Az- “Al-Ahzáb”, 43); “... Ele é o Indulgente, o
Zukhruf”, 33); “…por terem atribuído Misericordioso”. (“Yunús”, 107). Por ou-
um filho ao Clemente”. (“Mariam”, 91); tro lado, a “misericórdia” foi citada inúme-
“…temo que te atinja um castigo do Cle- ras vezes sob o seguinte aspecto: “...Minha
mente”. (“Mariam”, 45) ; “O Clemente misericórdia abrange tudo”. (“Al-A‘ráf”,
ensinou o Alcorão”.(“Ar-Rahmán”, 1-2) 156); “...então, vosso Senhor vos agraciará
; “Do Clemente, Que assumiu o Trono”. com a Sua misericórdia”. (“Al-Kahf”,16).
(“Tá-há”, 5). Não há no Alcorão abordagem algu-
Há também outros versículos a respeito ma sobre a “clemência” de Deus. Temos a
desse tema. Quanto à expressão “O Misericor- possibilidade de nos expressar sobre este
dioso”, seu uso ficou acentuado como atributo aspecto no sentido de que a palavra “O
concreto, mencionado e ligado a quem foi con- Clemente” é um atributo de Sua essência,

Revista Evidências - 15
Conceitos Culturais
DO DIÁLOGO NO
ALCORÃO SAGRADO
PARTE I

O Conceito Cultural e à organização da criação e das criaturas:

A
“É a obra de Deus, sob cuja qualidade
ntes de falar sobre os conceitos cul- inata Ele criou a humanidade. A criação
turais no Alcorão, devemos explicar feita por Deus é imutável. Esta é a verda-
o significado do conceito cultural de deira religião; porém, a maioria dos hu-
forma geral. Devemos entender, também, que manos o ignora” (30:30).
o Alcorão é uma mensagem de orientação e “Sê firme, tal como te tem sido orde-
um esclarecimento para o caminho e a mar- nado, e não te entregues à tua concupis-
cha humana. cência” (42:54).
Ele é, também, um livro para a educação “Aqueles dentre vós que, por igno-
e formação pessoal do homem, de acordo com rância, cometerem uma falta e logo se
os fundamentos da pura natureza humana. É arrependerem e se encaminharem, sai-
um empenho para a transformação do homem bam que Deus é Indulgente, Misericor-
e a reformulação de sua personalidade quan- dioso” (6:54).
do caminha em sentido contrário à natureza A firmeza é comprometer-se com a linha

16 - Revista Evidências
da natureza... Quanto ao arrependimento e se universo, a verdade sobre si mesmo e sua
ao encaminhamento, são a reedificação e a relação com o universo e com os outros seres,
reformulação da personalidade, de acordo consegue formar uma visão cultural que diri-
com o método da reforma e da orientação. ge o seu conhecimento e sua posição na vida
Assim, a orientação do Alcorão e os concei- no sentido correto.
tos da educação e da orientação coadunam-
se com a criação, sem contradição entre a O Discurso e a Linguagem do
origem do ser humano e sua criação, e entre Diálogo
a educação, a orientação e a indicação do
Alcorão. O que revela a grandiosidade do Criador
Dessa feita, a criação e a legislação har- e a grandeza das dádivas fornecidas ao ser
monizam-se numa só direção para a constru- humano é a sua capacidade de inventar pala-
ção da vida do homem de acordo com o méto- vras que interpretam o significado abrangen-
do do Alcorão. Este procura educar o homem te das figuras e dos sentimentos de si mesmo.
conforme os valores do direito, do bem e da A interpretação da figura com palavras
beleza, para conservar a natureza de acordo foi o início da mudança específica na exis-
com a organização de Sua criação. tência do homem civilizado… é uma conquis-
O método do Alcorão é uma marcha para ta humana sui generis, que proporcionou ao
a perfeição do ser, a confirmação do huma- homem os mais destacados marcos da sua hu-
nismo do homem, que não se realiza com o manidade, preparando-lhe as oportunidades
lado material, apesar de sua obtenção ser um de sobrevivência social e integração cultu-
direito do homem. O humanismo do homem ral… Através da palavra, as pessoas se comu-
se complementa na prática voluntária dos va- nicam, interpretando o que deseja transmitir
lores, a exemplo do direito, da justiça, da be- aos outros, ou o que deseja deles conseguir,
nevolência, da misericórdia, da veracidade, principalmente adquirir conhecimento.
da reforma, da prática do bem, da solidarie- Por isso, vemos o Alcorão Sagrado lem-
dade, da cooperação, etc. brando ao homem essa grandiosa dádiva a
Esses são os significados da cultura e que muitos não dão a devida importância…
da civilização, que elevam o ser humano, a dádiva da eloqüência, por meio da qual ex-
como membro de uma comunidade, como so- pressa-se o que se deseja com palavras com-
ciedade e nação. São aspectos que o Alcorão preensivas aos outros:
apresenta para que a vida seja constituída “O Clemente ensinou o Alcorão, criou
com base neles. o homem, e ensinou-lhe a eloqüência”
O aspecto da compreensão cultural se (55:1-4).
completa no homem quando ele entende a Por intermédio da mente e da palavra,
natureza, a mente, o ser e a vida numa vi- Deus, glorificado seja, dirige-Se ao homem
são integral e proporcional, que lhe indica a e dialoga com ele, confirmando o método de
sua posição e o seu papel nesse quadro geral, discurso e da compreensão com base intelec-
bem como a íntima relação de tudo quanto tual e científica. Assim, o homem se elevou
existe com o Criador. ao nível humano utilizando-se da mente e do
Quando o homem entende a verdade des- diálogo. O Alcorão apresenta esse método de

Revista Evidências - 17
diálogo, mesmo quando fala do pior arrogan- científica e o aspecto moral do argumento,
te e tirano na terra, simbolizado na figura do respeitando o outro lado, fazendo-o sentir
Faraó, revelando através da exposição desse respeito por quem está dialogando com ele,
vocábulo a adaptação do método, para que defendendo-lhe os interesses e fazendo-o re-
seja um método científico na relação com a cuperar o juízo. Esse método, também, amplia
outra opinião e com quem difere no pensa- o campo diante da mente e da lógica, convo-
mento e na crença. O Altíssimo, em Sua pro- cando o homem para seguir na pesquisa, na
clamação a Moisés e a seu irmão Aarão (AS), liberação e no convencimento concreto.
diz: “Ide ambos ao Faraó, porque ele trans- Ele prepara um clima psicológico favo-
grediu (os limites). Porém, falai-lhe afavel- rável ao entendimento, removendo os obstá-
mente, a fim de que fique ciente ou tema” culos existentes entre ambos os lados. Aplai-
(20:43-44). na o caminho para a pesquisa mental, sem
O Alcorão fala sobre a ordem divina di- obstáculos psicológicos. Portanto, nós temos
rigida a Moisés e Aarão (a.s.) para irem ter agora um método cultural para o diálogo e
com o Faraó, mesmo sendo ele arrogante e o entendimento com o outro, quer no âmbito
tirano, ordenando-os a dialogarem com ele islâmico ou fora dele.
afavelmente, com a esperança de ele aceitar Começamos o diálogo com axiomas e
a convocação da razão e da lógica. Ambos princípios aceitos por ambos os lados. Os
os profetas (a.s.) conseguiram atrair o Faraó primeiros compêndios são axiomas da mente
para o diálogo. O Faraó, porém, ficou pasmo ou o que ambos os lados aceitam daquele âm-
perante o milagre e apossou-se dele a sober- bito. Por isso, o Alcorão convocou o homem
bia, induzindo-o ao pecado. a utilizar a reflexão e o pensamento, dizendo:
Ele persistiu na sua arrogância e foi ví- “Não refletem no fato de que seu
tima de seus erros. O Alcorão fixa as linhas companheiro não padece de demência
gerais do método de diálogo, que deve ser alguma?” (6:184). E diz: “Não meditam,
travado com aqueles que são divergentes com acaso, no Alcorão, ou seus corações são in-
a sua convocação e sua crença, mostrando as sensíveis?” (47:24). E diz, ainda:
bases racionais e morais do diálogo no dis- “Dize-lhes: ‘Óh, adeptos do Livro,
curso dirigido ao Profeta Mohammad (S): vinde para chegarmos a um termo comum,
“Convoca (os humanos) à senda do teu entre nós e vós: Comprometamo-nos, for-
Senhor com sabedoria e uma bela exorta- malmente, a não adorarmos senão a Deus,
ção; dialoga com eles de maneira benevo- a não Lhe atribuir parceiros e a não nos
lente” (16:125). tomarmos uns aos outros por senhores, em
Com essa metodologia, descobrimos que vez de Deus” (3:64). E diz, mais: “Dize-
o objetivo do diálogo é a obtenção da ver- lhes: Mostrai a vossa prova, se estiverdes
dade, o descobrimento do direito, fazendo-o certos” (2:111).
chegar ao outro lado. O objetivo não é sobre- Em outra oportunidade, vemos que o Al-
pujar ou destruir o outro lado, nem expô-lo corão acompanha a outra parte à procura da
como incapaz ou derrotado. verdade, como quando se dirige ao Profeta
Por isso, o Alcorão propugna o método Mohammad (S): “Certamente, nós ou vós es-
científico, que procura descobrir a verdade tamos orientados, ou em erro evidente. Di-

18 - Revista Evidências
ze-lhes mais: Não sereis questionados pelos ção um método científico e cultural, para efe-
nossos pecados, como tampouco não seremos tuarmos a convocação, baseado em elevados
questionados pelo que fazeis. Dize-lhes (ain- fundamentos racionais, psicológicos e mo-
da): Nosso Senhor nos congregará e logo rais. Isso é uma das mais distintas provas da
decidirá o assunto entre nós com eqüida- firmeza e erudição desses princípios. Quem
de, porque é o Árbitro por excelência, o convoca para o diálogo fica tranqüilo com o
Sapientíssimo” (34:24-26). que tem em mãos de argumentos e provas e
Assim, o Alcorão confirma o método de está confiante em seus pensamentos.
diálogo baseado em argumentos, na razão, Assim, abre-se o horizonte do diálogo
na reflexão, na meditação e em premissas entre as civilizações, para o conhecimento
aceitas por ambas as partes, distante do fa- mútuo, o intercâmbio cultural, a globaliza-
natismo e da inflexibilidade insensata. ção das produções do pensamento humano, a
Da mesma forma que convoca o outro correção da marcha ideológica, eliminando o
lado, convoca também o muçulmano a seguir, isolamento e o retraimento.
com objetividade, lucidez e conhecimento Deve-se lembrar que o nosso mundo de
científico e social. Essa convocação é apre- hoje é um mundo de extremos, limites e distân-
sentada nas palavras de Deus Altíssimo: cias, apesar de, também, oferecer condições
“Dize: Esta é a minha maneira. Con- de aproximação. Por outro lado, a tecnologia
voco para Deus com lucidez, tanto eu reduziu o risco dos obstáculos políticos, nor-
como aqueles que me seguem. Glorifica- mativos e a autoridade policial, diminuindo
do seja Deus! E não sou um dos politeís- sua capacidade de censurar a opinião, seja
tas” (12:108). ela negativa ou positiva.
O Alcorão nos instrui, também, a con- A internet, a emissão televisiva mundial,
vocarmos os outros, com sabedoria e bela a rádio e o fax chegam à casa de qualquer
exortação, com o diálogo, da melhor maneira pessoa, de diferentes partes do mundo, em se-
possível: “Convoca (os humanos) à senda gundos. Por isso, o isolamento cultural não é
do teu Senhor com sabedoria e uma bela mais possível.
exortação; dialoga com eles de maneira Neste ambiente contemporâneo de aber-
benevolente” (16:125). tura do horizonte tecnológico para a trans-
Da mesma forma que o método do diá- missão das informações, percebemos que a
logo do Alcorão parte da razão, levando-se abertura metodológica prevista nos princí-
em consideração o lado psicológico e senti- pios islâmicos está baseada no diálogo, na
mental da pessoa, ele leva em consideração crítica científica construtiva e no respeito à
o lado de recebimento e aceitação da pessoa mente da pessoa a quem é dirigida a pala-
a quem se fala, para a preparação do clima vra. Isso significa que amplas portas foram
propício e para a racionalidade. Isso é dedu- abertas pelo movimento intelectual islâmico
zido das palavras do nobre Mensageiro (S): para anunciar os seus princípios e convocar
“Nós, os profetas, fomos ordenados a falar para eles, interagindo intelectualmente com
às pessoas de acordo com a sua capacida- o mundo.
de de entendimento.” O homem ocidental, apesar de todas as
Assim, o Alcorão coloca à nossa disposi- facilidades tecnológicas já mencionadas,

Revista Evidências - 19
ainda é induzido pelos meios de comunica- informando-o quanto ao seu direito perante
ção oficiais de seu país, que lhe desenham um o seu Senhor, constituindo o seu califado 1 ,
quadro deturpado do Islã e dos muçulmanos. protegendo esses direitos através dos atos do
Muitos países ocidentais adotam estas infor- Criador nesse Universo, juntamente com a
mações deturpadas como material didático sociedade e a autoridade, bem como a sua
em seus programas escolares e os muçulma- preocupação consigo próprio. Aquele que
nos, por não possuírem meios condizentes ou não entende o valor da sua humanidade nes-
similares, não conseguem dar uma resposta sa existência não consegue assegurar para si
adequada, a não ser em termos limitados. Po- um valor perante os outros, na família, na so-
rém, depois da ampla revolução tecnológica ciedade e na nação. O Alcorão limita o valor
na transmissão das informações e a adoção do ser humano quando fala sobre a forma que
do sistema islâmico do diálogo, da compro- o Criador utiliza para tratar com ele. Deus
vação científica e do método intelectual, o Altíssimo, diz: “Enobrecemos os filhos de
pensamento islâmico conseguirá resultados Adão e os conduzimos pela terra e pelo
fabulosos, se for utilizado de forma correta. mar; agraciamo-los com todo o bem e os
Essas transformações lançam uma gran- preferimos enormemente sobre a maior
de responsabilidade sobre o Livro e os pen- parte de tudo quanto criamos” (17:70).
sadores muçulmanos na colocação do pensa- Quando o Alcorão fala do homem, fala
mento islâmico, para que todos possam dele dele como um valor humano e não como apa-
desfrutar. Eles carregam a responsabilidade rato material que executa suas funções de
de divulgar o pensamento islâmico e defen- forma biológica e fisiológica, mesmo levando
dê-lo, de criticar as outras civilizações e os isso em consideração. É um relacionamento
outros pensamentos, filtrando-os para se be- humano com o ser humano racional, inteli-
neficiar daquilo que é lícito. A natureza das gente, o ser humano discípulo, escolhido, o
civilizações é a troca. À medida que damos ser humano moral, que prefere a prática do
algo, recebemos o que achamos que está em bem e ama a beleza, abomina o que é má con-
conformidade com as bases e os princípios duta nos assuntos ao seu redor. Ele sente os
islâmicos ou não esteja contra eles. Essa seus valores na consciência e na percepção.
condição deriva da crença na ideologia dos Quando o homem age com cérebro e sen-
princípios islâmicos e nas suas realidades. É timento perceptivo, com desejo e sentimentos,
a palavra da verdade que o Clemente revelou movimenta-se e age, partindo dos valores do
para a orientação do ser humano, e é confir- direito, do bem e da beleza, ele se move com
mada pelo diálogo e pela prova científica. base em sua humanidade. Ele consegue en-
tender que é ser humano quando ordena o
O Homem é Valor bem e proíbe o mal; consegue entender que
é ser humano quando rejeita a injustiça e a
A questão fundamental do método do Al- agressão aos outros, distinguindo entre a jus-
corão é o respeito à humanidade do homem, tiça e a injustiça, ajuda o injustiçado e re-

1 - Aqui, o termo “califado” tem uma dimensão mais ampla: islamicamente, o homem é considerado o califa (khalifah = representante) de Deus na Terra.

20 - Revista Evidências
chaça o injusto; consegue entender que é ser revela que a condição do ser humano não se
humano quando age com inteligência em re- completa a não ser quando crê que há va-
lação às coisas e à realidade, e o que enfren- lores como a verdade, a justiça, o perdão, a
ta de posições, pensamentos e propostas de misericórdia, a benevolência, o amor, o bem
relacionamento racional; consegue entender e o belo, que são atributos de Deus. Ele se-
que é humano quando vê as dores dos outros, gue na sua direção e assimila a sua compre-
sente aquelas dores e participa do sofrimento ensão como valores de conduta em sua vida,
alheio; consegue entender que é ser humano transformando-a com inspiração naqueles
quando utiliza a sua vontade e mente, quando valores. Assim, o ser humano se eleva, apro-
enfrenta emoções geradas pelo instinto, pelo ximando-se do divino e se completa nos que
desejo, pela reação e move-se sem desejo seguirem a religião.
nem escolha, então volta à razão. Por isso, o Nobre Mensageiro (S) nos
No entanto, quando os sentimentos hu- convoca para realizarmos a nossa condição
manos se ocultam, a razão e a vontade se per- humana, adotando aqueles atributos que o
dem, sem poder discernir entre o bem e o mal, Alcorão denominou de belos, dizendo: “Ado-
entre o feio e o belo em seus atos e ditos. Nes- tem a conduta divina.
te caso, o homem não apóia o injustiçado e o ” Quando o amor e a paz se espalharem
explorado, não se move, na sua percepção, no mundo, e o sol da justiça cobrir todos os
os sentimentos da misericórdia em relação horizontes da terra; quando o homem se ape-
ao atormentado e privado, não se manifestam gar aos valores de direito e da justiça, agir
nele os sentimentos de amor e do bem em re- com sinceridade e misericórdia, e se elevar
lação aos outros, ele não paga o bem com o na direção do Senhor e Iniciador da existên-
bem. Quando todas essas situações de injus- cia, esse ser conseguirá dizer: “Sou huma-
tiça se acumulam na alma desse ser, ele perde no”.
a sua condição humana e se transforma, con- Os defensores da ordem injusta no mundo,
forme o Alcorão, num animal irracional, sem movidos pela ausência de valores humanos,
merecer a denominação de ser humano: “Ou defensores do consumismo desenfreado, que se
pensas que a maioria deles ouve ou compre- lançam à produção indiscriminada de armas,
ende? Não são mais do que o gado; ou são mísseis, bombas atômicas, armas químicas e
mais irracionais ainda!” (25:44). biológicas, que monopolizam as potencialida-
“Temos criado para o Inferno numerosos des de produção de bens e serviços, gerando
gênios e humanos com corações com os quais injustiça, escravidão e privação, apesar de
não compreendem, olhos com os quais não seu belo discurso, na prática aproximam o ser
vêem e ouvidos com os quais não ouvem. São humano do satanismo e da animalidade. Essa
como as bestas, quiçá piores, porque estão é a figura do homem quando se livra da sua
desatentos (às admoestações). Os mais subli- condição humana, como o Alcorão expressa:
mes atributos pertencem a Deus; invocai-O, “São como as bestas, quiçá piores.”
pois, e evitai aqueles que profanam os Seus Assim, manifestam-se para nós duas fi-
atributos, porque serão castigados pelo que guras antagônicas, que são expostas pelos
tiverem cometido.” (7:179-180). dois versículos citados acima: a figura do
O Alcorão, nesses dois versículos, nos homem pior que as bestas, isto é, o ser hu-

Revista Evidências - 21
mano da injustiça, da incredulidade, da mal- homem na terra, o crime de corrupção, do
dade, da corrupção e da avareza, e a figura derramamento de sangue e traição do pacto.
do ser humano exemplificado com os belos Os anjos, o mundo da pureza e do bem,
atributos, isto é, o ser humano da verdade, da vêem a existência sobre a terra como glorifi-
justiça, do amor, da fé e da reforma. cação, celebração do Criador e o estabele-
O ser humano civilizado é o ser ao qual o cimento do bem e da paz, enquanto o homem
Alcorão Sagrado procura dar forma. Ou seja, pratica o crime de matança e corrupção na
um ser humano na sua plenitude, defensor da terra. Por isso, a vinda desse novo ser gerou
verdade, da justiça, do amor e da misericór- o pedido de explicação por parte dos seres
dia. Quantos meios de informação, de educa- celestiais. Esse diálogo nos esclarece que a
ção o Alcorão possui para livrar o homem do visão do Alcorão para a vida na terra é uma
atoleiro de lama animalesca, transportando- visão do bem e de paz, rejeitando o crime de
o para a sublimidade dos valores e da sua matança e da corrupção.
verdadeira humanidade! O homem foi criado para conservar a
Ele fala do ser humano como eixo nesta terra com boas obras, com produção e con-
vida. Ele é o legatário2 a quem foi designado cessão: “E ao povo de Samud enviamos seu
o pacto, a confiança e a herança de Deus. E irmão Sáleh, que lhes disse: ‘Ó povo meu,
Deus, glorificado seja, esteve a seu lado na adorai a Deus porque não tereis outra di-
sua batalha contra o Satanás, desde a pala- vindade além d’Ele; Ele foi Quem vos criou
vra inicial e a criação do homem sobre a ter- da terra e nela vos enraizou. Implorai, pois,
ra e o início da batalha entre ele e o Satanás, Seu perdão; voltai a Ele arrependidos, por-
a força do mal, a fonte do sofrimento e da que meu Senhor está próximo e é Exorável’”
aflição. Ele é o maior inimigo do homem. (11:61).
O Alcorão diz ao homem que ele é o le- O Alcorão fala da herança do homem,
gatário de Deus na terra, explicando o caso que assumiu a responsabilidade da enorme
da criação, da luta e da submissão de todas confiança de Allah: “Por certo que apre-
as forças a favor do homem, com a exceção sentamos a confiança ao firmamento, à terra
da inclinação para o mal. Então, fala sobre o e às montanhas, que se negaram e temeram
pecado, o arrependimento e a vida na terra. recebê-la; porém, o homem encarregou-se
Em seguida, fala da orientação e da mis- disso, mas provou ser injusto e insipiente.”
são: “(Recorda-te, ó Profeta) de quando teu (33:72).
Senhor disse aos anjos: Vou instituir um le- Ele é designado, também como o ser que
gatário na terra! Perguntaram-Lhe: Estabe- firmou um pacto com Deus e aceitou a res-
lecerás nela quem ali fará corrupção, der- ponsabilidade: “Havíamos firmado o pacto
ramando sangue, enquanto nós celebramos com Adão, porém, ele esqueceu-se dele; e
Teus louvores, glorificando-Te? Disse (o não vimos nele firme resolução.” (20:115).
Senhor): Eu sei o que vós ignorais.” (2:30) “Inquiriremos aqueles aos quais foi enviada
Esse texto configura a má conduta do a Nossa mensagem, assim como interrogare-
mos os mensageiros” (7:6).

2 - I.é, califa.

22 - Revista Evidências
Coleção
“ Da orientação do Islam”

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Revista Evidências - 23
O que é o
Islã?
L
ouvado seja Deus, o Senhor do suas várias denominações. Comparado
Universo, e que a Sua paz e graça apenas ao catolicismo, o Islamismo é a
estejam com o Profeta Mohammad, maior religião do planeta. Os últimos da-
com sua Purificada Descendência e com dos do Anuário Estatístico do Vaticano
todos os Profetas e Mensageiros. apontam para a existência de 1,115 bi-
O Islã é um tema vasto, seu entendi- lhão de católicos no planeta. De acordo
mento é fundamental nos dias atuais, mas com o World Christian Database, existem
é impossível tratá-lo de maneira resumi- atualmente 1,322 bilhão de muçulmanos
da. Tentaremos, na medida do possível, no mundo.
apresentar aos nossos leitores, os aspec- As estatísticas do instituto america-
tos basilares, fundamentais, sobre a his- no mostram que 20,45% da população
tória dessa religião, sobre o seu Mensa- mundial professa a fé islâmica e que exis-
geiro, seu Livro, sua crença, seus cultos, te uma tendência de alta nos próximos
seus locais sagrados, seus objetivos, seus anos. Segundo o Anuário Vaticano rela-
desafios e as dificuldades que enfrenta. tivo a 2005, o aumento dos católicos foi
O Islã é uma religião celestial, a de 1,2%, totalizando 17,2% da população
exemplo do cristianismo e do judaísmo. É mundial. Em 1983, os muçulmanos cons-
a segunda maior religião do mundo, de- tituíam apenas 13,8% da população mun-
pois do cristianismo – se considerarmos dial, enquanto os católicos nesse ano re-

24 - Revista Evidências
presentavam 18%. de ter fundado a Nação Islâmica, em torno
Nós, muçulmanos, consideramos que as da qual uniu todas as tribos da Arábia, ele
mensagens anteriores ao Islã periódicas e (S.) faleceu, na idade de 63 anos.
limitadas, preparatórias para a mensagem O Alcorão é considerado o irrefutável
do Islam e sua definitiva propagação. O Is- Livro de Deus. Ele não é uma produção hu-
lam veio para completar as outras mensa- mana, porque é um livro milagroso em todos
gens porque coaduna com elas na essência: os tempos e lugares. O Alcorão é composto
crê na profecia de Jesus e de Moisés (que de 114 suratas (capítulos), sendo a primeira
a paz esteja com eles), bem como em todos delas a “Surata da Abertura” (Suratul Fá-
os mensageiros e profetas anteriores a eles tiha) e a última, a “Surata dos Humanos”
(a.s.). Deus, o Altíssimo, afirma no Alco- (Suratu Nass). É dividido em 30 partes,
rão Sagrado: “Dize: Cremos em Deus, no 6.236 versículos e 430.740 letras. Pode-se
que nos foi revelado, no que foi revelado utilizar a palavra “Alcorão” a todo o texto
a Abraão, a Ismael, a Isaac, a Jacó e às ou a uma surata, ou a um versículo, mesmo
tribos, e no que, do Senhor, foi concedido a uma parte de um versículo. Deus garantiu
a Moisés, a Jesus e aos profetas; não faze- a preservação do Alcorão da falsificação e
mos distinção alguma entre eles, porque da adulteração. Ele disse: “Nós revelamos
somos, para Ele, muçulmanos.” (3:84) a Mensagem e somos o seu Preservador”
Islã significa obedecer ao Criador e (15:9).
submeter-se a Ele. Quem iniciou a missão do O Islã é composto de crença e lei. Quan-
Islam foi o Profeta Mohammad (S.). Ele co- to à crença, é um conjunto de princípios em
meçou comunicar a mensagem do Islam para que o muçulmano deve acreditar, constituin-
as pessoas, combatendo a adoração aos ído- do-se eles na crença em Deus, em Seus An-
los e ao que era adorado além de Deus. Em jos, em Seus Livros, em Seus Mensageiros e
vários momentos da história, a humanidade No Dia do Juízo Final. Quanto às leis, são
caiu no erro de adorar os profetas, os vir- conjunto de regras que determinam a rela-
tuosos, os astros e as estrelas como deuses. ção do homem com Deus, com a humanidade
Era assim, inclusive, que agiam as tribos da em geral e com o Universo. Elas determinam
Península Arábica no tempo anterior ao ad- o que se pode fazer e o que não se pode. As
vento do Islã, ou seja, até o século VII da leis mais importantes são:
Era Cristã. 1) a declaração dos dois testemunhos: O tes-
O Profeta Mohammad (S.) nasceu no temunho de que não há outra divindade além
ano 570 D.C., em Makka Mukarrama (ou, de Deus e o testemunho de que Mohammad é
simplesmente, Meca) e foi-lhe revelado o Al- o Mensageiro de Deus (Ashahadda).
corão quando estava com quarenta anos de 2) A prática da oração ao Criador (Assalát).
idade. A revelação corânica durou vinte e 3) O jejum durante o mês de Ramadan (Assaum).
três anos, treze dos quais em Meca e dez em 4) O pagamento do Zakat.
Medina. Depois de finalizada sua missão e 5) A peregrinação a Meca (Al-Hajj).

Revista Evidências - 25
O Islã também impõe o ater-se à lei islâmica criação e da existência. Deus Altíssimo, diz
para se resolver as diferenças entre os muçulmanos nesta surata: “Lê, em nome do teu Senhor
e a importância de se ter uma excelente conduta. Que criou; criou o homem de um coágulo.
A crença islâmica está edificada sobre Lê que o teu Senhor é o mais Generoso,
três princípios fundamentais que são: Que ensinou através da pena, ensinou ao
1 – A crença em Deus Uno e Único, isento homem o que este não sabia.” ( 96:1-5).
dos atributos das criaturas e caracterizado No auge da civilização islâmica, que
pela perfeição. Ele é o Originador, Ordena- coincidiu com a última metade da Idade Mé-
dor e Sustentador de tudo que existe, que a dia ocidental, ou seja, entre os séculos IX e
Ele está ligado e a Ele retornará. XIV, a sociedade islâmica exportava para o
2 – A crença na revelação (wahi), na profe- mundo a ciência, a filosofia e a arte. Nomes
cia (nubuwa), na liderança (imamah), jun- como Al-Khowarizmi, célebre matemático,
tamente com a crença em todos os profetas autor da obra “Al-Jebr wa Al-Muqaballah”,
e mensagens, a começar por Adão (a.s.) e que originou o termo Álgebra, Ibn Sina (Avi-
terminando com o Mohammad (s.a.a.a.s.). cena), Ibn Rushd (Averroes), entre outros,
3 – A crença na vida após a morte, na dá- expandiram enormemente o conhecimento
diva eterna, no Paraíso e no castigo eter- humano, colaborando decisivamente para
no, o Inferno. que, séculos mais tarde, a Europa desse seu
O Islã é um sistema completo, porque salto científico e tecnológico. Isso quando
provém de Deus. Por isso, ele abrange cren- a liberdade existia na comunidade islâmica.
ça, legislação, cultos, relações e condições Naquela época, a sociedade ocidental
pessoais, econômicas e políticas. estava afundada nas trevas da ignorância.
O sistema islâmico abrange tudo do que Quando a liberdade morreu, devido à tira-
a nação (Umma) necessita: As bases para nia de alguns governantes muçulmanos, sur-
o código geral no campo do trabalho, das giu a ignorância e o atraso.
finanças, da economia, da administração, Apesar desses reveses, não se pode negar
da política e das relações internacionais, que o Islam foi quem instituiu as bases cientí-
além de preocupar-se com o comportamento ficas para o mundo, que continuam a ser uti-
do indivíduo, considerado um elemento inte- lizadas até hoje nas universidades ocidentais.
grante de suas leis. O Islã é crença no cora- Os eruditos do pensamento islâmico desem-
ção, legislação para a sociedade e condição penharam um importante e distinto papel no
moral para as pessoas. desenvolvimento da ciência e na divulgação
O Islã se preocupa com a instrução e do conhecimento em todas as partes da terra,
com a aprendizagem, o que ficou claramente com o testemunho do historiador da ciência,
manifesto no primeiro versículo da primeira George Sarton que disse: “Se não fossem as
surata revelada ao Profeta (S.), denomina- descobertas dos cientistas muçulmanos, os
da Al-‘Alaq (ou “O Coágulo”), que fala so- cientistas do desenvolvimento europeu teriam
bre a dádiva do ensino, depois da dádiva da de começar do zero e a marcha da civilização

26 - Revista Evidências
ter-se-ia atrasado vários séculos.” sobre ótica é um dos mais influentes livros
As suas atividades científicas não se de física até hoje: Kitab al Manazir (ou
restringiram à ciência da religião, mas se “Livro de Ótica).
envolveram com o as ciências exatas e hu- 7. Abu Mohammad Al Khawarizmi: Foi um
manas como a filosofia, a medicina, a as- dos mais famosos cientistas do século nove.
tronomia, a lógica, a matemática, a física, Destacou-se na astronomia e na matemática.
a geometria, a literatura, a ética, a história, Foi o primeiro a escrever sobre a álgebra na
química, sociologia, arqueologia, etc. língua árabe. Foi o inventor dos logaritmos.
Entre esses sábios podemos citar: É uma das maiores capacidades científicas do
1. Ibn Al Baitar Al Máliqui: Foi o mais fa- Islã.
moso autor sobre as plantas e dos remédios 8. Y’acoub Ibn Itzhaq Al Kindi: Foi sábio na
na Idade Média. É considerado o “pai dos medicina e na filosofia, aritmética e lógica,
farmacistas e dos botânicos.” música, geometria, numerologia e astronomia.
2. Ibn Annafis, O Damasceno: Foi um dos A biografia desses cientistas e o estudo de
mais eminentes médicos anatomistas. Foi o suas obras científicas foram objeto dos pes-
descobridor do sistema sanguíneo menor (o quisadores e estudantes através da história.
sistema pulmonar de sangue), que era des-
conhecido até então.
3. Abu Bakr Arrázi: Um dos mais famosos Os desafios que o Islã
médicos da Idade Média. Ficou conhecido enfrenta hoje em dia
na ciência médica e química.
4. Abu Ali Ibn Sina (Avicena): O mais famo- Primeiro: A incorreta associação ao terro-
so filósofo e médico do Oriente. É conside- rismo, principalmente depois dos aconteci-
rado “O Doutor dos Doutores”. mentos de 11 de setembro de 2001, apesar de
5. Jábir Ibn Hayyan: Um proeminente sábio se saber que o Islã rejeita quaisquer atenta-
conhecido também pelo nome latino Geber. dos criminosos que atingem inocentes, não
É considerado o pai da química (al-khi- importando a que religião, raça ou prefe-
miya). Introduziu o método experimental e rência política pertençam.
foi o primeiro a inventar numerosos proces- O Islã respeita o ser humano, é benevo-
sos na ciência química que continuam sendo lente para com os animais, protege o meio
usadas na química moderna até hoje e estão ambiente, e o sistema ecológico. Se for ver-
ligadas ao seu nome na história mundial. dade que o atentado foi praticado por mu-
6. Al-Hassan ibn Al Haitham: Foi um dos çulmanos, mesmo que duvidemos disso, o
mais eminentes sábios do século onze. Nin- Islã está isento daqueles criminosos porque
guém se igualava a ele na ciência matemáti- eles só representam a si mesmos.
ca. Foi o maior descobridor da ciência ótica O problema é que os meios de comuni-
desde Ptolomeu. cação só divulgam o que difama o Islam e os
Pioneiro do método científico. Seu livro muçulmanos.

Revista Evidências - 27
Segundo: O véu islâmico (hijab), que se tor- briu.” (Gênesis 24:65).
nou problema político e deu ensejo a muita Na 1ª Epístola de Paulo A Timóteo ele
controvérsia, apesar de ser direito pessoal diz: “Da mesma sorte, que as mulheres, em
do indivíduo vestir o que quiser, contanto traje decente, se ataviem com modéstia e
que não prejudique ninguém nem ultrapasse bom senso, não com cabeleira frisada e com
os seus direitos. O hijab, na verdade, é um ouro, ou pérolas, ou vestuário dispendioso,
símbolo de libertação da mulher em relação porém com boas obras (como é próprio às
aos conceitos tradicionais de beleza e des- mulheres que professam ser piedosas).
nudamento vigentes no ocidente. A mulher aprenda em silêncio, com toda
Ao contrário do que defendem os críti- a submissão.” (I Timóteo 2:9-11). Encon-
cos do Islã, a nudez é que causa os resulta- tramos o mesmo tipo de texto no Evangelho,
dos negativos, não o véu. Este não é veste pois não vemos nenhuma figura da Virgem
apenas dos muçulmanos. Ele era obrigató- Maria (a.s.) sem véu. E Por isso as freiras
rio nas outras religiões, com regras mais continuam conservando o uso do véu. Esse
duras do que as islâmicas. assunto necessita de uma pesquisa específi-
O véu exigido pelo Islã não atrapalha ca que não podemos abordar agora.
o trabalho da mulher e os seus movimentos Este é o Islã, que protege as pessoas,
na sociedade. Por exemplo, Will Durant, em não permitindo que sangue seja derramado;
sua obra: “A História das Civilizações”, v. protege os bens, não permitindo que sejam
14, páginas 34-35, diz: ”O homem tinha o roubados; protege a moral, não permitin-
direito de se divorciar da esposa que deso- do que seja maculada; o Islã, que fornece
bedecia as leis judaicas, se ela aparecesse ao corpo as suas necessidades, ao espírito
perante as pessoas sem um véu, ou se re- a sua felicidade, realizando a coesão entre
quebrasse na via pública, ou se conversasse os direitos do indivíduo e da sociedade, da
com pessoas estranhas, ou se elevasse a voz, mulher e do homem, espalhando segurança
ou se estivesse conversando, no lar, e os vi- entre as nações; o Islã, que foi revelado por
zinhos ouvissem a sua voz.” Deus ao Seu nobre Mensageiro (S.), e não o
O Velho Testamento tem muitas citações Islam dos violentos e embusteiros.
a respeito do véu que demonstram que as O objetivo do Islã, na sua mensagem
mulheres daquela época usavam o véu e a como uma eterna missão divina, é: reforma
contenção, cobrindo-se para não serem vis- da humanidade, manutenção da organiza-
tas por estranhos. ção da vida, elevação da Palavra de Deus,
Dentre essas citações, é o que podemos instauração do Monoteísmo puro no lugar
ler em gênesis: “E perguntou ao servo: do ateísmo, da dualidade, da trindade e do
Quem é aquele homem que vem pelo cam- secularismo; adoção da lei de Deus e não
po ao nosso encontro? É o meu senhor, da lei da selva como fonte para os valores
respondeu. Então, tomou ela o véu e se co- e as avaliações que vinculam as relações

28 - Revista Evidências
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A História do
ISLÃ
PARTE I

30 - Revista Evidências
A – O Islã e a história to de narrativas e histórias.”
5. O objetivo de se auferir conhecimento des-
I. O Alcorão Sagrado e a História sa fonte foi citado no Alcorão em muitos ver-
sículos. Dentre eles, citamos as palavras de
1. O Alcorão Sagrado é Orientação de Deus Deus Altíssimo: “Nesta (Surata) chegou-te a
(1), com a qual Ele agraciou a humanida- verdade, e a exortação e a mensagem para
de para encaminhá-la à senda mais reta (2). os crentes” (8). “Para fazermos disso um
Esta Escritura Sagrada é a explanação de memorial para vós, e para que o recordasse
tudo, a elucidação de todas as coisas. Den- qualquer mente atenta” (9). “Em suas histó-
tre os conhecimentos dos quais os servos rias há um exemplo para os sensatos” (10).
necessitam o Alcorão nada deixou sem es- 6. O conhecimento adquirido pelo homem
clarecer. Ele abrange informações sobre o por intermédio da história, entendida como
céu e a terra, sobre o passado, o presente e ação humana, supera o conhecimento teóri-
o futuro. co, que não compreende a prática e a apli-
2. Pode-se conceituar história como o con- cação, no grau de convencimento e sancio-
junto das experiências humanas passadas. namento. Deus, Exaltado seja, diz: “E tudo
O Alcorão a considera uma fonte de conhe- o que te relatamos, da história dos mensa-
cimento, incentivando a humanidade a co- geiros, é para que se firme o teu coração.”
nhecê-la e tirar proveito dela, dizendo: “Já (11)
houve exemplos, antes de vós; percorrei, 7. Resulta desse conhecimento a possibilida-
pois, a terra e observai qual foi a sorte dos de de imitação e o seguir o exemplo daque-
desmentidores.” (6) les que foram bem sucedidos praticamente
E disse, dirigindo-se ao Profeta (S): “Refere- em suas vidas. Por isso, o Alcorão conside-
lhes estes relatos, a fim de que meditem” (7) rou os Profetas que tiveram sucesso no se-
3. O Alcorão possui um método perfeito e guimento da senda reta nesta vida terrena
evidente para tratar da história humana, em exemplos e líderes para os outros.
todos os seus ramos, âmbitos e níveis. Deus, Altíssimo, diz: “Tivestes um ex-
4. O Alcorão possui verdades históricas in- celente exemplo em Abraão e naqueles que
teressantes. A sua preocupação com a histó- o seguiram.” (12). E diz, ainda: “Realmen-
ria atingiu um nível que o fez repetir algu- te, tendes no Mensageiro de Allah um exce-
mas verdades e detalhá-las, como se fosse lente exemplo” (13).
um livro dedicado a esta ciência, a ponto de 8. Essa fonte se destaca das outras fontes
se ter dito: “um terço do Alcorão é compos- históricas por ser uma revelação da fonte da
ciência, que abrange as verdades das coisas

1) Surata Al Bacara, versículo 120 - 2) Surata Al Isrá, versículo 9 - 3) Surata An Nahl, versículo 89 - 4) Surata Youssuf, versículo 111
5) Surata Al An’ám, versículo 38 - 6) Surata Al ‘Imran, versículo 137 - 7) Surata Al A’raf, versículo 176 - 8) Surata de Hud, versículo 120
9) Surata Al Hácca, versículo 12 - 10) Surata Youssuf, versículo 111 - 11) Surata Hud, versículo 120 - 12) Surata Al Mumtahana, versículo 4
13) Surata Al Ahzab, versículo 21

Revista Evidências - 31
e a sua comprovação de forma integral. Des- jos: Prostrai-vos ante Adão! Todos se pros-
taca-se, também, pela precisão, pela veraci- traram, exceto Lúcifer que, ensoberbecido,
dade, pelo realismo, em todas as fases da se negou, e incluiu-se entre os incrédulos.
história humana. Destaca-se, também, por Determinamos: Ó Adão, habita o Paraíso
sua milagrosa potencialidade em empregar com a tua esposa e desfrutai (juntos) dele
as verdades históricas para a orientação do da sua abundância como vos aprouver; po-
ser humano, educando-o para conduzi-lo na rém, não vos aproximeis desta árvore, por-
direção da perfeição necessária. que vos contareis entre os injustos.
Todavia, Satã os seduziu, fazendo com
II. A H istória do H omem no que saíssem do estado (de felicidade) em que
A lcorão S agrado se encontravam. Então dissemos: Descei!
Sereis inimigos uns dos outros, e, na terra,
1. O Alcorão esclarece que o surgimento da tereis residência e gozo por um determinado
profecia é considerado o início do período tempo. Adão obteve do seu Senhor algumas
histórico do homem. Ele o faz nos seguin- palavras de inspiração, e Ele o perdoou,
tes versículos: “(Recorda-te, ó Profeta) de porque é o Remissório, o Misericordioso.
quando teu Senhor disse aos anjos: Vou ins- E ordenamos: Descei todos daqui!
tituir um legatário na terra! Perguntaram- Quando vos chegar de Mim a orientação,
Lhe: Estabelecerás nela quem ali fará cor- aqueles que seguirem a Minha orientação
rupção, derramando sangue, enquanto nós não serão presas do temor, nem se angus-
celebramos Teus louvores, glorificando-Te? tiarão.” (14). E diz a respeito da prefe-
Disse (o Senhor): Eu sei o que vós ignorais. rência dada a Adão (AS) para a profecia:
Ele ensinou a Adão os nomes (de todas “Na verdade, Allah preferiu Adão, Noé, a
as coisas) e depois apresentou-os aos anjos família de Abraão e a de Imran, a toda a
e lhes falou: Nomeai-os para Mim se esti- humanidade” (15). Portanto, Adão (AS)
verdes certos. Disseram: Glorificado sejas! representou a linhagem das profecias da
Não possuímos mais conhecimento além do orientação divina para a humanidade, para
que Tu nos proporcionaste, porque somente tirá-la da era do instinto para a era da ra-
Tu és Prudente, Sapientíssimo. zão, do círculo da luta instintiva para o cír-
Ele ordenou: Ó Adão, revela-lhes os culo da organização e da autoridade da lei.
seus nomes. E quando ele lhes revelou os Isso é atestado pelas palavras de Deus,
seus nomes, asseverou (Allah): Não vos Alatíssimo: “No princípio os povos consti-
disse que conheço o mistério dos céus e tuíam uma só nação. Então, Allah enviou os
da terra, assim como o que manifestais e profetas como alvissareiros e admoestadores
o que ocultais? E quando dissemos aos an- e enviou, por eles, o Livro, com a verdade,

14) Surata Al Bacara, versículos 30-38 - 15) Surata Al ‘Imran, versículo 33


16) Surata Al Bacara, versículos 213

32 - Revista Evidências
para dirimir as divergências entre os homens. homem e o seu estabelecimento na terra,
Porém, aqueles que o receberam só di- dizendo: “Da progênie de Adão, Deus es-
vergiram a seu respeito depois de lhes terem colheu profetas e obteve deles a promessa
chegado as evidências, por egoísta teimosia. quanto à Sua revelação, também de porta-
Porém, Allah, com a Sua graça, orientou os rem a mensagem, como fiduciários. No de-
crentes para a verdade quanto àquilo que é correr do tempo muitos indivíduos perver-
a causa das suas divergências; Allah enca- teram a confiança de Deus para com eles,
minha à senda reta quem Lhe apraz.” (16). ignoraram-Lhe a posição e acataram ídolos
2. O Alcorão considera a linhagem da pro- juntamente com Ele.
fecia como o eixo principal da atividade Satanás fez com que eles deixassem
humana, na construção da civilização. Nas de O conhecer, e os manteve afastados da
suas bases surgiu a história do homem, a adoração a Ele. Então Deus enviou os Seus
quem Deus concedeu o instinto, a capacida- mensageiros e vários dos Seus profetas junto
de de raciocinar e o livre arbítrio. a eles, para fazerem com que preenchessem
Observemos as palavras de Deus, Al- os requisitos da Sua criação, recordassem
tíssimo: “Quando vos chegar de Mim a das Suas benesses, para os exortarem, pela
orientação, aqueles que seguirem a Minha pregação, a desvelarem as ocultas virtudes
orientação não serão presas do temor, nem da sabedoria, para lhes mostrarem os sinais
se angustiarão. da Sua Onipotência.
Aqueles que descrerem e desmentirem Ou seja, os céus que são elevados sobre
os Nossos versículos serão os condenados eles, a terra, colocada sob eles, os meios de
ao Inferno, onde permanecerão eternamen- vida que os sustentam, a morte que os faz
te.” (17). E as palavras: “No princípio os perecer, as aflições que os fazem envelhe-
povos constituíam uma só nação. Então, cer e os incidentes de que sucessivamente
Allah enviou os profetas como alvissareiros são acometidos.
e admoestadores…” (18) Deus jamais permitiu que a Sua cria-
Não há mais clareza do que nas palavras ção ficasse sem um profeta por Ele institu-
de Deus, exaltado seja: “… e cada povo tem ído, ou sem um livro procedente d’Ele, ou
o seu guia.” (19). “... para que os humanos um argumento unificante ou uma alegação
não tivessem argumento algum ante Allah, permanente.
depois do envio dos Mensageiros.” (20). Esses mensageiros eram de uma fibra
O Imam Ali (AS) esclareceu essa ver- tal, que não se sentiam diminuídos por cau-
dade depois da apresentação de seu regis- sa da pequenez do seu montante, ou da enor-
tro histórico quanto à formação do mundo, midade dos seus desmentidores. Entre eles
ensinando sobre a criação, o surgimento do havia um predecessor que nomearia a quem

17) Surata Al Bacara, versículos 38-39 - 18) Surata Al Bacara, versículos 213 - 19) Surata Ar Ra’d, versículo 7 - 20) Surata An Nissá, versículo 165

Revista Evidências - 33
deveriam seguir, ou um seguidor que havia este mundo sem deixar atrás de si um claro
sido apresentado pelo predecessor. e inteligente conjunto de diretrizes e um pro-
Dessa maneira, passaram-se eras, e eminente e duradouro emblema.”
o tempo passou, pais se foram, e os filhos 3. O Nível da Pesquisa Histórica
lhes tomaram o lugar. Deus, então, deputou
Mohammad (S) como Seu Profeta, em cum- As pesquisas históricas se diversificam
primento à Sua promessa e no complemento naquilo que diz respeito à história do ho-
da Sua Profecia. Seu pacto tinha sido selado mem em três níveis, apesar de seu vínculo e
pelos profetas. Caraterizava-o a boa reputa- a dependência uma da outra:
ção e a sua genealogia era honorável. 1. A pesquisa histórica tradicional – Pre-
Os povos da terra, naquele tempo, es- ocupa-se em transmitir os acontecimentos
tavam divididos em diferentes facções, suas históricos, certificar-se de sua veracidade,
finalidades eram separadas e as maneiras conhecendo o método de sua verificação;
eram diversas. 2. A pesquisa hostórica analítica – Preocu-
Eles ou se apegavam a Deus e à Sua pa-se em analisar os acontecimentos históri-
criação, ou Lhe distorciam os nomes, ou se cos através do conhecimento de suas causas
voltavam para outro que não Ele. e o descobrimento de seus vestígios e resul-
Por meio de Mohammad (S), Deus os tados, além de preocupar-se com o alcance
guiou para fora do erro e, com os esforços de seu vínculo com os acontecimentos que
dele, tirou-os da ignorância. Então, Deus lhe são contemporâneos;
achou por bem escolher Mohammad (S), de 3. A pesquisa histórica filosófica (filoso-
acordo com os seus descendentes (AS), para fia histórica) – Preocupa-se com a desco-
que fosse ter com Ele, selecionando-o para berta das tradições que determinam a his-
a Sua proximidade, sendo que o considera- tória do homem, como ele age, as etapas
va muito dignificado para permanecer neste da história humana, as dificuldades de
mundo, decidindo então tirá-lo deste lugar evolução da marcha histórica em linhas
de provações. Desse modo, Ele o chamou gerais e a previsão do futuro que aguarda
para Si, com honrarias. Que Deus derrame a humanidade.
Suas bênçãos sobre ele e os seus descenden- A pesquisa histórica filosófica consegue
tes! fornecer ao pesquisador o poder de análi-
Quando o Profeta (S) partiu deste mun- se, de exegese, de invenção para utilizar os
do, deixou entre vós as mesmas coisas que acontecimentos históricos a serviço do ho-
foram deixadas por outros profetas a seus mem, de forma geral.
seguidores, porque nenhum deles deixou O Alcorão Sagrado preocupou-se com

21) Ver o versículo 19 da Surata Al ‘Imran, e o versículo 28 da Surata de Sabá.


22) Ver o versículo 112 da Surata Al Bacara, o versículo 125 da Surata An Nissá, e o versículo 22 da Surata Lucman.
23) Ver o versículo 19 da Surata Al ‘Imran, os versículos 18, 132 e 133 da Surata Al Bacara e o versículo 36 da Surata Az Záriyat.

34 - Revista Evidências
a pesquisa histórica nos seus três níveis divina na vida de toda a humanidade.
por seus vínculos e por não prescindir de O Alcorão atribuiu o nome de Islam
nenhuma delas. à mensagem final que foi transmitida pelo
B - A história do I slã senhor dos mensageiros e o derradeiro dos
profetas, Mohammad Ibn Abdullah Ibn Ab-
1. O que é o Islã? dul Mutalib (S), de forma especial, dizendo:
“Quem quer que siga outra religião, que
O Islam é a religião de Deus para toda a não seja o Islam, (ela) jamais será aceita
humanidade (21). É a mensagem divina para e, no Outro Mundo, contar-se-á entre os
uma mudança total. Visa a mudar a vida do desventurados” (3:85).
homem de forma completa e básica.
É uma revolução sobre o politeísmo, 3. História da Linha Profética
em todos os sentidos: seus valores, seus
fenômenos e suas formas, em todas as di- A história do Islã é história da Mensa-
mensões que estão ligadas com a vida do gem Islâmica, que foi revelada para tirar as
homem, porque o Islam, na sua realidade pessoas das trevas e transportá-las para a
e abrangência, é a “submissão total à von- luz. Não é a história de quem ocupou o trono
tade divina”, é a submissão da mente e do da autoridade e do califado e governou em
pensamento, da vontade e do ato a Deus nome do Mensageiro de Deus (S); não é a
Único, de forma completa e em todas as história de alguns muçulmanos, mas é a his-
atividades da vida. (22). tória dessa mensagem final, na medida que
ela possui de presença e extensão na vida
2.Qual é a História do Islã? dos muçulmanos. Nela, encontramos os re-
latos sobre os comandantes designados por
Se o Islam é a religião de Deus para a Deus e os imames infalíveis (guias correta-
humanidade por toda a vida (23), a sua his- mente guiados), que o Mensageiro de Deus
tória é a de todas as mensagens de Deus, (S) designou, por ordem de Deus, glorifi-
exaltado seja, começando pela mensagem do cado seja, para preservar da profanação a
pai da humanidade, Adão (AS), e terminan- mensagem original.
do com a mensagem do derradeiro dos pro- Com estas pessoas especiais, Deus Altíssimo
fetas, Mohammad Ibn Abdullah (S). protegeu a essência divina de Sua mensagem
O Alcorão tratou de todas essas mensagens, após o falecimento do Profeta (S), evitando
fornecendo-nos um quadro completo a res- a introdução da falsificação nela. Estes ima-
peito da história geral do Islam e os enormes mes infalíveis perseveraram na sua conso-
empenhos que todos os mensageiros de Deus lidação e aprofundamento, dedicando-se à
empreenderam, bem como os seus seguido- sua proteção e defesa.
res, para estabelecer as bases dessa religião Assim sendo, suas vidas representam a

Revista Evidências - 35
vida da mensagem, suas posições, a posi- cadas, o Profeta Muhammad (S) recebeu a
ção legal, e seu movimento, o movimento Mensagem Divina, propagou-a e unificou
da religião divina, porque incorporam seus as tribos árabes do Hejaz, preparando o
valores e suas realidades, demonstrando terreno para a expansão magnífica que a
isso fidedignamente em seus ensinamentos Civilização Islâmica teria nos mil anos
e práticas. seguintes. A era do Profeta (S) é composta
A sua história é a história da linha pro- por dois períodos distintos:
fética, em todas as suas etapas e suas inti- O período maquense, isto é, transcorri-
midades. Não é a história de um indivíduo do em sua cidade natal, Makka; e o período
ou de algum muçulmano. Por isso, a histó- medinense, isto é, transcorrido na cidade
ria dos líderes benditos, Mohammad (S) e que o acolheu, Yathrib, posteriormente de-
a nata de seus familiares (AS), é a história nominada Medinat Rassul (“Cidade do Pro-
verdadeira do Islam, por serem a medida e o feta) ou, simplesmente, Medina.
alto exemplo do movimento dessa mensagem O primeiro começa com a missão profé-
no plano humano. tica em Makka e termina com a Hégira (emi-
gração) de Makka para Medinat Munauwara
4. Época da Revolução e a Fundação da Na- (“Cidade Iluminada”). O segundo começa
ção Islâmica com a Hégira do Profeta (S) para Medina e
termina com o seu falecimento nesta cidade.
A história do Islam começa com o início Em ambos os períodos, a revelação di-
da missão bendita, no dia 27 de Rajab, 13 vina foi o orientador direto do Profeta Co-
anos antes da Hégira, quando a missão fi- mandante (S) e dos Imames muçulmanos,
nal iniciou a sua marcha, penetrando na so- por meio dos versículos do Alcorão Sagra-
ciedade árabe e humana por intermédio do do. Estes foram revelados durante os vinte e
Mensageiro-mor, Mohammad Ibn Abdullah três anos da missão de Muhammad (S), inin-
(S). Ele foi protagonista de uma revolução terruptamente.
divina modificadora, a partir da cidade de O Alcorão Sagrado conservou esses dois
Makka (ou “Meca”), situada na região do períodos para nós. Podemos obter a história
Hejaz – atual Reino da Arábia Saudita. destas duas etapas no momento em que co-
Este movimento nobre terminou com a nhecemos a sequência da revelação dos ver-
formação da Nação Islâmica (Umma Isla- sículos do Alcorão Sagrado de forma correta.
miya), que foi gerada pelo seu empenho 5. Período do Legado Quanto à Revolução e
ininterrupto e seu sábio comando, no mais a Nação Islâmica.
curto período possível na história das O movimento de mudança total da so-
mensagens celestiais. Entre 610 A.D e 633 ciedade politeísta, tal qual se encontrava
A.D, ou seja, em pouco mais de duas dé- a sociedade árabe pagã à época anterior

24) É o décimo primeiro Imam.


25) É o décimo segundo Imam, nascido no ano 255 da Hégira. Ele permanece vivo, ausente da vista das pessoas, até que, com a anuência de Deus,
ressurja e instale o governo da justiça contra a tirania no mundo.

36 - Revista Evidências
ao Islam, com seus conceitos, valores, cos- lecimento do Mensageiro de Deus (S) e ter-
tumes e organizações, exigia um legado mina com a morte do Imam Al Hassan Al
doutrinário firme. ‘Askari (24) (AS), no ano 260 da Hégira.
Este legado deveria instituir uma re- 2. O Período da Ausência: Começa com o
volução de crenças e costumes, além de falecimento do Imam Al Hassan Al ‘Askari
inspirar a jovem nação profética, porque o (AS) e permanece até o surgimento do Imam
caminho à sua frente era longo e tão ex- Al Mahdi (AS) (25).
tenso quanto as enormes diferenças entre o 3. O Período do Surgimento: Começa com o
politeísmo e o Islã. surgimento do Imam Mohammad Al Mahdi
O intervalo que durou a Revolução e a (AS) e permanece até os dias de hoje, esten-
Nação Profética, entendida esta como o pe- dendo-se por toda a terra, até o momento em
ríodo em que o Profeta Muhammad (S) go- que este Imam se levante contra a injustiça
vernou a Umma Islamiya, não foi suficiente e a opressão.
para cortar todas as raízes do politeísmo e
sua órbita.
O registro dos acontecimentos poste-
riores ao falecimento do Mensageiro (S)
comprovou-o, tornando-se sua sucessão
um brinquedo com a qual brincavam os
“meninos omíadas”, isto é, a dinastia dos
Bani Ummaiyah, que enfrentou ferozmente
a Convocação Profética e a Missão Divina
desde o seu nascedouro, em Makka, até o
último instante.
Por isso, o Profeta Comandante (S) de-
signou, por ordem divina, doze pessoas re-
comendadas para a sua Revolução, Convo-
cação e Missão. Os deveres destas pessoas,
especialmente eleitas por ele era comandar
a sua Comunidade e sua Nação Divina após
seu falecimento, eram: desempenhar a fun-
ção de defesa da Lei de Deus, da Nação do
Mensageiro de Deus e da Comunidade do
Selo dos Profetas (S).
Esse período dos imames probos é divi-
dido em três fases distintas:
1. Período da Presença: Começa com o fa-

Revista Evidências - 37
O que significa
“DIN”?
PARTE I

“ O auge do conhecimento é o temor a Deus”

A
palavra “Din” foi utilizada na língua ser: do mesmo modo que pune, será punido.”
árabe com diversos significados. Eis al- 2- Como obediência: O termo Din foi utilizado
guns: em alguns temas no Sagrado Alcorão com o
1 – Como punição: Foi utilizada com o sentido sentido de obediência. Disse Deus, Glorificado
de punição em diversas passagens no Sagrado e Exaltado seja: “Seu é tudo quanto existe nos
Alcorão. Disse Deus, Glorificado e Exaltado céus e na terra. Somente a Ele devemos obe-
seja: “Soberano do dia do Juízo” – em árabe: diência permanente. Temeríeis, acaso, alguém
“Máliki yaumi’Din” – isto é, “Soberano do Dia além de Deus?” (An-Nahl, 52).
da Punição”. (Surata “Al-Fátiha”, 4). Foi utilizado, ainda, em vários momentos
Foi utilizada, também, nos nobres Ditos nos Nobres Ditos Proféticos no sentido de obe-
Proféticos1 com o significado de punição, como, diência como, por exemplo: “O conhecimento é
por exemplo: “Ó filho de Adão! Seja o que qui- o Din que se pratica”, isto é: “é a forma pela

1 - Ditos proféticos: tradução de “ahádice ach-charifa”, que compreende o conjunto dos ditos e atos do Profeta Mohammad (S).

38 - Revista Evidências
qual obedecemos a Deus”. E “o homem ado- contradição nem discrepância. Um aspecto digno
tou o Islã como Din”: significa que o homem é de nota é que o Alcorão não utiliza, em absoluto,
devoto do Islã e tornou-se religioso através dele. a palavra Din no plural, ou seja, “Adian”. Afir-
Se quisermos conhecer o Din, de modo geral e ma, sim, no singular como, por exemplo: “Para
sucinto, podemos dizer: O Din é conhecimento e Allah, a religião (Din) é o Islã. E os adeptos do
obediência, de acordo com a determinação divi- Livro só discordaram por inveja, depois que a
na. Para esclarecer isto, dizemos: verdade lhes foi revelada. Porém, quem nega os
Os princípios e as bases do pensamento e versículos de Allah, saiba que Allah é Destro em
da conduta doutrinária e ideológica do ser hu- ajustar contas”. (Ál-Imrán, 19). “Quem quer
mano são os próprios princípios da religião. que siga outra religião (Din), que não seja
Pretende-se com isto dizer que são estes princí- o Islam, (ela) jamais será aceita e, no Ou-
pios compreendem questões vinculadas à crença tro Mundo, contar-se-á entre os desventu-
e à conduta reflexiva do ser humano, sobre os rados”. (Ál-Imrán, 85).
quais são construídos os componentes da reli- Cabe, aqui, referência a outro conceito im-
gião ligados às ações humanas, ou seja, ligados portante dentro da ideologia e teologia muçul-
à conduta prática da pessoa. As determinações mana, que é o de “Lei Islâmica” (sharí‘a ou,
da religião agem no sentido de dar uma orienta- simplesmente, xaria). Este conceito compreende
ção quotidiana ao ser humano e organizar a sua o conjunto de conhecimentos e preceitos morais
vida individual e social. Em síntese, o conheci- e sociais que regulam a vida do muçulmano. Ba-
mento e a crença são chamados princípios do seada no Alcorão, nos ahadith (ditos) e na sunna
Din. Portanto, Din é conhecimento, obediência, (práticas) do Profeta (S.), a xaria é passível de
conhecimento dos princípios religiosos e obedi- ser modificada com o tempo, a evolução das so-
ência a suas determinações. ciedades e o aperfeiçoamento das nações. Dessa
Assim, o seguidor da religião islâmica in- forma, sofre o molde das mudanças que ocorrem
fere que o conceito de Din , partindo-se de um no mundo sensível – nos seus aspectos político,
ponto de vista puramente corânico2 , é profundo social e econômico – respondendo às questões
e complexo. Este conceito compreende a ação que se impõem em cada época. Aqui, não há pro-
divina em geral, que abrange todas as pessoas, blema em se utilizar o plural. Pode-se dizer “Leis
animais, plantas e coisas, em qualquer tempo e Islâmicas” (shará-i‘). No Alcorão há a palavra
lugar, não aceitando qualquer modificação ou xaria no plural. O objetivo da explanação feita
transformação com o passar do tempo e a su- até aqui é mostrar que há uma única religião.
cessão das gerações. É necessário que todas as Como vemos, por exemplo, no versículo seguinte,
pessoas sigam o entendimento do Alcorão, pois em que Allah faz referência sobre a existência de
a Escritura apresenta-se à humanidade como leis para cada nação, utilizando a palavra “lei
Verdade válida em toda sua evolução histórica, islâmica” no plural. Afirma: “A cada um de vós
mantendo um só aspecto ao longo do tempo, sem temos ditado leis e normas”. (Al-Má’ida, 48).

2 - I.é, referente ao Alcorão Sagrado, a Escritura islâmica.

Revista Evidências - 39
Assim sendo, na verdade, a humanidade corro e a cujas ordens e vontade deve-se sub-
foi exortada para uma única religião, o Islã3 meter.
, que tem os mesmos fundamentos em todos os A religião é reflexo do intelecto, que busca,
períodos e todos os tempos. Todas as legisla- para cada efeito, uma causa. O intelecto huma-
ções, em cada tempo e circunstância, foram o no vê que há um movente para cada coisa que se
caminho para se chegar a uma religião única. move e, ainda, percebe que há uma lei para cada
As legislações não eram senão sendas para a ente que existe nesta vida. A religião é a meta úl-
as nações e para os povos: para cada povo, de tima da alma, oferecendo fortaleza para que ela
acordo com o que era exigido em seu tempo e se defenda dos temores, proteção que a salva dos
suas necessidades. deslizes, abrigo onde se refugia das oscilações
Porém, quanto à palavra milla (credo, dou- da vida e companhia no momento de solidão.
trina), ela significa as diretrizes pelas quais sub-
siste, permanece e se mantém a vida humana e A religião como disposição inata
nela deve-se entender que está incluído “o rela-
cionamento e a aprendizagem com os outros”. A religião é uma disposição natural sólida
A este respeito, o Alcorão Sagrado acres- e inata, que depende de uma força grandiosa,
centa a seguinte expressão utilizada por Deus da qual provém tudo quanto existe. É um poder
para os Mensageiros e para os povos: “Segui- vencedor e imenso, diante do qual qualquer indi-
mos o credo de Abraão, o monoteísta, que víduo poder torna-se pequeno; é conhecimento
jamais se contou entre os idólatras.” (Al- abrangente, de cuja luz nutre-se todo sábio; é
Baqara, 135). perfeição absoluta e completa, da qual necessita
“... porque renunciei ao credo daque- tudo que é perfeito. Os historiadores das religi-
les que não crêem em Deus e negam a Vida ões empenharam-se na análise dos vestígios res-
Futura”. (Youssuf, 37). tantes da cultura do homem antigo; analisaram
Tanto a doutrina como as leis islâmicas con- as primeiras espécies humanas; analisaram as
cordam na seguinte distinção: a palavra “Cre- situações e ações da criança em seus primei-
do” não se aplica a Deus. Por isso, dizemos: ros anos de vida; esforçaram-se na análise e na
“Credo de Mohammad” e “Credo de Abraão” comparação entre os resultados de tudo isso.
mas, não “Credo de Deus”. Ficou confirmado entre muitos algo indubitável:
Após esses esclarecimentos, perguntamos: a religiosidade é uma disposição natural, assim
o que é, afinal, religião (Din)? Qual é a sua utili- como a dependência do Invisível e Superior.
dade e necessidade para o ser humano? A confirmação desta realidade transcenden-
A religião é uma disposição natural de todo te pela via cientificista é árdua; exige muito es-
o ser humano, presente na sua mais recôndita forço e, ainda assim, muita gente considera esta
essência. Ela fala ao íntimo do homem que há possibilidade remota, seno-lhes custoso crer.
um Ser Superior em Quem se refugiar, para sua Sobre a confirmação desta necessidade do
proteção, a cuja força pode-se buscar para so- transcendente, há uma via mais próxima para

3 - Islã significa “submissão à vontade de Deus”.

40 - Revista Evidências
o entendimento humano, menos penosa e mais tado por um meio incrédulo e adverso à religião.
rápida para a certeza, distante das dúvidas de Este sustentáculo depositado na essência
certos pensamentos em torno da via adotada pe- do ser humano é o que evita a desatenção; por
los historiadores das religiões. O Alcorão reite- intermédio dela (a religião), Deus apresenta-lhe
ra que esta é uma verdade geral e abrange todas argumentos que suprimem suas pretensões.
as pessoas, tanto as que foram e as que virão. Este sustentáculo repousa no íntimo de cada
Vejamos as palavras do Altíssimo: um. Por que, então, distanciar-se para procurar
“E de quando o teu Senhor extraiu
entendê-la e encontrar seu vestígio?Por que re-
das entranhas dos filhos de Adão os seus
correr às profundezas da história, das florestas
descendentes e os fez testemunhar contra
si próprios, dizendo: Não é verdade que desconhecidas e procurar no silêncio das ruínas?
sou o vosso Senhor? Disseram: Sim! tes- O homem pesquisou os instintos dos ani-
temunhamo-lo! Fizemos isto com o fim de mais, a necessidade dos vegetais e dos minerais,
que no Dia da Ressurreição não dissésseis: determinou as necessidades de cada gênero e de
Não estávamos cientes.” (Al-A‘ráf, 172). cada espécie. Por que ignora seu próprio dom
Ou seja, à luz das Escrituras, este é um re- natural e acha dificultosas as informações e os
conhecimento natural, inato e geral, reconheci- vestígios que atingem o argumento claro sobre
do por todos os seres perante seu Criador, desde esta disposição inata à religião?
o momento em que o ser humano iniciou o po- Quanto ao animal, o vegetal e os minerais,
voamento da terra. Desde então, os homens tes- não lhes são confusas as coisas que lhes são
temunham Sua Divindade e acatam o comando naturais; estes seres, tampouco, questionam as
de Sua ordem como sendo o sustentáculo da fé,
leis naturais ou dialogam com elas. O Filho de
sendo esta depositada por Deus no ser humano
Adão é o único que questiona a si próprio e exi-
como um indicador da Grande Verdade, isto é, a
ge argumentação.
verdade sobre a Divindade. A fé conduz o ser hu-
Algumas tradições e costumes podem es-
mano para o reconhecimento desta Divindade,
tar profundamente enraizados na sociedade e,
inibindo-o de ficar desatento a ela. Pelo contrá-
em função disso, podem ter grande valor social
rio, a verdadeira fé impulsiona-o para o esforço
e aval sólido dos indivíduos. As tradições e cos-
no sentido de procurar a prova sobre ela mesma.
Às vezes, o pensamento da pessoa é tomado tumes confundem as pessoas como parecendo
pela dúvida quanto à Senda Reta. Aí, então, muitos dom natural. Para fazer a distinção, é necessá-
tornam-se ateus, influenciados pela imaginação, rio método. É preciso analisar seus fenômenos,
por leituras desvirtuadas, por preguiça e outras buscando o legado que nos deixaram as espécies
influências. Então, abandonam a crença num Ser humanas ancestrais, as análises arqueológicas
Supremo, Uno e Único, ou associam a Deus outra deixadas pelo homem da antiguidade, seus teste-
divindade. Mas, jamais se desapercebem do funda- munhos, escritos ou não. Esses elementos estão
mento desse inatismo mesmo que, a princípio, es- mais próximos do dom natural e suas condutas e
tejam distante da verdade e mesmo que sejam afe- ações são o melhor argumento favorável à dispo-

Revista Evidências - 41
sição natural do ser humano quanto à crença no “Vosso Senhor é Quem faz os navios sin-
transcendente. grarem o mar para que procureis algo da Sua
O Alcorão e a inclinação natural graça, porque Ele é Misericordioso para con-
para a religião vosco.”. (66-67).
E disse, ainda, no capítulo An-Nahl: “To-
O método do Alcorão para a confirmação das as mercês de que desfrutais provêm de
da disposição natural do homem quanto à cren- Deus; e quando vos atinge a adversidade, só
ça religiosa consiste em suprimir completamen- a Ele rogais. Logo, quando Ele vos livra da
te, por argumentos lógicos e sensatos, aquilo adversidade, eis que alguns de vós atribuem
que contradiz esta disposição ou aquilo que é parceiros ao seu Senhor”. (53-54).
tendencioso com relação a ela. Assim, a verdade Os contextos destes versículos sagrados são
e necessidade de crença nesta realidade inefável semelhantes. Seu propósito primeiro é levar o ser
manifestam-se por si mesmas, de forma evidente. humano a saber que só Deus é a fonte de todo
As adversidades que afetam o ser humano bem que advém ao homem e Ele é Quem evita
na sua vida quotidiana e as dificuldades de vá- todo mal que pode atingi-lo. O homem o diviniza
rias ordens que ele deve enfrentar ao longo de em todas as situações, não há outro abrigo a não
sua trajetória neste mundo são os elementos que, ser n’Ele; somente Ele rege todos os assuntos.
em grande parte, o impelem para o dom original A felicidade e a adversidade, situações dis-
de fé, não encontrando o homem, em sua vida, tintas entre as quais o ser humano freqüente-
senão o juízo deste dom e não ouvindo nada mente se encontra, bem como a muitas vezes re-
mais, a não ser o seu chamamento. pentina inversão de uma em outra e vice-versa,
Certamente que, na escuridão destas adver- são uma via para conhecimento do Senhor e a
sidades e na dificuldade do enfrentamento dos afirmação da certeza de Seu governo. São uma
problemas, brota no íntimo da pessoa um forte prova de que não há como o ser humano não
sentimento: o de que a luminosidade da fé e o aceitar a Sua autoridade.
espírito da esperança estão juntos em seu cora- O homem é servo e não é senhor nem de be-
ção, a partir da fonte de seu dom natural.Quanto nefícios nem de malefícios; só tem poder quando
mais o infortúnio for doloroso e severo, mais evi- Deus lhe dá poder, facilitando-lhe os meios para
dente torna-se a disposição natural e o chama- exercê-lo, sob Sua anuência.
mento mais elevado. O impulso de uma embarcação no mar, por
O Alcorão Sagrado descreve estes incidentes em exemplo, que provém de Sua supremacia, graça
vários capítulos, apresentando ao ser humano esta e misericórdia, depende da disposição de várias
realidade emocional, a fim de que reconheça o sen- leis físicas, que regem o universo, além da dispo-
timento religioso como um dom natural plantado em sição de muitas variáveis naturais.
seu coração e mente por Deus. Assim, o Criador o faz A mudança dessas leis, dispostas por uma
ouvir o que determina sua disposição natural, para mão poderosa, ou a falta de uma dessas vari-
que ela não fique incógnita e a criatura não decline. áveis, basta para a embarcação que navega no
Disse Deus no Capítulo Al-Isrá’: mar experimentar o contratempo. Mas, tudo

42 - Revista Evidências
isso não se realiza a não ser com Sua ordem, o próprio ser possível4 está sujeito, não cessa,
da qual se origina a elaboração de um ordena- persiste.
mento cósmico maior e a exigência de uma lei Quando ela surge, a criatura volta sua face
natural permanente. Para a embarcação experi- para onde está a sua necessidade, ou seja: para
mentar um contratempo, basta que haja mudan- o Excelente Absoluto, o único que pode removê-
ça numa única lei dessas centenas de leis físicas la; em situações críticas como essa, isso é mais
dispostas, ou que falte uma das várias condições evidente. Em situações críticas e severas, o ser
necessárias para a boa navegação, ou, ainda, humano volta-se ao seu Senhor. Sente que seu
que o mar esteja tenebroso, agitado, com ondas apego essencial, sólido e profundo, o conduz a
enormes, com dificuldades que suprimam a cer- Ele e o une a Ele, assegurando a benevolência
teza das direções e levem ao desastre. de Seu governo e a beleza de Sua Providência.
“Ele é Quem vos encaminha na terra e no O ser humano sente isso como um sentimen-
mar. Quando se acham em embarcações e estas to específico, profundo, sendo mais forte que os
singram (a água) ao sabor de um vento favorá- sentidos. Então, estende suas mãos para a espe-
vel, regozijam-se. rança e para a súplica.
Mas, quando os atinge uma tormenta e as A união essencial é a união de cada efei-
ondas os assaltam e crêem que estão cercados to com a sua causa, a qual faz o efeito existir,
por todos os lados, então imploram com sinceri- governando-o em sua existência e permanência.
dade e devoção a Allah: O sentimento essencial é o sentimento do
‘Se nos salvares deste perigo, con- ser humano para com esta união, esta relação
tar-nos-emos entre os agradecidos!’ que o fez avançar na existência e na sustentação
Mas, quando os salva, eis que provocam, da existência. Esse sentimento é essencial por-
injustamente, iniqüidade na terra.” (Yú- que está presente na essência humana.
nus, 22-23). É mais forte que os sentidos porque esta
ser humano, necessária para sua espécie e sua
A voz da disposição natural correta e sua união com o Criador é o princípio de cada sen-
pessoa; para sua permanência ou para seu ob-
dependência em relação ao Senhor do univer- timento do ser humano e o proceder de cada
jetivo.
so, o Poderoso, o Vencedor, nunca emudece percepção. Em situações críticas, o ser humano
Assim com a disposição natural humana ao
nem cessa; ao contrário, evidencia-se para o dirige-se a seu Senhor e sente sua ligação es-
sentimento religioso.
ser humano de modo completo na ocorrência sencial atraindo-o para Ele, unindo-o a Ele e
de exemplos como o desta aventura, quando dando-lhe a esperança da benevolência de Seu
cessa qualquer som da vida, quando se inter- governo.
rompem todas as relações, menos a relação do Esta é a lógica do instinto natural e a lógica
ser humano com o seu Senhor. da disposição natural. Elas não se contradizem
Interrompem-se todas as esperanças, me- e nem se desviam.
nos a esperança em Deus e em Seu socorro. A convocação do instinto significa que a
Por outro lado, a privação severa sobre a qual coisa à qual este convoca é necessária para o

4 - Ser “possível”, aqui, é o ser criado, contingente, em contraposição ao ser “necessário”, isto é, o Criador, aquele que estabelece, dá movimento e
sustenta a criação.

Revista Evidências - 43
No Âmbito das Leis
ISLÂMICAS
PARTE I

O significado do lícito e do ilícito plantar, fabricar aviões, remédios, construir

O
cidades, organizar indústrias, etc., como, tam-
ser humano carrega em si uma enor- bém, consegue matar, ingerir bebidas alcoóli-
me energia criativa e possui uma cas, cometer injustiças e causar destruições.
vontade de liderança decisiva, atra- Com a vontade com que domina as suas
vés da qual consegue dirigir as potencialida- diferentes forças, pode utilizá-las e orientá-las
des e as capacidades na direção que deseja. para onde quiser, consegue escolher e determi-
Com esses dois meios – o poder e a vontade nar os diferentes atos em sua forma e natureza,
– consegue fazer acontecer qualquer ato que quer os bons e úteis, como os maus e maléfi-
esteja dentro dos seus limites, ou evitá-lo, cos. Com a vontade, consegue fazer acontecer
afastando-se dele. Com o poder da prática dos o ato que se aplica à idéia do bem comum, que
atos e a mudança do poder para a sua con- combina com a marcha da existência benéfica,
cretização, consegue fazer o que quiser dentro acrescentando à corrente do bem um novo elo
dos atos humanos. Ele consegue comer, beber, e ampliando, dessa forma, o círculo de sua in-

44 - Revista Evidências
fluência. Com esse ato, cria um acontecimento e posse, entre outros, caracterizando-os como
benéfico, benévolo e útil, como extensão das maléficos ou benéficos partindo do princípio:
tendências benéficas ocultas nas profundezas “Cada ato possui causas e efeitos que estão
do ser humano, juntamente com os objetos e ligados ao próprio ato e seus atrativos, deter-
as coisas suscetíveis de criar resultados se- minando a possibilidade de sua prática, tor-
melhantes. Assim, a ação torna-se possível de nando-o permitido ou lícito, ou proibindo-o,
acontecer no mundo da existência, porque é o tornando-o proibido ou ilícito”. O Islã, então,
desenvolvimento de uma idéia benéfica e útil não permite ou proíbe caprichosamente, mas
neste mundo. Ela se torna concreta, depois de baseia-se, para determinar as suas leis, nas
passar pela fase de mera possibilidade e ter causas e efeitos da natureza do ato.
sido predeterminada na etapa de preparação. Essa introdução e essas bases legais nos
O Islã permite que a ação aconteça e levam a deduzir o significado que o Islã dá ao
suceda, desde que ela seja congruente com ato considerado “ilícito”, enquanto não con-
o desejo do bem e não represente perigo na sidera outras atividades humanas como tal. O
marcha da vida. Islã não torna o ato ilícito e não o proíbe a não
O Islã denomina esse ato com o qualifica- ser por motivos e causas presentes no efeito e
tivo de “permitido” ou “lícito”, dando-lhe a na natureza do ato. O objetivo do Islã, com a
possibilidade de acontecer e suceder, porque proibição, não é impor ao homem o negativis-
está livre da maldade e do vício e porque, na mo, a restrição e a negação dos atrativos da
sua boa orientação e aplicação, há um bem vida. O seu objetivo, ao proibir, é a preserva-
para a humanidade. ção de uma vida particular e social saudável e
Da mesma forma que o homem conseguiu, a organização da marcha humana.
com a sua escolha, praticar os atos permitidos Por meio da investigação e observação das
para acrescentar um novo elo à corrente dos coisas ilícitas no Islã, concluímos que a causa
atos humanos benéficos, ele consegue, também, da proibição de qualquer ato é o malefício e
escolher atos e posições opostas à constante o perigo intrínseco a ele. Esse perigo reflete a
marcha da existência benéfica, abortando o seu sua causa negativa e destrutiva no homem, na
desenvolvimento e seus objetivos. Os exemplos vida e na relação com o Criador da existência
que vão nesse sentido são a injustiça, a frau- e Senhor do homem. Por isso, diz-se: “O Islã
de, a fornicação, o roubo, a corrupção, etc. Por veio para eliminar os vícios e implantar os be-
isso, o Islã proíbe esse tipo de conduta e deno- nefícios.”
mina isso de “ilícito”. Além disso, o Islã consa- O homem conseguiu, com o progresso da
gra todos os meios para eliminar as causas da ciência e do conhecimento, com o desenvolvi-
existência desse ilícito e o que incentiva o seu mento da consciência e da compreensão cien-
acontecimento. tífica e social, confirmar a validade e per-
O Islã se lança na operação da avaliação tinência de muitas proibições existentes no
dos atos, como a prática da injustiça, ingestão Islã, como as bebidas alcoólicas, a fornica-
de bebidas inebriantes, comer, beber, ter lucro ção, a usura, o monopólio, o entesouramento

Revista Evidências - 45
Exemplo sobre a eqüidade do Islã
para com a
MULHER

A
natureza do ser humano, que compreen- Ela dirigiu-se ao Profeta Muhammad (S.)
de a confiança na justiça do Legislador, expondo sua contrariedade e a não aceitação
e a completude da Legislação Divina dos costumes dominantes. Pediu a ele uma le-
impelem-no a procurar a solução e o tratamen- gislação justa que tratasse de sua questão e de
to de um eventual problema ou provação que outras, com concretude e eqüidade. O Profeta
podem se lhe apresentar em sua vida social. Se desculpou-se e disse que ainda não lhe tinha
não encontrar solução no âmbito da legislação sido revelado algo específico sobre seu caso.
para algum problema, deve procurar na Fonte Ela não se conformou. Travou uma discussão
das Legislações, de modo convicto e dedicado, elucidativa com ele, exigindo brevidade na so-
a fim de encontrar o julgamento exigido para lução de seu problema.
a solução e o tratamento de tal problema. O O Profeta não se alterou, tampouco se al-
Alcorão Sagrado expõe o caso de uma mulher terou com a discussão ou negou-lhe a exigên-
que se deparou com tal situação nos primór- cia de reivindicar a proteção de seus interes-
dios da sociedade muçulmana. Nesta época, ses. Deus Altíssimo reforçou a posição desta
em que o Islam estabelecia seus fundamentos senhora, fazendo da questão dela o título de
1
e sua legislação estava em fase de formação, uma Sura do Alcorão Sagrado. Seu caso foi
ainda governavam certos costumes e tradições tratado pela legislação divina. Essa Sura foi
antigos. Esta mulher percebeu que a legislação intitulada “Al-Mujádala”. Inicia-se com as se-
dominante lhe prejudicava e ameaçava tanto guintes palavras do Altíssimo: “Em verdade,
seu futuro como o de sua família, podendo pro- Deus escutou a declaração daquela que argu-
2
vocar sua ruína. Esta senhora não se calou nem mentava contigo acerca do marido, e se quei-
aceitou a submissão aos costumes e às tradi- xava a Deus. Deus ouviu vosso diálogo, porque
ções que a oprimiam e prejudicavam. é Oniouvinte, Onividente.” (“Al-Mujádala”,1).
A maioria dos exegetas disse que esta senhora
1 - Sura: cada um dos 114 capítulos do Alcorão, formados, cada um, por um número variável de versículos (aleyas)
2 - I.é, com Muhammad (S)

46 - Revista Evidências
era das habitantes de Medina, uma amigas e atribuída a esta mulher: “Reclamo a Deus Al-
aliadas do Profeta. Seu nome era Khaula Bent tíssimo as minhas necessidades e a severidade
Sa‘laba Ibn Málik Al-Khazrajiya, cujo marido da minha situação; tenho filhos pequenos. Se
chamava-se Auss Ibnn As-Sámet. Era um ho- ficarem com o pai, extraviar-se-ão do caminho
mem idoso. Um certo dia, o casal desentendeu- correto e, se ficarem comigo, passarão fome”.
se e ele, irado, disse à esposa: “Você agora é Ergueu, então, o rosto, dizendo: “Óh, Deus,
para mim como se fosse minha mãe”. Na era queixo-me a Ti! Revela algo por intermédio de
pré-islâmica, esta expressão significava que o Teu Profeta”. Ela insistiu até que foi revelada
homem estaria se divorciando de sua mulher e, a referida Sura respeito. O Profeta (S) disse:
portanto, ficava-lhe ilícita. Esta situação cha- “Khaula, tenho notícias!” Khaula perguntou:
mava-se “záhiran” e tendo em vista que foi o “Boas?” O Profeta recitou os primeiros versí-
primeiro caso ocorrido na sociedade islâmica culos da sura “Al-Mujádala”, que continham
da época, não havia legislação ou arbitragem novas determinações que permitiam ao esposo
específica para tal. Em função disso, seguiam- voltar atrás sobre o que disse ao comparar sua
se os costumes praticados tradicionalmente na- mulher à sua mãe. A condição para isto seria a
4
quela sociedade. expiação: alforriar um escravo ; se não hou-
Mesmo o marido se arrependendo do ocor- vesse possibilidade de fazer isso, deveria o ma-
5
rido, não havia como resolver a situação, pois, rido jejuar por dois meses seguidos , e caso
para a época, a relação com sua esposa estaria não pudesse jejuar, deveria alimentar sessenta
proibida definitivamente. necessitados. Após isso, poderia reaver a vida
A esposa, Khaula, foi ao Mensageiro de conjugal com sua esposa. Deus, Altíssimo, diz:
Deus e disse: “Óh, Mensageiro de Deus! Auss “Aqueles, dentre vós, que repudiam as suas mu-
casou-se comigo quando eu era jovem e atra- lheres (jurando isso) através do zihar, saibam
ente e com o passar da minha idade e a flacidez que elas não são suas mães. Estas são as que os
3
do meu ventre , considerou-me como se fora geraram; certamente, com tal juramento, eles
sua mãe e abandonou-me. Óh, Mensageiro de proferiram algo injusto e falso; porém, Allah
Deus, se encontras maneira de nos reconciliar, é Absolvedor, Indulgentíssimo. Quanto àqueles
diz-me qual é?!” O Profeta (S) respondeu: “Até que repudiarem as suas mulheres pelo zihar e
agora não me foi revelado nada sobre isto”. Há logo se retratarem disso, deverão libertar um
também uma outra resposta atribuída ao Profe- escravo, antes de as tocarem. Isso é uma exor-
ta: “Não vejo a não ser que és ilícita para ele”. tação para vós, porque Deus está inteirado de
Ela respondeu: “Meu marido não mencionou a tudo quanto fazeis” (“Al-Mujádala”, 3-4). Esta
palavra divórcio”. Ela argumentou longamen- mulher corajosa, que exigiu um legislação que
te com o Profeta e disse: “Óh, Deus! Reclamo protegesse seus direitos e interesses, passou a
a Ti a severidade da minha solidão. É-me pe- ter uma posição elevada e de muito respeito
6
nosa a separação!” Há também outra súplica entre os muçulmanos, pois as Palavras Sábias

3 - No sentido de que gerou filhos - 4 - Nesta época, séc. VII, era comum às pessoas terem escravos. 5 - O jejum no Islã se dá quando a pessoa se abstém
de comer e beber e de praticar relações sexuais, desde a alvorada até o pôr-do-sol. 6 - É uma referência ao Alcorão.

Revista Evidências - 47
POR QUE
pesquisamos e refletimos para
conhecer o Criador do universo?

“Allah”

1 - O amor, o estudo e o conhecimento Quão grandiosa será nossa felicidade se conhe-


deste mundo estão ocultos cermos as respostas a essas perguntas, ou se
em nossos íntimos. soubermos como começou nossa vida e a vida de

Q
tudo quanto existe. Qual é o nosso destino final e
ueremos, na verdade, saber: será que do universo? O que é que devemos fazer agora?
este céu elevado, com suas belas estre- A essência do amor pelo estudo, em nós,
las, esta Terra estendida em suas pai- determina que não fiquemos estáticos e busque-
sagens cativantes, estes seres diversificados, as mos a descoberta dessas respostas.
belas aves, os peixes coloridos nos mares, as flo- Se, por exemplo, alguém for atropelado por
res e os botões; as ervas e as espécies de árvores um carro e desmaiar, será levado ao hospital para
elevadas, existem neste universo por si só? Ou ser medicado. Ao acordar e melhorar, a primei-
essas paisagens extraordinárias foram desenha- ra pergunta que fará é: onde estou? Por que me
das por mãos habilidosas, poderosas e organi- trouxeram para cá? Quando terei alta? Isso sig-
zadoras? Se repassarmos tudo isso, as primeiras nifica que o ser humano não fica indiferente em
perguntas que surgem em nossa mente são: situações como esta. A primeira coisa que nos faz
De onde viemos e de onde veio tudo isso? averiguar a respeito de Deus e o conhecimento do
Onde estamos agora? Para onde nos dirigimos? Criador deste mundo é o nosso desejo de saber.

48 - Revista Evidências
2 – O conhecimento do belo
pessoas advertem para que ela não permane-
ça neste lugar porque representa muito peri-
Suponhamos que uma pessoa seja con-
go. Cada uma das vias leva a um caminho e
vidada para um grandioso banquete e que a
as pessoas dizem que o melhor caminho é o
recebam com bondosa hospitalidade e cor-
que leva à direção leste. Outras dizem que o
dialidade, para que ela se sinta bem. Porém,
caminho mais seguro é o que leva para oeste.
a pessoa se faz presente porque seu irmão
Outros, ainda, indicam uma direção interme-
mais velho a convidou, e ela não conhece bem
diária, afirmando ser o único caminho que
o anfitrião. Face a esta receptividade e cor-
salva dos perigos, que conduz ao destino com
dialidade por parte do anfitrião, o convidado
se preocupa em conhecê-lo para agradecer, segurança e a toda sorte de felicidade.
como forma de reconhecimento pela cordia- É-nos possível ir por uma das vias sem
lidade. noção e análise? O intelecto admite que nos
Esta é a nossa situação quando olhamos aventuremos sem optar por uma das vias?
a mesa ampla da Criação, pois encontramos Naturalmente que não. O intelecto nos acon-
nela as diversas espécies de graça colocadas selha a examinar detidamente cada sugestão
à nossa disposição: olhos, ouvidos e intelec- daquelas pessoas. Caso encontremos algo
tos perspicazes. Vigor corporal e espiritual que convença no que diz respeito à exatidão
variados; diversos meios para viver, sustento e veracidade, acatamos. Aí sim, trilhamos o
bom e puro. Tudo isso foi colocado à nossa caminho com toda tranqüilidade e seguran-
disposição, nesta mesa ampla e vasta. Nos- ça.
sa mente se dirige, inexoravelmente, para a Assim nós somos com relação a este
necessidade de conhecer o Doador de todas mundo. Encontramos diversas seitas e há di-
essas graças, para que possamos agradecer, reções que nos convidam a elas.
mesmo que Ele não necessite de nossos agra- Porém, quando nossa felicidade ou ad-
decimentos. versidade nos fazem progredir ou regredir,
Se não fizermos isto, seremos atingidos respectivamente, e estão ligadas diretamente
pela impaciência. É como se necessitásse- ao estudo dessas direções e à opção pela me-
mos mesmo de algo. E isso é um outro estí- lhor, não há obstáculo quando o caminho é o
mulo que nos impele à averiguação a respei- que nos leva ao progresso e à completude, e
to de Deus e do conhecimento a Seu respeito. nos faz evitar aquele que nos leva à adversi-
dade, à corrupção e à desgraça.
3 – O ganho e a perda nesta Este é um outro motivo que nos impulsiona ao
averiguação esforço intelectivo sobre o Criador deste mundo.
O Alcorão Sagrado afirma: “... Anun-
Suponha que numa viagem uma pessoa cia, pois, as boas notícias aos Meus ser-
chegue a um cruzamento com quatro vias. As vos, que escutam as palavras e seguem o

Revista Evidências - 49
Os objetivos do Jejum no

NO ISLÃ

“ Oh, vós que credes, foi-vos prescrito o jejum como o foi aos que vos precederam. E
possais tornar-vos piedosos!” (Alcorão Sagrado, 2:183)

D
eus Altíssimo disse no Alcorão Sagra- mente, e que hoje não poderás falar com pessoa
1
do: “Ó crentes, está-vos prescrito o je- alguma” (19:26). Na nobre Sunna encontramos
jum, tal como foi prescrito aos vossos numerosos ditos do Profeta Mohammad (S.) sobre
antepassados, para que temais a Deus.” (2:183). este assunto tão importante. Qummiy (r.a.) rela-
O jejum é uma prática antiga e recorrente na tou: “Um homem perguntou a Ibn Abbás a respei-
história das religiões. Deus não deixou nenhum to do jejum. Ele lhe disse: ‘Se quiser jejuar como
povo sem instituir-lhe o jejum. Nós não encon- Davi (a.s.) jejuava, ele era o mais piedoso entre
tramos no Alcorão Sagrado uma especificação as pessoas; ele jejuava dia sim, dia não. Se quiser
quanto à natureza desse jejum prescrito aos ante- jejuar como o seu filho, Salomão (a.s.), ele jejua-
passados e suas regras. Porém, encontramos um va três dias no início do mês, três no meio e três
texto a respeito do jejum no que Deus nos reve- no fim. Se quiser jejuar como Jesus (a.s.), ele jeju-
la a respeito de Zacarias (a.s.): “Disse-lhe: Teu ava sempre e vestia roupas rudes. Se quiser jejuar
sinal consistirá em que não fales com ninguém como sua mãe, Maria (a.s.), ela jejuava dois dias
durante três dias, a não ser por sinais” (3”41) e sim dois dias não. Se quiser jejuar como o Profeta
disse para Maria (a.s.): “Se vires algum humano, (S.), ele jejuava três dias por mês. Costumava di-
faze-o saber que fizeste um voto de jejum ao Cle- zer: “Equivalem ao jejum de toda a vida.”
Foi narrado, também, que, no início de sua
1 - Conjunto das práticas do Profeta Muhammad (S.)

50 - Revista Evidências
missão, o Profeta (S.) jejuava tanto que se di- um fenômeno natural e benéfico para o organis-
zia que ele não quebrava o jejum nunca; e fica- mo. Isso significa, na linguagem científica, que
va sem jejuar durante tanto tempo que se dizia o jejum é necessário para a vida humana e sua
que ele não jejuava nunca. Ele, então, deixou saúde, como o alimento, a respiração, o movi-
esse costume e passou a jejuar dia sim, dia não. mento e o sono.
Também esse costume ele deixou e começou a A respeito disso, o Mensageiro de Deus
jejuar nos três dias da lua cheia (13, 14 e 15 (s.a.a.a.s.) disse: “Jejuai, que tereis saúde.” E
de todo mês). Então, ele distribuiu em cada dez disse, ainda: “O ser humano não enche uma
dias, duas quintas-feiras e uma quarta-feira en- vasilha menos do que o seu estômago, pois o
tre elas. Depois disso, Deus Altíssimo prescreveu homem necessita de pouco alimento para forta-
o jejum do mês de Ramadan (ou seja, 30 dias lecê-lo. Quando a pessoa se alimentar, deve re-
seguidos, entre o nascer e o por do sol) em cada servar um terço para o alimento, um terço para
2
ano. a água e um terço para si mesmo.”
Há muitos ditos em que os médicos de toda
O que a ciência moderna fala a humanidade demonstram a importância do
sobre o Jejum? jejum, principalmente quanto à saúde, uma vez
que o estômago é o berço das doenças.
Os naturalistas descobriram que o homem O jejum é uma espécie de tratamento. É
não é o único ser que jejua. Todas as criaturas como se a pessoa ingerisse trinta comprimidos,
vivas passam por um período de jejum voluntá- uma vez por ano, para fortalecer o estômago e
rio, mesmo tendo excesso de comida na natureza filtrar o sangue, revigorando os tecidos do cor-
ao seu redor. Os animais jejuam, os insetos jeju- po. Deus diz a verdade quando afirma: “Deus
am, e mesmo as plantas jejuam. vos deseja a comodidade e não a dificuldade”
Dentre os animais, há aqueles que hiber- (2:185). O jejum não traz benefícios orgânicos
nam por dias ou meses seguidos, deixando de se para a pessoa, apenas, mas traz grandes lições
movimentar e se alimentar. Dentre as aves, há de ordem social e até econômica. A sabedoria
aquelas que permanecem no ninho sem se ali- social no jejum foi ressaltada pelo Imam Al Bá-
mentar em estações específicas, a cada ano. Al- quir (a.s.). Quando lhe perguntaram a respeito
guns peixes enterram-se no fundo do oceano ou do jejum, disse: “Deus prescreveu o jejum para
do rio por um período específico, sem se alimen- que o rico sinta a aflição da fome e sinta pena
tar. Os insetos, também, se abstêm do alimento. do pobre.” Sim, um dos segredos sociais do je-
É curioso saber que essas criaturas, quan- jum é uma lembrança prática quanto à fome dos
do saem do jejum, estão com mais energia e necessitados, a aflição dos que sofrem; é uma
vitalidade. O animal renova a pele e o pêlo. O lembrança pungente, sem um sermão ou língua
pássaro adquire novas penas, começando a se eloqüentes; uma lembrança que o jejuador ouve
acasalar e a cantar. Os insetos saem para comer através da voz e do apelo do estômago. Aquele
e se multiplicar rapidamente. Todas essas verda- que cresceu no seio da riqueza, sem sentir o gos-
des fizeram os naturalistas considerar o jejum to da fome nem provar a amargura da sede, deve
2 - I.é, nunca deve sair da mesa completamente satisfeito. Hoje, a medicina comprova os benefícios deste comportamento: a sensação de saciedade vem
depois (NE).

Revista Evidências - 51
pensar que todos são iguais a ele. Que o que ele a sua prática para si mesmo (ou seja, obter be-
possui em termos de necessidade física, as ou- nefício próprio). É o déspota opressor, que nada
tras pessoas também possuem. Que, enquanto conhece da prática do bem além de escravizar
ele continuar se alimentando do que gosta, da as pessoas;
carne de aves e de frutas, outras pessoas são pri- 2. O tipo que pratica o bem para si mesmo e não
vadas do pão e das hortaliças. Sem dúvida que o pratica aos outros. Esse é o ávido e voraz, que
Deus fez do jejum um fenômeno para a igualda- deveria saber que é impossível que o sangue lí-
de entre os seres humanos; da fome, uma taxa quido se transforme em ouro concreto e mate,
obrigatória paga pelo rico e pelo pobre, pratica- por ele, todas as pessoas;
da tanto pelos milionários como por aqueles que 3. O tipo que não faz o bem nem para si, nem para
não possuem o pão de cada dia, para que o rico os outros. Esse é o avarento insensato, que faz o
sinta que há estômagos vazios e faça com que o estômago passar fome para aumentar o seu cai-
coração do ser humano e do muçulmano sinta xa;
pena e dê para os necessitados. 4. O tipo que faz o bem para si e para os outros.
Manfaluti, em seu livro “As Especulações”, É difícil classificá-lo. Talvez seja aquele a quem
escreveu: “Passei na noite de ontem por um ho- o filósofo grego, Diógenes, procurava. Quando
mem pobre e aflito e, ao vê-lo colocando a mão foi perguntado por que ele caminhava com a sua
sobre o estômago, como se estivesse sentindo lamparina acesa durante o dia, respondeu: “Es-
dores, fiquei com pena dele. Perguntei o que ele tou à procura de um homem.”
sentia e ele se queixou da fome. Aliviei-o, dando- Por isso, vemos o Príncipe dos Crentes, Ali
lhe o que podia para se alimentar. Deixei-o e fui ibn Abi Tálib (a.s.), orientando-nos para esses
visitar um amigo rico. Fiquei surpreso ao vê-lo magníficos valores, ao dizer: “Se eu quisesse, te-
com a mão no estômago, queixando-se das mes- ria tomado o caminho que me levaria aos (pra-
mas dores que o pobre se queixava. Perguntei zeres deste mundo como) puros néctares, boas
3
o que ele sentia e ele se queixou do estômago . sementes e roupas de seda; mas não é possível
Disse: bom seria se aquele rico desse para o po- que minha paixão me leve a essas coisas e que
bre o que sobra de seu alimento. Assim, nenhum minha gula me leve a escolher bons alimentos,
4
dos dois se queixaria de dor alguma.” Por isso, enquanto no Hijaz ou em Iamama talvez haja
o ditado sempre diz a verdade: “O estômago do pessoas que não têm esperanças de obter um
rico é uma vingança da fome do pobre.” pão, ou que não têm uma refeição completa.
Não é possível imaginar que o homem é Deveria eu deitar-me saciado enquanto ao meu
homem até vê-lo praticando caridade, pois não redor houvesse estômagos famintos e fígados se-
se vê diferença, organicamente falando, entre o dentos? Ou deveria eu ser como dizia o poeta:”
ser humano e o animal além da prática do bem. ‘Constitui também uma doença (o fato de)
Quanto a esse aspecto, as pessoas podem ser que deites com a barriga cheia, Enquanto que
classificadas em quatro tipos: em torno de ti há pessoas que anelam por uma
1. O tipo que faz bem aos outros para aproveitar tâmara, ou meia.’ “Deveria eu ficar contente em

3 - Neste caso, pelo excesso de alimento ingerido.


4 - Regiões da Península Arábica.

52 - Revista Evidências
ser denominado Amirul Mo’minin (“Príncipe “Ó crentes, está-vos prescrito o jejum, tal
dos Crentes) se não compartilhasse com o povo como foi prescrito aos vossos antepassados, para
as asperezas do mundo? Ou deverei eu servir que temais a Deus.” (2:183). A expressão “para
de exemplo nas agruras da vida? Não fui cria- que” no versículo acima tem o sentido de pre-
do para que me mantivesse ocupado em deglu- paração para o temor a Deus, obedecendo-O,
tir bons alimentos, como um animal amarrado observando-O e respeitando-O. Isso é represen-
cuja única preocupação é com a alimentação, tado pelo jejum. O crente se abstém, num tempo
5
ou como uma ave solta cuja única atividade é determinado , dos desejos do corpo e das suas
encher o papo. Estes enchem seus estômagos e necessidades, convicto de que se não fosse a ob-
seus papos com alimentos e não conhecem o pro- servação de Deus quando se priva dos desejos,
pósito por trás disso.” Dentre os objetivos prin- não teria paciência de se abster, ao ver as dádi-
cipais do jejum está adquirir temor a Deus. Isso vas de Deus na forma de alimento e bebida na
é descrito pelo Imam Assádiq (a.s.) da seguin- sua frente. Ele, porém, não os consome, apesar
te forma: “Para que Deus não sinta a tua falta de sua necessidade. Ele se abstém em obediência
onde te ordenou estar e não te encontre onde ele a Deus, para se aproximar d’Ele e pedir-Lhe a
te proibiu estar.” Todo aquele que cumprir as magnífica recompensa.
obrigações e se afastar das proibições, estará te- Aquele que comete o ilícito, enquanto esti-
mendo a Deus. Quando o jejuador praticar o seu ver jejuando, sem dúvida que o jejum não causa
jejum de forma elevada, o temor estará conquis- nenhuma influência nele. Quem jejua e comete o
tado. O temor é uma longa e difícil ação educa- pecado não pode ser incluído entre os que temem
cional que necessita de escola. O jejum é uma a Deus. O Profeta (S.) disse: “É nulo o jejum da
escola divina para se temer a Deus. O temor é pessoa que se priva apenas da comida e da bebi-
a colheita do mês do jejum, sim. O temor é um da.” E disse: “É nula a vigília de quem só aufere
dos elementos que movimentam os corações, que com a sua vigília a falta de sono.” E disse: “Ao
conduzem à pratica e à obediência a Deus, ao jejuar, devem jejuar contigo a audição, a visão e
desejo de satisfazê-Lo e à ambição de alcançar a língua de pronunciar calúnia; deves evitar pre-
o Paraíso. O temor evita os corações de corrom- judicar o vizinho e atuar com calma e serenida-
perem o jejum com a desobediência. O temor é de. Não deves igualar entre o dia em que jejuas e
um dos objetivos procurados pelos crentes com o dia de deixar de fazê-lo.” Um anônimo disse:
suas almas. O jejum é um dos caminhos de obtê- “Se a minha audição não jejuar, Nem minha vi-
lo. Ele limpa da fronte do crente as fadigas da são, nem a minha língua, A minha sorte do jejum,
vida, realizando o equilíbrio entre a matéria e então, é a fome e a sede. E mesmo que diga que
o espírito, impulsionando-o para um local dig- jejuei, não o fiz.” Portanto, é dever do jejuador
no. O temor, que emana tanto do coração como utilizar os seus órgãos como via para obter o te-
da língua, o temor que invade os sentimentos, as mor a Deus.
vontades, os órgãos e as asas. O temor, que cria Peçamos a Deus que, do alto de Sua mag-
no coração do crente a confiança e a convicção, nânima generosidade, nos faça vestir o manto do
fazendo-o viver numa situação segura. temor a Ele, que nos oriente para a felicidade e
5 - O jejum (saum) é prescrito como obrigação religiosa para todos os muçulmanos e muçulmanas – exceto crianças – durante o mês do Ramadã (o 9º
mês do calendário lunar islâmico), ou seja, 30 dias. Neste período, durante as chamadas “horas claras do dia”, ou seja, entre o nascer e o pôr do sol, o
crente fica proibido de ingerir alimento, líquido e praticar atividades sexuais.

Revista Evidências - 53
Artigo

O ISLÃ ALÉM DAS MANCHETES


Omar Nasser Filho*


O mês do Ramadã foi o mês em que foi revelado o
Alcorão (...) Por conseguinte, quem de vós presenciar
o novilúnio desse mês, deverá jejuar (...). Deus vos


deseja a comodidade e não a dificuldade, mas cumpri
o número de dias e glorificai a Deus por ter-vos
orientado, afim de que Lhe agradeçais.
Alcorão Sagrado, 2:183-185

A
comunidade islâmica mundial, cons- Generoso”. Dizemos que este mês sagrado
tituída por aproximadamente 1,5 bi- é generoso porque muitas são as lições que
lhão de almas, vive, durante os 30 nos são ensinadas durante esse período. Em
dias do mês sagrado do Ramadã, um período uma de suas homilias na Mesquita Imam Ali,
muito especial. Ao longo deste que é o 9º em Curitiba (PR), o líder religioso local,
mês do calendário lunar islâmico , os mu- xeique Mohammad Khalil, caracterizou-o,
çulmanos jejuam do alvorecer ao pôr-do- de maneira muito feliz, como “Mustashfah
sol, procurando evitar palavras e atitudes Roh”, ou seja, “O Hospital do Espírito”.
ofensivas, pensamentos ilícitos, exercitam a Muitos são os ensinamentos aprendidos
meditação e as orações, encontram-se com e as curas e bênçãos alcançadas durante este
mais freqüência nas mesquitas e nas resi- período especialmente iluminado. A começar
dências para rezar coletivamente e compar- pela valorização do alimento, uma dádiva de
tilhar. Deus Altíssimo, à qual nem sempre damos
A rotina diária das famílias muda, pois a devida importância. Acostumados com a
a privação do alimento durante as horas cla- mesa farta, com as facilidades e a varieda-
ras do dia exige uma readequação das ati- de que nos é oferecida, esquecemo-nos que
vidades quotidianas. Chegamos ao mês de o alimento nos é dado com a permissão e o
“Ramadhan Karim”, que significa “Ramadã consentimento d’Aquele que é o Criador de

54 - Revista Evidências
todas as coisas. Mais do que isso, esquece- dos, pela força de vontade e com o auxílio de
mo-nos, na ânsia de nos saciar a qualquer Deus Altíssimo, vencer os reveses da vida.
custo, daqueles que têm na fome sua compa- O mês de Ramadã nos ensina a não des-
nheira indesejada e diária. Esquecemo-nos perdiçar. Conduz-nos, portanto, à atenção
daqueles a quem esse direito sagrado, con- ao dispêndio. Mostra-nos que o comedi-
cedido pelo Clemente e Misericordioso, foi mento no alimentar-se e no beber não pre-
negado, negado pelo próprio homem que, de- judica nosso desempenho intelectual e físi-
baixo de sua arrogância, soberba, ganância co. Faz-nos perceber, do contrário, que se
e ignorância, julga-se autoridade suficiente ingerirmos menos alimento, beneficiamos
para revogar aquilo que Deus Altíssimo, Glo- o organismo, evitando o sobrepeso e todos
rificado e Exaltado seja, outorgou a toda a os problemas de saúde daí originados. Além
humanidade. disso, ao evitar o desperdício, prestamos um
O jejum do Ramadã simboliza o prima- tributo àqueles que não têm o que comer.
do do espírito sobre a matéria, estabele- E, mais importante, o mês de Ramadã
cendo uma distância enorme entre a huma- nos aproxima de Deus. Nossos pensamentos
nidade e o restante da criação. Ele conduz e ações voltam-se a Ele que, do alto de sua
novamente o ser humano à condição de a infinita bondade, clemência e misericórdia,
mais elevada de Suas criaturas. Afinal, só a prescreveu aos seres humanos o cumprimento
ele é dada a faculdade de negar, conscien- desse dever. Elevamos nossos pensamentos e
temente, o alimento, mesmo quando o orga- ações Àquele que é a Origem e o Retorno de
nismo clama. Essa experiência significa a toda a criação. Que observa nossos atos e co-
derrota dos desejos e paixões animais pelo nhece o que vai pela nossa mente e coração.
domínio pleno da vontade racional, divina- Que premia os justos e pune severamente os
mente inspirada. iníquos. Nós, muçulmanos, entendemos que
Durante esse mês sagrado, os muçulma- esses ensinamentos não devem ficar restritos.
nos também exercitam a lição da humildade. É desejo da comunidade islâmica mun-
Ricos e pobres, poderosos e fracos, empresá- dial compartilhar essas experiências ma-
rios e operários, governantes e governados, ravilhosas com toda a humanidade. Temos
todos irmanam-se na fome e na sede, perce- a lamentar, somente, que num momento tão
bendo na necessidade comum do alimento e sublime, o Ocidente tenha olhos e ouvidos
da água que todos somos iguais, que temos apenas para mensagens negativas, acusações
as mesmas fraquezas, deficiências, necessi- indevidas e imprecações contra o Islã. Nesse
dades e potencialidades, que podemos, to- ponto, o Ramadã nos reserva outra importan-

te lição: a de que o Islã vai muito além das manchetes.

*Omar Nasser Filho é jornalista, economista, mestre em História pela Universidade Federal do Paraná

Revista Evidências - 55
A moderação da personalidade

ISLÂMICA

A
visão islâmica preconiza a preparação Ao examinarmos esses textos nobres, co-
e formação da personalidade mode- ligindo-os com outros, conseguimos definir as
rada. Vamos examinar os valores e os mais importantes bases do equilíbrio:
princípios encontrados no Alcorão Sagrado a 1. Equilíbrio entre este Mundo e o Outro;
esse respeito: 2. Equilíbrio entre as necessidades físicas, ide-
“E, deste modo (óh, muçulmanos), constitu- ológicas e psicológicas;
ímo-vos em uma nação de equilíbrio, para 3. Equilíbrio entre a retidão de comportamento,
serdes testemunhas da humanidade, assim das práticas e dos pensamentos;
como o Mensageiro o será para vós.” (2:143) 4. Equilíbrio entre o indivíduo e a sociedade;
“São aqueles que, quando gastam, não se O Alcorão exorta as pessoas a tomar o ca-
excedem nem mesquinham, colocando-se no minho da retidão, a perseverança e o equilíbrio
meio-termo.” (25:67) em todos os âmbitos da vida, sem excesso nem
“Mas procura, com aquilo com que Allah te negligência.
tem agraciado, a morada do Outro Mundo; O Alcorão convocou o homem a ser equi-
não te esqueças da tua porção neste mundo, e librado nos assuntos deste mundo e da Outra
sê amável, como Allah tem sido para contigo, Vida, ao dizer: “Mas, procura, com aquilo com
e não semeies a corrupção na terra, porque que Allah te agraciou, a morada do Outro Mun-
Allah não aprecia os corruptores.” (28:77) do; não te esqueças da tua porção neste mun-
“… preferem-nos, em detrimento de si mes- do”. Allah tornou este mundo o meio para se
mos, mesmo estando em necessidade daqui- alcançar a Outra Vida, pois não há separação
lo.” (59:9) entre os atos mundanos e o do estágio além-
“Sê firme, pois, tal qual te foi ordenado, jun- túmulo.
tamente com os arrependidos, e não vos ex- Cada ato do homem nesta vida (dunia) está
travieis.” (11:112). ligado ao mundo da outra vida (akhira). Por

56 - Revista Evidências
isso, o Islã proibiu o celibato e o vedar-se em conjunto de aparelhos e sistemas materiais e
relação às outras coisas saudáveis que Deus orgânicos. Tratou-o como um dos aspectos fun-
permitiu. Ao mesmo tempo, o Islã traçou para damentais do ser humano, responsável pelos
o homem um método de culto perfeito, colocan- seus sentidos, emoções e percepções como o
do-o no círculo da servidão a Deus, glorificado amor, ódio, satisfação e insatisfação, sentido de
seja, vinculando-o ao mundo da Outra Vida em generosidade, de valores subjetivos, etc.
todo ato e direção, para não afundar nos pra- Para que alguns sentidos, impressões emo-
zeres do mundo e deixar de se preparar para a cionais e afetos não dominem uns a outros, per-
Outra Vida. turbando o movimento psicológico e o compor-
Entre os fenômenos da retidão e do equilí- tamento humano, determinou a moderação no
brio nos valores, nos princípios e nas prescri- amor e no ódio, na irritação e no contentamen-
ções islâmicas está o equilíbrio entre as várias to, entre outros, organizando as impressões e
inclinações e necessidades do indivíduo, bem as situações espirituais com base no apego aos
como na aplicação de suas energias. O Islã in- valores morais. Dessa maneira, circunscreveu o
centiva a satisfação das necessidades materiais movimento do homem permaneça aos limites da
e dos instintos - de alimento, sexo, descanso, moderação e da retidão espiritual.
etc. - sem excessos nem negligências. Assim, o Islã traça a sua rota prática na
Ao lado do incentivo à satisfação das ne- moderação e no equilíbrio do funcionamento
cessidades materiais do homem, a Religião Islâ- das quatro dimensões fundamentais do homem:
mica incentiva, com muita solicitude, o respeito mente, espírito, consciência e corpo.
ao cérebro e à satisfação de suas necessidades A partir desses princípios, partiu para or-
científicas e de conhecimento. Ele abre espaço ganizar o comportamento nas suas várias dire-
para os exercícios de reflexão produtiva, defi- ções. Determinou o gasto moderado, o alimen-
nindo perante os limites do dever e suas bases. tar-se de forma moderada, o trabalhar, o lucrar,
Conferiu, também, à mente, o seu papel na re- o ter relações sexuais, o lazer, o sono de forma
flexão, na compreensão e na dedução intelectu- moderada.
al. Deu à experiência e ao conhecimento sen- Por isso, proibiu o exagero, o desperdício
sorial seu papel efetivo na vida, sem negar a e a avareza e incentivou a moderação no amor
importância da mente na busca científica, sem e no ódio, condenando o excesso de sono e da
diminuir o valor dos experimentos sensoriais e inatividade, incentivando a moderação no lucro
de campo. O Islã estabeleceu limites a cada um, material, na busca dos meios de vida, evitar so-
definindo o campo e o papel de cada uma das brecarregar o corpo, etc.
potencialidades e capacidades humanas, como Depois de determinar as bases equilibra-
a investigação científica, que faze o homem des- das da constituição da personalidade – nos
cobrir e alcançar novos estágios de conheci- aspectos biológico, psicológico, ideológico e
mento. fisiológico – dirigiu-se para concretizar o equi-
Quando tratou do lado psicológico do líbrio nos direitos e deveres entre o indivíduo e
homem, não considerou este meramente um a sociedade, buscando compatibilizar os inte-

Revista Evidências - 57
resses individuais e coletivos. O homem não é que os crentes demonstram, com relação ao
uma unidade vital auto-suficiente, independente seu carinho, sua misericórdia e amabilidades
do resto da sociedade. Ele necessita viver no recíprocas, é como se fossem provenientes de
círculo social, intercambiando as utilidades um só corpo. Quando um membro se encontra
e os seus interesses com os demais, formando indisposto, todo o resto do corpo mostra sua
círculos e redes de relacionamento. Desses vín- debilidade, com insônia e febre.” E disse, ain-
culos surgem os direitos e os deveres, ficando da: “Nenhum de vós será crente até que deseje
a cargo da lei e da moral organizá-los, bem para o irmão o que deseja para si mesmo.” E
como a questão da função social do homem. O disse mais: “O melhor dos indivíduos é aquele
Islã incentiva o altruísmo na educação da in- que é útil para as pessoas.” Também ensinou o
clinação pessoal, da priorização dos interesses Profeta Muhammad (A.S.): “Quem não se im-
coletivos sobre os interesses pessoais. Deus porta com os assuntos dos muçulmanos não é
Altíssimo, descrevendo os verdadeiros crentes, um deles.”
diz: “… preferem-nos, em detrimento de si Esses textos e conceitos islâmicos esclare-
mesmos, mesmo estando em necessidade da- cem quanto ao equilíbrio entre o indivíduo e a
quilo.” (59:9). sociedade, e age para esclarecer o muçulmano
O Nobre Profeta (A.S.) , abordando a no conhecimento social. A educação assume
questão da integração e da preocupação com a responsabilidade de empregar esses princí-
o interesse coletivo, disse: “O bom exemplo pios no método de seu trabalho, na formação

58 - Revista Evidências
Aulas de religião sobre diversos assuntos islâmicos
Aulas de língua árabe para crianças e adultos
Orações e súplicas
Celebrações de missas, comemorações islâmicas e etc...
Realização de encontros e jantares
Distribuição de livros e literatura islâmica
Auxílio religioso e social

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Revista Evidências - 59
LÍDER MUÇULMANO
elogia iniciativa do Clero Francês
Sayed Mohammad Hussein Fadlallah acolhe proposta de diálogo lançada pelo
Episcopado da França, observando que esta é uma iniciativa que procura seguir a
conduta e o espírito de Jesus (a.s.)

Fadlallah: Boas Vindas ao entendimento entre as religiões

O
Allamah (jurisconsulto) Sayed Mo- tre os países e as comunidades, tanto cristãs
hammad Hussein Fadlallah deu como muçulmanas. “A realidade atual exige
boa acolhida à iniciativa do clero a confirmação das regras comuns nos valores
francês de estudar e conhecer o Islã. espirituais e humanos entre as Religiões Islâ-
Ele disse que isso representa uma neces- mica e Cristã, que enfrentam o ateísmo, a tira-
sidade, em vista do desenrolar da situação en- nia e a arrogância”, afirmou.

60 - Revista Evidências
Em sua declaração, Sayed Fadlallah disse: inclusive com o Judaísmo, o Budismo e o Zo-
“Damos as boas vindas ao empreendi- roastrismo, num gesto de confirmação dos ele-
mento religioso-cultural que alguns membros mentos comuns no nível ideológico e espiritu-
do clero francês fizeram para estudar a reli- al e na administração das relações mútuas.”
gião islâmica, quanto às suas crenças, leis, “Por outro lado, entendemos a declara-
visões, bem como a seus métodos dinâmicos, ção do encarregado das Relações com o Islã
visando distinguir entre o que se publica ao do episcopado de Paris, François Jordan, de
seu respeito e o que é verdadeiro. Considera- responsabilizar alguns muçulmanos pelo fra-
mos essa iniciativa uma abertura espiritual e casso do movimento de diálogo inter-religioso.
educacional que procura seguir a conduta de Ele acrescenta a estes nomes membros das
Jesus (a.s.) na sua confirmação à linha moral outras religiões como responsáveis pelo fracas-
moderada e espiritual, com reflexão nos hori- so, sabendo-se que houve tentativas islâmicas
zontes de Deus.” bem sucedidas de diálogo informativo, que co-
“Confirmamos a necessidade da abertu- laboraram no preenchimento do vazio que ha-
ra ideológica entre muçulmanos e cristãos, via entre as religiões em mais de um nível.”
na tentativa de se distingüir o fundamental “O desenrolar das situações nas socie-
do secundário, bem como privilegiar o méto- dades mistas, quer na presença cristã no
do de pensamento científico e racional, que mundo islâmico, quer na presença islâmica
consideramos a base para o entendimento e o no mundo cristão, impõe a todos o estabele-
início para o diálogo, um fundamento para a cimento de bases comuns para serem segui-
descoberta da verdade, tanto em seus aspec- das em linha geral e o estudo da organiza-
tos culturais quanto espirituais. ção moral, baseada nos valores espirituais e
Além disso, afirmamos a necessidade do humanos, que são iguais no princípio e di-
cumprimento do estudo do método prático ferentes nos detalhes. Deve-se promover en-
do Islã, que rejeita a violência contra o pró- contros em forma de diálogo para o comba-
ximo, não importa quem seja, a não ser em te, com fé e humanismo, ao ateísmo e a todo
caso de legítima defesa contra a agressão tipo de arrogância, confirmando o princípio
inimiga, baseada nas palavras de Deus: “A da crença em Deus, o Criador e a Fonte da
quem vos agredir, rechaçai-o, da mesma for- justiça no movimento das sociedades.
ma.” (2:194). Dessa forma, as relações entre Deve-se rejeitar as informações falsas,
o Islã e o Cristianismo serão assentadas sobre lançadas pela política arrogante a respeito
o conhecimento, para que cada um entenda o do Islã, tratando-o como religião terrorista,
outro como ele é, não como o entende unilate- enquanto o Cristianismo é retratado como
ralmente.” religião que incentiva o colonialismo, real-
“Assim, fomos e continuamos a ser no çando-se a conduta errônea de alguns pe-
âmbito do convite para o diálogo religioso, quenos grupos, aqui e acolá, e pondo toda a
culpa na religião, em geral.”
Revista Evidências - 61
Boa Guia

IMAM ALI,
o Príncipe dos Crentes (a.s.)
N
o dia 13 de Rajab do ano de 600 e os saudou) e que foi para o pequeno órfão, o
d.C – que este ano correspondeu ao melhor dos tutores e o seu mais perseverante
dia 28 de julho – isto é, trinta anos protetor contra os idólatras que o perseguiam
após o nascimento do Profeta Mohammad, nas- quando ele iniciou sua missão na divulgação do
cia na cidade de Meca, dentro da Caaba Sagra- islam e da Mensagem de Deus.
da, o Primeiro Imam dos muçulmanos, Ali ibn Sua mãe: Foi Fátima Bent Assad Ibn
Abi Tálib, que a paz esteja com ele. Háchem, a qual foi uma das primeiras a crer
Seu pai: Foi Abed Manáf, mais conhecido no Mensageiro de Deus (Deus o abençoou e a
por Abi Táleb; tendo sido o sheikh dos nobres sua Linhagem e os saudou ). Era tida como uma
e a segurança do Mensageiro de Deus (Deus o mulher excepcionalmente sábia pela sua índo-
abençoou e a sua Linhagem e os saudou) , o qual le e carinho para com o Mensageiro de Deus
o criou após a morte de seu avô Abdel Muttâleb (Deus o abençoou e a sua Linhagem e os sau-
que dele cuidou até os oito anos de idade. Abu dou ), pois cuidara dele com especial desvelo e
Táleb era irmão (da mesma mãe e mesmo pai) de o privilegiava aos próprios filhos, defendendo-
Abdallah Ibn Abdel Muttâleb genitor do Profeta o contra as injustiças beneficiando-o. O profe-
Mohammad (Deus o abençoou e a sua Linhagem ta Mohammad (Deus o abençoou e a sua Li-

62 - Revista Evidências
nhagem e os saudou) dizia: “Ela é minha mãe que nasceu na Caaba e jamais alguém após ele
depois de minha mãe”. Quando ela morreu o mereceu tanta magnificência de Deus Glorifi-
Profeta (Deus o abençoou e a sua Linhagem e cado e Sublime, pela sua grandiosidade e ele-
os saudou ) chorou muito envolvendo-a com a vada posição junto Dele, foi também o primeiro
própria camisa ao ser enterrada e rezando por a receber o nome Ali.
sua alma pronunciando a Tacbira (Allahu Ak-
bar) por setenta vezes. Seu Amparo e Desenvolvimento

Abençoado Nascimento O Imám Ali (A paz esteja com ele) teve o


amparo e a educação do Mensageiro de Deus o
Quando Fátima Bent Assad sentiu as pri- qual, apesar de já ter sido casado com Khadija
meiras contrações por estar grávida de Ali, Bent Khualeid, ele freqüentava com assiduida-
dirigiu-se a Caaba e começou a orar a Deus de a casa do tio Abi Táleb, onde preenchia Ali,
Supremo em oração fervorosa para que Ele lhe seu priminho, com especial atenção e carinho,
facilitasse a concepção de seu filho, orando: mimando-o quando ele acordava e o carregava
Ó Senhor! Eu creio em Vós e em tudo que de com ternura e afago ou balançava-lhe seu ber-
Vós veio em Profetas e Livros, bem como, creio cinho a fim de faze-lo dormir, como se Ali fosse
nas palavras de meu avô Abraão, como creio o seu próprio filho amado.
que ele foi o construtor da “Casa Velha” (nome Quando o Imam Ali (A paz esteja com ele)
dado a Caaba antes do Islam). E pelo direitos atingiu a idade de seis anos, Coraich estava em
de quem construiu esta Casa e daquele que ain- séria crise econômica e Abi Táleb, já possuía
da se encontra em meu ventre, peço humilde- muitos filhos, e então, o Mensageiro de Deus,
mente facilitar a minha concepção! para amenizar a situação de seu tio, propôs-lhe
Nem acabara sua oração, as paredes da a guarda e a educação do pequeno Ali levando-
Caaba se abriram e ela se adentrou nela, para o para sua casa onde o garoto cresceu e se de-
depois, as mesmas paredes, voltassem ao seu senvolveu. O Imam Ali (A paz esteja com ele)
estado normal. As pessoas tentaram abrir o sempre trazia a lembrança dizendo: “Vós sa-
cadeado da Porta do Templo de Deus, mas foi beis do meu conceito através do Mensageiro de
em vão. Por fim todos entenderam que era pela Deus, o qual o abençoou e a gente de sua casa,
vontade de Deus Supremo que o nascituro vies- pelo estreito parentesco e a posição especial, e
se a luz na Casa mais pura e sagrada do mundo. que me carregava no colo, quando eu era me-
Fátima Bent Assad permaneceu dentro da nino e abraçava e acarinhava paternalmente e
Caaba por três dias, comendo dos frutos do pa- fazia-me dormir em seu leito.
raíso; e no quarto dia, ela saiu dali carregando Quantas vezes ele mastigou a comida e me
seu filho nos braços. O Imam Ali Ibn Abi Táleb alimentava. Jamais o decepcionei com men-
(A paz esteja com ele ) foi o primeiro e o único tiras e tampouco em erros no trabalho. Eu o

Revista Evidências - 63
seguia tal qual como o faz a cria que segue o filhos: os dois Imámes Al-Hassan e Al-Hussein
rastro de sua mãe. A cada dia, ele me elevava e duas meninas, Zeinab e Omm Colçum (A
com seu caráter e conhecimento, exigindo de paz esteja com todos eles). Entretanto, após
mim que os cumprisse a risca. Inicialmente, eu a morte de Fátima, o Imám Ali casou-se com
era o único que o via se dirigir todo ano para várias esposas e delas teve aproximadamente
Herá e, na ocasião, não havia um lar que ti- vinte e três filhos.
vesse abraçando o Islam, exceto o Mensageiro
de Deus (Deus o abençoou e a sua Linhagem e Os beneméritos do Imam Ali (a.s.)
os saudou), Khadija e eu, que via a luz da Al-
Uahí (Revelação) e ouvia a mensagem divina, 1. Deus o favoreceu com a grandiosa dignida-
sentindo o aroma do profetismo”. de desde seu nascimento, pois ele nasceu no
Templo Sagrado de Deus, no âmago da Caaba;
Sua Esposa e com esta honra ninguém o antecedeu e nem
ocorreu tal fato a alguém depois dele.
Por ordem de Deus, o Profeta Mohammad 2. Cresceu e se desenvolveu no seio do lar do
(Deus o abençoou e a sua Linhagem e os sau- Mensageiro de Deus (Deus o abençoou e a sua
dou) o uniu em matrimônio a Fátima “Azzahrá” Linhagem e os saudou) o qual muito se impor-
Senhora de todas as mulheres; e Deus Glorifi- tou e se empenhou por ele, Ali (A paz esteja
cado e Sublime assim determinou, para que a com ele).
descendência do Mensageiro de Deus seja por 3. Jamais se inclinou ou se ajoelhou diante de
intermédio de ambos; e por seu lado o Profeta algum ídolo e não adorou outra divindade além
Mohammad (Deus o abençoou e a sua Linha- de Deus Único.
gem e os saudou) falava: “Deus fez a prole de 4. Foi o primeiro a abraçar o Islam, como foi o
cada Profeta de sua própria descendência e fez mais antigo em sua fervorosa fé.
da minha prole pela descendência deste” alu- 5. Quando Deus Supremo ordenou o Seu Pro-
dindo ao seu primo e genro Ali Ibn Abi Táleb feta de advertir os que lhe eram mais próximos
( A paz esteja com ele). Em outra ocasião, o para segui-lo em sua missão, o Profeta reuniu
Profeta (Deus o abençoou e a sua Linhagem e a todos e os admoestou sobre Deus dizendo:
os saudou) disse: “Todo filho se vincula ao seu “Aquele de vós que me seguir nessa incum-
pai exceto o filho de Fátima, porque eu sou o bência será considerado meu irmão, o meu
seu progenitor e seu vínculo”. recomendado, meu ministro, o meu herdeiro e
sucessor”. Entretanto, todos silenciaram exce-
Seus filhos to o Imam Ali (A paz esteja com ele) que ali-
ás, era na ocasião o mais novo dentre todos,
Ali Ibn Abi Táleb e sua esposa, Fátima que se levantou exclamando: Eu vos seguirei
Bent Mohammad “Azzahrá”, tiveram quatro nesta incumbência ó Mensageiro de Deus! O

64 - Revista Evidências
Profeta Mohammad (Deus o abençoou e a sua bolo da fé e o desprezo por ele em conceito de
Linhagem e os saudou) olhou para o primo e hipocrisia. O Mensageiro de Deus denominou o
disse-lhe: “Sente-se, pois és meu irmão, o meu Imam Ali como a “ porta da metrópole da sabe-
recomendado, o meu ministro, o meu herdeiro e doria” Ninguém era tão reconhecido como o foi
sucessor depois que eu for.” o Imam Ali em relação ao Mensageiro de Deus,
6. Resgatou o Mensageiro de Deus (Deus o dizendo sempre: “ Questionai-me antes de me
abençoou e a sua Linhagem e os saudou) com a perderem, pois o Mensageiro de Deus abriu-me
própria vida ao permanecer em seu leito, quan- mil portas de sabedoria e, de cada uma, se me
do Deus ordenou ao Seu nobre Profeta para abriram em outras mil”. Eis que citaremos a
emigrar a cidade de Medina, seguindo-o depois seguir alguns Ahadith (ditos) do Mensageiro de
de ter concluído a devolução dos valores aos Deus a respeito de seu primo, genro e sucessor:
seus próprios donos. Ali está com a justiça e a justiça está com Ali,
7. Quando o Mensageiro de Deus (Deus o e ambos não se separaram até o Dia do Juí-
abençoou e a sua Linhagem e os saudou) con- zo Final. Ali é a porta do meu conhecimento,
fraternizou os muçulmanos entre os emigrantes revelador a minha nação, o que propaguei em
e os aliados (Al-Ansari) na cidade de Medina, missões depois que me for. O amor por ele é
tomou Ali como seu fraterno dizendo-lhe: __ És símbolo de fé e o desprezo por ele é símbolo
meu irmão nesta vida e na eternidade. de hipocrisia. Ali complementou minha nação.
8. A história testemunha sobre a sua bravura e Para cada Profeta há um recomendado e um
coragem tão ímpar e tão zelosa defesa do islam herdeiro e Ali é o meu recomendado e herdeiro.
e seu nobre Profeta. Não havia uma batalha em Se os Céus e a Terra estiverem numa escala e a
que o Imam (A paz esteja com ele) li não tives- fé de Ali em outra, prevalecer-se-á a fé de Ali.
se participação fortemente ativa tanto é, muitos 10. O Mensageiro de Deus (Deus o abençoou
chegavam a ouvir uma voz vinda dos céus pro- e à sua Linhagem e os saudou) o privilegiou
clamando: __ Não há jovem como Ali e não a com o título de “Amir Al- Mu’Minin” (Príncipe
espada como a Zul Fiqar ( apelido da espada dos Crentes), e o nomeou seu sucessor no dia
do Imam Ali)! de “Al- Ghadir”. Em sua homenagem desceu
9. Ninguém obteve no islam o que o Imam Ali a revelação do versículo 3 da Surata 5 (Surata
(A paz esteja com ele) obteve em louvor e ma- Al Meada) “Hoje completei para vós; tenho-
jestade diante de Deus Supremo. Até o A Alco- vos agraciado generosamente, e aponto o Islam
rão Sagrado o menciona em aproximadamente por religião; bem como Deus Supremo infligiu
trezentos versículos tal qual citou Ibn Abbás, o sofrimento sobre aquele que negar a sucessão
sendo também apontado nos Hadis do Profeta de Ali e sua glória e omitir o testemunho sobre
Mohammad. O próprio Profeta Mohammad o essa sucessão. O acontecimento foi registrado
reunia ora com a justiça ora com o Alcorão Sa- nos livros de história, em que, após a nomeação
grado fazendo com que o amor por Ali seja sím- de Ali Ibn Abi Táleb pelo Mensageiro de Deus

Revista Evidências - 65
para “Califa”, isto é, sucessor Imam e Gover- rata 70 versículo 1 e 2.
nante dos muçulmanos, o Profeta Mohammad A outra questão que os livros mencio-
ordenou que cada um dos presentes notifique nam, é sobre a omissão do testemunho ocor-
os ausentes. Certo homem chamado Al-Hareth rido no Al-Ghadir, foi quando o Imam Ali es-
Ibn Naaman, não ficando satisfeito com esta tava na Mesquita de Al-Cufá, durante o seu
decisão, foi ter com o Mensageiro de Deus na califado, ele convocou o povo e falou-lhe do
Mesquita e disse-lhe: “Ó Mohammad (Deus o púlpito:Deus conjurou todo muçulmano que
abençoou e a sua Linhagem e os saudou), tu ouviu o Mensageiro de Deus no dia de Al-
nos ordenastes de que não há divindade além Ghadir Khom dizer: “Aquele que lhe sou so-
de Deus e que és o seu Mensageiro e nos acei- berano, Ali o será também”, uns se levanta-
tamos; nos ordenastes rezarmos cinco orações ram e confirmaram o que ouviram e outros que
todos os dias e jejuarmos no mês de Ramadan e ouviram e viram, não se levantaram.
peregrinar a Caaba e pagarmos o Zacat e con- Os que se levantaram foram trinta, dos
cordamos com tudo isto, porém, como se não quais dezesseis participaram da Batalha de
bastasse, agora vens impor-nos o vosso primo Badr e divulgaram que o Profeta, tomou Ali
como sucessor, preferindo-o a todos os demais pela mão e indagou aos presentes: __ Sabeis
dizendo-nos: Aquele que eu sou seu soberano que sou benemérito pelos crentes mais do que
Ali o será também! Afinal, isto vem de vós ou eles sobre si mesmo? E todos responderam-lhe
vem de Deus? O Mensageiro de Deus (Deus afirmativamente. Então o Profeta Mohammad
o abençoou e a sua Linhagem e os saudou) prosseguiu: Daquele de quem sou soberano,
olhou-o firme e, com os olhos vermelhos pela este (Ali) o será.
indignação lhe respondeu: “ Por Deus! Que Deus aprovará quem o aprovar e amaldi-
não há divindade além Dele, que isto é de Deus çoará aquele que for seu inimigo. Entretanto,
e não de mim!” repetindo a frase por três vezes. a inveja e a aversão contra o Imam se apossa-
Al-Hareth se levantou dizendo: Por Deus! ram de alguns dos presentes, os quais presen-
Se o que Mohammad falou é verdadeiro, que ciaram outrora a reunião de Al-Ghadir Khom
caia sobre mim pedras do céu ou que se apo- e posteriormente omitiram o testemunho sobre
dere de mim o pior dos sofrimentos! Saindo a sucessão; dentre eles se encontrava Anas Ibn
dali em seguida. Logo depois, o Mensageiro de Málek. O Imam Ali (A paz esteja com ele), des-
Deus contou “... eu vos juro que ele nem che- ceu do púlpito e dirigiu-se à Anas questionan-
gou a alcançar a sua camela, caiu-lhe do céus do-o diante da multidão: Por que, ó Anas, não
uma pesada pedra, atingindo-o em cheio na te levantaste com os Sahábas (Companheiros)
cabeça, matando-o imediatamente”. Posterior- do Mensageiro de Deus e confirmaste o que
mente, desceu uma revelação que diz: “Alguém ele afirmara na ocasião, como o fizeram os de-
inquiriu sobre um castigo iminente/ indefensá- mais? Encabulado, Anas falou: Ó Príncipe dos
vel para os incrédulos”, Surata Al-Maarej, Su- Crentes, eu estou com a idade muito avançada

66 - Revista Evidências
e já me esqueci deste fato. Táleb (A paz esteja com ele).
O Imam Ali (A paz esteja com ele) o olhou 12. O Mensageiro de Deus o incumbiu de sua
de frente e disse-lhe: Se estiveres mentindo, lavagem e apresto após a sua morte, dizendo-
Deus te punirá com a lepra e o teu turbante não lhe: Ó Ali, serás tu quem se incumbirá da mi-
bastará para esconder o teu mal. nha preparação depois do meu fim; e quan-
Nem acabou de sair na Mesquita e a terrí- do o Profeta faleceu, o Imam se empenhou de
vel doença começou a se manifestar sobre o ho- lavá-lo pessoalmente e prepará-lo para sua
mem, que lamentava em gemidos: Deus ouviu a viagem derradeira e após a oração pela alma
imprecação do servo fiel, porque menti e omiti do Profeta e Mensageiro de Deus, Ali o se-
o testemunho da sua sucessão! pultou no mesmo local onde morreu. Além do
Este notável acontecimentos foi mencio- que mencionamos, competem-se vários outros
nado por Ibn Qotaiba, em seu livro intitulado obséquios ao Imam Ali Ibn Abi Táleb (A paz
“Al-Maáref”, como também o mencionou o esteja com ele) e elevadas distinções infindá-
Imam Ahmad Ibn Hanbal em seu preceito, no veis, apesar dos malefícios praticados contra
capítulo 1, página 119, de que a demanda do ele por seus opositores e inimigos, que se em-
Imam (A paz esteja com ele) atingiu três pes- penhavam em extingui-las e sufocá-las.
soas por terem omitido a confirmação à sua
sucessão e que foram: Anas Ibn Malek, Al- O Imam Ali após a morte do
Barrá Ibn Ázeb e Juair Ibn Abdullah Al-Bajali. Mensageiro de Deus
Este fato, que os livros históricos mencio-
nam, sucedeu vinte e cinco anos após o acor- Foi-se o Profeta Mohammad deixando
do de Al-Ghadir para que o Imam Ali (A paz atrás de si as suas recomendações declarada-
esteja com ele) reivindicasse diante do povo o mente alusivas a sua sucessão do Imam Ali (A
seu direito a sucessão e a importância de sua paz esteja com ele). Entretanto, ocorreram situ-
personalidade depois do Profeta Mohammad ações contraditórias ao Imam e outros homens
para que, tanto, no presente como no futuro se apossaram da sucessão do Mensageiro. Mas,
saibam da veracidade dos fatos. o Imam não quis reivindicar os seus direitos na
11. Deus o privilegiou para que a descendên- ocasião, para que não houvesse cisão entre os
cia do Mensageiro de Deus seja por intermédio muçulmanos, a fim de preservar a sua união.
através de sua união com Fátima “Azzahra”, Com isto, os Sahábas reconheceram a sua
filha do Profeta Mohammad. benevolência tão beneplácita e, em considera-
O Profeta Mohammad disse certa vez: ção ao seu parentesco com o Mensageiro de
“Toda semente de um Profeta, Deus a conser- Deus e a importância de sua sabedoria em so-
vou em sua descendência, e a minha, a trans- lucionar a sucessão pacificamente, passaram a
formou da firmeza deste homem” aludindo ao procurá-lo para que se possa resolverem todas
seu primo e posteriormente genro, Ali Ibn Abi as questões jurídicas, sociais e religiosas, sen-

Revista Evidências - 67
do apoiado para tal pelo primeiro Califa Abu desvio moral, que se apossou da nação islâ-
Bakr, que dizia, conforme se nos relata a his- mica no plano ambicioso, prático e político,
tória: __ Para qualquer problema que me era restabelecendo os projetos econômicos, como
imposto por Deus, não teria a sua solução sem tinham sido no tempo do Mensageiro de Deus
Abu Al-Hassan! Aludindo ao Imam Ali (A paz (Deus o abençoou e a sua Linhagem e os sau-
esteja com ele). Segundo Califa Omar Ibn Al- dou) implantando a igualdade no trato, sem-
Khattáb também chegou a falar diante de mais pre dizendo: “O pecúlio é de Deus que será
de setenta questões jurídicas e ocorrências só- dividido por igual entre vós. Não há priorida-
cio- econômicas: Não fosse Ali, Omar teria su- de de alguém sobre o outro”.
cumbido! Demitiu sem exceção todos os corruptos
Assim, o Imam Ali (A paz esteja com ele) que exerciam cargos públicos e que incompa-
permaneceu à disposição das diretrizes, nas tibilizavam-se com as responsabilidades do
pregações, mantendo a harmonia entre o povo cargo, por não procederem com a lealdade e
e a nação islâmica, por longos vinte e cinco justiça de acordo com os dogmas religiosos.
anos, isto é, até o assassinato do terceiro Ca- O Imam Ali (A paz esteja com ele) impôs
lifa Othman Ibn Affan, quando a multidão se a justiça e puniu severamente o suborno no
reuniu para ajustar com ele a recusa à suces- Governo e a fraude nos preceitos de Deus, di-
são; mas o Imam Ali, desta vez, estava deci- zendo: “Por Deus! Que serei justo para com
dido em tomar posse de seus direitos no Ca- o oprimido e julgarei com justiça o seu opres-
lifado e, na condição de concordarem que ele sor pela sua insensibilidade, obrigando-o a
seguisse a risca a conduta do Mensageiro de cumprir pena, mesmo que desagrade a quem
Deus (Deus o abençoou e a sua Linhagem e os quer que seja!”
saudou), cumprindo com os direitos humanos Assim foi a política do Imam Ali (A paz
dos fiéis e estendendo a justiça e a igualda- esteja com ele), que naturalmente, não agra-
de entre as pessoas, pois na ocasião, o povo dava a todos, principalmente aos gananciosos
convivia com o preconceito e diferenças das e baderneiros; sobretudo aos fracos espiritu-
camadas sociais, o que em tudo isto contrário almente, que não se compatibilizavam com a
ao que o Mensageiro retratava e propagava. religião islâmica, os quais tentavam confundir
os problemas e dispersar as suas resoluções e
A política do Imam (a.s.) soluções, instigando contra ele pessoas como
Moáuiya filho de Abu Sufián, instituído como
Foi no ano 35 da Hijra que o Imam Ali (A Governante do Chám (hoje toda a região da
paz esteja com ele) tomou posse do Califado, Síria, Palestina e Líbano) pelo segundo Califa
centralizando- a na cidade de Al-Cufá, no Ira- Omar Ibn Al-Khattab, apoiado posteriormente
que, como a sua capital. pelo terceiro Califa Othman Ibn Affán, o qual
Seu primeiro empenho foi a supressão do lhe expandiu as fronteiras. Moáuiya Ibn Abu

68 - Revista Evidências
Sufián perseguia os muçulmanos, incutindo dando-lhes a vitória merecida protegendo-os
em seus corações o medo e o terror, matando contra os opressores e malfeitores. O Imam
os inocentes, tomando-lhes pela força as mu- Ali (A paz esteja com ele) adorava a Deus
lheres que se lhe agradavam e se apropriado com extrema devoção e fervor como o fazia
de seus bens e jóias. o Mensageiro de Deus (Deus o abençoou e a
sua Linhagem e os saudou). O Imam Ali Ibn
A morte do Imam Ali Ibn Abi Táleb Abi Táleb(A paz esteja com ele) deixou-nos
(a.s.) um grandioso legado para ser o exemplo dos
procedentes e luz aos adeptos a fim de se di-
No dia 21 do mês de Ramadan do ano 40 rigirem pelo caminho da orientação, realiza-
da Hijra, o Imam Ali (A paz esteja com ele) foi ção e justiça durante a vida terrena.
covardemente assassinado com uma espada Depois da sua morte, foram reunidos
envenenada pelo vil fanático criminoso Abdel alguns dos discursos deste magnífico Imam
Rahman Ibn Môljam, enquanto ele rezava na (A paz esteja com ele). Suas pregações e
Mesquita a Oração do Fajr (Alvorada), mor- eloqüente sabedoria, baseadas em todos os
rendo dois dias depois, como mártir pela cau- sentidos da vida, foram mencionadas no li-
sa de Deus Onipotente. Seus dois filhos, Al- vro intitulado “Nahj el Balágha” isto é, “O
Hassan e Al-Hussein (A paz esteja com ambos) Método da Eloqüência”, agrupado e orga-
se incumbiram na preparação de seu funeral e nizado pelo importante e grandioso sábio
sepultamento na cidade de Al-Nadjaf, ao sul Al-Sharif Al-Radi, o qual viveu no século
da cidade de Al-Cufá no Iraque, a pedido dele, quatro da Hijra (século onze do calendário
onde o seu túmulo se encontra naquela cida- gregoriano), sendo também considerado
de até os nossos dias, sendo visitado periodi- um dos eruditos dos preceitos dos que des-
camente pelos muçulmanos vindo de todas as cenderam da “gente da casa”, considerada
partes do mundo. a Linhagem do Profeta.

1. Seu Eterno Legado 2. Coletânea do Alcorão

A existência do Imam Ali (A paz esteja A mais importante de suas realizações,


com ele) na Terra foi uma grandiosa escola foi o empenho do Imam Ali (A paz esteja com
da vida, absorvida pelo conhecimento, di- ele) em reunir as páginas do Alcorão Sagrado
reito, justiça e igualdade entre os homens de após a morte do Mensageiro de Deus(Deus o
bem. abençoou e a sua Linhagem e os saudou); e
Foi o defensor dos oprimidos privados sua coletânea era organizada de acordo com
da sorte, os quais sempre podiam contar as revelações dos versículos que o Mensageiro
com a sua eqüitatividade e imparcialidade, de Deus (Deus o abençoou e a sua Linhagem e

Revista Evidências - 69
“O Islã me deu uma
NOVA VIDA”
O grande enfoque que a mídia mundial dá ao Islã e aos muçulmanos – muitas vezes de ma-
neira equivocada – tem despertado um interesse crescente das pessoas pelo assunto. Muitas
vezes, movidas pelas informações – até mesmo falsas – que recebem pelos grandes veículos
de comunicação, lançam-se à pesquisa sobre o assunto. E então, ao encontrar a verdade,
terminam, muitas vezes, por converter-se.
A brasileira Francielli Morez é um exemplo digno de nota. Bacharel em Direito, morando
em Curitiba (PR), ela conversa conosco nesta entrevista sobre o caminho que a levou ao
Islã e de que maneira a nova religião influenciou sua vida. Ela defende com sólidos argu-
mentos os preceitos islâmicos e faz um contraponto interessante entre os conceitos morais
vigentes atualmente, no Ocidente, e aqueles que são defendidos pelo Islamismo.

Revista Evidências - Você poderia falar dial, e minha mãe também possui ascendência
um pouco sobre sua vida? Onde você nasceu, açoriana e alemã. Na década de 1950, meus avós
sua infância e adolescência? se mudaram para São Lourenço, na época recém
Francielli Morez - Nasci em São Lourenço fundada, e foi aí que residi até os dezesseis anos
do Oeste, município de aproximadamente 20 mil de idade, quando fui aprovada no vestibular e
habitantes, situado no oeste de Santa Catarina. me mudei para Curitiba. Minha família não era
Descendo de italianos vindos da Sicília e do Ve- abastada, mas meus pais sempre trabalharam
neto, todos estabelecidos no Rio Grande do Sul muito e, graças a Deus, nunca nos faltou nada.
com seus pais durante a Primeira Guerra Mun- Uma parte da minha infância foi bem interessan-

70 - Revista Evidências
te, com muito estudo e recreações que pendiam eu conhecia. Na minha mentalidade, este era um
entre a cidade e o sítio dos meus avós; minha pecado para o qual não havia perdão, e tão logo
adolescência, contudo, foi mais difícil, uma vez eu morresse, estaria no inferno; a partir daí,
que a separação dos meus pais consolidou um passei a me privar de boa parte das recreações
período de grandes provações, mas de inigualá- que eu tinha, com medo de sofrer algum aciden-
vel aprendizado. te e morrer. Acredito que meus pais notavam a
minha retração, mas eu dava desculpas do tipo
R.E. - Antes de conhecer o Islamismo, você “não quero brincar porque tenho que estudar”,
professava alguma religião? Qual? ou “prefiro ficar em casa desenhando”, consi-
F.M. - Fui batizada na Igreja Católica Apostóli- derando que eu não comentava nada com eles,
ca Romana, durante a missa de Natal de 1985, talvez com medo da repreensão, ou também por
aos vinte dias de vida, e treze anos depois eu temer que se magoassem; neste sentido, perma-
concluí o terceiro Sacramento do Catolicismo, neci silente e continuei a ir à igreja e à cateque-
a Crisma. Ainda hoje os meus pais, tios e avós se. Lembro que aos oito anos de idade, eu passei
mantêm vivas algumas tradições, como o fato de a ter medo até do sono, pois afinal, e se eu mor-
falarem o idioma italiano entre si e de professa- resse enquanto dormia? Estes eram, enfim, me-
rem o Catolicismo – neste passo, há na família canismos que eu criava para prolongar a minha
três freiras e dois padres, um dos quais figura vida, de modo a retardar a ida para o inferno.
entre os coordenadores da Ordem Scalabrini nas Quando eu estava cursando a 7ª série do Ensino
Américas. Fundamental, mudei de posicionamento e passei
a pesquisar sobre outras religiões, dentro é claro
R.E. - Como você se aproximou do Islamismo? da limitação de materiais e fontes sobre o as-
F.M. - Por detrás desta resposta há todo um con- sunto, considerando que o acervo da biblioteca
texto. Por volta dos seis anos de idade, adentrei da cidade era bem limitado e que não tínhamos
naquela fase pela qual toda criança passa, a de acesso de qualidade à Internet. Li algumas coi-
questionar tudo. O caso é que eu comecei jus- sas relativas ao Judaísmo, ao Budismo e ao Es-
tamente a questionar, dentre outros pontos de piritismo, mas nenhuma delas fazia o meu modo
menor impacto psicológico, a questão da pater- de pensar parecer aceitável. Dois anos mais tar-
nidade de Deus em relação a Jesus e a todos nós, de, o mundo parou com os atentados ao World
o que comprometeu, por conseguinte, a idéia da Trade Center, e após ter iniciado uma pesquisa
Trindade. A partir de então, atitudes aparente- de cunho geopolítico sobre tal acontecimento,


mente simples, como ir à missa, fazer o Sinal da por acaso entrei no mérito da questão religio-
Cruz, tomar a hóstia e rezar a Oração do Cre- sa, tão ligada pela mídia aos referidos ataques.
do, por exemplo, tornaram-se pesarosas e me Uma aproximação mais efetiva do Islamismo eu
enchiam de culpa. É interessante o fato de que O Islã é um paradigma
quanto mais se tenta esquecer uma idéia, mais religioso totalmente plausível,
cristalizada ela fica, e como eu conhecia somen- que responde a todas as
te o Catolicismo, estava contestando, ainda que minhas questões e, ao mesmo
em segredo, os pontos-chave da minha religião, tempo, instigava ao
da religião da minha família e de todos os que questionamento e aos estudos.

Revista Evidências - 71
tive, todavia, ao chegar em Curitiba, onde o ma- cesso de aprendizado. Enfim, eu evoluí.
terial bibliográfico sobre o assunto e o contato R.E. - O Islamismo é tido, no Ocidente, como
com muçulmanos são bem menos escassos que uma religião que oprime a mulher. Qual a sua
em minha cidade natal; na verdade, não há mu- visão sobre isso?
çulmanos em São Lourenço nem tampouco na F.M. - A falta de reconhecimento das mulheres
região. não deve ser encarada como um problema liga-
do ao Islamismo, uma vez que se apresenta em
R.E. - O que a fez converter-se? escala mundial, em praticamente todas as épo-
F.M. - Fiquei realmente impressionada porque cas, locais e culturas. O tratamento que o Isla-
fui percebendo que o Islã não só não é absolu- mismo confere a homens e mulheres é isonômico,
tamente nada daquilo que estávamos (e que in- ou seja, iguais na medida de suas igualdades,
felizmente ainda estamos) habituados a receber respeitando estas condições. O caso é que, no
pelos meios de comunicação, como também é um Ocidente, as mulheres estão tão desacostuma-
paradigma religioso totalmente plausível, que das com tratamentos mais honrosos vindos dos
respondia a todas as minhas questões na medida homens que, quando se deparam com uma situ-
em que eu me aprofundava mais no assunto, e ação de proteção, confundem-na com opressão.
ao mesmo tempo me instigava ao questionamen- No Brasil, todos os grandes críticos do Islamis-
to e aos estudos. Foi como se eu tivesse nasci- mo ressaltam situações raras, como apedreja-
do novamente, com a alma salva e sem aquele mentos e poligamia, mas se esquecem de salien-
peso insustentável na consciência, o de ser uma tar o quão abarrotadas de boletins e registros
“degradada filha de Eva” e merecer o inferno de ocorrência são as Delegacias da Mulher no
por não aceitar a Trindade. Mesmo assim, mi- país, por exemplo; a própria existência destes
nha opção pela conversão ao Islamismo não foi departamentos e a necessidade da formulação
imediata, mas gradual e pulverizada ao longo de leis especiais contra a agressão à mulher,
destes quase seis anos de leituras e pesquisas. como a recém publicada Lei Maria da Penha
(Lei nº 11.340/06), são a maior prova de que o
R.E. - No que o Islamismo mudou a sua vida? sistema no qual hoje vivemos procura desespe-
F.M. - No que tange aos meus hábitos e às mi- radamente por soluções aos problemas que ele
nhas atividades cotidianas, nada foi substancial- próprio ajudou a criar.
mente modificado. Porém, analisando a situação
a partir de uma ótica mais subjetiva, tenho a di- R.E. - Como é ser muçulmana num país oci-
zer que Islamismo não mudou minha vida; muito dental, cuja cultura difere em muitos aspectos


mais do que isso, o Islamismo me deu uma nova da doutrina islâmica?
vida, concedendo-me dádivas inestimáveis: uma F.M. - É dignificante, e jamais me arrependi pela
fé fortalecida, paz de espírito, tolerância, perse-
verança, pró-atividade e muito orgulho e apreço
O Islamismo concedeu-me
por todos os valores que meus pais introduziram
dádivas inestimáveis: uma fé
em meu espírito, fossem estes valores religiosos
fortalecida, paz de espírito,
tolerância, perseverança e
ou não. Fiquei mais aberta ao debate, à discus-
pró-atividade. Enfim, eu evoluí.
são acadêmica, à pesquisa e ao constante pro-

72 - Revista Evidências
escolha que fiz. O que mais me espantou é que ções ficam totalmente concentradas no debate,
fui rechaçada efetivamente por grande parte da- e quando o semestre termina, respiro aliviada:
queles que eu pensava que, por seu preparo in- são oficialmente quatro turmas, com cerca de 55
telectual, estariam ao meu lado: os professores. alunos cada uma, o que significa que são, a cada
Percebi isso claramente quando, ao descobrirem seis meses, 220 pessoas a mais que assimilaram
que eu seguia o Islamismo, muitos deles passa- a verdadeira mensagem islâmica. Isso sem con-
ram a me criticar e se afastaram sob a alegação tabilizar as pessoas para as quais cada um deles
de que meus comentários estavam comprome- vai contar o que aprendeu. São situações como
tidos por um posicionamento tendencioso... é estas que me enchem de orgulho, de honra e de
um paradoxo, porque estes mesmos professores alegria por ser muçulmana, e que compensam
sempre elogiaram as minhas colocações. Não cada óbice que eventualmente tenho que enfren-
posso nem devo generalizar, afinal, não fosse o tar no dia-a-dia.
apoio que recebi de mestres inigualáveis, como
o Professor Jamil Iskandar e o meu Orientador R.E. - Qual o papel da mulher muçulmana na
no curso de Direito, minhas pesquisas não te- sociedade moderna, na sua opinião?
riam progredido; há, todavia, um séqüito imenso F.M. - Ser um exemplo a ser seguido. Homens
de “educadores” imbuídos de um cientificismo e mulheres desempenham papéis importantíssi-
hipócrita, mecânico, auto-suficiente e cego, que mos, e sobrepor um gênero em relação ao outro
insistem em exortar os alunos a se afastarem seria um erro de dimensões abissais. As mulhe-
de qualquer tipo de “dogma”, sob a alegação res, todavia, são as genitoras da humanidade,
de que determinadas crenças – leia-se crenças sendo, desde a concepção, intrinsecamente res-
religiosas – nos privariam de uma visão mais ponsáveis pelo bom desenvolvimento dos seus
precisa e racional acerca das circunstâncias. filhos; e é justamente esta consciência de uma
Talvez seja justamente este o alicerce de alguns responsabilidade ingênita, psicológica, física e
dos grandes problemas que enfrentamos: sem espiritual, que o Islã defende e respeita. O pen-
premissas maiores, as pessoas não se importam samento ocidental reinante transita no sentido
em perder a alma para ganhar o mundo, e isso de que uma aparência recatada e modos e po-
faz com que não haja qualquer ressentimento em sicionamentos sóbrios são características que
se omitir, transgredir e agredir; com a supressão subtraem de uma mulher a sua perspicácia, sua
de valores religiosos dos processos educacionais personalidade e sua liberdade; entretanto, o que
– que começam em casa, nas relações familiares este mesmo pensamento omite é que uma mu-
– não há mais respeito ou temor, tanto em re- lher que atua, ainda que de forma discreta, na
lação às leis humanas quanto às Preconizações boa educação que confere aos filhos, nos bancos
Divinas. Como bem anotou Ruy Barbosa, “não escolares, na sociedade como um todo, é muito
há justiça, onde não haja Deus”. Deste ínte- mais livre do que uma mulher cativa dos grilhões
rim, hoje o meu foco está voltado principalmen- da moda, da banalização do corpo e do espírito,
te para os alunos, possuidores de mentes mais por exemplo. Atualmente, um grande percentual
abertas que as de muitos docentes detentores de do corpo de intelectuais muçulmanos é compos-
vastos currículos acadêmicos. Quando converso to por mulheres, as quais também desempenham
sobre o Islamismo com eles, noto que suas aten- seus papéis de mãe e de esposa sem olvidarem

Revista Evidências - 73
“ ”
espiritual, mas também como incubadora inte-
O tratamento que o Islamismo lectual em constante ebulição. Historicamente,
confere a homens e mulheres é o anseio em manter a superioridade da cultura
isonômico, ou seja, eles são iguais ocidental em relação a todas as outras tradições
na medida de suas igualdades, res- encontrou na primeira revolução intelectual da
peitando estas condições. Europa um obstáculo intransponível: não só a
principal transmissora de idéias avançadas foi
premissas como a decência e a integridade. É uma civilização não-européia, como também foi
esta a valoração que a maioria das mulheres a civilização considerada pelos cristãos como
no Ocidente perdeu, então, julgo que a gran- sua nêmesis durante muito tempo. Os próprios
de contribuição das muçulmanas na sociedade cruzados viriam a descobrir mais tarde que a
moderna é a de trazer de volta estas idéias, de- assim chamada “cultura infiel” dos muçulma-
monstrando por meio das suas próprias formas nos era claramente mais avançada, em aspectos
de agir que tais valores são imprescindíveis e significativos, do que a do Ocidente latino; não
totalmente compatíveis com as constantes evo- apenas os muçulmanos haviam adquirido a fi-
luções sociais. losofia e a ciência natural de Aristóteles, como
haviam absorvido a matemática de Arquimedes,
R.E. - Que contribuições o Islamismo pode a ciência médica de Hipócrates e Galeno, dentre
trazer para a humanidade? muitas outras. Além de traduzirem estas obras,
F.M. - Quem costuma teorizar a iminência de eles as haviam interpretado, aplicado e aprimo-
um “choque de civilizações” ou tratar o Isla- rado, também lhes acrescentando ciências de
mismo como religião instrumentalista, confun- sua própria lavra, como a álgebra, a química e
dida com este ou aquele tirano, com este ou a historiografia, além de brindarem o Ociden-
aquele expoente de um pretenso extremismo, te com sua literatura, música, arquitetura, culi-
com a miséria deste ou daquele povo, esquece- nária, dentre muitas outras dádivas; estas são,
se, ou finge esquecer, de quantos regimes di- em síntese, algumas das heranças fecundas e
tatoriais o “civilizado” Ocidente foi capaz de indeléveis que o Islamismo nos legou, surgidas
produzir, de quão desesperado é o rosto de mui- de forma tributária a esta corrente religiosa.
tos dos nossos cidadãos e de quanta sedução Sem sombra de dúvidas, a maior contribuição
ainda provocam as ideologias que fomentam e que o Islã tem a oferecer para a humanidade, no
irradiam o ódio e a morte no mundo ocidental. contexto atual, é o próprio Islã: os muçulmanos
Mais raramente ainda, são abordadas as pro- são, de forma clara, pensadores criativos por
duções intelectuais contemporâneas do Islã, si mesmos, tenazes, generosos, solidários, leais


sintetizando desta forma a imagem que o Oci- e sobretudo cientes de sua dignidade, isso tudo
dente tem do mundo islâmico, qual seja a de
uma realidade monolítica, obscura, incapaz de A maior contribuição que o
exortar movimentos de renovação e de se adap- Islã tem a oferecer é o próprio Islã:
tar às novas condições de existência da huma- os mulçumanos são
nidade: conscientemente ou por ignorância, pensadores criativos, tenazes, gene-
desconhece-se o Islã não só como realidade
rosos, solidários, leais e cientes de
sua dignidade

74 - Revista Evidências
EXALTAÇÃO E FELICITAÇÃO
do irmão Ahmad Árif Abdel Latif

F
oi uma oportunidade abençoada que nos reuniu com o fundador desta revista, S. Ex-
cia. Sayyed Charif Sayyed, na residência do nobre irmão Hajj Mustafa Mourad, onde
tivemos um diálogo a respeito das questões religiosas entre o cheikh Abdul ‘Áti, chei-
kh do Azhar, sendo na época Imam da Mesquita Brasil. Foi uma reunião muito útil, que me deu
tranqüilidade e me fez sentir orgulho pelo que ouvi de S. Excia, Sayyed Charif. Desde aquela
oportunidade sinto saudade de encontrá-lo novamente. Eis que hoje nos encontramos nova-
mente na fundação de uma revista islâmica que esclarece as pessoas sobre o Islã e responde
a todas as questões.Por isso, desejamos para a revista e ao seu fundador, S. Excia Sayyed
Charif, todo o sucesso e continuidade. Por outro lado, felicitamos a todos os muçulmanos pela
chegada do mês abençoado de Ramadan e pelo ditoso ‘Id Al Fitr (comemoração do desjejum).

Revista Evidências - 75
CURIOSIDADES
Quão desagradável é Cooperação
o cheiro desse cão!
Há um tipo de cooperação sólida en-
tre o jacaré e um pequeno pássaro de
Narra-se que o profeta Jesus (AS) passou com
nome (Saru). Ele aproveita o alimento
os Discípulos pelo cadáver de um cão. Os Discí-
do jacaré quando este está calmamen-
pulos disseram: “Quão desagradável é o cheiro
te dormindo à beira do rio. O pequeno
desse cão!” Jesus (AS) disse: “Quão brancos são
pássaro se posta na cabeça do jacaré
os seus dentes!”, como os censurando por fala-
como sentinela à espera de uma víti-
rem mal do cão, e chamando a atenção deles de
ma que se aproxima do local. Quando
que só se deve falar bem das criaturas de Deus.
isso acontece, o pássaro solta um som
(1)
peculiar para chamar a atenção do
jacaré. Este atinge a vítima com o seu
forte rabo e começa a devorá-la. O pe-
queno pássaro presta esse serviço em
Nota
troca de poder comer o resto da carne
que fica en-
1 - “Bihar Al Anwar”
tre os dentes
(Mares de Luzes) 72/222,
do jacaré,
do Allamah Sheikh Mo-
depois de
hammad Báquir Al-Ma-
devorar a
jlissi.
sua vítima.

76 - Revista Evidências
&
Exemplos
Não se Deve Censurar o Criança Estranha
Apaixonado Pelo Que Diz
Narra-se que Sulaiman (Salomão) (AS) ou- O jornal americano “Daily Times”
viu um pássaro macho dizer para a fêmea: publicou que uma mulher deu à luz a
“Porque você me rejeita? Se eu quisesse, uma criança estranha, que viveu du-
pegaria a cúpula de Salomão com meu bico rante apenas oito meses. No sétimo dia
e a jogaria no mar.” Salomão (AS) riu das a criança falou. Aos sete meses de vida
palavras e perguntou ao pássaro macho: o pelo cobria o seu corpo, tinha barba
“Você consegue fazer aquilo?” O pássaro como os adultos, e morreu velho, ape-
respondeu: “Não, ó mensageiro de Deus. sar de não ter mais que oito meses.
Porém, o indivíduo gosta de se enfeitar e se
engrandecer perante a companheira. Não
se deve censurar o apaixonado pelo que
diz.” Salomão (AS) disse para a fêmea:
“Por que você o rejeita, apesar de amá-
la?” Ela respondeu: “Ó Profeta de Deus,
ele não me ama, mas apregoa isso, pois
ama a outra junto comigo.” As palavras da
fêmea atingiram o coração de Salomão, fa-
zendo-o chorar muito. Ele ficou em retiro
durante quarenta dias, suplicando a Deus
que dedique o seu coração somente à sua
amada, e não ame a outra junto com ela.”

Revista Evidências - 77
Umma Islamiya

Islã cresce
O número de muçulmanos ultrapassou a população católica no mundo. É o que sugere a comparação entre os da-
dos do Anuário Estatístico do Vaticano, que apontam para a existência de 1,115 bilhão de católicos no planeta, e
do World Christian Database, segundo o qual existem atualmente 1,322 bilhão de muçulmanos. As estatísticas do
instituto americano mostram que 20,45% da população mundial professa a fé islâmica, e que existe uma tendência
de alta nos próximos anos. Segundo o Anuário Vaticano relativo a 2005, o aumento dos católicos foi de 1,2%,
totalizando 17,2% da população mundial.

Atleta de allah
O atleta muçulmano Jadel Abdul-Ghani Gregório, paranaense de Jandaia do Sul, fez bonito no
Mundial de Atletismo, em Osaka, no Japão, e trouxe a única medalha da delegação brasileira:
prata, com um salto triplo de 17,59 metros. Nos Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro, ele já
havia conquistado medalha de ouro, com um salto de 17,27 metros. Jadel abraçou o Islã em 2004,
antes de se casar com a fisioterapeuta Sâmara Abdul Ghani, de origem libanesa. “Conheci a cultura
da família da minha mulher, fui ao Líbano e gostei do jeito dos muçulmanos”, declarou o triplista.

Parabéns!
Solenidade realizada na noite do último dia 26 de Rajab (10 de agosto) marcou o cinqüentenário de fundação da
Sociedade Beneficente Muçulmana do Paraná (SBMPR). O evento reuniu, na sede da entidade, em Curitiba, imigran-
tes, descendentes e familiares, além de autoridades municipais e estaduais. Os membros da comunidade islâmica e
curitibana que prestaram serviços relevantes à SBMPR ao longo destes 50 anos foram agraciados com diplomas de
Honra ao Mérito.

Circuncisão
A prática da circuncisão masculina pode evitar o contágio de milhões de pessoas pelo HIV. A avaliação é dos médi-
cos e especialistas que participaram da Conferência sobre Patogênese e Tratamento do HIV, em Sidney (Austrália).
O professor de Epidemiologia da Universidade de Illinois (Chicago, Estados Unidos) Robert Bailey, assegurou que
a circuncisão reduz a transmissão do HIV em 60%. A circuncisão masculina é uma obrigação religiosa para os mu-
çulmanos e, além do HIV, protege contra outras doenças do aparelho urinário e reprodutor, conforme comprovam
recentes pesquisas científicas.

Más influências
A discórdia no Mundo Islâmico tem raízes externas e é criada pela interferência dos inimigos nos assuntos internos
destes países. A afirmação foi feita pelo presidente da República Islâmica do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, no último
dia 04 de Shaaban (18 de agosto). Falando durante a abertura da 4ª Conferência da Assembléia Mundial de Ahlul
Bait, ele declarou que “O Islã é uma verdade completa, também observável no Judaísmo, no Cristianismo e em ou-
tras religiões divinas”.

Base popular
O Parlamento da Turquia elegeu o ministro do Exterior, Abdullah Gul, para a Presidência do
país. Gul é o primeiro político muçulmano piedoso – isto é, que segue os preceitos islâmicos – a
se tornar chefe de Estado na Turquia desde a criação da República, em 1923. O partido de Gul, o
AKP, tem ampla base popular. Muçulmano devoto, Gul obteve votos de 339 dos 550 membros do
Parlamento, dominado pelo AKP desde que o partido venceu as eleições gerais em julho.

78 - Revista Evidências
Perguntas & RESPOSTAS
E
sta página é reservada para as respos- na saudade, o amigo na viagem, a companhia
tas às perguntas dos caros leitores. Cer- na solidão, é guia na miséria, é ajuda na adver-
tamente, a pergunta é a chave do con- sidade, é arma contra os inimigos. Deus eleva,
hecimento. Quem não pergunta não aprende. O com ele, os povos, a quem torna líderes do bem.
Mensageiro Mohammad (S) disse: “O conheci- Eles serão imitados, seus feitos serão narrados,
mento é tesouro; sua chave é a pergunta. Portan- todos - sejam seres animados ou inanimados, to-
to, fazei perguntas, pois Deus premiará quatro dos os peixes do mar e todos os animais da terra
pessoas por pergunta: quem pergunta, quem re- - pedirão a graça de Deus para eles.
sponde, quem escuta, e quem deles gosta.” Deus,
exaltado seja, diz: “Poderão, acaso, equiparar-
se os sábios aos ignorantes?” (39:9). O Imam
Al Báquir (AS) engrandeceu o conhecimento e
nos convocou a adquiri-lo, elogiando os que o
procuram. Ele (AS) disse: “Procurem o conheci-
mento, uma vez que adquiri-lo é benevolência,
procurá-lo é cultura, recordá-lo é glorificação,
pesquisar por ele é jihad (empenho), ensiná-lo é
caridade, passá-lo aos familiares é boa obra. O
conhecimento é luz do Paraíso, é o companheiro

Revista Evidências - 79
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80 - Revista Evidências
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Revista Evidências - 81
Public
F
oi publicado recentemente o livro “Jesus Cristo, no Alcorão Sagrado”, da autoria de Sayyed
Sharif Sayyed. Escrito em árabe em 1999, foi traduzido pelo Dr. Jamil Iskandar em 2007, e
revisado pelo Prof. Samir El Hayek, sendo impresso no mesmo ano.
O Livro é composto de 111 páginas, formato 16x23. Ele aborda os mais importantes assuntos
pertinentes à vida de Jesus (a.s.). esclarecendo a posição de Jesus no Alcorão Sagrado, mostrando a
opinião dos muçulmanos a seu respeito, descrevendo a forma do nascimento de Maria, João e Jesus
(a.s.). Discute, por intermédio do Alcorão e os Quatro Evangelhos, a questão da filiação de Jesus, da
Trindade, da Crucificação, o anúncio da vinda do Profeta Mohammad (Que Deus o abençoe e lhe dê

Pode ser adquirido nas livrarias ou pelos seguintes telefones: (11) 3329-9200 /
(11) 8660-4440 / (11) 7725-8880 / (41) 8444-8284 / (41) 9995-9634.
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Revista Evidências - 82

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