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<3$S> intersaberes

O selo DIALÓGICA da Editora InterSaberes faz


referência às publicações que privilegiam u m a
linguagem na qual o autor dialoga c o m o leitor por
meio de recursos textuais e visuais, o que t o m a
o conteúdo muito mais dinâmico. São livros que
criam u m a m b i e n t e de interação c o m o leitor -
seu universo cultural, social e de elaboração de
conhecimentos - , possibilitando u m real processo
de interlocução para que a comunicação se efetive.
Islamismo: história,
cultura e geopolítica

Emílio Sarde Neto


AVA

R u a c l a r a
EDITORA Vendramin, 581 Mossunguê | C E P 81200-170 |Curitiba | PR | Brasil
intersaberes Fone: (41) 2106-41701 www.intersaberes.com | editora@editoraintersaberes.com.br

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Prestes

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Sarde Neto, Emílio


Islamismo: história, cultura e geopolítica [livro eletrônico]/Emílio Sarde Neto.
Curitiba: InterSaberes, 2020. (Série Panorama das Ciências da Religião)
2 Mb; PDF

Bibliografia.
ISBN 978-65-5517-006-1

1. Islamismo 2. Islamismo - Doutrinas 3. Islamismo - História 4. Islamismo


e política I.Título. II. Série.

20-34116 CDD-297

índices para catálogo sistemático:


1. Islamismo: História 297

Cibele Maria Dias - Bibliotecária - CRB-8/9427

1* edição, 2020.

Foi feito o depósito legal.

Informamos que é de inteira responsabilidade do autor a emissão de conceitos.

Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou
forma sem a prévia autorização da Editora InterSaberes.

A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei n. 9.610/1998 e punido


IIIIIOKA U I I I U I A pelo art. 184 do Código Penal.
SUMÁRIO

7 | Apresentação
9 | Como aproveitar ao máximo este livro

11 | 1 A história e as sociedades do Oriente Médio


pré-islâmico
11 | 1.1 As civilizações mesopotâmicas
16 | 1.2 A civilização egípcia
22 | 1.3 Os hebreus
26 | 1.4 Os persas
29 | 1.5 O domínio romano e a ascensão do cristianismo
35 I 1.6 As comunidades beduínas e as tribos árabes

43 | 2 A história de Maomé
44 | 2.1 A tradição oral, os povos árabes e o advento do islã
47 | 2.2 O profeta Maomé
49 | 2.3 As pregações em Meca
51 | 2.4 A voz no deserto e o recitar
54 | 2.5 As perseguições e a fuga para Yathrib
57 | 2.6 As primeiras guerras em defesa do islã
e a morte de Maomé

64 | 3 Do Alcorão oral ao escrito: o mundo islâmico


65 | 3.1 A escrita e a codificação do Alcorão
67 | 3.2 As religiões monoteístas, o Alcorão e o islã
71 | 3.3 A expansão islâmica
74 | 3.4 A questão da sucessão e as primeiras conquistas
76 | 3.5 Os impérios Omíada e Abássida
83 | 3.6 A luta pela conquista de Jerusalém
93 4 E s t r u t u r a do Alcorão e vertentes do i s l a m i s m o
95 4.1 A importância do conhecimento (Um)
97 4.2 O Alcorão e sua estrutura: as suratas curtas
e as longas
100 4.3 A tradição islâmica: o Hadith e a Sunna
103 4.4 A lei islâmica (Shariah)
105 4.5 A vertente shiita
108 4.6 Outras vertentes: kharijitas, sufistas e sunitas

114 5 O ciclo da v i d a i s l â m i c a , a p r o f i s s ã o de fé,


a cultura e a cosmogonia
114 5.1 Educação e sexo: o conceito islâmico de vida
118 5.2 Os cinco pilares do islamismo:
a profissão islâmica de fé
124 5.3 A Jihad
126 5.4 A crença islâmica: os anjos e demónios (génios),
a predestinação, o i n f e r n o e o juízo final
130 5.5 Cultura, arte e arquitetura islâmica
132 5.6 Os lugares sagrados do islã

141 6 O i s l a m i s m o n a atualidade
142 6.1 O m u n d o islâmico na Idade Contemporânea
144 6.2 A doutrina do wahabismo
147 6.3 Os grupos extremistas no islã
157 6.4 Século X X I : os conflitos no Oriente Médio
161 6.5 O islamismo no Brasil
164 6.6 A diversidade no islã

171 Considerações finais


173 Referências
177 Bibliografia comentada
179 Respostas
180 Sobre o autor
APRESENTAÇÃO

O islamismo é a religião que mais cresce e ganha adeptos em todo


o mundo. Sua génese histórica tem início na Península Arábica, no
Oriente Médio, com o profeta Maomé , após receber revelações
1

de Alá (Deus) por meio do arcanjo Gabriel.


E uma religião que apresenta aspectos do judaísmo e do cristia-
nismo, sendo considerada por seus praticantes a última revelação.
A cultura árabe é milenar e, mesmo tendo uma origem comum com
as religiões ocidentais, suas crenças, seus pontos de vista eseu
modo de ver e interpretar o mundo são divergentes.
Para compreender melhor o Oriente Médio e suas culturas, no
Capítulo 1, fazemos uma síntese da história das principais civili-
zações da Antiguidade pré-islâmica que constituíram as culturas
e os povos que habitaram aquela região do mundo e deixaram
seu legado.
No Capítulo 2, discutimos alguns dos aspectos mais importantes
da vida de Maomé: as revelações recebidas, sua trajetória de vida e
a dos primeiros muçulmanos, com o intuito de entender a origem
dessa religião, seus fundamentos e seus objetivos.
O Capítulo 3 traz a codificação do Alcorão em sua passagem do
oral para o escrito. Nele, estabelecemos algumas comparações com
o judaísmo e o cristianismo, discutimos o processo de expansão
do islã pelo Oriente Médio e a fundação e a queda das dinastias
omíada e abássida nas disputas pela conquista de Jerusalém.

1 Seu nome completo é Abu al-Qãsim Muhammad ibn Abd Allãh ibn Abd al-Mu|ialib ibn
Hãshim.
No Capítulo 4, analisamos a estrutura do Alcorão, as suratas
curtas e as longas, suas especificidades e a importância da tradição
do profeta e de seus companheiros para a elaboração das leis do
islamismo.
No Capítulo 5, tratamos do ciclo da vida islâmica, dando ênfase
à educação na prática dos preceitos da religião e na formação da
família, discutimos os cinco pilares do islamismo, suas caracte-
rísticas e aplicações na vida dos fiéis e tratamos da cosmogonia,
que abrange a crença em anjos, demónios, céu, i n f e r n o e juízo
final. Também discorremos sobre a cultura, a arte e a arquitetura
e os quatro lugares considerados mais sagrados para o islamismo.
N o Capítulo 6, d i s c u t i m o s a religião islâmica na Idade
Contemporânea, t r a t a n d o da relação do islã com a política no
Oriente Médio e com o Ocidente. Apresentamos a d o u t r i n a do
wahabismo, sobre a qual recai a ideologia do fundamentalismo que
move grupos extremistas. Discutimos como ocorreu a chegada dos
primeiros muçulmanos à América e ao Brasil, suas atividades e a
contribuição para o desenvolvimento do país. Por f i m , ressaltamos
a grande diversidade existente no m u n d o islâmico.
9

COMO APROVEITAR AO MÁXIMO


ESTE LIVRO

Empregamos nesta obra recursos que visam enriquecer seu apren-


dizado, facilitar a c o m p r e e n s ã o dos conteúdos e tornar a leitura
mais d i n â m i c a . C o n h e ç a a seguir cada uma dessas ferramentas
e saiba como elas estão distribuídas no decorrer deste livro para
bem aproveitá-las.

A HISTÓRIA E AS
S O C I E D A D E S DO O R I E N T E
MÉDIO PRÉ-ISLÂMICO

Introdução do capítulo
fiwrMn.fMi»nMnaim^lod»i.UMWinliiliJ*.OifP>wyn
Logo na abertura do capítulo,
i n f o r m a m o s os temas de estudo
e os objetivos de aprendizagem
• ,.1 *t
que serão nele abrangidos, fazendo
\ t. ..I. . . | V- . |- ' , .,: . •> - ., - nhU
fipn. . w H.|H.I.IM p » • CmranU h i l d • W i ú n . r .1

considerações preliminares sobre


. m > t por ledo . Impnw IUOUBO c . o t l r o d . t r i v A H . , 1 .
as t e m á t i c a s e m f o c o .

ra.lnrdaaforoaidodrarrlo.oijrarrwmdr m a t r r i i pfin - p a r i
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A i chuva» i i . / . t i ... «W . . . . . . n , .v manada» dr
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dromedário» r u h m O* d r o m r d a n o i d r i r m p r i i h a m u m paprl
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1
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Nrair • - p i ••<
: > tratante* d a i principal» civilii.ar.6n do O n c n l r
M r d i o • .uaa r a p e . , f k i d a . 1 . i c u l t u r a » • h a l o ™ » . : „ í o a r o . «
Síntese
d i a t u t i n d o * origem do* povoa que ha - . 1 j , mi 1 Mc»opo<ámia
r d r a c r r v r m o a . • - - i n . , , . 1 .1., . 1 : 1 1 . . . 1. p . ; 1 . *algum»dr Ao final de cada capítulo, relaciona-
mos as principais informações nele
aiprcloa n u l i ii' 1-.1 • - t h . -
Abordaroo* a formação do poso b r b r r u . m u l t a n d o alguiu.do*

abordadas a f i m de que você avalie


pii i v 1 pau roo m m lo» dr tua formação hnlonca atr o momrnloda
diiprraaoprlomundo Tambrrotratainoada formação do Im perto

as conclusões a que chegou, confir-


I V i « a r dr m a o r j « n u a < a o M o o t u l t u r a l
t i n a l i u m o * analisando o aurgimenlo do crotiantaBio.auafor-
11. - , .1.. 1...1. ' i . .1 r a r i p a n a a o d r a u a d o w i n n a . b r m coroo traiamoa
de 1 !,'-••. 1 - daa n 1 ••. . 1 doa beduíno* e d a i inboi árabra
mando-as ou redefinindo-as.
10

ATIVIOADIS 0 1 AUTOAVALIAÇÀO
| A m a u antiga c o l e i i o d * i, lunditai .urgiu na
\lrkopot»ii,.a e c h i m . w
« Alrotio.
• ; Código d e H a m u r a b .
Código d e O i k o o
UiadeSõloo.
Atividades de
I. .....1)01- I.-...
I!

O faraó A m e n o * , t IV i n l r o d u i i u u m a reforma r r l i g n a a . r u l a h r
autoavaliaçào
an^onaonnteiamonoFgito impoannaNoaAaonetun.frr.u
a r a p > U l d o Novo I m p r o o p a t a a r e g i a * «V Aanarava. O g o v e r n e
Apresentamos estas questões obje-
draae faraó foi c o n u d e r a d o u m a « r i o politica « u e
- arudou a eetrutura t o n a l eigeule
tivas para que você verifique o grau
de assimilação dos conceitos exa-

deMitou a mlluriwia * . r . . , h . .
limitou o p e d e t d o a a e c e r d o t r *
minados, motivando-se a progredir
em seus estudos.

ATlVIDAOiS DI APHINDIZAGI M

0 u e i t o r t para r r A r i a o

O l e i t o a a r g u i r t r a i a d r a l g u m a * particularidade» d o d a ao
o u a l o profeta M a o m é pertencia I r i a r redita

O r l a e m e n t o e » i » e n r > ^ d a a r « e « r a l a o « i * d a d r arat»r tem a» aua»


regra», a a a u a * h»rr»ruuia» r aa aua* leia C a d a . l a e a u a o o o a o e
l a W f M » O» ftotaveaa tem aaaentn n o • oo telho o m a l a l a b r ao
r i a d r A M a l - M u t a u b abastecer oa r - e e g r i n — d e a g u a r a t e c a r g . .
• t o a r a , p a i t i c u l a r n i e e t r r m M e r a . r u m a funt ao honorifica, p r a v a
do podre d a a u a íaxruha | I M e a t a b r e . t**. p IM Atividades de
C o m bate no t r i l o lido rraponda
aprendizagem
P o d r r n o . a f i r m a r -.-<• n a a r r r r m u m d » d e preatlgw f M i l i t o u
a «obrr viv e n c i a d o profeta r d o M M N a a l u a l i d a d r . p r r l r n c r r Aqui apresentamos questões que
a u m a f a m í l i a d r o t i m a condição m < t poaubrlil* m a u
c r e d i t o d r o p i n i ã o ' l u i l i f i q u e aua rrapoaU aproximam conhecimentos teóricos
P o r que c u i d a r doa pocoe i r m u m a f u n c i o h o n o r i f i c a e prova
d r p o d e r * N a a o o e d a d e e m q u * v i v e in o a e i i a t e n . f u n c o e * e práticos a fim de que você analise
criticamente determinado assunto.
, o i > » d r r a d » > m a i a importante* « u r outra»? r W q u e ?
Atmdad* apitada p**I«a

BIBLIOGRAFIA COMENTADA

A Z E V E D O . M . S.de M u l M a t a U m t r a Jtviil-J.deeconvergência
t o m a eaptf d u a l i d a d e t m t l Kio de Janeiro V o c e a . 1 0 0 0
A obra aborda a mivnt a niariuca r evtabeuKf au<»*ricn < om a < n v t i
e a de outra) Wadicòei Traia d o * tuna. abordando voa h i U o n e e
fuMrana de « l a , e d e n a c a ponto* propicio» na * « * d a d r m o d r * «
para a w n e o i a ç . e o da revelação tejelrute por meto d o itufiamo.
Bibliografia comentada
com w a ( V n e n v i o a w r t x a . gawMular * «orar. «onal
Nesta seção, comentamos algumas
U U C A A U H X KM
obras de referência para o estudo
M a — » palavra de A i * T r a a V a o d r r ranço « r
I r a m T l a f i a d n I i r i i r i i C m l i i i j l i T t m i t i tt 1 rr*Ti r i

dos temas examinados ao longo do


f v i a booraTui o> U a o m e a c « e v e ^ » * ^ e - i a a a w - a ç t W * coaonda*
do vecuto JCV1 e m nununura, r U b o r « d a i por a r t m e a turco* farta,

livro.
«a eneoe-M e a narrativa reme*em o te-ao» a o tempo * P arafclta
A HISTÓRIA E AS
S O C I E D A D E S DO O R I E N T E
MÉDIO PRÉ-ISLÂMICO

O estudo das primeiras civilizações do Oriente Médio oferece um


panorama para o entendimento do islã na atualidade. Os povos que
as constituíam localizavam-se no Crescente Fértil, região propícia
para a prática da agricultura e a criação de animais, em virtude
dos rios que a banham. Neste capítulo, estudaremos a história e
a geografia das principais civilizações da região.
Abordaremos a Mesopotâmia, as especificidades da cultura
egípcia e sua importância para o Crescente Fértil, a história e al-
guns aspectos da cultura do povo hebreu, a civilização persa e sua
trajetória histórica.
Analisaremos também a história do cristianismo e da expansão
cristã por todo o Império Romano e a origem das religiões cris-
tãs que se expandiram pelo mundo por meio da Igreja Católica e
da Igreja Ortodoxa Grega. A fim de compreender a formação
e a expansão do islã, discutiremos, ainda, a influência da cultura
árabe nas comunidades da região e a importância de Meca como
centro religioso.

11
As civilizações mesopotâmicas
A. Mesopotâmia, termo antigo de origem grega, que significa "terra
entre rios", localiza-se entre os rios Tigre e Eufrates, com suas
12 A história e as sociedades do Oriente Médio pré-islâmico

nascentes nas montanhas. Está situada no Crescente Fértil (Mapa 1),


á r e a c o n s t i t u í d a de terras férteis p r o p í c i a s à a g r i c u l t u r a e ao
pastoreio que se estendem da M e s o p o t â m i a ao vale do Rio Nilo,
no Egito. Geograficamente, a região pode ser dividida em Baixa
M e s o p o t â m i a , região fértil entre os rios; e Alta M e s o p o t â m i a , nas
montanhas onde se encontram as nascentes dos rios. As primeiras
comunidades n ó m a d e s deixaram vestígios datados de 9 0 0 0 a.C.

MAPA 1.1 - C r e s c e n t e Fértil

Fonte: Ferreira, 1993, p. 9.


13 A história e as sociedades do Oriente Médio pré-islâmico

Por volta de 6 0 0 0 a.C., grupos nómades sedentarizaram-se na


região e iniciaram plantações e a construção de habitações, f o r m a n -
do os p r i m e i r o s povoados da história. Esse florescer civilizatório
ocorreu em virtude da agricultura, que fornecia grãos de cereais
e frutos; e da pecuária, que provia carne e leite. O sedentarismo
proporcionou a divisão do trabalho, o que levou ao surgimento
dos p r i m e i r o s ofícios, dos exércitos, dos sacerdotes, dos templos,
dos governantes e do Estado.
As p r i m e i r a s civilizações f o r a m a suméria e acadiana, que
fixaram-se de 4 0 0 0 a.C. a 2400 a.C. Os sumérios são considera-
dos a civilização mais antiga do m u n d o e f u n d a r a m importantes
cidades-Estado independentes, como Ur, Uruk, Kish, Nipur, Umma
e Lagash. Alguns historiadores e arqueólogos a t r i b u e m a eles a
primeira f o r m a de escrita: a cuneiforme.

F I G U R A 1 . 1 - Escrita cuneiforme
14 A história e as sociedades do Oriente Médio pré-islâmico

As técnicas de produção f o r a m aperfeiçoadas e o excedente


era comercializado em larga escala, t r a n s f o r m a n d o as cidades
sumérias em prósperos centros urbanos. Aos sumérios também
é atribuído o uso da roda no aperfeiçoamento dos meios de trans-
porte, o que possibilitou viagens mais distantes e a expansão do
comércio.
O desenvolvimento comercial gerou grandes riquezas e propor-
cionou o fortalecimento m i l i t a r e o início das primeiras guerras.
Os exércitos desenvolveram técnicas de combate e conquistaram
cidades e reinos mais fracos, p i l h a n d o e fazendo escravos.
O povo acádio, cujo rei era Sargão, veio do norte da Mesopotâmia
e conquistou todos os povos e cidades que encontrou pelo caminho.
Em 2360 a.C., os acadianos subjugaram todas as cidades sumérias
e f o r m a r a m o p r i m e i r o império da humanidade.
Com a morte dos herdeiros de Sargão, toda a região caiu nas
mãos de tribos nómades, e a unificação dos mesopotâmicos f o i
esfacelada durante os séculos seguintes. No segundo milénio antes
de Cristo, a antiga civilização dos assírios, f o r m a d a a p r o x i m a -
damente no século XV a.C., construiu uma poderosa máquina de
guerra e conquistou toda a região com seus carros de guerra e seu
exército organizado com infantaria e cavalaria. Os assírios f o r a m
os p r i m e i r o s a manusear armas de ferro e destacaram-se em re-
lação a outras civilizações, que ainda utilizavam armas de bronze.
Em 1682 a.C, o rei H a m u r a b i edificou o Reino da Babilónia
e organizou u m código escrito com 282 leis gravadas sobre uma
pedra de basalto, considerado a mais antiga coleção de normas
jurídicas. Essa compilação é a p r i m e i r a legislação da história e
tinha como princípio básico dimensionar a vingança, p e r m i t i n d o
que fosse proporcional ao dano recebido. O Código de H a m u r a b i
ficou conhecido pela máxima olho por olho, dente por dente.
15 A história e as sociedades do Oriente Médio pré-islâmico

FIGURA 1.2 - Código de Hamurabi

De todas as cidades da Mesopotâmia, a mais forte e famosa era


a Babilónia, com seus famosos jardins suspensos, construídos pelo
rei Nabucodonosor II em honra à sua mulher. Ele viveu em 600 a.C.
e conquistou a região das mãos dos assírios. Em sua época, a cidade
conheceu seu maior esplendor. A prática religiosa era feita nos
zigurates. As crenças mesopotâmicas deram origem à astrologia e
propunham o achatamento da Terra e o espaço em forma esférica
ao redor, sendo os astros detentores de grande influência para os
seres humanos. Eles elaboraram o horóscopo e dedicaram-se ao
estudo dos astros, sendo precursores da astronomia.

FIGURA 1.3 - Grande zigurate de Ur em Dhi Qar, na província


do Iraque
16 A história e as sociedades do Oriente Médio pré-islâmico

É atribuída aos mesopotâmicos a n a r r a t i v a mais antiga da


humanidade, a epopeia de Gilgamesh, história que conta a vida de
u m rei, filho de u m a deusa e de u m semideus, que era tido como
invencível. Os deuses o consideravam m u i t o vaidoso e decidiram
dar-lhe uma lição: criaram Enkidu, seu rival. Depois de muita luta,
em que u m não conseguia vencer o outro, perceberam que era
melhor serem amigos. Gilgamesh era amado por Ishtah, a deusa
do amor, mas sempre a ignorava. Os deuses, com raiva, mais uma
vez resolveram castigá-lo, matando seu amigo Enkidu. Gilgamesh,
então, percebeu que existia a morte e resolveu que deveria viver
eternamente. Foi ao mar, no fundo do qual se encontrava a planta
da juventude eterna. No momento que colhia a erva, uma serpente
m a r i n h a a arrancou de suas mãos e ele perdeu a esperança da
imortalidade.
Em 539 a.C., a Babilónia f o i conquistada pelos persas sob
o governo de Ciro, o Grande. Os persas massacraram os exérci-
tos babilónicos e t o m a r a m seus territórios, l i b e r t a r a m os escra-
vos e i n c o r p o r a r a m ao império os sobreviventes e as cidades da
Mesopotâmia.

12
A civilização egípcia
O Egito Antigo foi uma civilização que surgiu em consequência das
primeiras habitações às margens do Rio Nilo. Para uma m e l h o r
compreensão da história do Egito Antigo, os pesquisadores dividem
seu processo de desenvolvimento em períodos. Suas organizações
sociais estavam divididas em duas porções políticas e geográficas:
o A l t o Egito, ao sul, com a coroa branca como símbolo do gover-
nante; e o Baixo Egito, ao norte, com a coroa vermelha, sendo a
junção das duas coroas a unificação.
17 A história e as sociedades do Oriente Médio pré-islâmico

MAPA 1.2 - Divisão do Antigo Egito

Mar Mediterrâneo
•pamielta
Mar Morto

Ava ris

Cairo
Mônfi;
Dashur'
Deserto
BAIXO do Sinai
Heracleôpolis'
EGITO
Deserto
da Arábia

Quinta

/GebelBarkal GaÈÊnÈÊ

• Meroe

+
* Capital
E s c a l a aproximada N
• Cidade
1 :12.000.000
]] Terras cultiváveis 1 c m : 120 km
O
I I I I I I I I I
0 120 2 4 0 km
Projeçáo de Lambert
18 A história e as sociedades do Oriente Médio pré-islâmico

A civilização egípcia desenvolveu-se ao longo de mais de 3 m i l


anos e seu fortalecimento ocorreu com a unificação de várias
cidades no vale do Nilo, aproximadamente em 3150 a.C, esten-
dendo-se até 31 a.C., quando foi dominada pelas tropas romanas
do imperador Otávio Augusto, as quais derrotaram os exércitos
de Cleópatra, a última herdeira do trono dos faraós.
Essa civilização se desenvolveu graças ao Rio Nilo, pois este
permitia o desenvolvimento da agricultara e servia como via
de transporte, sendo aproveitado para o comércio dos recursos
egípcios, o que oferecia uma grande vantagem sobre as outras
civilizações.
O Rio Nilo passava todos os anos por u m período de cheias
e transbordava, criando uma camada fértil na terra ao longo das
margens do rio, o que proporcionava nutrientes para excelentes
colheitas e enriquecia os arredores de minerais. No mundo conhe-
cido à época, não existiam terras férteis em tamanha extensão que
pudessem oferecer tantos benefícios.
Assim, a agricultura praticada pelos egípcios era menos traba-
lhosa em comparação à de outras civilizações, o que lhes dava mais
tempo e possibilidades para o desenvolvimento de atividades de
cunho cultural, científico e militar. Eles aprenderam a controlar
as cheias do Nilo por meio de diques e canais de irrigação e a au-
mentar as superfícies cultiváveis, levando água para lugares mais
distantes dos centros urbanos.
A dinâmica do Egito estava dividida em três momentos anuais,
que se distinguiam de acordo com o período: inundação (julho
a outubro), semeadura (outubro a março) e colheita (março a junho).
O Rio Nilo, além de proporcionar benefícios aos agricultores
e ao restante da população, favoreceu o comércio, sendo utilizado
como meio de transporte de pessoas e mercadorias, pois tinha
uma grande extensão navegável.
19 A história e as sociedades do Oriente Médio pré-islâmico

A história do Egito Antigo f o i dividida em períodos. O período


pré-dinástico compreende o surgimento de dois reinos indepen-
dentes: o A l t o e o Baixo Egito. Na história egípcia, a unificação
dos reinos é atribuída a Menés ou Narmes, fundador da p r i m e i r a
dinastia. O período arcaico (3150 a.C.-2700 a.C.) abrange o início
da p r i m e i r a dinastia e a constituição da segunda.
O Império A n t i g o i n i c i o u - s e c o m a terceira d i n a s t i a , e m
2700 a.C. Esse período f o i marcado pela escolha da cidade de
Mênfis como capital e a construção de grandes pirâmides e m o -
numentos. Na quarta dinastia, f o r a m construídas a pirâmides de
Quéops, Quefrem e Miquerinos.

FIGURA 1.4 - A S grande pirâmides de Quéops, Quefrem e Miquerinos


20 A história e as sociedades do Oriente Médio pré-islâmico

Esse período de grande crescimento e n t r o u e m decadência


a p a r t i r de 2250 a.C. em decorrência de conflitos internos, fome
e desagregação social e política, que levaram os reinos do Alto e do
Baixo Egito a se separar. Mais tarde, os reinos f o r a m reunificados,
tendo como figura central nesse processo o faraó M e n t u h o t e p I I ,
fato que d e l i m i t o u o fim do Antigo Império.
Com Mentuhotep I I , foi estabelecido o Império Médio (2050 a.C),
momento de grande investimento nas estruturas de irrigação obje-
tivando melhor aproveitamento do Nilo, o que gerou crescimento
económico, maior relação com as civilizações vizinhas e fortaleci-
mento militar. A capital foi transferida para Tebas, foi introduzido
o culto a A m o n e outras cidades cresceram em influência e poder,
sendo Tebas e M e m p h i s as cidades centrais do império.
Os hicsos, povo de origem semítica, habitantes de Canaã desde
1800 a.C., invadiram o norte do Egito e estabeleceram-se no delta do
Nilo. Sua vantagem estava no poder de seus carros de combate e nas
novas estratégias de guerra, que lhes proporcionaram supremacia
m i l i t a r sobre os egípcios em crise. Fortificaram a cidade de Avaris
e transformaram-na em sede do governo e base fundamental para
a conquista do Baixo Egito. O império se fragmentou, o Egito foi
novamente dividido e surgiram diversas autoridades locais. C o m
o tempo, os povos invasores adotaram a cultura egípcia.
A cidade de Tebas, no A l t o Egito, t i n h a relativa independência.
A nobreza tebana da X V I I I dinastia reuniu u m grande exército
e deu o r i g e m a u m a guerra de liberação e expulsão dos hicsos
após reconquistarem o delta do Nilo, iniciando o período histórico
conhecido como Império Novo (1550 a.C).
21 A história e as sociedades do Oriente Médio pré-islâmico

Esse período f o i marcado pelo constante estado de guerra de


inclinação expansionista, incentivada pela expulsão dos invasores.
Os hicsos m o n t a r a m u m exército permanente poderoso e, com as
inovações tecnológicas que i n t r o d u z i r a m , puderam conquistar os
territórios vizinhos.
O Império Novo também foi marcado pela suntuosidade das
obras arquitetônicas. Tebas voltou a concentrar seu antigo poder,
sobressaindo-se a opulência dos templos de Karnak e Luxor, que
exaltavam a grandiosidade do deus A m o n . O culto a A m o m foi
expandido pelo império e assumiu grande importância.
Foi no governo de Amenhotep I I I ou Amenófis I I I , o Magnífico
(c. 1400 a.C), que o Egito conheceu seu maior esplendor. No e n -
tanto, com a ascensão de seu filho, Amenófis IV, a estabilidade do
império foi ameaçada, m o m e n t o em que se instalou u m a série de
reformas culturais que afetaram diretamente as estruturas do
Estado e acabaram com o culto ao politeísmo antropozoomórfico,
obrigando todos os egípcios a aderir ao monoteísmo da crença no
deus Sol, conhecido como Aton.
O próprio faraó m u d o u seu nome para Akhenaton ("servo de
A t o n " o u "o que louva a Aton") e c o n s t r u i u m o n u m e n t o s e u m
grandioso templo a Aton. Anulou o poder dos sacerdotes em Tebas,
pois os considerava corruptos, destruiu as imagens dos antigos
deuses e transladou a capital para A m a r n a . Mais tarde, seu f i l h o ,
Tuntacamon, restabeleceu o culto a A m o n e ao politeísmo e res-
t i t u i u o poder aos sacerdotes.
22 A história e as sociedades do Oriente Médio pré-islâmico

Na X I X d i n a s t i a , destacou-se R a m s é s I I , o G r a n d e (c. 1279 a.C),


t a m b é m c o n h e c i d o c o m o o Rei Construtor, pois f o i r e s p o n s á v e l
pela edificação de m u i t o s t e m p l o s e m o n u m e n t o s . Ele m u d o u a
c a p i t a l do Egito p a r a u m a n o v a cidade, d e n o m i n a d a Pi-Ramsés
(Casa de R a m s é s ) . T a m b é m n o t a b i l i z o u - s e pelos feitos m i l i t a r e s ,
tendo c o n d u z i d o seu exército até a Síria e l u t a d o c o n t r a os h i t i t a s
na Batalha de Kadesh.
Na X X d i n a s t i a (c. 1060 a.C), o i m p é r i o e n t r o u e m decadência
e s o f r e u a invasão constante de i n ú m e r o s povos até se t o r n a r u m a
província dos i m p é r i o s G r e g o - M a c e d ô n i c o , R o m a n o , B i z a n t i n o ,
Otomano, entre outros.

13
Os hebreus
A o r i g e m dos h e b r e u s e s t á g r a v a d a na T o r á , s e n d o A b r a ã o o
1

p r i m e i r o dos p a t r i a r c a s do p o v o . F i l h o de u m a r t e s ã o e c o m e r -
2

ciante da cidade de Ur, na Caldeia, ele t e r i a f e i t o u m pacto c o m o


Deus ú n i c o , por m e i o do q u a l os h e b r e u s r e n u n c i a r i a m à c r e n ç a
e m t o d o s os falsos deuses existentes e, e m t r o c a , r e c e b e r i a m as
terras de C a n a ã .

1 Os cinco primeiros livros do Velho Testamento da tradição bíblica.


2 Chefe tribal, com autoridade religiosa e jurídica sobre todas as famílias sob sua direção.
Fonte: Mapas bíblicos, 2013.
24 A história e as sociedades do Oriente Médio pré-islâmico

Abraão reuniu parte dos membros de sua tribo e partiu em


direção à Terra Prometida. Segundo os relatos da Torá, a terra
era muito fértil e estava sendo disputada por outras tribos da
região, além de estar localizada entre as maiores civilizações da
época, a egípcia e a babilónica, que tinham suas rotas comerciais
naquelas terras.
O sucessor de Abraão na direção da tribo foi Isaac, escolhido
por ele para dirigir as famílias. O terceiro patriarca foi Jacó, depois
denominado Israel. Este teve doze filhos que foram patriarcas em
suas tribos, sendo estas as originárias da nação israelita.
Em virtude de um período de escassez alimentar e de uma gran-
de seca que se abateu na região de Canaã, os primeiros israelitas
migraram para o Egito (c. 1658 a.C.) e, em troca, trabalharam nessa
civilização e a fortaleceram. Após aproximadamente 210 anos de
estadia no Egito, os israelitas haviam se convertido em uma grande
nação, derivada dos doze filhos de Israel.
De aliados dos egípcios, porém, os israelitas passaram a escra-
vos. Entre eles, surgiram líderes, sendo Moisés o principal, que
guiou seu povo de volta para Canaã em u m processo migratório
que durou quarenta anos pelo Deserto do Sinai. Nesse período,
Moisés recebeu a revelação dos 10 Mandamentos, que serviram
de código de conduta para os hebreus.
Após esse período, os israelitas ocuparam toda a região de Canaã.
Eles tinham como líderes juízes que interpretavam e aplicavam as
leis, objetivando o fortalecimento da nação e a unificação das doze
grandes tribos. Em 1026 a.C, inicia-se o período da monarquia,
sendo Saul nomeado rei e tendo este liderado um exército contra
os inimigos moabitas e amonitas.
Saul foi substituído por Davi, que derrotou os filisteus e fez de
Jerusalém a capital do reino dos hebreus. Após sua morte, Davi
foi substituído pelo seu filho Salomão, conhecido por construir
o Templo de Jerusalém. Esse rei conseguiu estabelecer a paz com
25 A história e as sociedades do Oriente Médio pré-islâmico

os povos vizinhos, evitando guerras e invasões por meio de casa-


mentos e acordos comerciais e militares.
Após a morte de Salomão, em 922 a.C., o Reino de Israel foi d i -
vidido em dois: Judá, ao sul, com capital em Jerusalém; e Israel, ao
norte, com capital em Samaria. A separação ocasionou o enfraque-
cimento dos hebreus, que não resistiram às invasões, sendo Samaria
conquistada por Sargão I , imperador da Assíria, em 720 a.C., o que
dispersou os hebreus do norte para lugares longínquos.
M a i s t a r d e , N a b u c o d o n o s o r I I , r e i da B a b i l ó n i a , i n v a d i u
Jerusalém, destruiu o Templo de Salomão e levou os hebreus de
Judá como cativos para a Babilónia, episódio conhecido como
Primeira Diáspora. Durante os anos de cativeiro, as antigas disputas
entre os reinos do norte e do sul f o r a m esquecidas, sendo todos
os descendentes de Jacó conhecidos como judeus, em referência ao
Reino de Judá, pois este f o i o último a ser conquistado.
Depois de cinquenta anos no cativeiro babilónico, os hebreus
foram libertados pelos persas, retornaram para Jerusalém e recons-
truíram o templo, acreditando que toda a sua trajetória histórica
foi derivada da vontade de seu Deus. Assim, convencidos de que
ele é a única verdade, os hebreus consolidaram sua cultura e sua
religiosidade e passaram a viver de acordo com os ensinamentos
contidos em suas leis.
Após duzentos anos de governo persa, marcado pela tolerância,
o império foi enfraquecido e substituído pelos gregos da Macedónia,
sob a liderança de A l e x a n d r e M a g n o (c. 332 a.C). M a i s t a r d e ,
os romanos conquistaram a região e anexaram Canaã ao império
em 63 a.C.
No século I da Era Cristã, os judeus rebelaram-se c o n t r a
os ocupantes romanos, organizaram uma sublevação e l u t a r a m
contra as legiões romanas durante dois anos, até que Jerusalém foi
conquistada definitivamente pelas tropas do imperador romano
26 A história e as sociedades do Oriente Médio pré-islâmico

Tito, sendo a cidade incendiada e o templo destruído pela segunda


vez.
Os judeus sobreviventes f o r a m dispersos pelo m u n d o e, perse-
guidos durante séculos, continuaram fugindo, procurando lugares
seguros para viver, sempre atrelando aos seus registros históricos e
à educação das gerações mais novas o estudo da Torá e a esperança
do retorno aos antigos territórios de Israel nas terras de Canaã.

1A
Os persas
Nas montanhas a leste da Mesopotâmia desenvolveu-se a c i v i l i -
zação persa. Durante muitos séculos eles estiveram submetidos
aos impérios que se ergueram na região: o assírio e o babilónico.
Em 550 a.C., o rei C i r o e seus exércitos conquistaram a Babilónia.
Ciro libertou os povos escravizados e assumiu a administração
de todos os territórios da região, diferenciando-se pela tolerância.
Os governantes persas toleravam as diferenças entre os povos
conquistados, incorporavam seus costumes e suas técnicas e per-
m i t i a m os diversos cultos religiosos e idiomas em todo o território
dominado. Os reis dos povos conquistados recebiam u m a série
de regalias, como o governo de outras terras dentro do império.
Assim, os vencedores conseguiam cultivar a paz e distanciavam
sentimentos de vingança.
A dinastia da casa de Ciro consolidou o domínio persa e ficou
conhecida como Aquemênida, governando a Pérsia por trezentos
anos. Os povos cativos, como os hebreus e os fenícios, ao serem
libertos, contribuíam como reinos vassalos para a expansão persa.
O poder do império estava estruturado em seu poderoso exército,
constituído de u m contingente de soldados mercenários experien-
tes e que prestavam seus serviços militares em troca de pagamento.
27 A história e as sociedades do Oriente Médio pré-islâmico

Os persas t i n h a m u m sistema dinâmico de comunicação e uma


estrutura administrativa muito eficiente, com cobrança de impos-
tos dos reinos conquistados, os quais eram pagos em ouro, prata
e pedras preciosas. Suas divisões políticas eram denominadas
satrapias e os governos eram exercidos pelos líderes dos povos,
acompanhados de representantes do imperador, os sátrapas.
Dário, o Grande (550 a.C.-486 a.C.), também conhecido como
Rei dos Reis, levou o Império Persa a seu maior esplendor. C o m o
propósito de m o d e r n i z a r sua nação, ele ordenou a construção
de uma grande cidade sobre u m planalto para que esta fosse sua
capital, digna de uma civilização universal, a qual foi denominada
Cidade dos Persas ou Persépolis.
A cidade passava a maior parte do ano desabitada, sendo ocupa-
da somente no período das cerimónias do f i m do ano persa (equi-
nócio de primavera), m o m e n t o em que todos os reis do império
dirigiam-se a Persépolis para presentear o rei com oferendas.
Na antiga cidade de Susa, Dário ergueu u m suntuoso palácio
de inverno que, em sua construção, contou com a participação de
todos os reinos vassalos. Estes, além de trabalhadores, forneceram
uma grande quantidade de materiais. Os sírios forneceram cedros,
os babilónios, os ladrilhos, os egípcios trabalharam nas madeiras,
o ouro veio da Líbia, os ornamentos da Jônia e o m a r f i m da índia,
entre outros artefatos e diferentes lugares.
Os persas pretendiam constituir-se u m império universal, ex-
pandindo suas conquistas para o Mediterrâneo, o Cáucaso, a índia
e o Egito e detiveram-se na Grécia. Em 500 a.C., Dário organizou
seu exército e r u m o u para a região da Hélade grega após a recusa
dos gregos na participação do Império Persa e iniciou uma série
de batalhas conhecida como Guerras Médicas.
MAPA 1.4 - Império Persa

MACEDÓNIA

.8 I • Cidade
o | | Pérsia primitiva Escala aproximada
3 1 :32.000.000
I I Consquista de Ciro. o Grande (550-529 a.C.) 1 cm : 320 km
! I | Consquista de Cambises (529-522 a.C.) I I l I I I I I I
j Consquista de Dario I. o Grande (522-488 a.C.) 0 320 640 km
I Projeçào de Lambert
— Estrada Real construída por Dario

Fonte: EducaBras, 2018.


29 A história e as sociedades do Oriente Médio pré-islâmico

O exército persa f o i derrotado pela p r i m e i r a vez e obrigado


a r e t o r n a r para as fronteiras do império. E m 480 a . C , Xerxes,
filho de Dário, tentou outra investida contra os gregos e organizou
u m exército m u i t o maior, porém, mais u m a vez os persas f o r a m
derrotados e obrigados a retornar a seus territórios.
As derrotas sofridas pelos persas diante dos gregos d e r a m
o r i g e m a u m processo de decadência do império. Xerxes havia
feito muitos i n i m i g o s e seu despotismo levou a seu assassinato.
Os sucessores perderam o interesse em manter a grandiosidade do
império, preocupados somente em arrecadar a maior quantidade
possível de impostos e em construir palácios e estruturas arquite-
tônicas, sustentando uma corte luxuosa e estagnada.
A ostentação, os gastos excessivos, o grande número de escravos
e o descuido com o governo debilitaram em definitivo o império,
a b r i n d o brechas para a invasão macedônica v i n d a da Hélade,
no século IV a.C. Os macedônicos, após derrotarem os exércitos
persas, chegaram a Persépolis, incendiaram a cidade e puseram
f i m ao império.

15
O domínio romano e a ascensão
do cristianismo
O cristianismo formou-se de uma corrente religiosa messiânica
hebraica do século I , que t i n h a a crença de que o Messias estava
entre eles. Esse período c o i n c i d i u c o m a ocupação romana de
Jerusalém. Segundo os Evangelhos, Jesus pregava aos pobres e
realizou muitos milagres, como ressuscitar mortos, curar doentes
e m u l t i p l i c a r alimentos. Ele t i n h a uma grande sabedoria e con-
seguiu m u i t o s seguidores, entre os quais se destacaram doze
apóstolos.
30 A história e as sociedades do Oriente Médio pré-islâmico

Jesus f o i considerado i m p e r t i n e n t e e m u m m o m e n t o delicado


para os israelitas, p o r isso f o i c o n d e n a d o e m o r r e u c r u c i f i c a d o ,
t e n d o , segundo a c r e n ç a cristã, ressuscitado. Os apóstolos conver-
t e r a m - s e n o s grandes p r o f e t a s de suas mensagens, i n i c i a l m e n t e
na Judeia, p o r é m p a s s a r a m a ser perseguidos e se d i s p e r s a r a m .
Eles f i z e r a m m u i t o s discípulos, os quais f i c a r a m conhecidos como
cristãos e c r i a r a m c o m u n i d a d e s p o r t o d o o I m p é r i o R o m a n o .
No século I , Paulo de Tarso d i f u n d i u o c r i s t i a n i s m o , fortaleceu
as comunidades existentes e converteu m u i t a s pessoas espalhadas
pelo I m p é r i o R o m a n o , as quais o r i g i n a r a m as p r i m e i r a s c o m u n i -
dades e igrejas c r i s t ã s do m u n d o .
E m 296, o i m p e r a d o r Diocleciano, o b j e t i v a n d o f a c i l i t a r a a d m i -
n i s t r a ç ã o d o i m e n s o t e r r i t ó r i o d o i m p é r i o , d i v i d i u - o e m duas
partes d i s t i n t a s . No e n t a n t o , essa s e p a r a ç ã o n ã o se c o n s u m o u até
395, a n o da m o r t e do i m p e r a d o r Teodósio I .
C o m o t e m p o , as c o m u n i d a d e s c r i s t ã s d o i m p é r i o o r g a n i z a -
r a m - s e e passaram a escolher líderes religiosos, m a i s t a r d e d e n o -
m i n a d o s bispos . Os c r i s t ã o s f o r a m perseguidos pelas autoridades
3

do i m p é r i o e m u i t o s deles f o r a m presos e m o r t o s , mas a religião


c o n t i n u o u a se e x p a n d i r p o r t o d o o t e r r i t ó r i o r o m a n o .

3 Antes do cristianismo, o termo bispo era utilizado para designar administradores nos vários
âmbitos do sistema administrativo do Império Romano. Com a fundação da Igreja Católica,
passou a ser uma hierarquia específica da Igreja.
MAPA 1.5 - Viagens do apóstolo Paulo

CAPADÓCIA PONTICA

BITlNIAE PONTO
V ARMÊNIA
F , l , a
MACEDÓNIA ti?'
Pola MENOR
GALÁCIA
Bereia • T Uossafônica ^ V . L - —\
\ > . \1
\
ÉPIRO v
Troas ^
V7 Larissa* \
CAPADÓCIA
Mar I HW ' ^ Colossos,'
Tirreno
Derbe
Messma Mar ConntoX^ VAlai
,Alaioia CILICIA Selôucia • •Antioquia
Jónico ACAIA
SICILIA

• »- / Roctes*-

M Pafos
CRETA

4-
] Limites do Império Romano E s c a l a aproximada
1 : 19.500.000
• Primeira viagem
1 cm : 195 km
* Segunda viagem
I I I I I I I U
* Terceira viagem ) 195 390 km
Projecào de Lambert
• Viagem a Roma

F o n t e : Abril, 1978, p. 120, v. 1, pt. 1.


32 A história e as sociedades do Oriente Médio pré-islâmico

Dessa m a n e i r a , em 313, o i m p e r a d o r C o n s t a n t i n o , visando


ao apoio da enorme população cristã, legalizou o cristianismo e
acabou com as perseguições, o que resultou no fortalecimento da
religião. Ele converteu-se ao cristianismo em 325, ano de realização
do I Concílio de Niceia, e o t o r n o u a religião oficial do império.
O império, com sua nova religião, expressa pela recém-criada
Igreja Apostólica Romana, buscou a expansão para o norte e con-
seguiu mais adeptos. A antiga capital do império transformou-se
em u m grande centro da nova religião assim como as cidades de
A n t i o q u i a e A l e x a n d r i a , que m a n t i n h a m certa independência
entre si, o que deu origem aos p r i m e i r o s conflitos relacionados à
religião dentro do império.
O imperador Constantino queria transladar a capital do i m -
pério para outra cidade, então f u n d o u , em Bizâncio, a cidade de
Constantinopla, em 330. Nesse novo centro, cada uma das cidades
possuía sua autoridade religiosa, i n c l u i n d o Jerusalém. O líder
religioso de Roma tornou-se o mais influente e os outros quatro
lhe deviam respeito, mesmo mantendo sua autonomia.
Os herdeiros de Diocleciano I d i v i d i r a m o império em Império
Romano do Ocidente, com capital em Roma, e Império Romano do
Oriente, com capital em Constantinopla. Oitenta anos mais tarde,
o império caiu nas mãos dos germânicos do norte da Europa, cha-
mados bárbaros, tendo Bizâncio sobrevivido como o único império.
Uma das épocas de maior esplendor f o i a do imperador Justiniano
(527-565), que submeteu os ostrogodos na Itália, os vândalos no
norte da Africa e o sudeste da Península Ibérica.
Justiniano c o n s t r u i u fortalezas e apoiou a arte em todas as
suas manifestações. Foi responsável pela construção da Igreja de
Santa Sofia, na cidade de Constantinopla, considerada uma das
mais extraordinárias obras da arquitetura e que foi o símbolo do
império sob a religião cristã.
33 A história e as sociedades do Oriente Médio pré-islâmico

Naquela época, não agradava ao papa a influência de Justiniano


sobre os fiéis da Igreja e m C o n s t a n t i n o p l a , t e n d o e m v i s t a que
a instituição visava ao c o n t r o l e de t o d o o m u n d o cristão e p r o c u r a -
va p a d r o n i z a r os c u l t o s i m p o n d o a l i t u r g i a e o i d i o m a sagrado
da profissão da fé. N o século V, t o d o o I m p é r i o R o m a n o estava
c o n v e r t i d o ao c r i s t i a n i s m o .
A influência da Igreja G r e c o - O r t o d o x a n o O r i e n t e d e u o r i g e m
a v á r i o s c e n t r o s de p o d e r r e l i g i o s o . C o m o s u r g i m e n t o do n e s -
t o r i a n i s m o , r e f e r ê n c i a a Nestório, p a t r i a r c a de C o n s t a n t i n o p l a
(428-431), cresceu o e m p e n h o e m a u m e n t a r a p r e d o m i n â n c i a do
c r i s t i a n i s m o e e x p a n d i - l o para lugares c o m o Líbano, J e r u s a l é m ,
Síria, M e s o p o t â m i a , A r m ê n i a e Pérsia.
Pouco depois, as lutas no i n t e r i o r da Igreja p r o v o c a r a m c o n c í -
lios que estabeleciam cismas, como o da Calcedônia, e m 451, que
d e t e r m i n o u a s e p a r a ç ã o da Igreja da A r m ê n i a , à época o p r i m e i r o
r e i n o a aceitar o c r i s t i a n i s m o e a t o r n á - l o a religião o f i c i a l .
As v e r t e n t e s o r i e n t a i s i n f l u e n c i a r a m na c r i a ç ã o de i g r e j a s
a u t ó n o m a s , que n ã o r o m p e r a m c o m a Santa Sé. Estas t a m b é m
e r a m conhecidas c o m o particulares, c o m o a Siríaca M a r o n i t a , e m
r e f e r ê n c i a ao clérigo anacoreta S ã o M a r u n , que t e r i a r e a l i z a d o
m i l a g r e s n o século IV.
N o s é c u l o V I , f o i c r i a d a a O r d e m dos B e n e d i t i n o s , que es-
tendeu-se pela Europa c o n s t r u i n d o m o n a s t é r i o s e o r g a n i z a n d o
povoados cristãos. No século V I I , s u r g i u o islã, que nos p r i m e i r o s
anos manteve-se na região do Oriente Médio e depois expandiu-se
e chegou aos centros religiosos cristãos do O r i e n t e , e m J e r u s a l é m ,
A n t i o q u i a e A l e x a n d r i a , p a s s a n d o p a r a o r e s t a n t e do n o r t e da
África e a Península Ibérica. No século X I , o c r i s t i a n i s m o h a v i a
alcançado sua m á x i m a e x t e n s ã o .
MAPA 1.6 - Expansão do cristianismo até o ano 1000
— — — m normandos
Mar do
Norte

QV<"' ' '

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Canbraiô-..''-.
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1 6
Vr>»5 .. ÍP*g. t lAfltioquui

Sa a r m a * B
P a t o s * C**™ f SÍRIA

neto t * Damasco

* Igreja mencionada no século Cristianização após o século IV

t Igreja mencionada no século Igrejas célticas (irlandeses e bretões) no Hm do séc. VI


I Regiões fortemente crislianizadas no fim do sóc Cristianizado por volta do ano 1000
I I I ' I
I Regiões parcialmente cristianizadas no fim do séc. [Anan.smoi Origem da heresia 0 365 730 km
Projecào Policônica
I Regiões fracamente c n s t i a n i z a d a s no fim do séc. Ill O Concílios

Fonte: Abril, 1978, p. 136, v. 1, pt. 1.


35 A história e as sociedades do Oriente Médio pré-islâmico

Em 1054, o Papa Leão IX excomungou Miguel Celulario, patriar-


ca da Constantinopla, por motivo de desobediência. Em resposta, o
patriarca excomungou o papa de Roma, tendo a maioria das igrejas
do Oriente aderido à d o u t r i n a da Igreja Bizantina. As igrejas de
Bizâncio passaram a tomar as decisões sobre suas diretrizes e a
cristandade dividiu-se entre Igreja Católica Apostólica Romana
e Igreja Ortodoxa Grega.
Na mesma época, iniciaram-se as Cruzadas, movimentos por
meio dos quais grandes massas de soldados europeus, em nome
de Deus e da Igreja Católica, pretendiam libertar os lugares con-
siderados santos das mãos dos chamados infiéis e controlar o M a r
Mediterrâneo. Em 1204, Constantinopla f o i queimada e saqueada
pela Quarta Cruzada da Igreja Católica, marcando definitivamente
a separação entre as duas igrejas.
Constantinopla f o i tomada pelos t u r c o - o t o m a n o s em 1453,
razão pela qual a principal autoridade da Igreja Ortodoxa fugiu
para o Leste Europeu. Em 1589, formou-se u m novo patriarcado em
Moscou, e a Rússia tornou-se o principal centro da Igreja Oriental.
As outras igrejas do Oriente sobreviveram sob as leis dos go-
vernos islâmicos, como os coptas, no Egito, e as Igrejas Armênia,
Siríaca-Libanesa e M a r o n i t a . Desde então, estas têm sido alvo de
perseguições e violência. No século XX, sofreram com as guerras
mundiais e com os conflitos entre árabes e israelenses.

16
As comunidades beduínas
e as tribos árabes
A transmissão do conhecimento por meio da oralidade era a p r i n -
cipal característica da civilização árabe pré-islâmica t i p i c a m e n -
te t r i b a l . Os homens que se destacavam na poesia e em outras
expressões orais t i n h a m grande prestígio e eram tratados com
m u i t o respeito. Os poetas distinguiam-se dos demais por serem
36 A história e as sociedades do Oriente Médio pré-islâmico

responsáveis pela conservação das antigas tradições de seus a n -


tepassados e pela manutenção da memória coletiva.
Essas comunidades tribais tradicionalmente guerreavam entre
si. A lealdade dos indivíduos estava relacionada à família e à tribo.
Os motivos para as desavenças eram variados, de animais per-
didos a poços de água. Em todas as regiões do deserto existiam
inúmeras tribos que defendiam os pastos de seus territórios, as
rotas comerciais e os oásis.
Nessa época, havia poucas tecnologias de irrigação e, como
na região desértica a água é considerada o bem mais precioso,
aqueles que controlavam as rotas comercias e os postos de para-
da e descanso constituíram-se nos mais influentes e poderosos.
Desses lugares surgiam cidades importantes, centros de grande
progresso civilizatório e cultural.
Cada tribo t i n h a os próprios deuses e rituais e adorava uma
variedade de espíritos com orientação animista, n o r m a l m e n t e
relacionados a elementos da natureza. A referência para os povos
nómades do deserto era a Caaba (Cubo), que consideravam ter sido
construída pelo patriarca Abraão e era o lugar no qual se guardavam
todos os objetos sagrados daquelas tribos, como a Pedra Negra.
As t r i b o s pactuavam tréguas no m o m e n t o dos rituais e res-
peitavam os lugares de feiras. A Caaba era u m dos postos em que
eram realizadas as atividades comerciais e acolhia-se a grande
diversidade cultural dos vários povos que para lá se d i r i g i a m e se
encontravam para comercializar.
Muitos clãs t i n h a m lugar fixo em localidades específicas do
deserto. No entanto, em virtude de suas atividades económicas,
que lhes obrigavam a comercializar em vários lugares e a trans-
p o r t a r mercadorias em caravanas pelo deserto, diversos deles
37 A história e as sociedades do Oriente Médio pré-islâmico

o p t a v a m p o r v i a j a r c o m suas famílias e rebanhos e, assim, v i v i a m


como nómades.
Suas a n d a n ç a s d u r a v a m meses, as pessoas se s i t u a v a m pela
posição das estrelas, p e r c o r r i a m rotas conhecidas e p a r a v a m e m
ilhas de oásis ou nas p r o x i m i d a d e s de poços de água que e n c o n t r a -
v a m pelo c a m i n h o . A i m p o r t â n c i a e o prestígio dos clãs das várias
t r i b o s d o deserto e r a m m e d i d o s de acordo c o m a q u a n t i d a d e de
caravanas e poços de água que c o n t r o l a v a m , pois esses elementos
e r a m i n d i c a d o r e s da d i n â m i c a m e r c a n t i l e do progresso m a t e r i a l .
Entre esses povos, talvez os mais conhecidos no Ocidente sejam
os beduínos, que l e v a m u m a vida n ó m a d e e s u p o r t a v a m condições
extremas de sobrevivência. Os beduínos têm u m a c u l t u r a datada
de 2 7 0 0 a.C. e a i n d a hoje p r e s e r v a m suas antigas c a r a c t e r í s t i c a s
s o c i o c u l t u r a i s , c o m o o n o m a d i s m o , as a t i v i d a d e s m e r c a n t i s e u m
sistema p a t r i a r c a l . Eles d e i x a r a m o p o l i t e í s m o c o m o a d v e n t o d o
i s l a m i s m o e são grandes propagadores do islã.
Na cidade de Meca, m e m b r o s de clãs b e d u í n o s c o n s t i t u í r a m
u m a aristocracia m e r c a n t i l . Os c o r a i x i t a s do i n t e r i o r h a b i t a v a m
o c e n t r o da cidade, e n q u a n t o os coraixitas do e x t e r i o r v i v i a m nas
p e r i f e r i a s e e s t a v a m m a i s e n v o l v i d o s nas grandes v i a g e n s das
caravanas. E n t r e esses vários clãs existia g r a n d e d e s i g u a l d a d e ,
sendo a c u l t u r a e o c o m é r c i o o elo p r i n c i p a l e n t r e eles.
O islã expandiu-se por m e i o das t r i b o s provenientes da Arábia
e sua h i s t ó r i a m i l e n a r a m a l g a m o u - s e à t r a d i ç ã o i s l â m i c a após
a conversão de seus patriarcas. A d i n â m i c a de v i d a desses povos
consiste e m d i r i g i r seus rebanhos e as h i e r a r q u i a s f a m i l i a r e s estão
relacionadas aos homens, chefes de famílias que possuem rebanhos
de ovelhas e criados que c u i d a m de suas posses.
38 A história e as sociedades do Oriente Médio pré-islâmico

Em geral, as tribos árabes do deserto têm como i m p o r t a n t e


costume a iniciação nos estudos do Alcorão, os ritos de passagem
para a fase adulta e o casamento. Culturalmente, as chuvas c o n t r i -
buem de modo favorável para a realização das bodas, pois prevêem
o crescimento, o florescer e a continuidade da vida, além dos ritos
de passagem de cunho religioso, pois acompanhar os rebanhos
pelo deserto representa a iniciação à fase adulta.
Apesar das pequenas diferenças entre os vários grupos nómades,
o casamento pode ser aceito como u m acordo entre famílias. Isso
envolve u m a série de costumes e rituais que podem durar anos
até a consumação e d i f e r e m uns dos outros em alguns aspectos,
dependendo do grupo.
N o r m a l m e n t e , o ajuste f o r m a l está no firmamento do com-
binado, m o m e n t o em que entre uma leitura e outra de partes do
Alcorão e do contrato de casamento toma-se chá e leite de cabra
durante as conversas como f o r m a de interação. Nessas ocasiões
são decididos os preparativos nupciais e estabelecidas outras
alianças. Nos casamentos, são fixados os dotes trocados entre as
famílias dos noivos.
Os casamentos são celebrados com grande júbilo. O acordo entre
as famílias é realizado com a presença de u m kadi (juiz de paz), que
outorga validez jurídica ao enlace. Ele é responsável pela leitura
do contrato e dos preceitos corânicos que regem o m a t r i m o n i o e,
após verificar se todos os procedimentos estão em conformidade
com a tradição, firma o contrato nupcial.
Os festejos são realizados ao som de tambores e instrumentos
de corda que acompanham as recitações românticas, as quais con-
tam antigas histórias. Suas manifestações atávicas são repletas de
superstições e crendices relacionadas aos sonhos e às adivinhações,
confrontando-se com as proibições estipuladas no Alcorão.
39 A história e as sociedades do Oriente Médio pré-islâmico

As vestimentas das t r i b o s árabes t a m b é m i n d i c a m o poder


e a autoridade do proprietário por meio do tecido utilizado e dos
adornos, assim como as maneiras da esposa e dos acompanhan-
tes. Parte dos elementos necessários à prática da medicina e do
curandeirismo são extraídos da própria natureza, dos animais, das
raízes e das folhas do deserto, que servem de matéria-prima para
a elaboração de poções e unguentos que curam suas enfermidades
em associação com as rezas para Alá.
As chuvas trazem abundância de pastos para as manadas de
dromedários e cabras. Os dromedários desempenham u m papel
determinante nos desertos, pois são utilizados como meio de trans-
porte. Esse animal é fundamental para os beduínos, pois oferecem
carne e leite, além de couro, o qual é utilizado há milhares de anos
como matéria-prima para a produção de artefatos de uso diário.

SÍNTESE

Neste capítulo, tratamos das principais civilizações do Oriente


Médio e suas especificidades culturais e históricas. I n i c i a m o s
discutindo a o r i g e m dos povos que h a b i t a r a m a Mesopotâmia
e descrevemos a formação da civilização egípcia e alguns de seus
aspectos mais importantes.
Abordamos a formação do povo hebreu, ressaltando alguns dos
principais momentos de sua formação histórica até o momento da
dispersão pelo mundo. Também tratamos da formação do Império
Persa e de sua organização sociocultural.
Finalizamos analisando o surgimento do cristianismo, sua for-
mação histórica e a expansão de sua doutrina, bem como tratamos
de algumas das características dos beduínos e das tribos árabes.
40 A história e as sociedades do Oriente Médio pré-islâmico

ATIVIDADES DE AUTOAVALIAÇÀO

1. A m a i s a n t i g a c o l e ç ã o de n o r m a s j u r í d i c a s s u r g i u na
Mesopotâmia e chama-se:
A] Alcorão.
B] Código de H a m u r a b i .
c] Código de Drákon.
D] Leis de Sólon.
E] Lei das Doze Tábuas.

2. O faraó Amenófis IV i n t r o d u z i u uma reforma religiosa, estabe-


leceu o monoteísmo no Egito, impôs o culto a A t o n e transferiu
a capital do Novo Império para a região de A m a r n a . O governo
desse faraó f o i considerado uma ação política que:
A] abalou a estrutura social vigente.
B] elegeu os novos sacerdotes.
C] aumentou a autonomia dos nomos.
D] debilitou a influência dos escribas.
E] l i m i t o u o poder dos sacerdotes.

3. Indique se as afirmações a seguir são verdadeiras (V) ou falsas (F)


no que se refere à civilização hebraica:
A] Passou ao politeísmo após a diáspora.
B] Tinha u m a religião dualista.
c] Foi o p r i m e i r o povo a elaborar uma religião monoteísta.
D] Influenciou o cristianismo com a crença em Jesus.
E] Moisés f o i o responsável pela escrita dos Evangelhos.

4. Os conflitos políticos derivados da cisão do Império Romano


do Ocidente e do Império Romano do Oriente influenciaram
o âmbito religioso e provocaram u m r o m p i m e n t o na Igreja,
em 1054. Esses conflitos:
A] o r i g i n a r a m o m o v i m e n t o das Cruzadas.
B] f o r m a r a m o Tribunal do Santo Ofício.
C] ocasionaram a criação da Igreja Católica Apostólica Romana.
41 A história e as sociedades do Oriente Médio pré-islâmico

D] acarretaram na criação da Igreja Ortodoxa.


E] provocaram a Reforma Protestante.

5. Leia e analise as afirmativas a seguir, que apresentam ca-


racterísticas das comunidades beduínas e das tribos árabes
pré-islâmicas.
i. Essas comunidades tribais tradicionalmente guerreavam
entre si, embora esses conflitos respeitassem uma ética.
ii. A lealdade dos indivíduos estava relacionada à família e à
tribo.
MI. Cada tribo tinha os próprios deuses e rituais e adorava uma
variedade de espíritos com orientação animista, normal-
mente relacionados a elementos da natureza.

Agora, assinale a alternativa que apresenta a resposta correta:

A] Todas as afirmativas são verdadeiras.


B] Somente a afirmativa I é verdadeira.
c] Somente a afirmativa I I é verdadeira.
D] Somente as afirmativas I e III são verdadeiras.
E] Todas as afirmativas são falsas.

ATIVIDADES DE APRENDIZAGEM

Questões para reflexão

Leia o trecho a seguir, que descreve as práticas cruéis dos


assírios:

A crueldade acompanhou as guerras desde o início da história da


humanidade. Na Idade Antiga, a vitória de u m povo sobre outro era
seguida, na maior parte das vezes, por violências terríveis contra os
vencidos. Naquela época os assírios foram o povo que levou a cruelda-
de a extremos [...] corte das orelhas e dos lábios, empalação, castração,
degola, desfiguramento por asfalto fervente e outras modalidades
42 A história e as sociedades do Oriente Médio pré-islâmico

de violência eram comuns depois das vitórias dos exércitos assírios.


Em uma só campanha contra os arameus, 14 400 homens tiveram
u m olho arrancado. A crueldade assíria na guerra foi responsável,
principalmente, pelo ódio que levou ao massacre total da população
do império, em 612 a.C. (Ferreira, 1993, p. 22).

Com base na leitura, reflita e responda:

1. Por que os assírios praticavam tamanha crueldade? Na socie-


dade em que vivemos atualmente, é possível encontrar grupos
que cometem crimes dessa natureza?

2. Pode-se afirmar que a destruição do Império Assírio f o i con-


sequência do ódio dos outros povos? No Brasil, é possível
identificar minorias que, a exemplo dos povos da Antiguidade,
sofrem violência e extermínio?

Atividade aplicada: prática


1. Como você estudou neste capítulo, as grandes civilizações da
Antiguidade criaram códigos de leis. Na atualidade, m u i t a s
dessas antigas regras ainda são observadas. Faça uma pesquisa
e elabore u m quadro com algumas das antigas leis que ainda
são observadas em nossa sociedade.
A HISTÓRIA
DE MAOMÉ

Este capítulo discutirá a importância da tradição oral para os


povos árabes no período que antecedeu o surgimento do islamis-
mo. A oralidade foi o instrumento utilizado durante milhares de
anos para transmitir as histórias e os valores. Com o advento das
revelações do Alcorão, Maomé e seus seguidores fizeram uso da
oralidade para divulgar o islã e a história do profeta.
As pregações, a expansão do islã e a conversão de várias pes-
soas geraram prejuízos para os poderosos de Meca e provocaram
a perseguição e a retirada dos primeiros muçulmanos para a cidade
de Yathrib. Para a sobrevivência dos seguidores do islã e da nova
religião, os primeiros muçulmanos foram obrigados a lutar e a
utilizar armas para, assim, defender-se de seus agressores.
As vitórias, atribuídas aos milagres da nova fé, e os trabalhos
de auxílio e caridade aos sofredores da Arábia atraíram muitas
pessoas e foram responsáveis por um grande número de conversões.
Alguns anos mais tarde, Maomé e seus seguidores adentraram
vitoriosos na cidade de Meca, apoderaram-se da política e i n t r o -
duziam a nova religião como a fé dos povos árabes.
44 A história de Maomé

2 1
A tradição oral os povos árabes #

e o advento do islã
Ao longo da história, a tradição oral foi o mecanismo mais u t i l i z a -
do para t r a n s m i t i r conhecimentos, costumes, religião, mitologia,
valores culturais, códigos éticos e morais e uma memória coletiva.
Ela permite conservar conhecimentos ancestrais e manter vivas
diversas culturas ao redor do m u n d o .
Essa transmissão, realizada verbalmente e absorvida por meio
da experiência auditiva de geração em geração, permite o fortaleci-
mento dos laços sociais e das estruturas comunitárias, o desenvol-
vimento dos processos de socialização e educação, a manutenção
de espaços de recreação cultural e o uso esmerado do idioma.
A transmissão verbal implica na transformação e na distorção
das informações com o passar do t e m p o e envolve a perda e o
acréscimo de conteúdo, que acaba se adaptando às livres i n t e r -
pretações e às necessidades da comunidade.
A tradição oral abarca uma grande variedade de formas, como
contos, provérbios, lendas, mitos e fábulas, sendo a poesia uma
das mais utilizadas para expor essa diversidade de expressões.
Essas modalidades de expressão transmitiam os ensinamentos
necessários, com conselhos que deveriam ser seguidos e p r o m o -
v i a m uma série de reflexões e indagações sobre as informações
transmitidas. Às histórias já existentes juntavam-se outras, c o m -
pletando sentidos e enriquecendo a tradição.
Personagens reais e imaginários eram retratados em lugares
concebidos pela memória e em tempos diversos. Essas vivências
eram utilizadas para a educação da gerações que se renovavam
e, como as tribos do deserto, os povos conseguiam manter suas
identidades baseadas na tradição.
Entre os povos árabes, optou-se mais pela experiência auditiva
porque eles consideram outras, como a visual, passíveis de ilusão
45 A história de Maomé

e e n t e n d e m que as e x p e r i ê n c i a s c o m sons s ã o m a i s fidedignas


e causam i m p r e s s õ e s m a i s e m o t i v a s que as i m a g e n s . Os á r a b e s
p r é - i s l â m i c o s d o m i n a v a m u m a escrita u t i l i z a d a exclusivamente
para assuntos de política e comércio e os conhecimentos referentes
à cultura eram transmitidos oralmente.
A s s i m como o judaísmo e o c r i s t i a n i s m o , religiões reconhecidas
pelo uso de escrituras sagradas e p o r seus profetas, o i s l a m i s m o
passou a caracterizar-se pela m a t e r i a l i z a ç ã o escrita dos e n s i n a -
m e n t o s orais de Alá repassados ao p r o f e t a M a o m é p o r m e i o do
arcanjo G a b r i e l . Dessa m a n e i r a , a escrita c o m e ç o u a s u b s t i t u i r os
assuntos próprios da m e m ó r i a .
O islã s u r g i u e m u m a população falante do i d i o m a á r a b e , c o m
c u l t u r a arábica e que c o n v i v i a c o m religiões m o n o t e í s t a s já exis-
tentes. Até o século V I a.C., os á r a b e s v i v i a m na b a r b á r i e , período
conhecido c o m o Yahilya. Nessa época, havia na Península Arábica
três grupos que i n f l u e n c i a r a m o a p a r e c i m e n t o do islã. A escrita
á r a b e já e x i s t i a , m a s a m a i o r i a da população n ã o sabia ler n e m
escrever e era capaz de m e m o r i z a r textos m u i t o longos. Do p o n t o
de vista r e l i g i o s o , e r a m politeístas.
Alá era u m dos deuses considerado s u p e r i o r aos demais. A ex-
p r e s s ã o Allah Akbar (Alá é o m a i o r ) é u m a h e r a n ç a da Y a h i l y a .
A p a r t i r do século V, começou a haver u m a c o n c e n t r a ç ã o de r i t u a i s
e m M a k k a (Meca), t e n d o c o m o s a n t u á r i o c e n t r a l a Caaba, para
o n d e o c o r r i a m p e r e g r i n a ç õ e s u m a vez ao ano.
Para os m u ç u l m a n o s , a Caaba existe desde 2 m i l anos antes
da c r i a ç ã o do m u n d o e m u m a espécie de espuma. O u t r a tradição
a f i r m a que f o i construída pelo patriarca Abraão e seu filho I s m a e l .
Há ainda u m a versão segundo a q u a l a Pedra Negra e m seu i n t e r i o r
caiu do paraíso, v i n d a do céu, e sua cor r e p r e s e n t a r i a os pecados
dos h o m e n s da Terra.
As t r i b o s á r a b e s d e d i c a v a m - s e ao c o m é r c i o e o r g a n i z a v a m
feiras. Os h a b i t a n t e s de Meca, p o r e x e m p l o , estavam situados e m
46 A história de Maomé

meio às principais rotas comerciais. Os árabes eram os únicos que


sabiam criar e domesticar camelos e, assim, podiam transportar
mercadorias para lugares remotos.
Meca está localizada em u m cimo montanhoso denominado
Rijas. Nessa região, também está a cidade de Medina, antiga Yathrib,
próxima ao Mar Arábico, o que ofereceu possibilidades de comércio
com o Império Bizantino.
Os árabes que não trabalhavam com comércio, como muitos
homens que v i v i a m em M e d i n a , dedicavam-se à cultura beduína,
à produção de damascos, ao gado e à fabricação de tecidos. Meca,
antes da chegada do islã, era u m centro comercial e religioso de
peregrinação m u i t o i m p o r t a n t e , sendo a tribo mais relevante da
cidade a coraixita. Responsáveis pela Caaba, os coraixitas gozavam
de grande prestígio, o que lhes p e r m i t i a atuar como mediadores
de conflitos entre tribos.

FIGURA 2.1 - A Pedra Negra e sua localização na Caaba

O segundo grupo mais influente que atuava em Meca era o dos


judeus, que viviam na região desde a destruição do Segundo Templo,
p r i n c i p a l m e n t e nas localidades do atual Iêmen, e constituíam
47 A história de Maomé

dois grades g r u p o s , u m assentado e m M e d i n a e o u t r o n o I ê m e n .


No século V, a r a i n h a i e m e n i t a converteu-se ao j u d a í s m o . Os j u -
deus t i n h a m u m alto g r a u de erudição e era g r a n d e a q u a n t i d a d e
de pessoas e n t r e eles que s a b i a m l e r e escrever. Os j u d e u s q u e
v i v i a m na região de K e i m a r , no n o r t e de M e d i n a , e r a m conside-
rados mestres pelos á r a b e s . I n c l u s i v e , m u i t o s árabes de M e d i n a
e n v i a v a m os f i l h o s para estudar c o m os mestres judeus.
Os m u n d o s c r i s t ã o e j u d a i c o n ã o p a r e c i a m e s t r a n h o s n e m
estrangeiros para o m u n d o r e l i g i o s o á r a b e . A m b o s e r a m c o n s i -
derados m o n o t e í s t a s , t i n h a m u m l i v r o sagrado e c o n s i d e r a v a m
1

J e r u s a l é m c o m o cidade santa. Na c r e n ç a islâmica, M a o m é é u m


c o n t i n u a d o r dos textos sagrados c o n t i d o s nas grandes religiões.

22
O profeta M a o m é
No f i m do século V I , houve e n f r e n t a m e n t o s no sul da Península
Arábica, p r i n c i p a l m e n t e e n t r e pagãos e cristãos, c o m d u r a s d e r -
rotas para os cristãos. E m 570, o r e i cristão G h e b r e - M e s k e l , r e i de
A x u m (558-584), i n i c i o u u m a c a m p a n h a c o m elefantes para ajudar
os cristãos e d i r i g i u - s e ao n o r t e para c o n q u i s t a r a cidade de M e c a ,
s i t i a n d o - a . N o e n t a n t o , segundo a crença á r a b e , Alá teria enviado
nuvens de pássaros que atacaram os soldados do exército etíope
e lhes j o g a r a m pedras, p r o v o c a n d o a fuga dos agressores. Esse
a c o n t e c i m e n t o f i c o u c o n h e c i d o c o m o Ano do Elefante.
A s u r a 105 c o n t a a h i s t ó r i a dos e l e f a n t e s de f o r m a r e s u m i -
da. A s p o m b a s s ã o d e n o m i n a d a s abadil. Nesse c e n á r i o , nasceu
M a o m é , e m 570, na t r i b o dos coraixitas. Ele pertencia à família
A s h i , a m e s m a A s h e m i t a que h o j e governa a J o r d â n i a . O pai de
M a o m é , A b d A l l a h i b n e A b d a l - M u t a l i b e , faleceu antes de o f i l h o

1 Para muitos judeus e muçulmanos, o cristianismo não é uma religião monoteísta, mesmo
sendo de origem abraâmica, em virtude de Jesus Cristo ser considerado um Deus no âmbito
daTrindade católica, divergindo da concepção judaica e islâmica da indivisibilidade de Deus.
48 A história de Maomé

nascer. A mãe, A m i n a binte Uabe, morreu quando ele tinha 6 anos.


Assim, Maomé passou a viver com o avô e depois com o t i o A b u
Talib, que era comerciante.
Com o tio, chegou a Bosra, no sul da Síria. Conta-se que nesse
lugar ele se encontrou com u m monge sírio chamado Bahira, que
o v i u como profeta. Segundo Delcambre (1991, p. 32), o h i s t o r i a -
dor árabe I b n H i s h a m , que viveu no século V I I I , registrou a visão
profética do clérigo cristão da seguinte maneira: "Ele interrogou
o enviado de Deus quanto ao que sentia ao ser despertado ou no
seu sono. O enviado de Deus responde. Bahira achou tudo aquilo de
acordo com os sinais que tinha em seu poder. Depois examinou-lhe
o dorso e ali v i u o sinal do profeta entre os ombros".
Em 595, aos 25 anos, Maomé casou-se com sua primeira mulher,
uma viúva rica chamada Cadija binte Cuailide, de 40 anos. Mais tarde,
casou-se com mais mulheres, sendo treze com registro dos nomes.
Cadija e Aisha, esta última, a terceira esposa de Maomé, f o r a m
as mais importantes. Cadija f o i a p r i m e i r a pessoa a se converter
ao islã e teve seis filhos. Sua filha preferida, Fátima, casou-se com
o p r i m o de Maomé, f i l h o de Taleb, e teve u m f i l h o varão, A l i Ben
Abutaleb. Graças aos negócios do sogro, Maomé tornou-se uma
espécie de contador que controlava o comércio familiar.
A família de Cadija sustentava Maomé e lhe proporcionava
tempo para meditar. E possível que nesses momentos ele tenha
sido influenciado p o r grupos de árabes que se converteram ao
monoteísmo e eram conhecidos como Aniful.
Em 610, aos 40 anos, na data conhecida pela tradição muçul-
mana como A Noite do Destino, no mês do Ramada, Maomé teria
subido à m o n t a n h a , longe de Meca, e recebido a visita do arcanjo
Gabriel, que teria lhe deixado a tarefa de d i f u n d i r a palavra de Alá.
49 A história de Maomé

Na sura* 96 está escrito: "Recita e m nome do teu Senhor, que o


criou, leia em nome do Criador".
Maomé regressou a Meca e suas mensagens eram recebidas
em árabe, sendo seus ensinamentos considerados u m a grande
inovação. No entanto, as pessoas da t r i b o dos coraixitas não acre-
d i t a r a m nele e o acusaram de não ser original em suas palavras e
de u t i l i z a r palavras de sábios e profetas anteriores, copiando os
preceitos judeus e cristãos.
A relação com judeus e cristãos era ambivalente. Maomé não
desejava ser tratado como u m i m i t a d o r de outras religiões, porém
aconselhava a seus ouvintes reunirem-se com judeus e cristãos, que
também acreditavam em um Deus onipresente que não se podia ver.
Em 619, faleceu seu t i o Abu Taleb e sua m u l h e r Kadija. Maomé,
então, sentiu-se sem respaldo económico e ameaçado. Em 620,
casou-se com a viúva Sawada e com u m a menina chamada Aisha,
filha de A b u Bakr, que constitui uma i m p o r t a n t e fonte de relato
de sua vida.
Em 622, o profeta r u m o u com seus seguidores para Yathrib,
mais tarde conhecida com Medina (Cidade do Profeta). Dez anos
depois, Maomé havia consolidado seu domínio sobre a província
da Arábia. M o r r e u repentinamente e f o i enterrado e m Medina,
sem escolher seu sucessor.

23
As pregações em Meca
Em 500, Meca era uma das muitas cidades dispersas ao longo do
deserto na Península Arábica. Era u m centro comercial e religioso,
local de culto a vários deuses e onde havia u m a pedra negra que
se acreditava ser sagrada. Grandes levas de peregrinos rumavam
à cidade vindos de diferentes lugares para orar e meditar.

* U m a sura é u m dos capítulos do Alcorão.


50 A história de Maomé

Logo após as revelações, e m 610, M a o m é fez seus p r i m e i r o s


discípulos e n t r e os f a m i l i a r e s m a i s p r ó x i m o s : Kadija, sua esposa
e seus d o i s f i l h o s a d o t i v o s , A l i e Z a y d . E n t r e aqueles q u e n ã o
p e r t e n c i a m à f a m í l i a , o p r i m e i r o c o n v e r t i d o f o i A b u Bakr, u m
p r ó s p e r o m e r c a d o r , d a n d o sequência à conversão de o u t r o s m e r -
cadores e escravos.
M a o m é c o m e ç o u a pregar a existência de u m Deus único (Alá),
o m e s m o de A b r a ã o , Moisés e Jesus; a professar c o n t r a a r e l i g i o -
sidade dos c o r a i x i t a s , sua t r i b o ; e a censurar d u r a m e n t e a c r e n ç a
e m múltiplos deuses. C o n d e n o u os que p r a t i c a v a m o sacrifício de
seres h u m a n o s e a i d o l a t r i a , e x i g i u dos árabes que abandonassem
as tradições de seus pais e propôs o f i m das antigas c r e n ç a s e h i e -
r a r q u i a s relacionadas à Caaba.
A fé pregada p o r ele colocava e m pé de igualdade escravos e
homens l i v r e s , sendo a fé no C r i a d o r o único critério de d i f e r e n c i a -
ção entre as pessoas. M a o m é condenava a escravidão e o c o m é r c i o
de escravos e c o m e ç o u a c o m p r á - l o s para c o n v e r t ê - l o s ao islã. Ele
pedia aos c r i s t ã o s que não c o m e r c i a l i z a s s e m c o m os pagãos, pois
estes os e n g a n a v a m c o n s t a n t e m e n t e .
M a o m é o p u n h a - s e v e e m e n t e m e n t e à e x p l o r a ç ã o da fé d o s
p e r e g r i n o s , aos antigos costumes e aos deuses pagãos. Esses p o -
s i c i o n a m e n t o s p r e j u d i c a r a m sua e n t r a d a n o s lugares de c u l t o
e i n f l u e n c i a r a m a disposição de seus o u v i n t e s à c r e n ç a . Isso fazia
de M a o m é u m g r a n d e p r o b l e m a , de f o r m a que ele n ã o era m a i s
aceito e m M e c a e suas m e n s a g e n s p a s s a r a m a ser vistas c o m o
uma ameaça.
O p r o f e t a t r a d u z i a suas e x p e r i ê n c i a s m í s t i c a s e m r e p ú d i o
r a d i c a l ao m a t e r i a l i s m o e à i d o l a t r i a t r a d i c i o n a l dos chefes locais.
51 A história de Maomé

Sendo Meca o recinto sagrado da Arábia e da riqueza, não poderia


ser o da endogamia tribal. Nesse centro de peregrinação massiva,
as pretensões de Maomé chocavam-se com os negócios e suas
pregações prejudicavam as peregrinações, pois ele era contra
as atividades financeiras e mercantis de Meca, motivo pelo qual
algumas pessoas defendiam que ele deveria ser combatido.
Assim, por criticar os costumes religiosos das tribos dominantes
de Meca e enfrentar as leis tribais, Maomé foi expulso da tribo dos
coraixitas. Os clãs haxemita e omíada negaram apoio ao profeta
e ficaram a favor de Abu Sufiane, Abu Lahab e Abu Jahal, o t r i u n -
virato de chefes da confederação de tribos que viviam em Meca e
que também desejavam silenciar Maomé.
A partir de então, Maomé estava indefeso, podendo ser atacado,
assassinado ou vendido como escravo por qualquer u m que con-
seguisse capturá-lo. Ele era perseguido e corria perigo, pois nos
primeiros anos de suas pregações contava com poucos seguidores
e alguns discípulos e simpatizantes estrangeiros.

24
A voz no deserto e o recitar
Os islâmicos acreditam que Maomé, quando arrebatado, ouviu
a voz do arcanjo Gabriel, que se mostrou e apresentou-lhe uma
criatura chamada Buraque, com cabeça de mulher, corpo de cavalo
e asas de águia. Convidado a montar, Maomé teria voado para
o norte, passando pelas montanhas e por cima de Meca e ido pelas
areias do deserto em direção ao norte até chegar aos portões da
cidade de Jerusalém.
52 A história de Maomé

FIGURA 2.2 - Maomé cavalgando no Buraque

SULTAN MUHAMMAD. Ascensão de Mohammad ao céu. 1539-1543.1 guache e tinta sobre papel:
color.; 28,7 x 18,6 cm. Biblioteca Britânica, Londres.

Na chegada, foi saudado por anjos e profetas bíblicos que d i -


ziam "Salve o p r i m e i r o , o último, o congregante". Impressionado,
perguntou ao arcanjo que o acompanhava o que aquilo significava,
sendo esclarecido por Gabriel que ele era o p r i m e i r o dos interces-
sores entre Alá e os seres humanos e o último dos profetas, aquele
que congregaria os verdadeiros crentes no dia do juízo.
Maomé foi levado pelo arcanjo Gabriel em direção ao Domo da
Rocha, lugar que seria o caminho para o céu. Em sua revelação, os
lugares por onde passava e todos os arredores estavam construídos
em ouro, rubi e esmeraldas e a entrada estava guarnecida por uma
legião de anjos. Por a l i , entraram no Primeiro Céu, onde estava
53 A história de Maomé

sentado Adão, ladeado por duas portas. A da direita conduzia ao


j a r d i m , e a da esquerda, ao fogo.
Foi até o Segundo Céu, onde encontrou Jesus, que o saudou
e disse que era bem-vindo e que o considerava u m filho dedicado e
profeta devoto. No Terceiro Céu, Maomé v i u José; no Quarto Céu,
Edris; no Q u i n t o Céu, A r o n ; no Sexto Céu, Moisés; e, no Sétimo
Céu, Abraão. Todos, ao serem saudados, respondiam como Jesus.
Maomé foi até a árvore da vida, da ciência do bem e do m a l ,
que estava circundada de grande luminosidade e de anjos. A l i
vivia o arcanjo Gabriel e de lá ecoava a voz de Alá, que dizia ter
enviado Moisés como profeta e que Maomé seria o responsável
por levar pela última vez suas palavras ao conhecimento humano.
Após o ocorrido, Maomé se v i u de volta ao corpo, recitando
palavras que soavam belas para os ouvintes e prometiam felicidade
aos que permanecessem em linha reta de acordo com as revelações
do Alcorão. Maomé recebeu a revelação de grupos de génios, que
o o u v i a m e d i z i a m "Em verdade, ouvimos u m Alcorão admirável,
Que guia à verdade, pelo que nele cremos, e jamais atribuiremos
parceiro alguém ao nosso Senhor" (O Alcorão Sagrado, 2016,72:01).
A p a r t i r de então, Maomé passou a pregar entre os forasteiros
que iam comercializar ou visitar seus familiares em Meca. Alguns
o escutavam por curiosidade, mas poucos se convenciam. Ele havia
sido expulso de sua tribo e perdera a proteção. Excluído, neces-
sitava de o u t r o grupo, pois poderia ser assassinado ou vendido
como escravo, já que assim era a lei do deserto: n e n h u m h o m e m
poderia viver só sem defesa.
Foi entre os peregrinos de Yathrib que Maomé conseguiu seus
maiores aliados, impressionados com a personalidade do profeta.
Ele havia cortado todos os laços com a família, pois acreditava que
as leis do clã estavam ultrapassadas e os laços de aliança eram ba-
seados em um ideal comum mais importante que os laços de sangue.
Muitos dirigiam-se a Meca para jurar fidelidade ao profeta, e as
54 A história de Maomé

pessoas que passaram a segui-lo estavam dispostas a abandonar


as antigas tradições para seguir as leis reveladas.
Conforme Delcambre (1991, p. 58), "No ano de 622 são 65 os
peregrinos de Yathrib - 73 homens e duas mulheres [sic] - a j u -
rarem a Maomé no desfiladeiro Aqaba, que combaterão por ele.
E o juramento de guerra, o Segundo Juramento de Aqaba. Maomé
tornou-se não u m chefe de tribo, mas o chefe de um povo".
Em Yathrib, Maomé pôde contar com a ajuda dos convertidos
e suas famílias, que lhe declaravam fidelidade e obediência, pois,
nas palavras de Alá, os benefícios aos muçulmanos também se
dariam na outra vida, sendo fundamental garantir a sobrevivência
da fé e a integridade do profeta e dos conhecimentos revelados.
Dessa maneira, Maomé exerceu sua autoridade religiosa no de-
serto, a qual logo depois transformou-se em autoridade militar
para enfrentar os inimigos do islã.
O islamismo oferecia o paraíso àqueles que morressem pela fé,
sendo considerado um consolo para os sofrimentos dos muçulma-
nos convertidos. Para eles, Alá era compassivo e misericordioso,
o único que se deve temer, pois castiga severamente, e os verda-
deiros crentes serão atendidos quando buscarem o favor dos céus.

25
As perseguições e a fuga
para Yathrib
Maomé ficou três anos pregando escondido em Meca. Teve êxito
entre alguns árabes que começaram a seguir seus ensinamentos
e proclamava a grandeza de Alá e rechaçavam a adoração a ídolos
de pedra. Conforme as pessoas acreditavam em Maomé, deixavam
de levar oferendas ao santuário de Meca, o que acarretava pre-
juízos aos chefes das tribos, que lucravam com as peregrinações
e os tributos.
55 A história de Maomé

Em 613, Maomé iniciou suas pregações em público e começou


a ser r e p r i m i d o em Meca. Diante da revelação que dizia receber de
Deus, sofreu u m a confrontação cética e violenta das autoridades,
sendo ridicularizado, desacreditado e acusado de plagiar fábulas
antigas. Maomé transformou-se em u m a ameaça aos guardiões
e comerciantes da Caaba; suas pregações eram intoleráveis e, por
isso, desejavam assassiná-lo.
Seus pensamentos e r a m m u i t o desafiadores para a época,
marcada pela predominância das sociedades tribais da Arábia.
Ao mesmo tempo, ele esperava que os judeus o aceitassem não só
por causa do monoteísmo, mas porque havia adquirido a simpatia
deles em 621, ao decidir que a reza (al-kibla) seria em direção a
Jerusalém, que era santa para o judaísmo e para o cristianismo.
Porém, Maomé m u d o u a direção da reza para Meca.
Maomé passou a viver e a pregar escondido após sofrer várias
tentativas de assassinato, uma vez que sua tribo não lhe oferecia
mais proteção. Em 622, na cidade de Yathrib, a 4 0 0 metros de
Meca, f o r m a d a por agricultores e pastores, houve u m a disputa
entre tribos, que buscaram u m juiz para mediar o conflito. Maomé
foi indicado como juiz para julgar a querela entre as duas tribos,
pois, como originário da t r i b o dos coraixitas, gozava de prestígio.
O profeta partiu para Yathrib, momento que foi chamado Hégira,
2

fato que marcou o início do calendário islâmico e corresponde


ao exílio com seus fiéis mais próximos, que somavam setenta
pessoas e ficaram conhecidos como exilados ou muhajirum. Conta
a tradição muçulmana que quando Maomé entrou em Medina, no
lugar onde parou seu camelo foi construída a primeira mesquita
do islã e, ao lado, duas casas para suas famílias e esposas. Após
a estadia de Maomé na cidade, esta ficou conhecida como Medina
tal Navi (Cidade do Profeta).

2 Para alguns, M a o m é fugiu para não ser morto. Para outros, o profeta partiu porque não
poderia morrer enquanto não completasse sua missão, pois contava c o m a proteção de Alá.
56 A história de Maomé

M a o m é c o n t i n u o u r e c e b e n d o as revelações, u m t e r ç o delas
e m Meca e o restante e m M e d i n a . Nesta ú l t i m a cidade, v i v i a m
duas t r i b o s á r a b e s que l u t a v a m p o r terras e t r ê s c o m u n i d a d e s
judaicas que apoiavam u m a das t r i b o s , a de auws. M a o m é o r d e n o u
que as t r i b o s cessassem os c o n f l i t o s , convencendo-as de que seu
c o m p r o m i s s o deveria ser c o m o islã, e n ã o c o m a t r i b o .

FIGURA 2.3 - Medina no t e m p o do profeta

Painel representando a mesquita de Medina (agora na Arábia Saudita). Corpo composto, revestimen-
to de silicato, esmalte transparente, pintado sob esmalte. Segunda m e t a d e do século XVII. Museu do
Louvre, Paris.

V i s a n d o assegurar a fidelidade de seus seguidores, Maomé


e m i t i u u m d o c u m e n t o conhecido c o m o Constituição de Yathrib, no
qual estabeleceu as diretrizes para u m Estado Islâmico e os direitos
57 A história de Maomé

e deveres dos muçulmanos e de outros povos, entre eles os judeus.


Entre 622 e 623, especificaram-se as condições por meio das quais
outras facções, especificamente os judeus, poderiam viver no novo
Estado islâmico e foi garantida a proteção e a cooperação a qualquer
tribo ou grupo que fosse atacado por estranhos.
Pelos documentos, os pagãos deviam ser convertidos. Aos judeus
e cristãos era p e r m i t i d o exercer suas crenças, sendo obrigados
a pagar impostos. Esse código de leis p e r m i t i u que durante muitos
anos existisse estabilidade no m u n d o islâmico. No documento,
assim como Meca, Medina também tornou-se u m lugar de sacra-
lidade, culto e presença divina.

26
As primeiras guerras em defesa
do islã e a morte de Maomé
A influência de Maomé expandia-se pelo deserto e pelos oásis. Os
adversários coraixitas de Meca, porém, faziam de tudo para isolar
Medina, buscando controlar as rotas de comércio das caravanas,
inclusive desviando seus trajetos. Assim, a seca e a fome assolaram
os muçulmanos, que logo passaram a lutar pelo controle das rotas
de comércio, de modo que as relações entre as duas cidades santas
do islã se deterioraram.
Em 624, os líderes tribais de Meca confiscaram as proprieda-
des dos muçulmanos. Maomé, em represália, conduziu trezentos
guerreiros a u m assalto de caravanas de mercadores que v i n h a m
da Síria portando grande quantidade de ouro, mas os líderes já
esperavam o ataque, rechaçaram o exército de Maomé e praticaram
represálias contra os muçulmanos.
Em 13 de março de 624, em Badr, os grupos se enfrentaram. Os
agressores superavam em três vezes o exército de Maomé e t i n h a m
u m contingente de aproximadamente m i l soldados. C o n f o r m e
58 A história de Maomé

Sardar e M a l i k (1994), o objetivo era a total aniquilação da pequena


comunidade de muçulmanos de Medina.
A vitória sobre os i n i m i g o s aumentou a crença de que Maomé
era realmente u m profeta enviado por Alá, sendo esse episódio
o p r i m e i r o de uma série de sucessos m i l i t a r e s dos exércitos de
Maomé. Os judeus de Medina (tribo Banu Qainuca) foram expulsos
e o lugar tornou-se muçulmano.
A humilhação pela derrota em Badr alimentou entre os mecanos
a vontade de destruir a comunidade islâmica de Medina. Em 11 de
março de 625 (ano 3 da Hégira), u m chefe de Meca, Abu Sufian, pai
de M u y a u i , que fundaria a dinastia dos omíadas, marchou contra
M e d i n a com 3 m i l soldados para se vingar do ocorrido em 624.
No dia 23, no M o n t e U h u d , guerrearam contra o exército islâmico
na Batalha de Uhud. Embora tenham vencido, com Maomé ferido
e debilitado, não arriscaram invadir Medina.
Em abril de 627, A b u Sufian empreendeu outro ataque contra
Medina, desta vez com 10 m i l homens, mas Maomé e os muçulma-
nos cavaram trincheiras ao redor da cidade e, assim, conseguiram
defendê-la com êxito. Segundo a crença islâmica, em meio às bata-
lhas ocorreu uma tempestade de areia que provocou grande temor
nos soldados inimigos, que f u g i r a m pelo deserto abandonando
a batalha, fato conhecido como Batalha da Trincheira.
A tribo judaica de Banu Kuraissa havia se aliado ao exército de
Meca, motivo que levou os muçulmanos a empreender uma guer-
ra contra eles, derrotando-os depois da Batalha das Trincheiras.
Os muçulmanos expandiram sua influência por meio da conversão
de líderes e pessoas influentes de tribos e cidades da Arábia.
Em 628, Maomé assinou u m tratado de paz de dez anos com os
coraixitas de Meca. No segundo ano, muitos muçulmanos f o r a m
assassinados. M a o m é acusou-os de t e r e m v i o l a d o o acordo e,
com u m exército de mais de 10 m i l homens, marchou para Meca,
conquistando definitivamente a cidade em 630.
59 A história de Maomé

Em Meca, Maomé livrou-se dos deuses pagãos da Caaba, per-


manecendo somente a Pedra Negra, presente entregue por meio do
arcanjo Gabriel para Ismael, filho do patriarca Abraão. A conquista
da cidade contribuiu para consolidar o islã e, em 631, cada tribo da
Arábia enviou uma comitiva a Meca para jurar fidelidade ao profeta.
Os muçulmanos a b o l i r a m os privilégios de sangue e de p r o -
priedade em Meca, submetendo à sua proteção o templo e as fontes
de água para os peregrinos. Medina c o n t i n u o u sendo a capital,
da qual emanavam as ordens de Maomé a seus seguidores. Ele
organizou a administração, criou u m tesouro público sustentado
por impostos e doações das tribos que se submetiam e estabeleceu
u m recrutamento m i l i t a r de fiéis.
Seus p r i m e i r o s exércitos vestiam cotas de malha e couraça
superpostas e estavam equipados com escudos de madeira e couro,
capacetes de ferro, lanças e arcos. Poucos t i n h a m sabres ou c i m i -
tarras, armas destinadas somente aos mais ricos.
C o m a Península Arábica d o m i n a d a , o exército conquistou
outras regiões do Oriente Médio e do m u n d o sob o comando de
Abu Bakr, o p r i m e i r o califa (sucessor do enviado de Deus), de 632 a
634, que foi posteriormente substituído p o r Umar I b n A l - H a t i b
de 634 a 644.
Maomé também casou-se com Hafsa, filha de Umar, que seria
sucessor de Abu Bakr. Por meio desses casamentos, eram estabele-
cidas alianças entre os profetas e seus principais seguidores. Uma
das filhas de Maomé, Fátima, casou-se com A l i i b n Talib, p r i m o
de Maomé. Sua outra filha, Ruqayah, casou-se com U t h m a n i b n
Affan, mas ela faleceu e ele casou-se com a cunhada, U m K u l t h u m .
Segundo a tradição muçulmana, U t h m a n foi o p r i m e i r o a se con-
verter ao islã em Medina.
O islamismo se consolidou por meio de Abu Bakr, pai de Aisha;
do outro sogro de Maomé, Umar i b n 'Abd al-Khattab, o grande con-
quistador; de Uthman, que mandou escrever o Alcorão e governou
60 A história de Maomé

de 644 a 656; e do p r i m o e genro do p r o f e t a , A l i i b n Talib ( p r i m e i r o


i m ã s h i i t a ) , que g o v e r n o u de 655 a 661. Todos eles estavam ligados
f a m i l i a r m e n t e a M a o m é e c o n s t i t u e m os q u a t r o califas que d i r i -
g i r a m o islã depois da m o r t e do p r o f e t a . São os r a s h i d u m , "califas
c o r r e t a m e n t e / b e m guiados" ou ortodoxos. Veja, a seguir, o q u a d r o
que s i n t e t i z a os p r i n c i p a i s eventos da v i d a de M a o m é .

QUADRO 2 . 1 - C r o n o l o g i a da vida de Maomé


25 de abril de 571 Nascimento em Meca

595 Casamento com Cadija

610 Primeira revelação

613 Início da predicação pública

619 Morte de Cadija e Abu Talib

16dejulhode622 Hégira - ano 1 do islã

Setembro de 622 Chegada a Medina

Março de 624 Batalha de Badr

Março de 625 Batalha de Uhud

Março/abril de 627 Batalha da Trincheira

Março de 628 Tratado de Al Hudaibiya

Janeiro de 630 Batalha de Hunayn: conquista de Meca

Março de 632 Peregrinação da despedida

8 de junho de 632 Morte do profeta Maomé em Medina (Yathrib)

SÍNTESE 1
Neste capítulo, d i s c u t i m o s a i m p o r t â n c i a da o r a l i d a d e p a r a os
povos árabes, descrevemos como M a o m é se t o r n o u o profeta de Alá,
o único Deus c r i a d o r de todas as coisas, e c o m o , de f o r m a seme-
lhante aos judeus e cristãos, os árabes c o m e ç a r a m seu m o n o t e í s m o .
A n a l i s a m o s c o m o o c o r r e u a Hégira e sua i m p o r t â n c i a para
o início da e x p a n s ã o do i s l a m i s m o , b e m c o m o as estratégias de
defesa dos m u ç u l m a n o s , as novas c o n v e r s õ e s e a e n t r a d a t r i u n -
fante na cidade de Meca, c o n c l u i n d o c o m a m o r t e do p r o f e t a e a
sucessão na liderança do islã.
61 A história de Maomé

ATIVIDADES DE AUTOAVALIAÇÀO

1. Entre os povos árabes, privilegiou-se a experiência auditiva


porque:
A ] eles eram u m povo analfabeto e violento que buscava guerras
e expansão m i l i t a r .
B] eles consideravam outras experiências, como a visual, pas-
síveis de ilusão e pouco emotivas.
c] as experiências auditivas eram consideradas reflexos da
influência dos espíritos malignos.
D] eles consideravam que a experiência auditiva era passível
de distrações e prejudicava o entendimento.
E] as experiências sensoriais são mais fidedignas na passagem
dos conhecimentos.

2. Indique a alternativa i n c o r r e t a no que se refere ao sucesso de


Maomé no recebimento e na difusão do islã:
A] O sucesso de Maomé deveu-se, em parte, ao apoio que re-
cebeu de sua primeira esposa, Cadija, e de seu tio, Abu Talib.
B ] Suas mensagens e r a m recebidas e m árabe, sendo seus
e n s i n a m e n t o s u m a g r a n d e inovação, u m m a r c o para
o monoteísmo.
C] Maomé sugeria a seus seguidores que escutassem os judeus
e cristãos e suas verdades, pois estes também acreditavam
em u m Deus onipresente que não se podia ver, assim como
era revelado no Alcorão.
D] As acusações de i m i t a d o r das religiões judaica e cristã e m -
preendidas pelos parentes coraixitas contribuíram para
a difusão do islã.
E] Suas revelações seguiam as r i m a s poéticas das antigas
práticas orais dos povos árabes.
62 A história de Maomé

3. Maomé foi perseguido em Meca porque:


A ] c o n d e n o u aqueles que p r a t i c a v a m o sacrifício de seres
humanos.
B] condenou a idolatria, exigindo dos árabes que abandonas-
sem as tradições dos pais.
c] condenou a poligamia e o adultério, afirmando que o homem
deveria ter somente uma mulher.
D] propôs o f i m das antigas crenças e das hierarquias relacio-
nadas à Caaba.
E] p r e j u d i c o u as peregrinações e as atividades financeiras
e mercantis de Meca.

4. Maomé, ao ser levado a Jerusalém, foi recebido e saudado por


anjos e profetas. Segundo a tradição islâmica, isso aconteceu
porque:
A ] ele seria o p r i m e i r o dos intercessores entre Alá e os seres
humanos, o último dos profetas e aquele que congregaria
os crentes no dia do juízo final.
B ] Maomé era o f i l h o unigénito de Alá, o verdadeiro Messias.
C] Maomé estava na companhia do arcanjo Gabriel, aquele
que f o i enviado por Deus para esclarecer o profeta acerca
de sua missão.
D] temendo a mão poderosa de Maomé e os castigos de Deus,
todos os anjos e os antigos profetas lhe renderam graças.
E] os anjos e os profetas estavam prevendo o f u t u r o e sabiam
que a d o u t r i n a de M a o m é seria m a l i n t e r p r e t a d a e que
muitas pessoas m o r r e r i a m .

5 A Hégira é u m acontecimento de tamanha importância que


marca o início do calendário islâmico. A Hégira:
A] é a denominação dada à morte do profeta.
B] refere-se ao exílio de Maomé e de seus seguidores mais
próximos.
63 A história de Maomé

C] é como ficou conhecida a cidade de Yathrib.


D] foi o momento do arrebatamento do profeta e do recebi-
mento do Alcorão.
E] corresponde à conquista de Meca por Maomé e seus
seguidores.

ATIVIDADES DE APRENDIZAGEM

Questões para reflexão

O texto a seguir trata de algumas particularidades do clã ao


qual o profeta Maomé pertencia. Leia e reflita:

O clã, elemento essencial da ancestral sociedade árabe, tem as suas


regras, as suas hierarquias e as suas leis. Cada clã é autónomo e
soberano. Os notáveis têm assento no conselho, o mala. Cabe ao
clã de Abd al-Mutalib abastecer os peregrinos de água. Este cargo,
siqaya, particularmente em Meca, é uma função honorífica, prova
do poder da sua família. (Delcambre, 1991, p. 15)

Com base no texto lido, responda:

1. Podemos afirmar que nascer em u m clã de prestígio facilitou


a sobrevivência do profeta e do islã? Na atualidade, pertencer
a uma família de ótima condição económica possibilita mais
crédito de opinião? Justifique sua resposta.
2 . Por que cuidar dos poços seria uma função honorífica e prova
de poder? Na sociedade em que vivemos, existem funções
consideradas mais importantes que outras? Por quê?

A t i v i d a d e a p l i c a d a : prática

1 . Como vimos, o calendário das religiões judaica, cristã e m u -


çulmana está relacionado a datas específicas da história desses
povos. Descreva os episódios que marcaram a origem das datas
históricas destacando seus principais personagens.
DO ALCORÃO O R A L
AO ESCRITO: O MUNDO
ISLÂMICO

Neste capítulo, veremos que o Alcorão f o i revelado ao profeta


M a o m é , que o t r a n s m i t i u oralmente a seus seguidores e, após
sua m o r t e , foi codificado por seus sucessores e convertido no pa-
râmetro da lei e da moralidade da nova religião. M u i t o s desafios
surgiram na reprodução do Alcorão, pois não havia uma versão
escrita diretamente pelo profeta.
Após a m o r t e de M a o m é , seus companheiros, e mais tarde
sucessores, f o r a m denominados califas. Eles a u x i l i a r a m a guiar
o povo nas guerras empreendidas internamente contra os mecanos
e conseguiram expandir o islamismo até o Egito, a Mesopotâmia
e a Síria. A t o m a d a de Jerusalém f o i m u i t o s i g n i f i c a t i v a , pois
o próprio Maomé havia definido a cidade como santa, o que deu
origem a u m processo de conflitos que permanece até a atualidade.
Maomé não deixou u m sucessor. Os califas r e f u t a r a m eleições
e escolheram os parentes mais próximos e capazes para substituí-lo.
Porém, os poderosos omíadas de Meca invocaram para si o direito
dinástico de substituição do profeta e i n i c i a r a m u m período de
guerra no interior do islã.
65 Do Alcorão oral ao escrito: o mundo islâmico

3 1
A escrita e a codificação
do Alcorão
A palavra árabe Al-Quran ou Alcorão, como é mais conhecida no
Ocidente, significa "recitação". Para os muçulmanos, o Alcorão é a
palavra de Deus, revelada por meio do arcanjo Gabriel a Maomé.
Este recebia as revelações à noite e, durante o dia, as explicava aos
fiéis, que tomavam notas, pediam explicações e esclareciam dúvidas.
Algumas f o r a m anotadas em papéis. A b u Baker, sucessor do
profeta entre 632 e 634, reuniu grandes coleções de textos das
revelações explicadas pelo profeta, a princípio organizadas em
muitas páginas não ordenadas cronologicamente e depois reunidas
em u m l i v r o de revelações. Nessas anotações, são identificadas
similitudes com histórias bíblicas, explicadas de f o r m a diferente
da do Antigo e do Novo Testamentos.
Conforme H a m i d u l l a h (1993, p. 36), os companheiros do p r o -
feta dedicaram-se às anotações e, posteriormente, à compilação
de aspectos da biografia de Maomé:

Era natural que o interesse pela biografia do profeta tivesse cres-


cido após sua morte. Seus companheiros deixaram, aos seus
filhos e parentes, relatos de tudo o que sabiam sobre o profeta.
Os novos convertidostinham sede das fontes da sua nova religião.
A morte reduzia, diariamente, o número daqueles que conheciam
as tradições em primeira mão; e isto serviu de incentivo adicional
aos que ainda sobreviviam, para que dessem uma maior atenção
à preservação das suas memórias. Um grande número de escritos
foi, assim, compilado sobre os ditos e atos do profeta, baseados
nas narrações dos seus companheiros, após a morte do mestre.

Cerca de vinte anos depois da morte de Maomé, U t h m a n i b n


A f a n n , o terceiro califa, reuniu u m grupo de eruditos árabes e o r -
denou a compilação, a codificação e a escritura das revelações do
66 Do Alcorão oral ao escrito: o mundo islâmico

profeta no idioma em que foram recebidas, em u m livro readaptado


em árabe. Mesmo não seguindo u m a ordem cronológica, essa foi
a versão que se converteu na estrutura tradicional.
Para os muçulmanos, o Alcorão t r a n s m i t i d o a Maomé e con-
servado por U t h m a n era a única revelação d i v i n a , íntegra e i n a l -
terável, considerada a tábua de salvação, pois o juízo final estava
se a p r o x i m a n d o e a revelação serviria para advertir. O recitar
constituía-se na única maneira de encontrar a salvação, sendo
necessário seguir as palavras do profeta.
Muitos muçulmanos estudaram o Alcorão e discutiram o signi-
ficado de seus versos. No século XIV, o Alcorão já havia se tornado
uma fonte de inspiração para muçulmanos espalhados em várias
partes do m u n d o .
Como e m quase todos os textos sagrados das religiões m o n o -
teístas, o Alcorão apresenta muitos trechos considerados contra-
ditórios. Muitos deles incitam os fiéis a viver de modo pacífico e a
criar u m a sociedade baseada na justiça e na benevolência, como
na seguinte passagem: "Allah ordena a justiça, a prática do bem,
o auxílio aos parentes, e veda a obscenidade, o ilícito e a injustiça.
Ele vos exorta a que mediteis" (Alcorão 16,90, citado por El Hayek,
2001, p. 229). Em outros trechos do Alcorão, os fiéis são incitados
à luta e a subjugar os infiéis, como em: "Combatei, pela causa de
Allah, aqueles que vos combatem; porém, não pratiqueis agressão,
porque Allah não estima os agressores" (Alcorão, 9,29, citado por
El Hayek, 2001, p. 57).
O que se observa é uma verdadeira competição entre os grupos
islâmicos para deter majoritariamente a verdadeira essência do
islã. Esse pensamento é c o m u m entre grupos extremistas muçul-
manos, que insistem e m rememorar tempos passados, quando
os discípulos do Alcorão aceitavam somente u m a interpretação
de suas palavras e v i v i a m segundo tal perspectiva.
67 Do Alcorão oral ao escrito: o mundo islâmico

A ideia de que exista essa única versão do islamismo, datada


do período imediatamente precedente à sua cisão, é falsa, pois,
a p a r t i r do m o m e n t o que o profeta M a o m é t r a n s m i t i u as p r i -
meiras palavras do Alcorão, estas f o r a m absorvidas, entendidas
e interpretadas de modo variado entre as pessoas que v i v i a m na
comunidade.
O Alcorão, de certo modo, contribuiu para definir a história
da humanidade. O texto sacro carrega u m a mensagem que f o i
utilizada para dar início a algumas das grandes civilizações do
m u n d o . Na atualidade, passados mais de m i l anos, carrega uma
mensagem de salvação, apesar de ser mais u m exemplo de que os
livros sagrados têm sido utilizados como instrumento de domínio
por meio de interpretações falsas e manifestações fundamentalistas
que prometem muitas formas de recompensas.

32
As religiões monoteístas,
o Alcorão e o islã
Para os muçulmanos, o islã é a última revelação, dirigida por Deus
ao profeta Maomé, e constitui o caminho para a redenção do mundo.
A Torá é considerada a primeira revelação, dirigida a Moisés, e, os
Evangelhos, a segunda revelação, feita a Jesus de Nazaré.
Para os judeus, a redenção será alcançada c o m a v i n d a do
Messias. Já para os cristãos, a redenção só será alcançada c o m
o retorno de Jesus, considerado o Messias, para salvar a alma dos
justos. E, para os muçulmanos, a redenção só se efetivará quando
o m u n d o aceitar as palavras do Alcorão.
O islã, quando comparado ao cristianismo, apresenta muitas
semelhanças, mas também diferenças significativas. E monoteís-
ta, mas rechaça o conceito da Trindade; considera boa parte do
Evangelho, mas o qualifica como difamador; e assegura que Jesus
foi somente u m profeta.
68 Do Alcorão oral ao escrito: o mundo islâmico

Apesar de terem a mesma origem, é possível identificar vários


pontos distintos. No Alcorão, Alá é o criador do m u n d o e dos seres
humanos, mas estes não são criados à imagem e semelhança de
Deus (Sura 55,1-7). Na Bíblia cristã, Deus criou o Universo e o ser
h u m a n o à sua i m a g e m e semelhança e revela sua essência na
criação (Jo 1,14-15).
No Alcorão (9,30-31; 6,101-102), Alá não é pai, mas o Deus o n i -
potente e misericordioso. Já na Bíblia, Deus é pai de Jesus Cristo
e de seus filhos (Mc 1,1; Jo 1,12; Jo 3,1; R m 8,15-17). No Alcorão, o
nome Alá é formado de artigo e substantivo, significando "Deus".
Tal nome é citado ao menos 120 vezes no Alcorão e t e m várias
outras designações. Já na Bíblia, Deus revela-se a Moisés como
"Eu sou o que sou" (Ex 3,13-14).
No Alcorão (3,45; 3,59; 4,171; 5,75; 9,30), Jesus foi criado pela
palavra de Alá por meio da potência, sendo transferido para Maria.
No entanto, Alá não tem filhos. Jesus não é seu filho e não pode
ser venerado como Deus. Na Bíblia ( M t 1,20; Lc 1,35; Jo 1,1-2; 20:28;
Is 9,6), Deus é Jesus, que f o i gerado pelo Espírito Santo em Maria.
Sendo filho unigénito de Deus, veio como h o m e m sobre a Terra,
é Deus encarnado.
No Alcorão, Jesus é profeta e apóstolo, sendo considerado u m
dos profetas mais significativos. Jesus também é d e n o m i n a d o
apóstolo de Alá, porque, se o h o m e m não caiu no pecado, não ne-
cessita de u m salvador e, com suas boas obras, está em condições
de ganhar a aprovação de Alá, de modo que não existe mediador
entre ele e o h o m e m (Alcorão, 61,6-7; 167,33-40).
Na Bíblia, Jesus é Deus, mediador e salvador, e veio ao m u n d o
como o p r o m e t i d o libertador e salvador do A n t i g o Testamento.
Em diversas passagens do Novo Testamento, Jesus é denominado
Senhor Deus, sendo Jesus Cristo o único mediador entre Deus e o
h o m e m (Jo 3,17; 14,16; Pe 1,1; Fp 3,20; T m 2,5).
69 Do Alcorão oral ao escrito: o mundo islâmico

No Alcorão, Jesus não foi m o r t o na cruz, pois seria uma derrota


vergonhosa. É provável que Alá o tenha arrebatado diante de seus
inimigos e outro foi crucificado em seu lugar (Alcorão, 4,157-158).
Na Bíblia, Jesus f o i m o r t o na cruz e ressuscitado segundo a v o n -
tade do Pai. Ele f o i colocado em u m a tumba e voltou dos mortos
no terceiro dia. C o m isso, conquistou a vitória sobre o pecado e a
morte e obteve a redenção para com aqueles que depositaram suas
confianças nele ( M t 16,21; Co 15,4; Fp 2,8; Cl 1,22; Pe 2,24).
No Alcorão, não há qualquer profecia sobre o retorno de Maomé,
mas na Bíblia consta que nos últimos dias Jesus retornará à Terra
e todas as pessoas o verão (At 1,11; Mc 13,26; Lc 21,27; Ap 1,7).
No Alcorão, Jesus não é filho de Deus e Maria era uma incrédula 1

(Alcorão, 5,75-78; 9,30). Deus criou o homem de uma pequena por-


ção de sangue (Alcorão, 96,1-2). Na Bíblia, Deus criou o homem para
a comunhão com ele e deseja a salvação da humanidade (Ap 19,7;
Lc 14,23; Ez 33,11; Tm 2,4). No Alcorão, por meio das boas obras
o ser humano obtém os favores de Alá e existe referência aos cinco
pilares do islamismo: a profissão de fé, as orações cinco vezes ao dia,
as esmolas, o jejum no mês de Ramada e a peregrinação a Meca.
Na Bíblia, as boas obras não podem reconciliar o ser humano
com Deus (Rm 3,20; Gl 3,10-11). Já no Alcorão, Adão pecou q u a n -
do comeu do fruto p r o i b i d o , porém isso não separou o h o m e m
de Alá, pois no islã não existe a queda n e m o pecado o r i g i n a l
(Alcorão, 2,35-39).
Na Bíblia, Adão transgrediu o mandamento do paraíso e, em
consequência dessa violação, Deus separou-se dos seres h u m a -
nos. A reconciliação é possível somente c o m a m o r t e de Jesus
(Co 2,18-19; R m 3,20).
No Alcorão, a pessoa está sempre em condições de decidir
entre o bem o m a l e, p o r meio das boas obras e da observância

1 Para os judeus e os muçulmanos, Maria era mãe solteira, provavelmente uma prostituta.
70 Do Alcorão oral ao escrito: o mundo islâmico

dos preceitos, o h o m e m pode ser bem-visto por Alá. No entanto,


se desobedece e peca, Alá não o faz sofrer, pois, q u a n d o o ser
humano faz o m a l e peca, está agindo contra si mesmo, porque
não receberá a recompensa pelo bem que poderia ter realizado
(Alcorão, 6,160; 7,19-25; 43,31).
Na tradição cristã, com a queda de Adão, o ser humano escolheu
o m a l e não está em condições de fazer nada para restabelecer sua
relação com Deus. A tentativa de c u m p r i r a lei só o leva a cair cada
vez mais fundo na perdição, sendo seus pecados sempre direcio-
nados contra Deus (Rm 3,10).
Para o islamismo, os fiéis devem se submeter a Alá, e x p r i m i r
gratidão a ele e seguir seus preceitos (Alcorão, 2,177). Entre os
cristãos, a fé significa reconhecer o próprio estado de pecado e
perdição, aceitar a redenção por meio de Jesus e viver nos m a n -
damentos de Deus e na força do Espírito Santo (At 9,1-18).
No islamismo, celebra-se continuamente a misericórdia e a
graça de Alá. O pecador arrependido espera o perdão de Alá, mas
não t e m a certeza de que o receberá na vida atual nem de que p o -
derá entrar no paraíso depois da morte. No cristianismo, o pecador
arrependido conseguirá o perdão porque Deus está claramente
empenhado em sua palavra (Jo 1,9), dá a certeza da vida eterna
e aceita o perdão oferecido por meio da morte de Jesus (Jo 1,12; 5,13).
O Alcorão é considerado a palavra pura e não falsificada de
Alá, a transcrição fiel das revelações originais divinas de Maomé.
O Antigo e o Novo Testamentos f o r a m distorcidos com o tempo
e o Alcorão os corrige nas partes que se d i f e r e n c i a m da Bíblia
(Alcorão, 2,2; 43,2-4). Para os cristãos, a Bíblia é a palavra confiável
de Deus, pois o Espírito Santo velou por sua elaboração. A Bíblia
não necessita de correção e resta para sempre a palavra válida de
Deus (Ap 22,18).
O Alcorão f o i ditado a Maomé diretamente de Deus por i n t e r -
médio do arcanjo Gabriel, sem a influência da personalidade de
71 Do Alcorão oral ao escrito: o mundo islâmico

Maomé, motivo pelo qual sua autenticidade é garantida. Na Bíblia,


a inspiração para sua escritura é de Deus e a personalidade do es-
critor inexiste, mas se reflete claramente nos diversos estilos dos
livros bíblicos, tendo sido escrita por cerca de quarenta autores
no curso de 1 500 anos.
Na Bíblia, o objetivo da evangelização é a criação do Reino
de Deus. Os discípulos receberam a missão de andar por todo o
m u n d o e professar o Evangelho para cada criatura, fazendo m i -
lagres e expulsando os demónios a fim de que os que recebem a
Boa-Nova sejam salvos (Mc 16,15-18; Jo 3,16).
O Alcorão exorta a desconfiar dos infiéis, i n c l u i n d o judeus
e cristãos, e a matá-los, se necessário (Alcorão, 5,54; 9,29; 123,216;
47,4). Já a Bíblia incentiva os seres humanos a amar os inimigos,
bendizer os que m a l d i z e m , fazer o bem aos que odeiam e pregar
aos que m a l t r a t a m ( M t 5,44; Lc 6,27; Rm 12,14; Pe 3,9).

33
A expansão islâmica
Após a morte de Justiniano, em 565, o Império Romano do Oriente
paulatinamente entrou em u m processo de retraimento, t o r n a n -
do-se incapaz de reconstituir posições estratégicas de poder no
M a r Mediterrâneo e no Ocidente. No início do século V I I , a defesa
do Oriente tornou-se u m problema, principalmente em relação
à disputa com o Império Persa Sassânida, m u i t o forte económica
e militarmente.
O p r i n c i p a l m o t i v o de conflitos era a região estratégica da
Mesopotâmia, no encontro com a Ásia Menor. O Império Persa
passava p o r u m m o m e n t o de v i t a l i d a d e , e m p r e e n d e n d o u m a
série de campanhas r u m o ao M a r Mediterrâneo. Entre 615 e 616,
os persas ocuparam terras sob domínio bizantino, como a Síria,
a Palestina e Jerusalém. É importante ressaltar que o Império Persa
não era cristão e sua religião oficial era o zoroastrismo.
72 Do Alcorão oral ao escrito: o mundo islâmico

H o u r a n i (1999, p. 27) observa que, p o r t o d o o O r i e n t e P r ó x i m o ,


m u i t a coisa estava m u d a n d o entre o século V I e o início do século V I I :

Os impérios Bizantino e Sassânida empenhavam-se em longas


guerras, que se estenderam, com intervalos, de 540 a 629. Guerras
travadas sobretudo na Síria e no Iraque; em uma ocasião, os
exércitos sassânidas chegaram até o Mediterrâneo, ocupando
as grandes cidades de Antioquia e Alexandria, além da cidade
santa de Jerusalém, mas na década de 620 foram repelidos pelo
imperador Heráclio I.

E m lugares c o m o Síria e Egito existia u m f o r t e d e s c o n t e n t a -


m e n t o p o p u l a r e m v i r t u d e das taxações e dos c o n f l i t o s religiosos
envolvendo aspectos da própria religião cristã e suas divergências.
Esses e r a m os l u g a r e s m a i s r i c o s e d e s e n v o l v i d o s d o I m p é r i o
B i z a n t i n o , s o b r e t u d o o Egito.
A Arábia, m e s m o sendo u m dos centros do m u n d o , era pobre.
Era u m a região desértica e pouco favorável ao povoamento h u m a n o ,
mas os oásis p r o p o r c i o n a r a m condições para o d e s e n v o l v i m e n t o
de algumas cidades.
As t r i b o s beduínas do deserto e suas tradições n ó m a d e s , e m
m u i t a s o c a s i õ e s , e n t r a v a m e m c o n f l i t o c o m os g r u p o s s e d e n t á -
rios dos oásis. Essas c o m u n i d a d e s e r a m responsáveis p o r várias
rotas c o m e r c i a i s terrestres e n t r e os p r i n c i p a i s centros u r b a n o s
do m u n d o c o n h e c i d o , f a z e n d o c i r c u l a r nessas vias c o m e r c i a i s
u m a grande q u a n t i d a d e de especiarias e de o u t r o s p r o d u t o s do
O r i e n t e e da África.
A cidade de Meca c o n s t i t u i u - s e u m l u g a r de g r a n d e a t i v i d a d e
h u m a n a , p r o v a v e l m e n t e u m dos m a i s i m p o r t a n t e s centros dessas
rotas de caravanas comerciais, t a n t o pela posição geográfica como
pela g r a n d e q u a n t i d a d e de água disponível, sendo u m l u g a r de
reabastecimento de viajantes e mercadores.
73 Do Alcorão oral ao escrito: o mundo islâmico

Em meados de 630, a expansão da fé islâmica e a influência


árabe se estenderam para mais longe graças ao enfraquecimento
do Império Persa, que até aquele m o m e n t o havia conseguido
exercer certo controle sobre as populações da Península Arábica.
Nessa época, Maomé já dispunha de u m exército que lhe permitiria
controlar grande parte da Península Arábica. Inclusive, ele enviou
forças para confrontar as defesas bizantinas no sul da Síria.
Com a morte do profeta, a expansão islâmica, em u m período
de dez anos, estendeu-se para o Mediterrâneo o r i e n t a l e m e r i -
d i o n a l . Os exércitos árabes c o n q u i s t a r a m a Palestina e a Síria
em 636. Depois, e m direção ao Iraque e à Pérsia, conquistaram e
eliminaram o Império Sassânida. Entre 639 e 640, conquistaram o
Egito, uma parte rica e desenvolvida do Império Bizantino, sendo
a Mesopotâmia conquistada em definitivo em 642:

As conquistas dos primeiros califas se estenderam a Síria,


Mesopotâmia, Armênia, Irã, Egito e Tripolitània (a costa dos im-
périos Bizantino e Sassânida). A sede dos três primeiros califas
foi a cidade de Medina, considerada modelo para a sociedade
muçulmana no início da sua formação, mas o califa Ali escolheu
a cidade de Kufa. (Nabhan, 1996, p. 33)

Os exércitos árabes, ao invadirem essas províncias, eram re-


cebidos favoravelmente pelas populações locais, pois não se cons-
tituíam em forças que pretendiam exterminar essas sociedades
nem i m p o r u m a nova religião. Assim, as populações do Egito, da
Síria, da Palestina, da Mesopotâmia e da Pérsia podiam preser-
var suas religiões e os chefes locais, continuando com suas vidas
e organizações tradicionais.
A conquista era acompanhada da fundação de campos militares,
lugar onde os guerreiros muçulmanos residiam, sendo a relação
entre dominados e dominantes estritamente económica, em que
74 Do Alcorão oral ao escrito: o mundo islâmico

os dominados pagavam as taxas sobre o patrimônio e outra taxa


2

para o exercício da própria religião. Essas taxas confluíam para


os importantes centros administrativos geridos pelos domina-
dores árabes e serviam para alimentar as conquistas e prover
os guerreiros.
Os conquistadores tinham uma relação positiva com as popu-
lações que aceitaram a dominação árabe e o regime acordado, mas
os que opuseram resistência foram conquistados com violência,
privados de seus bens e de suas terras e escravizados.
A tradição bélica beduína é uma das grandes responsáveis pela
expansão árabe. Seus líderes transformaram-se em generais dos
exércitos e os colaboradores dos lugares conquistados passaram
a ser intendentes dessas regiões e províncias. Na segunda metade
do século V I I , a expansão árabe prosseguiu pela África bizantina
e também até os confins da índia. No início do século V I I I , os
muçulmanos conquistaram a Espanha, que estava dominada
pelos visigodos.

34
A questão da sucessão
e as primeiras conquistas
Quando Maomé morreu, houve o problema da sucessão. Entre
seus seguidores destacavam-se três grupos distintos: os primeiros
companheiros do profeta, que participaram da Hégira e eram l i -
gados por endogamia; os homens que se aliaram a ele em Medina;
e os pertencentes às principais famílias de Meca, muitos dos quais,
convertidos posteriormente.
O escolhido para ser o primeiro califa foi Abu Bakr, que era
líder da comunidade, mas não era mensageiro de Alá. Governou

2 Taxa paga aos impérios Bizantino e Persa.


75 Do Alcorão oral ao escrito: o mundo islâmico

de 632 a 634 e, nesse período, as ações do exército árabe se esta-


beleceram nas fronteiras dos grandes impérios Persa e Bizantino.
No governo do segundo califa, Umar i b n 'Abd al-Khattab, que
durou de 634 a 644, além da Arábia, parte do Império Sassânida
e as províncias bizantinas do Egito e da Síria já haviam sido con-
quistados. A medida que os territórios eram dominados, a maneira
de administrar se modificava. Dependendo do lugar, a autoridade
era exercida p o r meio de acampamentos m i l i a r e s nos quais os
árabes se alojavam.
Da cidade de Medina e das cidades-acampamento interligadas,
o novo grupo governante exercia o poder político e militar, sendo
alguns deles companheiros de Maomé e m u i t o s originários das
famílias de Meca e recém-convertidos. As conquistas t r a z i a m pes-
soas provenientes de diferentes lugares, que tendiam a se misturar.
Umar, buscando facilitar a administração, criou u m sistema
de pagamento para os que lutaram na guerra de expansão do islã,
com critérios que causaram desigualdade. C o n f o r m e H o u r a n i
(1999, p. 41):

Foi criado um sistema de estipêndio para os que tinham lutado


na causa do islã, definido de acordo com a prioridade de conver-
são e serviço, e isso reforçou a coesão da elite governante, ou
pelo menos sua separação daqueles a quem governava; entre
os membros recém-enriquecidos e da elite e o povo mais pobre
houve sinais de tensão desde as primeiras épocas.

Mesmo com a coesão religiosa entre os muçulmanos, estes esta-


vam divididos por divergências pessoais e dissidências nas disputas
pela hegemonia política. Os companheiros do profeta olhavam
com desconfiança para aqueles convertidos posteriormente e que
d e t i n h a m algum poder, e os governadores das províncias da Síria
e do Iraque buscavam mais independência de M e d i n a , pois v i a m
o poder ser atraído mais para o norte.
76 Do Alcorão oral ao escrito: o mundo islâmico

Umar f o i assassinado por vingança e o terceiro califa, U t h m a n


i b n A f f a n , assumiu o poder, governando de 644 a 656. Ele era
u m convertido antigo e pertencia ao círculo dos coraixitas. Em
seu governo, as tensões entre as facções ficaram mais acirradas.
Nomeou membros do próprio clã para o governo das províncias,
o que provocou forte oposição dos filhos dos companheiros, da
esposa do profeta (Aisha) e de líderes de importantes cidades.
De acordo com H o u r a n i (1999), U t h m a n foi assassinado em
656 por membros do m o v i m e n t o de revolta em Medina, apoiados
por soldados do Egito. Esse acontecimento deu origem à p r i m e i r a
guerra c i v i l na comunidade. O próximo na sucessão, A l i i b n Talib,
que governou de 656 a 661, era u m coraixita, antigo convertido,
f i l h o de criação, p r i m o e genro de Maomé. Ele sofreu oposição
dos parentes de U t h m a n , que contestavam sua escolha como líder.
Entre eles estava Múawiya i b n A b i Sufyan, governador da Síria,
cunhado e secretário de Maomé e parente próximo de U t h m a n .
Após uma série de confrontos, os exércitos de ambos os lados
concordaram com a arbitragem de delegados. Isso afastou os de-
fensores de A l i , que não estavam dispostos a chegar a u m acordo,
pois acreditavam que não deveriam submeter a vontade de Alá
ao julgamento humano. A l i i b n Talib, o último dos Rashidum, foi
assassinado e substituído por Múawiya, que governou de 661 a 680.

35
Os impérios Omíada e Abássida
O Império Omíada existiu de 661 a 750. A palavra omíada deriva
de u m ancestral chamado Umayya. A ascensão de Mu'awiya é vista
como o f i m de u m a fase da história islâmica, a dos R a s h i d u m ,
e início de outra, a hereditária, m o m e n t o em que o poder político
e religioso passou a ser exercido por sucessivas dinastias.
77 Do Alcorão oral ao escrito: o mundo islâmico

Múawiya é u m a figura i m p o r t a n t e porque dá uma definição


i n s t i t u c i o n a l e geográfica das conquistas realizadas até aquele
momento. M e m b r o de u m clã de Meca, f o i governador da Síria
antes de se t o r n a r califa. Entre suas ações, estão a transferência
do califado para Damasco, na Síria, e a fundação da dinastia dos
omíadas, modificando a função e o título do califado.
Com a morte de Mu'awiya, seu filho assumiu o trono e depois
seu neto, que enfrentou uma guerra civil, na qual outro ramo da
família assumiu o poder. A dinastia omíada ampliou as fronteiras
do império e expandiu o islã para a Ásia. Os omíadas expandiram
suas fronteiras r u m o à C h i n a e t r a v a r a m batalhas com exérci-
tos chineses; conquistaram territórios nos vales do Oxus, além
do Curasão, no noroeste da índia; d o m i n a r a m vastas áreas do
Magreb; estabeleceram uma importante base m i l i t a r em Kairuam,
na Tunísia; alcançaram o Atlântico pelo Marrocos, passando pelo
Estreito de Gibraltar; conquistaram a Espanha dos visigodos; 3

e chegaram até a França, onde os exércitos francos resistiram a


essa invasão.
Com tanto poder, os omíadas f o r a m obrigados a m u d a r sua
f o r m a de governo. A b a n d o n a r a m o m o d o de vida dos antigos
chefes tribais, passando a adotar u m modelo que lembrava o modo
dos soberanos dos impérios que os antecederam. Os p r i m e i r o s
exércitos árabes de fiéis f o r a m substituídos por tropas regulares
pagas, as p r i n c i p a i s famílias de M e d i n a e Meca p e r d e r a m sua
importância e os novos governantes constituíam-se de chefes
tribais e generais dos exércitos.
Os primeiros problemas começaram a ocorrer nas cidades do
Iraque, m u i t a s vezes consideradas de lealdade duvidosa, sendo
os governadores citadinos da nova f o r m a de governo hostis aos
modos de vida e às relações de poder tribais. No governo do califa

3 Ali reinaram por setecentos anos.


78 Do Alcorão oral ao escrito: o mundo islâmico

Abd al-Malik, de 685 a 705, foi estabelecida uma nova ordem. Em


690, a língua árabe passou a ser obrigatória para a administração
e foi criada outra cunhagem de moeda, que substituía os rostos
herdados da cultura sassânida pelas palavras em árabe que pro-
clamavam a unicidade de Alá e a verdade do profeta.
Abd al-Malik foi responsável pela construção de diversos edifí-
cios e dos primeiros locais de culto comunal. As masjid (mesquitas)
também eram utilizadas por toda a comunidade para assembleias
de assuntos públicos. Além disso, determinou a construção do
Domo da Rocha, em Jerusalém, no lugar do templo dos judeus.
Esse lugar serviria para descanso e cura de peregrinos.
A construção do Domo representa simbolicamente o islã na
linhagem de Abraão, pois essa edificação foi levantada no lugar
onde o primeiro patriarca sacrificaria seu primogénito. Pouco
tempo depois, iniciou a construção de grandes mesquitas em todas
as cidades sob domínio islâmico e de edifícios que representavam
o novo poder e o surgimento de uma comunidade religiosa.
Os omíadas governaram em terras onde a população não era
muçulmana nem falava árabe. Os funcionários que serviam podem
ter aceito a fé islâmica por interesse próprio ou atração pelo poder,
o mesmo se aplicando aos prisioneiros das guerras de conquistas
ou aos soldados sassânidas que se juntaram aos árabes. E possí-
vel que os imigrantes das novas cidades tenham se convertido
para evitar os impostos especiais pagos pelos não muçulmanos
(Hourani, 1999).
As cidades do Iraque, do Irã e da Africa, que tinham dinâmicas
consolidadas antes do surgimento do islamismo, além do comércio
prejudicado com o Ocidente, também se transformaram em palco
de inúmeras guerras entre bizantinos e árabes.
79 Do Alcorão oral ao escrito: o mundo islâmico

As cidades do leste d e m o n s t r a v a m m a i s f o r ç a e d e s e n v o l v i -
m e n t o que a p r ó p r i a S í r i a , c a p i t a l do i m p é r i o , e as cidades do
I r a q u e evoluíam r a p i d a m e n t e p o r conta da g r a n d e q u a n t i d a d e
de i m i g r a n t e s que chegava do Irã e da Península Arábica. Novas
cidades s u r g i r a m com m a i o r concentração de árabes que Damasco.
O m e s m o aconteceu no C u r a s ã o e no I r ã , r e g i õ e s de e x p a n s ã o
islâmica na Ásia C e n t r a l , c o m considerável população á r a b e que
c o n v i v i a c o m os i r a n i a n o s .
O c r e s c i m e n t o da c o m u n i d a d e m u ç u l m a n a nas províncias do
O r i e n t e c r i o u t e n s õ e s e, e n t r e os c o n v e r t i d o s ao islã, h a v i a u m
r e s s e n t i m e n t o c o n t r a os privilégios fiscais concedidos aos m u -
ç u l m a n o s de o r i g e m á r a b e . Os c o n v e r t i d o s l i g a r a m - s e aos líderes
t r i b a i s árabes, pois os exércitos v i n d o s da Arábia t r a z i a m consigo
lealdades t r i b a i s .
M u i t o s grupos estavam descontentes e, no século V I I I , os o m í a -
das várias vezes t e n t a r a m c o n t r o l a r os m o v i m e n t o s de o p o s i ç ã o ,
mas seus opositores g a n h a v a m f o r ç a , até que e m 740 o i m p é r i o
e n t r o u e m u m a guerra c i v i l na q u a l vários g r u p o s u n i r a m - s e e m
u m a coalizão, c o m objetivos d i f e r e n t e s , mas c o m u m s e n t i m e n t o
c o m u m de o p o s i ç ã o , sendo m a i s f o r t e s nas regiões o r i e n t a i s do
i m p é r i o , p r i n c i p a l m e n t e no Curasão e no Irã, o n d e o s e n t i m e n t o
dos partidários de A l i estava a m p l a m e n t e d i f u n d i d o .
E m 750, a g u e r r a c i v i l n o c a l i f a d o o m í a d a d e u o r i g e m à
R e v o l u ç ã o A b á s s i d a , que r e i v i n d i c a v a a l e g i t i m i d a d e do c a l i f a .
Este, ao contrário dos outros líderes, não era escolhido pela opinião
p o p u l a r ou p o r chefes c o m u n i t á r i o s respeitados.
E n t r e os líderes do m o v i m e n t o estava u m descendente do p r o -
feta M a o m é , A b o u l Abbas, que o r g a n i z o u u m a múltipla oposição
e d e r r u b o u os o m í a d a s , t r a n s f e r i n d o a c a p i t a l do i m p é r i o para o
local o n d e m a i s t a r d e seria f u n d a d a a cidade de Bagdá.
80 Do Alcorão oral ao escrito: o mundo islâmico

Os abássidas eram descendentes de Abas ibne Abdal Mutalibe,


tio do profeta, o que deu legitimidade ao governo, e juntaram-se
a grupos descontentes com os omíadas, como os shiitas e os i r a -
nianos convertidos. Graças ao líder religioso A b u M u s l i m , come-
çou a revolta que c u l m i n a r i a na derrota do último califa omíada,
M a r w a n I I , que foi perseguido até o Egito e morto. Na Espanha, foi
organizado u m emirado com o último dos omíadas, que assumiu
o título de califa em Al-Andalus.
O governo da dinastia abássida durou de 750 a 945, sendo o
p r i m e i r o califa al-Saffah, que governou de 750 a 754 e dedicou seu
reinado a e l i m i n a r a resistência síria e a perseguir grupos shiitas
dissidentes. Ele foi sucedido pelo irmão al-Mansur, que governou
de 754 a 775, e f o i fundador da nova dinastia graças ao apoio do
líder iraniano Abu M u s l i m . Mansur, temendo a liderança de A b u ,
ao subir ao poder mandou executá-lo, t r a n s f o r m a n d o seu antigo
aliado em símbolo de resistência iraniana ante os árabes.
A l M a n s u r continuou enfrentando rebeliões e f u n d o u Bagdá
em 772, lugar de f u n d a m e n t a l importância para seu exército.
Os demais califas que o sucederam procuraram centralizar o poder
em meio à luta contra Bizâncio.
O califado de H a r u n al-Rashid, que governou de 786 a 809,
marcou a era dourada islâmica. Ele intensificou a luta contra os
carolíngios e em seu governo houve rebeliões nacionalistas que o
levaram a dividir o califado entre seus filhos a l - A m i n e al-Ma'mun.
Os irmãos passaram a lutar entre si, o que desencadeou uma
sangrenta guerra civil que t e r m i n o u com a execução de a l - A m i n
e a vitória de a l - M a ' m u n . Entre 813 e 833, f o r a m criados governos
independentes nas províncias e houve conflitos decorrentes da
competição na interpretação da doutrina islâmica
81 Do Alcorão oral ao escrito: o mundo islâmico

O califa al-Ma'mun f o i substituído pelo irmão al-Mutasim,


que governou de 833 a 842. Ele deslocou a capital para Samarra,
ao norte de Bagdá, e rodeou-se de guerreiros mamelucos, que o
assassinaram.
A entrada de soldados turcos a serviço dos abássidas iniciou um
processo que modificou a política islâmica, de modo que o poder
ficou fragmentado e as províncias mais distantes tornaram-se
praticamente independentes. Samarra caiu sob a influência dos
militares turcos, que dominaram o califado. Esses chefes militares
passaram a utilizar o título de sultão (autoridade/soberano).
A partir de 860, a situação do califado era muito distinta, pois
apresentava poderes locais com sólidas implantações nas provín-
cias. A crise final, que durou de 908 a 945, transcorreu durante o
reinado de cinco califas e foi motivada pelo controle dos escassos
tributos do Estado. A deterioração da condição do califa, o poder
militar turco e a decadente administração central permitiram a
tomada do poder por u m clã militar, os buídas, que conquistaram
Bagdá. O governo de Bagdá foi novamente tomado em 1055 pelos
turcos seljúcidas.
Assim, surgiram vários califados independentes do califado
abássida. Entre os séculos XI e XV, outros centros se destacaram,
como Irã, Iraque, Síria, Palestina, Egito, Península Arábica, Magreb
e Península Ibérica. Após a tomada de Bagdá pelos mongóis em 1258,
o califado mudou para o Cairo, passando a meros representantes
da unidade islâmica e legitimadores de outras dinastias de califas.
MAPA 3.1 - Extensão do Império Islâmico
CO

Is

I I O Impéno em 632. ano da morte de Maomé


] O Impéno dos quatro primeiros califas (632 a 661)
^ O Império dos Omiadas (661 a 750)
| O Império sob os Abasstdas (750 a 945)
Máxima extensão do Impéno (séc. XI)
i Cidades fundadas pelos árabes
X Batalhas
Fonte: Abril, 1978, p. 200, v. 1, pt. 1.
83 Do Alcorão oral ao escrito: o mundo islâmico

36
A luta pela conquista
de Jerusalém
A cristandade europeia se c o n f r o n t a v a sempre c o m o m u n d o
oriental. O Império Bizantino, conhecido como Império Romanodo
Oriente, que durou séculos depois da queda de Roma, conseguiu,
com grande resistência, sobreviver diante dos contrastes, das
guerras e das populações bárbaras nómades.
O Império Bizantino, com capital em Constantinopla e tendo
sob seu domínio Bulgária, Roménia, Peloponeso, Lática, Grécia,
Macedónia e Anatólia Ocidental, entre outras regiões, conseguiu
sobreviver apesar das tensões c o m os v i z i n h o s . O império era
multiétnico e multicultural. Ao mesmo tempo que esses elementos
constituíam uma riqueza, também representavam u m ponto de
fraqueza e tensão. C o m os trâmites comerciais e as relações esta-
belecidas entre esses povos, as tensões diminuíram e as populações
v i v i a m momentos de paz.
Outro aspecto que evidencia a debilidade do Império Bizantino
era o grande custo económico para manter sua infraestrutura e,
sobretudo, os custos militares para resistir à presença dos turcos
seljúcidas, povo de o r i g e m caucasiana e persa, c o n v e r t i d o ao
islamismo, com tradição guerreira nómade, que ganhou poder
com a queda do califado abássida e tinha u m projeto de expansão
para o Oriente, o M a r Negro, o Estreito de Dardanelos, o M a r Egeu,
a Península da Anatólia e o Império Bizantino.
Cristãos e m u ç u l m a n o s v i v i a m e m constante contato e co-
mercializavam e m todo o M a r Mediterrâneo e nas ramificações
da Rota da Seda e de outras rotas de comércio entre o Oriente e
o Ocidente. Nessa perspectiva, f o r a m duas grandes civilizações
que se c o n f r o n t a r a m . Os islâmicos, nos séculos IX, X e X I , eram
mais ricos em comércio e tecnologicamente mais avançados que
84 Do Alcorão oral ao escrito: o mundo islâmico

os cristãos, tendo desenvolvido estudos e m arte, filosofia, mate-


mática, medicina e astronomia.
O cristianismo e o islamismo desenvolveram elementos fortes
de tensão, caracterizadas por cobranças, senso de vingança, hege-
monia, força e agressividade, principalmente do mundo cristão.
Após mais de quatrocentos anos dominando a Palestina, os cristãos
não se conformavam com a perda de Jerusalém.
No lugar onde estava localizado o Templo de Salomão, os m u -
çulmanos construíram, n o século V I I , a mesquita do D o m o da
Rocha, embora a tradição afirme que eles só quiseram preservar
a recordação da viagem do profeta ao paraíso. C o m o edifício
levantado e m Jerusalém, o islã erigia, j u n t a m e n t e com Meca e
Medina, u m terceiro lugar sagrado, cuja aparência competia com
os edifícios cristãos da cidade.
O m u n d o cristão desejava conquistar as terras do Oriente e as
regiões do M a r Mediterrâneo e do norte da Africa que estavam
sob o domínio islâmico utilizando o discurso de libertar Jerusalém
e o Santo Sepulcro. O e x p a n s i o n i s m o cristão o r g a n i z o u expe-
dições militares e religiosas a p a r t i r de 1096, conhecidas como
Cruzadas, a fim de promover a chamada guerra santa contra o islã.
Nas Cruzadas, as igrejas do Ocidente e do Oriente não colaboraram
uma com a outra de f o r m a relevante por causa dos ressentimentos
advindos da cisão*.
O mundo islâmico atravessava uma crise de poder político, pois
não havia aderido ao modelo europeu de reino monárquico, sendo
organizado na forma de proto-Estados, com soberanos e senhores
feudais. O sistema político dos muçulmanos era o sultanato e as
várias famílias dos sultões viviam em conflitos internos pelo poder.

i* E v e n t o ocorrido e m 1054, conhecido como Grande Cisma, e m que ocorreu a cisão da Igreja
Católica Apostólica R o m a n a , dando origem à Igreja Ortodoxa G r e g a .
85 Do Alcorão oral ao escrito: o mundo islâmico

Com o m u n d o medieval católico fragmentado depois do cisma,


o Papa Urbano I I , visando à união e à organização da cristandade,
convocou bispos, cardeais e demais nobres europeus para o Concílio
de Clemont-Ferrand, em 1095, no qual foi discutido o início da luta
contra os "infiéis" sob a justificativa de que o lugar onde Jesus nas-
ceu e m o r r e u , u m a cidade autenticamente cristã, estava nas mãos
dos muçulmanos, que cobravam taxas e saqueavam os peregrinos
cristãos que r u m a v a m para os lugares sagrados.
Assim, os cristãos do Ocidente organizaram as Cruzadas para
retomar o Santo Sepulcro, recuperar antigos territórios e ampliar
as riquezas das famílias nobres envolvidas. Também havia a p r o -
messa de riqueza para todos os envolvidos, incluindo aqueles que
não t i n h a m títulos de nobreza.
As Cruzadas p a r t i r a m da Europa com uma multidão de cita-
dinos, aventureiros e nobres empobrecidos que f o r m a v a m uma
grande massa rumo a Jerusalém com o propósito de liberar e ocupar
a Palestina, além de fazer riqueza e conseguir terras para cultivar.
São muitas as características dessas expedições militares, que
n o r m a l m e n t e causavam grande terror por onde passavam, pois
seus integrantes saqueavam, destruíam e assassinavam c o m u n i -
dades judaicas e islâmicas, incluindo vilarejos e cidades cristãos.
E m 1906, u m a multidão de pessoas pobres, e n t r e elas m u -
lheres e crianças, em resposta ao apelo do papa, marchou para
Jerusalém. Essa expedição ficou conhecida como Cruzada Popular
ou dos Mendigos e seus membros massacraram aldeias de judeus
pelo c a m i n h o . Os p r i m e i r o s a alcançar a Terra Santa f o r a m os
seguidores de Pedro, o Eremita, que se separaram do restante do
exército e f o r a m exterminados pelos turcos.
86 Do Alcorão oral ao escrito: o mundo islâmico

A Primeira Cruzada para Jerusalém (1097-1099) foi organi-


zada por senhores feudais de várias proveniências, tendo como
líder Goffredo d i Buglione. Os cruzados encontraram-se em
Constantinopla e juraram fidelidade ao imperador bizantino.
Ao chegarem à Palestina, os senhores feudais apropriaram-se do
território e gradualmente subjugaram os muçulmanos. Surgiram,
assim, os reinos de Antioquia, Edessa e Tripoli. Em 1099, invadiram
Jerusalém e massacraram os considerados infiéis.
Os turcos passaram ao contra-ataque e, em 1147, ocuparam
Edessa. Assim, foi organizada a Segunda Cruzada, da qual parti-
ciparam Luís V I I , rei da França; e Conrado I I I , imperador roma-
no-germânico. Essa Cruzada, porém, fracassou.
Na Terceira Cruzada (1189-1192), os cruzados procuraram re-
conquistar os territórios perdidos, porque o general turco Saladino
havia reconquistado o Egito e Jerusalém. Dessa Cruzada partici-
param Frederico I (o Barba Ruiva), imperador do Sacro Império
Romano-Germânico; Ricardo Coração de Leão, rei da Inglaterra;
e Felipe Augusto, rei da França. Essa Cruzada também fracassou.
A Quarta Cruzada (1202-1204) f o i convocada pelo Papa
Inocêncio I I I . Os governantes de Veneza ofereceram navios para
a expedição, que assediou e conquistou Constantinopla, obrigando
o imperador a fugir para Niceia, onde fundou o Império Latino do
Oriente. Em seguida, com a ajuda de Génova, tradicional inimiga
de Veneza, o imperador reconquistou Constantinopla, mas Veneza
manteve muitas conquistas no Oriente.
Outras Cruzadas ocorreram de 1217 a 1270. Foram quatro ex-
pedições oficiais, porém nenhuma obteve sucesso. De 1096 (data
da Primeira Cruzada) a 1270, foram realizadas oito cruzadas, em
um período de quase duzentos anos.
MAPA 3.2 - As Cruzadas

Primeira Cruzada

Segunda Cruzada

- — Terceira Cruzada

Quarta Cruzada

. . . . . . . primeira Cruzada
de Luis IX
. . . . . . . Segunda Cruzada
de Luis IX

4.
Limites da época

Escala aproximada
1 :34.500.000
1 cm : 345 km
I I I I I I I I I
J" REINO DE 0 345 690 km
Atexandn^ D a m w a JERUSALÉM Projeção Policónica
CALIFADO «Cairo
DOCA.RO

J
Fonte: Abril, 1978, p. 24, v. 1, pt. 2.
88 Do Alcorão oral ao escrito: o mundo islâmico

S Í N T E S E

Neste capítulo, vimos que Maomé não deixou nada escrito e que isso
se tornou u m desafio para seus sucessores, que receberam o título
de califa. Estes, nos t r i n t a anos seguintes, expandiram o islã até
o Egito, a Mesopotâmia, a Síria e outras regiões ao redor. A tomada
de Jerusalém foi m u i t o significativa, pois o próprio Maomé havia
elegido, assim como os judeus e os cristãos, a cidade como santa . 5

Toda a parte m e r i d i o n a l e oriental do Mediterrâneo, além de


todos os territórios do Império Persa até o Turquistão, o Afeganistão
e confins da índia f o r a m islamizados e colocados sob o domínio
dos conquistadores árabes. A decadência dos omíadas em 750 deu
lugar a uma nova dinastia de califas, a abássida, que transferiu
sua capital para Bagdá.
Nesse período, a sociedade islâmica passou por u m i m p o r t a n -
te processo de transformação para a vida urbana e desenvolveu
atividades intelectuais e comerciais. Porém, paulatinamente, os
califas de Bagdá t i v e r a m seus domínios diminuídos e houve uma
série de disputas com os cristãos por Jerusalém.

ATIVIDADES DE A U T O A V A L I A Ç À O

1. Durante m u i t o s anos, o Alcorão f o i t r a n s m i t i d o oralmente


e, após a morte do profeta, teve início sua codificação. O califa
responsável pela versão tradicional f o i :
A ] A b u Baker.
B] Umar i b n 'Abd al-Khattab.
c] A l i al-Akbar i b n A l - H u s a y n .
D ] A l i i b n Talib.
E] U t h m a n i b n A f f a n .

5 O nome de Jerusalém não é mencionado sequer u m a v e z no Alcorão. Já na Bíblia, Jerusalém


é mencionada c e r c a de 770 vezes no Antigo e no Novo T e s t a m e n t o s . Outros n o m e s para
a cidade de Jerusalém são registrados ao m e n o s 170 vezes.
89 Do Alcorão oral ao escrito: o mundo islâmico

2. A Torá é considerada a p r i m e i r a revelação, feita a Moisés; os


Evangelhos, a segunda revelação, transmitida a Jesus de Nazaré;
e o Alcorão, a última revelação, comunicada ao profeta Maomé.
Sobre esse assunto, analise as afirmativas a seguir.
i. Para os judeus, a redenção será alcançada com a vinda do
Messias.
ii. Para os cristãos, a redenção só será alcançada c o m o r e -
t o r n o de Jesus (considerado o Messias) para salvar a alma
dos justos.
in. Para os muçulmanos, a redenção só será alcançada quando
o m u n d o aceitar as palavras do Alcorão.

Agora, assinale a alternativa que apresenta a resposta correta:

A ] Todas as afirmativas são falsas.


B ] Todas as afirmativas são verdadeiras.
C] Somente a afirmativa I é verdadeira.
D] Somente a afirmativa I I é verdadeira.
E] Somente a afirmativa I I I é verdadeira.

3. Sobre a expansão islâmica, n ã o é correto afirmar:


A ] O p r i n c i p a l ponto de c o n f l i t o era a região estratégica da
Mesopotâmia, no encontro com a Ásia Menor.
B] Mesmo constituindo-se u m dos centros do mundo, a Arábia,
do ponto de vista Ocidental e Mediterrâneo, era uma região
periférica.
c] Um dos principais fatores que p e r m i t i u essas conquistas foi
a insatisfação das populações que c o m p u n h a m os antigos
impérios.
D] O islã conseguiu unificar as tribos árabes, que passaram
a ter u m a grande estrutura m i l i t a r .
E] Os povos n ó m a d e s d o deserto não c o l a b o r a r a m para a
expansão do islamismo para fora da Península Arábica.
90 Do Alcorão oral ao escrito: o mundo islâmico

4 . Maomé não deixou u m sucessor, sendo substituído pelos com-


panheiros mais próximos. Sobre esse tema, indique a afirmação
incorreta:
A ] Mesmo com a coesão religiosa entre os muçulmanos, estes
estavam divididos por divergências pessoais e dissidências
nas disputas pela hegemonia política.
B] O califa A l i ibn Talib assumiu como quarto sucessor e go-
vernou tranquilamente até sua morte.
c] O califa Umar, buscando facilitar a administração, criou
um sistema de pagamento para os que lutaram na guerra
de expansão do islã.
D] Os companheiros do profeta olhavam com muita descon-
fiança para os convertidos posteriormente e que detinham
poder.
E] O califa Ali ibn Talib assumiu como quarto sucessor e não
conseguiu governar, sofrendo golpes e ataques de outros
grupos dentro do próprio islã.

5. Indique a afirmação correta acerca dos impérios Omíada


e Abássida:
A] Os abássidas substituíram os omíadas após uma grande
e sangrenta guerra civil.
B] Foram dois califados que dividiram o poder do mundo islâmi-
co e revezaram-se na administração da civilização islâmica
como partidos políticos.
C] Foram duas famílias de califas que governaram ao mesmo
tempo todo o Império Islâmico, sendo os omíadas gover-
nadores da Arábia e da África do Norte e os abássidas, go-
vernadores da Síria, da Palestina, da Mesopotâmia e do Irã.
D] Foram duas dinastias que governaram todo o Oriente Médio,
a Europa, o Cáucaso e o Extremo Oriente.
E] Os abássidas foram substituídos pelos omíadas após uma
grande e sangrenta guerra civil.
91 Do Alcorão oral ao escrito: o mundo islâmico

ATIVIDADES DE APRENDIZAGEM

Questões para reflexão

O trecho a seguir foi retirado do Alcorão e expõe as palavras do


profeta sobre os cristãos e judeus. Leia-o e, depois, responda
às questões.

Os judeus e os cristãos dizem: Somos os filhos de Deus e os Seus


prediletos. Dize-lhes: Por que, então, ele vos castiga por vossos
pecados? Qual! Sois tão somente seres humanos como os outros!
Ele perdoa a quem lhe apraz e castiga quem quer. Só a Deus per-
tence o Reino dos Céus e da Terra e tudo quanto há entre ambos,
e para Ele será o retorno.
Ó adeptos do livro, foi-vos apresentado o Nosso Mensageiro,
para preencher a lacuna (na série) dos mensageiros, a fim de que
não digais. Não nos chegou alvissareiro nem admoestador algum!
Sim, já vos chegou u m alvissareiro e admoestador, porque Deus é
Onipotente (O Alcorão Sagrado, 2016, Sura 5:18-19).

Com base no texto, responda:

1. Por que Maomé critica os judeus e os cristãos? Na atualidade,


é comum os líderes religiosos tecerem críticas às diferentes
religiões?

2. A qual lacuna o profeta se refere? Na interpretação das cren-


ças e religiões da atualidade, é possível encontrar lacunas que
devem ser preenchidas? Cite u m exemplo.
92 Do Alcorão oral ao escrito: o mundo islâmico

Atividade aplicada: prática

1. Elabore u m quadro com as características políticas e culturais


dos califados omíada e abássida e destaque os principais as-
pectos de sua história.
E S T R U T U R A DO
ALCORÃO E V E R T E N T E S
DO ISLAMISMO

Neste capítulo, discutiremos a importância do conhecimento para


o islamismo, uma religião que exige o estudo e a prática de seus
preceitos. Analisaremos a estrutura dos capítulos e versos con-
tidos no Alcorão e as principais características dos versos curtos
e longos recebidos em Meca e em Medina.
Trataremos da importância do Hadith, os ditos atribuídos
ao profeta que não estão contidos no Alcorão. Discutiremos a
formação da Sunna e suas interpretações e as escolas para a com-
pilação da Shariah na aplicação da lei islâmica.
Veremos, ainda, os conflitos envolvidos na sucessão do profeta
e que deram origem à divisão entre shiitas e sunitas, principais
grupos da tradição islâmica. Por f i m , abordaremos a história e as
características de outros grupos minoritários, como kharijitas e
sufistas.
MAPA 4.1 - Sunitas e shiitas no Oriente Médio

Fonte: Santos, 2013.


95 Estrutura do Alcorão e vertentes do islamismo

4 1
A importância do conhecimento
(Hm)
O Um é u m termo difícil de ser traduzido, mas pode ser entendido
como "a verdade é uma", sendo seu conceito interpretado como
a elevação em muitos graus realizada por Alá para os que crêem
e percebem a realidade por meio das ferramentas do saber, do
conhecimento.
Segundo Sardar e Malik (1994, p. 58), "o estabelecimento da
justiça em todas as esferas do comportamento humano requer
um certo grau de conhecimento, Um". Adquirimos conhecimentos
por meio da inteligência, dos sentidos e do coração. No islamismo,
o Um é a verdade concebida no Alcorão, são os conhecimentos
espirituais e religiosos das dádivas provenientes de Alá. Tudo isso
está apontado no Alcorão, sendo o objetivo humano compreender
a criação e os semelhantes.
O profeta, em suas súplicas, pediu ao Criador o aumento do Um,
sendo orientado pelos anjos mensageiros para que se dedicasse
ao estudo e à recitação dos conhecimentos adquiridos.
O ser humano nasce com uma espécie de linguagem universal
e, mesmo com inúmeros idiomas, a comunicação é possível por
meio de mecanismos próprios dessa linguagem, sendo a intimidade
desses mecanismos conhecida somente por Alá.
O conhecimento acompanha o ser humano durante u m perío-
do de tempo, considerado efémero e limitado. Com a velhice e a
morte, o conhecimento se extingue. Ao sermos concebidos por Alá,
em nossas mães, não sabemos nada e adquirimos conhecimentos
por meio do saber, da inteligência, do intelecto, dos sentidos e do
coração. Para os islamitas, essa definição serve para perceber que
o Um é a verdade em todo o Alcorão.
No islamismo, o conhecimento está presente desde o nas-
cimento, pois, mergulhados na vida, os seres humanos passam
96 Estrutura do Alcorão e vertentes do islamismo

a a d q u i r i r a ciência das coisas ao redor. O Um significa conhecer


a realidade das coisas, e os detentores do conhecimento no mundo
árabe d i v i d e m o c o n h e c i m e n t o e m diferentes categorias, p o r
exemplo: as hipóteses, aquilo sobre o qual não se t e m a certeza,
e as probabilidades.
A raiz do conhecimento no islã é o h o m e m sábio, aquele que
reconhece todas as dádivas de Alá, o núcleo mais i m p o r t a n t e de
qualquer conhecimento, e que detém o conhecimento de si mesmo,
do e n t o r n o e das pessoas na h u m a n i d a d e , pois é i n d i c a d o no
Alcorão que u m a das finalidades da criação de Alá é conhecer a si
próprio e aos semelhantes.
Maomé suplicava a Alá que desenvolvesse sua fé e aumentasse
seu Um, isto é, seu saber. A orientação do alto era a leitura e a re-
citação. Maomé era analfabeto, e pedir a alguém que não sabe ler
nem escrever que faça uma leitura ou recite, principalmente em
uma sociedade de analfabetos, seria inconcebível. A ordenança
de recitar o Alcorão é i m p e r a t i v a e os antigos sábios ressaltam
a importância de saber antes de falar e trabalhar.
Uma das orientações do profeta é para que os muçulmanos
sejam misericordiosos e compassivos, e o Alcorão incita a busca
pelo conhecimento, pois esse t a m b é m é u m dos nomes de Alá.
O Um é u m atributo intrínseco a Deus, pois é inimaginável p e n -
sar em u m Criador que seja ignorante. Além disso, são inúmeras
as passagens do Alcorão que falam de diferentes manifestações
da sabedoria divina.
Alá conhece toda a sua criação, as cores do arco-íris, o n ú -
mero de folhas, as secas, as verdes que ainda permanecem sobre
as árvores e as que estão por cair, e o número de pequenos seres
existentes na Terra. Tudo o que existe no Universo é abarcado pelo
conhecimento do Criador, e o ser humano, do mesmo modo, tem
o desejo inato da sabedoria.
97 Estrutura do Alcorão e vertentes do islamismo

42
O Alcorão e sua estrutura:
as suratas curtas e as longas
Assim como os livros sagrados do judaísmo e do c r i s t i a n i s m o ,
o Alcorão está d i v i d i d o em capítulos (suras) e versículos (ayat/
sinais), totalizando 114 capítulos e 6.236 versículos, com mais de
77 m i l palavras e mais de 340 m i l letras. Os capítulos não são siste-
matizados cronologicamente de acordo com as revelações, sendo
a sura 96 e os ayats de 1 a 5 os p r i m e i r o s revelados e os últimos,
o capítulo 2 e o versículo 279.
Os versos corânicos estão categorizados na diferenciação dos
poemas mecanos (Meca) e medinenses (Medina). O profeta Maomé
recebeu o Alcorão p o r u m período de 23 anos, sendo 13 deles em
Meca e os outros 10 em Medina. A situação dos muçulmanos em
Meca era m u i t o diferente dos de Medina. Em Meca, eles estavam
enfraquecidos, desamparados e à mercê de u m a entidade bem
mais potente: os coraixitas.
Em Meca, a lei do islã ainda não havia sido revelada e as orações
foram propriamente ordenadas no f i m da fase mecana. Conforme
Delcambre (1991, p. 130), "As suras do fim do Alcorão, as mais curtas,
são as mais antigas. Foram quase todas reveladas em Meca, q u a n -
do Maomé estava rodeado do capitalismo dos mercadores e por
vezes mesmo do ódio dos seus íntimos, como Abu-Lahad, seu tio".
Foram reveladas leis posteriormente declaradas j u r i d i c a m e n -
te válidas e, assim, criou-se u m a legislação. O Alcorão aborda o
envolvimento político e m i l i t a r dos muçulmanos, sendo as rea-
lidades em Meca e Medina bem diferentes. Portanto, não é de se
estranhar que o tipo de revelação e o conteúdo sejam diferentes
nas duas cidades.
Essa sabedoria de categorização dos versos tem como base a l o -
calidade das revelações. As suratas i n f o r m a m sobre a localização
e o m o m e n t o exato da revelação.
98 Estrutura do Alcorão e vertentes do islamismo

Os versículos mecanos f o r a m revelados antes da Hégira, e os


medinenses, depois. O m a i s i m p o r t a n t e n ã o é o l u g a r físico, e s i m
o período t e m p o r a l , p o r q u e o p r o f e t a esteve e m Meca d u r a n t e
treze anos, mas a n d o u e m o u t r a s partes, c o m o M i n a , M u d h a l i f ,
A r a f a h e Ta'if, e v i a j o u p a r a v á r i o s lugares, c o m o Tabuk, t e n d o
a i n d a r e t o r n a d o a Meca na Peregrinação do A d e u s . 1

Os c o m p a n h e i r o s do p r o f e t a estavam v i v o s q u a n d o o Alcorão
f o i revelado e eles f o r a m t e s t e m u n h a s das revelações, t e n d o a f i r -
mado, muitas vezes de m a n e i r a explícita, onde e quando as suratas
f o r a m reveladas.
As suratas mecanas t ê m u m t e m a c o m u m : o apelo à p u r a a d o -
r a ç ã o a Alá, a f u n d a ç ã o de u m a base teológica, a c o n f i r m a ç ã o das
v i d a s sucessivas, a descrição do dia do juízo final, do i n f e r n o , do
paraíso, da r e s s u r e i ç ã o , dos anjos e da história do p r o f e t a , a l é m
da f u n d a ç ã o de u m a m o r a l i d a d e sobre u m a base m u i t o a m p l a ,
sem decretos específicos, e a história das g e r a ç õ e s precedentes.
Essas suratas c o n t ê m p r o m e s s a s e s ã o g e r a l m e n t e m a i s curtas
e c o m u m a d e s e n v o l t u r a m a i s i m e d i a t a , a l é m de ter m a i s tharguib
wa tharhib ( t e m o r da punição de Alá e o desejo de receber a graça).
As revelações medinenses s ã o u m sistema de leis que r e g u l a m
o indivíduo, a sociedade, a família e as r e l a ç õ e s i n t e r n a c i o n a i s .
E x o r t a m à p e r f e i ç ã o nos r i t u a i s de a d o r a ç ã o , c o m detalhes das
leis para as rezas, e c o n v o c a m os fiéis a fazer sacrifícios e a se e n -
gajar na guerra c o n t r a os i n i m i g o s , a l é m de t r a t a r de temas c o m o
h e r a n ç a , m a t r i m ó n i o , divórcio e das d i s c u s s õ e s e n t r e judeus e
cristãos. S ã o reflexões sobre a i n t r i g a e a natureza m a l v a d a dos
seres h u m a n o s e acerca das c a r a c t e r í s t i c a s dos hipócritas, que se
c a r a c t e r i z a m , e m suas revelações, p o r apresentar versetos longos
c o m u m a eloquência d i f e r e n t e .

1 Em sua peregrinação anual à Caaba, Maomé proferiu seu último sermão, em 632.
99 Estrutura do Alcorão e vertentes do islamismo

Para os muçulmanos, alguns dos benefícios de se conhecer


as suratas são a adequada compreensão e interpretação dos versos.
Eles acreditam que, se não conseguirem discernir os versos m e -
canos dos medinenses, estão em desvantagem, pois não poderão
compreender plenamente o verso. Por exemplo, Alá diz no Alcorão,
na sura 28 (al-Qasas), verso 85: "Em verdade, Quem te prescreveu
o Alcorão te repatriará" (O Alcorão Sagrado, 2016). Ao se estudar
que esse verso f o i revelado quando o profeta deixou Meca para
andar em direção a Medina, entende-se que Alá está dizendo que,
se agora Maomé está deixando Meca, existirá u m tempo em que
retornará para essa cidade.
Assim, é por meio da compreensão das suratas mecanas e m e -
dinenses que se entende o verdadeiro significado do verso. Esse
saber ajuda na diferenciação dos versos de revogação e dos que
não são de revogação (naskh) e p e r m i t e conhecer m e l h o r a b i o -
2

grafia do profeta.
Nos versos mecanos, Alá consola o profeta por certos eventos,
enquanto nos medinenses o consola p o r outros m o t i v o s . Esse
estudo p e r m i t e conhecer como f o i fundada a religião islâmica,
iniciando pela moralidade e pela teologia para compreender sua
jurisprudência.
Os muçulmanos, ao estudarem o islamismo, também seguem
esse processo. I n i c i a m com a teologia, seguida da moralidade e,
depois, analisam aspectos legais d o islã, ao mesmo t e m p o que
praticam a religião.

2 Alá revelou alguns versos no Alcorão e, posteriormente, anulou-os (Clark, 2018).


100 Estrutura do Alcorão e vertentes do islamismo

43
A tradição islâmica: o Hadith
e a Sunna
T u d o o que f o i d i t o pelo p r o f e t a e m relação ao islã é p a r t e da r e -
velação, pois ele estava i n s p i r a d o p o r Alá para d i z e r o que disse
e fazer o que fez. Desse m a n e i r a , a Sunna está d i v i d i d a e m meten
(texto) e snadh (cadeia de t r a n s m i s s ã o ) e pode ter sido t r a n s m i t i d a
de M a o m é até a última pessoa que relatou ou o contrário, da última
pessoa que r e l a t o u passando p o r todas aquelas que a escutaram
até chegar à o r i g e m . De acordo c o m H u s a i n (1999, p. 18):

A palavra Sunna quer dizer "caminho" e t e m um significado es-


pecial no islã. É o exemplo que o Sagrado Profeta deu e que,
junto com o Corão, foi seu presente para os muçulmanos. "Este
é o meu caminho", ele disse, "portanto, sigam-no. Não sigam
outros caminhos, que irão separá-los desse caminho. Assim Allah
ordenou, que sejam verdadeiramente obedientes". A Sunna está
baseada no que o profeta disse e fez e é observada segundo as
leis de Deus. Abrange todos os assuntos possíveis: vida familiar,
regras dos negócios e das guerras, leis de propriedade e direito de
heranças. As poucas áreas não mencionadas pela Sunna devem ser
decididas por um grupo de estudiosos, que pesquisam decisões
anteriores e acordam sobre o que deve ser feito.

Para os sábios, o H a d i t h ou Hadiz (acontecido/informação) é u m


c o n j u n t o de d i t a d o s , palavras, e n s i n a m e n t o s , p r o f e c i a s , f e i t o s ,
a ç õ e s e f o r m a s de f a z e r as coisas. C o n s t i t u i u m c o m p i l a d o de
aprovações e negações implícitas ou explícitas do profeta M a o m é .
O H a d i t h é atribuído ao p r o f e t a , mas n ã o está no Alcorão. Foi
relatado p o r seus discípulos e seguidores, que o b s e r v a r a m e c o n -
t a r a m aos que v i e r a m depois deles. O c o n j u n t o de H a d i t h s cons-
t i t u i a Sunna, que f o i t r a n s m i t i d a de geração e m geração. H u s a i n
(1999, p . 18) observa que, "Alguns anos após a m o r t e do p r o f e t a , f o i
101 Estrutura do Alcorão e vertentes do islamismo

decidido que seus dizeres, o relato de suas ações e suas opiniões


sobre as ações dos outros deveriam ser compilados. Esses relatos
deveriam oferecer u m exemplo claro para as futuras gerações
muçulmanas. Ficaram conhecidos como Hadiths".
São m u i t o s os Hadiths e diversos sábios do islã escreveram
livros acerca deles, com critérios para verificação de sua auten-
ticidade. Exige-se a escolha dos Hadiths considerados verídicos
e aprovados para fazer parte da jurisprudência do islamismo.
Muitos eruditos passaram por escrito os milhares de Hadiths
que os discípulos do profeta relataram aos fiéis, e m u i t o s deles
tiveram de viajar longas distâncias para encontrar pessoas que
os conhecessem. A o encontrá-los, j u n t a v a m os H a d i t h s , escre-
vendo-os em suas coleções. A l g u n s e r a m m u i t o rigorosos e só
escreviam em suas coleções os Hadiths 100% autênticos e outros
que poderiam apresentar mais legitimidade.
A jurisprudência emana do Alcorão e da Sunna, que, em certa
m e d i d a e, grosso modo, corresponde à v i d a do p r o f e t a . O imã
al-Bukhari é considerado o mais importante compilador de Hadiths.
Ele escreveu Zahih al-Bukhari, u m l i v r o com mais de 5.750 Hadiths
autênticos, a mais i m p o r t a n t e obra para os muçulmanos depois
do Alcorão.
Há vários níveis de H a d i t h , de acordo com sua autenticidade,
sendo o mais i m p o r t a n t e o H a d i t h Z a h i h (saudável/correto), cuja
autenticidade é incontestável. Em u m segundo nível de i m p o r -
tância estão os Hadiths Hassan (bom), aqueles que passaram pelo
crivo dos sábios, sendo a terceira categoria os Hadiths Da'if (fraco/
doente), considerados falhos, pois, na cadeia de transmissão, é
possível que algumas pessoas não apresentassem o nível adequado
para dar fiabilidade . 3

3 Pessoa que se esqueceu de informações importantes, dissimulada ou que não t e m condição


intelectual para transmitir o Hadith.
102 Estrutura do Alcorão e vertentes do islamismo

Outra categoria é o H a d i t h M a w d u (inventado), elaborado


sem base no islã. Na atualidade, é c o m u m pessoas t r a n s m i t i r e m
conhecimentos sem base no Alcorão como se fossem autênticos.
Há ainda o H a d i t h Kutz, que corresponde às palavras de Alá reci-
tadas por Maomé e que não se encontram no Alcorão.
Praticamente a metade do Alcorão é constituída de histórias
e muitos Hadiths são eventos da tradição islâmica, sendo a nar-
rativa poética considerada de grande preciosidade, pois os contos
revelam importantes ensinamentos.
Muitos sábios escreveram livros, sendo os seis considerados
os mais importes para a cultura islâmica Zahih al-Bukhari, Zahih
a l - M u s l i m , Sunan A b u D a w u d , Sunan I b n M a y a h , A l - S u n a n
Al-Nasai e Jami a t - T i r m i d h i . Todos esses livros existem na língua
árabe e há várias tradições (costumes) da cultura islâmica para
interpretar seus conteúdos. Existem muitas outras coleções u t i -
lizadas por escolas diferenciadas além dessas seis principais.
No Alcorão, há revelações acerca de segredos do f u t u r o , da
vida terrena, da recompensa da vida na Terra que será habitada
pelos servos justos, do dia do juízo f i n a l , da contabilidade divina
e da vida após a morte.
Certas tradições d i v i n a s f o r a m aplicadas e m determinadas
comunidades no passado e serão aplicadas no f u t u r o . Aqueles
que abandonaram o Alcorão e depõem contra ele serão destruí-
dos p o r Alá, que aplicará as leis e punirá os que, com arrogância,
afastaram-se de seus ensinamentos.
Não existem desejos pessoais que possam alterar o Alcorão, pois
ele leva somente a uma direção: Alá. Como caminho a seguir, ele
é uma luz que i l u m i n a os muçulmanos e, por isso, todos aqueles
que se afastaram devem retornar. O Hadith é o instrumento para
a correta interpretação do Alcorão, mas na atualidade enfrenta
grande dificuldade, pois as novas gerações afastaram-se dele e o
103 Estrutura do Alcorão e vertentes do islamismo

interpretam a seu modo, o que tem gerado uma série de conflitos


e muita violência mundo afora.

" A lei islâmica (Shariah)


Em árabe, Shariah significa "legislação". Para os islâmicos, é tudo
o que Alá revelou por meio de seu mensageiro Maomé. E o cami-
nho reto, a legislação sagrada de acordo com a qual os preceitos
divinos devem ser colocados em prática por todos os muçulmanos.
A Shariah é o conjunto de normas de conduta que abrangem d i -
versos aspectos da vida, como jurisprudência, alimentação, política,
higiene, espiritualidade, crença e adoração. Para os muçulmanos,
a Shariah serve para toda a humanidade alcançar o bem-estar tanto
na vida material e passageira como na vida espiritual e verdadeira.
Segundo o Alcorão, na sura Al Araf (7,157): "aqueles que seguem
o Mensageiro, o Profeta iletrado, o qual encontram em sua Torá e
no Evangelho, o qual lhes recomenda o bem e que proíbe o ilícito,
prescreve-lhes todo o bem e veda-lhes o imundo, alivia-os dos
seus fardos e livra-os dos grilhões que o deprimem" (O Alcorão
Sagrado, 2016).
As fontes da Shariah são o Alcorão (recitação), a Sunna (cami-
nho trilhado), o Hadith, isto é, a tradição profética com seus ditos
(narração), os feitos e as aprovações e o Ijma (consenso).
A Shariah está em evolução permanente. E flexível e adapta-se
a qualquer espaço de tempo. Os teólogos especialistas costumam
promover discussões para chegar a u m consenso que se trans-
formará em norma jurídica a ser aplicada e seguida, sendo sua
imposição realizada por meio de sanções sociais diversas.
O islã permitiu uma pluralidade de grupos que interpretam
a Shariah de acordo com o marco jurídico do Alcorão e da Sunna
e levam em consideração o consenso, a analogia, o benefício comum,
as tradições e a legislação de religiões anteriores. Esses grupos
104 Estrutura do Alcorão e vertentes do islamismo

são conhecidos como escolas de jurisprudência. Cada escola jurídica


interpreta os textos e cria uma metodologia com fundamentos
e uma maneira de entender os textos.
Na atualidade, destacam-se quatro escolas: a Escola Hanafi,
fundada por Abu Hanifa; a Escola M a l i k i , que vigora no norte
da Africa e em países subsaarianos, fundada foi Malik ibn Anas;
a Escola Shafyy, cujo fundador foi Mohammad ibn Idris Shafi,
ex-aluno de Maliki; e a Escola Hambali, fundada por Ahmad Ibn
Hambal, ex-aluno de Shafyy, e que está presente nos países do
Golfo e da Síria.
Essas escolas são reconhecidas como oficiais em alguns países
e apresentam aspectos em comum no que se refere ao modo de
interpretar os textos, como as crenças, o culto, a adoração, a moral
e a ética, que são considerados imutáveis. As discrepâncias entre
as escolas se referem a pequenos detalhes da vida, da política e
da administração. Em alguns Estados, a Shariah é uma lei para
todas as pessoas, inclusive com a instituição de tribunais islâmicos.
Todas as proibições da Shariah têm uma explicação e levam em
consideração a permissividade daquilo que é benéfico para a saúde,
para o corpo e para o bem-estar do indivíduo e da comunidade.
Assim, quando o islã e a Shariah reprovam algo significa que os
especialistas entenderam que existe a possibilidade de dano para
o muçulmano e a comunidade.
Em países ocidentais cristãos, como o Reino Unido, já se cogi-
tou a possibilidade de adotar aspectos da Shariah islâmica para
questões financeiras como alternativa à crise económica mundial.
Podemos citar, como exemplo, a proibição islâmica da especulação
financeira, a proibição da usura e a condenação dos interesses dos
grandes capitalistas de subjugar os pobres.
Na Shariah, os aspectos económicos estão relacionados a valores
éticos embasados na realidade. Os muçulmanos a consideram apro-
priada e válida para qualquer tempo, sendo o último mensageiro
105 Estrutura do Alcorão e vertentes do islamismo

enviado como misericórdia de Alá para toda a humanidade por


meio do Alcorão.

45
A vertente shiita
Após a morte de Maomé, seus companheiros mais próximos t i v e -
ram problemas com a sucessão do posto de líder da religião, que
f o i concedido aos familiares do profeta, os mesmos que o h a v i a m
seguido desde os primórdios do islã. A b u Bakr, pai de Aisha, sua
terceira esposa, foi o p r i m e i r o a ser escolhido como califa. Aisha
conseguiu manter unidas as tribos que j u r a r a m fidelidade ao islã.
Com a morte de Bakr, assumiu seu outro sogro, Umar i b n al-Katab,
que expandiu o islamismo em boa parte do Oriente Médio.
Entre seus feitos, Umar r e u n i u diversos eruditos e compilou
os ensinamentos de Alá revelados para Maomé. Os outros califas
foram Umar ibn A b d al-Khattab, Uthman ibn Affan e A l i ibn Talibe.
Este último era filho de criação, p r i m o e genro de Maomé, casado
com sua filha Fátima. Todos esses califas pertenciam aos coraixitas.
Alguns fiéis entendiam que o substituto do profeta deveria ser
u m descendente direto de Maomé. O escolhido foi A l i , que ocupava
o quarto lugar na sucessão. De acordo com Jafri (1990, p. 119):

A crença de que a direção religiosa deve vir de descendentes do


profeta é tirada, no shiismo, do conceito corânico das famílias
virtuosas e exaltadas dos profetas. Em todas as épocas os pro-
fetas preocuparam-se, em particular, em assegurar que a graça
especial de Deus, outorgada a eles para a orientação do homem,
fosse mantida em suas famílias e passasse a seus descendentes.
O Alcorão frequentemente fala de profetas rezando a Deus por
seus descendentes e pedindo que ele mantivesse sua orientação
em suas linhagens. Em resposta a essas preces, os versículos do
Alcorão dão testemunho da graça especial de Deus concedida
aos descendentes diretos dos profetas, não apenas para que se
106 Estrutura do Alcorão e vertentes do islamismo

tornassem verdadeiros exemplos da virtude de seus pais, mas


também para que herdassem suas qualidades espirituais e man-
tivessem suas missões sem interrupção.

U m grupo ligado ao governador da Síria, M u ' a w i y a i b n A b i


Suffyan, também conhecido como Muawiyah Omayyade, fundador
da dinastia omíada, anticalifa de Damasco, sobrinho de U t h m a n e
aliado de Aisha, a terceira esposa do profeta, sublevou-se e, com
u m exército, opôs-se à sucessão de A l i em 655.
Em virtude desses desentendimentos, ocorreu u m cisma de
655 a 661 entre os muçulmanos, o que desencadeou u m a guer-
ra c i v i l entre os shiitas, partidários de A l i , e os sunitas, f a v o -
ráveis a Múawiya. Como mencionamos no Capítulo 3, as duas
forças decidiram cessar as agressões por meio de u m a arbitragem.
No entanto, entre os adeptos de A l i , u m grupo relevante de segui-
dores de Maomé e antigos convertidos acreditava que Alá definiria,
por meio da guerra, o g r u p o que lideraria o islã.
C o m o acordo de paz estabelecido, o g r u p o que apoiava A l i
afastou-se e ficou conhecido como kharijitas (os que c i n g i r a m ) .
Assim, os que apoiaram o anticalifa de Damasco ganharam força
até que venceram A l i .
Al-Hasan, f i l h o mais velho de A l i e seu sucessor, após ser pres-
sionado e enganado por M u a w i y a h , renunciou ao poder e r e f u -
giou-se e m M e d i n a . O segundo f i l h o de A l i , a l - H u s a y n , e seus
seguidores recusaram-se a j u r a r lealdade e passaram a ser per-
seguidos e considerados rebeldes.
Após a m o r t e de M u a w i y a h , seu f i l h o Yazid assumiu como
p r i m e i r o califa e iniciou u m a perseguição a al-Husayn. Em 680,
no Iraque, al-Husayn e seus seguidores f o r a m encontrados m o r -
tos após u m a batalha. Depois desse episódio, os seguidores de
al-Husayn ficaram conhecidos como Shi atu A l i (partidários de
Ali) e seu corpo f o i sepultado na cidade de Karbalah.
Os shiitas passaram a se r e a g r u p a r para esperar o dia da
decisão f i n a l . Juntaram-se nas p e r i f e r i a s do m u n d o islâmico,
107 Estrutura do Alcorão e vertentes do islamismo

principalmente no Iraque e na Pérsia. O quarto imã f o i Ali ibn


al-Husayn Zayn al-Abdin, neto de A l i e Fátima, considerado para
alguns shiitas o último imã. No entanto, outro grupo de seguidores
defendia que Zayd Ibn A l i , bisneto de A l i e neto de Husayn, era
o quinto imã.
Alguns seguidores de A l i e membros de outro ramo da família
consideravam Jafar al-Sadiq o sexto imã. Ele pregou a resistên-
cia pacífica e criou a escola jafaristah, seguindo u m pensamento
mais místico e acreditando que todos devem esperar a ascensão
do Mahdi, aquele que trará paz a justiça a toda a humanidade.
Tinha grande habilidade intelectual e produziu uma quantidade
relevante de manuscritos. Seus adeptos aceitavam a autoridade
dos califas e sofriam pouca hostilidade.
Durante os séculos VIII e IX, os shiitas compunham u m grupo
muito forte e desenvolveram a Shariah shiita. Formaram uma
dinastia de imãs com o objetivo de levar a cabo as diretrizes de seu
processo histórico. Porém, os ramos que descendiam de Ali não
apresentavam unidade e se separaram. Jafar al-Sadiq nomeou o filho
mais velho, Ismail, que criou o grupo ismailys e morreu antes do pai.
Outro grupo, os waqifiah, consideravam o outro filho, Musah
Ibn Yafar al-Kazim, o sétimo imã; já os fatahys consideravam
Abdul al-Yaaflar, irmão de Musah. Ambos foram mortos. Após o
ocorrido, seguiu Ali Ibn Musah al-Ridha, considerado o oitavo imã.
Este não foi seguido pelos waqifiah, sendo o nono imã Muhamad
al-Yawad. O décimo f o i A l i i b n M u h a m m a d , que f o i m o r t o .
O décimo primeiro foi Hasan al-Askari, morto em 874.0 décimo
segundo foi Muhamad ibn al-Hasan, o Mahdi ou Imã Oculto, pois
desapareceu ainda quando criança.
Segundo as tradições históricas e as crenças shiitas, os sunitas
abássidas queriam eliminar o Mahdi, pois ele pretendia decidir
sobre as antigas contendas, governaria o mundo islâmico e puniria
os governantes opressores. Acredita-se que ele desapareceu para
auxiliar de maneira oculta os líderes e a comunidade e reaparecerá
nos últimos dias.
108 Estrutura do Alcorão e vertentes do islamismo

Tanto os sunitas c o m o os shiitas a c r e d i t a m na e x i s t ê n c i a de


u m a profecia a d v i n d a de u m H a d i t h , atribuído ao p r o f e t a M a o m é ,
e m que M a h d i regressará nos t e m p o s f i n a i s c o m o u t r o s p r o f e t a s
bíblicos para estabelecer u m a sociedade islâmica p e r f e i t a .
Para os sunitas, o M a h d i n ã o e n t r o u e m o c u l t a m e n t o . Os a b á s -
sidas p e r s e g u i r a m d u r a m e n t e os shiitas, que f o r a m cada vez mais
afastados dos centros de poder, entretanto, o número de shiitas que
v i v i a m nas p e r i f e r i a s do Iraque e na Pérsia a u m e n t o u . A d i n a s t i a
Safavi, da Pérsia, converteu-se ao s h i i s m o e d e c l a r o u - o religião
o f i c i a l dessa n a ç ã o e m 1501.
Na c u l t u r a s h i i t a , as m u l h e r e s t ê m u m a posição m a i s p r i v i l e -
giada e recebem u m a h e r a n ç a m a i o r que as s u n i t a s . Os h o m e n s
s ã o p r a t i c a n t e s da p o l i g a m i a , c o m casamentos a r r a n j a d o s pelas
famílias e m antigos costumes. Os m a t r i m ó n i o s o c o r r e m p o r c o n -
veniência e t a m b é m existe o sistema de m a t r i m o n i o de p r o t e ç ã o ,
e m que os casamentos são realizados com mulheres órfãs ou viúvas.

4 6
Outras vertentes: kharijitas #

sufistas e sunitas
C o m a a r b i t r a g e m de trégua da guerra c i v i l pela liderança do islã,
os k h a r i j i t a s afastaram-se de A l i , pois c o n s i d e r a v a m que a d i g n i -
dade do califa origina-se na ummah ( c o m u n i d a d e ) , que deve eleger
o m a i s h o n r a d o e fiel e n t r e seus seguidores. De acordo c o m D o i
(1990, p . 112):

Os kharijitas acreditavam que a fé era demonstrada por ações vir-


tuosas e que, sem tornar a fé explícita no comportamento público,
ninguém poderia pretenderser muçulmano. [...] Argumentavam
que o califa Uthman havia agido contrariamente à Shariah, ele
e todos aqueles que cometiam pecados graves deviam ser expulsos
da ummah islâmica. Inicialmente apoiaram Ali em sua luta pelo
109 Estrutura do Alcorão e vertentes do islamismo

califado, mas os kharijitas retiraram-se de suas forças para formar


uma seita separada.

Os k h a r i j i t a s a c r e d i t a m q u e o m u ç u l m a n o que se afasta do
A l c o r ã o deixa de ser m u ç u l m a n o e que m e s m o u m c a l i f a , q u a n d o
p r o f a n a , deve ser d e s t i t u í d o . Esse p e n s a m e n t o r e s u l t o u n o as-
sassinato de A l i por u m m e m b r o dessa v e r t e n t e e m 661, após ser
considerado c u l p a d o .
Para os k h a r i j i t a s , a r i g o r o s i d a d e no c u m p r i m e n t o dos p r e c e i -
tos c o r â n i c o s e s t á relacionada à h a r m o n i a e à tolerância a outras
religiões. A m a i o r parte dos k h a r i j i t a s vive e m O m ã , u m s u l t a n a t o
g o v e r n a d o pelo k h a r i j i s m o .
Os sufistas d e f e n d e m a rendição c o m a m o r a Alá e a prática
dos c o n h e c i m e n t o s c o r â n i c o s , com m é t o d o s , f o r m a s e r i t o s p r ó -
p r i o s d e d i c a d o s às q u e s t õ e s do e s p í r i t o , à p u r i f i c a ç ã o da a l m a ,
à m e t a f í s i c a , à i n t e r p r e t a ç ã o i n t e r i o r dos preceitos i s l â m i c o s e à
relação c o m o Cosmo.
O sufismo surgiu no século V I I I entre u m pequeno grupo de fiéis
que se v e s t i a m de lã b r a n c a c o m o m a n e i r a de ressaltar sua p u -
reza. E m á r a b e , suf significa "lã", o que remete à ideia de p u r e z a .
Os sufistas (do á r a b e safawah = eleitos) são d u r a m e n t e c r i t i c a d o s
e perseguidos pelos i s l â m i c o s radicais, n ã o sendo considerados
muçulmanos.
Os s u n i t a s , de m a n e i r a oposta aos shiitas, a c r e d i t a m na p o s s i -
bilidade de contato entre os muçulmanos e Alá sem intermediários
c o m o os i m ã s o u os aiatolás. D o i (1990, p. 106) observa que:

Os sunitas pensam que foi fruto da sabedoria e da providência di-


vinas o fato de todos os filhos de sexo masculino do profeta terem
morrido durante sua vida e que sob a inspiração divina ele tenha
deixado a questão da sua sucessão em aberto, para que a ummah
escolhesse a pessoa mais competente para se tornar seu líder.
110 Estrutura do Alcorão e vertentes do islamismo

Os sunitas fazem peregrinações às três cidades santas (Meca,


Medina e Jerusalém), constituem a maioria da população islâmica
no mundo e têm várias escolas que ensinam premissas e práticas
teológicas diversas, muitas delas consideradas radicais.
Entre essas escolas, destaca-se o hambalismo, escola jurídica
que segue o teólogo islâmico Ahmad Ibn Hambal e se opõe de
maneira radical a qualquer forma de intromissão da razão na i n -
terpretação do Alcorão e da Sunna. Para essa escola, o islamismo
mais puro é o praticado na cidade de Meca.
No interior dessa escola de pensamento surgiu a doutrina
radical do wahabismo, tema que trataremos no Capítulo 6. Essa
doutrina é majoritária na Arábia Saudita e no Catar. Outra es-
cola considerada radical é a dos malikitas, fundada em Medina
pelo teólogo Malik Ibn Anas. Essa doutrina é seguida por apro-
ximadamente 15% dos sunitas e predominante no Magreb. Esses
muçulmanos seguem as práticas dos habitantes de Medina como
fonte de jurisprudência e suas normas podem ser ajustadas
às diferentes situações da realidade dos povos, motivo pelo qual
é aplicada e aceita com facilidade em diversos países.

SÍNTESE

Neste capítulo, compreendemos a relevância do conhecimento para


a prática do islamismo e as especificidades dos capítulos e versos
que constituem o Alcorão. Ressaltamos a importância da tradição
baseada nas experiências do profeta e conhecidas no Hadith e
das escolas da Sunna para estabelecer os códigos da lei religiosa.
Vimos ainda que os sunitas e shiitas respeitam a autoridade
sagrada do Alcorão, porém, somente quatro hashidum são con-
siderados por toda a diversidade do povo islâmico, entre eles, os
kharijitas e sufistas.
111 Estrutura do Alcorão e vertentes do islamismo

ATIVIDADES DE AUTOAVALIAÇÀO

1. Os versos corânicos estão categorizados na diferenciação dos


poemas mecanos (Meca) e medinenses (Medina). Sobre essa
questão, analise as afirmações a seguir e indique a alternativa
incorreta:
A ] Os versos mecanos f o r a m revelados antes da Hégira.
B] As suratas mecanas têm u m tema em comum: o apelo à pura
adoração a Alá e a fundação de uma base teológica.
C ] As suratas mecanas contêm promessas e são geralmente
mais longas, com uma desenvoltura mais imediata.
D] Os versos medinenses f o r a m revelados depois da Hégira.
E] As revelações medinenses constituem u m sistema de leis
que regulam o indivíduo, a sociedade, a família e as relações
internacionais.

2. Avalie as afirmações a seguir no que se refere ao H a d i t h .


i. O Hadith é atribuído ao profeta, mas não está no Alcorão. Foi
relatado p o r seus discípulos e seguidores, que observaram
e contaram aos que v i e r a m depois deles.
ii. O H a d i t h , apesar de ter sido proferido pelo profeta e estar
relacionado ao islã, não é parte da revelação, pois não f o i
inspirado por Alá.
IH. Existem muitos Hadiths e diversos sábios do islã escreveram
livros acerca deles, considerando diversos critérios para
verificar sua autenticidade.

Agora, assinale a alternativa que apresenta a resposta correta:

A] Somente a afirmativa I I I é verdadeira.


B ] As afirmativas I e I I I são verdadeiras
C] Somente a afirmativa I I é verdadeira.
D] Somente a afirmativa I é falsa.
E] Todas as afirmativas são verdadeiras.
112 Estrutura do Alcorão e vertentes do islamismo

3. Para o islamismo, a Shariah é o conjunto de normas de con-


duta que abrangem todos os âmbitos da vida. Sobre a Shariah,
indique a alternativa correta:
A ] A Shariah, assim como o Alcorão, está em evolução p e r m a -
nente. É mutável e adapta-se a qualquer tempo e cultura.
B ] A Shariah é imutável e inflexível e não se adapta a qualquer
tempo e sociedade.
C] A Shariah está em evolução permanente, é mutável, flexível
e adapta-se a qualquer tempo.
D] O islã não permite uma pluralidade de grupos para i n t e r -
pretar a Shariah, pois os marcos jurídicos do Alcorão e da
Sunna são bem delimitados.
E ] A Shariah é mutável e flexível, por isso não se aplica a qual-
quer espaço de tempo e sociedade.

4. Indique a alternativa correta acerca dos shiitas:


A] Grupo liderado por M u a w i y a h Omayyade.
B] Os seguidores de al-Husayn ficaram conhecidos como Shi
atu Ali (partidários de Ali).
C] Os k h a r i j i t a s (os que c i n g i r a m ) a p o i a r a m o a n t i c a l i f a
de Damasco.
D] São majoritários no m u n d o islâmico e têm como capital
a cidade de Medina.
E] Mesmo minoritários, são o grupo mais rico e poderoso do
Extremo Oriente.

5. Entre os vários grupos de muçulmanos no m u n d o , os sunitas


destacam-se p o r serem os mais numerosos. Acerca dessa ver-
tente, indique a alternativa i n c o r r e t a :
A ] Seguem as práticas dos habitantes de Medina como fonte
de jurisprudência.
B] Peregrinam para as três cidades santas: Meca, M e d i n a
e Jerusalém.
113 Estrutura do Alcorão e vertentes do islamismo

c] São seguidores da Sunna, viviam na periferia do Iraque e na


Pérsia e conseguiram aumentar o número de seguidores.
D] Peregrinam para o túmulo do califa A l i , na Síria.
E ] Acreditam na possibilidade de contato entre os muçulmanos
e Alá sem intermediários.

ATIVIDADES DE APRENDIZAGEM

Questões para reflexão

Leia o trecho a seguir, que apresenta a Shariah como organi-


zadora social.

"A Shariah também prevê uma sociedade livre, uma sociedade capaz
de autodeterminação e responsável por seus próprios recursos.
[...] O desenvolvimento da autoconfiança, da autossuficiência e do
autorrespeito, tanto individual como coletivamente, são essenciais
para u m a sociedade que funciona com base na Shariah". (Sardar;
M a l i k , 1994, p. 63)

Tendo por base esse fragmento, responda:

1. Por que os autores consideram a Shariah reguladora da so-


ciedade? Na sociedade ocidental, existem códigos de leis que
objetivam orientar as relações sociais? Justifique.

2. É possível utilizar a Shariah em u m a sociedade não islâmica?


Por quê?

Atividade aplicada: prática


1. Pesquise informações sobre alguma mesquita localizada em
sua cidade ou em u m a cidade próxima e procure saber qual
é a linhagem da tradição islâmica praticada por seus frequen-
tadores. Depois, elabore u m texto destacando algumas das
características observadas.
O C I C L O DA V I D A I S L Â M I C A ,
A P R O F I S S Ã O D E FÉ,
A CULTURAE A C O S M O G O N I A

Neste capítulo, veremos que o ciclo da vida islâmica está direta-


mente relacionado à educação dos jovens para o preparo da vida
religiosa adulta e da vida em família. O islamismo tem cinco pilares:
o testemunho, as orações, a doação aos pobres, o jejum e a pere-
grinação, que constituem a base da prática dessa religião. A Jihad
é um conceito polémico, que possibilita várias interpretações do
modo de pensar dos muçulmanos.
O islamismo, como uma religião abraâmica, apresenta muitos
aspectos em comum com o judaísmo e o cristianismo, entre eles
a crença no céu, no inferno, no juízo final, nos anjos e nos demó-
nios. A seguir, estudaremos essas crenças e algumas características
da cultura, da arte e da arquitetura, bem como os lugares mais
importantes para o islamismo.

51
Educação e sexo: o conceito
islâmico de vida
Para o islamismo, a vida é o grande presente dado por Alá, sendo
dever de todo ser humano agradecer pelo dom da vida, que vem da
dignidade do Criador e, por isso, merece respeito. Assim, quando
115 O ciclo da vida islâmica, a profissão de fé, a cultura ea cosmogonia

o muçulmano falha e erra com o Criador, os vínculos com os pe-


cados maiores são estabelecidos.
Para evitar as transgressões e os sofrimentos futuros, a edu-
cação das crianças deve ser a p r i n c i p a l preocupação, pois nelas
as palavras do Alcorão criam raízes profundas de sabedoria e serão
utilizadas durante a vida e no f u t u r o . O carinho e o respeito que se
tem pelos filhos é u m a f o r m a de reconhecimento das palavras de
Alá, pois o Alcorão ensina a respeitar os filhos e irmãos.
Qualquer pessoa se escandaliza quando o esposo bate na esposa,
mas parece não existir importância quando se agride os filhos
para educá-los. Essa ação produz repulsa na criança sobre o que
se quer ensinar e gera rancor. Dessa maneira, os conhecimentos
não são adquiridos com amor.
As crianças não têm capacidade de raciocinar acerca de deter-
minados problemas que para os adultos parecem simples, sendo
necessário apresentar os assuntos de maneira que possam ser
compreendidos, avaliando sempre os sentimentos delas. E i m -
portante colocar-se no lugar da criança e, quando falar com ela,
utilizar uma linguagem que ela possa entender.
Os pais devem perdoar a si próprios, pedir perdão quando
e r r a m e deixar evidente para as crianças o erro e a maneira de
consertá-lo, pois elas aprendem por meio do exemplo dos pais
e daqueles que as rodeiam. O mais importante, assim, são as ações
dedicadas à educação dos filhos.
A tradição islâmica trata da educação das crianças e de seus
direitos mesmo antes do nascimento e do casamento, pois, no
islã, o matrimónio é considerado u m pacto solene nos âmbitos
material e, sobretudo, espiritual, sendo essa a base mais sólida,
porque assim as novas gerações terão bem estabelecidos os p r i n -
cípios básicos do islã.
Mesmo durante os nove meses da gestação, as crianças já têm
direitos no islã, tanto no que se refere à integridade física como
116 O ciclo da vida islâmica, a profissão de fé, a cultura e a cosmogonia

à herança, pois os filhos são considerados uma bênção e graça de


Alá: Na surata A l Cahf (18:46) "Os bens e os filhos são o encanto
da vida terrena [...]" (O Alcorão sagrado, 2016).
O cuidado na educação dos jovens tem como objetivo evitar
o pecado e os sofrimentos f u t u r o s . Nesse sentido, o i s l a m i s m o
tem uma preocupação especial em relação às experiências sexuais,
principalmente no que diz respeito ao sexo antes do casamento.
Para o islã, as relações pré-matrimoniais trazem maldições.
A educação sexual no islã é d i v i d i d a em duas partes: antes e de-
pois da puberdade. Antes da puberdade, a criança deve viver em
u m ambiente puro e não afetado pela sexualidade, pois não tem
maturidade para entendê-la.
Assim, não se deve contaminar a vida das crianças e dos ado-
lescentes com questões sexuais e instruções equivocadas, pois
a mente de uma criança ainda não é capaz de entender essa rea-
lidade, e isso pode trazer diversas consequências negativas, entre
elas, a relação sexual pré-matrimonial.
Os pais não devem ter i n t i m i d a d e sexual na frente dos filhos
nem p e r m i t i r que eles escutem os ruídos e respiros de seus atos
sexuais. Se o f i l h o , ainda que seja u m adolescente ou u m bebé,
escutar esses sons, pode ser afetado por toda a vida e talvez não
consiga alcançar a felicidade.
Por isso, no islã, qualquer contato sexual dos pais próximo
aos filhos é proibido, inclusive a nudez. Dessa maneira, é de f u n -
damental importância que pequenos hábitos sejam incluídos na
vida da família, objetivando incentivar o respeito dos filhos em
relação aos pais e vice-versa. Como exemplo, o Alcorão afirma que,
quando os filhos querem entrar no recinto dos pais, devem pedir
permissão, chamando da porta, pois está escrito na surata A l N u r
(Alcorão, 24,59): "Quando as vossas crianças t i v e r e m alcançado
a puberdade, que vos peçam permissão, tal como o faziam os seus
117 O ciclo da vida islâmica, a profissão de fé, a cultura ea cosmogonia

predecessores. A s s i m Deus vos elucida os Seus versículos, p o r q u e


é Sapiente, P r u d e n t í s s i m o " (O Alcorão Sagrado, 2016).
As v e s t i m e n t a s dos pais d i a n t e dos filhos d e v e m ser decentes e
n ã o p o d e m m o s t r a r as c a r a c t e r í s t i c a s sexuais. O l h a r para os pais
com desejos sexuais é p r o i b i d o e pecaminoso. Vestir-se de m a n e i r a
que i n c e n t i v e desejos sexuais t a m b é m n ã o é p e r m i t i d o , sendo
p r o i b i d o u t i l i z a r roupas p r o v o c a t i v a s .
As m u l h e r e s a d u l t a s d e v e m t o m a r c u i d a d o c o m as r o u p a s
que u s a m d i a n t e dos jovens e das c r i a n ç a s . Da m e s m a m a n e i r a ,
os h o m e n s d e v e m t o m a r c u i d a d o ao a b r a ç a r as filhas que estão
chegando à p u b e r d a d e , e v i t a n d o contatos e n t r e os corpos.
Por v o l t a dos 7 aos 8 anos, é necessário separar os m e n i n o s das
m e n i n a s para n ã o i n c e n t i v a r precocemente d e t e r m i n a d o s c o m -
p o r t a m e n t o s . O islã ensina a p r o t e g e r o a m b i e n t e para e l i m i n a r
t u d o o que seja sexualizado, de imagens a conversas.
Na p u b e r d a d e , as qualidades físicas se m o d i f i c a m e o c o r p o se
desenvolve. Nesse m o m e n t o , é preciso e n s i n a r aos filhos c o m o
e n f r e n t a r essa realidade. É dever de t o d o m u ç u l m a n o ajudar os
adolescentes a ter piedade e a c o n t r o l a r os s e n t i m e n t o s . Caso os
pais percebam que os filhos b u s c a m o sexo, d e v e m o r i e n t á - l o s a
contrair matrimónio.
Se os jovens f o r e m pobres e n ã o t i v e r e m t r a b a l h o , casa ou o u -
tras posses, Alá, c o m sua grande v i r t u d e e a b u n d â n c i a , proverá o
necessário. O ideal para aqueles que n ã o t ê m condições de custear
u m casamento é zelar pelo p u d o r e pela castidade e dedicar-se à
caridade, pois as relações p r é - m a t r i m o n i a i s n ã o são p e r m i t i d a s .
Sobre o m a t r i m ó n i o , H a m i d u l l a h (1993, p. 187) c o m p l e m e n t a que:

O homem muçulmano pode casar-se, não somente com uma mu-


lher muçulmana, mas também com uma mulher de fé judaica ou
cristã; mas não com uma adepta da idolatria, politeísta ou ateia.
Uma mulher muçulmana não pode casar-se com um homem que
118 O ciclo da vida islâmica, a profissão de fé, a cultura ea cosmogonia

não seja muçulmano. No caso de uma mulher casada converter-se


ao islã, não sendo o seu marido muçulmano, a vida conjugal cessa
imediatamente e, após um prazo razoável, a mulher deve pleitear
a separação judicial.

Nos conflitos bélicos, os indefesos são os que mais s o f r e m ,


de f o r m a que as crianças são as principais afetadas nas guerras.
No islã, o conceito de guerra é defensivo e n e n h u m a guerra é
sagrada. Porém, o conceito da defesa é legítimo, devendo esta ser
permeada por valores e condições éticas estabelecidos no Alcorão
e pelo profeta Maomé.
Entre essas condições éticas está a premissa de não assassinar
órfãos, anciões, mulheres e, sobretudo, crianças, pois estas não
têm culpa na guerra, são frágeis e não têm condições de defesa.
No islã, o assassinato de crianças é considerado um pecado e punido
com a m o r t e , sendo aquele que o pratica condenado ao i n f e r n o .
No islamismo, a criança não pode trabalhar nem ser explorada,
principalmente a órfã. A educação com base em valores e princípios
e que estimule a boa convivência é de f u n d a m e n t a l importância,
pois, no momento do julgamento, Alá perguntará aos pais e tutores
se eles educaram bem as crianças e aqueles que se dedicaram aos
órfãos estarão no paraíso.

52
Os cinco pilares do islamismo:
a profissão islâmica de fé
O islã foi edificado sobre cinco pilares. O H a d i t h , que é t r a n s m i -
tido pelos mestres das escolas Buhari e M u s l i m , i n s t i t u i os cinco
pilares da fé islâmica, entendidos como a base do islã, pois neles
o mensageiro de Alá menciona a edificação da estrutura dessa
religião. Sardar e M a l i k (1994, p. 52) observam que:
119 O ciclo da vida islâmica, a profissão de fé, a cultura ea cosmogonia

O islã estabelece um relacionamento próximo e direto entre


o Criador e sua criação. No islamismo, nenhum poder mediador
existe entre o Criador e sua criação: não há igrejas, padres ou
sacramentos. Sua unidade absoluta é refletida na unidade de
sua criação, na qual cada parte individual está em harmonia com
o restante.

A p r i m e i r a dessas bases é t e s t e m u n h a r que n ã o existe o u t r o


Deus que não seja Alá e que M a o m é é o mensageiro desse Deus.
Isso é c o n h e c i d o c o m o as duas Shahadas ( t e s t e m u n h o s ) . S ã o as
palavras que aqueles que t ê m a i n t e n ç ã o de se converter ao i s l a -
m i s m o p r o n u n c i a m , sendo o testemunho de fé, o seguinte: "Não há
Deus v e r d a d e i r o que não só Alá, e M a o m é é o mensageiro de Deus".
As palavras c o m as quais se declara a u n i d a d e de Alá s i g n i f i c a m
que n ã o há o u t r o s deuses e q u e ele é o ú n i c o . A s s i m , n ã o e x i s -
t e m dois, três o u m a i s deuses; n ã o existe nada n e m n i n g u é m no
U n i v e r s o que se assemelhe a ele, que é o responsável pela criação
de t u d o o que existe.
N o m o m e n t o que alguém declara que n ã o existe o u t r o Deus
a l é m de Alá, c o n f i r m a que s o m e n t e ele decreta sobre t o d o s os
assuntos e que seu p o d e r e s t á presente e m todos os m o m e n t o s .
Significa que a pessoa aceita a p r e s e n ç a d i v i n a , a força e o p o d e r
de Alá e m t u d o o que existe.
Ao p r o n u n c i a r a Shahada, o fiel aceita o c o m p r o m i s s o de adorar
s o m e n t e Alá, o único que merece ser l o u v a d o e e m q u e m se deve
buscar ajuda. A p a r t i r de e n t ã o , o fiel c o n f i r m a sua c o n f i a n ç a e m
Alá e t a m b é m que é somente a a c e i t a ç ã o dele que irá buscar, a g i n -
do c o n f o r m e as o r d e n a n ç a s e afastando-se das coisas p r o i b i d a s .
A segunda parte das Shahadas é t e s t e m u n h a r que M a o m é , f i l h o
de A b d u l a h , é o mensageiro de Alá, o último dos profetas e mensa-
geiros enviados por Alá c o m o misericórdia por toda a h u m a n i d a d e .
120 O ciclo da vida islâmica, a profissão de fé, a cultura ea cosmogonia

É importante ressaltar que, mesmo havendo dois testemunhos,


na realidade é somente u m pilar em que as duas partes estão u n i -
das, pois elas são inseparáveis uma da outra. Isso significa que
acreditar em Alá está diretamente relacionado a crer e a seguir
a Sunna do mensageiro.
Não é possível a f i r m a r que uma pessoa é muçulmana, mesmo
que reconheça que não existe outro Deus senão Alá, se esta não
testemunha seu reconhecimento a Maomé e o segue como profeta
e mensageiro.
No momento que a pessoa acredita em Maomé e o aceita como
mensageiro de Alá, o último dos profetas, acredita em todos os p r o -
fetas e mensageiros anteriores a ele, na mensagem que portou o
mensageiro do islã, no Alcorão revelado pelo arcanjo Gabriel e em
tudo o que está contido nele.
O segundo pilar do islamismo é o Salat e diz respeito às orações
obrigatórias realizadas diariamente cinco vezes durante o dia e à
noite pelos muçulmanos. A oração é a pedra angular do islã, já que
entre todos os pilares é o único que se repete todos os dias. Esse ato
representa a viagem e a ascensão aos céus, que aconteceu quando
o profeta residia em Meca antes da Hégira.
O Salat foi estabelecido em memória da ascensão do profeta
Maomé e, por isso, é considerado obrigatório, pois é entendido
como um vínculo estabelecido com Alá e, consequentemente, torna
mais puras as pessoas que o realizam, leva ao arrependimento das
más ações e evita o pecado.
Considerado o pilar dos pilares, o Salat é o eixo central dos
cinco pilares do islamismo porque, no transcorrer do dia, durante
as atividades realizadas d e n t r o e fora de casa, o fiel pode f a c i l -
mente desviar-se do caminho e entrar nas veredas escabrosas das
contravenções corânicas, podendo cair nas tentações do roubo, da
m e n t i r a , da depravação e da promiscuidade.
121 O ciclo da vida islâmica, a profissão de fé, a cultura ea cosmogonia

A s s i m , cada u m a das o r a ç õ e s c o n t i d a s n o Salat, d e p o i s d e


realizada, p r o p o r c i o n a a seus praticantes a s e n s a ç ã o de p r o t e ç ã o ,
l i m p e z a , p r o x i m i d a d e e interação com Alá, fortalece as convicções
e d i m i n u i a p o s s i b i l i d a d e do pecado, afastando a pessoa do m a l .
Nas o r a ç õ e s , e x i s t e m a l g u n s p r o c e d i m e n t o s c o n s i d e r a d o s
necessários, como a ablução o u purificação, m o m e n t o e m que
o m u ç u l m a n o h i g i e n i z a as m ã o s , os pés, o n a r i z , o rosto, a c a b e ç a ,
o pescoço, a boca e os dentes, sendo p r o i b i d o o r a r s e m a h i g i e n i -
z a ç ã o das partes í n t i m a s .
D e p o i s de c u m p r i d o s t o d o s os r e q u i s i t o s , r e a l i z a - s e o Salat
p r o p r i a m e n t e d i t o . U m a vez i n i c i a d a a oração, determinadas ações
são consideradas pecado, sendo p r o i b i d o comer, beber, v i r a r para
os lados, m o v i m e n t a r - s e de m a n e i r a que chame a atenção e falar
f o r a das súplicas e o r a ç õ e s que se deve m e n c i o n a r .
Dessa m a n e i r a , o fiel adentra p r o f u n d a m e n t e na oração. De pé,
pronuncia-se Allahu Akbar ("Alá é o m a i o r " ) . Levanta-se as m ã o s na
a l t u r a entre os o m b r o s e as orelhas, fazendo as m ã o s se i n c l i n a r e m
de c i m a para baixo, c o m o u m a p r o s t r a ç ã o feita c o m os b r a ç o s e as
m ã o s , pois todo o corpo está e m adoração a Alá. O profeta procedia
dessa m a n e i r a e, assim, todos os m u ç u l m a n o s r e p r o d u z e m essas
palavras e esses m o v i m e n t o s .
Na p r ó x i m a fase, o fiel coloca a m ã o d i r e i t a sobre a esquerda,
apoiando-as e n t r e a b a r r i g a e o p e i t o , e recita e m árabe a Suratah
1

A l F a t i h a (A A b e r t u r a ) :
2

1] Em nome de Deus, o Clemente, o Misericordioso.


2] Louvado seja Deus, Senhor do Universo,
3] Clemente, o Misericordioso,
4] Soberano do Dia do Juízo.
5] Só a Ti adoramos e só de Ti imploramos ajuda!

1 Procedimento estabelecido pela Sunna.


2 Considerada um pilar da oração, sendo obrigatória.
122 O ciclo da vida islâmica, a profissão de fé, a cultura e a cosmogonia

6] Guia-nos à senda reta,

7] À senda dos que agraciastes, não à dos abominados, nem à


dos extraviados. (O Alcorão Sagrado, 2016)
Depois, o muçulmano recita o que sabe do Alcorão e, dessa
maneira, realiza a primeira e a segunda fases do Salat. As orações
são modificadas dependendo do horário e da estação do ano em
cada localidade.
As cinco orações do Salat são a Fayar, oração da manhã, reali-
zada ao menos 10 minutos antes da saída do sol; a Duhor, realizada
ao meio-dia e que deve ser oferecida na primeira hora da tarde, por
volta de 12h 45min; Asar, a oração da tarde, que deve ser oferecida
na última hora da tarde, porvolta de 15h 40min; Maghrib, a oração
do pôr do sol, oferecida imediatamente após o pôr do sol; e Isha, a
oração da noite, oferecida mais tarde, em u m horário que varia de
lugar para lugar, aproximadamente duas horas após o pôr do sol.
O terceiro pilar do islamismo é o Zakat, que está relacionado
à justiça, à caridade, ao crescimento, ao incremento e à purificação.
E u m pilar que serve para purificar a riqueza que Alá entregou
a cada muçulmano. O não cumprimento do Zakat por parte do
muçulmano é considerado uma grave transgressão. No Alcorão,
as suras que mencionam o Zakat sempre estão acompanhadas
do Salat, sendo a oração e a caridade dois pilares indissociáveis.
A principal diferença entre o Zakat e a Zadaka (a esmola pro-
priamente dita) é que a Zadaka pode ou não ser entregue a qual-
quer pessoa, ao passo que o Zakat é obrigatório, u m direito dos
pobres e necessitados. Dessa maneira, por ser um direito de alguns,
é também uma obrigação pagar aos que reúnem as condições de
receber, pois os pobres e necessitados são filhos de Alá e membros
da comunidade.
123 O ciclo da vida islâmica, a profissão de fé, a cultura ea cosmogonia

Aos que têm condições de pagar, a doação de uma porcentagem


dos bens é obrigatória uma vez ao ano, ato que deve ser realizado
no mês de Muharab, décimo dia do p r i m e i r o mês lunar.
O quarto pilar do islamismo é o Saum, jejum do mês de Ramada,
o n o n o mês do calendário l u n a r , m o m e n t o e m que o arcanjo
Gabriel fez as primeiras revelações do Alcorão a Maomé, o mês
da abstenção de bebidas, comidas, f u m o e relações sexuais do
amanhecer ao anoitecer.
Saum, em árabe, significa "abster-se de algo" e constitui uma
obrigação de todo muçulmano que alcançou a puberdade, sendo
que em algumas situações não é permitido jejuar, como na velhice
ou durante a menstruação, a lactância e a gravidez.
O Ramada, além das abstenções, propõe que cada muçulmano
sinta em si mesmo as dificuldades e penalidades que os desfavoreci-
dos sofrem em virtude da fome. Por isso, recomenda-se, nesse mês,
ter generosidade e fazer boas obras, além de controlar os desejos
e apetites para, assim, sentir-se próximo dos mais necessitados
e c u m p r i r aquilo que Alá espera de cada fiel.
Os benefícios e as recompensas que Alá entrega aos que jejuam
são incontáveis. Alá pede sinceridade ao que jejua, visto que esse
pilar é considerado u m ato de sinceridade e adoração.
Pode haver quem c u m p r a os demais pilares visando u n i c a -
mente m a n t e r as aparências, o que constitui u m a atitude hipó-
crita, porém isso não é possível com o j e j u m , pois este é u m ato
solitário, praticado na solidão de cada indivíduo. O único m o t i v o
que impede a interrupção do jejum é saber que Alá está presente
naquele m o m e n t o íntimo e t e m ciência da sinceridade demons-
trada, recompensando cada u m à sua maneira.
O quinto pilar é o Hajj, a peregrinação à Caaba. E uma obrigação
para quem tem condição física e meios materiais para realizá-la,
devendo a viagem ser realizada de maneira precisa e em tempo
determinado.
124 O ciclo da vida islâmica, a profissão de fé, a cultura ea cosmogonia

Para os muçulmanos, a peregrinação inclui rituais m u i t o a n -


tigos, anteriores ao próprio islamismo, procedentes de Abraão
e Ismael e que f o r a m restaurados por Maomé.
A peregrinação significa afastar-se do cotidiano, deixando os
afazeres domésticos, o trabalho, a família e o país objetivando
viajar para adorar Alá e visitar a terra da revelação, onde Abraão
construiu o p r i m e i r o t e m p l o religioso para Alá e o Alcorão f o i
revelado a Maomé.
O Hajj é u m a viagem que envolve dificuldades e exige grande
esforço, pois milhões de pessoas realizam as mesmas ações anual-
mente no mesmo lugar e no mesmo m o m e n t o . Parte do valor do
Hajj é a afirmação da total entrega a Alá com todas as faculdades
e todos os recursos de que uma pessoa dispõe. Esse pilar está asso-
ciado à crença islâmica de que todos os caminhos conduzem à casa
de Alá, pois todos são parte de sua criação e para ele retornarão.
A peregrinação recorda aos muçulmanos que todos são iguais
perante os olhos de Alá, momento em que raças, doutrinas, idades
e diferenças sociais desaparecem por completo.
Independentemente de q u e m sejam ou de onde v e n h a m , o
que atrai essas pessoas é adorar Alá e m sua casa e c u m p r i r os
ritos e as obrigações do Hajj. A peregrinação pode ser realizada
de cinco a seis dias, sendo essa experiência mística e única para
o muçulmano.

53
A Jihad
A Jihad, que pode ser traduzida como "esforço", é u m dos conceitos
mais m a l interpretados do i s l a m i s m o , t a n t o pela c o m u n i d a d e
islâmica como pelos demais povos. Constitui u m grande equívoco
traduzir a palavra como "guerra santa", pois no Alcorão, de acordo
com as palavras do profeta Maomé, o termo não é empregado nesse
sentido. Na história de Maomé, na p r i m e i r a década da revelação
125 O ciclo da vida islâmica, a profissão de fé, a cultura ea cosmogonia

do Alcorão, a palavra Jihad já era utilizada, mas não no sentido do


uso da força física para a propagação do islã.
As interpretações equivocadas talvez v e n h a m da orientação
de que os muçulmanos não devem obedecer aos que se recusam
a crer em Alá, sendo u m a obrigação lutar contra eles, exortando
à aceitação do Alcorão. De acordo com algumas interpretações,
o justo deve se esforçar para propagar os ensinamentos de Alá por
meio do texto sagrado. No entanto, isso não significa que se deva
matar quem não aceite o islã.
A Jihad está associada à observância dos princípios justos, à luta
pelo aperfeiçoamento humano e pela correção dos maus hábitos,
à ideia de abandonar tudo aquilo que Alá p r o i b i u por meio de sua
grande sabedoria, como a mentira, o roubo, o adultério, a opressão
e a injustiça, entre outros pecados. Ela exige que o muçulmano se
esforce para c u m p r i r as ordenanças do Alcorão com sinceridade,
esmero na educação e orientação no bem, afastando-se do m a l ,
amando sua família e seu povo e dedicando-se aos pais na velhice,
pois eles são os responsáveis por sua vida. Está escrito no Alcorão
(31:14): "E recomendamos ao h o m e m benevolência para com seus
pais. Sua mãe o suporta, entre dores e dores, e sua desmama é aos
dois anos. (E lhe dizemos): Agradece a M i m e aos teus pais, porque
retorno será a M i m " (O Alcorão Sagrado, 2016).
O muçulmano deve ser fiel a Alá mesmo que tudo ao redor
deponha contra isso e o incentive às causas dos homens maus.
O verdadeiro adepto do islã deve lutar pelo bem u t i l i z a n d o todas
as suas forças, ainda que para isso tenha de falhar em o u t r o p r e -
ceito corânico, como o de obedecer aos próprios pais, em que não
se deve adorar a algo que não tenhas conhecimento, não deven-
do obedecer, mas os acompanhar nesse m u n d o como é devido.
Conforme está escrito no Alcorão (31,15):"[...] se te constrangerem
a associar-Me ao que t u ignoras, não lhes obedeça; comporta-te
com eles com benevolência neste mundo, e segue a senda de quem
126 O ciclo da vida islâmica, a profissão de fé, a cultura e a cosmogonia

se voltou contrito a M i m . Logo o retorno de todos vós será a M i m ,


e então inteirar-vos-ei de tudo quanto tiverdes feito" (O Alcorão
Sagrado, 2016).
A luta no campo de batalha, por meio da qual os exércitos de
uma nação ocupam-se da defesa de seus territórios e de sua po-
pulação, também é considerada u m tipo de Jihad. O muçulmano,
porém, jamais pode ultrapassar os limites, devendo ser honrado e
respeitar a vida e a dignidade dos inimigos. O Alcorão (2,190, citado
por El Hayek, 2001, p. 57) propõe ao muçulmano: "Combatei, pela
causa de Allah, aqueles que vos combatem; porém, não pratiqueis
agressão, porque Allah não estima os agressores".
A Jihad propõe que a pessoa deve se defender física e moral-
mente de ataques injustos, aos que são injustamente oprimidos
foi concedido permissão para defender-se, pois está escrito no
Alcorão (22,39, citado por El Hayek, 2001, p. 276) que "Ele permitiu
(o combate) aos que foram atacados [...]".
Da mesma maneira, se uma pessoa batalha em seu posto de
trabalho para conseguir sustentar a família, ela está em Jihad.
E um estudante, ao se esforçar para tirar boas notas e conseguir
sucesso nos estudos com o objetivo de ter uma vida melhor no
futuro, também está em Jihad. O grande erro é atribuir a Jihad
unicamente ao contexto do campo de batalha.

54
A crença islâmica: os anjos e
demónios (génios), a predestinação,
o inferno e o juízo final
Além da crença nos anjos, os muçulmanos acreditam na existência
dos génios, uma terceira forma de criação. Os humanos foram
criados do barro argiloso e maleável (Alcorão 15,26), os anjos o r i -
ginam-se da luz e os génios, do fogo. A palavra génio vem de al jinn.
127 O ciclo da vida islâmica, a profissão de fé, a cultura e a cosmogonia

Os jinn s u r g i r a m de u m vento abrasador, de acordo com Alcorão


(15,27, citado por El Hayek, 2001), e foram criados do fogo puríssimo.
Assim como os anjos, os génios compartilham u m mundo que é
parte do não visível e pertence às coisas ocultas aos seres humanos.
Entre eles, existem os bons e os ruins. O diabo, então, seria u m
génio que se desviou e desobedeceu às ordens de Alá, tornando-se
o exemplo da desobediência e do m a l .
Os génios habitavam a Terra m u i t o antes dos seres humanos,
sendo Iblís o mais devoto entre eles, m o t i v o pelo qual f o i levado
aos céus, sendo-lhe p e r m i t i d o viver como u m anjo. Completando
sua obra, Alá criou o p r i m e i r o ser humano, dizendo aos anjos que
se prostrassem para aquela criatura. Todos os anjos que não t i n h a m
vontade própria c u m p r i r a m a vontade de Deus e se p r o s t r a r a m ,
exceto Iblís, que era u m génio e, como t i n h a o livre-arbítrio, não
poderia prostrar-se ante alguém que f o i criado do barro da Terra.
Como diz o Alcorão Alá lhe perguntou: "Que f o i que te impediu
de prostrar-te, embora to tivéssemos ordenado? Respondeu: Sou
superior a ele; a m i m criaste do fogo, e a ele do barro" (El Hayek,
2001, p. 138). No Alcorão (7,11-15), sobre os jinn e sua soberba em
relação ao h o m e m , está escrito:

Disse-lhe: Desce daqui (do Paraíso), porque aqui não é permiti-


do te ensoberbeceres. Vai-te daqui, porque és um dos abjetos!
Implorou: Tolera-me até ao dia em que (os seres) forem ressusci-
tados! Respondeu-lhe: Considera-te entre os tolerados! (El Hayek,
2001, p. 138)

A soberba e a discriminação tomaram conta de Iblís pela origem


do p r i m e i r o h o m e m , pois ele acreditava que sua procedência era
superior e não aceitava que u m ser criado do fogo se prostrasse
diante de alguém cuja origem era inferior. Por isso, f o i expulso do
céu e transformado no p r i m e i r o demónio. Portanto, aquele que
128 O ciclo da vida islâmica, a profissão de fé, a cultura ea cosmogonia

discrimina os outros em virtude de sua origem (etnia, classe social


e nação) está seguindo os passos de Iblís.
As artimanhas do demónio são fracas (Alcorão 4,76) e os génios
são rebeldes, pois são capazes de influenciar, sussurrar e tentar,
porém não têm o poder de comandar ou fazer danos diretos por-
que, mesmo que as possessões sejam causadas por génios maus,
a decisão final das obras e ações é das pessoas.
A predestinação é u m tema bastante discutido nas religiões
e, para algumas delas, faz parte do ser humano, isto é, as ações
humanas são predestinadas. Segundo o Alcorão (53,36-42, citado
por El Hayek, 2001, p. 436):

Qual, (esse indivíduo) não foi inteirado de tudo quanto contém


os livros de Moisés? E os de Abraão, que cumpriu (as suas obriga-
ções)? Que nenhum pecador lucrará com culpa alheia? De que o
homem não obtém senão o fruto do seu proceder? De que o seu
procederserá examinado? Depois, ser-lhe-á retribuído, com a mais
equitativa recompensa? E que pertence ao teu Senhor o limite?

Se o homem não se considerasse responsável por seus atos, não


mereceria punição nem recompensa perante Alá, pois o islã separa
as duas questões e considera que o h o m e m t e m como requisito
o esforço e o senso de responsabilidade ( H a m i d u l l a h , 1993).
Outras religiões concedem liberdade absoluta ao ser humano
em relação às suas ações e a seu existir, pois consideram que este
veio à existência de maneira totalmente determinada pela liberdade
e que sua existência na vida não está sujeita a qualquer outra que
determine as coisas, de modo que suas ações estão desvinculadas
de u m ente supremo ou natural.
Para o islamismo, a predestinação não surgiu dos sábios. Sua
fonte é o Alcorão, os H a d i t h s e as guias dos imãs. Nada existe
de maneira absoluta, tampouco existe liberdade absoluta ou l i -
vre-arbítrio absoluto para o ser h u m a n o . Em alguns assuntos,
129 O ciclo da vida islâmica, a profissão de fé, a cultura ea cosmogonia

o ser humano pode considerar-se predestinado e sem liberdade


de decisão, porém, existem outros assuntos para os quais Alá
outorgou ao homem a qualidade e a vontade de escolha.
A predestinação é instituída em todo o m u n d o em uma ordem
harmónica estabelecida em relação à criação e às leis universais.
Alá submete às suas normas tanto os seres humanos quanto os
demais seres vivos e as criações imateriais.
Na religião islâmica, o inferno é denominado Jahanrtam. É a m o -
rada que Alá preparou para aqueles que não crêem nele, rebelam-se
contra suas leis e deixam de crer em seus mensageiros. É o castigo
para seus inimigos, u m a prisão para os pecadores.
O Jahannam está guardado por dezenove guardiões, d e n o m i -
nados zabaniyas. São poderosos anjos guardiões, cada u m deles com
capacidade para derrotar toda a humanidade. Entre os p r i m e i r o s
hereges, alguns acreditavam ser possível matar os sentinelas.
No islamismo, os infiéis e as pedras do inferno são o combustível
para o fogo, sendo os infiéis aqueles que cometem a idolatria. Da
mesma f o r m a como no paraíso, no i n f e r n o existem vários níveis
e diversas divisões.
Cada pessoa será retribuída de acordo com suas ações e enca-
minhada a u m desses níveis conforme seu merecimento. O Alcorão
menciona sete níveis: o paraíso é o mais sublime e elevado; e o
i n f e r n o é o mais baixo e atormentador. Cada nível t e m sua res-
pectiva porta (Alcorão 6,132).
A divisão dos sete níveis do Jahannam, do nível mais baixo para
cima, é a seguinte: Yahim, u m lago de fogo; Yaliya, para todos os
idólatras; Sa'ir, para os adoradores do fogo; Saqar, para os ateus;
Ladha, para onde são enviados os judeus; Hawiya, lugar destinado
aos cristãos; e Hutama, para aqueles que não são bons devotos.
Em cada u m desses lugares a pessoa sofre u m grau de dor dife-
rente e acredita-se que o i n f e r n o assemelha-se a u m animal feroz
que repreende os pecadores. Na crença islâmica, as mulheres são
130 O ciclo da vida islâmica, a profissão de fé, a cultura e a cosmogonia

as h a b i t a n t e s m a j o r i t á r i a s do i n f e r n o p o r q u e p r a g u e j a m m u i t o
e s ã o ingratas q u a n d o recebem bons t r a t o s .
Como no purgatório cristão, o Jahannam é u m lugar para expiar
os pecados e l i m p a r a a l m a e n t r e o d i a da m o r t e e a r e s s u r r e i ç ã o .
A l i , m u i t o s pecados serão apagados pela graça de Alá para p o d e r
a l c a n ç a r o Yanna, o paraíso recuperado no j u í z o f i n a l .
A v i d a terrena é preparatória para a próxima existência e cons-
t i t u i u m a p r o v a i n d i v i d u a l . C h e g a r á u m dia e m que o u n i v e r s o
será destruído e m sua t o t a l i d a d e , os m o r t o s serão ressuscitados
e as pessoas serão castigadas ou recompensadas por Alá de acordo
c o m suas c r e n ç a s e ações.
Esse d i a será o c o m e ç o de u m a n o v a v i d a que n ã o terá f i m . A s
pessoas que m o r r e m crendo que só existe u m Deus verdadeiro, Alá,
c r i a d o r do céu e da Terra, e que M a o m é é seu m e n s a g e i r o serão
recompensadas e levadas ao paraíso n o dia do j u í z o f i n a l .
Aqueles que c r ê e m e p r a t i c a r a m boas ações serão r e c o m p e n -
sados c o m o paraíso e e s t a r ã o na e t e r n i d a d e , e n q u a n t o as pessoas
que não a c r e d i t a m e m Alá e e m seu mensageiro serão castigadas,
perderão o paraíso para s e m p r e e h a b i t a r ã o o i n f e r n o .

55
Cultura, arte e arquitetura
islâmica
A ciência e a t é c n i c a t ê m g r a n d e i m p o r t â n c i a na c u l t u r a islâmica
e desenvolveram-se p r i n c i p a l m e n t e na Idade Média. No contexto
político e religioso da e x p a n s ã o m u ç u l m a n a , a civilização teve seu
apogeu e n t r e os séculos X e X I I I , sendo esse período c o n h e c i d o
c o m o idade de ouro da c i ê n c i a á r a b e . Seu d e s e n v o l v i m e n t o i n i -
ciou-se na cidade de Damasco dos últimos o m í a d a s e p r i m e i r o s
abássidas. Isso se deve, s o b r e t u d o , à apreciação e à t r a d u ç ã o de
u m a q u a n t i d a d e massiva de obras da A n t i g u i d a d e que t r a t a v a m
de temas como matemática, a s t r o n o m i a , física e medicina, além de
131 O ciclo da vida islâmica, a profissão de fé, a cultura e a cosmogonia

traduções que contribuíram para o florescimento de uma cultura


árabe clássica nunca mais vista naquela região.
A língua árabe, idioma sagrado do islã, tornou-se o veículo es-
sencial dessa cultura e p e r m i t i u ao Império Árabe adotar algumas
influências indianas e chinesas.
Na literatura, a obra mais influente, não só por seu caráter
religioso, mas t a m b é m p o r sua complexa q u a l i d a d e literária,
é o Alcorão - a mais densa e extensa obra escrita em árabe. A época
de maior impacto do Alcorão é conhecida como árabe clássico. Nos
primeiros tempos da literatura, foi produzida u m a quantidade
significativa de textos religiosos de poderosa significação e g r a n -
de alcance, como a Sunna, que faz comentários sobre o Alcorão
e fornece interpretações de acordo com as escolas. Esses textos
f o r a m compilados em diversos livros, também conhecidos como
caminhos da eloquência.
Ao iniciar o estudo acerca da vida de Maomé e dos significados
da Sunna, os árabes desenvolveram uma verdadeira erudição islâ-
mica, sobretudo no campo da ciência, mas também na literatura,
nas biografias, nos estudos dramáticos e nos dicionários, que
ganharam grande repercussão.
As obras literárias de maior reconhecimento são as crónicas
de viagens e os relatos de I b n Batuta. No campo da prosa fictícia
e popular, destacam-se textos como As mil e uma noites, Aladim e
a lâmpada maravilhosa, Ali Babá e os 40 ladrões e Simbá, o marinheiro,
entre outros.
A base da arte islâmica está na arquitetura das mesquitas. Os
territórios islamizados tiveram u m desenvolvimento considerável
se levarmos em consideração que os muçulmanos, até o século V I I ,
eram tribos do deserto. Em sua expansão, eles se a p r o p r i a r a m de
elementos culturais das artes bizantina, persa e h i n d u , ajustan-
do-os a seus costumes religiosos, que p r o i b i a m a representação
de imagens humanas e animais. Por isso, a arte islâmica era mais
132 O ciclo da vida islâmica, a profissão de fé, a cultura e a cosmogonia

abstraía, destacando-se o estilo caligráfico, as linhas entrecruza-


das formando estrelas e polígonos e os desenhos de vegetais na
forma de arabescos.
A arte islâmica é inspirada na natureza e explora o infinito,
o ornamento, o signo, a forma e a cor (National Gallery of A r t ,
2004). Os árabes também desenvolveram as artes aplicadas, os
trabalhos artísticos em metal, as cerâmicas, o talhe em madeira
e marfim e vários tipos de tecido, incluindo a tapeçaria, os quais
são muito utilizados nas decorações arquitetônicas.
A arquitetura possui uma função específica no mundo islâmi-
co: a adoração a Alá e a grandiosidade do islã, sendo visível esse
objetivo em mesquitas, palácios e outras estruturas construídas
nas mais diversas formas. Na escultura, destaca-se o trabalho com
objetos de metal, marfim e cerâmica, elaborados com grande per-
feição técnica. Na pintura, os principais trabalhos são ilustrações
de livros sagrados e profanos.
A arquitetura islâmica abriga estilos religiosos próprios dessa
cultura dos tempos de Maomé aos dias atuais e influenciou o de-
senho e a construção de edifícios e estruturas por todo o mundo
(National..., 2004).
A música árabe é dividida em clássica, sentimental e tradicional.
Nela, são explorados temas populares, seculares e religiosos, sendo
particular o enfoque dado à melodia e ao ritmo, com músicas ho-
mofônicas - uma miscelânea de sons de outras culturas da região
e ritmos europeus e africanos (berberes suaílis).

56
Os lugares sagrados do islã
O lugar mais sagrado do islã é a Caaba, localizada na cidade de
Meca (Figura 5.1), a primeira mesquita construída para a adoração
de Alá. Essa construção iniciou-se com um milagre: foi o lugar em
que o profeta Abraão, Ismael e sua mãe estavam a ponto de morrer
133 O ciclo da vida islâmica, a profissão de fé, a cultura ea cosmogonia

no deserto quando u m anjo apareceu e pediu que golpeassem o solo,


do qual surgiu u m poço. Diante da revelação, Abraão construiu a
Caaba, a fim de que as pessoas peregrinem até lá.

FIGURA 5.1 - Caaba na Grande Mesquita de Meca

A cidade de Meca, mesmo sendo o lugar mais sagrado para


o islã, não é frequentada por shiitas e outros grupos minoritários
em virtude dos conflitos com sunitas desde tempos remotos pela
sucessão do profeta Maomé no período dos primeiros califas. Além
disso, existem os problemas diplomáticos envolvendo a Arábia
sob o domínio político dos sauditas e de outros países islâmicos,
como o Irã.
134 O ciclo da vida islâmica, a profissão de fé, a cultura e a cosmogonia

FIGURA 5.2 - Grande Mesquita de Meca nas celebrações do m ê s do


Ramada

O segundo lugar sagrado para o islã é a cidade de M e d i n a , antiga


Yathrib, u m a cidade o n d e o c o r r e r a m eventos i m p o r t a n t e s da v i d a
do p r o f e t a M a o m é . Essa cidade está localizada 350 k m ao n o r t e
da cidade de Meca, na parte m a i s fértil da região.

FIGURA 5.3 - Mesquita de Al-Masjinaan-Nabawi


135 O ciclo da vida islâmica, a profissão de fé, a cultura ea cosmogonia

Na mesquita de A l - M a s j i n a a n - N a b a w i (Figura 5.3) estão se-


pultados o profeta, suas esposas e dois de seus companheiros e
primeiros califas: A b u Bakr e Umar I b n Al-Katab. Assim como em
Meca, diversos grupos de muçulmanos são proibidos de visitar a
cidade santa do profeta.
O terceiro lugar sagrado do islamismo está situado em Jerusalém,
em Israel. E a Mesquita de Al-Aqsa (Figura 5.4), onde se encontra
a Cúpula da Rocha (também chamada de Domo da Rocha), cons-
truída entre 688 e 692 sobre as ruínas do Templo de Jerusalém
por Abdel M a l i k .

FIGURA 5.4 - Mesquita da Cúpula da Rocha, Muro das Lamentações


e parte das ruínas doTemplo de Jerusalém

Mesmo a cidade de Jerusalém não sendo mencionada no Alcorão,


os muçulmanos entendem que aquele é o local em que Maomé
teria se elevado ao céu e para o qual Ismael teria sido levado por
seu pai, Abraão, ao sacrifício.
136 O ciclo da vida islâmica, a profissão de fé, a cultura e a cosmogonia

O quarto lugar sagrado é o túmulo de al-Husayn i b n A l i , em


Karbalah, no Iraque (Figura 5.5), onde os peregrinos enlutados
r e m e m o r a m a luta e o martírio do terceiro imã shiita e de seus
companheiros contra a tirania e a injustiça do califa omíada.

FIGURA 5.5 -Túmulo de al-Husayn ibn Ali

O túmulo costuma ser frequentado por shiitas, quando os devo-


tos v i s i t a m o mausoléu e festejam o sacrifício de Husayn pelo islã.
É u m grande evento, que conta com a participação de milhares de
pessoas de várias partes do m u n d o .

SÍNTESE

Neste capítulo, vimos que o ciclo da vida islâmica compreende


uma série de preceitos que devem ser seguidos desde os p r i m e i -
ros momentos da vida do muçulmano. A educação é o p r i n c i p a l
i n s t r u m e n t o de formação da pessoa na família e a prepara para
a vida religiosa e o casamento. O islamismo t e m cinco pilares: a
profissão de fé para a conversão; as orações diárias, que devem ser
137 O ciclo da vida islâmica, a profissão de fé, a cultura e a cosmogonia

realizadas por todas as pessoas; a obrigatoriedade anual de doação


aos pobres; a abstenção, no mês de Ramada; e a peregrinação à
cidade de Meca.
A Jihad deve ser empreendida em vários momentos da vida do
muçulmano, a fim de alcançar os objetivos relacionados às orde-
nanças da religião, e a cosmogonia islâmica compreende a crença
em céu, i n f e r n o , anjos, demónios e no juízo final.
A c u l t u r a e a arte, apesar de se diferenciarem em alguns as-
pectos nos vários lugares do mundo onde o islamismo é praticado,
apresentam características próprias do islã e da cultura árabe.
Os quatro lugares mais i m p o r t a n t e s para os praticantes do
islamismo, tanto shiitas como sunitas, estão em Meca, M e d i n a ,
Jerusalém e Karbalah. São lugares que têm u m grande significado
religioso e uma relação intrínseca com a trajetória histórica do
islamismo.

ATIVIDADES DE AUTOAVALIAÇÀO

1. O i s l a m i s m o t e m cinco pilares, sendo u m deles conhecido


como profissão de fé ou testemunho de conversão. Assinale
a alternativa que indica o conteúdo dessa profissão de fé:
A ] "Alá é Deus e o islã é sua doutrina".
B] "Ouve, Israel, o Senhor é Deus, o Senhor é Um".
c] "Não há Deus verdadeiro que não só Alá e Maomé é o m e n -
sageiro de Deus".
D ] "O Senhor é meu pastor e nada me faltará".
E] "Alá é Deus, Maomé é seu servo e o islã é a palavra de Deus
entre os homens".

2. A Jihad tem seu significado traduzido como "esforço" e, segundo


muitos clérigos do islã, é o termo mais m a l interpretado na r e l i -
gião. Indique a alternativa i n c o r r e t a em relação a esse conceito:
138 O ciclo da vida islâmica, a profissão de fé, a cultura e a cosmogonia

A] A Jihad é o chamado à defesa da fé e, por isso, todo muçul-


mano deve se dedicar ao estudo do Alcorão para ter bons
argumentos.
B] A Jihad é o chamado à defesa da fé e exige o sacrifício dos
fiéis, inclusive por meio do expansionismo e da violência.
C] A Jihad é o esforço individual de todo muçulmano para
seguir a vontade de Alá.
D] A Jihad é a luta interior para dominar as más inclinações
e livrar-se do pecado e do inferno.
E] A defesa da vida e dos ideais também correspondem ao i n -
tuito da Jihad.

3. As cosmogonias judaica, cristã e islâmica apresentam muitos


aspectos em comum, como a crença em anjos, céu e inferno.
Sobre esse tema, leia e analise as afirmativas a seguir,
i. Alá criou os anjos do fogo, seres submissos à vontade do
Criador.
li. O p r i m e i r o ser humano f o i criado do barro e t i n h a
livre-arbítrio.
IH. Alá criou os génios da luz e, assim como aos homens, foi-lhes
concedido o livre-arbítrio.

Agora, assinale a alternativa que apresenta a resposta correta:

A] As afirmativas I e I I são verdadeiras.


B] Somente a afirmativa I é verdadeira,
c] Somente a afirmativa I I é verdadeira.
D] As afirmativas I e III são verdadeiras.
E] Somente a afirmativa III é verdadeira.
139 O ciclo da vida islâmica, a profissão de fé, a cultura e a cosmogonia

4 . A civilização islâmica desenvolveu uma ampla gama de conhe-


cimentos na arte, na ciência, na literatura e na arquitetura. No
islamismo, a arquitetura das mesquitas e dos palácios:
A] expressa a união de todos os povos islamizados espalhados
pelo mundo.
B] serve para mostrar aos povos conquistados o poder militar.
c] demonstra o alto grau de desenvolvimento intelectual dos
muçulmanos.
D] não tem significado específico, somente segue a antiga
tradição dos povos árabes.
E] tem a função específica de adoração a Alá e de mostrar a
grandiosidade do islã.

5. Relacione os lugares sagrados do islã às suas respectivas


representações:
A - Meca
B - Medina
c - Jerusalém
D-Karbalah
E — Najaf

[ ] Cidade que contém os restos mortais do profeta Maomé e


de seus companheiros.
[ ] Cidade onde foi construída a mesquita da Cúpula da Rocha.
[ ] Cidade de peregrinação no mês de Ramada.
[ ] Cidade de peregrinação shiita que abriga os restos mortais
do imã Huseyn.
[ ] Cidade onde se encontra o túmulo do califa Ali ibn Abi Talib.

Agora, assinale a alternativa que indica a sequência correta:

A] b, c, a, d, e.
B] c,a, e,d,b.
c] e, d, c, a, b.
D] a, e, d , b , c.
E] d, b, e, c, a.
140 O ciclo da vida islâmica, a profissão de fé, a cultura e a cosmogonia

ATIVIDADES DE A P R E N D I Z A G E M

Questões para r e f l e x ã o

Leia o trecho a seguir:

U m a luta justa n ã o pode ser s e n ã o u m ato sagrado. A v i d a do p r o -


feta nos p r o p o r c i o n a precedentes de somente três t i p o s de guerra:
defensiva, p u n i t i v a e p r e v e n t i v a . E m sua célebre correspondência
com o i m p e r a d o r Heráclito de Bizâncio, referindo-se ao assassinato
de u m e m b a i x a d o r m u ç u l m a n o e m território b i z a n t i n o , o p r o f e t a
propôs três opções: "Convertam-se ao islã; caso contrário, paguem
o t r i b u t o do jizya, s e n ã o , n ã o i n t e r f i r a m e n t r e os súditos e o islã
se aqueles d e s e j a m c o n v e r t e r - s e a ele, caso c o n t r á r i o paguem".
( H a m i d u l l a h , 1993, p. 156)

C o m base no t e x t o , responda:

1. A que t i p o de Jihad o texto se refere? Na sociedade e m que v i -


vemos, a defesa de nossa casa e de nossa família e a l u t a para
m e l h o r a r de v i d a p o d e m ser consideradas f o r m a s de Jihad?

2. Se necessário, a conversão ao i s l a m i s m o deve ser p r o m o v i d a


à f o r ç a ? Pesquise sobre o i s l a m i s m o no Brasil e i d e n t i f i q u e se
existe a l g u m r e g i s t r o dessa prática.

A t i v i d a d e aplicada: prática

1. V i s i t e , e m sua c i d a d e , u m c e m i t é r i o , i s l â m i c o o u c o m u m , e
d e s c u b r a se e x i s t e m t ú m u l o s p e r t e n c e n t e s a m u ç u l m a n o s .
Elabore u m t e x t o descrevendo as c a r a c t e r í s t i c a s observadas
e c o m p a r a n d o - a s c o m as de t ú m u l o s pertencentes a pessoas
de outras religiões.
O ISLAMISMO
NA A T U A L I D A D E

O islamismo é uma religião que, nos lugares onde é majoritária,


está diretamente associada à política. Assim, a difusão da religião
acompanhou a expansão política islâmica. Após as grandes guer-
ras mundiais, a humanidade viu-se em constante transformação,
e algumas regiões tornaram-se independentes de antigos impérios
e foram criados países.
Nesse cenário, algumas das novas lideranças políticas decidiram
pela modernização, no sentido de adaptar a prática do islamismo às
inovações políticas, tecnológicas e comportamentais do Ocidente.
Toda mudança, porém, acarreta conflitos originados do contraste
do antigo com o novo. Neste capítulo, discutiremos o surgimento
do extremismo, sua relação com o islã e seu reflexo na política e
nas relações com a sociedade ocidental no século XXI.
O Brasil tem sido u m lugar de refúgio e morada para os m u -
çulmanos que fugiram e ainda fogem das guerras e de outros pro-
blemas em seus países de origem. Aqui, eles puderam reconstruir
suas vidas e contribuíram para o desenvolvimento da sociedade
brasileira. O islã, conforme veremos a seguir, é uma religião que se
autoproclama cosmopolita, é praticada no mundo inteiro e apre-
senta uma grande diversidade entre seus praticantes.
142 O islamismo na atualidade

6 1
0 mundo islâmico na Idade
Contemporânea
Nos períodos entreguerras, foi possível observar duas atitudes
entre os países islâmicos: as modernizadoras e as laicizantes, estas
últimas visando aproveitar alguns dos avanços económicos, sociais
e políticos dos países ocidentais. O primeiro modelo foi o da Turquia,
surgido após a Primeira Guerra Mundial, em que Mustafah Kemal
Ataturk instituiu a separação entre religião e Estado e substituiu
o islamismo pelo nacionalismo (Erickson, 2013).
Ataturk resgatou uma Turquia falida, recuperou territórios na
Anatólia e fundou uma república laica, assumindo uma estratégia
modernizadora. Ele acreditava que o mundo islâmico estava f i -
cando para trás e concluiu que a forma de prosperar era, em certa
medida, ocidentalizar os países islâmicos e imitar os costumes
e as legislações dos países ocidentais, deixando o mundo islâmico
mais aberto.
Entre suas medidas modernizadoras, acabou com a autoridade
do sultão, incluiu a língua árabe como oficial do Estado, restrin-
gindo sua utilização às funções religiosas, valorizou a língua turca
e adotou o alfabeto latino (Erickson, 2013).
Depois da Segunda Guerra Mundial, o governante egípcio
Gamai Abdel Nasser criou a ideologia do pan-arabismo, que buscava
instituir u m grande Estado ou uma federação de países árabes.
O elemento aglutinador seria u m inimigo comum, o Ocidente,
especialmente o Estado de Israel, com características socialistas
e a religião islâmica como identidade cultural. Esse modelo foi
exportado com êxito para a Síria e o Iraque (El-Sadat, 1985).
Pretendia-se criar um Estado tradicional e fundamentalista,
sob a justificativa de que a posição subordinada dos países ára-
bes era consequência do fato de haver abandonado os princípios
islâmicos. O pan-arabismo rechaçava violentamente as formas
143 O islamismo na atualidade

políticas, sociais e económicas ocidentais, propunha a imposição


da Shariah, tendo como modelo a Arábia Saudita, e defendia que
o Alcorão deveria ser a constituição de todo o m u n d o islâmico.
O xeque da dinastia Saud aproveitou-se do caos gerado no
Império T u r c o - O t o m a n o pelos ingleses para e l i m i n a r o u t r o s
xeques da Arábia e unificar toda a península sob seu comando
(Schiavo, 2014).
Em 1933, os árabes Saud tiveram sua monarquia reconhecida
pelos Estados Unidos e firmaram vários acordos com esse país,
incluindo a entrada de empresas para exploração do petróleo, como
a Standard O i l Company. Este combustível é considerado estraté-
gico e, após a Segunda Guerra M u n d i a l , a empresa transformou-se
na Companhia Arabe-Americana de Petróleo (Schiavo, 2014).
Na década de 1950, em meio à Guerra Fria , outros acordos 1

f o r a m firmados, como os de cooperação m i l i t a r com uma missão


permanente e a construção de bases militares.
Outros modelos são o das Repúblicas Islâmicas e o do Irã, antiga
Pérsia, que aderiram ao islamismo shiita. Elas estavam distanciadas
do m u n d o islâmico árabe sunita, com o qual guerrearam durante
muitos anos. Após a Segunda Guerra Mundial, na era pró-ocidental,
a economia era baseada no petróleo e o governo era exercido por
u m xá (imperador), que governava de maneira autoritária.
O autoritarismo do xá e a corrupção provocaram grande des-
contentamento no fim da década de 1970. Os clérigos aproveita-
ram a situação e, liderados pelo Aiatolá K h o m e i n i , derrubaram
o regime por meio de u m a revolução, instalando uma teocracia
totalitária (Takeyh, 2009).
Na atualidade, os líderes políticos e religiosos são os aiatolás.
Para serem eleitos, além de serem descendentes de Maomé, devem
ser indicados por u m xeque (estudioso da Shariah) ou outro aiatolá.

1 Disputa ideológica, tecnológica e militar entre os Estados Unidos e a União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas ( U R S S ) .
144 O islamismo na atualidade

A maior parte deles vive em países como Iraque, Líbano, Irã,


Bahrein e Iêmen. Apesar de considerarem santas as três cidades
eleitas pelo profeta, suas peregrinações restringem-se ao mausoléu
do imã Husayn, em Karbalah, no Iraque, e a outros lugares santos,
como a cidade de Nayaf.
A Primeira Guerra do Golfo (1980-1988), ocorrida entre Irã
e Iraque, t i n h a como objetivo frear a expansão da triunfante
Revolução Islâmica do Irã. O Ocidente apoiou o líder pan-arabista
Saddam Hussein, que pretendia ampliar seu controle sobre o petró-
leo na região. A superioridade tecnológica do Iraque, patrocinado
pelos Estados Unidos, foi derrotada pela superioridade numérica
dos iranianos (Hiro, 1991).
A Segunda Guerra do Golfo (1990-1991) iniciou-se quando
o Iraque, governado por Saddam Hussein, invadiu o Kwait, u m
emirado riquíssimo em petróleo, visando recuperar as perdas
económicas da guerra entre Irã e Iraque. A invasão prejudicou
o fornecimento de petróleo para os Estados Unidos e seus aliados
europeus, que rapidamente montaram uma coalizão e entraram
em guerra contra o Iraque, vencendo o exército iraquiano poucos
meses depois.
Essa região é de fundamental importância para a economia
global por ser fornecedora de petróleo; consequentemente, con-
verteu-se no palco de inúmeros conflitos entre os que lutam por
distintas ideologias islâmicas e pretendem assegurar importantes
interesses estratégicos.

62
A doutrina do wahabismo
Temendo a contestação dos shiitas e a efervescência dos pensadores,
em 1019, Al-Qadir, o califa abássida de Bagdá, obrigou a leitura
em todas as mesquitas de uma profissão de fé que fixava u m credo
oficial e proibia a exegese do Alcorão. Segundo a expressão sagrada
145 O islamismo na atualidade

"Fechou a porta da Jihad", o esforço pessoal da busca espiritual


a n i m o u a imitação s e r v i l , o taqlit , em d e t r i m e n t o da inovação
2

que praticavam os sunitas. M u i t o s veem nesse acontecimento


a origem distante e o embrião ideológico do fundamentalismo e
do integrismo muçulmano (Haj, 2002).
O wahabismo é uma seita ou corrente religiosa surgida na Arábia,
no século X V I I I , tendo como criador o teólogo M u h a m m a d I b n
Abd al-Wahhab, m u i t o influenciado pelas obras de I b n Taymiyya,
teólogo e jurisconsulto que propunha uma visão restritiva do islã
e a recusa aos filósofos e místicos muçulmanos.
Segundo D i l l o n (2009), a doutrina condenou os muçulmanos
que veneravam a morte, os santos e os anjos e p r o i b i u todo tipo de
reza para os santos e antepassados; a realização de peregrinações
a tumbas e mesquitas; as cerimónias religiosas que comemoravam
os santos; as homenagens em comemoração ao aniversário do
profeta Maomé; e o uso de lápides para sepultar os mortos.
Segundo o wahabismo, todos os muçulmanos deveriam esta-
belecer uma aliança com u m único líder muçulmano. Aqueles que
não se adequassem a essa visão seriam eliminados, suas viúvas
e filhas, violadas, e suas possessões, confiscadas.
Para al-Wahhab, todos aqueles que ele não considerava muçul-
mano ou que estavam em estado de apostasia mereciam m o r r e r ,
o que incluía os muçulmanos shiitas e sufis, além de outras crenças
e denominações islâmicas minoritárias.
A incitação a essas ideias radicais p r o v o c o u a expulsão de
al-Wahhab do povoado, em 1741. Depois de m u i t o andar pela
Arábia, ele encontrou amparo em M u h a m m a d I b n Saud, que era
do clã saudita e líder de uma das tribos de Nayad. Juntos, f o r m a r a m
uma aliança e f u n d a r a m uma seita baseada na interpretação da
Sunna (Dillon, 2009). Em 1744, criaram o Primeiro Estado Saudita,

2 Aceitação pública, imitação, cumprimento dos ditames de uma autoridade religiosa.


146 O islamismo na atualidade

com capital em Al-Diriyah. À medida que conquistavam as tribos


guerreiras do deserto, suas ideias e interpretações austeras e pouco
ortodoxas do islã eram impostas e se converteram na base do Estado,
sendo uma das principais práticas da doutrina de al-Wahhab o
takfirismo (excomunhão) e a destruição dos inimigos.
Aproveitando-se da doutrina de al-Wahhab, o clã saudita leva-
va a cabo as ações que sempre havia realizado: saquear os povos
vizinhos e apropriar-se de seus bens, só que agora não fazia isso
seguindo a tradição árabe, mas respaldando-se na ideia da Jihad.
Os integrantes do movimento criaram a figura do mártir, se-
gundo a qual aqueles que perecerem em nome de Alá e cumprirem
suas ordens no desempenho da Jihad ganharão a entrada para o
paraíso, concebido como u m lugar de sensações perfeitas e i n -
finitas junto aos Houris . Essas ideias, apoiadas no conceito de
3

Jihad como uma luta interna, serviram para justificar o chamado


à guerra e ao terrorismo.
Em 1801, os wahabistas atacaram a cidade sagrada de Karbalah,
no Iraque, massacrando milhares de muçulmanos shiitas, incluindo
mulheres e crianças. Destruíram muitos mausoléus shiitas, entre
eles a tumba do imã Husayn, neto do profeta Maomé, saquearam
a cidade e assassinaram mais de 5 m i l pessoas inocentes.
Os seguidores de al-Wahhab destruíram monumentos históri-
cos e todas as tumbas e mausoléus que encontraram pelo caminho.
Em Meca e em Medina, destruíram séculos de arquitetura islâmica.
Em 1818, os turcos otomanos invadiram os territórios sauditas
e conquistam Al-Diriyah. Capturaram o imã Suleyman, neto de
al-Wahhab, que foi fuzilado; e Abdullah ibn Saud, que foi decapi-
tado em Istambul pelo Sultão Mahmud I I . Após a crise, foi criado
o Segundo Estado Saudita em 1824 pelo imã Turki ibn Abdullah

3 Seres celestiais antropomórficos, jovens virgens concebidos por Alá para a felicidade daqueles
que possuem merecimento.
147 O islamismo na atualidade

al-Saud, que teve o poder questionado p o r u m a dinastia r i v a l ,


dando início a u m a guerra c i v i l .
Em 1892, a dinastia dos al-Rashid, com a ajuda dos turcos, apo-
derou-se da nova capital, a cidade de Riad, marcando o término do
Estado wahabita. Os britânicos, porém, com o objetivo de enfra-
quecer os turcos, entraram na guerra e apoiaram u m m e m b r o da
família saudita, Abdelaziz i b n A b d e r r a h m a n I b n Faysal al-Saud,
na retomada do poder.
Com os britânicos, os sauditas i n i c i a r a m o processo de r e -
conquista do poder entre 1902 e 1912, d o m i n a n d o Riad e outras
cidades. Em 1924, apoderaram-se de Meca e M e d i n a , mantendo
a doutrina wahabista em uma contínua guerra de expansão. Em
1932, c r i a r a m o Terceiro Estado e Reino Wahabista da Arábia
Saudita. Para solidificar definitivamente seu poderio na região,
os sauditas firmaram u m acordo m i l i t a r com os estadunidenses
em troca de fornecimento de petróleo.
Entre os muçulmanos, existe uma grande animosidade de a l -
guns grupos em relação ao wahabismo. Para os grupos islâmicos
extremistas, as pregações de M u h a m m a d Ibn Abd al-Wahhab não
se opõem às pregações do profeta Maomé, pois ambos pregavam
a unicidade de Alá e p r o i b i a m o politeísmo, chamando o povo
a adorar Alá, sem associá-lo a outros deuses pagãos e seguindo os
caminhos de Maomé. Os grupos que se opõem aos caminhos do
profeta se d e n o m i n a m com o nome de seus fundadores, como os
jahmiya, os muhtazilah e os sufis, entre outros grupos (Blanchard,
2008).

63
Os grupos extremistas no islã
E possível identificar o início de ações terroristas no século XX -
praticadas por sauditas já em 1925 - massacrando muçulmanos
considerados apóstatas e destruindo inúmeros sítios arqueológicos.
148 O islamismo na atualidade

Pouco depois, e m 1928, f o i f u n d a d a n o Egito a Fraternidade


M u ç u l m a n a Al-Ikhwãn, i r m a n d a d e cujo o b j e t i v o é l i b e r t a r o
país da dominação britânica, tendo a mesma génese doutrinária
do wahabismo saudita. A fraternidade busca p u n i r os infiéis, es-
tabelecer a união entre todos os países islâmicos e criar o Estado
Islâmico, governado por u m único califa e tendo a Sharia como
reguladora social.
Com o propósito de libertar o Egito do Ocidente, a fraternidade
iniciou uma série de atentados contra alvos considerados inimigos,
como shiitas, sunitas sob influência ocidental e não muçulmanos.
Outros países ocidentais, como os Estados Unidos, buscaram
maior influência para enfrentar os soviéticos, que t i n h a m m u i -
tos aliados na região. A fraternidade recebeu ajuda da C e n t r a l
Intelligence Agency (CIA) na década de 1950 e, mais tarde, foi con-
siderada ilegal no Egito pelo então presidente Gamai Abdel Nasser.
A p a r t i r de então, muitos de seus líderes f o r a m condenados
à prisão e à morte pelos atentados e crimes que perpetravam. Seus
membros fugiram para países como Arábia Saudita, Síria, Líbano,
Jordânia e Iraque, onde d i f u n d i a m as ideias do grupo.
Nesse meio, s u r g i r a m os salafistas, u m m o v i m e n t o ortodoxo
e ultraconservador s u n i t a . Eles são internacionalistas e consi-
deram-se uma mistura de wahabismo com outros movimentos.
Defendem que o m u n d o islâmico deve ser governado p o r u m a
Shariah baseada nos tempos do profeta e de seus companheiros.
São divididos em grupos ou ramificações que se distinguem pelo
maior ou menor destaque e envolvimento na política, na religião
e no jihadismo (Blanchard, 2008).
A expansão do f u n d a m e n t a l i s m o islâmico tornou-se mais
notável após os atentados de 11 de setembro de 2001, nos Estados
Unidos, atribuídos à organização Al-Qaeda, e ganhou mais nota-
bilidade com o Estado Islâmico em razão de execuções em massa,
149 O islamismo na atualidade

ataques pela Europa, sequestros e explosões suicidas que deixaram


o mundo perplexo.
A Al-Qaeda ("o alicerce") é uma organização wahabista ou
jihadista criada no fim da década de 1970 em meio à Guerra Fria,
com recursos dos Estados Unidos, para lutar contra os soviéticos
que apoiavam seus aliados na região do Afeganistão.
Entre os líderes da Al-Qaeda estavam sauditas como Osama bin
Laden, pertencente à segunda família mais importante da Arábia.
Essa entidade, enriquecida com o petróleo e a ajuda ocidental,
espalhou filiais pelo mundo. Após expulsar os soviéticos, atacou
alvos ocidentais em todo o Oriente Médio, inclusive seus aliados
estadunidenses, que já dispunham de muitas bases militares na
região.
De acordo com Hiro (2002), o grupo Talibã ("estudantes"), que
atua no Afeganistão, assim como a Al-Qaeda, foi patrocinado pelos
Estados Unidos para combater os russos. O Talibã subiu ao poder
no país na década de 1990, sob influência wahabista, implantou
a Shariah, começou a atacar alvos ocidentais e foi considerado
um grupo terrorista pelos antigos aliados. Do Afeganistão saiu
a ordem responsável pelo ataque de 11 de setembro de 2001.
A Al-Qaeda do Iraque e sua ramificação atuante na Síria são
responsáveis pela criação do autoproclamado Califado do Estado
Islâmico do Iraque e do Levante, ou Califado do Estado Islâmico do
Iraque e da Síria, sendo seu acrónimo Isis ou Daesh, e constituindo
o movimento terrorista mais temido do mundo.
Os extremistas são devastadores com aqueles com quem en-
tram em contato. São intolerantes a qualquer diferença política
e cultural e proporcionam uma vida miserável e sangrenta aos
que vivem sob seu controle. Esses grupos são fortemente armados,
seu poderio é composto de forças de combate internacional e são
exímios na arte da propaganda e dos meios digitais.
150 O islamismo na atualidade

Desde seu surgimento, o Isis t e m provocado as maiores destrui-


ções sistemáticas de sítios arqueológicos e culturais islâmicos dos
tempos modernos. No Iraque e na Síria, causou estragos em p a t r i -
mónios históricos da humanidade, lançando ataques com bombas
e tratores sobre obras de arte e construções de valor inestimável.
Essas ações de destruir templos e mausoléus são u m a heran-
ça de A b d u l A z i z , que assumiu o t r o n o da casa de Saud em 1925,
inspirado no wahabismo, e ordenou a demolição do t e m p l o no
cemitério de Jannatul Baqee, em M e d i n a , o qual t i n h a mais de
1400 anos. Esse procedimento vergonhoso do wahabismo, latente
entre os sauditas, retornou com toda a força com o Isis.
E m 2003, com o apoio de Osama b i n Laden, o clérigo A b u
Musab al-Zarqawi, líder islâmico sunita do Iraque, criou u m grupo
fundamentalista que d e n o m i n o u Tawhid wal-jihad ("monoteísmo
e Jihad"). Meses depois, iniciou uma campanha de propagandas
com decapitação de inimigos. Em 2004, jurou fidelidade a Osama
e r e f u n d o u seu grupo com o nome de Al-Qaeda do Iraque, que logo
depois iniciou seus ataques contra os povoados shiitas da região.
Em abril de 2006, N o u r i a l - M a l i k i de origem shiita, assumiu
o governo do Iraque e reorganizou as lutas internas. Os sunitas,
sentindo-se submetidos, intensificaram a onda de violência per-
petrada pelo grupo. Em j u n h o desse mesmo ano, u m ataque aéreo
liderado pelos Estados Unidos matou al-Zarqawi. Após o ocorrido,
A b u O m a r al-Bagdadi f o i nomeado líder e houve a criação do
Estado Islâmico do Iraque.
A nova organização continuava os ataques, porém, visando
ao crescimento, acomodou-se sem grandes investidas contra os
i n i m i g o s e ganhou simpatia entre os sunitas, até que, em 2010,
Abu Omar al-Bagdadi foi m o r t o em u m ataque aéreo, e seu lugar
foi assumido por A b u Bakr al-Bagdadi.
Em 2011, com o início da guerra civil na Síria, Bashar al-Assad
contava com o apoio dos shiitas do Irã e do Hezbollah no Líbano
151 O islamismo na atualidade

para combater os rebeldes sunitas. Em 2012, em meio à guerra civil,


foi criado o grupo Jabhat al-Nusra ("frente da vitória"), uma r a m i f i -
cação da Al-Qaeda que pretendia instituir u m Estado Islâmico sob
a Shariah, mas antes precisava derrotar o governo laico da Síria.
E m decorrência das derrotas sofridas, o g r u p o m u d o u seu
nome para Jabhat Fateh al-Sham ("frente da conquista do levante"),
a f i m de ser excluído da lista de organizações terroristas, porém
não obteve êxito. Segundo os membros desses grupos terroristas, os
Estados Unidos despontaram como os maiores apoiadores, segui-
dos de Catar, Arábia Saudita, Turquia e Israel, que os financiavam''
com armas e outros recursos.
E m 2013, os m e m b r o s do Jabhat a l - N u s r a f u n d i r a m - s e ao
Estado Islâmico do Iraque, mudando o nome para Estado Islâmico
do Iraque e da Síria (Isis/Daesh). Para c o n t i n u a r a financiar
a guerra, o grupo fortalecido apoderou-se de poços e refinarias de
petróleo nos territórios ocupados e iniciou o tráfico do petróleo
cru. O Daesh passou a trocar reféns e a libertar prisioneiros da
Al-Qaeda, expandiu-se a ponto de expulsar os rebeldes que es-
tavam em conflito com os exércitos sírios e t o m o u boa parte dos
territórios da Síria e do Iraque.
Em j u n h o de 2014, quando Abu Bakr al-Bagdadi se autoprocla-
m o u governador de todos os muçulmanos, sofreu duras críticas
dos eruditos da religião, dos mais moderados aos mais extremistas,
que o denunciaram em uníssono como u m farsante, enquanto
o m u n d o ficava perplexo diante da violência e do assassinato
perpetrado por seus seguidores.
Talvez não exista uma ameaça maior à estabilidade e ao desen-
volvimento do Oriente Médio e do norte da África que o chamado
Estado Islâmico do Iraque e da Síria. Com o controle de u m território

4 E s s e s países utilizam e s s e s grupos terroristas para alcançar seus objetivos políticos e e c o -


nómicos na região.
152 O islamismo na atualidade

quase do tamanho do Reino Unido, o grupo tem provocado estragos


nos países ocupados, entre eles Síria, Iraque e Curdistão iraquiano.
Esse g r u p o terrorista continua d i f u n d i n d o sua ideologia e a
barbárie na região e em todo o mundo. O Daesh, como uma versão
do wahabismo, vale-se do conceito do t a k f i r i s m o para se desfazer
de seus detratores. Considera infiel toda pessoa que usa vestimenta
ocidental ou faz a barba, a quem é empregada a pena de morte como
castigo. Esse tipo de pena é aplicado em lugares controlados pelo
Daesh e na Arábia Saudita, onde o wahabismo tem maior influência.
Os métodos de ação de grupos como o Daesh são carros-bombas,
ataques suicidas, massacres, estupros, decapitação de i n i m i g o s e
recrutamento de crianças, com atentados em cidades de grande
visibilidade, como, por exemplo, Paris.
Sem dúvida, a f o n t e ideológica de todos esses crimes são
o wahabismo e a interpretação ultraconservadora das escrituras
do Alcorão, tendo ainda o amparo das autoridades sauditas. Em
j u l h o de 2013, o Parlamento Europeu identificou o wahabismo
como a p r i n c i p a l fonte de t e r r o r i s m o no m u n d o e declarou ser
necessário encontrar de forma imediata uma solução, pois muitas
vidas seguem em perigo.
Outra filial é a Al-Qaeda do Magreb Islâmico, que vem atuando
em países como Argélia, Líbia, Mauritânia, Níger e M a l i e t e m
causado grandes estragos na região. Seu líder é A b d e l Maleke
Droukdel e o grupo tem associados, entre os quais a organização
Os que Firmam com Sangue, cujo líder é Mojtar Belmojtar, que atua em
países como Argélia, Líbia, Mauritânia, Níger e M a l i ; o Movimento
pela Unificação do Jihad na África Ocidental (Muyad), cujos líderes são
Hamaha e Kheirou, que atua em M a l i (Gao); e o grupo Ansar Dine,
liderado por A g G h a l i , que atua em M a l i (Kidal).
O Talibã, outro g r u p o auxiliar da Al-Qaeda e financiado pelos
Estados Unidos, transformou-se em partido político e assumiu
o poder no Afeganistão, onde i m p l a n t o u a Shariah ( M u e l l e r
153 O islamismo na atualidade

et al., 2017). Após os atentados de 11 de setembro de 2001, tor-


nou-se inimigo do Ocidente e, por meio de uma sangrenta guerra
empreendida pelos Estados Unidos, deixou o poder depois de
destruir todo o país, com uma cifra de mais de 600 m i l mortos
(Cordesman, 2017).
Outro grupo jihadista é o Boko Haram ("ocidente proibido/pe-
cado"), que atua em países como Nigéria, Níger e Camarões e tem
como líder Abu Bakar Shekal. O grupo, que jura lealdade ao Daesh,
é considerado o Estado Islâmico da Africa Ocidental e acusado do
assassinato de mais de 32 m i l pessoas, deixando milhares de desa-
brigados e expulsando mais de 2 milhões de pessoas de suas casas.
Originário da Nigéria, no norte do país, uma região islamiza-
da e praticante da Shariah desde o século X I , o Boko Haram foi
criado por Mohamed Yusuf. Em 1999, com o fim dos governos
militares, a redemocratização e a incapacidade dos novos governos
de resolver os problemas da pobreza, os muçulmanos buscaram
a imposição da lei islâmica para organizar a sociedade.
Em 2002, visando à expansão do islã como forma de resolver
os problemas sociais, o grupo aproveitou as divergências inter-
nas deixadas pelos antigos governos imperialistas, em especial
a Inglaterra, e, com o apoio dos muçulmanos ricos que estavam
na política, organizou a população contra a influência ocidental,
culpando-a pela corrupção e pelas mazelas do mundo.
Algum tempo depois, surgiram os primeiros problemas com
o governo da Nigéria. Após alguns conflitos com a polícia, a l -
guns grupos mais radicais organizaram ataques contra cristãos,
muçulmanos de outras comunidades e praticantes das antigas
religiões tradicionais africanas. Em decorrência do aumento da
violência, o governo acirrou a repressão e matou milhares de
pessoas, a maioria inocentes.
Mohamed Yusuf foi capturado pelas forças governamentais
e foi fuzilado sem julgamento. Isso causou uma grande revolta em
154 O islamismo na atualidade

seus seguidores, que dividiram-se em células e tomaram o controle


do grupo, sendo sua representação imediatamente substituída
por Abu Bakar Shekal. O grupo m i g r o u para a v i z i n h a Níger e, em
2010, já organizado, atacou deliberadamente as populações que
divergiam de sua doutrina.
Em 2014, o Boko Haram d o m i n o u extensas áreas no noroeste
da Nigéria e a guerra entre os exércitos do Estado e os terroristas
foi responsável pelo massacre de milhares de pessoas. O grupo
sequestrou 276 alunas no noroeste da Nigéria e propôs entregá-las
em troca da libertação de alguns de seus integrantes. Uma coalizão
liderada pela França com os países limítrofes (Níger, Camarões e
Chade) interveio m i l i t a r m e n t e .
Em 2015 e 2016, o Boko H a r a m continuava com seus ataques
e toda a população dos lugares onde seu grupo atuava estava sendo
afetada. Na atualidade, enfraquecido, ainda tem muitos reféns em
seus domínios, principalmente mulheres e crianças.
Os jihadistas do g r u p o al-Shabaab ("juventude") a t u a m na
Somália, no Quénia, na Etiópia e em D j i b u t i e seu líder é A b u
Zubeyr (Godane). Surgiu em 2006, na Somália, após a derrota da
União dos Tribunais Islâmicos da Somália, e tinha como principal
líder, à época, A h m e d A b d i Godan. Com o objetivo de criar u m
Estado islâmico, assumiu o controle de boa parte dos territórios
do país. Conta com mais de 9 m i l combatentes, sendo a maioria
proveniente dos campos de refugiados na fronteira do Quénia e da
Etiópia. O al-Shabaab aplica a Shariah nos territórios que controla,
executa punições públicas e pratica o tráfico ilegal de m a r f i m e
outros crimes, como sequestros e assassinatos.
Em 2009, o al-Shabaab perpetrou u m ataque a u m a base da
União Africana e, em 2010, foi acusado da morte de 76 pessoas em
Uganda. Em 2011, outro atentado matou setenta pessoas.
Em 2011, as tropas governamentais, com a ajuda do Quénia e da
União A f r i c a n a , obrigaram o grupo a se dispersar. Logo depois,
155 O islamismo na atualidade

o grupo realizou várias incursões nas fronteiras contra soldados


dos países envolvidos e declarou a adesão f o r m a l à organização
Al-Qaeda, em 2012.
Em 2013, o al-Shabaab atacou u m t r i b u n a l , o que resultou em
29 mortos. Na atualidade, aproveita-se das divisões políticas nos
países onde atua e segue lutando contra os governos e seus exér-
citos, utilizando formas variadas de combate, sendo o t e r r o r i s m o
seu maior instrumento.
Outros grupos jihadistas em ação são o m o v i m e n t o dos Filhos
do Saara para a Justiça Islâmica, que atua na Mauritânia e na
Argélia e t e m como líder Lamin Bouchnab; com sede em Túnis, o
grupo Ansar al-Shariah ("defensores da Shariah"), cujo líder é Ben
Yacine; o grupo Ansar al-Shariah, da Líbia, cujo líder é A l Zawawi;
e os terroristas do Ansar al-Shariah, do Iêmen.
O Hamas ( " m o v i m e n t o de resistência islâmica") surgiu em
1987 durante a Primeira Intifada ("agitação/levante") dos pales-
tinos contra Israel; é u m ramo da Irmandade Islâmica do Egito e
atua na Faixa de Gaza. Seu objetivo é destruir o Estado de Israel
e criar u m Estado palestino em toda a área. Para alcançar esse
objetivo, o grupo t e m realizado inúmeros ataques ao território
judeu, incluindo atentados suicidas.
Em 2006, o Hamas ganhou poder político pela via democrática
e, após vencer o Fatah nas eleições do Conselho Legislativo da
Palestina, c o n t r o l o u aqueles territórios e expulsou seus adver-
sários políticos para a Cisjordânia, tomando o controle total da
Faixa de Gaza em 2007.
Esses grupos são todos jihadistas sunitas. Os grupos ligados
à Al-Qaeda tem sua génese no wahabismo saudita e na doutrina
da Irmandade Muçulmana do Egito, pretendem criar u m grande
califado e i m p l a n t a r a Shariah. Rechaçam os shiitas, os grupos de
sunitas que divergem e todos os não muçulmanos.
156 O islamismo na atualidade

Entre os grupos terroristas diferenciados, estão as Brigadas


dos Mártires de Al-Aqsa, que pertenciam ao Fatah e, depois de
divergências com a autoridade palestina, tornaram-se jihadistas
e passaram a atuar de maneira independente, declarando guerra
ao Estado de Israel e praticando atentados terroristas contra alvos
israelenses.
Na década de 1980, s u r g i r a m no Líbano, como resultado da
guerra c i v i l , vários grupos de militares shiitas amparados pelo
novo governo do Irã. O conjunto desses soldados é denominado
Hezbollah ("partido de Alá"). Esses grupos pretendiam l i v r a r o sul
do país da ocupação israelense e fazer frente aos grupos jihadistas
mais radicais. Eles enfrentaram-se em combates e houve grande
perda de vidas, principalmente de civis no lado libanês. A p o p u -
lação que mais sofreu com o conflito foi a shiita, que constituía
grande parte da população, aproximadamente 40%, e estava entre
os mais pobres.
O Hezbollah converteu-se em u m verdadeiro partido político
e elegeu grande quantidade de representantes no governo. Realizou
investimentos económicos, abertura de bancos, construção e fi-
nanciamento de escolas e hospitais, além de i n s t i t u i r u m fundo
de patrocínio para as famílias prejudicadas pelas guerras.
Esse g r u p o diferencia-se dos jihadistas, pois não pretende
criar u m Estado islâmico n e m instalar a Shariah, uma vez que
seus dirigentes e n t e n d e m que o Líbano é u m país p l u r a l e f o i
respeitando isso que conseguiram o apoio de grande parte da
população do país, incluindo cristãos e outras minorias. Mesmo
sendo apoiados pela República do Irã, não obedecem a ordens dos
aiatolás, conservando sua autonomia e, por isso, m u i t o s países
não os consideram u m grupo terrorista.
157 O islamismo na atualidade

«•* Século XXI: os conflitos


no Oriente Médio
As guerras do Golfo Pérsico constituíram-se em lutas pelo domínio
político e económico do Oriente Médio, caracterizado principal-
mente pela influência direta do Ocidente nessas competições pela
hegemonia da região, que se arrastam do início do século XX até
a atualidade, tendo como pano de fundo o islamismo.
Após os atentados de 11 de setembro em 2001, a relação do
Ocidente com o Oriente Médio islâmico mudou drasticamen-
te. Como represália, os Estados Unidos enviaram tropas para o
Afeganistão objetivando combater os jihadistas e tomar o poder do
Talibã, partido político que dava apoio aos membros da Al-Qaeda,
responsabilizada pelo ataque (Gomes; Mikhael, 2018).
No Afeganistão, os talibãs foram retirados do poder após a inva-
são empreendida pelos Estados Unidos e seus aliados. No entanto,
na atualidade, em virtude da constituição geográfica montanhosa
da região, que dificulta o controle e a perseguição dos grupos ex-
tremistas, os jihadistas ainda oferecem grande resistência.
Hinnebusch (2007) assinala que, em decorrência dos atenta-
dos de 11 de setembro de 2001, os Estados Unidos eliminaram seu
antigo aliado, Saddam Hussein, alegando que ele apoiava grupos
jihadistas e armazenava grande quantidade de armas de destrui-
ção em massa. Uma série de bombardeios deu início, em 2003,
à Terceira Guerra do Golfo.
Os Estados Unidos organizaram uma coalizão internacional
e bombardearam o Iraque durante vários dias seguidos, destruíram
todas as suas estruturas, invadiram o país e capturaram Saddam
Hussein, que, depois de julgado, foi condenado à morte e executado.
No fim do conflito, órgãos de inspeção internacional concluí-
ram que não existiam armas de destruição em massa. Essa guerra
foi responsável pela morte de centenas de milhares de pessoas
158 O islamismo na atualidade

inocentes e pela destruição do Iraque, u m dos países mais belos


e organizados da região, o que abriu precedentes para conflitos
entre as distintas comunidades que f o r m a v a m o país (sunitas,
shiitas e curdos), que, por sua vez, passaram a combater por meio
de milícias e atos terroristas.
Antes da invasão dos Estados Unidos, Saddam Hussein conse-
guia manter a unidade do país e o controle dos grupos terroristas.
Conforme Oosterveld e Bloem (2017), após a invasão, o caos ins-
taurou-se. Foi fundado o Estado Islâmico do Iraque (2006-2013)
e tudo piorou com a saída das tropas dos Estados Unidos, ainda
no mandato do presidente Barack Obama, pois a instabilidade
do país fortaleceu o Isis, que passou a governar grande parte do
território iraquiano.
Em 2010, em vários países islâmicos, houve u m a série de re-
voltas que ficaram conhecidas como Primavera Árabe. A hipótese
sobre o motivo do m o v i m e n t o foi a baixa qualidade de vida, o alto
índice de desemprego e a população pobre vivendo sob o domínio
de regimes políticos autoritários e corruptos.
As p r i m e i r a s revoltas iniciaram-se em dezembro de 2010, em
Túnis; e em janeiro de 2011, no Egito. Além da participação popular,
contaram com o apoio do exército, que destituiu ditadores que
governavam há várias décadas. Essas p r i m e i r a s revoltas esten-
deram-se a outros países, como Líbia, Síria, Argélia, Marrocos e
Barein. Os governantes desses países responderam com grande
repressão. Na Líbia e na Síria, as revoltas originaram guerras civis.
O exército da Líbia foi acusado de u m suposto massacre do povo
líbio. No entanto, o que ocorrera é que algumas dezenas de m a -
nifestantes apoderaram-se de u m t r a t o r e forçaram a entrada
em u m a base m i l i t a r . Os soldados responderam com disparos,
ato que foi taxado como u m massacre pelas agências de notícias
internacionais, visando depreciar o exército perante a população
e iniciar uma guerra armada contra o governo.
159 O islamismo na atualidade

Os países ocidentais unidos pela Organização do Tratado do


Atlântico Norte (Otan) entraram no conflito, destruíram a Líbia
e assassinaram o líder Muamar al-Gaddafi. Essa operação provocou
a morte de milhares de pessoas e dividiu o país, que permanece
em guerra civil até a atualidade. Na Líbia, grupos políticos e m i -
litares de ideologias diversas, entre eles o Isis, brigam pelo poder
(Jones et al., 2017).
Em março de 2011, milhares de manifestantes foram às ruas na
Síria exigindo mais democracia e abertura para o mercado. Houve
uma dura repressão por parte dos militares, a qual provocou a ex-
pansão de uma revolta armada que deu origem a uma guerra civil.
Como mencionado anteriormente, o Estado Islâmico aproveitou-se
da conjuntura e criou o Califado do Iraque e da Síria.
Com os ataques químicos atribuídos ao exército do presidente
Bashar al-Assad, os Estados Unidos iniciaram uma intervenção
militar sob o pretexto de combater grupos jihadistas, acabar com
o governo sírio e realizar eleições.
De acordo com Jones et al. (2017), o Isis passou a atacar qual-
quer u m que não estivesse submetido à sua doutrina. Em 2014,
os Estados Unidos lançaram uma ofensiva direta contra pontos
estratégicos dos jihadistas após a filmagem da decapitação de inú-
meras pessoas, entre elas, jornalistas estadunidenses e cidadãos
de várias nacionalidades.
Esse evento desencadeou uma série de atentados na Europa
e nos Estados Unidos, o que foi imediatamente respondido com
mais ataques das forças ocidentais, prejudicando as populações
que viviam naqueles locais. Milhões de refugiados atravessaram
as fronteiras dos países europeus em busca de ajuda.
Em 2015, o governo de Bashar al-Assad, enfraquecido, já havia
perdido boa parte do território sírio e a infraestrutura das maio-
res cidades já estava consideravelmente destruída, com milhões
160 O islamismo na atualidade

de pessoas desabrigadas e passando fome. Os sobreviventes v i -


v i a m em meio a ruínas, bombardeios e ataques de todos os lados
combatentes.
Bashar al-Assad pediu ajuda à Rússia, que atacou posições
estratégicas do Isis em território sírio, equipou e enviou comba-
tentes russos, abasteceu as tropas de Bashar al-Assad com t a n -
ques e artilharia e defendeu o regime perante a Organização das
Nações Unidas (ONU). O Irã enviou sua Guarda Revolucionária
para auxiliar o regime sírio no combate aos jihadistas e fortaleceu
a segurança nas cidades administradas pelo governo.
No Líbano, o Hezbollah apoiou Bashar al-Assad e despertou
a desconfiança do Estado de Israel, que reforçou, com seus exér-
citos, as fronteiras entre os dois países. No norte da Síria, os cur-
dos, respaldados pelos Estados Unidos e pela Otan, resistiram ao
avanço do Isis em seus territórios. O apoio aos curdos preocupou
a Turquia, pois acreditava-se que os guerrilheiros independentes
curdos desejavam f o r m a r uma república que incluiria parte do
território turco.
Bashar al-Assad foi acusado diversas vezes de utilizar armas
químicas e a resposta dos Estados Unidos f o i o lançamento de
mísseis e bombardeios aéreos em várias posições dos exércitos
sírios, entrando em desentendimento com a Rússia. A p a r t i r de
então, os ataques da O t a n não estavam mais direcionados aos
grupos extremistas.
O Isis enfrentava u m a guerra em várias frentes e, aos poucos,
foi expulso dos territórios que havia ocupado. O governo de Bashar
al-Assad voltou a controlar a maior parte da Síria, mas distintos
grupos ainda permanecem em algumas regiões do país.
A diplomacia do governo sírio ofereceu várias possibilidades
de diálogo com grupos insurgentes para tentar resolver o problema
político e m i l i t a r . Os Estados Unidos c o n t i n u a m suas ofensivas
e têm recebido críticas de seus cidadãos e do m u n d o .
161 O islamismo na atualidade

Depois da retirada das tropas do Iraque e de parte do Afeganistão,


as autoridades estadunidenses pensam em uma retirada da Síria.
Com milhares de soldados mortos e bilhões de dólares investidos
em gastos militares, a opinião pública dos Estados Unidos vem
questionando os benefícios para as populações dos países sob
intervenção militar ocidental (Jones et al., 2017).
Na atualidade, verifica-se que as contradições da ocupação
militar no Oriente Médio permanecem e as razões para a ocupação
são consideradas obsoletas, sendo cada vez mais questionadas
(Stephens, 2019).
As afirmações sobre os reais motivos dos conflitos e das inter-
venções recaem sobre o interesse no controle do petróleo pelas
empresas estadunidenses e europeias, que pretendem diminuir
a influência dos regimes mais nacionalistas sobre as riquezas
energéticas do Oriente Médio.

65
O islamismo no Brasil
Segundo a crença islâmica, antes mesmo da chegada dos primeiros
europeus à América, os muçulmanos já haviam estado no conti-
nente americano. O historiador muçulmano Abu al-Hasan Ibn Ali
al-Massudi relatou, em seu livro Os prados de ouro e pedreiras de gemas,
que u m aventureiro de Córdoba chamado Al Kashkash ibn Said
Ibn A l Asuad cruzou o Mar das Trevas com seus companheiros
5

até chegar detrás do mar e regressou em 889, afirmando que havia


encontrado gente nas terras a que chegou.
Em 1154, o geógrafo e cartógrafo muçulmano Abu Abdillah
Muhammad al-Idrisi al-Hashimi al-Qurashi, conhecido como Al
Idrisi, desenhou u m mapa em uma grande esfera e demonstrou
que os muçulmanos sabiam da esfericidade da Terra.

5 Como era conhecido o Oceano Atlântico.


162 O islamismo na atualidade

A l S h a r i f a l - I d r i s i escreveu, e m seu l i v r o Reinos e rotas, a história


de u m g r u p o de jovens a v e n t u r e i r o s m u ç u l m a n o s que s a í r a m de
barco de Lisboa, que pertencia aos m u ç u l m a n o s naquela época,
e a t r a v e s s a r a m o M a r da Trevas. A o chegar, a l g u n s deles d e s -
c r e v e r a m as pessoas da t e r r a e os reis e d i s s e r a m ter e n c o n t r a d o
indivíduos que f a l a v a m á r a b e .
O u t r o s grupos de m u ç u l m a n o s já h a v i a m estado na A m é r i c a .
Relatos a p o n t a m que a nobreza do I m p é r i o M a l i , da África, e m -
preendera expedições pelos l i t o r a i s a m e r i c a n o s , p r i n c i p a l m e n t e
nas atuais A m é r i c a s do Sul e C e n t r a l . Para os m u ç u l m a n o s , os reis
europeus i n c e n t i v a r a m as viagens porque t e m i a m que outras terras
c a í s s e m nas m ã o s dos m u ç u l m a n o s .
Os registros oficiais da v i a g e m de Pedro A l v a r e s C a b r a l m o s -
t r a m que ele veio a c o m p a n h a d o de dois m u ç u l m a n o s : S h u h a b i d i n
I b n M á j i d e M u s a I b n Sahte. M a s f o i s o m e n t e após o início d o
processo de conquista do território, c o m a c o n s t r u ç ã o de f e i t o r i a s ,
que os m u ç u l m a n o s apareceram c o m o navegadores que v i n h a m
comerciar. M a i s t a r d e , c o m o crescente n ú m e r o de escravos a f r i -
canos, t a m b é m c h e g a r a m os i s l a m i z a d o s .
N o B r a s i l , os i s l â m i c o s e s t i v e r a m presentes na Revolta dos
M a l e s , o c o r r i d a na Bahia. O t e r m o malê, no Brasil, era u t i l i z a d o
e n t r e os iorubás para r e f e r i r - s e aos africanos i s l a m i z a d o s , p r o -
venientes de regiões da a t u a l Nigéria e do Níger. Os escravizados
m u ç u l m a n o s s a b i a m ler e escrever e m árabe, p o r t a v a m o Alcorão
e m u m a pequena bolsa d e p e n d u r a d a e m u m a espécie de colar co-
nhecido como patuá e usavam as vestimentas e os acessórios típicos.
E m 1835, período de e x p a n s ã o do i s l a m i s m o n o B r a s i l , os es-
cravizados m u ç u l m a n o s o r g a n i z a r a m , na cidade de Salvador, u m a
revolta no f i m do mês de janeiro. A revolta coincidia c o m o Ramada
e t i n h a como objetivo a libertação do opressor, mas t a m b é m t i n h a
u m a c o n o t a ç ã o política e religiosa, pois p r o p u n h a a criação de u m
Estado i s l â m i c o na Bahia.
163 O islamismo na atualidade

A presença da cultura islâmica na Bahia é muito forte e, apesar


de o islamismo não ser uma religião largamente praticada, deixou
influências nos hábitos da população no que tange às vestimentas,
à culinária e ao sincretismo religioso, que mescla crenças africanas
e católicas.
Os muçulmanos que chegaram ao Brasil se dedicaram às ati-
vidades comerciais. Os de origem libanesa começaram a chegar
oficialmente ao Brasil em 1880.0 primeiro grupo de imigrantes foi
registrado em São Paulo e totalizava quarenta pessoas. Conforme
Nabhan (1996, p. 117):

O marco da imigração árabe no Brasil foi a década de 1880 e o fluxo


imigratório, ininterrupto até os nossos dias, sofreu variações quan-
to à sua demanda. Esse imigrante, desde o início de sua trajetória,
assimilou os padrões da cultura brasileira como forma de interação
social e viveu dois universos - a casa e a rua - preservando parte
da sua tradição.

Essas pessoas, em suas terras de origem, seguiam a tradição


do pequeno comércio de produtos agrícolas e manufaturados.
O Brasil era um país que impossibilitava a realização de outras
atividades, como a agricultura, tendo em vista a tradição do lati-
fúndio herdada dos portugueses, restando a opção pelo trabalho
assalariado, atividade estranha a esses povos, que optaram pela
autonomia económica e do trabalho.
Os libaneses espalharam-se por várias regiões do país, tendo
como principal atividade o comércio. Trabalhavam como mascates , 6

comercializando produtos considerados novidades para a época,


como tecidos, perfumes, produtos de armarinhos e outros artefatos
provenientes do mundo árabe.
Sua importância está na inovação das atividades comerciais. Os
libaneses introduziram a liquidação e o crédito comercial, além de

6 Comerciantes itinerantes.
164 O islamismo na atualidade

comercializar produtos que t i n h a m demanda nos períodos e nas


regiões de grande fluxo económico no país.
No período entre a Primeira e a Segunda Guerra M u n d i a l , levas
de imigrantes o r i u n d o s m a j o r i t a r i a m e n t e do Líbano e da Síria
i m i g r a r a m para o Brasil, fugindo da guerra civil, concentrando-se
em São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba e Foz do Iguaçu. Outros
r u m a r a m para mais longe, onde havia comunidades árabes mais
estruturadas.
Mais tarde, nas décadas de 1970 e 1980, com os conflitos entre
shiitas, sunitas e israelenses, muçulmanos de diversas origens
m i g r a r a m f u g i n d o dos conflitos no Oriente Médio e procuraram
se instalar nos lugares onde pudessem viver em paz. Foz do Iguaçu
concentra o m a i o r número desses i m i g r a n t e s . Nesses lugares,
construíram suas mesquitas e destacaram-se principalmente no
comércio.

66
A diversidade no islã
O islamismo está em constante expansão e pessoas no m u n d o
inteiro buscam a conversão. Pessoas de diversas culturas e n t r a m
em contato com o Alcorão e passam a viver em simbiose com suas
culturas tradicionais. Isso gera u m a grande diferenciação entre
os muçulmanos, sobretudo na língua e nos hábitos. Esses povos
modicaram as tradições de seus antepassados, conservando alguns
aspectos, como a culinária, o modo de vestir e outras maneiras de
viver com os valores adicionais da religião islâmica.
A grande diversidade étnica entre os seguidores do islamismo
parece mais perceptível principalmente na Indonésia, no Paquistão
e na Africa Subsaariana. No Irã, os povos são muçulmanos shiitas
e majoritariamente persas, falam o persi e a língua árabe, assim
como os povos habitantes do Tajiquistão.
165 O islamismo na atualidade

Os muçulmanos subsaarianos, com pigmentação da pele mais


escura, falam diversas línguas africanas autóctones e a prática
do islamismo apresenta grande sincretismo com as religiões
tradicionais.
Os iemenitas, mesmo localizados na Península Arábica, têm
uma cultura mais parecida com a da Etiópia, além das semelhan-
ças físicas, sendo sua língua também semítica e mais semelhante
à língua amárica , apesar de o idioma oficial do país ser o árabe.
7

Os turcos, ao norte da Península Arábica, durante muitos anos


exerceram influência em boa parte do Mar Mediterrâneo. Têm
origem euroasiática, falam línguas turcomanas e árabe e suas tra-
dições culturais e religiosas resultam da mistura das civilizações
persa, árabe e europeia.
No norte da África e em regiões do Magreb, os povos berberes
falantes do árabe e das línguas berberes conservam antigas práticas,
como o nomadismo e a vida em aldeias. Esses povos distinguem-se
pelas particularidades de alguns aspectos culturais, como as ves-
timentas e a culinária.
A cultura egípcia impõe-se pela sua antiguidade. A religião
oficial do país é o islamismo, mas a influência da cultura cristã
ortodoxa é perceptível e o povo apresenta características perten-
centes aos árabes e aos subsaarianos. São muitos os praticantes do
islamismo no mundo, e ainda podemos citar os curdos espalhados
nas montanhas do Iraque, da Síria, da Turquia e do Irã.

7 Língua oficial da Etiópia, um idioma semítico do tronco das línguas afro-asiáticas.


166 O islamismo na atualidade

FIGURA 6.1 - Sufistas dervixes reúnem-se para rituais religiosos


em Omdurman, na cidade de Cartum, no Sudão

Nas Américas Central e do Sul, cresce o número de adeptos


do i s l a m i s m o que são descendentes de indígenas e de outros
povos. Os islâmicos que são c u l t u r a l e fisicamente mais pareci-
dos são os de o r i g e m árabe, que h a b i t a m regiões de países como
Arábia Saudita, Faixa de Gaza, Cisjordânia, Síria, Iraque, Líbano,
Argélia e Tunísia.

SÍNTESE

Neste capítulo, vimos que, na Idade Contemporânea, o m u n d o


islâmico buscou a modernização. O ideal do p a n - a r a b i s m o ex-
pandiu-se e f o r a m criados outros Estados. A luta pela hegemonia
m u n d i a l envolveu toda a região do Oriente Médio em uma série de
conflitos. O fundamentalismo ganhou força e grupos terroristas
f o r a m criados tendo como ideologia diversas interpretações do
Alcorão.
167 O islamismo na atualidade

A relação do mundo islâmico com o Ocidente gerou uma série


de contradições, refletidas sobretudo nas disputas políticas e nas
guerras. Acusados de abrigar grupos terroristas, vários países
foram atacados e invadidos pelos Estados Unidos e seus aliados,
o que gerou a maior crise humanitária dos últimos tempos.
Vimos, ainda, que o Brasil abriga uma grande comunidade
islâmica, que contribuiu para o desenvolvimento do país, e que
existe muita diversidade entre os praticantes do islamismo ao
redor do mundo.

ATIVIDADES DE AUTOAVALIAÇÀO

1. Após a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais, alguns países


islâmicos adotaram políticas modernizadoras e laicizantes,
aproveitando-se dos avanços económicos, sociais e políticos
dos países do mundo ocidental. Alguns desses países foram:
A] Irã, Omã, Arábia Saudita, Argélia e Jordânia.
B] Tunísia, Sudão, Kuwait e Afeganistão.
c] Turquia, Egito, Síria, Líbano e Iraque.
D] Iraque, Israel, Palestina, Marrocos e Sudão.
E] Iêmen, Jordânia, Arábia Saudita e Emirados Árabes.

2 . Os praticantes da seita ou ideologia religiosa denominada wah-


abismo têm sido responsabilizados pelos atentados terroristas
que assolam os Estados Unidos, a Europa e outros lugares do
mundo. Indique a alternativa que apresenta uma organização
que não possui influência wahabista:
A ] Al-Qaeda.
B] Boko Haram.
c] Hezbollah.
D] Hamas.
E] Al-Ikhwãn.
168 O islamismo na atualidade

3. No século XX, os vínculos dos países islâmicos com o Ocidente


estavam diretamente relacionados a questões económicas e de
cooperação militar. A luta pela hegemonia desencadeou vários
conflitos militares. Sobre essa questão, leia as afirmativas a
seguir.
i. Em decorrência dos atentados de 11 de setembro de 2001,
os Estados Unidos eliminaram seu antigo aliado, Saddam
Hussein, alegando que ele apoiava grupos jihadistas e de-
tinha grande quantidade de armas de destruição em massa,
as quais, porém, nunca foram encontradas.
ii. Os países ocidentais unidos pela Organização do Tratado
do Atlântico Norte (Otan) destruíram a Líbia, alegando
que o país vivia em uma ditadura. Assassinaram seu líder
Muamar al-Gaddafi, provocaram a morte de milhares de
pessoas inocentes e dividiram o país, que permanece em
guerra civil até a atualidade.
in. Em resposta a supostos ataques químicos realizados pelo
exército do presidente sírio, os Estados Unidos iniciaram
uma intervenção militar sob o pretexto de combater grupos
jihadistas e acabar com a ditadura do governo. Financiados
pelo Estados Unidos, fundamentalistas wahabistas apro-
veitaram-se da conjuntura e criaram o Califado do Iraque
e da Síria, também conhecido como Isis ou Daesh.

Agora, assinale a alternativa que apresenta a resposta correta:

A] Todas as afirmativas são falsas.


B] Somente a afirmativa I é verdadeira.
c] Somente a afirmativa I I é verdadeira.
D] Somente a afirmativa III é verdadeira.
E] Todas as afirmativas são verdadeiras.
169 O islamismo na atualidade

4 . Muçulmanos de diversas nacionalidades instalaram-se no


Brasil em momentos e situações históricas distintos. A maioria
desses imigrantes desenvolve atividades económicas:
A] militares.
B] comerciais.
c] liberais.
D] de contrabando e tráfico.
E] agrícolas.

5. O islamismo apresenta-se como uma religião cosmopolita e vem


ganhando adeptos em todo o mundo. Indique a alternativa
correta no que se refere ao islamismo:
A] Religião de grande diversidade humana.
B] Cultura altamente homogeneizante.
c] Os preceitos da religião são de intolerância e fanatismo.
D] Religião com poucos preceitos doutrinários.
E] Cultura pouco adaptável, mas com simplicidade em sua
prática.

ATIVIDADES DE APRENDIZAGEM

Questões para reflexão

Leia o trecho a seguir:

A presença do imigrante árabe muçulmano e a propagação do


pensamento do islão no Ocidente são fatos que contribuíram para
a conversão de brasileiros à prática do islamismo. Esses brasileiros,
sem vínculo com a comunidade árabe, concentram-se, em maior
número, na Grande São Paulo, seguida pelas cidades do Rio de
Janeiro e de Recife.
Para estudiosos do tema, este é um "islão diferente". A maioria
dos crentes muçulmanos, de origem brasileira, é oriunda de mo-
vimentos de classe sociais que veem no islamismo a possibilidade
170 O islamismo na atualidade

de igualdade entre homens. A religião islâmica, na sua totalidade,


oferece soluções para os homens que estão em "crise de fé": a "crise
de fé" acarreta u m a "crise m o r a l " que acaba com a ética. Segundo
depoimento desses "novos muçulmanos", o islamismo, que p r o -
põe a volta do h o m e m ao seu Criador, está crescendo graças a sua
simplicidade e a sua disciplina. (Nabhan, 1996, p. 120)

Com base no texto, responda:

1. Os muçulmanos estabeleceram-se no Brasil e dedicaram-se


principalmente às atividades comerciais. De que modo brasi-
leiros convertidos buscam progresso económico?

2. E possível a d m i t i r que a conversão seja resultante da desigual-


dade social existente no país? Por quê?

A t i v i d a d e aplicada: prática

1. Faça uma pesquisa sobre a culinária praticada em sua cidade


e i d e n t i f i q u e os pratos de o r i g e m árabe. Escolha u m deles,
escreva a receita e prepare-o. Depois, compare com os pratos
nacionais normalmente consumidos em sua casa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta obra, analisamos a trajetória do islamismo no mundo até


a atualidade. Iniciamos apresentando a história das principais
civilizações do Oriente Médio que tiveram influência definitiva
no delineamento da cultura dos povos de toda a região.
A vida e a história do profeta Maomé foram u m divisor de águas
entre os povos considerados idólatras ou pagãos e os seguidores
das palavras do verdadeiro e único Deus, Alá, reveladas por meio
do arcanjo Gabriel.
Maomé não deixou registros escritos, mas seus discípulos
anotaram e guardaram suas revelações e, mais tarde, compila-
ram-nas no Alcorão.
O Alcorão constitui-se na doutrina do islamismo, considerada
pelos muçulmanos a verdade sagrada que deverá ser observada
por todos aqueles que desejam a salvação.
O Alcorão é dividido nas suratas, mas também são consideradas
parte dele a Hadith e a Sunna. Do Alcorão surgiram as escolas do
pensamento islâmico e todo o ordenamento jurídico dos muçul-
manos: a Shariah.
O profeta não deixou u m sucessor e, após sua morte, seus so-
gros e genros ocuparam seu lugar à frente de toda a congregação
islâmica, tornando-se califas.
A religião expandiu-se e criou um império que demandou novas
formas de administração. Surgiram províncias e a necessidade
de governadores, o que aumentou a disputa pelo poder político
e religioso.
O islamismo tornou-se a segunda grande religião do m u n d o
e continua sendo a que mais cresce. No entanto, as divergências
i n t e r n a s e o encontro c o m as c u l t u r a s do Ocidente ainda são
m o t i v o s de conflitos e empecilhos à formação de u m a grande
comunidade humana internacional.
Os povos islâmicos são constituídos de pessoas de várias nacio-
nalidades, culturas e línguas e têm as palavras do profeta Maomé
como a grande aglutinadora.
A imigração dos muçulmanos para o Brasil ocorreu ainda no
período colonial, com povos escravizados trazidos da Africa. Mais
tarde, outros imigrantes islâmicos de origens diversas f o r m a r a m
importantes comunidades e se constituíram em grandes colabo-
radores para o progresso do país.
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o f the Ayatollahs. O x f o r d : O x f o r d U n i v e r s i t y Press, 2009.
THE R E L I G I O N OF I S L A M . Disponível em: <https://www.islamreligion.com/
p t / > . Acesso em: 6 mar. 2020.
BIBLIOGRAFIA COMENTADA

A Z E V E D O , M . S. de. M í s t i c a i s l â m i c a : atualidade e convergência


com a espiritualidade cristã. Rio de Janeiro: Vozes, 2000.
A obra aborda a mística islâmica e estabelece paralelos com a cristã
e a de outras tradições. Trata dos sufis, abordando sua história e
filosofia de vida, e destaca pontos propícios na sociedade moderna
para a sustentação da revelação corânica por meio do sufismo,
com sua dimensão ascética, particular e vocacional.

D E L C A M B R E , A.-M. M a o m é : palavra de Alá. Tradução de Franco de


Sousa. São Paulo: Livraria Civilização/Círculo de Leitores, 1991.
Essa biografia de Maomé apresenta diversas ilustrações coloridas
do século XVI em miniatura, elaboradas por artistas turcos. Nela,
as imagens e a narrativa remetem o leitor ao tempo do profeta.

F A R E L L I , M . H . M a l e s : os negros bruxos. São Paulo: Madras, 1999.


Essa obra trata da história dos males, povos africanos muçulmanos
que foram trazidos como escravos para o Brasil. Eles concentra-
ram-se majoritariamente na Bahia e marcaram profundamente a
cultura daquela região em vários aspectos, como na culinária, nas
vestimentas e na religião, esta última caracterizada pela unidade
divina, pelas cinco orações diárias, pela esmola aos necessitados
e pelo jejum. No Brasil, os males mesclaram seus costumes aos já
existentes e produziram um híbrido latente na cultura brasileira.
H O U R A N I , A. U m a h i s t ó r i a dos povos á r a b e s . Tradução de
Marcos Santarrita. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
Essa obra abrange de maneira sintética a história dos povos mu-
çulmanos do século VII aos dias atuais. O livro faz uma análise das
instituições e ideias dos povos árabes e de sua formação sociocul-
tural, abrangendo desde a formação dos grandes califados aos
grupos fundamentalistas.

HUSAIN, S. O que sabemos sobre o i s l a m i s m o ? Tradução de


Helena Gomes Klimes. São Paulo: Callis, 1999.
Obra de fácil compreensão, que explica os principais aspectos da
cultura islâmica. Com ilustrações e imagens do dia a dia dos pra-
ticantes do islã, suas festas e ensinamentos, a autora apresenta
o islamismo de maneira simples e objetiva para um público leigo.
RESPOSTAS

Capítulo 1 Capítulo 4
ATIVIDADES DE AUTOAVALIAÇÀO ATIVIDADES DE AUTOAVALIAÇÀO

1. d 1. c
2. e 2. b
3. c 3. c
4. d 4. b
5. a 5. c

Capítulo 2 Capítulo 5
ATIVIDADES DE AUTOAVALIAÇÀO ATIVIDADES DE AUTOAVALIAÇÀO

1. b 1. c
2. d 2. b
3. e 3. c
4. a 4. e
5. b 5. a

Capítulo 3 Capítulo 6
ATIVIDADES DE AUTOAVALIAÇÀO ATIVIDADES DE AUTOAVALIAÇÀO

1. e 1. c
2. b 2. c
3. e 3. e
4. b 4. b
5. a 5. a
1 8 0

SOBRE O AUTOR

E m í l i o Sarde Neto é doutor em Geografia pela Universidade


Federal do Paraná (UFPR), mestre em Geografia e graduado em
História pela Universidade Federal de Rondônia (Unir). Estudou
em nível de graduação nas instituições de ensino Yeshiva Naar
Israel, em Milão; Yeshiva Ghedolah do Gueto, em Veneza; Yeshiva
Mayanot, em Jerusalém; e Yeshiva Hamat Aviv, em Telaviv. É pes-
quisador do Núcleo de Pesquisas em Religião (Nupper), trabalhando
com religião judaica, islamismo, religiosidades indígenas, religiões
afro-brasileiras e espacialidades religiosas. É professor de História,
Geografia e Religião no ensino superior.

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