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IOF-212 Fundamentos de Oceanografia Química

POLUIÇÃO MARINHA

Os oceanos ocupam praticamente 71% da superfície terrestre e sempre foi utilizado pelo
homem desde os primórdios como fonte de alimentos e posteriormente como meio de
transporte e fonte de matérias primas. A mobilização de matérias primas e energia geram uma
enorme quantidade de resíduos, a qual deve ser reciclada ou despejada como lixo. Devido à
crescente ocupação territorial e ao maior rigor na legislação ambiental quanto aos critérios para
disposição dos resíduos em depósitos específicos em terra ou nos cursos de água, os oceanos
passaram a ser uma opção econômica natural e por vezes necessária para os dejetos da nossa
civilização industrial. O próprio fato dos grandes pólos industriais e de concentração humana
terem se estabelecidos próximos da zona costeira ou estuarina levou ao uso indiscriminado dos
oceanos como depósito final. Atualmente 50% da população mundial está localizada nas
cidades costeiras ou em regiões próximas as mesmas. Desta maneira, os oceanos também
acabam sendo o depósito final dos descartes da nossa civilização e podem causar a poluição
marinha.
O que é poluição marinha? O GESAMP, grupo de peritos sobre os aspectos científicos
da poluição marinha da UNESCO, define poluição marinha como: “a introdução pelo homem,
direta ou indiretamente, de substâncias ou energia no ambiente marinho que resultem em
efeitos deletérios tais como, danos para os recursos vivos, perigo para a saúde humana,
obstáculo para as atividades marinhas incluindo a pesca, diminuição da qualidade da água do
mar ou das amenidades”.
Assim sendo, as substâncias ou energia constituem o que é chamado poluente, e
podemos dizer que poluente é um recurso fora do local adequado.
O problema da poluição está associado às características da toxicidade, persistência e
bioacumulação das substâncias e as questões de custos sociais e econômicos.
Toxicidade é a propriedade da substância ser tóxica, isto é, ser danosa aos seres vivos.
Persistência é a propriedade ligada ao tempo que a substância leva para se transformar,
desaparecer no meio em que se encontra. Daí falarmos em persistência na água, no ar, no
solo, nos organismos, etc. Ela é avaliada pela meia-vida, ou seja, o tempo necessário para que
50 % da quantidade inicial desapareça. Bioacumulação é a capacidade da substância ser
acumulada num organismo.
Os grupos de substâncias potencialmente danosas para o ambiente marinho e cujos
problemas críticos já foram identificados são os seguintes: a) petróleo e derivados, b) esgotos
domésticos, c) metais pesados, d) materiais radioativos, e) organoclorados.

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a) petróleo e derivados
A poluição por petróleo e derivados é uma conseqüência inevitável do enorme volume
que é transportado e produzido anualmente deste recurso energético básico para nossa
civilização. Além da introdução devido à acidentes graves, envolvendo grandes derrames, que
normalmente são bem divulgados na imprensa, existem sistematicamente pequenos derrames
devido a falhas de operação ou de equipamento durante as operações de transferência. Existe
ainda uma contribuição crônica de hidrocarbonetos de petróleo e derivados devido aos
efluentes urbanos e industriais e devido a própria operação de portos e embarcações. Uma vez
introduzido no mar, uma série de processos físicos, químicos e biológicos começam a agir
sobre o óleo, acarretando a sua dispersão no meio, bem como alterações nas suas
características físicas e químicas, conhecidas como intemperismo. Os vários processos são
esquematizados na Figura 1.
Os efeitos provocados pelo petróleo no mar podem ser sub-letais ou causar a
mortalidade direta de algumas espécies devido ao recobrimento e asfixia, ou mortalidade
indireta causada pela destruição das fontes alimentares.

Fig. 1 – Processos de intemperismo que o óleo derramado é submetido (Albaigés, 1980)

b) esgotos domésticos
Constituem o maior problema a nível global, seja em volume de material poluente
despejado como devido aos problemas concretos de saúde pública que causam. O nitrogênio e
o fósforo orgânicos contidos no material fecal humano e nos restos de matéria orgânica
lançados ao mar, são normalmente reciclados pelas bactérias para as suas formas inorgânicas.
Esta introdução pontual de nitrogênio e fósforo em baías, lagunas ou ambientes costeiros de

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baixa circulação, pode levar a um crescimento exponencial das algas planctônicas


(eutrofização), o qual por sua vez reduz drasticamente o conteúdo do oxigênio dissolvido. A
eutrofização acentuada, pode levar ainda a uma redução da diversidade de espécies, a tal
ponto que apenas algumas espécies de algas passarão a existir no ecossistema. Além disto, os
organismos patogênicos contidos no material fecal podem transmitir hepatite e cólera.

c) metais pesados
Os metais são constituintes naturais da crosta terrestre, porém as atividades humanas
alteraram drasticamente os ciclos biogeoquímicos naturais destes elementos. Eles são estáveis
e persistentes não podendo ser degradados ou destruídos por nenhum processamento
biológico ou químico. Sua introdução nos oceanos deve-se principalmente aos efluentes
industriais nas zonas costeiras. O transporte atmosférico via partículas também ocorre mas
numa extensão muito menor. Os trágicos exemplos de contaminação por mercúrio e em menor
grau por cádmio e chumbo levaram a uma série de ações efetivas visando a redução drástica
dos teores de metais dissolvido nos efluentes industriais e a sua reciclagem. Os efeitos tóxicos
dos metais como mercúrio, chumbo, cádmio, cobre, zinco, níquel, selênio são devastadores
para a biota marinha. Em menor grau, o crômio, manganês, ferro, estanho, molibdênio e
vanádio também podem causar problemas sérios.

d) materiais radioativos
A detonação de bombas atômicas no ambiente marinho provocou a preocupação com
este tipo de poluição. Sem dúvida a correta disposição dos resíduos de materiais radioativos
constitui-se num dos maiores desafios atuais. Durante décadas os dejetos radioativos foram
simplesmente dispostos ou estocados de forma inadequada a médio e longo prazo ou
simplesmente lançados nos rios e oceanos de forma indiscriminada. A maioria dos materiais
produzidos pela indústria bélica nuclear, além de uma altíssima toxidez tem uma enorme meia
vida no meio ambiente. O plutônio por exemplo é o elemento radioativo mais tóxico que se
conhece para o homem e tem uma meia vida de 24.000 anos. Estes resíduos radioativos
podem ser mutagênicos e carcinogênicos.

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e) organoclorados

Ao contrário dos grupos anteriores, estes compostos não ocorrem naturalmente no


ambiente, ou seja são sintetizados pelo homem. São compostos orgânicos muito estáveis,
pouco solúveis em água, porém muito solúveis em gorduras e portanto são facilmente
bioacumulados nos organismos e magnificados ao longo da cadeia trófica. Os poluentes mais
conhecidos são os bifenilos policlorados (PCBs), de grande aplicação industrial principalmente,
como fluídos isolantes em capacitores e transformadores, e os pesticidas organoclorados como
o DDT e BHC, muito usados no combate às pragas e na saúde pública (fig. 2). Estes
compostos são muito persistentes (tab. 1) e estão amplamente disseminados nos ecossistemas
e os seus efeitos tóxicos são mais crônicos do que agudos. Podem causar distúrbios hepáticos
e afetar o sistema imunológico e reprodutivo dos organismos.

Tab. 1 – Tempo de persistência de pesticidas organoclorados mais usados no Brasil

Pesticida Tempo desaparecimento


organoclorado (anos)
Aldrin 1-6
Lindano (BHC) 3-10
Heptachlor 3-5
Dieldrin 5-25
DDT 4-30

Lindano (BHC) pp’-DDT PCB

Fig.2 – Estruturas moleculares de alguns compostos organoclorados

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Como resolver o problema da poluição marinha uma vez que não tem fronteiras
geográficas para a sua disseminação? Através de órgãos internacionais, como a ONU por
exemplo. Um dos capítulos da agenda da Conferência das Nações Unidas para o Ambiente e
Desenvolvimento (UNCED 92) tratou especificamente da proteção dos mares e zonas costeiras.
Em outubro e novembro de 1995, foi discutido pelos países membros da ONU, o programa da
UNEP para “Proteção do ambiente marinho da poluição marinha oriunda das atividades
terrestres”. Estes documentos representam um compromisso importantíssimo entre as nações
para minimizar o problema da poluição marinha.

Referências bibliográficas:

Albaigés, J. 1989. Marine Pollution. Hemisphere Publishing Corporation. New York. 365 p.
Clark, R.B. 1992. Marine Pollution (3.ª ed.) Oxford University Press. New York, 365 p.
Kennish, M.J. 1997. Practical Handbook of estuarine and marine pollution. CRC Press. Boca
Raton, Florida, 524 p.
Levenson, H. & Barnard, W.D. 1987. Wastes in Marine environments. Hemisphere Publishing
Corporation, Washington, DC. 312 p.
Skinner, B.J. & Turekian, K.K. 1973. O homem e o oceano. Editora Edgard Blucher Ltda, São
Paulo, 160p.
Tommasi, L.R. 1982. Poluição marinha no Brasil, uma síntese. Ciência e Cultura, 34 (3):325-
332
Weber, R. R. 1992. Sistemas costeiros e oceânicos. Química Nova 15(2): 137-143

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