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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

INSTITUTO DE PSICOLOGIA
DISCIPLINA: PSICOLOGIA E ORGANIZAÇÕES (IPSC36)
DOCENTE: ADRIANO DE LEMOS ALVES PEIXOTO
DISCENTES: LAVÍNIA CARMO

QUESTÕES PARA REFLEXÃO


LIVRO VERDE - CAPÍTULO 1 - CASO 1: CONCEPÇÕES DO TRABALHO EM
LETRAS DE MÚSICA

1. As formas de se conceber o trabalho se revelam nos trechos musicais? Que


significados se atribuem ao trabalho? Que contradições são representadas?

Sim. Na primeira música, a de Legião Urbana, é possível identificar o aspecto do


trabalho vinculado à identidade do sujeito, algo como, “trabalho, logo existo”, o trabalho
como ferramenta fundamental para constituição de dignidade e razão de ser. O economista
Adam Smith, em 1978, já determinava como inerente ao indivíduo a capacidade de permutar,
negociar e trocar bens - ou seja, sua pré-disposição ao trabalho, sustentando tal perspectiva
assumida na letra da música.
Além disso, a música faz uma certa denúncia a condição de trabalho que possibilita
um “salário miserável”. Nesse sentido, é interessante ressaltar que desde a era clássica dos
filósofos Aristóteles e Platão, o trabalho era caracterizado como degradante, inferior e
desgastante, assim como posto na música.
Enquanto isso, nessa mesma linha, as músicas “Trabalho e festa” e “Que trabalho é
esse”, possibilitam articular com a teoria marxista. Consoante à Marx (1983), o foco principal
na relação trabalhista está na mais-valia, compreendida como o lucro da diferença do que o
trabalhador pagou e a quantidade de trabalho que ofereceu ao detentor dos meios de produção
- ou seja, seria uma espécie de excedente quantitativo de trabalho durante o processo de
produção. Todo processo de trabalho é visto pelo capitalista como uma estratégia para ampliar
sua mais-valia.
O trecho que mais bem ilustra os produtos dessa relação de trabalho mencionada, diz
que: “pro homem pra quem o trabalho é festa; todo dia é festa, é mais mió”, e “o fruto do
trabalho é mais maior”. Para Marx (1975), a conjuntura social, política e econômica impele ao
sujeito se submeter ao modo de exploração vigente, visto que, não lhe são oferecidas outras
condições materiais de sobrevivência. A mesma constatação se faz no trecho da música de
Batatinha, que diz: “O trabalho dá trabalho demais; E sem ele não se pode viver”.
Assim como, no período histórico caracterizado pelo protestantismo, a perspectiva do
trabalho como um dever, assim como colocado na letra da música “Izaura”, já era defendido e
propagado. A ética protestante e o espírito capitalista passaram a reverberar uma ideia de
associar a religião ao trabalho, de modo que, acreditava-se que o trabalho era uma espécie de
devoção e convocação divina. Tal referência é possível ser identificada na última música, de
autoria de Chico Buarque, onde se narra um dia exaustivo de trabalho, e ao final do dia, o
trabalhador agradece a Deus por tudo que lhe concedeu, com um “Deus lhe pague”.
Esse ponto de vista anteriormente mencionado, cria uma ideia de que quanto mais
duro se trabalha, mais se é merecedor de uma gratificação divina. No caso dessa música, em
específico, o trabalho é empregado como uma ação necessária para ser gratificado com os
bens fundamentais da vida, “pão pra comer”, “chão pra dormir”, permitidos pelo suor do
trabalho e graça de Deus.
Por fim, sobre as contradições identificadas nas letras das músicas, observo o quanto o
trabalho é visto como essencial à sobrevivência, como ele é colocado acima do lazer, como
destacado na letra “Izaura”, em que diz “Izaura me desculpe, no domingo eu vou voltar”.
Além disso, é forte o modo como as letras representam um trabalho responsável por
dignificar, dar valor, construir identidade, enquanto mesmo em condições de pagamento e
salários ruins, é ainda a forma do indivíduo existir no mundo. O mais interessante também a
se destacar, é que uma das formas de se ter prazer e de se divertir mais, na música de
Gonzaguinha, é sendo detentor dos meios de produção - “ser dono do meu trabalho, é meu
direito ao prazer”. Trazendo a contradição presente na relação entre trabalhador e capitalista,
onde o maior desejo do explorado é ser explorador.

2. Esses significados se vinculam a que concepções historicamente concebidas sobre


o trabalho? Por quê? Quais suas opiniões?
Sim. Acredito que ao longo da história, como discutido na questão anterior, alguns
momentos históricos marcaram a forma como a concepção do trabalho foi se formando e
propagado na sociedade. Também a partir da leitura do capítulo 1 do livro, é possível
compreender três concepções principais sobre as relações de trabalho, a da filosofia clássica,
do capitalismo tradicional e a marxista. A primeira abraça aspectos que caracterizam um
regime de trabalho escravo presente na antiguidade clássica, em que havia um conceito
restrito quanto ao trabalho, que era visto mais como uma atividade braçal designada a alguns
indivíduos em específicos, e onde havia a exaltação do ócio para outros. O que está presente
na letra da música “Trabalho e festa”, onde para quem o trabalho é festa, há tal possibilidade
de viver a ociosidade.
Na segunda perspectiva, assumida pela economia clássica liberal, há uma ênfase no trabalho
como único meio digno de ganhar a vida, sendo essa concepção presente em todas as letras de
música, além da ideia de trabalho duro ligado a geração de abundância geral. Enquanto a
última teoria, a marxista, carrega uma perspectiva de trabalho como estruturante da vida das
pessoas e das sociedades, com caráter ontológico, associado à produção da condição humana.
Nessa medida, destaco um trecho do livro “Neoliberalismo como produção do sofrimento
psíquico”, onde à luz da teoria de Harvey (2013, p.15), se propõe que:
“Nenhum modo de pensamento se torna dominante sem propor
um aparato conceitual que mobilize nossas sensações e nossos
instintos, nossos valores e nossos desejos, assim como as
possibilidades inerentes ao mundo social que habitamos.”

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