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Nanci Soares
1. Introdução
1 O termo creche vem da língua francesa, onde também significa presépio. Segundo Civiletti (apud Gera, 1994),
nos primórdios, as creches atendiam crianças de zero a dois anos, e as de dois a sete anos, eram atendidas pelas
chamadas “salas de asilo”. Segundo Oliveira e Rossetti Ferreira (1989, p.29), “na maioria dos países
desenvolvidos, a creche é concebida como instituição que atende crianças de até três ou quatro anos de idade,
possivelmente porque o atendimento ao pré-escolar de quatro a seis anos já está inserido no sistema
educacional mais amplo. No caso das creches brasileiras, estas atendem em geral a população de zero a sete
anos de idade”.
outra alternativa, ou atender filhos de mulheres julgadas incompetentes
(1993, p.25).
Desta forma, as creches estabeleciam com as mães, apenas uma relação de favor, não
cabendo a elas liberar a mulher de suas funções domésticas ou criar condições para que ela
ingressasse no mundo do trabalho. Isso só veio a ocorrer bem mais tarde.
Esta forma de conceber as creches perdurou até a década de 20 deste século, quando
em decorrência da industrialização e com a participação da mulher no mercado de trabalho,
foram criadas várias creches junto às fábricas, em atendimento às reinvidicações dos
operários. No entanto, este movimento não se expandiu e a maioria das creches continuou a
cargo de instituições filantrópicas.
Em 1943 surgiu a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a qual determinou que as
empresas com mais de trinta funcionárias com idade superior a dezesseis anos, deveriam
manter local apropriado onde fosse permitido às funcionárias-mães deixar seus filhos durante
o período de amamentação, local este onde os bebês teriam vigilância e assistência. A referida
legislação diz no Artigo 400:
Infere-se daí que as creches deveriam receber as mães várias vezes ao dia quando da
amamentação de seus filhos, o que facilitaria o contato mãe-filho e resultaria em alguma
forma de relação família-creche. Porém, essa legislação nunca foi efetivamente cumprida.
Por volta de 1950 chegaram às creches estudos psicológicos calcados na corrente
psicanalítica, que dá importância à primeira infância e que considera a relação da criança com
sua mãe, como fonte subjacente de seu desenvolvimento emocional e das outras relações
sociais. A institucionalização foi questionada, pois privava a criança dos cuidados maternos 2,
o que acarretaria sérios prejuízos a seu desenvolvimento físico, mental, afetivo e social.
Discursos baseados sobretudo nos estudos de John Bowlby (1982) sobre carência dos
cuidados maternos e de René Spitz (1979) sobre depressão anaclítica e hospitalismo,
procuravam demonstrar que a ausência da relação afetiva mãe-criança, em determinado
momento da infância, causava danos irreversíveis, podendo produzir personalidades
delinqüentes e psicopatas.
2 Por influência do período higienista, na França, até 1975 os pais não podiam visitar seus filhos,
conforme regulamento médico.
Com estes estudos a creche passa a dar importância ao aspecto afetivo do
desenvolvimento da criança, valorizando o contato físico e o carinho, reavaliando a “razão
adulto-criança” e o perfil do profissional que trabalha diretamente com ela, sendo as
enfermeiras substituídas por pajens e atendentes infantis.
A partir daí surge nas creches o modelo de cuidado substitutivo da mãe.
Substituir a mãe significa ainda uma atenção especial a cada criança. Neste
particular fez-se necessário repensar a razão adultos-criança considerando
ainda que quanto menores as crianças, maior número de adultos seria
necessário. (GERA, 1994, p.27).
3A Constituição de 1988 reconhece direitos específicos da criança e a sua educação como dever do
Estado.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) diz no artigo 4º – “É dever da família, da comunidade,
da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos
direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária”.
casos como instituição permanente, que deve ter compromisso com um trabalho de qualidade.
Talvez por isso a imagem que a sociedade criou da creche seja ruim.
Para Haddad (1993) a relação entre a creche e as famílias caracteriza-se pela distância,
não existindo uma interação propriamente dita de troca, de reconhecimento de uma pela outra.
Oliveira e Rossetti Ferreira (in Rosemberg, 1989) concluíram que a participação das
famílias na creche inexiste ou é bastante precária. As referidas pesquisadoras estudando três
creches da Prefeitura de São Paulo mostraram que em uma Creche Direta4 a participação das
famílias ocorria por meio de reuniões (uma por mês). O trabalho com os pais era falho. Na
segunda creche que compôs o estudo, uma Creche Conveniada, a participação das famílias
se dava através da colaboração que prestavam em festas tradicionais (natal, juninas e outras),
que visavam angariar fundos, não havendo reuniões formais com as famílias. Na terceira, uma
Creche Indireta, “as mães participavam do atendimento para aprenderem a lidar com seu
próprio filho” (Oliveira e Rossetti Ferreira, apud Rosemberg, 1989, p.71). Também ali elas
contribuíam na limpeza, observavam a relação professora-criança, colaboravam na
organização da horta e do jardim. Havia um trabalho assistencial com as famílias, por meio de
distribuição de gêneros alimentícios, tendo em vista a necessidade das mesmas. Era feita uma
reunião mensal com os responsáveis pela criança, com o objetivo de fornecer orientações
ocasionais sobre higiene, ordem e limpeza, não parecendo haver priorização de temas ligados
à educação dos filhos.
Outra razão de distanciamento entre família e creche, decorre do fato de várias
instituições possuírem padrão de recursos bem diferente daquele que as famílias podem
oferecer, como alimentação boa, nutricionalmente balanceada, cuidados higiênicos
satisfatórios, funcionários capacitados para os cuidados das crianças. Ao se depararem com
todos esses recursos que dificilmente podem oferecer, os pais tendem a se afastar deixando
todo o trabalho (cuidado, educação, etc.) para a instituição. Essas famílias passam para a
creche a responsabilidade pelos seus filhos, o que significa uma perda para as crianças, pois a
família tem um papel importante na socialização e no desenvolvimento das mesmas.
Por outro lado, há casos onde os funcionários se sentem mais capazes que as mães
para atenderem as necessidades da criança, dificultando a aproximação das famílias, não
permitindo sua participação nos problemas, decisões e atividades da creche.
4 Creche Direta – construída, gerida e mantida pelo Estado. Creche Indireta – construída e mantida
pelo Estado, mas gerida por entidade particular. Creche conveniada – subvencionada pelo Estado,
mas gerida por entidades particulares, em prédio e instalações de sua responsabilidade.
Quando a creche assume o papel de reproduzir a imagem idealizada de boa mãe, afasta
a família ainda mais. Para Haddad (1987b, p.4) a creche que desempenha este papel não é
uma alternativa viável e positiva para a família, nem para a criança, nem para a sociedade. Ela
fala sobre sua experiência:
Assim entendida, a creche deve estar ligada às mudanças culturais das imagens da
mulher, do trabalho e do binômio mãe-criança, e da própria família.
2. Resultados da pesquisa
REFERÊNCIAS
_______________. A creche: reflexões sobre uma trajetória. São Paulo, 1989. Dissertação
(Mestrado em Psicologia) - Faculdade de Psicologia, Universidade de São Paulo.