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Resenha

A era da curadoria: o que importa é


saber o que importa!

Signe Dayse Castro de Melo e Silva


Universidade Federal da Paraíba
E-mail signedayse@yahoo.com.br

CORTELLA, Mário Sergio; DIMENSTEIN, Gilberto. A era da curadoria:


o que importa é saber o que importa! (Educação e formação de
pessoas em tempos velozes). Campinas, SP: Papirus 7 Mares, 2015.
122 p. (Coleção Papirus Debates).

A todo o momento escuta-se um eco seguida de Mestrado e Doutorado em Educação.


onde a defesa das benesses oriundas do Ocupou cargos políticos, destacando-se como
casamento entre a educação e a comunicação é Secretário de Educação do Município de São
proclamada como motor de uma era já vivida, Paulo entre 1991-1992. Dentre as suas principais
habitada por castas que, ora detentores da obras, sempre em trânsito com temas da
sabedoria da vida, ora emissários de novas formas Educação e a Filosofia, destacam-se: “Política: para
de fazer e usar a tecnologia movimentam-se na não ser idiota”, “Viver em Paz para Morrer em Paz:
busca de um tom para suas discussões. Se por um Paixão, Sentido e Felicidade”, “Nos Labirintos da
lado a comunicação e a educação possuem seus Moral”, com o educador e psicólogo francês,
lastros institucionais, filosóficos e de publicitação naturalizado brasileiro, Yves de La Taille, e um dos
de seus feitos, a convergência de ambas e a mais vendidos, “Qual é a tua Obra? Inquietações
construção de novas possibilidades de patrocínio Propositivas sobre Gestão, Liderança e Ética”.
da formação das pessoas, permeada pelo Gilberto Dimenstein é Judeu de origem
reconhecimento de um indivíduo que produz e Marroquina e nasceu em São Paulo em 28 de
consome informação, não seria de causar agosto de 1956. Estudou em colégios tradicionais
estranheza o encontro de um Filósofo e um de São Paulo e formou-se em Jornalismo pela
Jornalista, ambos educadores, para uma proza Faculdade Cásper Líbero. Atuou em alguns dos
sobre as urgências e emergências deste momento mais respeitados veículos de comunicação e
de convergências. Assim, nasceu A era da imprensa brasileira, tendo se destacado por
curadoria: o que importa é saber o que importa! denunciar problemáticas sociais e demandas
Mário Sérgio Cortella nasceu em educacionais. Por conta de sua atuação recebeu
Londrina, no Paraná, em 5 de março de 1954 e tem inúmeros prêmios, dos quais se destacam: o
sua atuação como filósofo, escritor, educador, Prêmio Nacional de Direitos Humanos junto com
palestrante e professor universitário. Chegou a D. Paulo de Evaristo Arns, o Prêmio Criança e Paz,
frequentar um Convento na juventude, mas do Unicef, e os prêmios ESSO e Jabuti, em 1993,
declinou da vida religiosa para dedicar-se à de melhor livro de não-ficção, com a obra
Academia. Foi Professor-titular do Departamento "Cidadão de Papel". É idealizador do Projeto
de Fundamentos da Educação e da Pós- Aprendiz, replicado através do mundo via Unicef
Graduação em Educação da Pontifícia e Unesco. Fundou a ANDI-Comunicação e
Universidade Católica de São Paulo, na qual atuou Direitos, ONG ligada a ações sociais através da
por 35 anos (de 1977 até 2012), sendo que em 30 mídia. Por meio de seus escritos influenciou
deles também no Departamento de Teologia e gerações de políticos e ativistas sociais tendo
Ciências da Religião da mesma Universidade. como amigos próximos o Senador Cristóvão
Realizou seus estudos de graduação em Filosofia Buarque e o Ex-Presidente Fernando Henrique

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Cardoso. É o criador do site Catraca Livre e dentre otimista. Fruto deste dilema nasce o Catraca Livre,
suas obras se destacam: “A guerra dos meninos”, Site na WEB, fruto de seus estudos na
“A democracia em pedaços”, “As armadilhas do Universidade de Harvard, nos Estados Unidos da
poder: bastidores da imprensa” e “O aprendiz do América. Sua principal tese é a de que a
futuro”. informação desprovida de contexto não gera
A era da curadoria: o que importa é saber conhecimento!
o que importa! é um presente aos seus leitores, Na segunda parte da conversa, intitulada
em especial aos que buscam referências em Curadoria do conhecimento, Cortella inicia a
tempos de grandes enxurradas de informação. provocação com a proposição de que educação,
Cortella e Dimenstein apresentam o termo comunicação e cidadania são conceitos
“curadoria do conhecimento” numa longa, mas interligados e a sua síntese é o conceito de
dinâmica, conversa informal. Pode-se dizer que se “curadoria”, ou aquele que “cura”, trazendo aos
trata de uma “boa proza” entre dois intelectuais espaços de educação e comunicação o “curador”,
defensores de bandeiras do conhecimento, da ou aquele que cuida, reparte, protege e eleva a
educação e da comunicação. O livro tem 122 informação, tornando-a acessível por meio das
páginas e a partir de nove temas geradores, no tecnologias digitais. A ideia de curadoria seria
texto escrito em formato de capítulos, eles semelhante a de um condomínio, sendo o
papeiam trazendo ao leitor a sensação de estar ali curador o síndico do conhecimento. Neste
ao lado dos dois. A linguagem é simples mas de momento, ambos, Dimenstein e Cortella,
uma profunda articulação, fazendo vir à tona em ponderam sobre o aparecimento, importância e
todos os momentos episódios, lembranças e função social do Google, do Yahoo e do Facebook,
associações com fatos que permearam a trajetória como espaços de possibilidades de informação,
de ambos e favoreceram a construção da obra. A destacando os Blogs, Sites e o Wikipédia, como
ideia do título origina-se do sentido de possíveis curadores, ou modos de curadoria, uma
“curadoria” como nos museus e em exposições, vez que são repositórios de informações
onde um curador escolhe, partilha, distribui, captadas, tratadas e dispensadas aos seus
aumenta o acervo e o coloca à disposição, sendo respectivos interessados. Para além das
o acervo, no caso, a informação transformada em instituições ou ferramentas, Séginho Groisman,
conhecimentos. Ao final do texto a dupla premia Fernando Henrique Cardoso, Bill Gates, Osvaldo
os mais jovens (ou uns possíveis desavisados) com Cruz, Gandhi, Martin Luther King, dentre diversos
um Glossário, onde cinquenta e nove outros exemplos, foram e são exemplos de
personalidades citadas no decorrer da conversa curadores, não deixando de lembrar que os
recebem uma brevíssima citação biográfica. De curadores sempre existiram, sendo hoje o tempo
Aristóteles à Galileu Galilei, de Alexander Fleming de sua aparição no espaço virtual.
à Salman Khan, e, finalmente de Serginho Na terceira parte, Cidadania,
Groisman à Dilma Rousseff, cada personagem é comunicação e educação: eixo indissociável, a
citado por um feito ou característica que tenha cidade é pensada e discutida como uma grande
deixado o seu nome marcado no cenário nacional rede social, em virtude de seu lócus de
e mundial. comunicação plena entre as pessoas. A ágora é
O livro se divide em nove partes, todas revelada como a dinâmica de comunicação onde
com um título-mote que favorece e direciona a se misturam a cidade, a cidadania e o processo
construção da conversa entre os dois intelectuais. educativo, tendo como elemento fundamental o
Na primeira, intitulada Educar pela comunicação; cidadão comunicante e, por consequência, as
comunicar pela educação, Dimenstein inicia a empresas comunicantes. É neste universo que o
conversa expondo seu dilema pessoal: o conflito sucesso do Catraca livre se dá, tendo trinta
que o inspira e mobiliza e que está centrado na milhões de usuários únicos, embora esteja
dinâmica de posturas opostas protagonizadas situado num pequeno e boêmio bairro na Cidade
pelo Jornalista e pelo Educador. Ele vive uma crise de São Paulo, sustentado pelo conceito de
de identidade. Como Jornalista é premiado, mas fertilidade, ou seja, a união entre a informação e o
manteve-se neutro e distante das causas que seu contexto, numa explícita alusão ao conceito
escreveu, mantendo-se nas trevas de uma notícia de “leitura de mundo” de Paulo Freire.
fria. Como Educador precisa inserir-se, A quarta parte, Credibilidade e Crítica, é
comprometer-se, interferir, buscando luz, mesmo simples e embora longa, traz na sua essência a
em meio às trevas. Os limites da comunicação e os premissa de que educar é tirar o indivíduo de um
limites da educação o perturbam. Se o jornalista lugar e leva-lo a outro, fertilizando a sua formação
tem que ser pessimista, o educador precisa ser e ajudando-o a ter critérios de seleção. Na medida

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em que Dimenstein defende a cidadania muito melhores do que a maioria das assistidas
completa por meio de uma informação livre, por nossos estudantes, disponíveis nos infinitos
Cortella fundamenta na filosofia Grega o conceito canais de informação e comunicação do mundo
de “Crítica”, ambos convergindo na necessidade digital. Cortella lembra que as escolas
de se fomentar o espírito crítico e a capacidade de consideradas boas pelos estudantes são aquelas
seleção, sugerindo o BuzzFeed como uma porta que possuem projetos integrativos, ou seja,
para a seleção de informações na atualidade, projetos e articuladores em rede e, ainda, que
onde ambos, Cortella e Dimenstein, sugerem habilidades como a resiliência, a disciplina e o
temas instigantes e demandas atuais para autocontrole são a garantia do sucesso das
reflexão. mesmas.
Chegando ao quinto momento desta Simultaneidade, instantaneidade e
instigante conversa, Aprender em tempo real e conectividade são as palavras de ordem da oitava
pelo resto da vida, a questão da relevância e da e penúltima parte do livro. E o que tem de mais
perenidade da informação sustentam a tese de intrigante o é que Cortella nos faz o alerta de que
que a ideia da educação permanente nunca foi a obsessão pela informação pode nos tirar a
tão forte, tendo a simultaneidade como motor capacidade de criar, uma vez que o tédio é o
dos processos comunicacionais. Aqui Cortella nos combustível da criatividade humana. A falta de
alerta para a necessidade de sermos gestores do paciência em construir o conhecimento e a busca
conhecimento, dia a dia, numa luta contínua imediata de resultados está fazendo com que os
contra a efemeridade e a obsolescência da jovens queimem etapas de suas vidas, muitas
informação e dos seus canais. Tal como o Orkut, delas de extrema produtividade e criação. Como
ambos já preconizam o desaparecimento do não existe nada que seja realizado com
Facebook e das atualizações no WhatsApp. No profundidade que não tenha levado tempo, as
entanto, o conceito de “rede” pode ser o caminho gerações atuais estão cada dia mais superficiais
da modificação das práticas educacionais e do em suas buscas e no processo de formação de
empoderamento dos estudantes, uma vez que a suas carreiras. Associado a esta aceleração, o
escola é o mundo e o mundo pode estar na escola. conceito de fluxo contínuo pode nos deixar sem
Dimenstei aqui lembra da importância do conhecimento crítico para fazer escolhas! Mas
Cousera, que viabilizou o acesso On-Line às nem tudo está perdido, uma vez que a leitura de
grandes Universidade Americanas. volumosas obras, tal com a saga de Harry Potter,
Em Nove era? E o que já era? De divide espaço com o uso do Twitter, o que nos
Gutemberg ao virtual de nossos dias, a sexta parte instiga a conhecer melhor as novas gerações e os
do livro, Dimenstein aponta o Adaptative mecanismos de funcionamento de suas mentes.
Learning, ou ensino adaptativo, como uma das O mesmo jovem que se comunica em 140
mais revolucionárias ferramentas de educação e caracteres é capaz de escrever um livro de
comunicação da atualidade. Mas não deixemos trezentas páginas!
de lembrar, e Cortella o faz brilhantemente, que Finalmente o nono e último momento do
nos anos de 1970, a instrução programada bate-papo entre Dimenstein e Cortella tem o
cumpria este papel, literalmente via papel. O seguinte mote: “O que importa é saber o que
mundo digital reacende a prática, favorecendo o importa”, e nos brinda com a tese de que a história
acesso ao conhecimento por meio de da cidadania é a história do empoderamento! A
ferramentas, suportes e aplicativos digitais. A facilidade em comunicar e a velocidade das
beleza da recuperação do livro de Gutenberg informações em rede, a imprensa livre e as
como a WWW da época, e estamos falando de plataformas digitais que nos permitem uma real,
1455, tem sua culminância no registro da Bíblia transparente e múltipla visão dos fatos,
como o primeiro mobile da história da empoderaram o cidadão em todos os sentidos.
humanidade. Dos tempos de Gutenberg ao Cortella pondera o poder da notícia no Facebook
Netflix, o YouTube e a Ama-zon.Com, o acesso à e Dimenstein considera a era do prognóstico da
informação nunca foi tão democrático. hipertextualidade, quando uma informação leva à
Na sétima parte, Empoderamento: “É outra, e à outra, e à outra. Numa alusão ao
junto dos bão que ocê fica mió”, a principal tese pensamento de Mark Twain, a conversa vai se
dos autores é: ou a escola se transforma em um encerrando com a certeza de que a Filosofia vai
centro de curadoria sofisticado, ou perde sua nos dar a resposta sobre o sentido da vida, não
importância! O argumento é simples (e confesso permitindo que o mundo das mídias sociais nos
que divertido, considerando a arrogância de coloque na posição de “escrever na areia em dia
alguns produtores de “informação”) há aulas de tempestade”.

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Particularmente termino a leitura empoderamento das pessoas não se dará. Por
deliciada e ciosa de meu papel como educadora e mais que os tempos sejam velozes, a formação
formadora desde os anos de 1980. A obra traz a humana ainda encontra lastro na produção de
clareza de que é possível o encontro da conhecimento por meio da seleção criteriosa e
Comunicação com as Tecnologias para a crítica de informações! Em sua gênese, o estudo
Educação num caminho de libertação, não científico dos valores humanos sofria com a
apenas de meus próprios demônios e fantasmas, ausência de definições delimitadas, teorias
mas das vidas das dezenas e centenas de específicas e métodos empíricos confiáveis para
estudantes com os quais tive o prazer de “viver” sua mensuração. Contudo, com os avanços
até aqui! Comungo com os autores quando teóricos e metodológicos iniciados no último
afirmam que “os sistemas mais complexos de século, a pesquisa sobre valores ressurgiu e
comunicação são os interpessoais [...] e não só o consolidou-se como temática central nas ciências
interpessoal, mas também intergeracional”. Claro! humanas e sociais em diversas áreas do
Se estamos na época das curadorias, o que vai ser conhecimento, a exemplo da antropologia,
curado ou selecionado, se não os grandiosos sociologia e psicologia. Nos anos 80, Homer e
registros da passagem de centenas de gerações Kahle (1988) propuseram um modelo explicativo
antes da minha? No entanto, não desprezo aqui a integrando a relação entre valores, atitudes e
riqueza e o volume de conhecimentos que se comportamentos, assumindo a capacidade dos
traduzem em pensamentos e suportes onde estas valores de predizer os comportamentos dos
ideias transitam nas redes, patrocinando um indivíduos por meio das atitudes. Deste modo, os
interminável fluxo de conhecimentos! A valores humanos são construtos úteis no
socialização e a mediação dos saberes passam a conhecimento de um número variado de
ser o movimento fundamental dos indivíduos em comportamentos e atitudes, sendo utilizados nos
escolas, empresas, comunidades, sem os quais o mais variados contextos e áreas.

Signe Dayse Castro de Melo e Silva - Licenciada em Pedagogia pela Faculdade Estadual de Ciências e
Letras de Campo Mourão/FECILCAM; Bacharel em Turismo pela Universidade Católica de
Pernambuco/Unicap; Especialista em Administração Escolar e Planejamento Educacional, Mestre em
Gestão e Políticas Ambientais/MGPA e Doutora em Geografia, pela Universidade Federal de
Pernambuco/UFPE. Professora do Curso de Bacharelado em Comunicação em Mídias Digitais, DEMID-
UFPB.

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