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MEIOS DIVERSOS, SINAIS SEMELHANTES

Kanji e Língua de Sinais Brasileira: uma comparação das línguas


ideográficas
LIMA, Daniel dos Santos
LIMA, Raffaelle Jaffar
SARPA, Bernard Calvert

INTRODUCAO
A língua japonesa em sua forma escrita utiliza um sistema
ideográfico que focaliza em especial o conceito/significado das palavras.
Porém, esse sistema parece não atrair as marcas gramaticais da língua,
necessitando utilizar um outro sistema, de caráter fonológico (o hiragana).
Assim, o que parece é que na língua japonesa, em sua modalidade
escrita, há a distinção explícita entre componentes conceptuais e
componentes gramaticais.
A partir desta análise, a presente pesquisa tem como objetivo
mostrar, numa abordagem gerativista, como esses ideogramas podem,
talvez, ajudar na compreensão da estrutura da Língua de Sinais Brasileira,
utilizada pelos surdos, já que nessa língua utilizam-se, em grande parte,
sinais ideográficos.
O que vamos apresentar hoje é uma pequena parte de uma pesquisa
que ainda está sendo desenvolvida junto ao setor de Lingüística, sob a
orientação da Professora Miriam Lemle. Portanto, mostraremos apenas
dados parciais desta pesquisa.

PESQUISA
Na teoria da gramática gerativa, a linguagem é vista como uma
capacidade inerente ao ser humano. Essa capacidade nos permite expressar
pensamentos através do encadeamento de sinais. Há uma gramática
universal das línguas, um modelo de linguagem que rege todas as línguas.
As culturas humanas inventaram duas maneiras distintas de expressar
conceitos e idéiasatravés da escrita. Algumas optam por representá-los
através de uma transcrição dos sons da fala. Outras optam por representá-
los através de alguma representação do significado, do conceito. O
Português, o espanhol, o francês, optaram por representar a língua através
de representações dos sons, usando o sistema alfabético. Já o chinês,
coreano, japonês, optaram por representar a língua na modalidade escrita
através dos conceitos, ou seja, utilizam sistemas ideográficos.
Baseando-nos em um Modelo de Linguagem proposto por dois
lingüistas gerativistas, Alec Marantz e Morris Halle, ambos do MIT
(Massachussets Institute of Technology), de acordo com a Teoria da
Morfologia Distribuída, tentaremos mostrar como se poderá fazer a
comparação entre duas línguas distintas.

Modelo de linguagem de acordo com a Teoria da Morfologia Distribuída


Alec Marantz \ Morris Halle

Lista 1:
Repertório
de
traços
abstratos
conceptuais
Sintaxe
Juntar e Mover
traços
SPELL-OUT
Sistema Articulatório- inserção lexical Sistema Conceptual-
perceptual intencional

Lista 3:
Lista 2: Enciclopédia
Morfologia
Dá leituras
Repertório ao
de output na
unidades inserção
lexicais lexical

Segundo esses gerativistas, inspirados na teoria de Noam Chomsky,


num modelo universal de linguagem, há primeiramente um repertório de
traços abstratos conceptuais. São noções como passado, número, gênero,
classificador funcional, ou seja, são traços gramaticais possíveis na
estrutura de uma língua. Estes traços compõem a Lista 1.
Estes traços são fornecidos para a computação da sintaxe da língua,
que é um sistema de juntar e mover traços. Ao final dessa fase ocorre o
speell-out. Spell-out é o momento em que esses traços são implementados
pela inserção de Itens do Vocabulário, que têm substância fonológica.
Assim, por exemplo, os traços de gênero e plural recebem instruções de
pronúncia e de ordenação linear, o que forma o esqueleto sintático da
sentença, já uma forma da língua particular. A inserção das unidades
lexicais, das raízes e afixos da língua ocorre nesta fase.
As unidades lexicais estão reunidas na Lista 2. São os morfemas das
palavras do vocabulário de qualquer língua: em português, por exemplo,
menin-; gat-; -o, -a; -izar, -eza, -eiro, -ismo, -ada ; etc. Essa lista 2 vai
fornecer, no momento chamado spell-out, todo o material para ser
encaixado nas posições abstratas geradas na sintaxe.
É nesse momento, da inserção lexical no spell-out, que o
preenchimento com o material da lista 2 é enviada para o componente
semântico, para ser interpretado. A lista 3 constitui a enciclopédia, que
fornece a interpretação, ou seja, o conteúdo conceptual.
Assim, antes de eu falar GATO e todos entenderem que falo de um
animal felino, de quatro patas, etc, a palavra GATO vai ser inserida em
segmentos na sintaxe da minha língua: GAT- vai se encaixar no traço Raiz
e –O vai se encaixar no traço gênero masculino, e aí sim, na junção desses
dois traços teremos a leitura conceptual dessa palavra.
Se considerarmos este Modelo de Linguagem, e focalizarmos o lado
esquerdo, a lista 2, vemos o sistema articulatório-perceptual, o qual nas
línguas faladas corresponde aos sons. Os sistemas de escrita alfabéticos
são uma representação da forma fonológica, representada no lado esquerdo
do modelo da gramática.
Focalizando o lado direito, a lista 3, vemos o sistema conceptual-
intencional, que fornece o significado das cadeias geradas após a inserção
lexical. Os sistemas ideográficos têm por objetivo representar a matéria-
prima conceptual, expressa por esta lista, também denominada
Enciclopédia.
Kanji e Língua de Sinais são sistemas de sinais que pretendem
representar o significado e não as formas fonológicas, ou seja, tentam
capturar o que sai da lista 3, e representam pensamentos.
A partir daí, cabe perguntar: os conceitos podem ser classificados em
simples e complexos? Será possível decompor conceitos em partes
componentes?
Embora não exista uma teoria sobre a natureza interna dos conceitos,
podemos notar que alguns deles podem ser definidos por meio de dêixis
(mostrar o que é), e são reconhecidos com facilidade (por exemplo: sol,
lua, mar, montanha, mão, bola, etc.).
Quando não é possível utilizar a dêixis, é necessário recorrer a uma
definição em que usamos palavras para definir outras palavras. Por
exemplo, “almoço” é uma refeição realizada no início da tarde, em geral
não depois das 14 horas e nem muito antes do meio-dia. "Caçula" é o filho
mais recentemente nascido, "lucro" é a diferença entre o custo de produção
de um bem e o preço cobrado na venda.
No nosso trabalho estamos começando com a expectativa de que
quando é possível definir um conceito por dêixis, também é possível
representá-lo de maneira icônica. Quando a definição requer o uso de uma
paráfrase, o significante gráfico terá uma relação arbitrária com o
significado.
Com o objetivo de saber se há princípios que pautem os sistemas
ideográficos, iniciamos uma investigação comparativa entre a escrita kanji
e a Língua de Sinais Brasileira (Libras). Partimos da conjetura de que
acharíamos sinais com semelhanças na sua motivação, e coletamos sinais
nos dois sistemas.
Comecemos então a análise de cada parte do corpus levantado a fim
de demonstrar a semelhança existente na construção dos símbolos kanji e
LIBRAS, questão chave de nossa pesquisa. Para uma melhor visualização
optamos por agrupar os elementos em dois grupos, o dos kanjis icônicos e
o dos sinais de Libras com construção semelhante.
A iconicidade no kanji de chuva 雨 também está presente no sinal de
chuva em LIBRAS, com alguns traços demonstrando a água caindo.
Outro símbolo icônico é o de rio 川 em que ambas as línguas
demonstram o caminho da água, seu leito, seu percurso.
Em ver 見 temos o radical de pé aliado com o símbolo de olho,
demonstrando o caminho o qual o olho percorre. Com o mesmo sentido, em
LIBRAS, dois dedos saem dos olhos e delimitam o campo de visão da
pessoa.
Esta mesma construção é constatada em falar 言, o qual demonstra
que a partir da boca saem ondas sonoras. Em LIBRAS ocorre com a mesma
demonstração das ondas sonoras saindo pela boca.
Outro símbolo icônico é dentro 内, sendo representado na língua
utilizada pelos surdos brasileiros como uma mão em forma de recipiente e
outra mão colocando algo dentro deste.
Em 結婚 (casamento) a parte do kanji que representa o samurai, ou
seja, o lado masculino da relação, relaciona-se com a parte do kanji de
mulher através do radical de laço, relação. Da mesma maneira, na língua
de sinais brasileira encontramos o símbolo do homem, o da mulher e o do
relacionamento, da junção entre o homem e a mulher.
No kanji de casaco 上着 podemos visualizar a mesma construção de
sentido que em LIBRAS, os símbolos de “vestir” e de “cima” estão
presentes em ambas as formas de comunicação, significando que o casaco é
algo que vestimos por cima.
De forma semelhante com o símbolo de casaco, a construção de
tempestade 雨風 em kanji é a mesma que em LIBRAS, vento e chuva se
juntam e nos passam a idéia de tempestade.
O kanji de rico 金持 têm uma construção semelhante à da LIBRAS, o
símbolo de dinheiro está relacionado com o símbolo de posse e, por isso,
passa a idéia de grande quantidade.
Em país estrangeiro, tanto em kanji 外国 quanto em LIBRAS, vemos
a presença do símbolo de “país” e do símbolo de “fora”.
No kanji composto de calar a boca 口止 podemos distinguir a boca e
o ato de parar, idênticos à construção da mesma estrutura em LIBRAS.
Os símbolos de árvore 木, bosque 林 e floresta 森 são um caso a ser
analisado à parte, pois apresentam em ambas as formas de comunicação a
iconicidade no símbolo árvore e a variação em sua quantidade. Assim
sendo, uma árvore é uma árvore, duas ou três formam um bosque, e três ou
quatro formam uma floresta.
A partir da compreensão dos princípios que pautam os sistemas
ideográficos pretendemos demonstrar que mesmo em meios diversos a
construção dos sinais é semelhante.

Bibliografia:
1.Marantz, Alec, 1997 - No escape from syntax: don't try morphological
analysis in the privacy of your own lexicon. Em A. Dimitriadis, l. Siegel et
al. (eds), University of Pennsylvania Working Papers in linguistics, Vol.4.2, 201-225.

2. Harley, Heidi 1995. Subjects, events and licensing. Tese de doutoramento,


Massachussets Institute of Technology.

3. Halle, Morris & Alec Marantz, 1994. Some key features of distributed
Morphology. Em Carnie, A., H. Harley e T. Bures (eds.), Papers on phonology
and morphology, MIT Working Papers in Linguistics 21, 275-288.

4. The Japan Foundation / Japanese Language Institute: Nihongo: curso


elementar de kaji

5. Minna no Nihongo vols 01 e 02

6. Rainbow Shoogaku Kanji Jiten

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