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LÍNGUA

BRASILEIRA
DE SINAIS
Fernanda Cristina Falkoski
Noções de léxico, de
morfologia e de sintaxe
com apoio de recursos
audiovisuais
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Analisar a estrutura da Libras em relação aos sistemas léxico, morfo-


lógico e sintático.
 Identificar a estrutura gramatical da Libras.
 Reconhecer a importância dos recursos audiovisuais para o ensino
da Libras.

Introdução
Neste capítulo, você vai conhecer a estrutura da Libras e os seus principais
componentes: léxico, morfologia e sintaxe. Você também vai ver quais
são as diferenças entre uma frase construída em Libras e sinalizada e uma
construída a partir do português, mas também sinalizada. Além disso, vai
reconhecer alguns dos benefícios de utilizar recursos audiovisuais para o
ensino da Libras, tanto para ouvintes quanto para surdos.
Embora existam cursos de formação que envolvem o aprendizado da
Libras, nem todos se dedicam ao estudo das suas propriedades linguís-
ticas. Contudo, aprender uma língua não é apenas adquirir vocabulário;
também é fundamental conhecer e compreender regras de estrutura e
combinação de palavras/sinais. Pensar na estrutura gramatical de uma
língua envolve compreender os seus princípios básicos de formação, por
exemplo, saber o que é um sujeito, um verbo e um objeto e como eles
podem se combinar a fim de compor uma sentença.
Um surdo que aprende a Libras precisa dominar todos esses aspectos,
pensando na sua língua como forma de expressão e recepção de informa-
2 Noções de léxico, de morfologia e de sintaxe com apoio de recursos audiovisuais

ções, mas também necessita dominá-los na língua portuguesa, pois vai


utilizá-la para escrever e ler. Ao longo deste capítulo, você deve ter em mente
que se exige muito da comunidade surda e nem sempre se oferecem recur-
sos a ela. Além disso, poucas pessoas dominam a Libras, utilizando, muitas
vezes, o chamado “português sinalizado” no momento de se comunicar. Este
texto tem como objetivo refletir acerca desses aspectos e oferecer indicativos
de como reconhecer a estrutura gramatical da Libras e colocá-la em prática.

Libras e sua estrutura: léxico, morfologia


e sintaxe
Nos estudos linguísticos, existem as áreas da fonética, fonologia, morfologia,
sintaxe, semântica e pragmática. Inicialmente, você deve compreender breve-
mente o que cada uma estuda, pensando nas línguas orais, para posteriormente
refletir sobre esses aspectos na Libras. Veja (QUADROS; KARNOPP, 2004):

 a fonética das línguas orais estuda os sons da fala;


 a fonologia estuda os sons e como eles se combinam entre si formando
elementos;
 a morfologia identifica a estrutura interna das palavras;
 a sintaxe busca reconhecer a estrutura da frase;
 a semântica tem como objetivo entender o significado das palavras
e da frase;
 a pragmática estuda a linguagem em uso e os princípios de comunicação.

Nas línguas de sinais, os estudos se concentram basicamente nas áreas de


fonologia, morfologia e sintaxe.

Fonologia ou léxico
De acordo com Quadros e Karnopp (2004, p. 47), a fonologia tem como objetivo
“[...] determinar quais são as unidades mínimas que formam os sinais [...]” e
“estabelecer quais são os padrões possíveis de combinação entre essas unidades
e as variações possíveis”. Ou seja, a fonologia se dedica a estudar a composição
do sinal. O sinal se compõe a partir de cinco parâmetros: configuração de mão
(CM), movimento (M), locação (L), orientação da mão (Or) e expressões não
manuais (ENM). Pensar em um sinal sem um desses componentes é praticamente
impossível, pois cada um exerce uma função primordial. Separados, eles não
Noções de léxico, de morfologia e de sintaxe com apoio de recursos audiovisuais 3

apresentam significado, porém quando juntos formam o sinal. A seguir, você


pode aprender mais sobre esses parâmetros (QUADROS; KARNOPP, 2004).

 Configuração de mão: diz respeito ao formato da mão (Figura 1). As


letras também são configurações.

Figura 1. Configurações de mão.


Fonte: Brito (1990, p. 24).
4 Noções de léxico, de morfologia e de sintaxe com apoio de recursos audiovisuais

 Movimento: é a forma como as mãos se movem no espaço, podendo


apresentar formas e direções diferentes.
 Locação: é o local onde os sinais são produzidos no espaço; pode envol-
ver uma área como cabeça, troco e braços, mas sem se estender muito.
 Orientação da mão: é o modo como as mãos estão organizadas, ou
seja, para qual direção a palma fica posicionada — para cima, para
baixo, para o corpo, para a frente, para a direita ou para a esquerda.
 Expressões não manuais: um dos itens mais importantes da Libras é a
expressão dos movimentos da face, dos olhos, da cabeça ou do tronco;
é isso que dá sentido ao sinal.

Sem a união desses componentes, o sinal perde o sentido e pode mudar


de significado. Por exemplo, como sinalizar que você está feliz se não usar a
expressão facial de felicidade? Nesse caso, você poderia estar sendo irônico ou
caçoando de alguém. Mudar o ponto de locação do sinal também pode ocasionar
mudança de significado. No caso dos sinais de “aprender” e “laranja”, a única
mudança que ocorre é em relação à locação: o primeiro é feito na frente da
testa, e o segundo, na frente da boca.
Essas mudanças são chamadas nas línguas orais de pares mínimos. Con-
sidere, por exemplo, as palavras “gato” e “gado” na língua oral. A mudança
de uma letra ocasiona a mudança de significado, não é? Quando se diz uma
palavra, vem um animal à mente; quando se diz a outra, vem outro. Na Libras,
essa mudança ocorre quando um dos parâmetros se diferencia; no caso de
“aprender” e “laranja”, a locação é a responsável por isso.
Algumas pessoas pensam que a Libras se resume ao alfabeto manual, ou
seja, aprendem os sinais das 26 letras e acreditam que já sabem sinalizar.
Porém, esse recurso é utilizado apenas quando as palavras possuem um sinal
ou para nomes próprios, caso em que se recorre à soletração manual; ou seja,
a palavra é feita por meio do alfabeto datilológico da Libras. Por exemplo,
para apresentar uma pessoa, faz-se o nome dela com as letras do alfabeto
manual — “C-A-M-I-L-A” — e na sequência o seu sinal, se ela possuir. Em
situações de conteúdo ou assunto muito específico, em que não há um sinal
para determinada palavra, também se pode recorrer ao uso da soletração.
Durante a produção de alguns sinais, algumas vezes é necessário mudar a
configuração de mão e a locação. Por exemplo, para designar a escola, une-se
dois sinais, “casa” e “estudar”, que formam um novo significado. Nesse caso,
o segundo sinal é feito sem a repetição realizada quando se indica apenas o
verbo “estudar”.
Noções de léxico, de morfologia e de sintaxe com apoio de recursos audiovisuais 5

Morfologia
Em relação à morfologia, Quadros e Karnopp (2004, p. 86) afirmam ser o “[...]
estudo da estrutura interna das palavras ou dos sinais, assim como das regras
que determinam a formação das palavras [...]”. Portanto, existem as palavras
base e outras que vão sendo criadas a partir delas. É possível formar um novo
sinal ou criar um a partir da união de outros.
Os classificados são um importante recurso na Libras. Normalmente, são
usados para indicar movimento de pessoas ou objetos, para posicionar pessoas
e objetos na situação enunciativa, ou ainda para descrever aspectos de forma
mais clara. Nem sempre existe um sinal que pode ser usado para descrever
um objeto. Por exemplo, no caso do português, pode-se dizer “uma jarra
oval”, mas na Libras ficaria muito estranho sinalizar “um jarro oval”. Assim,
recorre-se ao uso de um classificador que dê conta desses três sinais e deixe
visível a indicação de como é o jarro.
Para sinalizar uma música ou poesia, que são gêneros que exploram muito as
emoções, também se costumam usar os classificadores. Eles transmitem sentido
e significado para quem recebe a informação de forma mais compreensível.
Os movimentos são importantes pois a partir deles é possível mudar uma
palavra de classe gramatical. Por exemplo, o verbo “sentar” apresenta movi-
mento repetitivo, já o substantivo “cadeira” não necessita do movimento. O
verbo “ouvir” também é uma palavra com movimento de repetição, enquanto
o substantivo “ouvinte” é feito apenas uma vez. A partir de algumas regras
morfológicas, novas palavras são criadas:

 regra de contato (por exemplo, “acreditar”);


 regra de sequência única (por exemplo, “pai” + “mãe” = “pais”);
 regra da antecipação da mão não dominante (por exemplo, “bom dia”).

Cada uma dessas regras oferece contribuições fundamentais para a formação de


palavras ou a mudança de significado.
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No caso dos numerais e negativos, na maioria das vezes, eles podem ser
incorporados ao sinal que está sendo feito inicialmente, então não é preciso
utilizar dois sinais. Por exemplo, no caso de “um dia” e “dois dias”, é possível
fazer o sinal “dia” já com o número incorporado. No caso de “muitas pessoas”,
não é preciso usar os sinais para “muitas” e para “pessoas”; pode-se usar um
classificador que dê conta dessas duas informações. Em relação ao “ter” e
ao “não ter”, usa-se o sinal incorporado ao movimento facial negativo. Ou
seja, não são feitos dois sinais (“não” e “ter”), mas um único que dá conta da
informação por completo.

Sintaxe
A sintaxe, segundo Quadros e Karnopp (2004, p. 127), se refere ao “[...] espaço
em que são realizados os sinais, [então] o estabelecimento nominal e o uso do
sistema pronominal são fundamentais para tais relações sintáticas [...]”. Ou
seja, é possível posicionar pessoas e elementos no espaço e retomá-los durante
o discurso sem ter de mencioná-los novamente, usando apenas um movimento
corporal ou o apontamento. Costuma-se iniciar a explicação colocando os
personagens em locais do espaço.
Inicialmente, a sinalização conta com a distribuição dos objetos e pessoas
na cena. Depois, enquanto a conversa ou tradução vai acontecendo, recorre-
-se ao recurso de apontamento, que costuma ser muito utilizado durante
qualquer situação, pois evita que os sinais se sobreponham um ao outro. Por
exemplo, quando se está contando a história dos três porquinhos, inicialmente
se distribuem as casas e os personagens no espaço. O porco com a casa de
palha poderia ficar mais à direita; o porco com a casa de madeira, mais no
meio; e o porco com a casa de tijolos, mais à esquerda. Coloca-se o lobo no
enredo e a narração se inicia. Cada vez que um porco for retomado, não é
preciso sinalizar quem ele é, apenas apontar e usar alguma característica,
talvez. Mas a história será melhor compreendida se for feita dessa forma, sem
confundir quem assiste.
Por exemplo, no caso de um diálogo entre uma mãe e um filho, é possível
posicionar um à esquerda e outro à direita. Cada vez que um tomar o turno
de fala, pode-se apontar ou fazer um leve movimento de corpo, virando-se
para o lado em que o falante está.
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Os elementos que você viu até aqui são aspectos que tornam a Libras uma língua.
Conhecer cada um deles favorece a sua correta utilização. Como você já viu, para saber
Libras, não basta conhecer sinais; é preciso ir além e entender a estrutura da língua.

Estrutura gramatical:
aspectos próprios da Libras
A Libras segue alguns dos princípios básicos de qualquer outra língua no que
diz respeito à sua estrutura gramatical. Porém, como conta com diferentes
recursos, como classificadores e expressões não manuais, algumas mudanças
são possíveis e aceitáveis.
É importante você levar em conta que existe uma ordem básica para a
narrativa ser estabelecida; os sinais tendem a ser feitos seguindo essa ordem.
Costuma-se sinalizar iniciando pelo sujeito (S), seguido pelo verbo (V) e pelo
objeto (O). Porém, mudanças são possíveis, dados todos os aspectos mencio-
nados anteriormente. Na língua portuguesa, algumas frases são consideradas
agramaticais e não pronunciáveis, mas na Libras, dependendo dos recursos
utilizados, essas frases podem ser aceitas e até melhor compreendidas. Con-
sidere os exemplos a seguir.

 “Ele gosta de futebol” (português) — SVO


 “Ele futebol gostar” (Libras) — SOV

Ambas as frases são possíveis e permitidas, cada uma na sua língua. Caso
a primeira frase seja sinalizada da forma como está escrita, tem-se o caso do
português sinalizado. Porém, quando a segunda é sinalizada, respeita-se o
uso geral da Libras.
Em alguns casos, é necessário repetir um sinal para que ele seja com-
preendido e reforçado: “futebol João gostar futebol”. Nesse caso, a palavra
“futebol” possui um significado muito importante e a sua repetição oferece
essa ideia ao interlocutor que recebe a mensagem. Mas isso depende da situ-
ação comunicativa e da intenção da frase; esta pode ser afirmativa, negativa
ou interrogativa.
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Como ordem dominante, tem-se: SOV, SVO e VSO. De acordo com Qua-
dros e Karnopp (2004, p. 135), “A língua de sinais brasileira apresenta certa
flexibilidade na ordem das palavras [...]”, sendo, portanto, aceitáveis outras
possibilidades de formação. Porém, tais possibilidades precisam ser compre-
endidas por quem sinaliza e por quem recebe a mensagem. A ideia é que a
comunicação não vire bagunça.

Expressões não manuais


Quadros e Karnopp (2004) apresentam algumas considerações a respeito do
uso de expressões não manuais e das mudanças na ordem da frase que elas
podem ocasionar, proporcionando assim a compreensão por parte do receptor
da mensagem.
Considere a frase “Filme ele assiste”. No caso, o sinal de “filme” será feito
e posicionado no espaço mais à frente ou ao lado do falante; em seguida, os
sinais de “ele” e “assiste” serão feitos por meio de um direcionamento de olhar
(expressão não manual) para “filme”, posicionado anteriormente. Aqui se tem
um exemplo da estrutura da frase em OSV.

Advérbios temporais
O uso de advérbios temporais também permite algumas mudanças. Eles podem
estar antes ou depois da oração. Por exemplo: “Felipe comprar casa amanhã”
ou “Amanhã Felipe comprar casa”. Essas duas possibilidades de frases são
aceitas na Libras. Porém, o advérbio de frequência pode ocorrer na frase de
três formas diferentes:

 “Eu como alface algumas-vezes” (note que o advérbio é formado por


duas palavras, porém sinalizadas com um único sinal, por isso estão
separadas por um traço);
 “Eu algumas-vezes como alface”;
 “Algumas-vezes eu como alface”.

Verbos
Para se referir a tempos verbais na estrutura da Libras, são usadas algumas
marcas: passado, presente e futuro, ontem, hoje e amanhã. Por exemplo:
Noções de léxico, de morfologia e de sintaxe com apoio de recursos audiovisuais 9

 “Ontem ir casa avó” (ontem eu fui à casa da minha avó);


 “Ir casa avó ontem” (fui à casa da minha avó ontem).

Veja outro exemplo:

 “Passado brincar boneca” (brinquei de boneca);


 “Trabalhar casa futuro” (trabalharei em casa).

Os verbos sinalizados não possuem uma diferenciação quanto ao tempo


verbal em que estão sendo pronunciados, ou seja, o sinal não muda de acordo
com pretérito, presente ou futuro. Porém, essas marcas são necessárias e
fundamentais para que a mensagem seja compreendida corretamente; assim,
são usados sinais indicando o tempo verbal.
Existem diferentes tipos de verbos: simples, com concordância e espaciais.
Segundo Quadros e Karnopp (2004), os verbos simples não apresentam fle-
xão de pessoa e número e não incorporam afixos locativos. Por sua vez, os
verbos com concordância são flexionados quanto a pessoa, número e aspecto
e também não incorporam afixos locativos. Já os verbos espaciais possuem
afixos locativos.

Tópicos
Nas sentenças com tópico, a ordem da frase pode variar. Considere, por exem-
plo, a frase “Pesquisar ela não-gostar”. A palavra “pesquisar” aqui entra como
um tópico que logo em seguida será explicado pelo comentário “ela não-gostar”.
Esse tipo de construção costuma favorecer o entendimento de quem recebe
a informação. Primeiro se informa sobre o que será dito e em seguida vem a
informação propriamente dita em Libras.
Alguns casos apresentam outra estrutura, por exemplo, o verbo “convidar”.
Sinaliza-se “Você convidar ele”, porém as marcações de “você” e “ele” não
são feitas pelo apontamento, mas por um movimento das mãos de um lado
em direção ao outro.

Sintaxe espacial
Quadros e Karnopp (2004) apresentam alguns mecanismos usados para ex-
plicar como a Libras se organiza espacialmente, ou seja, como os sinais são
organizados a fim de favorecer a compreensão por parte de quem os vê. Tais
mecanismos incluem:
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 fazer o sinal em um local específico;


 direcionar a cabeça e os olhos (e talvez o corpo) em direção a uma
localização particular simultaneamente com o sinal de um substantivo
ou com o apontamento para o substantivo;
 usar o apontamento ostensivo antes do sinal de um referente específico;
 usar um pronome (o apontamento ostensivo) em uma localização par-
ticular quando a referência for óbvia;
 usar um classificador (que representa o referente) em uma localização
particular;
 usar um verbo direcional (com concordância) incorporando os referentes
previamente introduzidos no espaço.

Esses mecanismos ajudam a compreender a organização espacial da frase


em Libras. Quem sinaliza pode usar referentes presentes ou não. Para isso,
localiza-os no espaço e pode retomá-los ao longo do discurso.

Como você viu, a Libras possui uma estrutura gramatical própria, embora siga algumas
regras utilizadas também por outras línguas. Esse conhecimento é o que favorece a
verdadeira compreensão da Libras e a sua distinção do português.

Recursos audiovisuais no ensino de Libras


A Libras tem um valor inestimável para os surdos e para aqueles que crescem na
comunidade surda. É uma língua que permite adentrar e participar de um grupo:
o grupo de surdos (QUADROS, 2017). A Libras se constitui como primeiro
artefato da comunidade surda e, além de ser uma forma de comunicação, ela
expressa a identidade de quem se considera uma pessoa com surdez. Pensar no
aprendizado da Libras exige refletir sobre como essa comunidade se constitui
e principalmente sobre como usar a língua de forma correta.
No ensino da Libras, o uso de recursos visuais é fundamental, tanto con-
siderando o caso de ouvintes que aprendem a língua quanto a situação dos
Noções de léxico, de morfologia e de sintaxe com apoio de recursos audiovisuais 11

próprios surdos, que precisam aprendê-la de forma mais sistemática. O decreto


nº 9.656 (BRASIL, 2018) estabelece que o poder público, por meio de empresas
da administração pública direta e indireta, na esfera federal, e também por
suas concessionárias e permissionárias, poderá contratar intérpretes especi-
ficamente para a função de intermediar a comunicação, presencial ou remota,
com pessoas surdas ou com deficiência auditiva, valendo-se para isso dos
recursos necessários de videoconferência on-line e webchat.
Em outras palavras, há necessidade de buscar metodologias diferenciadas
e muito visuais para o atendimento desse público. No caso do ouvinte, o
português é aprendido desde os seus primeiros contatos com a língua, quando
ouve palavras simples e inicia a sua reprodução. Pais e mães ficam atentos
às primeiras palavras pronunciadas; mesmo quando elas não parecem ter
um significado compreensível por qualquer pessoa, eles as compreendem.
Conseguem diferenciar quando um “papa” quer dizer “comida” e quando
quer dizer “papai”. É difícil explicar, mas quem está na situação e faz parte
do contexto consegue entender os significados que as palavras apresentam.
Para o surdo, isso acontece da mesma forma, porém visualmente e com o
uso de gestos. Costumam-se chamar as primeiras formas de comunicação da
criança surda de “sinais caseiros”, pois eles possuem significado, mas não são
compreensíveis por qualquer pessoa. Pais, mães e cuidadores vão estabelecendo
formas para se comunicar, fazendo combinações e, assim, possibilitando à
criança compreender e ser compreendida.
A escola serve como um espaço para aperfeiçoar o aprendizado da
língua, seja oral ou sinalizada. Nela, é possível conhecer e identificar os
recursos que a língua oferece para estabelecer uma comunicação mais
rica e que seja entendida por muitas pessoas. Assim, aos poucos, ocorre o
aprendizado de classes gramaticais, regras de estrutura e funcionamento
da língua. Os alunos aprendem o que pode ser dito e aquilo que não pode
ser compreendido.
Por volta do 1º ano do ensino fundamental, quando o aprendizado começa
a se formalizar, a criança ouvinte comete muitos erros de fala e escrita, pois
utiliza palavras que nem sempre existem ou seriam possíveis. Recorrendo
ao vocabulário que possui e unindo os conhecimentos já adquiridos, ela vai
fazendo novas combinações, acreditando que as palavras que cria já existem
ou são facilmente compreensíveis. Uma criança pode dizer, por exemplo,
“donaviaria” em vez de “rodoviária”. Mas esse é um processo necessário
e que acontece com todas as crianças ouvintes, que precisaram passar por
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diferentes etapas de ensino até compreender que existem regras que devem
ser seguidas, que algumas vezes é possível criar novas palavras, mas outras
vezes, não.
Já as crianças surdas, em sua maioria, não têm contato com a Libras desde
que nascem, principalmente se forem de uma família de ouvintes. Pense na
situação de uma criança com 4 anos, idade na qual hoje é obrigatório estar
numa escola, que nunca teve contato com a sua língua. Ao chegar à escola, a
sua primeira aprendizagem precisa ser dos sinais; é necessário construir um
vocabulário ao qual a criança possa recorrer para organizar e criar frases.
Quando estiver no 1º ano, ela terá quatro anos de atraso em relação ao léxico
que uma criança ouvinte possui, o que trará consequências significativas para
o seu desenvolvimento.
Veja o que afirma Fernandes (2007, documento on-line):

[...] embora brasileiras, as crianças surdas necessitam de uma modalidade


linguística que atenda às suas necessidades visuais espaciais de aprendi-
zagem, o que significa ter acesso à Libras, assim que for diagnosticada a
surdez, para suprir as lacunas que a oralidade não preenche em seu processo
de desenvolvimento da linguagem e conhecimento de mundo. Essa situação
configura o bilinguismo dos surdos brasileiros: aprender a língua de sinais,
como primeira língua, preferencialmente de zero a três anos, seguida do
aprendizado do português, como segunda língua.

Dessa forma, quanto mais cedo a criança com surdez for colocada em
contato com a sua língua e receber estímulos visuais, mais fácil e rapidamente
se desenvolverá. O ideal seria a existência de espaços de educação infantil
que dessem conta desse contato inicial que a criança surda precisa ter, usando
recursos e materiais audiovisuais que facilitassem o seu desenvolvimento.
Falkoski e Witchs (2010) apresentam uma proposta de trabalho voltada a
crianças da educação infantil, mas que poderia ser utilizada em diferentes
momentos do desenvolvimento do sujeito surdo. Note que os aspectos men-
cionados não são difíceis de serem colocados em prática em sala de aula:

 atendimento na sala de aquisição de língua, com jogos e brinquedos


adaptados para o ensino da Libras (como dominó de sinais), palavras
em português, cores e seus sinais, histórias em DVD, etc.;
 atendimento às professoras das turmas das crianças surdas, com ensino
de Libras e esclarecimento de dúvidas relacionadas aos alunos;
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 ensino da Libras a todos os funcionários da escola, para que se comu-


niquem com os alunos surdos;
 encontros com familiares das crianças surdas para estudo de Libras
e também para sanar dúvidas relacionadas ao desenvolvimento dos
alunos (nesse momento, os pais poderiam expor seus sentimentos e
dificuldades);
 atividades com as turmas da escola, juntamente aos alunos surdos, para
exploração de novos sinais por meio de jogos e brincadeiras, a fim de
ativar a comunicação;
 intermediação da comunicação nas turmas regulares para o incentivo
do uso da Libras como língua principal pelos alunos surdos.

Na experiência descrita por Falkoski e Witchs (2010), a professora contava


com dois espaços de trabalho: a sala de aquisição da linguagem, frequentado
apenas por alunos surdos durante um período de tempo do dia; e a sala de aula
regular, onde os alunos estudavam com seus colegas ouvintes. Disponibilizar
esses dois espaços possivelmente foi o que favoreceu o desenvolvimento e
o enriquecimento do vocabulário dos alunos surdos. Enquanto no primeiro
espaço eles usavam apenas a sua língua para se comunicar, brincar e realizar
as propostas, no segundo estavam em contato com a língua portuguesa, mas
com o apoio constante dos sinais.
As imagens são um recurso rico e potente que favorece o desenvolvimento e
o aprendizado de qualquer pessoa, não apenas das crianças. O aprendizado do
adulto também é facilitado por meio do contato com imagens, gravuras, vídeos
e jogos pedagógicos. São essas ferramentas que farão com que o aprendizado
ocorra e seja mantido. Afinal, como você sabe, é fácil receber a instrução,
porém absorver o conhecimento de forma significativa é um processo mais
demorado e difícil.
As possibilidades apresentadas aqui são apenas algumas alternativas e
focam sempre no ensino da Libras para todos os envolvidos no processo
escolar; portanto, não são considerados apenas o aluno surdo e o professor
bilíngue, mas entram em cena colegas, outros professores e funcionários. A
partir desse trabalho inicial de aquisição de língua, é possível aos poucos ir
contemplando os aspectos gramaticais e estruturais da Libras, pois a aquisição
serve de base para os conhecimentos subsequentes. Afinal, não é possível falar
de algo se não se sabe como falar, ou seja, não é possível sinalizar se não se
conhecem os sinais.
14 Noções de léxico, de morfologia e de sintaxe com apoio de recursos audiovisuais

Para o aluno ouvinte, o aprendizado das palavras se dá por meio da composição


delas. Ou seja, no processo de alfabetização, ele vai formando as palavras a partir do
som que escuta ao pronunciá-las — embora mais tarde aprenda que a escrita não
é a transcrição da fala, ainda que ambas se aproximem muito. Já para o surdo, isso
acontece de outra forma: como ele não escuta as palavras nem as pronuncia, precisa
aprendê-las. Alguns chamam esse processo de “memorizar” ou “decorar”. Para que esse
aprendizado seja facilitado, o professor precisa usar imagens e vídeos, relacionando
a palavra escrita com o sinal. Assim, vai proporcionar a compreensão ao aluno. Esses
recursos servem como apoio ao ensino da língua.

Considerações finais
A Libras apresenta basicamente os mesmos componentes das línguas orais,
tendo assim o mesmo status de outras línguas. Como você viu, os aspec-
tos fonológicos da Libras envolvem os sinais; os aspectos morfológicos, os
mecanismos de mudança de um sinal para outro; e os aspectos sintáticos, a
estrutura da frase.
Compreender a estrutura e as possibilidades específicas da Libras favorece
o aprendizado dessa língua, evitando o chamado “português sinalizado”.
A incorporação de numerais e negativos e o uso de tópicos são elementos
da Libras que tornam a frase sinalizada mais compreensível por quem está
recebendo a mensagem. Além disso, a Libras possui recursos que as línguas
orais não têm, como os classificadores. O uso desses recursos faz com que
a Libras seja sinalizada e entendida por surdos e ouvintes e também facilita
a comunicação.
Em sala de aula, o professor, mesmo que esteja se desenvolvendo na língua
e ainda não seja fluente, pode recorrer a metodologias e recursos visuais que
facilitarão o aprendizado dos seus alunos surdos e também dos seus alunos
ouvintes. Aprender Libras interagindo visualmente torna a língua mais sig-
nificativa e compreensível.
BRASIL. Decreto nº 9.656. Altera o Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005, que
regulamenta a Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasi-
leira de Sinais - Libras. Brasília: Presidência da República, 2018. Disponível em: https://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/decreto/d9656.htm. Acesso em:
7 jun. 2022.
BRITO, L. F. Uma abordagem fonológica dos sinais da LSCB. Espaço, Rio de Janeiro, v.
1, n. 1, p. 20–43, 1990.
FALKOSKI, F. C.; WITCHS, P. H. Inclusão de surdos na educação infantil: aquisição e
desenvolvimento da língua de sinais. Arqueiro, Rio de Janeiro, v. 24, p. 7–14, 2010.
FERNANDES, S. Avaliação em Língua portuguesa para alunos surdos: algumas conside-
rações. Curitiba: SEED, 2007. Disponível em: http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/
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QUADROS, R. M. Língua de herança: língua brasileira de sinais. Porto Alegre: Penso, 2017.
QUADROS, R. M.; KARNOPP, L. B. Língua de sinais brasileira: estudos linguísticos. Porto
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