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BRASILEIRA
DE SINAIS
Fernanda Cristina Falkoski
Noções de léxico, de
morfologia e de sintaxe
com apoio de recursos
audiovisuais
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:
Introdução
Neste capítulo, você vai conhecer a estrutura da Libras e os seus principais
componentes: léxico, morfologia e sintaxe. Você também vai ver quais
são as diferenças entre uma frase construída em Libras e sinalizada e uma
construída a partir do português, mas também sinalizada. Além disso, vai
reconhecer alguns dos benefícios de utilizar recursos audiovisuais para o
ensino da Libras, tanto para ouvintes quanto para surdos.
Embora existam cursos de formação que envolvem o aprendizado da
Libras, nem todos se dedicam ao estudo das suas propriedades linguís-
ticas. Contudo, aprender uma língua não é apenas adquirir vocabulário;
também é fundamental conhecer e compreender regras de estrutura e
combinação de palavras/sinais. Pensar na estrutura gramatical de uma
língua envolve compreender os seus princípios básicos de formação, por
exemplo, saber o que é um sujeito, um verbo e um objeto e como eles
podem se combinar a fim de compor uma sentença.
Um surdo que aprende a Libras precisa dominar todos esses aspectos,
pensando na sua língua como forma de expressão e recepção de informa-
2 Noções de léxico, de morfologia e de sintaxe com apoio de recursos audiovisuais
Fonologia ou léxico
De acordo com Quadros e Karnopp (2004, p. 47), a fonologia tem como objetivo
“[...] determinar quais são as unidades mínimas que formam os sinais [...]” e
“estabelecer quais são os padrões possíveis de combinação entre essas unidades
e as variações possíveis”. Ou seja, a fonologia se dedica a estudar a composição
do sinal. O sinal se compõe a partir de cinco parâmetros: configuração de mão
(CM), movimento (M), locação (L), orientação da mão (Or) e expressões não
manuais (ENM). Pensar em um sinal sem um desses componentes é praticamente
impossível, pois cada um exerce uma função primordial. Separados, eles não
Noções de léxico, de morfologia e de sintaxe com apoio de recursos audiovisuais 3
Morfologia
Em relação à morfologia, Quadros e Karnopp (2004, p. 86) afirmam ser o “[...]
estudo da estrutura interna das palavras ou dos sinais, assim como das regras
que determinam a formação das palavras [...]”. Portanto, existem as palavras
base e outras que vão sendo criadas a partir delas. É possível formar um novo
sinal ou criar um a partir da união de outros.
Os classificados são um importante recurso na Libras. Normalmente, são
usados para indicar movimento de pessoas ou objetos, para posicionar pessoas
e objetos na situação enunciativa, ou ainda para descrever aspectos de forma
mais clara. Nem sempre existe um sinal que pode ser usado para descrever
um objeto. Por exemplo, no caso do português, pode-se dizer “uma jarra
oval”, mas na Libras ficaria muito estranho sinalizar “um jarro oval”. Assim,
recorre-se ao uso de um classificador que dê conta desses três sinais e deixe
visível a indicação de como é o jarro.
Para sinalizar uma música ou poesia, que são gêneros que exploram muito as
emoções, também se costumam usar os classificadores. Eles transmitem sentido
e significado para quem recebe a informação de forma mais compreensível.
Os movimentos são importantes pois a partir deles é possível mudar uma
palavra de classe gramatical. Por exemplo, o verbo “sentar” apresenta movi-
mento repetitivo, já o substantivo “cadeira” não necessita do movimento. O
verbo “ouvir” também é uma palavra com movimento de repetição, enquanto
o substantivo “ouvinte” é feito apenas uma vez. A partir de algumas regras
morfológicas, novas palavras são criadas:
No caso dos numerais e negativos, na maioria das vezes, eles podem ser
incorporados ao sinal que está sendo feito inicialmente, então não é preciso
utilizar dois sinais. Por exemplo, no caso de “um dia” e “dois dias”, é possível
fazer o sinal “dia” já com o número incorporado. No caso de “muitas pessoas”,
não é preciso usar os sinais para “muitas” e para “pessoas”; pode-se usar um
classificador que dê conta dessas duas informações. Em relação ao “ter” e
ao “não ter”, usa-se o sinal incorporado ao movimento facial negativo. Ou
seja, não são feitos dois sinais (“não” e “ter”), mas um único que dá conta da
informação por completo.
Sintaxe
A sintaxe, segundo Quadros e Karnopp (2004, p. 127), se refere ao “[...] espaço
em que são realizados os sinais, [então] o estabelecimento nominal e o uso do
sistema pronominal são fundamentais para tais relações sintáticas [...]”. Ou
seja, é possível posicionar pessoas e elementos no espaço e retomá-los durante
o discurso sem ter de mencioná-los novamente, usando apenas um movimento
corporal ou o apontamento. Costuma-se iniciar a explicação colocando os
personagens em locais do espaço.
Inicialmente, a sinalização conta com a distribuição dos objetos e pessoas
na cena. Depois, enquanto a conversa ou tradução vai acontecendo, recorre-
-se ao recurso de apontamento, que costuma ser muito utilizado durante
qualquer situação, pois evita que os sinais se sobreponham um ao outro. Por
exemplo, quando se está contando a história dos três porquinhos, inicialmente
se distribuem as casas e os personagens no espaço. O porco com a casa de
palha poderia ficar mais à direita; o porco com a casa de madeira, mais no
meio; e o porco com a casa de tijolos, mais à esquerda. Coloca-se o lobo no
enredo e a narração se inicia. Cada vez que um porco for retomado, não é
preciso sinalizar quem ele é, apenas apontar e usar alguma característica,
talvez. Mas a história será melhor compreendida se for feita dessa forma, sem
confundir quem assiste.
Por exemplo, no caso de um diálogo entre uma mãe e um filho, é possível
posicionar um à esquerda e outro à direita. Cada vez que um tomar o turno
de fala, pode-se apontar ou fazer um leve movimento de corpo, virando-se
para o lado em que o falante está.
Noções de léxico, de morfologia e de sintaxe com apoio de recursos audiovisuais 7
Os elementos que você viu até aqui são aspectos que tornam a Libras uma língua.
Conhecer cada um deles favorece a sua correta utilização. Como você já viu, para saber
Libras, não basta conhecer sinais; é preciso ir além e entender a estrutura da língua.
Estrutura gramatical:
aspectos próprios da Libras
A Libras segue alguns dos princípios básicos de qualquer outra língua no que
diz respeito à sua estrutura gramatical. Porém, como conta com diferentes
recursos, como classificadores e expressões não manuais, algumas mudanças
são possíveis e aceitáveis.
É importante você levar em conta que existe uma ordem básica para a
narrativa ser estabelecida; os sinais tendem a ser feitos seguindo essa ordem.
Costuma-se sinalizar iniciando pelo sujeito (S), seguido pelo verbo (V) e pelo
objeto (O). Porém, mudanças são possíveis, dados todos os aspectos mencio-
nados anteriormente. Na língua portuguesa, algumas frases são consideradas
agramaticais e não pronunciáveis, mas na Libras, dependendo dos recursos
utilizados, essas frases podem ser aceitas e até melhor compreendidas. Con-
sidere os exemplos a seguir.
Ambas as frases são possíveis e permitidas, cada uma na sua língua. Caso
a primeira frase seja sinalizada da forma como está escrita, tem-se o caso do
português sinalizado. Porém, quando a segunda é sinalizada, respeita-se o
uso geral da Libras.
Em alguns casos, é necessário repetir um sinal para que ele seja com-
preendido e reforçado: “futebol João gostar futebol”. Nesse caso, a palavra
“futebol” possui um significado muito importante e a sua repetição oferece
essa ideia ao interlocutor que recebe a mensagem. Mas isso depende da situ-
ação comunicativa e da intenção da frase; esta pode ser afirmativa, negativa
ou interrogativa.
8 Noções de léxico, de morfologia e de sintaxe com apoio de recursos audiovisuais
Como ordem dominante, tem-se: SOV, SVO e VSO. De acordo com Qua-
dros e Karnopp (2004, p. 135), “A língua de sinais brasileira apresenta certa
flexibilidade na ordem das palavras [...]”, sendo, portanto, aceitáveis outras
possibilidades de formação. Porém, tais possibilidades precisam ser compre-
endidas por quem sinaliza e por quem recebe a mensagem. A ideia é que a
comunicação não vire bagunça.
Advérbios temporais
O uso de advérbios temporais também permite algumas mudanças. Eles podem
estar antes ou depois da oração. Por exemplo: “Felipe comprar casa amanhã”
ou “Amanhã Felipe comprar casa”. Essas duas possibilidades de frases são
aceitas na Libras. Porém, o advérbio de frequência pode ocorrer na frase de
três formas diferentes:
Verbos
Para se referir a tempos verbais na estrutura da Libras, são usadas algumas
marcas: passado, presente e futuro, ontem, hoje e amanhã. Por exemplo:
Noções de léxico, de morfologia e de sintaxe com apoio de recursos audiovisuais 9
Tópicos
Nas sentenças com tópico, a ordem da frase pode variar. Considere, por exem-
plo, a frase “Pesquisar ela não-gostar”. A palavra “pesquisar” aqui entra como
um tópico que logo em seguida será explicado pelo comentário “ela não-gostar”.
Esse tipo de construção costuma favorecer o entendimento de quem recebe
a informação. Primeiro se informa sobre o que será dito e em seguida vem a
informação propriamente dita em Libras.
Alguns casos apresentam outra estrutura, por exemplo, o verbo “convidar”.
Sinaliza-se “Você convidar ele”, porém as marcações de “você” e “ele” não
são feitas pelo apontamento, mas por um movimento das mãos de um lado
em direção ao outro.
Sintaxe espacial
Quadros e Karnopp (2004) apresentam alguns mecanismos usados para ex-
plicar como a Libras se organiza espacialmente, ou seja, como os sinais são
organizados a fim de favorecer a compreensão por parte de quem os vê. Tais
mecanismos incluem:
10 Noções de léxico, de morfologia e de sintaxe com apoio de recursos audiovisuais
Como você viu, a Libras possui uma estrutura gramatical própria, embora siga algumas
regras utilizadas também por outras línguas. Esse conhecimento é o que favorece a
verdadeira compreensão da Libras e a sua distinção do português.
diferentes etapas de ensino até compreender que existem regras que devem
ser seguidas, que algumas vezes é possível criar novas palavras, mas outras
vezes, não.
Já as crianças surdas, em sua maioria, não têm contato com a Libras desde
que nascem, principalmente se forem de uma família de ouvintes. Pense na
situação de uma criança com 4 anos, idade na qual hoje é obrigatório estar
numa escola, que nunca teve contato com a sua língua. Ao chegar à escola, a
sua primeira aprendizagem precisa ser dos sinais; é necessário construir um
vocabulário ao qual a criança possa recorrer para organizar e criar frases.
Quando estiver no 1º ano, ela terá quatro anos de atraso em relação ao léxico
que uma criança ouvinte possui, o que trará consequências significativas para
o seu desenvolvimento.
Veja o que afirma Fernandes (2007, documento on-line):
Dessa forma, quanto mais cedo a criança com surdez for colocada em
contato com a sua língua e receber estímulos visuais, mais fácil e rapidamente
se desenvolverá. O ideal seria a existência de espaços de educação infantil
que dessem conta desse contato inicial que a criança surda precisa ter, usando
recursos e materiais audiovisuais que facilitassem o seu desenvolvimento.
Falkoski e Witchs (2010) apresentam uma proposta de trabalho voltada a
crianças da educação infantil, mas que poderia ser utilizada em diferentes
momentos do desenvolvimento do sujeito surdo. Note que os aspectos men-
cionados não são difíceis de serem colocados em prática em sala de aula:
Considerações finais
A Libras apresenta basicamente os mesmos componentes das línguas orais,
tendo assim o mesmo status de outras línguas. Como você viu, os aspec-
tos fonológicos da Libras envolvem os sinais; os aspectos morfológicos, os
mecanismos de mudança de um sinal para outro; e os aspectos sintáticos, a
estrutura da frase.
Compreender a estrutura e as possibilidades específicas da Libras favorece
o aprendizado dessa língua, evitando o chamado “português sinalizado”.
A incorporação de numerais e negativos e o uso de tópicos são elementos
da Libras que tornam a frase sinalizada mais compreensível por quem está
recebendo a mensagem. Além disso, a Libras possui recursos que as línguas
orais não têm, como os classificadores. O uso desses recursos faz com que
a Libras seja sinalizada e entendida por surdos e ouvintes e também facilita
a comunicação.
Em sala de aula, o professor, mesmo que esteja se desenvolvendo na língua
e ainda não seja fluente, pode recorrer a metodologias e recursos visuais que
facilitarão o aprendizado dos seus alunos surdos e também dos seus alunos
ouvintes. Aprender Libras interagindo visualmente torna a língua mais sig-
nificativa e compreensível.
BRASIL. Decreto nº 9.656. Altera o Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005, que
regulamenta a Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasi-
leira de Sinais - Libras. Brasília: Presidência da República, 2018. Disponível em: https://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/decreto/d9656.htm. Acesso em:
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BRITO, L. F. Uma abordagem fonológica dos sinais da LSCB. Espaço, Rio de Janeiro, v.
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FALKOSKI, F. C.; WITCHS, P. H. Inclusão de surdos na educação infantil: aquisição e
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QUADROS, R. M.; KARNOPP, L. B. Língua de sinais brasileira: estudos linguísticos. Porto
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